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AS REPRESENTAÇÕES PARIETAIS DE VÊNUS EM POMPÉIA DURANTE O IMPÉRIO ROMANO
Pérola de Paula Sanfelice
Orientação: Drª Renata Senna Garraffoni.
Palavras Chaves: Pintura romana, Pompéia e Religiosidade .
Esta pesquisa monográfica visa investigar a cultura romana, dando ênfase na relação
dos romanos com arte e com a religiosidade. O estudo aqui apresentado é fruto de um
trabalho iniciado junto ao grupo PET-História, no qual estive presente durante três anos da
minha graduação, desenvolvendo trabalhos coletivos e individuais, os quais deram a origem
a esta monografia. O interesse pela temática, em grande parte, surgiu ao longo do curso de
graduação em História, com a apresentação de debates historiográficos mais recentes,
sobretudo aqueles que discutem a respeito da pluralidade cultural e multiplicidade dos
sujeitos históricos. Partindo deste ponto, nosso intuito é enfocar pinturas de casas romanas,
por se aproximarem mais do cotidiano destes indivíduos; e também, por representar,
consideravelmente, a figura feminina, durante muito tempo excluída da historiografia
clássica.
Nosso trabalho visa analisar algumas representações imagéticas da deusa Vênus,
encontradas na cidade de Pompéia. A opção de se trabalhar com imagens vem,
primeiramente, do encanto de suas composições, mas também por que o universo da cultura
material, que segundo Cavicchioli, demonstra ser algo mais “democrático e mais tangível,
cujos significados poderiam ser compartilhados de maneira mais direta do que a palavra
escrita”1. Nesse sentido, visamos destacar as representações de uma divindade feminina,
que fora cultuada tanto por pessoas pertencentes à elite quanto às camadas populares de
Roma. Assim, optamos por desenvolver um trabalho interdisciplinar, através de estudos
arqueológicos e estudos artísticos das pinturas. A opção pela interdisciplinaridade se
justifica por acreditamos na possibilidade de destacar a diversidade de papéis
desempenhados pela deusa Vênus, uma vez que podemos perceber que suas representações
não alcançam apenas ao universo religioso ou político, mas também estão ligadas a
expressões de crenças, de sentimentos, gostos e subjetividades romanas.
Para tanto, dividimos a presente monografia em três capítulos, sendo que no
primeiro apontamos âmbitos do campo teórico metodológico. Buscamos, primeiramente,
um diálogo entre as teorias da História, da História da Arte e da Arqueologia, com o intuito
de chamar a atenção para algumas discussões epistemológicas, que contribuíram para o
recorte temático desta pesquisa. Além, ressaltamos que este diálogo entre disciplinas se
tornou fundamental, pois foi por meio de escavações arqueológicas que nasceu a
possibilidade de acesso às paredes de Pompéia. O segundo capítulo consiste em apresentar
algumas especificidades da cidade romana, Pompéia, e, também, discutir alguns enfoques
dados a arte de Roma. Já o terceiro e último capitulo, foi direcionado para a análise das
fontes: nele são apresentadas a discussão a respeito da religiosidade romana, pompeiana e as
abordagens sobre a deusa Vênus. Neste capítulo também, desenvolvemos uma análise a
partir de um catálogo de imagens que retratam a divindade mencionada.
Dessa forma, o nosso intuito é fazer uma análise desta sociedade por meio das fontes
e contrapor os resultados com o discurso largamente difundido na historiografia clássica,
que aponta os romanos como um povo homogêneo, formando um único bloco cultural. Para
desenvolver este estudo buscamos a documentação em uns dos principais centros
1CAVICCHIOLI, M.R., Dissertação de mestrado: As representações na iconografia pompeiana,
UNICAMP, Campinas, SP:2004,p.2.
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arqueológicos e cultural romano, Pompéia, uma antiga cidade do Império Romano, que foi
destruída durante a erupção do vulcão Vesúvio no ano de 79 d.C. A lava e a chuva de cinzas
que sepultaram a cidade na ocasião possibilitaram a sobrevivência de alguns vestígios da
cultura romana que tem sido cada vez mais estudado por classicistas.
