as pontes do coração

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Pesquisa FAPESP - Ed. 158

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Tudo o quevocê faz

de positivovolta para você.

Promoveruma vidasaudável,por exemplo.

Motivação da prática de atividades físicas por meio demensagens nos comerciaisdos produtosCoca-Cola Brasil.230 mil beneficiados pelo Programa Prazer de EstarBem, em parceria com a Fiespe a Abia, em 285 escolas.Estímuloà pesquisa na área de saúde por meio do PrêmioPemberton.

Estimular a prática de atividades físicas, informar sobre a importânciade um estilo de vida saudável, patrocinar pesquisas nas áreas dehidratação e nutrição. São ações que fazem parte do dia a dia daCoca-Cola Brasil. Saiba como nós estamos vivendo positivamente ecomo você também pode fazer a diferença. Acesse:

www.vivapositivamente.com.brVIVA e POSITIVAMENTE

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Vida nova para o Hubble

O conserto do telescópio Hubble, realizado em meados de maio por astronautas norte-americanos na função de mecânicos, criou grande expectativa na comunidade de astrofísicos. a reativação do espectrógrafo de imagem, que sofreu uma falha elétrica e deixou de funcionar em 2004, promete devolver ao telescópio a capacidade de obter informações sobre a composição química, a temperatura, pressão e velocidade de corpos celestes distantes. Os primeiros testes indicam que o conserto teve sucesso, mas só se terá certeza disso nos próximos meses após os ajustes finos feitos da Terra. Os astronautas também trocaram

baterias e sensores rastreadores de estrelas. se tudo der certo, serão mais cinco anos de grandes serviços prestados pelo Hubble para a expansão do conhecimento sobre o Universo. na ativa desde 1990, o telescópio teve participação fundamental na determinação da idade do Universo em 13,8 bilhões de anos e na pesquisa sobre energia escura, além de ter empurrado as fronteiras do conhecimento sobre a formação das galáxias, ao mostrá-las quando jovens. Foi o quinto e último conserto do Hubble. Em cinco anos, será substituído pelo James Webb, que poderá detectar planetas com oxigênio.

imagem do mês*

PESQUISA FAPESP 160 n JUnHO DE 2009 n 3

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 5 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 22 ESTRATÉGIAS 40 LABORATÓRIO

60 SCIELO NOTfclAS 62 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FiCÇÃO 98 CLASSIFICADOS

•Pesquisa

> CAPA

16 Equipe do Instituto doCoração identificapossível marcadorgenético da durabilidadeda ponte de safena

> ENTREVISTA10 Helio Jaguaribe lança

livro e afirma crençanum futuro próximo epróspero para o Brasil

> POLíTICA CIENTíFICAE TECNOLÓGICA

28 AVALIAÇÃOViés na interpretaçãode dados levanta debatesobre os atoresenvolvidos no aumentoda produção científicabrasileira

.:•••

16 O JUNHO 2009

32 Novos critérios doSistema Qualis,da Capes, recebemcríticas dacomunidade científica

35 MUDANÇAS CLIMÁTICASPrograma da FAPESPanuncia os projetoscontemplados em suaprimeira chamadade propostas

39 Acordo estimulacolaboraçõesentre pesquisadoresde São Paulo,Pernambuco e França

> CIÊNCIA

ASTRONOMIA

Pesquisadora brasileiraexplora vulcões em luasde Saturno e Júpiter

FíSICA

Grupo do Rio propõeequação que descrevea redução de fenômenoquântico devido ainfluência do ambiente

FOTÔNICA

Técnica usa laser paradeterminar rapidamenteo nível de gordura emfígado para transplante

BOTÂNICA

Florestas e camposavançaram e recuarampelo país nosúltimos 30 mil anos

• ••

54 ECOLOGIA

Hidrelétricas alteramfuncionamento dorio Paraná e ampliamerosão das margens

sr VIROLOGIA

Equipe do Adolfo Lutzisola os primeirosexemplares do vírusda gripe suína depaciente brasileiro

58 IMUNOLOGIAAnti-inflamatóriospodem combater reaçãoexagerada do sistemaimune à malária

> TECNOLOGIA

66 ENERGIAÔnibus montadono BrasU faz partede experimentosmundiais para reduçãoda poluição do ar

72 AMBIENTE

Carro a álcoolemite 92% menoscompostos poluentesnão controlados

76 ENGENHARIA DEALIMENTOS

Sorvete com cereaise outros produtos comaditivos benéficosà saúde sãopatenteados pela USP

