as relações militares brasileiras durante a segunda guerra

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RB RB RB RB HM HM HM HM REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA MILITAR Ano II – nº. 06 Dezembro de 2011 AS RELAÇÕES MILITARES BRASILEIRAS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Fernando da Silva Rodrigues 1 Este artigo tem por objetivo realizar uma breve análise de uma parte do processo de construção do pensamento doutrinário no Exército Brasileiro, tomando por base as suas relações militares durante os anos 1930 e 1940, principalmente, a partir da chegada da Missão Militar Americana (MMA) em 1934 que foi aos poucos substituindo o pensamento doutrinário alemão e o francês até sua consolidação com o final da Segunda Guerra Mundial. Pretendemos ainda, analisar as relações militares de compra de material bélico do Brasil com a Alemanha, a partir de 1939 até 1942, e as relações militares com os Estados Unidos, a partir da implantação de duas Comissões Mistas de Defesa (uma em Washington e outra no Rio de Janeiro) em 1942. Nesse momento não é nosso objetivo analisar o envio de uma Força Expedicionária Brasileira (FEB) ao Teatro de Operações do Mediterrâneo, como parte da principal atividade conjunta da relação político-militar entre Brasil e Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. Nem tampouco analisar as tensões políticas e militares resultantes do processo de envio da FEB à guerra, desde as resistências iniciais de americanos e ingleses, a dependência material e doutrinária da unidade combatente brasileira, até a complexa rotina de relações entre os comandos do V Exército norte-americano e da FEB, na Itália. No final dos anos 1930 e início dos anos 1940, o contexto político mundial poderia representar o perigo de alinhamento ou cooperação de nações latino- americanas ao regime nazi-fascista da Europa. Dentro dessa perspectiva, percebemos uma disputa velada entre a Alemanha e os Estados Unidos da América, pela venda de material bélico, o que poderia representar na aproximação e no alinhamento direto com o Brasil, um Estado forte e 1 Doutor em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Severino Sombra, Professor do curso de Graduação da UNIABEU Centro Universitário e Pesquisador do PROAPE/UNIABEU. RB RB RB RB HM HM HM HM REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA MILITAR Ano II – nº. 04 Abril de 2011

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    HISTRIA MILITAR Ano II n. 06

    Dezembro de 2011

    AS RELAES MILITARES BRASILEIRAS DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

    Fernando da Silva Rodrigues1

    Este artigo tem por objetivo realizar uma breve anlise de uma parte do processo de construo do pensamento doutrinrio no Exrcito Brasileiro, tomando por base as suas relaes militares durante os anos 1930 e 1940, principalmente, a partir da chegada da Misso Militar Americana (MMA) em 1934 que foi aos poucos substituindo o pensamento doutrinrio alemo e o francs at sua consolidao com o final da Segunda Guerra Mundial. Pretendemos ainda, analisar as relaes militares de compra de material blico do Brasil com a Alemanha, a partir de 1939 at 1942, e as relaes militares com os Estados Unidos, a partir da implantao de duas Comisses Mistas de Defesa (uma em Washington e outra no Rio de Janeiro) em 1942.

    Nesse momento no nosso objetivo analisar o envio de uma Fora Expedicionria Brasileira (FEB) ao Teatro de Operaes do Mediterrneo, como parte da principal atividade conjunta da relao poltico-militar entre Brasil e Estados Unidos, durante a Segunda Guerra Mundial. Nem tampouco analisar as tenses polticas e militares resultantes do processo de envio da FEB guerra, desde as resistncias iniciais de americanos e ingleses, a dependncia material e doutrinria da unidade combatente brasileira, at a complexa rotina de relaes entre os comandos do V Exrcito norte-americano e da FEB, na Itlia.

    No final dos anos 1930 e incio dos anos 1940, o contexto poltico mundial poderia representar o perigo de alinhamento ou cooperao de naes latino-americanas ao regime nazi-fascista da Europa. Dentro dessa perspectiva, percebemos uma disputa velada entre a Alemanha e os Estados Unidos da Amrica, pela venda de material blico, o que poderia representar na aproximao e no alinhamento direto com o Brasil, um Estado forte e

    1 Doutor em Histria Poltica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Professor do Programa de

    Ps-Graduao em Histria da Universidade Severino Sombra, Professor do curso de Graduao da UNIABEU Centro Universitrio e Pesquisador do PROAPE/UNIABEU.

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    estrategicamente importante no contexto poltico e geogrfico do continente sul-americano e do Atlntico Sul.

    A disputa ocorria no campo da aquisio de material blico; da formao doutrinria do Exrcito, e da modernizao da estrutura militar de ensino.

    No entanto, uma anlise mais profunda sobre o fato histrico pode revelar que houve um fechamento de olhos das autoridades norte-americanas em relao as atividades estabelecidas entre o Brasil e Alemanha. Essa atividade pode ser percebida como um mal menor, pois, naquele momento, interessava mais os objetivos polticos dos Estados Unidos, que visavam a consolidao de seu sistema de poder na regio atravs do incentivo a unio dos pases americanos.

    Por outro lado podemos dizer que Vargas teria aguardado o desenvolvimento do conflito para comprometer o Estado no momento certo, ao lado do possvel vencedor, como expresso de autonomia poltica de seu governo.

    Teoricamente, a guerra total torna a capacidade de autonomia poltica dos Estados perifricos mais limitados. No entanto, nessa situao de conflito aumenta as possibilidades de barganha dos Estados mais fracos, negociando seus alinhamentos antes que as grandes potncias estivessem em condies de imp-los. neste momento que se abre o espao necessrio para estabelecer melhores negociaes entre Estados assimtricos. O maior objetivo do Estado perifrico nesse momento a busca de seus interesses nacionais. Estes tentam maximizar a probabilidade de alcanar seus objetivos, no importando os meios utilizados para isso.

