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As principais diretrizes da agenda de segurança nacional brasileira no pós-guerra fria: as questões ambientais e o tráfico de ilícitos Higor Ferreira Brigola 1 Edu Silvestre de Albuquerque 2 Resumo Este artigo é produto dos resultados da dissertação de mestrado “A agenda de Segurança Brasileira no pós-Guerra Fria e as novas ameaças globais na percepção estadunidense”, defendida na UEPG, que traz como objetivo principal analisar as principais diretrizes de segurança nacional brasileira nos discursos dos gestores de política externa e, principalmente, nos acordos internacionais celebrados pelo Brasil entre 1990 e 2011. A abordagem se restringirá, neste artigo, as temáticas de maior destaque da pesquisa, notadamente as questões ambientais, seguida do narcotráfico. Palavras-chave: Meio Ambiente; Narcotráfico; Segurança Nacional. Resumen Este artículo es producto de los resultados de la tesis de Máster, “La agenda de Seguridad Brasileña en la Posguerra Fría y las nuevas amenazas globales en la percepción estadounidense”, en UEPG-Brasil, que tiene como principal objetivo analizar las principales directrices de seguridad nacional brasileña a través de los discursos de los gestores de política externa, especialmente en los acuerdos internacionales firmados por Brasil de 1990-2011. El enfoque en este artículo se restringirá a dos temas de mayor destaques de la investigación, en primer lugar a las cuestiones ambientales, después al narcotráfico. Palabras-clave: Medio Ambiente; Narcotráfico; Seguridad Nacional. 1 Mestre em Gestão do Território – UEPG. Contato: [email protected] 2 Docente do Programa de Mestrado em Gestão do Território da UEPG e do Curso de Geografia da UFRN. Contato: [email protected] Revista de Geopolítica, Natal - RN, v. 3, nº 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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O artigo traz como objetivo principal analisar as principais diretrizes de segurança nacional brasileira nos discursos dos gestores de política externa e, principalmente, nos acordos internacionais celebrados pelo Brasil entre 1990 e 2011.

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  • As principais diretrizes da agenda de segurana nacional brasileira no ps-guerra fria: as questes ambientais e o trfico

    de ilcitos

    Higor Ferreira Brigola1Edu Silvestre de Albuquerque2

    ResumoEste artigo produto dos resultados da dissertao de mestrado A agenda de Segurana Brasileira no ps-Guerra Fria e as novas ameaas globais na percepo estadunidense, defendida na UEPG, que traz como objetivo principal analisar as principais diretrizes de segurana nacional brasileira nos discursos dos gestores de poltica externa e, principalmente, nos acordos internacionais celebrados pelo Brasil entre 1990 e 2011. A abordagem se restringir, neste artigo, as temticas de maior destaque da pesquisa, notadamente as questes ambientais, seguida do narcotrfico.Palavras-chave: Meio Ambiente; Narcotrfico; Segurana Nacional.

    ResumenEste artculo es producto de los resultados de la tesis de Mster, La agenda de Seguridad Brasilea en la Posguerra Fra y las nuevas amenazas globales en la percepcin estadounidense, en UEPG-Brasil, que tiene como principal objetivo analizar las principales directrices de seguridad nacional brasilea a travs de los discursos de los gestores de poltica externa, especialmente en los acuerdos internacionales firmados por Brasil de 1990-2011. El enfoque en este artculo se restringir a dos temas de mayor destaques de la investigacin, en primer lugar a las cuestiones ambientales, despus al narcotrfico.Palabras-clave: Medio Ambiente; Narcotrfico; Seguridad Nacional.

    1Mestre em Gesto do Territrio UEPG. Contato: [email protected] do Programa de Mestrado em Gesto do Territrio da UEPG e do Curso de Geografia da UFRN. Contato: [email protected]

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    IntroduoUma rpida e drstica sucesso de eventos polticos marcou o fim do perodo

    bipolar, entre eles a queda do Muro de Berlim (novembro de 1989), a reunificao da

    Alemanha (outubro de 1990), a dissoluo do Pacto de Varsvia (abril de 1991) e, por fim,

    a derrocada da potncia socialista sovitica (dezembro de 1991). Com esses

    acontecimentos, o cenrio internacional sofreu uma reviravolta em sua organizao

    geopoltica e no cenrio ideolgico, com o triunfo do liberalismo norte-americano. Tais

    fatos contriburam para a desatualizao dos parmetros doutrinrios das polticas de

    defesa e concepes de segurana na Amrica do Sul, inclusive sobre as percepes de

    ameaas e constituio das misses e estruturas operativas e funcionais das foras

    armadas (MONTENEGRO, 2003).

    Durante toda a Guerra Fria a agenda de segurana dos pases da Amrica Latina

    seguiram um molde imposto pela poltica dos EUA, tendo nas estratgias de conteno

    ao comunismo uma percepo de ameaa comum. No cenrio atual, a maioria dos pases

    da regio busca uma alternativa voltada aos seus interesses nacionais, a exemplo do

    Brasil, principalmente a partir do governo Lula.

    A pesquisa envolveu um levantamento e classificao tipolgica dos discursos

    das autoridades brasileiras de poltica externa e, principalmente, dos acordos

    internacionais celebrados pelo Brasil no perodo de 1990-2011. A incluso do ano de

    1990, anterior ao fim oficial da Guerra Fria, decorre do incio do mandato de Fernando

    Collor.

    As fontes pesquisadas foram os sites do Ministrio das Relaes Exteriores e do

    Ministrio da Defesa, incluindo acordos vigentes e em tramitao, e descartando as

    emendas e atos complementares em razo do elevado nmero de documentos. No total

    foram 163 acordos analisados, divididos em grupos relacionados concepo de

    segurana nacional. Em ordem decrescente, os temas mais recorrentes foram: meio

    ambiente e preservao da Amaznia, crime organizado internacional e trfico de ilcitos;

    defesa; energia nuclear e conteno de armamentos de destruio em massa; direitos

    humanos; terrorismo e questes migratrias.

