as redes sociais e a geraÇÃo de redes de suporte … · as redes sociais e a ... no presente...

24
AS REDES SOCIAIS E A GERAÇÃO DE REDES DE SUPORTE PARA A REFORMA AGRÁRIA: UM ESTUDO DE CASO NO ASSENTAMENTO ZUMBI DOS PALMARES Manuela Souza Siqueira Cordeiro 1 Marcos Antonio Pedlowski 2 1.0 – INTRODUÇÃO A sociedade moderna é caracterizada pela predominância da forma organizacional da rede em todos os campos da vida social (Castells, 1999). Desta forma, o presente trabalho tem como arcabouço teórico o conceito de redes sociais aplicado ao desenvolvimento e formação de mecanismos de suporte para os assentamentos de reforma agrária. A organização em rede envolve tanto as características estruturais, quanto as subjetivas, permitindo observar elementos de cooperação, construção de confiança e participação social nos projetos de assentamento. Neste sentido, Castells (1999:47) afirma que as “redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difusão da lógica das redes modifica de maneira substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura”. No presente artigo a Teoria das Redes é empregada para analisar as repercussões da ação tanto de redes associativas (e.g. associações voluntárias de produtores rurais e as cooperativas de produção presentes no assentamento) como de redes de parentesco que são formadas pelas famílias dos assentados. O presente estudo teve como base espacial a região norte-fluminense, mais precisamente o Projeto de Assentamento (PA) Zumbi dos Palmares, que é um dos maiores do estado do Rio de Janeiro, cujas terras estão distribuídas nos municípios de Campos dos Goytacazes e uma pequena parte do município de São Francisco de Itabapoana. Para cumprir o objetivo de estudar os laços comunitários e os sujeitos sociais que favorecem a sua criação e manutenção, uma amostra de 30% das famílias assentadas (n=153) foi construída, e os presidentes das associações voluntárias de produtores rurais organizadas existentes Assentamento Zumbi dos Palmares foram identificados. A escolha desse objeto de estudo é justificada uma vez que a criação de laços comunitários, a partir da interação de diferentes redes sociais detectadas no assentamento em questão, é um importante passo para a viabilidade sócio-econômica do 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais de Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade (CPDA/UFRRJ). E-mail: [email protected] 2 PhD em Planejamento Ambiental – Virginia Tech e Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). E-mail:[email protected]

Upload: nguyenanh

Post on 10-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

AS REDES SOCIAIS E A GERAÇÃO DE REDES DE SUPORTE PARA A REFORMA AGRÁRIA: UM ESTUDO DE CASO NO ASSENTAMENTO

ZUMBI DOS PALMARES

Manuela Souza Siqueira Cordeiro1 Marcos Antonio Pedlowski2

1.0 – INTRODUÇÃO

A sociedade moderna é caracterizada pela predominância da forma organizacional

da rede em todos os campos da vida social (Castells, 1999). Desta forma, o presente

trabalho tem como arcabouço teórico o conceito de redes sociais aplicado ao

desenvolvimento e formação de mecanismos de suporte para os assentamentos de

reforma agrária. A organização em rede envolve tanto as características estruturais,

quanto as subjetivas, permitindo observar elementos de cooperação, construção de

confiança e participação social nos projetos de assentamento. Neste sentido, Castells

(1999:47) afirma que as “redes constituem a nova morfologia social de nossas

sociedades, e a difusão da lógica das redes modifica de maneira substancial a

operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura”.

No presente artigo a Teoria das Redes é empregada para analisar as repercussões da

ação tanto de redes associativas (e.g. associações voluntárias de produtores rurais e as

cooperativas de produção presentes no assentamento) como de redes de parentesco que

são formadas pelas famílias dos assentados.

O presente estudo teve como base espacial a região norte-fluminense, mais

precisamente o Projeto de Assentamento (PA) Zumbi dos Palmares, que é um dos

maiores do estado do Rio de Janeiro, cujas terras estão distribuídas nos municípios de

Campos dos Goytacazes e uma pequena parte do município de São Francisco de

Itabapoana. Para cumprir o objetivo de estudar os laços comunitários e os sujeitos

sociais que favorecem a sua criação e manutenção, uma amostra de 30% das famílias

assentadas (n=153) foi construída, e os presidentes das associações voluntárias de

produtores rurais organizadas existentes Assentamento Zumbi dos Palmares foram

identificados. A escolha desse objeto de estudo é justificada uma vez que a criação de

laços comunitários, a partir da interação de diferentes redes sociais detectadas no

assentamento em questão, é um importante passo para a viabilidade sócio-econômica do

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais de Agricultura, Desenvolvimento e Sociedade (CPDA/UFRRJ). E-mail: [email protected] 2 PhD em Planejamento Ambiental – Virginia Tech e Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). E-mail:[email protected]

empreendimento de Reforma Agrária, ao garantir alternativas para o escoamento da

produção, compartilhamento de conhecimento técnico e uso de maquinário, entre outros

mecanismos a serem abordados.

2.0 – REFERENCIAL TEÓRICO

Segundo Dias (2007), o conceito de rede tem sido ligado a elementos bastante

díspares como a luta pela democracia, o fim das hierarquias, e a busca da

descentralização do poder político, de modo a aumentar o grau de autonomia dentro das

sociedades democráticas. De forma adicional, Soares (2002) postula que as redes sociais

são um arcabouço teórico que não propõe uma síntese impossível entre estrutura

(perspectiva estruturalista) e sujeito (perspectiva interacionista), mas pretende sim

estabelecer uma ponte entre essas duas escolas de pensamento social. Além disso,

Marteleto (2001) afirma que a análise teórica a partir do conceito de redes tem duplo

uso: um emprego estático, no que se refere ao conceito de rede enquanto estrutura para

melhor compreender uma determinada sociedade através de seus grupos e estruturas; e

outro emprego dinâmico que alude à concepção de rede-sistema. Neste caso, as redes

são utilizadas para explicar estratégias de natureza pessoal ou coletiva, que

normalmente incluem instrumentos de mobilização de recursos.