    Com relao a produo bibliogrfica sobre o envolvimento do Brasil e sua poltica externa durante a Segunda Guerra Mundial, a pesquisa mostrou que bastante extensa. Dos autores que estudados, podemos destacar a obra do brasilianista, Frank Mc Cann2, que priorizou aspectos conjunturais como forma de explicar o envolvimento do Brasil no conflito. Mc Cann estudou o Brasil sob um ponto de vista estritamente domstico, onde a cultura poltica das

    2 MC CANN, Frank D (1995). A Aliana Brasil EUA, 1937 a 1945. Rio de Janeiro: Biblioteca

    do Exrcito.

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    elites brasileiras interagia com a cultura poltica das elites estrangeiras, sendo que estas relaes tornaram-se o objeto bsico para se entender a poltica externa brasileira.

    Frank McCann tem como eixo principal de sua anlise as relaes poltico-militares do Brasil com os Estados Unidos principalmente durante a Guerra.

    Em Gerson Moura3 o destaque dado aos fatores estruturais, inseridos no sistema internacional, que delimitam as opes e o campo de ao da poltica externa dos pases.

    Sua abordagem terica bastante complexa, utilizando uma bibliografia especfica do campo das Relaes Internacionais, e de anlise e descrio da Poltica Externa do Brasil na poca.

    A obra extremamente importante, pois, conjuga as influncias sistmicas com fatores conjunturais, de poltica interna.

    Outra obra destacada mostra o quanto o envolvimento de pases perifricos num momento de guerra total explicado mais por condies do sistema internacional em guerra, do que por suas decises autnomas de participao no conflito.

    Nesse caso temos o trabalho de Vagner Camilo Alves4 que contribui no somatrio das excelentes produes bibliogrficas sobre as relaes internacionais e poltica externa do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Podemos destacar na obra o ngulo de anlise que utiliza para observar o processo de envolvimento brasileiro no conflito. O argumento utilizado enfatiza o papel estruturante da guerra total.

    Seu trabalho dialoga com os argumentos desenvolvidos em estudos como os de Gerson Moura e Frank Mc Cann, que tratam de fatores internacionais e internos na formao da poltica externa brasileira nos anos 1930 e 1940.

    3 MOURA, Gerson (1980). Autonomia na Dependncia: a Poltica Externa brasileira de 1935 a

    1942. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 4 CAMILO, Vagner (2002). O Brasil e a Segunda Guerra Mundial: histria de um envolvimento

    forado. Rio de Janeiro: PUC-RJ; So Paulo: Loyola.

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    Sua contribuio bastante inovadora, ao situar o poder de barganha do Brasil com os Estados Unidos no tempo e no espao, pois, a vitria alem sobre a Frana em 1940 inaugura um novo cenrio estratgico. Com relao a defesa continental, o Brasil ganhava importncia em vista de seu litoral nordeste, visto como ponto para uma possvel invaso alem no continente, ou seja, esse poder de barganha circunstancial, relativo conjuntura especfica de uma determinada fase da guerra e do peso estratgico do Brasil diante dos objetivos norte-americanos.

    A chegada da Misso Militar Americana Em 1934, foi contratada uma MMA composta por trs oficiais, chefiada

    por um oficial especializado em Artilharia de Costa. Sua atuao se deu primeiro, na criao do Centro de Instruo de Artilharia de Costa5 (CIAC), com sede na Capital Federal, no Forte da Vigia, sendo que provisoriamente, sua sede passou a ser a Fortaleza de So Joo, nas dependncias do 2 Grupo de Artilharia de Costa6; e segundo, na Escola Tcnica do Exrcito7 (ETE).

    O contrato com a Misso Militar Americana foi renovado, em 12 de novembro de 19368, nesse momento para cooperar com o Estado Maior do Exrcito brasileiro, atuando junto a Inspetoria de Defesa de Costa9, e com Oficiais do Exrcito brasileiro, no desenvolvimento e funcionamento do Centro de Instruo de Artilharia de Costa, alm de superintender os seus cursos e auxiliar a instruo. A Misso, chefiada pelo General de Brigada Allen Kimberly

    5 AHEx. Boletim do Exrcito N. 06, de 31 de janeiro de 1934. Publica o Aviso Ministerial N. 78,

    de 30 de janeiro de 1934. 6 AHEx. Boletim do Exrcito N. 10, de 20 de fevereiro de 1934.

    7 A antiga Escola de Engenharia Militar criada em 1930, que funcionava na rua Baro de

    Mesquita, no Rio de Janeiro, mudou de nome, em 1933, para Escola Tcnica do Exrcito, e em 1934 foi instalada na rua Moncorvo Filho, no Centro do Rio de Janeiro. Em 1942, a sede da ETE foi transferida para o atual prdio do Instituto Militar de Engenharia (IME), na Praia Vermelha. 8 Documentos Histricos do Estado-Maior do Exrcito (1996). Compilado pelo Coronel Diniz

    Esteves. Braslia: Edio do EME, p. 212-213. 9 A Inspetoria da Defesa de Costa instituda pelo decreto N. 24.287, de 24 de maio de 1934, tinha

    sua funes acumuladas com as do Distrito de Artilharia de Costa da 1 Regio Militar. Assunto completamente novo no Brasil, mal codificado ou apenas em ensaio em outras naes mais velhas em atividades blicas. A questo profissional foi encaminhada para os Estados Unidos, atravs do contrato de uma Misso Militar em 1934, renovado em novembro de 1936. Pela grande dimenso de seu territrio, limitado por um enorme litoral martimo de configurao multiforme, servida de inmeros portos e importantes vias fluviais, os Estados Unidos se colocava em condies de aperfeioar um estudo completo e variado sobre o uso da Artilharia de Costa, que serviu aos interesses do Exrcito brasileiro.

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    (EUA), tinha tambm, a seu cargo os cursos de Fortificao Permanente e Guerra Qumica, na Escola Tcnica do Exrcito (ETE), onde deveria auxiliar as respectivas instrues.