    Nos acordos bilaterais, a pesquisa foi realizada apenas com pases que possuem

    maior relao com o Brasil e/ou certa projeo no cenrio regional ou internacional ,

    dentre eles: EUA, os pases da Amrica do Sul exceto Guianas e Suriname, as principais

    naes da Europa (Reino Unido, Frana e Alemanha), os pases do BRICS (China, ndia,

    Rssia e frica do Sul).

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    Este artigo tem como nfase a anlise dois grupos de maior recorrncia na nova

    agenda de segurana brasileira de acordo com a pesquisa: as questes ambientais e

    narcotrfico. So analisados os discursos de especialistas em relaes internacionais,

    militares e de funcionrios de Estado acerca da concepo do Brasil frente a esses

    fenmenos classificados como prioridades na agenda de segurana nacional.

    Proteo do Meio Ambiente e Conservao da Amaznia

    As questes sobre a preservao do meio ambiente ganharam elevado destaque

    em matria de segurana global, sendo o primeiro item da nova agenda de segurana

    brasileira, pois tendem a ser um grande desafio para a comunidade internacional nos

    prximos anos. Em 1992, no Rio de Janeiro, foi realizada a Conferncia da ONU sobre

    Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio-92, a primeira megaconferncia

    diplomtica desde o fim da Guerra Fria e, portanto, liberta da diviso dicotmica Leste-

    Oeste que provinha do mundo bipolar.

    A iniciativa de colocar o Brasil como sede do encontro fez parte da poltica

    externa de Collor, a qual buscava manter um bom relacionamento com os EUA, que

    pressionava os demais pases do continente a inclurem polticas ambientais em suas

    agendas. Na conveno, diversos assuntos ambientais foram abordados, como o

    aquecimento global e o desenvolvimento sustentvel:

    O conceito do desenvolvimento sustentvel, lanado pelo Relatrio Brundtland de 1987, foi o impulso orientador consagrado na Rio-92. Neste conceito esto consorciadas a legtima preocupao com o meio ambiente e a no menos legtima preocupao com o crescimento econmico e a pobreza. um paradigma do desenvolvimento que, alm dos requisitos de consistncia econmica, leva em conta a fragilidade dos ecossistemas. (LAFER, 2007).

    Na ocasio, alm das discusses apresentadas, foram produzidos importantes

    documentos que pautavam a preservao ambiental, dentre eles: a Declarao do Rio

    sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declarao de Princpios sobre o Uso das

    Florestas, a Conveno das Naes Unidas sobre Diversidade Biolgica, a Conveno

    das Naes Unidas sobre Mudanas Climticas e a Agenda 21 Global.

    A Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre Mudana do Clima foi assinada

    em Nova York, em 9 de maio de 1992, porm entrou em vigor no Brasil apenas em 1998,

    e possua como objetivo:

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    (...)alcanar, em conformidade com as disposies pertinentes desta Conveno, a estabilizao das concentraes de gases de efeito estufa na atmosfera num nvel que impea uma interferncia antrpica perigosa no sistema climtico. Esse nvel dever ser alcanado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente mudana do clima que assegure que a produo de alimentos no seja ameaada e que permita ao desenvolvimento econmico prosseguir de maneira sustentvel (MRE, 1998).

    Para reforar os objetivos desta conveno, em 1997 foi criado o Protocolo de

    Quioto, assinado no mesmo ano pelo Brasil, j durante a presidncia de Fernando

    Henrique Cardoso, e com entrada em vigor prevista para 2005. O Itamaraty atravs do

    Departamento de Meio Ambiente e Temas Especiais mantm uma relao de dilogo com

    diversos representantes de setores interessados na questo das mudanas climticas,

    desde empresas pblicas e privadas, ONGs ambientais, institutos de pesquisa, entre

    outros:

    A ltima Conferncia das Partes, a COP-15, realizou-se em Copenhague, em dezembro de 2009. Na ocasio, consultas polticas de alto nvel, conduzidas por grupo limitado de Chefes de Estado, incluindo os pases do BASIC (Brasil, frica do Sul, ndia e China), geraram texto resumido, intitulado Acordo de Copenhague, que foi apresentado como projeto de deciso da Conferncia das Partes. No foi possvel, contudo, alcanar o consenso necessrio para a adoo do documento pela COP, cuja deciso final sobre o assunto tomou nota do Acordo (MRE, 2011).

    Especialmente o tema da preservao das florestas adquiriu grande relevncia na

    agenda brasileira, pois cerca de 60% do territrio nacional coberto por vegetao

    florestal, questo que leva o Brasil a ser um grande participante dos diversos fruns

    internacionais. Alm da proteo ambiental (reduo do desmatamento e ampliao da

    cobertura florestal), tambm questes econmicas (valorizao de instrumentos

    econmicos), comerciais (acesso a mercados), sociais e culturais (proteo dos

    conhecimentos tradicionais e repartio dos benefcios) foram consideradas (MRE, 2011).

    Na questo ambiental, o principal foco de preocupao do Estado brasileiro est

    na regio Amaznica, detentora de enorme cobia internacional devido a sua rica

    biodiversidade e riqueza natural. Torna-se ento um imperativo sua preservao pelo

    Brasil, como citado no documento Estratgia de Defesa Nacional (2008, p. 26): o

    desenvolvimento sustentvel da regio amaznica passar a ser visto, tambm, como

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    instrumento da defesa nacional: s ele pode consolidar as condies para assegurar a

    soberania nacional sobre aquela regio. Ainda,

    A diplomacia brasileira vem apresentando, nos foros internacionais, os avanos do Pas em suas polticas de conservao florestal e promoo de atividades sustentveis. Entre os resultados do Plano de Preveno e Combate ao Desmatamento na Amaznia (PPCDAM) est a reduo de 59% entre 2004 e 2007, por meio de por meio de aes nas reas de ordenamento fundirio e territorial; monitoramento e controle; e atividades produtivas sustentveis. Outros dados que ganham projeo internacional dizem respeito ao uso sustentvel dos recursos florestais. O Brasil referncia em cadeias produtivas diretamente associadas a recursos naturais, como minerao, agricultura, energia e floresta. (MRE, 2011).