Soares (2002) postula que as principais redes são aquelas baseadas nas relações de

parentesco, amizade, trabalho e origem comum. Neste sentido, é importante salientar

que rede social não é o sinônimo de rede pessoal, uma vez que rede pessoal é apenas um

tipo de rede social que se funda em relações de amizade, parentesco, entre outras. Já a

rede social seria um conjunto de pessoas, organizações ou instituições sociais que estão

conectadas por algum tipo de relação (Soares, 2002: 107).

Para entender a composição das redes sociais seria necessária uma interpretação

baseada na localidade onde elas se inserem. O local se diferencia porque nesse os atores

sociais se apreenderam do espaço enquanto manifestação de suas relações sociais,

confiança, cooperação, sentimento de pertencimento. Costa (2005) postula que é

necessário transformar o conceito de “comunidade” em “rede social”, já que, se

anteriormente solidariedade, vizinhança e parentesco eram aspectos predominantes para

a definição de uma comunidade, hoje estes são padrões essenciais para a formação de

redes sociais.

Por outro lado Salles (1992) afirma que para se chegar à explicação das relações

familiares dos camponeses através da perspectiva das redes sociais é necessário tanto o

exame do parentesco quanto das redes de convivência, bem como o processo de

construção de identidades (i.e. cultura e gênero). Desta forma, Salles argumenta que as

comunidades agrícolas tradicionais constroem laços ao longo da vida através de redes

locais e homogêneas. Porém, para o estabelecimento de “novos agricultores” num novo

espaço seria necessária a construção de redes para recursos materiais, informações e

apoio efetivo; assim, para o estabelecimento no mundo rural é necessário acessar mais

de uma rede (e.g. famílias estendidas, cooperativas). Neste sentido, Mailfert (2007)

afirma que “novos agricultores” compensariam os recursos limitados e, por vezes, a

falta de técnica no manejo da terra, com o uso de redes para descobrir o mercado local e

também as habilidades técnicas. Para Marteleto (2004), esse tipo de fluxo de

informações que ocorre dentro das redes produzido pelos laços existentes entre os

membros da comunidade depende de características culturais, sociais, econômicas e

políticas que determinam a participação de cada um e a sanção para os não

participantes.

De acordo com Soares (2002), a análise de redes sociais apresenta-se como bastante

pertinente para os estudos sobre Reforma Agrária, uma vez que permite identificar um

possível padrão regular de relações entre as posições ocupadas pelos atores e estrutura

social, permitindo ainda que sejam inferidos sobre os mecanismos que dão suporte à

dinâmica social dentro dos assentamentos. De forma similar, Marteleto (2004)

argumenta que o uso das redes sociais para inferir o grau de desenvolvimento de laços

sociais nos assentamentos é bastante relevante no âmbito dos mesmos, visto que este

tipo de análise valoriza os elos informais que normalmente marcam as relações entre os

assentados.

Além disso, Castro (1998) sugere que é justamente das redes sociais de vizinhança,

parentesco e outras formas de ajuda mútua, que os assentados constroem novas formas

de sociabilidade, estabelecendo assim novas relações de vizinhança e incorporando

técnicas produtivas. Castro argumenta ainda que este tipo de relações produz tanto o

sentimento de pertencimento, quanto o de segurança; elementos estes que seriam

fundamentais para a sustentabilidade dos assentamentos. Neste sentido, Moraes e

Curado (2004) postulam que a construção das redes de solidariedades nos

assentamentos seria uma alternativa para a interação de diferentes grupos sociais que

têm interesse na mudança dos padrões de decisão, elevando as possibilidades de

autonomia cultural das comunidades rurais; uma vez que é essa a melhor solução para

uma efetiva gestão participativa e democrática dos espaços rurais.

No caso específico da análise das redes sociais que ligam os assentamentos

originados por ocupações lideradas por movimentos do tipo do MST que existem em

atividade por diferentes regiões brasileiras, Wolford (2003) sugere que seria necessário

realizar uma concatenação das suas dimensões econômicas, sociais e regionais.

Wolford salienta ainda a importância dos recursos sócio-econômicos advindos dessas

redes, e o papel que estas ocupam na geração de um processo de reforma agrária

sustentável. Dentro desta perspectiva, as redes sociais relacionadas ao MST (ou a

movimentos congêneres) se caracterizariam pela disseminação de informações, pessoas

e recursos dentre os assentamentos, bem como pela difusão da sua ideologia.

Neste sentido, as redes locais de mobilização são consideradas como espaços

privilegiados para a consolidação e reafirmação das identidades coletivas (e.g. o que é e

como atuar enquanto sem-terra, quilombola, etc.), através do uso de símbolos das lutas

(e.g. a mística para o MST, bandeiras, objetos culturais), e projetos e utopias que

promovem a ligação política com o movimento (e.g. projeto de reforma agrária, ações

afirmativas, território comunal) que promovem a construção dos sujeitos coletivos dos

diferentes movimentos sociais (Scherer-Warren 2006).