    A Inspetoria da Defesa de Costa procurou uniformizar a instruo dessa especialidade da Artilharia em todo o Brasil. O problema de direo de fogo foi solucionado com a atuao direta do Capito W. D. Hohenthal, em 1935, da MMA, com a inveno de um sistema de direo de fogo que foi oferecido ao Exrcito brasileiro10.

    O aparelho foi construdo em uma oficina de preciso do CIAC, apresentando bons resultados na aplicao do exerccio de tiro real, sobre alvo mvel, realizado pelo Forte de Copacabana.

    Em 1936, o CIAC foi considerado pelo Alto Comando da Artilharia e pelo prprio Ministro da Guerra, General de Diviso Joo Gomes Ribeiro Filho, fonte irradiadora dos modernos conhecimentos, condio obtida com a contratao da MMA. No relatrio do Ministrio da Guerra de 1936, observasse a admirao do relator com os resultados obtidos e o desempenho da MMA no ano de 1935, no que diz respeito a transmisso de conhecimentos profissionais e no fortalecimento dos laos de amizade entre os militares dos dois pases.

    No CIAC funcionavam trs cursos: curso de comando para Oficiais superiores; curso de Capites e Oficiais subalternos; e o curso de aperfeioamento para Sargentos. O primeiro tinha por objetivo formar a direo das unidades de Artilharia de Costa; o segundo, formar os Oficiais comandantes das Baterias e linhas de tiro das unidades de Artilharia de Costa; e o terceiro, formar os Sargentos comandantes de seo de tiro das unidades de Artilharia de Costa.

    No entanto, a influncia norte-americana comea a ser sentida com maior intensidade a partir de 1939, principalmente, no momento em que j est em andamento a Segundo Guerra Mundial.

    Conversaes secretas e ostensivas so mantidas por interesses diversos do governo dos Estados Unidos da Amrica e do Brasil, como o caso das relaes militares estratgicas, envolvendo o estabelecimento de bases

    10 AHEx. Relatrio do Ministro da Guerra de 1936.

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    militares no norte e nordeste brasileiro, com o objetivo de dinamizar a defesa ao sul do continente americano.

    So iniciadas tambm, negociaes para o estabelecimento de um convnio militar entre Brasil e Estados Unidos, pelo qual so enviados oficiais brasileiros para aperfeioarem seus conhecimentos profissionais11, como tambm so realizadas visitas de oficiais brasileiros do Alto Escalo para conhecer a organizao do Exrcito dos Estados Unidos, assim como recebemos a visita de oficiais do Alto Escalo daquele Exrcito.

    Com relao a essa aproximao entre os dois pases, podemos destacar a visita da Delegao Militar dos Estados Unidos, no perodo de 14 a 23 de novembro de 1939, chefiada pelo General Delos C. Emmons, que trouxe sete Fortalezas Voadoras (Bombardeiros B-17), representando o governo e o Exrcito norte-americano nas festas comemorativas do cinqentenrio da Proclamao da Repblica. Ou o caso da visita de uma Delegao Militar Brasileira, chefiada pelo Chefe do Estado-Maior do Exrcito, General Pedro Aurlio de Gis Monteiro, destinada a retribuir a visita da Delegao Militar norte-americana, chefiada pelo General Marshall, no perodo de 25 de maio a 07 de junho de 193912.

    Segundo Jehovah Motta13, a ida desses Oficiais aos Estados Unidos, com o decorrer do tempo aumentou o entrosamento entre os integrantes dos dois Exrcitos, pois no retorno esses Oficiais traziam novas idias sobre a organizao, armamento, currculos, mas principalmente padres e estilos de trabalhos e de convivncia militar.

    No relatrio de 1937, o General Eurico Gaspar Dutra, Ministro da Guerra analisa a situao do Exrcito brasileiro em relao ao aparelhamento de material blico. O ministro relata ao presidente da repblica o problema relacionado a falta de armamento, articulando sua discusso a necessidade de um Estado nacional condicionar suas aes polticas ao poder das armas que

    11 AHEx. Decreto-lei 1.776, de 17 de novembro de 1939, que autoriza o Ministro da Guerra a

    enviar, aos Estados Unidos da Amrica, oficiais do Exrcito brasileiro para aperfeioarem seus conhecimentos profissionais. 12

    AHEx. Relatrio do Ministrio da Guerra de 1940, p. 40. 13

    MOTTA, Jehovah (1998). Formao do Oficial do Exrcito: currculos e regimes na Academia Militar, 1810-1944. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito, p. 299.

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    possui, no por ambio, nem por simples domnio hegemnico no continente, mas, para salvaguardar o respeito dos outros pases. Segundo o General Dutra, o Brasil no deveria contar com a confiana da possvel cordialidade internacional. Destaca ainda, a necessidade de se quebrar a dependncia estrangeira, criando-se indstrias militares nacionais para suprirem a necessidade interna por material blico de qualidade.

    O General Dutra, Ministro da Guerra, destacou mais uma vez no ano de 194214, o problema de material do Exrcito Brasileiro, relacionado, principalmente, com a necessidade da fabricao nacional dos nossos materiais de guerra. Articula a questo do material blico com a necessidade de grande esforo na organizao nacional, que estimulasse o progresso geral. Destaca no seu relatrio, o patriotismo sadio do povo brasileiro e a riqueza de matria-prima existente no territrio.

    A produo historiogrfica sobre o tema discutido nesse estudo15 identifica o desenvolvimento e as atividades dos regimes autoritrios na Europa como o pontap para que os Estados Unidos desse maior nfase aos seus preparativos para uma provvel nova Grande Guerra. No contexto de uma poltica internacional para as Amricas, o Departamento de Estado Norte-Americano faz nova avaliao da poltica da Boa-Vizinhana com a Amrica Latina, em termos de colaborao militar. Poltica baseada no princpio da defesa que inclui no s o territrio continental dos Estados Unidos, mas tambm o Caribe; o Alasca e a Terra Nova, ao Norte; e o Nordeste brasileiro e as ilhas Galpagos ao sul.