Desse modo, o primeiro capítulo apresenta uma contextualização das
transformações epistemológicas que ocorreram dentro das Ciências Humanas e, sobretudo,
dentro da História. Destacamos aqui alguns questionamos pontuados na monografia, e que
foram fundamentados, especialmente, a partir da obra A História Repensada. Nela, Jenkins
questiona a crença positivista no documento como uma transparência da realidade, um
meio de acesso aos acontecimentos e aos personagens escolhidos. Também aponta para os
efeitos negativos de uma narrativa histórica “que ignorava as descontinuidades e
descartava o imprevisível, pois não sabia lidar com as diferenças e com o acaso” 2. Nesse
sentido, o autor alerta para o fato de que os historiadores são obrigados a prestar atenção
aos discursos, à maneira pela qual um objeto histórico é produzido e atentar-se,
posteriormente, à própria narrativa histórica que constroem sobre ele.
Partindo desta perspectiva, de que a História é um constructo ideológico, permeada
por relações de poder e cuja escrita foi desenvolvida praticamente dentro de um projeto em
que se centrava naquele que detinha o poder, o objetivo de nosso trabalho é propor uma
análise que reveja tais proposições. Acreditamos, desse modo, na possibilidade de propor
leituras menos normativas do cotidiano daqueles que participaram do passado. Logo, por
meio de uma discussão entre História, Arqueologia, e História da Arte procuramos
construir outras percepções acerca da arte e da religiosidade romana. Percebemos, desta
forma, que a famosa afirmação de Georges Duby ilustra de forma bem sucinta todo este
processo interpretativo: “cada época constrói, mentalmente, sua própria representação do
passado, sua própria Roma e sua própria Atenas”3. Nesse sentido, fica claro que o
historiador não pode ressuscitar o passado, mas cada época reconstrói a sua própria
interpretação do passado, mais adequada ao presente, mas não necessariamente mais
verdadeira.
Após esta breve discussão a respeito do conhecimento histórico, nos dedicamos a
compreender um debate que vêm sendo travado pela historiografia clássica a respeito da
origem e formação da arte romana, contemplados no segundo capítulo. Para tanto,
recorremos a autores inseridos em correntes historiográficas diversas, a fim de perceber as
diferentes concepções existentes sobre este assunto. A partir de uma breve análise
percebemos que a discussão sobre a origem e formação da arte romana faz parte de um
campo divido dentre os estudiosos clássicos. Há autores que encontram marcas de
decadência na representação artística e outros que se posicionam de maneira contrária,
defendendo a existência de inspiração e criatividade. Nossas conclusões se aproximam
muito desta última linha de pensadores, que conduzem seus argumentos para uma
concepção de arte envolvendo a diversidade e o poder criativo dos romanos.
Para desenvolver o último capítulo da nossa monografia, selecionamos imagens
da deusa Vênus para análise. Ressaltamos ainda, para justificar o uso da divindade, o fato
da cidade Pompéia, no momento em que foi anexada por Sila ao Império Romano, passou
a chamar-se Colonia Cornelia Veneria Pompeiorum, indicando a importância da deusa
como protetora da localidade e, justificando assim, a enorme quantidade de pinturas,
esculturas e grafites com a temática espalhados pela cidade. Nesse sentido, em nosso
trabalho abordamos, primeiramente, discussões sobre a religiosidade romana como um
2 JENKINS, K.; A História repensada, SP: Editora Contexto, 2005.p.11. 3 Tradução de Funari In: FUNARI, P. P. A. , Antigüidade Clássica a História e a Cultura a partir dos Documentos, 2ª Edição, Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003. p.29. (Duby, G. 1980 Un nominaliste
bien tempéré, Dialogues, Paris, Flammarion, 37-66.)
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todo, para depois especificarmos esse fenômeno na cidade de Pompéia.
Roma abrangeu uma série de experiências religiosas diferentes, adotando algumas
e perseguindo outras. Inicialmente, num panorama geral, enfocamos o trabalho da
classicista Garraffoni, no artigo inédito intitulado “La religion y El cotidiano romano: El
ejemplo de las paredes de Pompeya”4. Ao mencionar a religião romana, a autora chama a
atenção para o fato de que há um predomínio de abordagens sobre os ritos e afirma que
pouco se tem estudado acerca das expressões religiosas das pessoas, ou seja, o foco está
apenas nos ritos e práticas vinculadas às atividades de governo de Roma. As fontes
utilizadas para se obter estes estudos, em grande parte, corroboram para fornecer esta
interpretação, pois tratam-se, em sua maioria, de textos escritos por uma elite culta, com
interesses próprios, que não expressavam os sentimentos das massas romanas, mas pelo
contrário, primavam por relatar as atividades oficiais, restringindo suas pesquisas apenas
ao campo das relações políticas. Nesse sentido, grande maioria das indagações visava
compreender os cultos, as instituições, as organizações e as hierarquias sacerdotais, sem se
ater a outras manifestações religiosas, como na poesia e na arte5.
