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1 AS REPRESENTAÇÕES PARIETAIS DE VÊNUS EM POMPÉIA DURANTE O IMPÉRIO ROMANO Pérola de Paula Sanfelice ([email protected] ) Orientação: Drª Renata Senna Garraffoni. Palavras Chaves: Pintura romana, Pompéia e Religiosidade . Esta pesquisa monográfica visa investigar a cultura romana, dando ênfase na relação dos romanos com arte e com a religiosidade. O estudo aqui apresentado é fruto de um trabalho iniciado junto ao grupo PET-História, no qual estive presente durante três anos da minha graduação, desenvolvendo trabalhos coletivos e individuais, os quais deram a origem a esta monografia. O interesse pela temática, em grande parte, surgiu ao longo do curso de graduação em História, com a apresentação de debates historiográficos mais recentes, sobretudo aqueles que discutem a respeito da pluralidade cultural e multiplicidade dos sujeitos históricos. Partindo deste ponto, nosso intuito é enfocar pinturas de casas romanas, por se aproximarem mais do cotidiano destes indivíduos; e também, por representar, consideravelmente, a figura feminina, durante muito tempo excluída da historiografia clássica. Nosso trabalho visa analisar algumas representações imagéticas da deusa Vênus, encontradas na cidade de Pompéia. A opção de se trabalhar com imagens vem, primeiramente, do encanto de suas composições, mas também por que o universo da cultura material, que segundo Cavicchioli, demonstra ser algo mais “democrático e mais tangível, cujos significados poderiam ser compartilhados de maneira mais direta do que a palavra escrita” 1 . Nesse sentido, visamos destacar as representações de uma divindade feminina, que fora cultuada tanto por pessoas pertencentes à elite quanto às camadas populares de Roma. Assim, optamos por desenvolver um trabalho interdisciplinar, através de estudos arqueológicos e estudos artísticos das pinturas. A opção pela interdisciplinaridade se justifica por acreditamos na possibilidade de destacar a diversidade de papéis desempenhados pela deusa Vênus, uma vez que podemos perceber que suas representações não alcançam apenas ao universo religioso ou político, mas também estão ligadas a expressões de crenças, de sentimentos, gostos e subjetividades romanas. Para tanto, dividimos a presente monografia em três capítulos, sendo que no primeiro apontamos âmbitos do campo teórico metodológico. Buscamos, primeiramente, um diálogo entre as teorias da História, da História da Arte e da Arqueologia, com o intuito de chamar a atenção para algumas discussões epistemológicas, que contribuíram para o recorte temático desta pesquisa. Além, ressaltamos que este diálogo entre disciplinas se tornou fundamental, pois foi por meio de escavações arqueológicas que nasceu a possibilidade de acesso às paredes de Pompéia. O segundo capítulo consiste em apresentar algumas especificidades da cidade romana, Pompéia, e, também, discutir alguns enfoques dados a arte de Roma. Já o terceiro e último capitulo, foi direcionado para a análise das fontes: nele são apresentadas a discussão a respeito da religiosidade romana, pompeiana e as abordagens sobre a deusa Vênus. Neste capítulo também, desenvolvemos uma análise a partir de um catálogo de imagens que retratam a divindade mencionada. Dessa forma, o nosso intuito é fazer uma análise desta sociedade por meio das fontes e contrapor os resultados com o discurso largamente difundido na historiografia clássica, que aponta os romanos como um povo homogêneo, formando um único bloco cultural. Para desenvolver este estudo buscamos a documentação em uns dos principais centros 1 CAVICCHIOLI, M.R., Dissertação de mestrado: As representações na iconografia pompeiana, UNICAMP, Campinas, SP:2004,p.2.

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1

AS REPRESENTAÇÕES PARIETAIS DE VÊNUS EM POMPÉIA DURANTE O IMPÉRIO ROMANO

Pérola de Paula Sanfelice

([email protected])

Orientação: Drª Renata Senna Garraffoni.

Palavras Chaves: Pintura romana, Pompéia e Religiosidade .