    Diante desta poltica de defesa continental, o governo norte-americano necessita de mais bases militares, em pases estratgicos, que seriam adquiridas a partir de tratados bilaterais especiais. Informalmente, os chefes da defesa dos Estados Unidos preparam planos unilaterais de ocupao dos pases estratgicos, caso as propostas diplomticas falhassem ou houvesse grandes interesses americanos na manuteno da paz interna continental.

    14 AHEx. Relatrio do Ministrio da Guerra de 1942.

    15 CONN, Stetson e FAIRCHILD, Byron (2000). A Estrutura de Defesa do Hemisfrio Ocidental.

    O exrcito dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Traduo de Luis Csar Silveira da Fonseca. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito, p. 23-24.

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    No princpio a estratgia elaborada no previa a participao conjunta de tropas latino-americanas e dos Estados Unidos num conflito aberto, sendo os primeiros responsveis apenas pela defesa do hemisfrio, com a contribuio dentro das suas escassas possibilidades, questo que evoluiu posteriormente, com a participao brasileira na guerra.

    Com relao ao reconhecimento da importncia da Amrica Latina para aquele momento, o Secretrio de Estado Norte-Americano Cordell Hull determina a reorganizao das sees latino-americanas do Departamento de Estado. Cria-se em 1938, uma Diviso de Repblicas Americanas que absorveu a Diviso de Assuntos Latino-Americanos e Mexicanos, que coopera com outros rgos do governo para estabelecer uma boa relao entre os Estados Unidos e a Amrica Latina.

    Segundo Frank D. McCann16, o presidente Roosevelt deu, em fevereiro de 1938, o primeiro passo ao determinar recursos para constituir uma comisso interamericana para estabelecer uma poltica de transmisses radiofnicas internacionais que visassem equilibrar, via ondas curtas, a propaganda nazista e em junho criada a Diviso de Relaes Culturais do Departamento de Estado para incentivar cooperao intelectual. Em pouco tempo, as grandes redes norte-americanas tinham permisso, da Comisso Federal de Comunicao, para transmitir programas em ondas curtas em portugus e espanhol. Com subsdios do governo, empresas de transporte inauguraram um servio regular de linhas a vapor de passageiros para o Rio de Janeiro e Buenos Aires. To confortveis quanto os navios alemes que circulavam na costa do Atlntico Sul. A companhia oferecia tarifas especiais a professores e alunos, que fossem passar um ano no pas de destino.

    A partir de 1938, o Departamento de Estado17 norte-americano determina a prestao de ajuda militar a fim de fortalecer os laos de amizade entre os Estados Unidos e a Amrica Latina, lanando as bases de uma cooperao militar e naval mais prximo de uma realidade de contrapor as investidas nazistas. A cooperao consistia no treinamento de militares latino-americanos

    16 MC CANN, Frank D (1995). A Aliana Brasil EUA, 1937 a 1945. Rio de Janeiro: Biblioteca

    do Exrcito, p. 92. 17

    Ibid, p. 93.

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    em escolas das Armas nos Estados Unidos; realizao de vos freqentes de demonstrao das aeronaves americanas e visitas aos navios de guerra; convites a oficiais latino-americanos de alta patente para visitar os Estados Unidos; fornecimento de publicaes das Foras Armadas dos Estados Unidos para Bibliotecas militares e a designao de mais adidos militares e navais para o continente americano. Todos esses itens estavam vinculados ideologicamente questo da solidariedade interamericana, de interesse dos Estados Unidos.

    No entanto, o centro de uma discusso para as questes militares, dizia respeito ao envio de armamento moderno, o que tanto desejavam os pases latino-americanos, e que poderia gerar o desequilbrio de poder na Amrica Latina. Alm disso, o suprimento de armas, pelos EUA, em que era fundamental a cooperao militar, tinha vrios obstculos sua realizao, tais como: legislao restritiva; incapacidade das indstrias blicas norte-americanas de produzirem a preo e condies de pagamento vivel aos pases latino-americanos.

    O preo e a capacidade de pagamento fizeram com que pases latino-americanos, a exemplo do Brasil, decidissem voltar seu interesse para a compra de armamento na Europa, principalmente na Alemanha.

    As relaes militares entre Brasil e Alemanha (1938-1942) Em vinte e cinco de maro de 1938, uma Comisso Militar Brasileira,

    firmou contrato de aquisio de grande quantidade de material de Artilharia de Campanha18, da Alemanha, no valor de 8.281.383 libras esterlinas. O contrato deve ter sido considerado pelos especialistas militares da poca e pela perspectiva do momento, de que a Alemanha estava em melhores condies para o fornecimento do material. O contrato fora assinado com autorizao do Presidente do Brasil, entre o Ministrio da Guerra e da Fazenda e a firma Fried. Krupp A. G. de Essen, Alemanha, para o fornecimento de material de Artilharia ao Exrcito brasileiro, e foi classificado como Absolutamente Secreto, sendo

    18 AHEx. Acervo do EME. Comisso Militar Brasileira em Essen, Alemanha. Contrato publicado

    pela Imprensa Militar do Rio de janeiro em 1938.

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    que, uma das clusulas, proibia a divulgao do contedo do contrato para outras potncias.

    O resultado desse contrato foi o envio de uma Comisso Fiscalizadora para receber, realizar experincias e ensaios com o material na Alemanha. Alm disso, ao analisar os registros militares do Coronel de Artilharia Anr Teixeira dos Santos19 do Segundo Semestre de 1940, observasse que fora designado para chefiar a Comisso Militar Brasileira de Essen, na Alemanha, para observao e compra de material blico.