Ressaltamos que estes modelos não tinham a intenção de explanar e analisar
questões religiosas como integrantes do universo cultural. A compreensão da religião
romana só assumia importância para esta historiografia na medida em que um
acontecimento religioso assumia uma conotação de ordem política ou militar, sendo
percebido como uma interferência no cotidiano. Num artigo recente, Roman Religion
Revied, Rives discute a permanência de tais posturas nos dias atuais. Inicialmente retoma o
trabalho de Wissowa para exemplificar as perspectivas de estudo que tratam da religião
com a finalidade de explicar fenômenos políticos, tais como a concepção que prevê a
religião como uma forma de manipulação: “membros da elite abusam da religião para
tirar proveitos políticos” 6
. Ressaltamos que tais concepções estão muito próximas de
conceitos originários do século XIX, em que há uma elite detentora do poder que distrai
uma plebe ociosa por meio de jogos ou através de manipulações por meio de cultos
religiosos.
Contudo, Rives afirma que entre as décadas de 1960 e 1970 novas discussões
foram travadas a respeito da religião romana, com transformações teóricas ocorridas entre
os classistas, que passaram a buscar um diálogo cada vez maior entre História,
Arqueologia e Antropologia, possibilitando, desta maneira, alternativas para se
compreender a religião romana. Outra questão que tem marcado tais estudos é no que
concerne à influência da cultura grega nas tradições romanas. Há escolas historiográficas
em que a distinção entre a religião nativa romana e as importações de elementos
estrangeiros é fundamental, pois argumentam que a adoção de uma divindade estrangeira é
a indicação e a contribuição para o declínio das tradições. No entanto, há estudos mais
recentes, sobretudo os que envolvem a Arqueologia, que questionam a idéia de uma
religião puramente romana, exemplo disso é afirmação de Rives “a religião romana é um
amálgama de diferentes tradições” 7
, nesse sentido o autor ressalta a importância em se
estudar o fenômeno religioso em várias províncias romanas, afim de se conhecer as suas
especificidades. Destaca ainda que, nos últimos vinte e cinco anos, foram produzidas
várias obras que discutem as tradições da província no quadro mais amplo da história
imperial romana religiosa, a fim de reavaliar o papel da religião na delimitação da
identidade das culturas locais. Assim, estudos mais detalhados das províncias, que levam
4 GARRAFFONI, R.S.; “La religion y El cotidiano romano:El ejemplo de las paredes de Pompeya”.
Artigo inédito. 5 Idem. p.4.
6 RIVES, J.B.; Review: Roman Religion Revied.In: Phoenix, Vol. 52, Nº3/4. 1998, p.350.
7 Idem., p.353.
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em conta uma gama mais ampla de evidências, possibilitam uma compreensão mais
equilibrada do Império Romano como um todo.
Com relação a religiosidade pompeiana, Roger Ling, em sua obra Pompeii:
History, life and after life, descreve que a religião em Pompéia, bem como na antiga
sociedade, que era composta por múltiplas divindades, com diferentes características e
atuando em diferentes esferas de competência. Dessa forma, as pessoas poderiam cultuar
momentaneamente uma divindade e, em seguida, oferecer seus cultos a outros deuses, tudo
dependeria da preferência pessoal e das necessidades de um determinado momento. Ling
afirma que os vestígios e práticas religiosas na cidade de Pompéia podem ser percebidos
pelo número de templos e altares.8 Contudo, o autor ressalta que a religiosidade daquelas
pessoas não era necessariamente ligada aos espaços religiosos formais, pois era
manifestada nas próprias casas ou até mesmo nas ruas. Havia altares em esquinas,
geralmente compostos por pinturas, inscrições e esculturas das divindades, refletindo o
quão natural e difundida era a religiosidade pompeiana. Funari acrescenta ainda, que na
cidade de Pompéia existiam alguns símbolos destinados a afastar o mau olhado. No artigo
“As inscrições populares pompeianas e seu caráter apotropaico” 9, o autor salienta que as
representações e ilustrações fálicas eram usadas, especialmente, para afastar as forças
negativas. Aceita-se, em geral, que a função apotropaica do falo esteja correlacionada com
sua associação à fertilidade. Dessa maneira, tais símbolos estavam expressos em diversos
artefatos da cultura material, como paredes e cerâmicas, representando os sentimento e
crenças de uma ampla gama de pessoas.