Esta pesquisa monográfica visa investigar a cultura romana, dando ênfase na relação

dos romanos com arte e com a religiosidade. O estudo aqui apresentado é fruto de um

trabalho iniciado junto ao grupo PET-História, no qual estive presente durante três anos da

minha graduação, desenvolvendo trabalhos coletivos e individuais, os quais deram a origem

a esta monografia. O interesse pela temática, em grande parte, surgiu ao longo do curso de

graduação em História, com a apresentação de debates historiográficos mais recentes,

sobretudo aqueles que discutem a respeito da pluralidade cultural e multiplicidade dos

sujeitos históricos. Partindo deste ponto, nosso intuito é enfocar pinturas de casas romanas,

por se aproximarem mais do cotidiano destes indivíduos; e também, por representar,

consideravelmente, a figura feminina, durante muito tempo excluída da historiografia

clássica.

Nosso trabalho visa analisar algumas representações imagéticas da deusa Vênus,

encontradas na cidade de Pompéia. A opção de se trabalhar com imagens vem,

primeiramente, do encanto de suas composições, mas também por que o universo da cultura

material, que segundo Cavicchioli, demonstra ser algo mais “democrático e mais tangível,

cujos significados poderiam ser compartilhados de maneira mais direta do que a palavra

escrita”1. Nesse sentido, visamos destacar as representações de uma divindade feminina,

que fora cultuada tanto por pessoas pertencentes à elite quanto às camadas populares de

Roma. Assim, optamos por desenvolver um trabalho interdisciplinar, através de estudos

arqueológicos e estudos artísticos das pinturas. A opção pela interdisciplinaridade se

justifica por acreditamos na possibilidade de destacar a diversidade de papéis

desempenhados pela deusa Vênus, uma vez que podemos perceber que suas representações

não alcançam apenas ao universo religioso ou político, mas também estão ligadas a

expressões de crenças, de sentimentos, gostos e subjetividades romanas.

Para tanto, dividimos a presente monografia em três capítulos, sendo que no

primeiro apontamos âmbitos do campo teórico metodológico. Buscamos, primeiramente,

um diálogo entre as teorias da História, da História da Arte e da Arqueologia, com o intuito

de chamar a atenção para algumas discussões epistemológicas, que contribuíram para o

recorte temático desta pesquisa. Além, ressaltamos que este diálogo entre disciplinas se

tornou fundamental, pois foi por meio de escavações arqueológicas que nasceu a

possibilidade de acesso às paredes de Pompéia. O segundo capítulo consiste em apresentar

algumas especificidades da cidade romana, Pompéia, e, também, discutir alguns enfoques

dados a arte de Roma. Já o terceiro e último capitulo, foi direcionado para a análise das

fontes: nele são apresentadas a discussão a respeito da religiosidade romana, pompeiana e as

abordagens sobre a deusa Vênus. Neste capítulo também, desenvolvemos uma análise a

partir de um catálogo de imagens que retratam a divindade mencionada.

Dessa forma, o nosso intuito é fazer uma análise desta sociedade por meio das fontes

e contrapor os resultados com o discurso largamente difundido na historiografia clássica,

que aponta os romanos como um povo homogêneo, formando um único bloco cultural. Para

desenvolver este estudo buscamos a documentação em uns dos principais centros

1CAVICCHIOLI, M.R., Dissertação de mestrado: As representações na iconografia pompeiana,

UNICAMP, Campinas, SP:2004,p.2.

2

arqueológicos e cultural romano, Pompéia, uma antiga cidade do Império Romano, que foi

destruída durante a erupção do vulcão Vesúvio no ano de 79 d.C. A lava e a chuva de cinzas

que sepultaram a cidade na ocasião possibilitaram a sobrevivência de alguns vestígios da

cultura romana que tem sido cada vez mais estudado por classicistas.

Desse modo, o primeiro capítulo apresenta uma contextualização das

transformações epistemológicas que ocorreram dentro das Ciências Humanas e, sobretudo,

dentro da História. Destacamos aqui alguns questionamos pontuados na monografia, e que

foram fundamentados, especialmente, a partir da obra A História Repensada. Nela, Jenkins

questiona a crença positivista no documento como uma transparência da realidade, um

meio de acesso aos acontecimentos e aos personagens escolhidos. Também aponta para os

efeitos negativos de uma narrativa histórica “que ignorava as descontinuidades e

descartava o imprevisível, pois não sabia lidar com as diferenças e com o acaso” 2. Nesse

sentido, o autor alerta para o fato de que os historiadores são obrigados a prestar atenção

aos discursos, à maneira pela qual um objeto histórico é produzido e atentar-se,

posteriormente, à própria narrativa histórica que constroem sobre ele.