• ••• •••

WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

> HUMANIDADES

78 HISTÓRIAA arqueologiabrasileira e aeterna busca porcivilizaçõesocultas na FlorestaAmazônica

84 DIPLOMACIA

OS 90 anos daparticipaçãodo Brasil na Ligadas Naçõese a demandaatual pela reformada ONU

90 LITERATURA

A troca de cartase projetos entreManuel Bandeira eGilberto Freyre

• ••

SP.BR

[email protected]

Butantan na Amazônia

Gostaria de parabenizar Pesquisa FA-PESP pelo interesse contínuo e pelacompetente cobertura jornalística detemas relativos à região amazônicademonstrado mais recentemente nasedições 156 e 158.A Amazônia abrigaum verdadeiro universo biológico, fon-te abundante de conhecimento cien-tífico e desenvolvimento de produtosimunobiológicos, área na qual o Insti-tuto Butantan vem atuando há mais decem anos com reconhecida competên-cia. O projeto Butantan na Amazôniaoriginou -se dessa premissa e pretendepropagar na região oeste do Pará, umadas regiões com a maior incidência deacidentes com animais peçonhentos,a missão institucional de desenvolverpesquisas na área biomédica e açõesde natureza cultural, compartilhandoconhecimentos com as comunidadescientíficas locais e estabelecendo par-cerias com as instituições já atuantesna região. Espera-se como resultadoo desenvolvimento de novas estraté-gias que contribuam para a melhoriada saúde pública e com a formação demestres e doutores, incrementando opotencial científico da região. A insta-lação de uma base avançada obedeceráassim uma lógica de inserção, com odesenvolvimentode projetos de interes-se da coletividade amazônica, a partirda especificidade do Butantan. Antesmesmo da implantação física da base,pesquisadores do instituto vêm desen-volvendo estudos e ações.Na esfera po-lítica, os governos de São Paulo e doPará reforçam a convicção de que essainiciativa gerará resultados profícuospara ambos.

OTÁVIO AZEVEDO MERCADANTE

DIRETOR DO INSTITUTO BUTANTAN

São Paulo, SP

Doença de Chagas

Parabéns a Pesquisa FAPESP por en-focar a transmissão oral da doença deChagas, via ingestão de açaí, cartão--postal da Região Norte do país ("Peri-

go na tijela",edição 159). Em determi-nada parte do texto é dito cc••• a doençacostuma ser transmitida pela picadado inseto barbeiro e se manifesta demaneira crônica ..." Isto incorre emerro, uma vez que a picada do inse-to não transmite o parasito T. cruzi, anão ser por regurgitação, o que deveser enfocado quase hipoteticamente.A transmissão se faz pelas fezes doinseto. Também nem só as fezes dosbarbeiros, infectadas, transmitem o pa-rasito por via oral, quando trituradasjunto às frutas. O próprio inseto podeser triturado e transmitir ó parasito,do mesmo jeito que as fezes. Apro-veito para indicar a leitura do guiapara vigilância, prevenção, controle emanejo clínico da doença de Chagasaguda transmitida por alimentos, re-centemente publicado por autoridadesbrasileiras com o apoio da OrganizaçãoPan-Americana da Saúde.

EROS ANTONIO DE ALMEIDA

GRUPO DE ESTUDOS EM DOENÇA DE

CHAGAS/FCM/UNICAMP

Campinas, SP

Imagem do mês

A importante e didática informaçãointitulada "Cachoeiras de sangue" (edi-ção 159) merece nossa atenção pelosensinamentos do comportamento dasbactérias. A existência de comunidade

peculiar de bactérias que vivem sob ageleira de Taylor, nos vales secos deMacMurdo, na Antártida, é uma no-tável explicação para o escoamento deágua tingida de vermelho que brota doglaciar e se derrama sobre a superfíciede um lago. Ao descobrir o mecanis-mo metabólico que provoca este fenô-meno, os pesquisadores traduziram ascondições imprevisíveis que astronau-tas poderão deparar ao visitarem osplanetas exteriores do Sistema Solar eoutros sistemas planetários que giramem outros sóis - diante da extremavariedade de formas de vida possíveis,decorrentes de associações metabóli-cas das mais variadas. A descobertacientífica tem grande valor e é opor-tuna nesta época de violações do meioambiente. O que vem provocando pa-tologias novas e misteriosas, além dealertar para a descoberta de possíveise estranhas alterações metabólicas quepodem estar em curso na natureza.