Segundo Gohn (1998), o campo das lutas sociais se tornou mais complexo, a partir

da emergência de uma nova cultura política de base local, que se forma a partir da

experiência de redes que se constituíram enquanto comunidades políticas exigindo,

portanto, o direito a terem direitos. Assim sendo, a noção de território aliada às redes

sociais seria crucial para o reconhecimento da migração enquanto movimento

fundamental da história do território, pois quando o grupo migratório se instala, o

mesmo desenvolve relações de solidariedades não apenas entre si, mas também com os

grupos previamente existentes territórios em que se inserem. Neste sentido, a construção

de identidades coletivas, e não apenas uma identidade inerente ao assentado, acontece

no interior dos assentamentos, através tanto de fatores de diferenciação internos, quanto

os fatores externos, que podem ser apreendidos pela maneira como os assentados se

referem ao seu modo de vida e produção.

Por outro lado, Wolford (2003) analisa o papel que o MST ocupa na criação de

uma chamada “comunidade imaginada” 3, uma vez que a maioria dos membros da

organização nacional nunca se conheceu pessoalmente e nem vai se conhecer, mas que

3 O termo “imagined community” foi inicialmente utilizado por Benedict Anderson enquanto expressão de uma comunidade constituída por idéias e representada por símbolos, slogans e rituais, requerendo aos seus participantes que imaginassem um novo ideal social, político e econômico. (Wolford, 2003)

mesmo assim tendem a desenvolver uma visão de coletividade que não existia

anteriormente, o que possibilita que o MST se apresenta como mediador legítimo entre

os assentados e o Estado Brasileiro.

Para Gohn (1998), o processo de construção da identidade dos membros do

MST resulta de uma ação intencional de suas lideranças, ou seja, um processo de

construção artificial, visto que a identidade formada é alimentada por símbolos como a

bandeira vermelha do MST, e pelo culto a heróis passados como Che Guevara e Rosa

Luxemburgo, e também pela adoção de rituais (e.g. a Mística que é uma combinação de

canções, teatro e símbolos rurais, como a representação de uma prospera colheita; para

que continue) que ocupam um papel decisivo na manutenção da identidade do

movimento, mesmo entre membros que jamais se encontraram pessoalmente. Nesse

sentido, Wolford (2003) concebe o rótulo identitário que o MST fornece aos seus

membros e militantes como sendo “uma classe em si num sistema dominado pelas elites

da terra”. Para Wolford, a “comunidade imaginada” pensada pelo MST tem como

argumento principal o caráter de oposição de classes, sendo um importante recurso de

coesão, uma vez que a imagem do MST na mídia nacional é de ser “perigoso, radical e

subversivo”. Assim, as associações comunitárias de produtores rurais podem contribuir

para a criação dessa identidade coletiva, uma vez que enquanto espaço de interação,

possibilitam um debate político plural, desenvolvendo uma identidade grupal, sem que

isto implique numa homogeneização alienante dos valores e perspectivas dos atores

sociais envolvidos (Moraes e Curado, 2004).

No que tange à área de estudo analisada, a região Norte Fluminense é marcada pela

presença da pecuária e da monocultura da cana-de-açúcar; atividades que consolidaram

o domínio de uma elite agrária sobre a maior parte de suas terras agrícolas. Além das

terras, esta elite tem concentrando o monopólio do poder político, a partir da força

econômica das usinas de açúcar. A chegada do MST no norte fluminense ocorreu em

1996, a partir da ocupação da Fazenda Capelinha em Conceição de Macabu. A

ocupação da Fazenda Capelinha, em 1996, se deu pelo fato da proprietária das terras ser

uma usina que havia falido deixando grandes dívidas trabalhistas com seus

trabalhadores. O MST ocupou ali cerca de 2.200 hectares, e o INCRA forneceu os

títulos de propriedade já no ano seguinte.

Após este primeiro sucesso político, um pequeno grupo de membros da direção

nacional do MST se mudou para o município de Campos dos Goytacazes para organizar

a ações no norte fluminense. A ocupação das terras da Usina São João no dia 12 de abril

de 1997, que fora desativada dois anos antes, acabou originando ainda neste mesmo ano

o Assentamento Zumbi dos Palmares. O Zumbi dos Palmares foi assim a primeira

ocupação realizada pelo MST no município de Campos dos Goytacazes, e a terceira

área ocupada em nível estadual. Para liderar e organizar o processo de ocupação, o MST

enviou à cidade um de seus líderes, o agricultor Francisco Valença Lan, filho do

sindicalista Sebastião Lan, que havia sido assassinado em Junho de 1988, quando

presidia o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cabo Frio. As cinco fazendas que

pertenciam à Usina São João foram escolhidas para a ocupação, devido ao processo

falimentar da empresa também ter resultado num grande acúmulo de dívidas

trabalhistas.

No período inicial da ocupação havia cerca de 200 pessoas participando na

criação de um acampamento, mas o número de famílias envolvidas aumentou

rapidamente para 680, sendo que 550 ficaram acampadas e outras 130 de famílias de ex-

trabalhadores residiam em pequenos núcleos urbanos periféricos próximos ao

assentamento. O acampamento coletivo chegou a abrigar 1200 famílias distribuídas em

nove fazendas da Usina São João, contemplando 8.553 hectares. Um levantamento

inicial realizado pelo INCRA cadastrou 500 pessoas que foram divididas em 13 grupos

vindos de bairros do município de Campos, e de cidades vizinhas como Macaé, Cabo

Frio e Casimiro de Abreu.