    O Brasil logrou, em 2009, a aprovao pela Assembleia Geral da ONU da sede da

    Conferncia de alto nvel das Naes Unidas sobre desenvolvimento sustentvel, no Rio

    de Janeiro, em 2012. A Rio+20, que ter a biodiversidade entre seus grandes temas

    (MRE, 2011). Nota-se, ento, a importncia desta temtica para a agenda de segurana

    brasileira, novamente confirmada pela frequncia de acordos pesquisados no site do

    Itamaraty (Quadros 1 e 2).

    Quadro 1 Acordos bilaterais realizados abrangendo a temtica ambiental

    Ttulo do acordo Data de celebrao Pas

    Declarao dos Ministros da Defesa da Repblica Federativa do Brasil e da Repblica do Peru sobre Cooperao em Matria de Vigilncia da Amaznia

    09/11/2006 Peru

    Declarao dos Governos da Repblica Federativa do Brasil e da Repblica do Peru sobre Integrao Fsica e Conservao do Meio Ambiente

    21/01/2006 Peru

    Acordo Complementar na rea de Recursos Naturais e Meio Ambiente ao Acordo Bsico de Cooperao Tcnica e Cientfica 28/08/2004 Peru

    Memorando de Entendimento sobre Cooperao em Matria de Proteo e Vigilncia da Amaznia 25/08/2003 Peru

    Acordo de Cooperao para a Conservao e o Uso Sustentvel da Flora e da Fauna Silvestres dos Territrios Amaznicos 25/08/2003 Peru

    Memorando de Entendimento para o Estabelecimento de um Subprograma de Cooperao Tcnica em Desenvolvimento Sustentvel e Transferncia de Informaes Temticas.

    16/06/1997 Bolvia

    Convnio para a Preservao, Conservao e Fiscalizao dos Recursos Naturais nas reas de Fronteira. 15/08/1990 Bolvia

    Declarao de Cartagena de ndias para a Conservao do Meio Ambiente. 07/11/1997 Colmbia

    Memorando de Entendimento entre o Brasil a Venezuela sobre Cooperao Ambiental 27/06/2008 Venezuela

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    Protocolo de Intenes sobre Cooperao Tcnica na rea do Meio Ambiente 14/11/2006 Chile

    Acordo sobre Cooperao em Matria Ambiental. 09/04/1996 ArgentinaAcordo para a Conservao da Fauna Aqutica nos Cursos dos Rios Limtrofes 01/09/1994 Paraguai

    Acordo sobre Cooperao em Matria Ambiental. 28/12/1992 UruguaiDeclarao Conjunta sobre Meio Ambiente. 16/09/1991 UruguaiMemorando de Entendimento entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da Amrica sobre Cooperao em Mudana do Clima

    03/03/2010 EUA

    Declarao Conjunta sobre a Agenda Comum para o Meio Ambiente. 23/10/1995 EUAMemorandum de Entendimento entre o SEMAM, IBAMA e o EPA 16/11/1990 EUAMemorando de Entendimento sobre Cooperao em Conservao da Biodiversidade Florestal 13/10/2005 China

    Memorando de Entendimento sobre Cooperao na rea de Proteo Ambiental. 17/08/2005 China

    Declarao Conjunta sobre a Agenda Comum para o Desenvolvimento Sustentvel. 08/11/1996 China

    Protocolo de Cooperao entre o Brasil e a Frana para o Desenvolvimento Sustentvel do Bioma Amaznico, tanto do Lado Brasileiro como do Lado Francs

    23/12/2008 Frana

    Acordo Complementar sobre a Cooperao na rea de Mudana do Clima e Desenvolvimento e Implementao de Projetos no mbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto

    15/07/2005 Frana

    Declarao Conjunta no mbito da Luta contra Catstrofes de Origem Natural e Tecnolgica e, em Particular, contra os Incndios de Florestas.

    05/04/2001 Frana

    Declarao Conjunta do Governo da Repblica Federativa do Brasil e do Governo do Reino Unido da Gr-Bretanha e Irlanda do Norte sobre o Dilogo de Alto Nvel Brasil-Reino Unido sobre Desenvolvimento Sustentvel

    07/03/2006 Reino Unido

    Memorando de Entendimento sobre Cooperao no Combate Mudana do Clima entre O Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo da Repblica Federal da Alemanha

    13/12/2009 Alemanha

    Acordo sobre Cooperao Financeira para a Execuo de Projetos para a Preservao das Florestas Tropicais (1997 - 2000) 14/02/2002 Alemanha

    Declarao Conjunta sobre Agenda Comum Brasil-Alemanha para o Meio Ambiente. 20/11/1996 Alemanha

    Acordo sobre Cooperao Financeira para o Empreendimento Proteo da Mata Atlntica/Paran. 06/04/1995 Alemanha

    Agenda Comum para o Meio Ambiente. 27/01/1996 ndiaMemorando de Intenes sobre o Desenvolvimento da Cooperao no Domnio da Defesa do Meio Ambiente entre a Repblica Federativa do Brasil e a Federao da Rssia

    11/10/1994 Rssia

    Fonte: Itamaraty.

    Org.: BRIGOLA, Higor (2011).

    Dos 163 acordos pesquisados, 46 pertencem ao tema de proteo ambiental,

    representando 28,5% do total. Destes, 30 acordos foram de carter bilateral, onde nota-se

    que grande parcela reservada aos pases sul-americanos, principalmente os que

    compartilham a floresta amaznica. Os EUA e pases europeus tambm possuem peso

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    relevante nestes acordos bilaterais, em razo da importncia desta temtica nos

    respectivos pases.