Como sabemos, no momento em que Pompéia foi anexada por Sila, ao Império
Romano, no ano de 80 a.C., Vênus foi considerada a divindade protetora da cidade. Na
mitologia greco-romana, Vênus tem os mesmo atributos da deusa grega Afrodite. Para os
romanos o seu nome significa “nascida da espuma do mar”, mitologicamente ela nasceu
em uma concha, as Horas cuidaram dela desde o seu nascimento, e impediram que o tempo
passasse para essa divindade, mantendo para sempre a sua beleza10
. Vênus era também
considerada deusa do amor e da fertilidade, e, por ter nascido das espumas do mar, há
quem acreditasse que esta também fosse uma deusa dos mares e da navegação.11
Assim,
destacamos que há diversas maneiras de se reportar a deusa na cidade de Pompéia:
inscrições parietais, esculturas, pinturas, templos, entre outros. No entanto, o nosso
trabalho se focará em apenas uma, dentre tantas expressões: a pintura. Sobre elas, fizemos
análises temáticas, elaboramos um catálogo a respeito do local em que foram encontradas,
referências que as mencionem e, por fim, apontamos nossas interepretações a partir do
estudo das imagens selecionadas, além de ressaltar a contribuição destas diuscussões para a
historiografia.
Após esta breve discussão sobre a religiosidade romana, sobretudo em Pompéia,
apresentaremos algumas imagens pertencentes ao nosso corpus, e algumas temáticas,
presentes nas imagens em análise.
8 LING, R.; Pompeii: History, Life and Afterlife. Tempus Publishing Limited, 2005.p.107
9 FUNARI, P.P.; “As inscrições populares pompeianas e seu caráter apotropaico “. Artigo apresentado,
originalmente, no Grupo de Trabalho “Os sentidos do Apotropaico”, no Museu de Arqueologia e
Etnologia da Universidade de São Paulo: 1994. 10
SALIS, V.D.; Mitologia Viva: aprendendo com os deuses a arte de viver e amar. Editora Nova
Alexandria, São Paulo, 2003. p.41. 11
SCHWAB, G.; As mais belas histórias da Antiguidade clássica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. p.
323.
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Diante destas imagens, percebemos que a divindade pode se reportar aos temas
diversos já apresentados, no entanto, para um breve resumo, preferimos destacar a conexão
da deusa com temas relacionados à sexualidade. Especialmente, pelo fato das figuras
representadas, de maneira sugestiva, fazerem alusão ao erotismo, como os casos
específicos de Marte cortejando Vênus (figuras 1 e 3), e o próprio nudismo da deusa
(figuras 2 e 4). Em uma breve leitura das imagens, contrapomos interpretações mais
tradicionais, como a do arqueólogo Maiuri, que afirma que a mão da deusa parece impedir
Marte de tocar em seus seios, sugerindo, por meio desta idéia, que a deusa se assemelhe a
uma educada moça romana (figuras 1 e 3). Contrariamente a esta concepção, traduzimos
estes gestos como uma postura de consentimento, como se a deusa estivesse admitindo e
até mesmo incentivando que este deus a tocasse. Tendo em vista que a sua mão mantém
um contato suave com a mão de seu amante. Destacamos que interpretações como esta de
Maiuri estão repletas de valores oriundos de uma corrente de interpretação tradicional e
datada. Como ressaltou Cavicchioli, em seu trabalho sobre pinturas eróticas, o arqueólogo
Amadeo Maiuri foi superintendente das escavações de Pompéia na década de 1920,
ocupando o cargo de 1924 a 1961. Nesse sentido, seu trabalho se tornou muito polêmico,
principalmente, porque se desenvolveu no contexto do fascismo. Conforme a autora, neste
contexto fascista, as visitações às coleções que continham pinturas eróticas foram
altamente controladas, pois mesmo que o regime fascista buscasse se identificar com o
Império Romano, ao mesmo tempo se identificava com a moral da Igreja Católica. Logo,
uma vez que o catolicismo vinculava a idéia da sexualidade ao pecado, não poderiam se
considerar herdeiros de uma sexualidade tão explícita.12
Entretanto, destacamos que embora a interpretação de Maiuri seja rigorosa,
sobretudo com relação aos elementos que remetam a sexualidade, o autor ressalta que a
imagem, ainda que represente um ritual referente a uma divindade, também denota uma
cerimônia presente no cotidiano romano. Nesse sentido, salientamos que estas pinturas
pode nos sugerir, através de seus símbolos, toda a ritualística que envolve um casamento
romano, e as maneiras destes indivíduos se relacionarem. Conforme Paul Veyne, afrescos
com tais temáticas, geralmente, ficavam presentes num quarto nupcial: “era uma alegoria
do casamento, e sua função era celebrar a lembrança”13
. Ou até mesmo concepções de
um ideal de beleza, como os presentes nas figuras 2 e 4. Neste sentido destacamos que
representações como estas estão repletas de identidade, de significados, de memórias, e
12
CAVICCHIOLI, M. Op. Cit. pp.21-22. 13
Idem. p.212.