Partindo desta perspectiva, de que a História é um constructo ideológico, permeada

por relações de poder e cuja escrita foi desenvolvida praticamente dentro de um projeto em

que se centrava naquele que detinha o poder, o objetivo de nosso trabalho é propor uma

análise que reveja tais proposições. Acreditamos, desse modo, na possibilidade de propor

leituras menos normativas do cotidiano daqueles que participaram do passado. Logo, por

meio de uma discussão entre História, Arqueologia, e História da Arte procuramos

construir outras percepções acerca da arte e da religiosidade romana. Percebemos, desta

forma, que a famosa afirmação de Georges Duby ilustra de forma bem sucinta todo este

processo interpretativo: “cada época constrói, mentalmente, sua própria representação do

passado, sua própria Roma e sua própria Atenas”3. Nesse sentido, fica claro que o

historiador não pode ressuscitar o passado, mas cada época reconstrói a sua própria

interpretação do passado, mais adequada ao presente, mas não necessariamente mais

verdadeira.

Após esta breve discussão a respeito do conhecimento histórico, nos dedicamos a

compreender um debate que vêm sendo travado pela historiografia clássica a respeito da

origem e formação da arte romana, contemplados no segundo capítulo. Para tanto,

recorremos a autores inseridos em correntes historiográficas diversas, a fim de perceber as

diferentes concepções existentes sobre este assunto. A partir de uma breve análise

percebemos que a discussão sobre a origem e formação da arte romana faz parte de um

campo divido dentre os estudiosos clássicos. Há autores que encontram marcas de

decadência na representação artística e outros que se posicionam de maneira contrária,

defendendo a existência de inspiração e criatividade. Nossas conclusões se aproximam

muito desta última linha de pensadores, que conduzem seus argumentos para uma

concepção de arte envolvendo a diversidade e o poder criativo dos romanos.

Para desenvolver o último capítulo da nossa monografia, selecionamos imagens

da deusa Vênus para análise. Ressaltamos ainda, para justificar o uso da divindade, o fato

da cidade Pompéia, no momento em que foi anexada por Sila ao Império Romano, passou

a chamar-se Colonia Cornelia Veneria Pompeiorum, indicando a importância da deusa

como protetora da localidade e, justificando assim, a enorme quantidade de pinturas,

esculturas e grafites com a temática espalhados pela cidade. Nesse sentido, em nosso

trabalho abordamos, primeiramente, discussões sobre a religiosidade romana como um

2 JENKINS, K.; A História repensada, SP: Editora Contexto, 2005.p.11. 3 Tradução de Funari In: FUNARI, P. P. A. , Antigüidade Clássica a História e a Cultura a partir dos Documentos, 2ª Edição, Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003. p.29. (Duby, G. 1980 Un nominaliste

bien tempéré, Dialogues, Paris, Flammarion, 37-66.)

3

todo, para depois especificarmos esse fenômeno na cidade de Pompéia.

Roma abrangeu uma série de experiências religiosas diferentes, adotando algumas

e perseguindo outras. Inicialmente, num panorama geral, enfocamos o trabalho da

classicista Garraffoni, no artigo inédito intitulado “La religion y El cotidiano romano: El

ejemplo de las paredes de Pompeya”4. Ao mencionar a religião romana, a autora chama a

atenção para o fato de que há um predomínio de abordagens sobre os ritos e afirma que

pouco se tem estudado acerca das expressões religiosas das pessoas, ou seja, o foco está

apenas nos ritos e práticas vinculadas às atividades de governo de Roma. As fontes

utilizadas para se obter estes estudos, em grande parte, corroboram para fornecer esta

interpretação, pois tratam-se, em sua maioria, de textos escritos por uma elite culta, com

interesses próprios, que não expressavam os sentimentos das massas romanas, mas pelo

contrário, primavam por relatar as atividades oficiais, restringindo suas pesquisas apenas

ao campo das relações políticas. Nesse sentido, grande maioria das indagações visava

compreender os cultos, as instituições, as organizações e as hierarquias sacerdotais, sem se

ater a outras manifestações religiosas, como na poesia e na arte5.