    Analisando os governos que celebraram tais acordos, a liderana nesta temtica,

    no perodo estudado, coube aos governos de Collor e FHC, com 16 cada, em contrapeso,

    no governo Lula foram celebrados 14 acordos. No mbito multilateral, a temtica

    ambiental tambm foi significativa.

    Quadro 2 Acordos multilaterais realizados abrangendo a temtica ambiental

    Ttulo do acordo Data de celebraoTratado de cooperao amaznica 14/12/1998Protocolo de Quioto para a Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre Mudana Climtica. 05/12/2005

    Protocolo de Cartagena sobre Biossegurana da Conveno sobre Diversidade Biolgica 16/02/2006

    Protocolo de 1978 Relativo Conveno Internacional para a Preveno da Poluio Causada por Navios, 1973. (MARPOL PROT-78 ou MARPOL 73/78). 03/04/1998

    Memorando de Entendimento entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Instituto Interamericano de Cooperao para Agricultura (IICA), o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente

    25/10/2005

    Conveno Quadro das Naes Unidas sobre Mudanas de Clima. 07/01/1998Conveno sobre Diversidade Biolgica 16/03/1998Conveno Relativa s Zonas midas de Importncia Internacional, particularmente como Habitats das Aves Aquticas. 16/05/1996

    Conveno Internacional para Preveno, Resposta e Cooperao em Caso de Poluio por leo (OPRC-90). 12/10/1998

    Conveno Internacional para a Preveno da Poluio Causada por Navios, 1973 (MARPOL). 03/04/2008

    Conveno Internacional de Combate Desertificao nos Pases Afetados por Seca e/ou Desertificao Principalmente na frica 20/08/1998

    Conveno Interamericana para a Proteo e Conservao das Tartarugas Marinhas. 13/06/2001Conveno de Roterd sobre o Procedimento de Consentimento Prvio Informado para o Comrcio Internacional de Certas Substncias Qumicas e Agrotxicos Perigosos (PIC)

    31/01/2005

    Conveno de Estocolmo sobre Poluentes Orgnicos Persistentes (POPs) 20/06/2005Conveno da Basilia sobre o Controle de Movimentos Transfronteirios de Resduos Perigosos e seu Depsito. 19/07/2003

    Acordo Constitutivo do Instituto Interamericano para Pesquisa em Mudanas Globais (Ata de Montevidu). 13/04/1998

    Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul 17/09/2004

    Fonte: Itamaraty.

    Org.: BRIGOLA, Higor (2011).

    Dos 17 acordos de carter multilateral, 9 foram celebrados em governos

    considerados neoliberais e 8 no governo Lula, uma diferena quase que insignificante,

    remetendo a continuidade da poltica externa brasileira nessa temtica, independente da

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    orientao ideolgica de governos. Os acordos dividem-se em vrios ramos ambientais,

    como alteraes climticas; combate a desertificao, sobretudo nos pases africanos;

    combate a poluio das guas por leo ou produtos txicos; conservao da vida animal,

    dentre outros.

    O projeto brasileiro de desenvolvimento sustentvel, inclui a ampliao das

    energias renovveis na matriz energtica nacional, pois no mbito das mudanas

    climticas, o aquecimento global est diretamente associado ao uso de combustveis

    fsseis. De acordo com o Balano Energtico Nacional, de 2007, a matriz energtica

    brasileira apresenta pequenas participaes do carvo mineral e da energia nuclear, e

    elevada participao da energia hidreltrica e de biomassa. Se este perfil energtico

    brasileiro contribui para reduzir as emisses de CO2, causadoras do aquecimento global,

    por outro lado, anunciam impactos ambientais por sobre os atuais vazios demogrficos

    ocupados por florestas. O maior uso da biomassa e da hidroeletricidade j esto

    ampliando as contradies da poltica ambiental do Estado brasileiro especialmente para

    a Regio Amaznica.

    Crime Organizado Internacional e Trfico de Ilcitos

    A questo do trfico de ilcitos uma prioridade na atual agenda de segurana

    internacional e consta no documento oficial de Poltica Externa Brasileira de 2003/2010 do

    Itamaraty. Este fenmeno est ligado ao avano da globalizao e a potencializao dos

    fluxos de bens, pessoas e capitais.

    O Brasil defende a responsabilidade internacional compartilhada no

    enfrentamento do trfico de ilcitos, englobando os pases produtores, os pases de

    trnsito e os pases consumidores. Reconhecendo-se como pas de rota, o Brasil

    identifica como fator de relevncia para a preveno e represso ao trfico de drogas, o

    controle dos precursores qumicos necessrios preparao de drogas ilcitas, ao qual

    tem dedicado especial empenho. preciso destacar que em se tratando de Amrica

    Latina, a questo central na agenda externa norte-americana claramente o narcotrfico:

    A nfase posta pelos Estados Unidos em tal problemtica resultou no fato que a produo, trfico e comercializao de drogas proibidas passasse a constituir uma ameaa regional prioritria que necessitava, segundo a percepo da potncia dominante do hemisfrio, da utilizao das Foras Armadas dos pases da regio em seu combate. (SAIN, 2003, p. 177).

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    Analistas como Pagliari (2004), colocam como questo de grande relevncia o

    envolvimento das foras armadas locais nos mecanismos de segurana regional. De fato,

    desde maro de 1996,

    (...)o subsecretrio de Poltica da Secretaria de Defesa norte-americana, Walter Slocombe, reafirmou a tradicional posio norte-americana de militarizar o combate ao narcotrfico na regio, sem diferenciar os pases produtores daqueles que no o eram3 (SAIN, 2003, p. 180).