FRANCISCO J.B. SÁ

Salvador, BA

Etanol de cana

Se por um lado o etanol da cana podeser um combustível menos poluenteque os outros atualmente disponíveisno mercado, e com balanço energéti-co melhor, considerá-lo como "dian-teira ecológica" (como visto na capado número 159) dá a falsa impressãode que ele é uma solução adequada doponto de vista ambiental. Isto não éverdade, se levarmos em conta que acana é produzida em monoculturasde grande extensão, que causam enor-mes impactos ao ambiente pela brutalsimplificação da paisagem, perda dadiversidade biológica e emprego deagroquímicos, para dizer o mínimo.Na situação atual, a expansão do usodo etanol provavelmente levará à ex-pansão das grandes mono culturas, oque é indesejável em qualquer caso.As implicações ambientais e sociaisde todas as etapas da cadeia produti-va dos biocombustíveis precisam seranalisadas em profundidade antes das

PESQUISA FAPESP 160 • JUNHO DE 2009 • 5

~

Pesqüiia FUNOA(PESOU!

CELSO

FAPESP PRESII

decisões sobre política energética, o surpreende que o ISI tenha registrado JOSÉ AVICE-P

~

As reportagens de que raramente é feito. um aumento formidável da produção CONSE

Pesquisa FAPESP mostram brasileira. Uma consulta rápida ao Web CELSO

a construção do HORAc

MARIA CHRISTINA DE MELLO AMOROZO of Science mostra, por exemplo, que VOORVi

conhecimento essencial MARTI/I

INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS/UNESP só a revista Cadernos de Saúde Públi- BELLU2

ao desenvolvimento do país.VAHAN

Rio Claro, SP ca, incluída em 2008, registrou neste CONSE

I Acompanhe essa evolução. ano um total de 746 artigos: sozinha, RICARDDIRETC

uma das 32 revistas incluídas em 2008 CARLO~

• Para anunciar Elementos químicosDIRETC

responde por 7% do aumento total. É JOAQUI

Ligue para: (11)3838-4008 verdade que a produção científica noDIREH

• Assinaturas, renovaçãoParece-me justo utilizar este canal para Brasil tem crescido exponencialmente pparabenizar o senhor Nilton Pereira Al- nos últimos 20 anos. No entanto, não

e mudança de endereço ves pela elaboração e disponibilização do é nada do que sugere a comparaçãoEnvie um e-mail: livro Guia dos elementos químicos. A par- isolada de dois anos em particular [email protected] CONSE

tir da divulgação por Pesquisa FAPESP muito menos estes dois anos quando LUIZ HE

ou ligue: (11)3038-1434 (COORDEH

(edição 157) entrei em contato com o o ISI passou por profunda reorgani- CARLO~

Mande um fax: (11)3038-1418FRANCI:

senhor Nilton e ele mesmo se colocou zação com a fusão Thomson e Reuters.JOAQUIMÁRIO,PAULA I

• Assinaturas de à disposição para o envio do livro. Além O aumento de registros de produção WAGNEf

DIRETC

pesquisadores e bolsistas de apresentar uma linguagem bastante brasileira pelo ISI (de registros, não de MARllU

acessível, ele, com uma iniciativa ímpar, produção: afinal estas 32 incluídas em EDITOf

Envie e-mail para [email protected] NELDsa

ou ligue (11)3838-4304 presenteia os leitores literalmente com a 2008 já vinham publicando há muito EDITOJ;CARLOS

disponibilização gratuita deste guia. tempo!) deve-se mais à disputa entre FABRlcl1MARCO~

• Edições anteriores a Thomson/Reuters e a Elsevier (base RICARD'

EDtTOF

Preço atual de capa da revista ALEX RAFACHO Scopus) pelo controle do mercado de CARLOS

acrescido do valor de pastagem. FACULDADE DE CIÊNCIAS/UNESP dados bibliométricos. EDITO~OINDRA

Envie e-mail para [email protected] Bauru, SP REVIS)MÁRCIO

ou ligue (11)3838-4304 JÚLIO C. R. PEREIRA EOITOF

FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA/USPMAYUMI

ARTE

• Site da revista Produção científica São Paulo, SP MARIA (JÚLlAC

No endereço eletrônico F'OTÓGI

www.revistapesquisa.fapesp.br EDUAR[

Pesquisa FAPESP Online citou um au- Nota da redação: Ver reportagem na SECRE'

você encontra todos os textos mento de 56% na produção científica página 28. ANDRE~

de Pesquisa FAPESP na íntegra COLAB

brasileira em um único ano: est modus ANAUt.