O processo de desapropriação das terras foi considerado um dos mais ágeis de

definição sobre reforma agrária, já no momento de uma visita do então ministro da

Reforma Agrária Raul Jungmann à cidade de Campos dos Goytacazes, o presidente

Fernando Henrique Cardoso assinou em 03/10/1997 assinou o ato de desapropriação das

terras que vieram a compor o Assentamento Zumbi dos Palmares, apenas seis meses

após a ocupação das terras pelo MST4. Na mesma ocasião, também foi assinada o ato de

desapropriação da fazenda Paraíso, no município de Campos dos Goytacazes,

totalizando uma área de 422 hectares onde deveriam ser assentadas 30 famílias. Já neste

período, o MST encontrou fortes resistências em diversos setores da sociedade local,

como a Tradição Família e Propriedade (TFP) e o Sindicato Rural de Campos. No

entanto, a comunidade católica, não pertencente à ala tradicionalista foi solidária ao

MST, especialmente através do bispo Dom Roberto Guimarães, enviou agentes

pastorais para o acampamento.

4 Dados obtidos no jornal “Folha da Manhã” dias 13/04/1997; 15/04/1997; 19/04/1997; 26/04/1997; 02/10/1997; 08/10/1997; 10/10/1997

Desde 1997, diversos acampamentos têm sido organizados como parte da

expansão das lutas do MST no norte fluminense, e alguns já resultaram na formação de

assentamentos (Zinga, 2004:47). Um aspecto peculiar no processo de estabelecimento

do MST no norte fluminense tem sido a participação de trabalhadores urbanos na luta

pela reforma agrária (Pedlowski et al. 2002). Assim, apesar do período inicial da sua

presença a região norte fluminense ter gerado a percepção do MST enquanto um

movimento exógeno, já houve o desenvolvimento de um quadro de lideranças locais

(Idem).

3.0 – METODOLOGIA

3.1 - ÁREA DE ESTUDO

A presente pesquisa foi conduzida no Assentamento Zumbi dos Palmares, cujas

terras estão distribuídas nos municípios de Campos dos Goytacazes e São Francisco de

Itabapoana (Figura 1). O Zumbi dos Palmares se localiza onde previamente existiam

fazendas que faziam parte da Usina de Açúcar São João que havia falido havia poucos

anos.

Figura 1 - Mapa do Projeto de Assentamento (PA) Zumbi dos Palmares, mostrando a sua localização nos municípios de Campos dos Goytacazes e São Francisco do Itabapoana (Fonte: CIDE e INCRA/RJ)

A área do assentamento foi dividida em cinco núcleos em cujo interior foram

criados 508 lotes que possuem uma área média 10 hectares cada, sendo que a área total

do Assentamento corresponde a 8000 hectares (FAO/INCRA 1999). A divisão por

núcleos se deu em 1998, quando por inspiração do MST, uma assembléia geral dos

assentados decidiu desfazer o acampamento que havia sido criado no período inicial da

ocupação e iniciar o processo de dispersão das famílias nas áreas em que seriam

definitivamente assentadas (FAO/INCRA, 1999). O método de parcelamento utilizado

pelo INCRA seguiu o planejamento sugerido pelos técnicos da FAO que estavam na

região, sendo que o Zumbi dos Palmares representou a primeira aplicação prática do

chamado “Guia Metodológico – Diagnóstico de Sistemas Agrários” em assentamentos

estabelecidos pelo INCRA na região norte fluminense. (Peixoto 2002:161).

3.2 - COLETA DE DADOS

A coleta de dados que se deu diretamente com as famílias de assentados utilizou

um questionário com perguntas abertas e fechadas buscando com estas observar as

dinâmicas social, produtiva e o papel das redes de solidariedade presentes no

Assentamento Zumbi dos Palmares na sua consolidação. O instrumento foi aplicado em

uma amostra de aproximadamente 30% do total de famílias assentadas em cada um dos

cinco núcleos do Zumbi dos Palmares, por ser uma porcentagem representativa do

universo total, sendo subdividida proporcionalmente nos núcleos existentes, de forma a

perceber as diferentes características ambientais e organizativas que existem no seu

interior.

Também foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com os representantes

dos grupos organizados presentes no Assentamento Zumbi dos Palmares (i.e.

associações voluntárias de produtores existentes em todos os núcleos do Zumbi dos

Palmares). Deste modo, foram entrevistados os presidentes das cinco associações

existentes no assentamento, incluindo o líder de uma segunda associação que foi criada

recentemente no Núcleo III. Todas as entrevistas foram gravadas em arquivos digitais e

depois transcritas, com a verificação repetida da transcrição até que não fossem

detectados erros que comprometessem a integridade das respostas oferecidas pelos

entrevistados.

A pesquisa se baseou no método da triangulação, com o uso tanto de métodos

qualitativos, quanto quantitativos de coleta e análise de dados (Minayo, 2000). Após a

coleta dos dados, os questionários foram revisados, e em seguida os dados eram

tabulados. No caso das perguntas abertas, as respostas sofreram uma primeira

categorização que foram depois refinadas para diminuir o número de categorias

tabuladas. No caso das variáveis que permitiam o uso de tratamento estatístico foram

construídas tabelas e gráficos. A base de dados foi construída com o uso do Programa

SPSS 13.0 for Windows.

No que tange às entrevistas semi-estruturadas, a condução do esforço analítico

deu-se seguindo a ordem do roteiro aplicado aos entrevistados. O método de análise

utilizado foi o de conteúdo (Rocha e Deusdará, 2005). A análise de conteúdo foi

utilizada para sistematizar o processo de interpretação das respostas oferecidas pelos

entrevistados, de modo a garantir um maior grau de objetividade ao esforço analítico.

4.0 - RESULTADOS

Os resultados demonstraram que no que tange à faixa etária dos assentados, a

maioria (aproximadamente 65%) dos membros das famílias entrevistadas possui entre

16 e 60 anos, indicando que os membros estão majoritariamente na faixa adulta (Figura

2).