    Sain (2003) frisa que dentre as funes das Foras Armadas latino-americanas no

    combate a este fenmeno, destaca-se o desenvolvimento dos servios de inteligncia,

    transporte e logstica, tais como o controle dos rios, da costa e dos espaos areos, alm

    da aplicao da lei, objetivando desmantelar laboratrios e esconderijos de

    narcotraficantes. Mas a poltica externa brasileira, ao contrrio do modelo estadunidense,

    se caracteriza pela garantia da soberania dos pases da regio e pela busca de

    mecanismos de segurana coletiva regional sem o envolvimento de potncias externas

    regio. Enfaticamente, a diplomacia brasileira tem se posicionado contrria a militarizao

    dos pases sul-americanos por atores exgenos; e isto no significa descuidar do

    narcotrfico, pois como efeito colateral do Plano Colmbia, possvel que traficantes

    colombianos busquem novos territrios para servir de reas de produo da matria-

    prima e tambm de processamento da droga:

    O Brasil, por ter um territrio imenso, com enormes regies de difcil acesso e com fraca presena humana, por no controlar rigidamente a produo e o comrcio de insumos necessrios ao refino da cocana e pela permeabilidade de sua fronteira norte, torna-se interessante para os narcotraficantes. (RIPPEL, 2004, p. 15).4

    Nesse sentido, Vidigal releva a importncia da defesa da fronteira amaznica,

    temendo que se torne local de refgio ou de transao de armas e drogas ilegais:

    (...)sem recursos para um programa racional de ocupao da rea, com falta de meios militares que assegurem a inviolabilidade de nossas fronteiras contra grupos de bandidos, narcotraficantes ou tropas inimigas (a baixa probabilidade desta ltima no pode nos levar a ignor-la), a Amaznia hoje, muito possivelmente, a nossa maior Vulnerabilidade Estratgica (VIDIGAL, 2004, p. 25).

    3 O grande projeto-piloto Plano Colmbia fora criado em 1998, no governo colombiano de Andrs Pastrana, e inicialmente a prioridade era a construo da paz, por meio de negociaes com os principais grupos guerrilheiros de esquerda do pas, as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia Ejrcito del

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    Como afirma Costa (2004, p. 53), a regio amaznica necessita para sua

    proteo, a adequao das foras terrestres s suas condies peculiares, da

    modernizao dos meios navais e, principalmente, do estabelecimento de slidos e

    confiveis sistemas de proteo area, para que, assim, ocorra a conteno de agentes

    criminosos. Nesse sentido,

    (...)a entrada em operao do SIVAM/SIPAM deve fortalecer as aes de combate ao narcotrfico no territrio brasileiro, ajudando a identificar aeronaves suspeitas, pistas de pouso clandestinas e clareiras na floresta que possam indicar a presena de narcotraficantes ou grupos armados. O SIVAM deve tambm oferecer um cardpio de servios a nossos vizinhos sul-americanos, que podero, em certa medida, beneficiar-se da cobertura do projeto (SOARES, 2004, p. 164).

    O SIVAM foi idealizado no governo Collor e inaugurado no governo Fernando

    Henrique Cardoso. O Brasil atravs do Memorando de Entendimento sobre Cooperao

    em Matria de Proteo e Vigilncia da Amaznia, realizado em Lima, em 25 de agosto

    2003, busca estreitar suas relaes de proteo da Amaznia com o Peru, a fim de criar

    as condies operacionais para que este pas tenha acesso aos sistemas do

    Sivam/Sipam (MINISTRIO DA DEFESA, 2011). J no governo Dilma Roussef, no mbito

    do Ministrio da Defesa, em 08 de dezembro de 2011, onze estados brasileiros assinaram

    o termo de adeso do Plano Estratgico de Fronteiras, visando coibir o trfico de drogas e

    armas na fronteira com pases vizinhos:

    A iniciativa, que visa fortalecer as aes de segurana nas regies de fronteira, possibilitar o acesso a recursos de R$ 37 milhes para investimentos em projetos estruturantes nesses locais [...] Para o ministro da Justia, Jos Eduardo Cardozo, a assinatura do termo de adeso fortalece a Estratgia Nacional de Segurana Pblica nas Fronteiras (Enafron), programa decorrente do Plano de Fronteiras lanado em junho pela presidenta da Repblica, Dilma Rousseff. (MINISTRIO DA DEFESA, 2011b).

    Pueblo (FARC-EP) e o Ejrcito de Liberacin Nacional (ELN) (RIPPEL, 2004, p. 3), visando substituir as atividades clandestinas do trfico de drogas por atividades econmicas legalizadas. Sob o pretexto da questo do combate ao trfico de ilcitos, a efetivao do Plano Colmbia facilitou intensamente a penetrao militar estadunidense nos pases da Amrica Latina, principalmente na Colmbia, atravs de programas de treinamento; assessoria; exerccios conjuntos; venda de material militar; estabelecimento de bases areas; e instalao de radares, entre outras (RIPPEL, 2004, p. 6).4 Para Oliveira (2004, p. 93), o Brasil deve ficar atento a uma possvel instabilidade na regio causada pelos conflitos que seguem na Colmbia, pois a permanente irresoluo do conflito interno no pas vizinho contm o potencial de transbordamento para o Brasil e outros pases da regio.

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    Para Oliveira (2004), o narcotrfico no representa ao Brasil risco imediato,

    recaindo ainda sobre os pases produtores, onde os recursos movimentados so mais

    significativos como no caso da Colmbia. De acordo com Albuquerque (2010, p. 80) a

    agenda diplomtica brasileira atual continua refletindo a geopoltica da dependncia,

    preocupada em honrar os compromissos internacionais segundo a concepo de

    segurana dos pases centrais, de modo a internalizar a agenda estadunidense de

    combate ao narcotrfico ainda que este no represente uma ameaa imediata ao Estado

    brasileiro.