e um arquivo com todas as BEATRI~

in rebus! A produção científica brasi- lUANAI

edições da revista, incluindoLEANDIi

os suplementos especiais.leira tem crescido nos últimos anos Correções os AI

a uma taxa que é algo em torno de NECE

No site também estão É PRC

10% a 15%, dependendo da área do Na reportagem "O elo perdido entre DE TE

disponíveis as reportagensem inglês e espanhol. conhecimento, o que é formidável e Darwin e o Brasil" (edição 159) não PARA I

tem dado destaque ao Brasil. Quanto saiu a citação ao livro Recepção do dar- (11)38~

PARA J

• Opiniões ou sugestões ao aumento de 56% num único ano, winismo no Brasil (Fiocruz, 192 pági- FAPES~(li) 30~

já o bom senso aconselha cuidado: co- nas), organizado por Heloísa Maria FAX: (11

Envie cartas para a redação GERtN

de Pesquisa FAPESP mo se alcançaria um salto tão grande Bertol Domingues, Magali Romero Sá PAUlAe-matt I

Rua Pio XI, 1.500 num único ano? A diferença de 10.709 e Thomas Glick, cujas informações fo- GERtNRUTER

São Paulo, SP 05468-901 artigos entre 2008 e 2007 pode ser mais ram citadas no texto. e-meít I

bem entendida se em vez de falarmosIMPRE:

pelo fax (11)3838-4181 PLURAl

ou pelo e-mail: de aumento no número de publicações Na reportagem "Arte rupestre no se- TIRAGE

DISTRI

[email protected] falássemos do aumento no número de miárido" (edição 159), a legenda da DINAP

GESTÃregistros de publicações pelo ISI: até foto na página 60 refere-se à serra das INSTITI

2008, 30 revistas brasileiras tinham seus Confusões, e não da Capivara. FAPESRUA PI

artigos publicados registrados pelo ISI;ALTO o

em 2008, o ISI acrescentou 32 novasSECREl

revistas brasileiras às suas bases de da- Cartas para esta revista devem ser enviadas para GOVERI

dos, um aumento de 106,6%. Como o e·mail [email protected]. pelo fax (11)3838-4181

revistas brasileiras publicam princi- ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP.CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas

palmente artigos brasileiros, em nada por motivo de espaço e clareza. INSTlTlJ

6 • JUNHO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 160

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 7

Pontes no coração e em outros territórios

As pontes do coração” chegaram, de última hora, diretamente para a capa da Pesquisa deste mês. A consistência e solidez de uma

pesquisa neste campo coordenada pelo professor José Eduardo Krieger, a par do enorme interesse sempre despertado entre os que acompanham as notícias originadas no front da ciência por qualquer novo conhecimento ou avanço técnico ligados à longevidade e funcionamento do coração (assim como do cérebro), não deixaram muita margem a dúvidas sobre qual das reportagens desta edição deveria ocupar sua posição de mais destaque. O leitor, entretanto, poderá fazer sua própria ava-liação, acompanhando, a partir da página 16, o claro e elegante relato do editor de ciência, Ricardo Zorzetto, a respeito do trabalho que tenta desven-dar por que parte das pontes de safena sofre um entupimento e tem sua duração limitada a cerca de 10 anos, enquanto a maioria permanece funcional por até três , quatro ou mais décadas.

A reportagem detalha a série de experimentos com ratos e com vasos sanguíneos humanos que a equipe de pesquisadores chefiada por Krieger no Instituto do Coração (InCor) vem fazendo, na tentativa de identificar fatores físicos que, de-sencadeados por esse processo de se colocar uma veia – a safena – para funcionar como artéria, terminam por reprogramar as células desse vaso. Essa busca já resultou na identificação de várias proteínas candidatas a esse papel e é possível que uma ou mais delas possam adiante ser usadas como indicadores da durabilidade da ponte de safena ou como alvos terapêuticos. Trocando em miúdos, talvez se possa saber de antemão se quem recebe uma ponte de safena permanecerá com ela pelo resto da vida ou se são muito grandes as possibilidades de que precise ser operado de novo dentro de uma década mais ou menos.