Ressaltamos que estes modelos não tinham a intenção de explanar e analisar

questões religiosas como integrantes do universo cultural. A compreensão da religião

romana só assumia importância para esta historiografia na medida em que um

acontecimento religioso assumia uma conotação de ordem política ou militar, sendo

percebido como uma interferência no cotidiano. Num artigo recente, Roman Religion

Revied, Rives discute a permanência de tais posturas nos dias atuais. Inicialmente retoma o

trabalho de Wissowa para exemplificar as perspectivas de estudo que tratam da religião

com a finalidade de explicar fenômenos políticos, tais como a concepção que prevê a

religião como uma forma de manipulação: “membros da elite abusam da religião para

tirar proveitos políticos” 6

. Ressaltamos que tais concepções estão muito próximas de

conceitos originários do século XIX, em que há uma elite detentora do poder que distrai

uma plebe ociosa por meio de jogos ou através de manipulações por meio de cultos

religiosos.

Contudo, Rives afirma que entre as décadas de 1960 e 1970 novas discussões

foram travadas a respeito da religião romana, com transformações teóricas ocorridas entre

os classistas, que passaram a buscar um diálogo cada vez maior entre História,

Arqueologia e Antropologia, possibilitando, desta maneira, alternativas para se

compreender a religião romana. Outra questão que tem marcado tais estudos é no que

concerne à influência da cultura grega nas tradições romanas. Há escolas historiográficas

em que a distinção entre a religião nativa romana e as importações de elementos

estrangeiros é fundamental, pois argumentam que a adoção de uma divindade estrangeira é

a indicação e a contribuição para o declínio das tradições. No entanto, há estudos mais

recentes, sobretudo os que envolvem a Arqueologia, que questionam a idéia de uma

religião puramente romana, exemplo disso é afirmação de Rives “a religião romana é um

amálgama de diferentes tradições” 7

, nesse sentido o autor ressalta a importância em se

estudar o fenômeno religioso em várias províncias romanas, afim de se conhecer as suas

especificidades. Destaca ainda que, nos últimos vinte e cinco anos, foram produzidas

várias obras que discutem as tradições da província no quadro mais amplo da história

imperial romana religiosa, a fim de reavaliar o papel da religião na delimitação da

identidade das culturas locais. Assim, estudos mais detalhados das províncias, que levam

4 GARRAFFONI, R.S.; “La religion y El cotidiano romano:El ejemplo de las paredes de Pompeya”.

Artigo inédito. 5 Idem. p.4.

6 RIVES, J.B.; Review: Roman Religion Revied.In: Phoenix, Vol. 52, Nº3/4. 1998, p.350.

7 Idem., p.353.

4

em conta uma gama mais ampla de evidências, possibilitam uma compreensão mais

equilibrada do Império Romano como um todo.

Com relação a religiosidade pompeiana, Roger Ling, em sua obra Pompeii:

History, life and after life, descreve que a religião em Pompéia, bem como na antiga

sociedade, que era composta por múltiplas divindades, com diferentes características e

atuando em diferentes esferas de competência. Dessa forma, as pessoas poderiam cultuar

momentaneamente uma divindade e, em seguida, oferecer seus cultos a outros deuses, tudo

dependeria da preferência pessoal e das necessidades de um determinado momento. Ling

afirma que os vestígios e práticas religiosas na cidade de Pompéia podem ser percebidos

pelo número de templos e altares.8 Contudo, o autor ressalta que a religiosidade daquelas

pessoas não era necessariamente ligada aos espaços religiosos formais, pois era

manifestada nas próprias casas ou até mesmo nas ruas. Havia altares em esquinas,

geralmente compostos por pinturas, inscrições e esculturas das divindades, refletindo o

quão natural e difundida era a religiosidade pompeiana. Funari acrescenta ainda, que na

cidade de Pompéia existiam alguns símbolos destinados a afastar o mau olhado. No artigo

“As inscrições populares pompeianas e seu caráter apotropaico” 9, o autor salienta que as

representações e ilustrações fálicas eram usadas, especialmente, para afastar as forças

negativas. Aceita-se, em geral, que a função apotropaica do falo esteja correlacionada com

sua associação à fertilidade. Dessa maneira, tais símbolos estavam expressos em diversos

artefatos da cultura material, como paredes e cerâmicas, representando os sentimento e

crenças de uma ampla gama de pessoas.