    O Quadro 3 traz os acordos celebrados pelo Brasil e pases sul-americanos com

    exceo das Guianas. De um total de 163 acordos analisados, 38 deles se referem ao

    crime organizado internacional e o trfico de ilcitos, representando 23,6% do total, e

    destes, 23 foram de carter bilateral.

    Quadro 3 Acordos bilaterais celebrados com os pases da Amrica do Sul sobre a temtica do trfico de ilcitos internacional

    Ttulo do acordo Data de celebrao Pas

    Declarao dos Ministros da Defesa da Repblica Federativa do Brasil e da Repblica do Peru sobre Cooperao em Matria de Vigilncia da Amaznia

    09/11/2006 Peru

    Acordo de Cooperao Mtua para Combater o Trfego de Aeronaves Envolvidas em Atividades Ilcitas Transnacionais 06/12/1999 Peru

    Memorando de Entendimento sobre Cooperao em Matria de Proteo e Vigilncia da Amaznia 25/08/2003 Peru

    Acordo sobre Cooperao em Matria de Preveno do Consumo, Reabilitao, Controle da Produo e do Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas e seus Delitos Conexos.

    28/09/1999 Peru

    Acordo de Cooperao Mtua para Combater o Trfego de Aeronaves Envolvidas com Atividades Ilcitas Transnacionais 09/12/2005 Bolvia

    Acordo de Cooperao para Impedir o Uso Ilegal de Precursores e Substncias Qumicas Essenciais para o Processamento de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas.

    26/07/1999 Bolvia

    Acordo de Cooperao Mtua para o Combate ao Trfego de Aeronaves Envolvidas com Atividades Ilcitas Transnacionais 07/11/1997 Colmbia

    Memorando de Entendimento entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo a Repblica da Colmbia para a Cooperao no Combate da Fabricao e o Trfico Ilcitos de Armas de Fogo, Munies, Acessrios, Explosivos e outros Materiais Relacionados

    19/07/2008 Colmbia

    Acordo de Cooperao para Impedir o Uso Ilegal de Precursores e Substncias Qumicas Essenciais para o Processamento de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas.

    07/11/1997 Colmbia

    Acordo entre o governo da Repblica Federativa do Brasil e o governo da Repblica Bolivariana da Venezuela relativo aos procedimentos para autorizao de sobrevoos em rea de fronteira

    28/04/2010 Venezuela

    Acordo entre o Brasil e a Venezuela Relativo aos Procedimentos para Autorizao de Sobrevoos sem rea de Fronteira 27/06/2008 Venezuela

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    Acordo de Cooperao Mtua para Combater o Trfego de Aeronaves Envolvidas com Atividades Ilcitas Transnacionais 30/12/2005 Venezuela

    Acordo de Cooperao para a Reduo da Demanda, Preveno do Uso Indevido e Combate Produo e ao Trfico Ilcitos de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas.

    07/11/1990 Equador

    Acordo de Cooperao para a Reduo da Demanda, Preveno do Uso Indevido e Combate Produo e ao Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas.

    26/07/1990 Equador

    Memorando de Entendimento para o Estabelecimento de um Mecanismo Permanente de Intercmbio de Informaes sobe a Circulao e o Trfico Ilcito de Armas de Fogo, Munies, Explosivos e outros Materiais Correlatos.

    16/10/2003 Argentina

    Memorando de Entendimento para o Estabelecimento de um Mecanismo Permanente de Intercmbio de Informaes sobe a Circulao e o Trfico Ilcito de Armas de Fogo, Munies, Explosivos e outros Materiais Correlatos.

    16/10/2003 Argentina

    Acordo de Cooperao para Combate ao Trfico de Aeronaves Supostamente Envolvidas em Atividades Ilcitas Internacionais. 09/02/2002 Argentina

    Acordo de Cooperao para a Preveno do Uso Indevido e Combate ao Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas. 26/05/1993 Argentina

    Memorando de Entendimento para a Cooperao em Matria de Combate Fabricao e ao Trfico Ilcitos de Armas de Fogo, Munies, Acessrios, Explosivos e Outros Materiais Correlatos

    26/11/2006 Paraguai

    Memorando de Entendimento para o Estabelecimento de um Grupo Bilateral de Inteligncia Brasil-Paraguai na Esfera da Pirataria, da Falsificao e do Contrabando de Produtos Pirateados e Falsificados

    20/06/2005 Paraguai

    Memorando de Entendimento sobre Combate a Ilcitos Aduaneiros e Tributrios de Contrafao e de Pirataria 20/05/2002 Paraguai

    Acordo de Cooperao Mtua para Combater o Trfego de Aeronaves Envolvidas com Atividades Ilcitas Transnacionais. 14/09/2004 Uruguai

    Acordo de Cooperao para a Reduo da Demanda, Preveno do Uso Indevido e Combate Produo e ao Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas e seus Precursores e Produtos Qumicos Imediatos.

    16/09/1991 Uruguai

    Fonte: Itamaraty.

    Org.: BRIGOLA, Higor (2011).

    Os acordos identificados no Quadro 3 revelam a importncia desta temtica para

    a segurana e estabilidade regional na percepo do Estado brasileiro, que possui

    acordos com todos os pases exceto o Chile. Estes acordos incluem a reduo da

    demanda, preveno do uso e combate a produo de ilcitos; combate ao trfego areo

    de aeronaves envolvidas nas atividades narcticas; conteno do contrabando e

    produo de armas de fogo, as quais financiam guerrilhas na regio; e tambm os que

    permitem sobrevos em reas de fronteira e exerccios das foras areas conjuntas como

    o BOLBRA (Bolvia e Brasil), COLBRA (Colmbia e Brasil), VENBRA (Venezuela e Brasil)

    e PERBRA (Peru e Brasil).

    Entre Brasil e EUA, os acordos nesta temtica tambm trazem nmeros

    significativos, representando 11 dos 38 acordos, como demonstrado no Quadro 4. Os

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    demais 4 acordos foram assinados com Rssia, China, frica do Sul e um de ordem

    multilateral intitulado Conveno Interamericana contra a Fabricao e o Trfico Ilcito de

    Armas de fogo, Munies, Explosivos e outros Materiais Correlatos, celebrado em

    29/10/1999.