FIGURA 4 Fonte: LING, R., Pompeii History, life
and afterlife,
Tempus Publishing, 2005.p.97.
FIGURA 1 Fonte: LING, R., Pompeii
History, life and afterlife,
Tempus Publishing,
2005.p.139.
FIGURA 2 Fonte: CAVICCHIOLI,
M.R.; Dissertação de
mestrado: As representações na iconografia pompeiana,
UNICAMP, Campinas,
SP:2004
FIGURA 3 Fonte: MAIURI, A., Roman
Painting. Skira, New York,
1953, p.78
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por fim, subjetividades. Pois como já afirmou Maiuri, nesta imagem Vênus se assemelha
mais a uma dama romana do que a uma sedutora Afrodite, o que nos leva a considerar
alguns aspectos a respeito da vida cotidiana romana.
Destacamos ainda, que tanto a pintura como a religião são capazes de trazer novos
significados e, principalmente, novas perspectivas de estudos historiográficos. Conforme
Bisson “a religião cria, mantém e opõe os mundos; seus símbolos míticos demonstram no
que esse mundo se baseia, quais são suas forças opositoras, quais mundos ocultos
residem além, ou dentro da vida cotidiana”14
, neste caso em particular, a imagem permite
que nos aprofundemos em questões relativas aos ritos de casamento e até mesmo
concepções da sexualidade romana.
Neste sentido, evidenciamos que a escolha das fontes nos proporcionou uma
grande oportunidade de reflexão, sobretudo através do diálogo interdisciplinar, que nos
permite repensar a História Antiga por um outro viés, que por muitas vezes fora abordada
pelos grandes feitos políticos e militares, e deixada de lado elementos importantes na
formação deste povos, como representação de si mesmo, que podemos perceber através
dos registros nas paredes de Pompéia. Dessa forma destacamos a importância de se
avançar nos estudos que se propõem uma interpretação do divino dentro de um contexto
sócio-cultural, pois eles nos permitem romper com a perspectiva que ressalta a religião
apenas interligada aos fenômenos políticos. Através desta abordagem, são múltiplas as
possibilidades interpretativas, sobretudo no que tange as experiências em outras esferas
da sociedade. Assim, mesmo que em símbolos gerais, ao trazermos interpretações distintas
para uma divindade romana por meio dos estudos da cultura material, Arqueologia e
História da Arte, percebemos também a existência de variadas maneiras de se relacionar
com o sagrado. Trouxemos interpretações que vão além da abordagem política retratada,
fundamentalmente, na literatura clássica. Destacamos, também, que temas como o da
religiosidade não necessitam estar separados de outros assuntos da esfera humana.
Por fim, concluímos que, embora os romanos buscassem, primeiramente,
inspirações na arte grega ou etrusca, o resultado de seus trabalhos não são isentos de
criatividade, individualidade ou de subjetividades. Logo, não se pode inferir que as obras
romanas são apenas “réplicas gregas”. As obras romanas, seguramente, surgiram de
algumas escolhas e preferências, demonstrando, assim, o gosto pela beleza das produções
helenísticas. Além disso, acreditamos que a atividade artística pressupõe acima de tudo,
colocar em prática sob caráter estético, as sensações, o estado de espírito, que estão
estritamente ligadas às vivências pessoais, deste modo, as representações de alguma forma
se manifestam sob um caráter individual e subjetivo. Salientamos ainda, que é
imprescindível termos em mente que o presente influência as nossas visões acerca do
passado, e isso significa que temos que reavaliar posturas supostamente objetivas dos
discursos dos historiadores e arqueólogos, a fim de buscar alternativas menos normativas
para o passado. Ressaltamos que estes questionamentos se tornam necessários na medida
que possibilitam a construção de novas interpretações sobre a cultura, os povos e, desta
maneira, pluralizam a História e diversificam os sujeitos presentes neste passado.
14
BISSON, M. P. ; “Brincando nos campos do Senhor. Religiosidade, pós-modernismo e interpretação”. In:
Narrar o passado, repensar a história: Campinas, SP: UNICAMP, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, 2000. p.214.