Como sabemos, no momento em que Pompéia foi anexada por Sila, ao Império

Romano, no ano de 80 a.C., Vênus foi considerada a divindade protetora da cidade. Na

mitologia greco-romana, Vênus tem os mesmo atributos da deusa grega Afrodite. Para os

romanos o seu nome significa “nascida da espuma do mar”, mitologicamente ela nasceu

em uma concha, as Horas cuidaram dela desde o seu nascimento, e impediram que o tempo

passasse para essa divindade, mantendo para sempre a sua beleza10

. Vênus era também

considerada deusa do amor e da fertilidade, e, por ter nascido das espumas do mar, há

quem acreditasse que esta também fosse uma deusa dos mares e da navegação.11

Assim,

destacamos que há diversas maneiras de se reportar a deusa na cidade de Pompéia:

inscrições parietais, esculturas, pinturas, templos, entre outros. No entanto, o nosso

trabalho se focará em apenas uma, dentre tantas expressões: a pintura. Sobre elas, fizemos

análises temáticas, elaboramos um catálogo a respeito do local em que foram encontradas,

referências que as mencionem e, por fim, apontamos nossas interepretações a partir do

estudo das imagens selecionadas, além de ressaltar a contribuição destas diuscussões para a

historiografia.

Após esta breve discussão sobre a religiosidade romana, sobretudo em Pompéia,

apresentaremos algumas imagens pertencentes ao nosso corpus, e algumas temáticas,

presentes nas imagens em análise.

8 LING, R.; Pompeii: History, Life and Afterlife. Tempus Publishing Limited, 2005.p.107

9 FUNARI, P.P.; “As inscrições populares pompeianas e seu caráter apotropaico “. Artigo apresentado,

originalmente, no Grupo de Trabalho “Os sentidos do Apotropaico”, no Museu de Arqueologia e

Etnologia da Universidade de São Paulo: 1994. 10

SALIS, V.D.; Mitologia Viva: aprendendo com os deuses a arte de viver e amar. Editora Nova

Alexandria, São Paulo, 2003. p.41. 11

SCHWAB, G.; As mais belas histórias da Antiguidade clássica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. p.

323.

5

Diante destas imagens, percebemos que a divindade pode se reportar aos temas

diversos já apresentados, no entanto, para um breve resumo, preferimos destacar a conexão

da deusa com temas relacionados à sexualidade. Especialmente, pelo fato das figuras

representadas, de maneira sugestiva, fazerem alusão ao erotismo, como os casos

específicos de Marte cortejando Vênus (figuras 1 e 3), e o próprio nudismo da deusa

(figuras 2 e 4). Em uma breve leitura das imagens, contrapomos interpretações mais

tradicionais, como a do arqueólogo Maiuri, que afirma que a mão da deusa parece impedir

Marte de tocar em seus seios, sugerindo, por meio desta idéia, que a deusa se assemelhe a

uma educada moça romana (figuras 1 e 3). Contrariamente a esta concepção, traduzimos

estes gestos como uma postura de consentimento, como se a deusa estivesse admitindo e

até mesmo incentivando que este deus a tocasse. Tendo em vista que a sua mão mantém

um contato suave com a mão de seu amante. Destacamos que interpretações como esta de

Maiuri estão repletas de valores oriundos de uma corrente de interpretação tradicional e

datada. Como ressaltou Cavicchioli, em seu trabalho sobre pinturas eróticas, o arqueólogo

Amadeo Maiuri foi superintendente das escavações de Pompéia na década de 1920,

ocupando o cargo de 1924 a 1961. Nesse sentido, seu trabalho se tornou muito polêmico,

principalmente, porque se desenvolveu no contexto do fascismo. Conforme a autora, neste

contexto fascista, as visitações às coleções que continham pinturas eróticas foram

altamente controladas, pois mesmo que o regime fascista buscasse se identificar com o

Império Romano, ao mesmo tempo se identificava com a moral da Igreja Católica. Logo,

uma vez que o catolicismo vinculava a idéia da sexualidade ao pecado, não poderiam se

considerar herdeiros de uma sexualidade tão explícita.12

Entretanto, destacamos que embora a interpretação de Maiuri seja rigorosa,

sobretudo com relação aos elementos que remetam a sexualidade, o autor ressalta que a

imagem, ainda que represente um ritual referente a uma divindade, também denota uma

cerimônia presente no cotidiano romano. Nesse sentido, salientamos que estas pinturas

pode nos sugerir, através de seus símbolos, toda a ritualística que envolve um casamento

romano, e as maneiras destes indivíduos se relacionarem. Conforme Paul Veyne, afrescos

com tais temáticas, geralmente, ficavam presentes num quarto nupcial: “era uma alegoria

do casamento, e sua função era celebrar a lembrança”13

. Ou até mesmo concepções de

um ideal de beleza, como os presentes nas figuras 2 e 4. Neste sentido destacamos que

representações como estas estão repletas de identidade, de significados, de memórias, e

12

CAVICCHIOLI, M. Op. Cit. pp.21-22. 13

Idem. p.212.