    Quadro 4 Acordos bilaterais celebrados com os EUA sobre a temtica do trfico de ilcitos internacionais

    Ttulo do acordo Data de celebrao Pas

    Memorando de Entendimento sobre Controle de Narcticos e Aplicao da Lei entre o Governo da Repblica Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da Amrica

    01/08/2008 EUA

    Memorando de Entendimento Relativo ao Controle de Entorpecentes e Aplicao da Lei entre o Brasil e os EUA - Ano Fiscal 2003. 26/09/2003 EUA

    Memorando de Entendimento Relativo ao Controle de Entorpecentes e Aplicao da Lei. Ano Fiscal 2002. 22/08/2002 EUA

    Memorando de Entendimento Relativo ao Controle de Entorpecentes e Represso Legal - Ano Fiscal 2001 20/09/2001 EUA

    Memorando de Entendimento Relativo ao Controle de Entorpecentes Ano Fiscal de 1999. 24/09/1999 EUA

    Memorando de Entendimento Relativo ao Controle de Entorpecentes - Ano Fiscal 1997. (Controle de Entorpecentes n 1911-71022.2-0404). 25/09/1997 EUA

    Memorando de Entendimento Relativo ao Controle de Entorpecentes - Ano Fiscal 1997 (Controle de Entorpecentes n 1911-71022.20101). 25/09/1997 EUA

    Acordo de Cooperao Mtua para a Reduo da Demanda, Preveno do Uso Indevido e Combate a Produo e ao Trfico Ilcitos de Entorpecentes.

    12/04/1995 EUA

    Memorando de Entendimento Relativo ao Controle de Entorpecentes. 12/09/1994 EUAMemorando de Entendimento Relativo ao Controle de Entorpecentes. 20/08/1993 EUAMemorando de Entendimento Relativo ao Controle de Entorpecentes. 02/09/1992 EUA

    Fonte: Itamaraty.

    Org.: BRIGOLA, Higor (2011).

    Apesar do nmero de acordos registrados, os dois gigantes americanos divergem

    na questo das formas de represso deste crime. Esses antagonismos vm desde o

    governo de Fernando Collor, quando este buscou apoio de Washington para combater o

    processo inflacionrio brasileiro e a obteno de novos emprstimos. Dentre as

    contrapartidas norte-americanas estavam a aplicao de reformas liberalizantes e a

    internalizao pelo governo brasileiro de suas diretrizes estratgicas sobre as Foras

    Armadas da Amrica Latina. Bandeira (2010, p. 64), revela que na XIX Conferncia dos

    Exrcitos Americanos, realizados em 1990/1991 surgiu:

    (...)a sugesto de que as Foras Armadas da Amrica Latina se engajassem no combate ao narcotrfico, reduzissem seus efetivos, limitassem os armamentos s necessidades de autodefesa, obedecessem

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    aos mecanismos de controle de tecnologias para a fabricao de msseis balsticos e renunciassem a toda a tecnologia para a fabricao de artefatos nucleares []. Com a misso de apresentar essas novas diretrizes estratgicas, estabelecidas pelo Pentgono, Dick Cheney, secretrio de Defesa, visitou o Brasil e mais 14 pases da Amrica Latina, em fevereiro de 1992, recomendando s Foras Armadas que reorientassem seu papel e se dedicassem a misses de policiamento, sobretudo para o combate ao narcotrfico.

    Essa tentativa de nova tutela militar dos EUA, ainda mais com o final da Guerra

    Fria, deixou os militares brasileiros reticentes em relao ao Pentgono, especialmente

    quando anunciado os planos do exrcito estadunidense para a Amaznia, visando conter

    a guerrilha que assombra a Colmbia:

    O general Luiz da Rocha Veneu, chefe do Estado-Maior das Foras Armadas, criticou duramente as propostas do secretrio de Defesa norte-americano, em reunio com todos os ministros de Collor de Melo, entre os quais alguns que com elas simpatizavam. E as foras armadas rechaaram a proposta do governo americano, que oferecera treinar tropas brasileiras no prprio territrio dos Estados Unidos, em troca de que o Brasil consentisse o exerccio de tropas norte-americanas na Amaznia, como j estavam a realizar em vrios pases da Amrica Latina, espalhando pequenas bases, da Guiana at o Paraguai, a pretexto de combater o narcotrfico. Elas suspeitaram de que se tratava de armadilha, porquanto pas nenhum treinaria tropas em regio onde no imaginava que um dia viesse a combater. (BANDEIRA, 2010, p. 67).

    A possibilidade de treinar suas tropas na Amaznia daria aos EUA um estratgico

    conhecimento do terreno, justamente o que lhe havia faltado na campanha do Vietn, o

    que evidentemente deixou os militares brasileiros preocupados. Sendo assim, a presena

    militar dos EUA na Amrica do Sul se tornou uma questo preocupante para o Estado

    brasileiro nas questes de segurana na Amaznia, principalmente na fronteira com a

    Colmbia (HIRST, 2009).

    A CIA possua uma relao estreita com a Polcia Federal brasileira desde 1974,

    sustentada no pretexto do combate ao narcotrfico; e se intensificou com a celebrao do

    Acordo de Cooperao Mtua para a Reduo da Demanda, Preveno do Uso Indevido

    e Combate a Produo e ao Trfico Ilcitos de Entorpecentes, em 12 de abril de 1995

    (ver Quadro 4), oficializando a presena da CIA e do DEA no Brasil, mas o fato era que o

    combate ao narcotrfico podia valer como pretexto pra quaisquer atividades de

    espionagem (BANDEIRA, 2010, p. 106). Essa questo desencadeou protestos na prpria

    Polcia Federal,

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    (...)em reunio ocorrida em 18 de novembro de 1997, o delegado Luiz Zubcov, segundo o relato insinuou que a CIA se valia do programa de cooperao com a Polcia Federal para manter sua base de coletas de informaes no Brasil (BANDEIRA, 2010, p. 108).