Figura 2 - Faixa etária dos assentados

Ainda que o segmento da população de crianças e jovens (25,8% da amostra) em

idade escolar seja inferior ao dos adultos, seu peso relativo é significativo, na medida

em que há a possibilidade de reposição da mão-de-obra dentro da própria unidade

familiar. Além disso, um dos aspectos importantes para o aumento da sociabilidade e da

permanência de jovens nos lotes é de que o assentamento possui taxa educacional

preponderante nos níveis fundamental e médio, o que pode contribuir para contemplar a

população jovem.

A questão da escolaridade de populações rurais é relevante porque uma das

maiores dificuldades encontradas para a assimilação produtiva no contexto econômico é

justamente a existência de grandes segmentos sem acesso ao ensino formal, o que

dificulta a assimilação de novas tecnologias produtivas. No caso específico do Zumbi

dos Palmares, a predominância de níveis baixos de escolaridade é o padrão

predominante (Figura 3).

Figura 3 - Anos de escolaridade dos assentados

Este déficit educacional pode ser um elemento relevante na discussão da reforma

agrária, especialmente na questão da formação de redes sociais, na medida em que parte

dos pressupostos conceituais da ação em rede é de que seus participantes tenham

capacidade de articular-se em diferentes escalas e utilizar as novas formas de

comunicação.

Em termos de local de origem, a maioria das famílias assentadas é proveniente

das áreas dos municípios de Campos dos Goytacazes e São Francisco de Itabapoana

(40% e 17%, respectivamente). Outro aspecto importante é de que parte das famílias

assentadas vivia no perímetro urbano de Campos dos Goytacazes, o que representa uma

interessante evidência de um movimento urbano-rural (Figura 4).

Figura 4 - Local de origem das famílias assentadas

Do ponto de vista ocupacional, os assentados que declararam ter experiência

anterior na agricultura atingiu 80%. No entanto, quando perguntados sobre a ocupação

imediatamente anterior ao assentamento, apenas 50% dos respondentes declararam estar

trabalhando na área rural, sendo que o regime de trabalho podia se der através do

arrendamento de um pedaço de terra, ou pelo trabalho pago através do sistema de

diárias, enquanto as ocupações urbanas incluíram um amplo escopo de ocupações

profissionais, a maioria realizada no mercado informal de trabalho (Tabela 1).

Tabela 1 - Principais atividades dos assentados antes de chegar ao PA Zumbi dos Palmares (n=153)

Principal atividade antes de chegar ao Zumbi (%)

Trabalhador rural 47,0 Pedreiro 7,1 Comerciante 6,5 Motorista 7,1 Do Lar 4,6 Empregada doméstica 4,6 Costureira 3,3 Autônomo 2,6 Mecânico 2,6 Lavadeira 1,3 Vigilante 1,9 Bombeiro Hidráulico 1,3 Eletricista 1,3 Pescador 1,3 Pintor 1,3 Açougueiro 1,3 Artesão 0,6 Despachante 0,6 Fiscal de meio ambiente 0,6 Operador de máquina 0,6 Professora 0,6 Secretária 0,6 TOTAL 100,0

Neste sentido, os resultados deste estudo indicam que, ao contrário de que

postulam alguns adversários do processo de reforma agrária, há um número

significativo de assentados que não apenas possuem experiência com o trabalho rural,

bem como o exerciam antes do assentamento. Por outro lado, as evidências obtidas na

coleta de dados indicam que na ampla categoria rotulada de “trabalhador rural” estão

incluídos trabalhadores assalariados rurais permanentes ou temporários, mas também

parceiros e arrendatários. Ainda assim, mesmo ocupações urbanas (e.g.; motorista)

incluem trabalhadores com vínculo ao trabalhar rural, ainda que ligado a uma das usinas

existentes no município de Campos.

A inserção dos assentados em diferentes redes parece ter sido crucial na

participação deles no processo de ocupação das terras que vieram a compor o

Assentamento Zumbi dos Palmares. Dentre as principais formas “puras” de ligação com

o processo estão as ligações familiares, o MST e a mídia (Tabela 2).

Tabela 2- Forma de envolvimento no processo de ocupação do PA Zumbi dos Palmares (n=153)

Forma (%) Familiares 15,0 MST 13,1 Conhecimento através de rádio e TV (mídia) 9,8 Morava perto do acampamento 7,8 Colegas de trabalho 5,2 Vizinhança 5,2 Sindicato dos trabalhadores rurais 3,9 MST e familiares 2,6 Associação de bairro 1,3 Familiares e Sindicato 1,3 Sindicato e morava perto 1,3 Trabalhador da Usina Cambaia 1,3 Associação de bairro e MST 0,7 Associação de bairro e rádio (mídia) 0,7 MST e vizinho 0,7 MST e INCRA 0,7 Familiares e INCRA 0,7 Cadastro da Prefeitura 0,7 INCRA 0,7 Mercado Municipal 0,7 Não participou da ocupação 25,5 Não se lembra 1,3 TOTAL 100,0

Por outro lado, o fato de que as formas individuais de articulação aparecem

combinadas entre si, e com outros tipos de agentes mobilizadores, demonstra que o

processo de ocupação decorreu de uma ampla gama de interações entre diferentes tipos

de redes sociais, ainda que o MST tenha assumido o papel catalisador ao iniciar o

recrutamento de moradores dos bairros periféricos de diferentes municípios do norte

fluminense. No entanto, é notável o papel da rede de parentesco enquanto elemento

crucial para o estabelecimento das estratégias de ocupação, e como veremos mais

adiante, também no desenvolvimento de estratégias de sobrevivência dentro do

assentamento.