    Em 8 de setembro de 1940, a comitiva partiu para Berlim a fim de se apresentar na embaixada brasileira na Alemanha, sendo que no dia 25 de setembro j estavam na cidade de Meppen com a finalidade de assistir provas de tiro e realizar o recebimento de canhes de campanha de 75 mm. No dia 10 de outubro seguiram para a cidade de Weimar, para visitar as instalaes da Fbrica Gustloff-Werke e no dia quatro de novembro foram para Frankfurt para visitar instalaes da Casa Matra-Werke e assistir recepo de reboque-oficina. Em 11 de novembro foram para a cidade de Kassel com o objetivo de visitar as instalaes Henschel-Werke, e de 26 de dezembro a 31 de dezembro de 1940, ficaram em Munich visitando s instalaes da Fbrica Krauss & Maffei.

    No ano de 1941, a comitiva permaneceu em Berlim do dia primeiro de janeiro a seis de janeiro, em visitao as instalaes da Casa Siemens-Schuckert, e tratando de interesses da Comisso, junto Embaixada do Brasil. Em 31 de janeiro chegaram em Celsenkirehen para assistir recepo das viaturas-munio para material de artilharia 75 mm, regressando em 21 de abril para Meppen, para verificar as provas de tiro com os prottipos do obuzeiro de campanha 105 mm, e do canho de campanha 105 mm. Em 11 de agosto, novamente a Comisso estava em Meppen para assistir agora as provas de tiro dos prottipos dos obuzeiros de campanha 150 mm, e 105 mm.

    Somente em 29 de janeiro de 1942, sabendo por intermdio da Embaixada do Brasil sobre o rompimento das relaes diplomticas com a Alemanha, foi que a Comisso Militar Brasileira em Essen suspendeu os

    19 AHEx. Registros do Chefe da Comisso Militar Brasileira, Coronel Anr Teixeira dos Santos.

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    trabalhos e mandou encaixotar os arquivos do grupo que ficou sob a guarda da Casa Krupp. Como podemos perceber essa intensa relao comercial entre Brasil e Alemanha com o objetivo de observar e comprar material blico ocorria em pleno desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial, pois somente aps o rompimento da relao diplomtica, foi que a Comisso retornou ao Brasil.

    Alm dessa tenso no continente americano, verificasse a tentativa de cooptao das naes estrangeiras, como foi o caso analisado atravs do ofcio Reservado de 09 de janeiro de 194220, do Chefe do Estado-Maior do Exrcito Brasileiro ao Ministro da Guerra, relatando que foi procurado pelo General Major Niedefuher, Adido Militar Embaixada alem, no Rio de Janeiro, reclamando amistosamente das publicaes na imprensa do Brasil, que o dava como Chefe da Quinta Coluna na Amrica Meridional, ou relatando que o Coronel Naokata, Adido Militar Embaixada do Japo, apresentou ao EME boletins sobre resumos de operaes de guerra no Pacfico, com os resultados obtidos desde o rompimento das hostilidades nessa rea, fornecido pelo Quartel General Imperial de Tquio.

    Podemos entender pelos acontecimentos do perodo que existia uma grande preocupao dos Estados Unidos da Amrica com as possveis alianas e ataques dos pases do Eixo ao continente americano, fato observado atravs do ofcio Reservado de nove de janeiro de 194221 em que o Chefe do Estado-Maior do Exrcito brasileiro comunica ao Ministro da Guerra, que foi procurado pelo Brigadeiro-General (EUA) Lehman Miler, Adido Militar Embaixada dos Estados Unidos, no Rio de Janeiro, que o fez ciente do desejo do General Marshall, Chefe do Estado-Maior (EUA), de que fosse estabelecido um sistema de vigilncia preventivo na regio amaznica do Rio Branco, semelhante ao que j havia sido conseguido na Venezuela, Colmbia e Guianas, pelo receio de se preparar por agentes dos pases do Eixo atentados ou mesmo ataques Zona do Canal do Panam. O adido norte-americano solicitava ainda, informaes sobre a regio mencionada, sobre campos de aviao e transporte de gasolina, e permisso para um avio dos Estados Unidos fosse at l em explorao.

    20 AHEx. Acervo da FEB. Documentos da Guerra, de 1939 1942.

    21 AHEx. Acervo da FEB. Documentos da Guerra, de 1939 1942.

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    De volta aos braos do Tio Sam Com relao s Relaes Diplomticas, podemos perceber que o

    alinhamento dos pases da Amrica Latina se consolidou na Conferncia do Rio22, realizada entre 15 e 28 de janeiro de 1942 quando se atingiu o ponto mximo dos esforos norte-americanos com relao coordenao de uma poltica internacional para o continente, em oposio ao nazi-fascismo. O principal objetivo da reunio era a aprovao de uma resoluo de rompimento que fosse declarado por ocasio da Reunio dos Chanceleres. No entanto, pela recusa das delegaes da Argentina e do Chile em assinar a declarao fora aprovada uma resoluo que apenas recomendava o rompimento das relaes com os pases do eixo. O Brasil rompe as relaes diplomticas com a Alemanha em 28 de janeiro de 1942, depois da Reunio dos Chanceleres, e o preo dessa deciso foi o afundamento de navios mercantes na costa brasileira.

    J na preparao da Conferncia, vinte e seis pases assinam em Washington, como Naes Unidas, a declarao de guerra contra os pases do Eixo, em primeiro de janeiro de 1942, o que provoca um protesto argentino ao governo dos Estados Unidos, baseado no fato de que a deciso feria o principio da consulta prvia, consagrado na Declarao de Lima em 1938, o que torna mais delicada a relao da Argentina com os Estados Unidos permitindo ao governo brasileiro, consolidar sua posio de aliado especial, arrancando concesses econmicas e militares dos Estados Unidos, o que poucos pases na Amrica conseguiram.