FIGURA 4 Fonte: LING, R., Pompeii History, life

and afterlife,

Tempus Publishing, 2005.p.97.

FIGURA 1 Fonte: LING, R., Pompeii

History, life and afterlife,

Tempus Publishing,

2005.p.139.

FIGURA 2 Fonte: CAVICCHIOLI,

M.R.; Dissertação de

mestrado: As representações na iconografia pompeiana,

UNICAMP, Campinas,

SP:2004

FIGURA 3 Fonte: MAIURI, A., Roman

Painting. Skira, New York,

1953, p.78

6

por fim, subjetividades. Pois como já afirmou Maiuri, nesta imagem Vênus se assemelha

mais a uma dama romana do que a uma sedutora Afrodite, o que nos leva a considerar

alguns aspectos a respeito da vida cotidiana romana.

Destacamos ainda, que tanto a pintura como a religião são capazes de trazer novos

significados e, principalmente, novas perspectivas de estudos historiográficos. Conforme

Bisson “a religião cria, mantém e opõe os mundos; seus símbolos míticos demonstram no

que esse mundo se baseia, quais são suas forças opositoras, quais mundos ocultos

residem além, ou dentro da vida cotidiana”14

, neste caso em particular, a imagem permite

que nos aprofundemos em questões relativas aos ritos de casamento e até mesmo

concepções da sexualidade romana.

Neste sentido, evidenciamos que a escolha das fontes nos proporcionou uma

grande oportunidade de reflexão, sobretudo através do diálogo interdisciplinar, que nos

permite repensar a História Antiga por um outro viés, que por muitas vezes fora abordada

pelos grandes feitos políticos e militares, e deixada de lado elementos importantes na

formação deste povos, como representação de si mesmo, que podemos perceber através

dos registros nas paredes de Pompéia. Dessa forma destacamos a importância de se

avançar nos estudos que se propõem uma interpretação do divino dentro de um contexto

sócio-cultural, pois eles nos permitem romper com a perspectiva que ressalta a religião

apenas interligada aos fenômenos políticos. Através desta abordagem, são múltiplas as

possibilidades interpretativas, sobretudo no que tange as experiências em outras esferas

da sociedade. Assim, mesmo que em símbolos gerais, ao trazermos interpretações distintas

para uma divindade romana por meio dos estudos da cultura material, Arqueologia e

História da Arte, percebemos também a existência de variadas maneiras de se relacionar

com o sagrado. Trouxemos interpretações que vão além da abordagem política retratada,

fundamentalmente, na literatura clássica. Destacamos, também, que temas como o da

religiosidade não necessitam estar separados de outros assuntos da esfera humana.

Por fim, concluímos que, embora os romanos buscassem, primeiramente,

inspirações na arte grega ou etrusca, o resultado de seus trabalhos não são isentos de

criatividade, individualidade ou de subjetividades. Logo, não se pode inferir que as obras

romanas são apenas “réplicas gregas”. As obras romanas, seguramente, surgiram de

algumas escolhas e preferências, demonstrando, assim, o gosto pela beleza das produções

helenísticas. Além disso, acreditamos que a atividade artística pressupõe acima de tudo,

colocar em prática sob caráter estético, as sensações, o estado de espírito, que estão

estritamente ligadas às vivências pessoais, deste modo, as representações de alguma forma

se manifestam sob um caráter individual e subjetivo. Salientamos ainda, que é

imprescindível termos em mente que o presente influência as nossas visões acerca do

passado, e isso significa que temos que reavaliar posturas supostamente objetivas dos

discursos dos historiadores e arqueólogos, a fim de buscar alternativas menos normativas

para o passado. Ressaltamos que estes questionamentos se tornam necessários na medida

que possibilitam a construção de novas interpretações sobre a cultura, os povos e, desta

maneira, pluralizam a História e diversificam os sujeitos presentes neste passado.

14

BISSON, M. P. ; “Brincando nos campos do Senhor. Religiosidade, pós-modernismo e interpretação”. In:

Narrar o passado, repensar a história: Campinas, SP: UNICAMP, Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas, 2000. p.214.