Os resultados também mostraram que há uma grande variação no tamanho das

famílias assentadas no Zumbi dos Palmares. Entretanto, a maioria das famílias

assentadas possui entre três e quatro membros, o que corresponde a mais de 40% das

respostas obtidas (Figura 5).

Figura 5 - Número de familiares/agregados/amigos por lote

Por outro lado, o deslocamento das famílias para o assentamento Zumbi dos

Palmares não se deu somente para um único lote. A presença de familiares em outros

lotes parece ser um dos principais elementos que colaboram para a permanência no

assentamento. A presença das famílias aparece como um mecanismo que garante a

permanência dos assentados por facilitar a troca de mão-de-obra, o compartilhamento de

maquinário, e de conhecimento acerca de produções mais rentáveis, a adoção de

agroquímicos que melhorem a rentabilidade das culturas agrícolas adotadas, ou até

mesmo, na incorporação de soluções alternativas agro-ecológicas. Assim, familiares em

outros lotes foram detectados em aproximadamente 40% das ocorrências, sendo o

número de parentes bastante variado (Figura 6).

Figura 6 - Número de familiares em outros lotes do assentamento

Desta forma, as redes familiares servem como um importante mecanismo de

compensação para o processo de auto-isolamento que se estabeleceu a partir do

parcelamento dos lotes, que em alguns casos resultou numa atitude de desconfiança em

relação aos outros assentados, processo que foi iniciado com o fim do acampamento.

Essa realidade é reforçada, na medida em que os espaços de interação comunitária são

mínimos, há apenas duas igrejas no Assentamento Zumbi dos Palmares e a única área

coletiva que promove atrações para a comunidade, ainda que esporadicamente, está

localizada no núcleo IV, onde existe uma pista de laço. No que se refere à mão-de-obra

utilizada no trabalho dos lotes também fica evidente a importância da família, visto que

esta forma (pura ou associada a outras formas) representa a principal fonte de mão-de-

obra dentro do assentamento (Figura 7).

Figura 7 - Tipos de mão-de-obra empregados nos lotes

Além disso, é importante apontar que o emprego de mão-de-obra extra-familiar

é significativo, e demonstra que o assentamento se torna uma área de assimilação de

mão-de-obra, ainda que envolva mecanismos informais de acerto entre os assentados e

os trabalhadores contratados, como a troca de diárias de trabalho entre os mesmos.

Ao analisar outra variável, qual seja a composição de renda familiar, nota-se que

cerca de 30% das famílias têm renda total superior a R$ 700,00, o que equivale a quase

dois salários mínimos. Por outro lado, a fonte não agrícola é responsável por maior

parte na composição da renda quando se trata da faixa de R$301,00 até R$400,00, já nos

estratos de renda de R$401,00 até R$600,00 a fonte agrícola é elemento preponderante;

tal fato evidencia a sua importância na sustentação econômica dos lotes (Figura 8).

Figura 8 - Renda familiar de fonte agrícola e não agrícola

Um aspecto tão importante quanto a renda monetária obtida pelos assentados

(seja no lote ou fora dele) refere-se a um aspecto adicional, normalmente omitido nas

análises institucionais (principalmente do Estado) acerca da produção agrícola em

assentamentos, sendo o que concerne à parte da produção que não é comercializada

pelos assentados. No presente estudo, os resultados mostram que, além da alimentação

dos familiares que coabitam no lote, a fração não-comercializada da produção também é

usada como ração animal, animal este destinado ou não para a comercialização, assim

como no suporte de membros da família estendida, estejam eles vivendo no próprio

assentamento ou fora dele (Tabela 3).

Tabela 3 - Usos da produção que não é comercializada Tipos de usos (%) Alimentar membros da família no lote 38,6 Alimentar criação de animais 30,3 Alimentar membros da família que vive fora do assentamento 16,9 Comercializa toda a produção 8,5 Trocar com vizinhos 4,1 Alimentar membros da família que vive em outros lotes 2,4 Doação ao MST 0,7 Adubo para o solo 0,7

Neste sentido, a rede de parentesco parece ocupar um papel importante no

destino da produção que não é comercializada, além da importância da rede familiar

para a distribuição da produção que não é dirigida ao mercado. Assim, os resultados

demonstram que há uma relação mais complexa dos assentamentos de reforma agrária

com as suas cidades em seu entorno imediato, onde estes funcionam como importantes

fontes de alimentos, especialmente para os setores mais pobres da população urbana.

Acerca das redes associativas presentes no assentamento, foram analisadas as

participações nos grupos organizados internos ao Zumbi dos Palmares, quais sejam

associações e a cooperativa. As associações de produtores foram criadas como requisito

para fornecimento dos créditos agrícolas, através do INCRA, sendo que cada núcleo

possui uma associação. Enquanto a cooperativa foi criada através do MST para cumprir

com a orientação cooperativista do Movimento, favorecendo ao escoamento da

produção dos assentados, existindo apenas uma para cobrir toda a extensão do

assentamento. As associações representam a maioria da filiação dos assentados que têm

participação em organizações comunitárias endógenas (Figura 9).