    No decorrer da reunio, a delegao norte-americana precisa negociar o apoio de vrios pases latino-americanos aos seus projetos. Estabeleceram-se acordos bilaterais sobre assistncia econmica e financeira, remessa de armas e assistncia militar. Foi ainda aprovada uma resoluo definindo a cooperao para a proteo das Repblicas Americanas at que desaparecessem os efeitos do conflito na Europa e no mundo. O Brasil declarou guerra aos pases

    22 O ataque japons a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941 acelera os esforos do governo

    norte-americano de unificao das naes americanas, que convoca a III Reunio de Consulta dos Ministros das Relaes Exteriores das Repblicas Americanas.

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    do eixo em agosto de 1942, com a formalizao do estado de beligerncia23 de 31 de agosto daquele ano. Em conseqncia do estado de beligerncia que o mundo vivia o Brasil assinou um convnio poltico-militar com os Estados Unidos da Amrica, em 27 de maio de 194224.

    Em 30 de Dezembro de 1942, realizou-se no Palcio do Itamarati a posse dos membros brasileiros e norte-americanos da Comisso Mista Brasil-Estados Unidos da Amrica, criada para articular as medidas necessrias a uma cooperao eficiente e normal entre as autoridades militares dos dois pases. A Comisso foi constituda por trs oficiais brasileiros: General de Diviso Cristvo de Castro Barcelos, Contra-Almirante Guilherme Rieken, e o Coronel Aviador Carlos Pfaltzgraff Brasil, que nela representavam, respectivamente, o Exrcito, a Marinha e a Fora Area do Brasil; e por trs oficiais norte-americanos, representantes tambm de cada um daqueles trs elementos da organizao militar americana. So eles: para a Marinha, o Contra-Almirante A. Toutant Beauregard e o Capito-de-Corveta C. W. Lord, para o Exrcito, o Coronel Francis B. Kane, e para a Fora Area, o Tenente-Coronel J. C. Selser Jnior.

    Em Washington constituiu-se outra Comisso Mista, chefiada pelo General Estevo Leito de Carvalho, e integrada pelo Vice-Almirante lvaro Rodrigues de Vasconcelos e Coronel Vasco Alves Seco, representantes do Exrcito, da Marinha e da Fora Area Brasileira, e por autoridades militares norte-americanas.

    Antes disso, em 18 de outubro de 1941, antes mesmo da Conferncia do Rio, Brasil e Estados Unidos haviam concludo um acordo relativo ao fornecimento de informaes e artigos de defesa, com o objetivo de estreitar a cooperao para a segurana do continente.

    O convnio acordou o estabelecimento de normas e condies que regulariam o concurso de suas foras militares e econmicas na defesa comum do continente americano, o qual foi assinado pelo Ministro das Relaes

    23 AHEx. Decreto n. 10.358, que declara o estado de guerra contra a Alemanha e Itlia.

    24 CARVALHO, Luiz Paulo Macedo (coord.) (1998). O Exrcito na Histria do Brasil. Rio de

    Janeiro: Bibliex, Salvador: Odebrecht. Vol. 3. p. 164-165. Convnio Poltico-Militar entre os Estados Unidos do Brasil e os Estados Unidos da Amrica redigido de acordo com as modificaes apresentadas pelo Governo norte-americano, em 27 de maio de 1942.

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    Exteriores do Brasil, Oswaldo Aranha, e pelo embaixador dos Estados Unidos, Jefferson Caffery, conforme trechos abaixo:

    Artigo I a) Ficam criadas duas comisses tcnico-militares mistas brasileiro-americanas: uma no Brasil e outra nos Estados Unidos da Amrica. Estas comisses seriam compostas do pessoal do Exrcito, da Marinha e das Foras Areas de ambos os pases. b) Estas comisses ficariam encarregadas da elaborao de planos minuciosos e de estabelecer acordos entre os Estados Maiores, necessrios defesa mtua. Esses planos abrangeriam, entre outros assuntos e medidas, os acordos sobre comando nas zonas de operaes que pudessem ser previstos. c) ............................................................................................ Artigo II O emprego das foras brasileiras seria dentro de seu territrio; entretanto, em casos especiais, mediante deciso do Governo do Brasil, poderiam ser destacadas para outros pontos do continente, de cuja segurana e defesa tivessem que participar. Artigo III No caso de ataque ao territrio nacional por foras extracontinentais, os Estados Unidos da Amrica dariam auxlio imediato de suas foras para a defesa do Brasil. No caso de ameaa de ataque, os Governos deveriam decidir sobre as medidas preventivas que deveriam ser adotadas, baseadas nos planos preparados pelas comisses mistas. Em todos os casos, as Foras Armadas norte-americanas s poderiam ficar estacionadas em territrio nacional do Brasil a pedido especial do Governo brasileiro. Artigo IV As bases navais e areas no territrio poderiam ser guarnecidas por foras dos Estados Unidos da Amrica, a pedido do Governo brasileiro, ficando as condies de comando e responsabilidade nas zonas de operaes, a serem reguladas pelas comisses mistas. Artigo V O Governo brasileiro, por solicitao do Governo norte-americano, poderia permitir o estacionamento de formaes ou grupos de tcnicos e especialistas norte-americanos, em pontos do territrio brasileiro, como auxiliares das foras militares dos Estados Unidos da Amrica em trnsito ou em operaes, e bem assim o uso de suas instalaes navais e aeronuticas. Artigo VI O Governo brasileiro facultaria ao Governo norte-americano a construo de depsitos e instalaes, inclusive para o pessoal, assim como a organizao de que careciam em territrio nacional, para o reaproveitamento e auxlio de suas formaes militares. Artigo VII No caso de agresso ao Brasil por outra Repblica americana que, na opinio do Governo dos Estados Unidos da Amrica, seja simptica s potncias do Eixo ou por eles instigadas, os Estados Unidos da Amrica forneceriam ao Brasil a assistncia necessria sua segurana nacional e manuteno no poder daquele Governo. Essa assistncia far-se-ia sob a forma de fornecimento de material blico e, se houvesse pedido formal do Governo do Brasil, ela se converteria tambm em cooperao das suas Foras Armadas.