    Porm, aps os atentados terroristas do 11 de setembro de 2001, a ateno dos

    EUA para a Amrica do Sul se torna menor, e o narcotrfico que era o ponto de maior

    importncia na agenda dos EUA para a regio se tornou secundrio. Como mostra

    Pagliari (2004, p. 78), o terrorismo somente suplanta o narcotrfico na agenda norte-

    americana para o hemisfrio depois dos atentados ao World Trade Center e ao

    Pentgono.

    Como a infiltrao militar estadunidense no continente j estava garantida desde

    o Equador (base de Manta) at a Colmbia, os olhares da poltica externa dos EUA

    tomaram novo rumo, como afirma Herz (2002, p. 86):

    Observa-se que a Amrica Latina no constitui uma regio de alta prioridade por uma srie de motivos. Destaca-se a necessidade de estabelecer uma hierarquia de prioridades para distribuio de recursos e ateno. As regies diretamente afetadas pela desestruturao do imprio sovitico, a busca de controle sobre as regies petrolferas no Oriente Mdio e aquelas prximas ao Mar Cspio, o conflito rabe-israelense, as ameaas advindas da proliferao de armas de destruio em massa em um conjunto de pases, a necessidade de reestruturar a aliana atlntica e, finalmente, o terrorismo transnacional, no deixavam lugar para um olhar mais atento sobre o nosso hemisfrio.

    De fato, ao analisarmos os acordos entre Brasil e EUA expostos no Quadro 4,

    nota-se que desde 1992, apenas nos anos de 1996, 1998 e 2000 no foram realizados

    acordos nem memorandos sobre o combate ao narcotrfico, porm, a partir de 2003,

    quando da invaso norte-americana ao Iraque, os acordos referentes a esta temtica

    voltam a aparecer somente em 2008, ou seja, cinco anos depois. Porm, mesmo que

    para os EUA este fenmeno tenha se tornado um objetivo secundrio, para o Brasil e os

    pases do continente ele se torna tema prioritrio em suas agendas. Em todos os

    governos brasileiros do ps-Guerra Fria, foram celebrados acordos sobre o trfico de

    ilcitos, com destaque ao governo de Lula, com 16 acordos, contra 14 das administraes

    de FHC, 4 de Itamar e 4 de Collor.

    Assim, ainda que para o Brasil o narcotrfico no apresente risco imediato, o

    Estado brasileiro tem agido de todas as formas no sentido de conter o trfico de ilcitos,

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    inclusive buscando a cooperao internacional, mas sem contemplar a ingerncia militar

    norte-americana no espao amaznico brasileiro. Nesse sentido, abriria um caminho

    ainda mais favorvel integrao sul-americana, um dos princpios norteadores da

    poltica externa brasileira. Princpio este que convergiu na poltica externa dos presidentes

    liberais como Collor, Itamar e Fernando Henrique, e na poltica esquerdista do presidente

    Lula.

    Consideraes FinaisAtravs do discurso de especialistas e de rgos do governo, alm dos acordos

    celebrados, claramente visvel a importncia das temticas ambiental e do narcotrfico

    para a atual agenda de segurana nacional brasileira, mas mediadas segundo os

    interesses de insero regional do pas, e no orientadas por interesses externos como

    na Guerra Fria. O mais interessante, que a prioridade destas temticas se d pela sua

    relao com o espao amaznico, tanto para os programas ambientais quanto para o

    combate ao narcotrfico.

    Essas temticas tenham sido incorporadas na agenda brasileira por presso do

    governo dos EUA no ps-Guerra Fria, ainda so mantidas, pois representam tambm a

    possibilidade de projeo dos interesses brasileiros, numa espcie de projeo de poder

    do Brasil, ao contrrio, por exemplo, das temticas do terrorismo e proliferao de armas

    de destruio em massa, os quais so assuntos globais e longe da escala de poder de

    ao dos pases perifricos.

    Com os atentados de 11 de setembro, os EUA deslocam sua ateno regio do

    Oriente Mdio, enquanto isso, o Brasil busca aprofundar as relaes econmicas e

    polticas com os pases vizinhos, objetivando ocupar o vcuo de poder deixado pelos

    Estados Unidos no subcontinente sul-americano. Depois de vencer uma etapa mais

    comercial, agora esta agenda geopoltica brasileira volta-se integrao fsica e ao

    reforo da aproximao poltica incluindo maior cooperao militar para a segurana e

    defesa. Nesta rea, o Brasil possui acordos bilaterais com todos os pases da regio

    visando cooperao em defesa, exceto com Venezuela, Suriname e Guiana. Porm

    ainda longe de criar um bloco militar comum.

    O espao amaznico uma rea de cobia internacional, principalmente dos EUA,

    o que fortalece o sentimento nacional de proteo daquela regio. Sua extenso

    geogrfica extrapola as fronteiras do territrio brasileiro, assim como o fenmeno do

    narcotrfico, o qual atinge vrios pases sul-americanos, sejam produtores ou rotas do

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

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    trfico. Questes como essas, criam um cenrio cada vez mais favorvel integrao e

    cooperao dos pases sul-americanos para o embate dessas ameaas,

    contrabalanceando o poder de pases centrais, cujos interesses influenciam diretamente

    na agenda dos pases da regio, lhe retirando sua autonomia e soberania.

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    Recebido em Abril de 2012. Publicado em Maio de 2012.

    Revista de Geopoltica, Natal - RN, v. 3, n 1, p. 78-95, jan./jun. 2012.

    Proteo do Meio Ambiente e Conservao da AmazniaCrime Organizado Internacional e Trfico de Ilcitos