Figura 9 - Participação em grupos organizados do Assentamento durante o período do estudo (%)

O fato de que os assentados identificam as associações de produtores como

importantes na resolução das demandas é indicador de que a organização comunitária é

vista como relevante na melhoria das condições dentro do assentamento. Atualmente, as

associações de produtores se estabeleceram como a principal forma de organização

comunitária dentro do Zumbi dos Palmares, já que a cooperativa está desativada. Neste

sentido, o predomínio das associações enquanto forma organizativa está relacionada ao

papel de facilitadores do acesso aos créditos fornecidos pelo INCRA e aos diferentes

tipos de apoios concedidos pelas secretarias municipais de agricultura de Campos dos

Goytacazes e São Francisco de Itabapoana. Esta ligação com mecanismos de concessão

de direitos parece se refletir numa situação onde, apesar de estarem formalmente ligados

a uma dada associação, um número significativo de assentados informa que não

participa das atividades que as associações realizam. Este afastamento reflete-se

inclusive nas diferentes motivações para participar, ou não, destas organizações (Tabela

4).

Tabela 4 - Motivos para participar e não participar da Associação

Para participar (%) Para não participar

(%)

Informar-se e trocar idéias 27,8 Não beneficia o núcleo 21,6 Ter acesso a créditos/benefícios 25,2 Presidência não muda 16,2 Respeita o presidente 9,6 Não se interessa 13,5 Obrigação dos assentados 9,6 Não há reunião 10,8 Resolve os problemas com o INCRA 8,7 Falta de tempo 10,8 Só precisa freqüentar reuniões 3,5 Desorganização 5,4 A família participa 3,5 Não planta 2,7 Para ver se algo melhora 2,6 Nunca existiu associação 2,7

Forma de acionar a Prefeitura 2,6 Gostaria de participar em outro núcleo 2,7

Único grupo atuante 1,7 Por curiosidade 0,9 Participou da fundação 0,9 Não sabe/não respondeu 3,5 Não sabe/não respondeu 13,5

TOTAL 100,0 100,0

Não obstante as divergências que estão na base da não-participação, é

importante indicar que as associações não apenas são vistas como mecanismos de

acesso a benefícios e serviços oferecidos por diferentes órgãos de governo, mas também

como agentes que favorecem as interações entre os assentados. Além disso, o estudo

também encontrou evidências de que existem outras redes de interação e suporte social

funcionando entre os assentados do Zumbi dos Palmares, bem como entre estes e

agricultores que receberam lotes em outros assentamentos implantados na região

geográfica mais próxima (Tabela 5).

Tabela 5 - Mecanismos motivadores da interação com assentados de outros núcleos do Zumbi dos Palmares (n=75)

Mecanismo (%) Conhecimento próprio 46,7 Laços estabelecidos no acampamento 22,7 Participação nas associações 12,0 Conhecimento anterior na Usina São João 4,0 Participação na CPT e conhecimento próprio 2,7 Laços familiares 1,3 Participação na feira agro-ecológica 1,3 MST 1,3 Ônibus 1,3 São Francisco de Itabapoana 1,3 CPT e MST 1,3 CPT e Acampamento 1,3 Associação e conhecimento próprio 1,3 Associação e acampamento 1,3 TOTAL 100,0

É importante destacar que apesar do conhecimento próprio (i.e. mecanismos

individuais) ter sido indicado como o principal mecanismo guiando as interações com

assentados de outros núcleos do Zumbi dos Palmares, há uma preponderância de vários

tipos de laços de natureza associativa que denotam o funcionamento de diferentes tipos

de redes de relacionamento (e.g acampamento, participação em assembléias). Isto

parece indicar que está ocorrendo uma evolução positiva no desenvolvimento de redes

sociais, extravasando o individualismo que caracteriza as relações dentro assentamento.

As interações sociais realizadas pelos assentados também foram estudadas em relação

aos outros assentamentos. Ainda que um número menor de assentados (n=24) tenha

indicado manter contatos com membros de outros assentamentos (e.g. Che Guevara,

Ilha Grande, Dandara dos Palmares), o fato é que também neste caso há uma

multiplicidade de interações de natureza coletiva que extrapolam o nível individual

(Tabela 6).

Tabela 6 - Mecanismos motivadores para a interação dos assentados com outros assentamentos (n=24) Mecanismo (%)

Conhecimento próprio 33,3 Relações familiares 16,7 Participação em feiras de produtores 8,3 Vizinhança 8,3 MST 8,3 Ligação a partir da CPT 8,3 Participação em associações 4,2 Conhecimento adquirido no acampamento 4,2 Cooperativa 4,2 Reuniões 4,2

TOTAL 100,0

5 - CONCLUSÕES

O estudo de redes se mostrou pertinente à realidade do Assentamento Zumbi dos

Palmares, uma vez que foi possível detectar porque “certas coalizões interpessoais são

mais importantes do que outras” (Radomsky 2006:115). No entanto, a teoria que trata

das redes sociais explicita uma visão simplificada, quando é importante não deixar de

lado as disputas de interesse de classes dentro das mesmas, o que acontece na realidade

do Assentamento Zumbi dos Palmares. Desta forma, a concepção de rede não pode ser

resumida a compensação de recursos limitados ou uso das redes para alcançar o

mercado local, que não levem em conta a importância dos embates criados na interação

entre os diferentes grupos presentes no assentamento. O fato é que estes embates se

refletem, por conseguinte, na interação entre as várias redes existentes no Zumbi dos

Palmares (i.e; familiares, associativas, pessoais ou mesmo a influência das redes de

parentesco nas associativas).

Além disso, a Teoria das Redes Sociais quando aplicada ao estudo dos

assentamentos de reforma agrária pode ainda capturar a relação entre o urbano e o rural,

que são peculiares à formação dos assentamentos. Este fato é particularmente

importante nos casos onde uma parcela significativa da população assentada é

proveniente de uma realidade urbana imediatamente anterior ao processo de

envolvimento na luta pela reforma agrária (mesmo que tenha experiência anterior com

trabalho rural). Também devem ser observadas as imbricadas relações das redes de

parentesco com as de compadrio que aparecem, sobremaneira, na explicitação da

realidade das associações voluntárias de produtores.