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    Com relao ao Artigo I, o Embaixador Jefferson Caffery em documento25 enviado ao Ministro das Relaes Exteriores do Brasil formaliza claramente a sugesto do Departamento de Estado norte-americano para a criao em Washington da Comisso Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos, com representaes das Instituies militares dos dois pases. O embaixador dos EUA coloca ainda, que a Comisso poderia ocupar-se de todos os assuntos tcnicos relacionados com a cooperao de defesa, amistosamente e com plena compreenso, em cada caso, das dificuldades peculiares que pudessem existir por parte do Brasil; e tambm dos armamentos solicitados em vrias ocasies pelo Brasil, formalizando dessa maneira as aes que seriam estabelecidas somente em 1942, com a concretizao da situao beligerante do Brasil em relao aos pases do eixo.

    Os outro artigos definem a postura dos Estados Unidos frente as ameaas externas ao territrio brasileiro e o interesse da estabilizao das relaes polticas com o Brasil. Os artigos II, IV, V e VI colocados pelo Convnio seriam estabelecidos de acordo com a necessidade poltica e militar, no decorrer do ano de 1942 at 1945. O artigo VII poderia representar ainda, o aumento da tenso existente entre a Argentina e o Brasil, tenso essa desenvolvida ao longo da histria dos dois pases, que disputavam a hegemonia sul-americana.

    No entanto, fosse porque o Brasil no quisesse entrar prematuramente por um caminho que conduziria ao abandono da neutralidade; fosse porque julgasse remota a ameaa ao territrio nacional; ou porque considerasse a defesa da regio mais de interesse dos norte-americanos do que dos brasileiros, no foram estabelecida as bases para a definio de um acordo militar que definisse o posicionamento brasileiro, nem mesmo a presena, no Rio de Janeiro, no segundo semestre de 1941, da Comisso Militar Americana, incumbida de estudar, com o Estado-Maior brasileiro, a organizao da defesa do territrio ameaado, conseguiu resolver a questo pendente. Ficou, assim, retardada a elaborao do plano de cooperao militar, at a ruptura das relaes diplomticas com as potncias do Eixo, em 28 de janeiro de 1942.

    25 AHEx. Acervo da FEB. Documentos da Guerra, de 1939-1942. Carta do Embaixador dos EUA,

    de 18 de fevereiro de 1942, ao Ministro das Relaes Exteriores do Brasil.

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    Como podemos perceber com a documentao analisada, de fato, os primeiros passos dados no Brasil com a finalidade de imprimir cunho prtico cooperao entre o Brasil e os Estados Unidos para a defesa do continente foi provocado pela visita do General Marshall, no perodo de 25 de maio a 07 de junho de 1939. Dessa visita, como das duas que o Chefe do Estado-Maior do Exrcito brasileiro fez aos Estados Unidos, no resultou em um plano coerente de cooperao militar. No campo das promessas ficou o governo norte-americano, de auxiliar o Brasil com material, para dar maior eficcia nas aes que o pas tivesse de executar. Promessas do governo brasileiro, de organizar convenientemente a defesa do norte e do nordeste contra possveis ataques de foras militares dos pases do Eixo. S nas promessas parece ter sido tudo a que se chegou nessa ocasio. Promessas que se foram concretizando atravs de medidas espordicas, tomadas para atender presso dos acontecimentos, enquanto esperavam a soluo conjunta do problema.

    Das negociaes iniciais resultou a concesso Panair para a construo das bases no Norte e no Nordeste26.

    Outras negociaes foram conduzidas pelos estadunidenses com o fim de se traar o plano de defesa da regio em que essas bases se encontravam, uma vez que, deslocada, com o consentimento do Estado brasileiro, a defesa estratgica do Canal do Panam para o Nordeste do Brasil, tinham eles todo interesse que essas bases fossem convenientemente guardadas contra aes diretas ou indiretas, do inimigo eventual.

    A questo da defesa estratgica continental pode ser observada claramente no Relatrio do Chefe do Estado-Maior do Exrcito dos Estados Unidos ao Secretrio da Guerra, relativo aos anos de 1941-1943, que declara, ser vital para a segurana do Canal do Panam que os diferentes caminhos da

    26 AHEx. Acervo da FEB. Relatrio Geral do Chefe da Delegao Brasileira Comisso Mista de

    Defesa Brasil-Estados Unidos, Washington, 1945, p. 01. Com relao histria da empresa, a Panair do Brasil S.A. foi uma das companhias areas pioneiras do pas. Nasceu como subsidiria de uma empresa norte-americana, a NYRBA (New York-Rio-Buenos Aires), em 1929. Incorporada pela Pan Am em 1930, teve seu nome modificado de Nyrba do Brasil para Panair do Brasil, em referncia empresa controladora (Pan American Airways).

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    aproximao, atravs do territrio brasileiro, estejam em mo amigas e adequadamente guardados27.

    Como verificamos, foi com a entrada dos Estados Unidos na guerra, seguida da reunio de consulta dos Ministros das Relaes Exteriores dos pases americanos, no Rio de Janeiro, que deu questo um carter de gravidade aguda, que necessitava urgente soluo.

    O fracasso das negociaes anteriores havia gerado um ambiente difcil para o xito dos entendimentos. Aliaram-se Brasil e Estados Unidos a novos estudos de cooperao, dos quais resultou o Acordo de 23 de maio de 1942 (Convnio poltico-militar para regularizar os problemas de defesa), que previa a constituio de duas comisses mista, compostas por militares dos dois pases, uma com sede no Rio de Janeiro, e outra com sede em Washington. Para constituir a comisso de Washington, foi designada a Delegao brasileira nos ltimos dias de julho, e um ms antes da entrada do Brasil na guerra.

    A Comisso Mista de Washington foi instalada, a 25 de agosto de 1942, entrando a questo em sua fase final, sendo examinada a partir daquele momento com mais objetividade. Segundo o General Estevo Leito de Carvalho, inspirava as duas Delegaes o propsito de eliminar de vez as divergncias que, durante tanto tempo, haviam impedido que se chegasse a resultados prticos28.

    O fundamento dessas divergncias nunca foi claramente exposto, mas tudo leva a crer que resultou, em grande parte, na crena, existente entre autoridades militares brasileiras, de que a organizao da defesa do Nordeste interessava mais aos Estados Unidos, cuja segurana estratgica serviria. O Brasil deveria tirar proveito da situao para dar um grande avano na modernizao do equipamento industrial e de transporte, como tambm, obter material blico destinado defesa do Sul e do Sudoeste. As negociaes falharam, quando levadas por esse caminho. Por demais, no se tinham fixado,

    27 AHEx. Acervo da FEB. Relatrio Geral do Chefe da Delegao Brasileira Comisso Mista de

    Defesa Brasil-Estados Unidos, Washington, 1945, p. 2. 28

    AHEx. Acervo da FEB. Relatrio Geral do Chefe da Delegao Brasileira Comisso Mista de Defesa Brasil-Estados Unidos, Washington, 1945, p. 4.

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    em nmeros precisos, com se fazia necessrio, desde o primeiro momento, as necessidades de material e efetivo a empregar no Nordeste brasileiro.

    As primeiras questes submetidas a estudo na Comisso de Washington consistiram em assuntos especiais de interesse imediato, referentes regulamentao das atividades militares no Norte e Nordeste brasileiro e ao fornecimento de alguns materiais para o Brasil, recomendaes que sugeriam: entrega de 18 avies A-29 Fora Area Brasileira, para o patrulhamento da costa norte e nordeste do Brasil, em colaborao com a Marinha dos Estados Unidos; segurana da base militar e regime disciplinar dos soldados e marinheiros, no Brasil; centralizao, em Washington, das comisses brasileiras de compra de material blico; fornecimento de armas automticas para a defesa imediata dos campos de aviao, aerdromos, zonas de abastecimento de combustvel e instalaes de defesa das zonas de Belm, Natal e Recife; e o estabelecimento de enfermarias hospitais norte-americanos no territrio brasileiro em que estavam localizadas as Bases utilizadas pelos norte-americanos.

    Dos estudos preliminares ficara evidenciada a necessidade de um maior entendimento da Comisso Mista de Washington com as autoridades militares brasileiras, para conhecer-lhes a opinio sobre questes de carter fundamental no traado do plano para a colaborao projetada.

    Como podemos verificar nessa discusso, o apoio ao governo brasileiro veio principalmente por meio de assuntos militares, apesar do governo Vargas ter se tornado um regime autoritrio, aps a instalao do Estado Novo em 1937, e dos insinuantes acenos de boa vontade de autoridades brasileiras para com a poltica nazi-fascista. Roosevelt seguia a tradicional poltica dos Estados Unidos de reconhecerem governos de facto29, independente de sua composio poltica ou do processo como chegaram ao poder.

    O interesse do governo norte-americano no era no estado ideolgico do governo Vargas, e sim mant-lo cooperativo e til aos interesses dos Estados Unidos. E a Vargas, tudo indica que interessava mais sua poltica nacional desenvolvimentista do que a questo ideolgica do seu regime. Havia a

    29 McCANN, Frank D (1995). A aliana Brasil-Estados Unidos, 1937-1945. Rio de Janeiro:

    Bibliex, p. 17.

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    necessidade de manter o Brasil longe dos interesses comunistas e fascistas. Vargas se tornou o preferido, o mal menor, melhor que o desconforto de um regime poltico contrrio aos interesses norte-americanos, dentro do continente.

    O contexto da poltica internacional americana parece um jogo de xadrez, com as apostas de Vargas numa falsa neutralidade, mas com todos os indcios levando-o para o alinhamento com os Estados Unidos da Amrica e o afastando da Europa. Seria o Brasil o principal obstculo as atividades do Eixo na Amrica do Sul, mas para isso era preciso arm-lo e s os Estados Unidos tinham condies para realizar tal tarefa. O Brasil armado representava a defesa da metade da Amrica do Sul e a certeza da cooperao com a segurana do restante.

    Ao final, percebe-se que a inteno norte-americana em apoiar algumas naes latino-americanas, s se deu com a necessidade de manter um ambiente continental estvel e favorvel sua atuao no Teatro de Operaes da Europa, facilitando suas atividades militares.

    Para os oficiais do Estado-Maior do Exrcito, ao final da participao do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado do Exrcito norte-americano, mostrou a necessidade de profunda reorganizao e modernizao do Exrcito. As consideraes finais do Relatrio Anual do EME, de 1945, estabelecem um grito de alerta para essas modificaes, inclusive enfatizando para o fato da necessidade de se adotar a organizao e a doutrina militar americana, baseada na motomecanizao, para tanto, ainda esperava-se o auxlio dos Estados Unidos da Amrica.

    Referncias Bibliogrficas:

    CAMILO, Vagner (2002). O Brasil e a Segunda Guerra Mundial: histria de um envolvimento forado. Rio de Janeiro: PUC-RJ; So Paulo: Loyola. CONN, Stetson e FAIRCHILD, Byron (2000). A Estrutura de Defesa do Hemisfrio Ocidental, o exrcito dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Traduo de Luis Csar Silveira da Fonseca. Biblioteca do Exrcito: Rio de Janeiro.

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    Documentos Histricos do Estado-Maior do Exrcito (1996). Compilado pelo Coronel Diniz Esteves. Braslia: Edio do EME. MC CANN, Frank D (1995). A Aliana Brasil EUA, 1937 a 1945. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito. MOTTA, Jehovah (1998). Formao do Oficial do Exrcito: currculos e regimes na Academia Militar, 1810-1944. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exrcito. MOURA, Gerson (1980). Autonomia na Dependncia: a Poltica Externa brasileira de 1935 a 1942. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

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