Por outro lado, a análise da ação da rede de parentesco demonstrou que este tipo

de rede ocupa um papel crucial para a permanência dos assentados em seus lotes, tendo

como base o fato de que conta com seus familiares em outros lotes para trocar produtos

entre si, conhecimento prático acerca de culturas, e mesmo para a criação de canais

próprios de escoamento da produção através de canais alternativos de comercialização

(e.g.; venda direta dos produtos em mercados e pequenos estabelecimentos comerciais

em zonas urbanas próximas). Desta forma, os assentados terminam por criar canais de

escoamento que extrapolam aqueles que são monopolizados por uma rede de

atravessadores, que manipula os preços e comete fraudes contra os assentados.

Finalmente, através da criação de soluções alternativas buscadas de forma individual ou

mesmo dentro da estrutura familiar estendida, as redes de parentesco favorecem a

melhoria em suas condições de vida dos assentados, garantindo espaço aos

assentamentos de reforma agrária dentro da realidade complexa do campo brasileiro.

6 - REFERÊNCIAS

CASTELLS, M. A sociedade em rede: A era da informação: economia, sociedade e

cultura; v.1. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CASTRO, E.G. Assentamentos entre o rural e o urbano. In: CARNEIRO, M. J. et. al.

(Orgs.) Campo Aberto. O rural no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Contra

Capa, 1998.

COSTA, R. Por um novo conceito de comunidade: redes sociais, comunidades

pessoais, inteligências coletivas. Interface – Comunic., Saúde, Educ, v.9, n.17,

p.235-248, mar/ago 2005

DIAS, L.C. Os sentidos da rede: notas para discussão. In: DIAS, L.C. e SILVEIRA,

R.L.L. (Orgs.) Redes, sociedades e territórios. DIAS. Ed. Santa Cruz do Sul:

EDUNISC, 2007. v. 1, pp. 11-28.

FAO/INCRA. Proposta de Plano de Desenvolvimento Sustentável do Assentamento

Zumbi dos Palmares. Rio de Janeiro, 1999, 159 p.

GOHN, M.G. Os Sem-Terra e o desafio da participação popular no meio rural

brasileiro ao final do milênio. In Caderno CRH: Faces do Novo Rural. Salvador,

Centro de Recursos Humanos/UFBA, 1998, pp..

MAILFERT, K. New farmers and networks: How beginning farmers build social

connections in France. Tijdschrift voor Economische en Sociale Geografie – 2007

– vol. 98, no.1 – pp. 21-31

MARTELETO, R.M. Análise de redes sociais - aplicação nos estudos de

transferência da informação. Ci. Inf., Jan./Apr. 2001, vol.30, no.1, pp.71-81.

_______________ e SILVA, Antonio Braz de Oliveira. Redes e capital social: o

enfoque da informação para o desenvolvimento local. Ci. Inf., Sept./Dec. 2004,

vol.33, no.3, pp.41-49.

MINAYO, M.C.S. (org.). Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. 15A. Ed.

Petrópolis: Vozes, 2000.

MORAES, E. G. de e CURADO, F. F. Os limites do associativismo na agricultura

familiar nos assentamentos rurais em Corumbá, MS. In: Simpósio sobre

recursos naturais e socioeconômicos do Pantanal. Corumbá/MS, 2004.

PEDLOWSKI, M. A., ZINGA, M.R.M. e MAIA, R.R. A mudança da identidade

social dos participantes e o papel da dualidade rural-urbana na

implementação da Reforma Agrária no Norte Fluminense. In: VI Congresso da

Associação Latino-Americana de Sociologia Rural, 2002, Porto Alegre. Anais do

VI Congresso da ALASRU, 2002. v. 1. p. 2082-2091.

PEIXOTO, M. O Planejamento do desenvolvimento de assentamentos rurais:

Experiências no estado do Rio de Janeiro. Ver. Univ. Rural. Ser. Ciências

Humanas vol 24 (1-2), p. 159-172, jan/jun 2002.

RADOMSKY, G.F.W. Reciprocidade, redes sociais e desenvolvimento rural. In:

SCHNEIDER, S. A Diversidade na Agricultura Familiar Porto Alegre, ed. UFRGS,

2006.

ROCHA, D. e DEUSDARÁ, B.. Análise de Conteúdo e Análise do Discurso:

aproximações e afastamentos na (re) construção de uma trajetória. Alea,

Julho/Dezembro. 2005, vol.7, no.2, pp.305-322.

SALLES, V. Quando falamos de família, de que família estamos falando? Cad.

CRH Salvador, (17), pp. 106-140, 1992.

SCHERER-WARREN, I. Das mobilizações às redes de movimento sociais. Sociedade

e Estado, v.21, n.1, jan/abr 2006, pp. 109-130.

SOARES, W. Para além da concepção metafórica de redes sociais: fundamentos

teóricos da circunscrição topológica da migração internacional. In: XIII

Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2002, Ouro Preto.

WOLFORD, W. Producing Community: The MST Land Reform Settlements in

Brazil. Journal of Agrarian Change, vol. 3, no. 4, October 2003, pp.500-520.

ZINGA, M.R.M. Discutindo a questão da representação política entre os

beneficiados da reforma agrária: Um estudo de caso sobre construção de

organizações de base no assentamento Zumbi dos Palmares, Campos dos

Goytacazes, RJ. p. 57 2002. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em

Ciências Sociais), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro,

Campos dos Goytacazes, RJ.