A outra reportagem que quero destacar neste espaço é que trata de uma certa “briga” acadê-mica nos domínios da arqueologia entre os que defendem que a Amazônia brasileira já abrigou em remotíssimo passado sociedades com um con-siderável grau de sofisticação cultural e aqueles que asseguram que o ambiente de solos pobres em nutrientes da região impediu a agricultura intensiva e, portanto, a formação de grandes po-pulações avançadas na área. O ponto de partida do editor de humanidades, Carlos Haag, para tornar mais clara essa divergência quanto a um hipotético Eldorado amazônico (página 78), é o livro Cotidiano e poder na Amazônia pré-colonial,

Mariluce Moura - Diretora de Redação

instituto verificador de circulação

CElso lafErPresidente

josé arana varElavice-Presidente

ConSElho SUPErIor

CElso lafEr, EDuarDo MoaCyr KriEgEr, horáCio lafEr Piva, hErMan jaCobus CornElis voorwalD, josé arana varEla, josé DE souza Martins, josé taDEu jorgE, luiz gonzaga bElluzzo, sEDi hirano, suEly vilEla saMPaio, vahan agoPyan, yoshiaKi naKano

ConSElho TéCnICo-AdmInISTrATIvo

riCarDo rEnzo brEntanidiretor Presidente

Carlos hEnriQuE DE brito Cruzdiretor científico

joaQuiM j. DE CaMargo EnglErdiretor administrativo

ConSElho EdITorIAlluiz hEnriQuE loPEs Dos santos (coordenador científico), Carlos hEnriQuE DE brito Cruz, franCisCo antonio bEzErra Coutinho, joaQuiM j. DE CaMargo EnglEr, Mário josé abDalla saaD, Paula MontEro, riCarDo rEnzo brEntani, wagnEr Do aMaral, waltEr Colli

dIrETorA dE rEdAçãoMariluCE Moura

editor chefenElDson MarColin

EdITorES ExECUTIvoSCarlos haag (humanidades), fabríCio MarQuEs (PoLítica), MarCos DE olivEira (tecnoLogia), riCarDo zorzEtto (ciência)

EdITorES ESPECIAISCarlos fioravanti, MarCos PivEtta (ediçÃo on-Line) EdITorAS ASSISTEnTESDinorah ErEno, Maria guiMarãEs

rEvISãoMárCio guiMarãEs DE araújo, Margô nEgro

EdITorA dE ArTEMayuMi oKuyaMa

ArTEMaria CECilia fElli júlia ChErEM roDriguEs

FoTógrAFoSEDuarDo CEsar, MiguEl boyayan

SECrETArIA dA rEdAçãoanDrEssa Matias teL: (11) 3838-4201

ColAborAdorESana liMa, anDré sErraDas (Banco de dados), bEatriz antunEs, braz, DaniEl Das nEvEs, luana gEigEr, DaniEllE MaCiEl, laurabEatriz, lEanDro nEgro, MarCos garuti E yuri vasConCElos.

oS ArTIgoS ASSInAdoS não rEFlETEm nECESSArIAmEnTE A oPInIão dA FAPESP

é ProIbIdA A rEProdUção ToTAl oU PArCIAl dE TExToS E FoToS SEm PrévIA AUTorIzAção

Para anunciar(11) 3838-4008

Para [email protected](11) 3038-1434fax: (11) 3038-1418

Gerência de oPeraçÕesPaula iliaDis tel: (11) 3838-4008e-mail: [email protected]

Gerência de circulação rutE rollo araujo tel. (11) 3838-4304 e-mail: [email protected]

imPressãoPlural EDitora E gráfiCa

tiragEM: 36.900 ExEMPlarEs

distribuiçãoDinaP

Gestão administrativainstituto uniemP

faPesPrua Pio xi, nº 1.500, ceP 05468-901alto da laPa – são Paulo – sP

secretaria do ensino suPerior

Governo do estado de são Paulo

issn 1519-8774

fundação de amParo à Pesquisa do estado de são Paulo

de Denise Cavalcante Gomes (Edusp). Mas ele lança mão de uma série de estudos internacionais que também se debruçam sobre a questão, entre os quais os que aparecem no livro The lost city of Z, de David Grann, que deve sair em julho no Brasil (Companhia das Letras). Nessa obra, o arqueólogo Michael Heckenberger, retomando a história da malfadada expedição do coronel britânico Percy Fawcett ao Xingu, reforça o mito do Eldorado, investindo contra o ceticismo de Betty Meggers. O confronto é antigo e promete ir longe ainda. E é muito interessante acompanhar as razões de cada lado.

Reportagens como a que relata o isolamen-to do vírus da gripe suína no Brasil ou a que se debruça sobre o trabalho da astrônoma brasilei-ra ligada à Nasa, especialista em vulcões extra-terrestres, ou ainda, na editoria de tecnologia, a que trata do ônibus movido a hidrogênio e que em breve estará rodando pelas ruas de São Paulo e uma outra sobre mais vantagens antipoluição do carro abastecido com álcool, todas valeriam referências específicas neste espaço. Mas desta vez vou ser mais econômica nas considerações sobre a produção da equipe de Pesquisa FAPESP, para poder dedicar umas poucas linhas a Sir John Maddox, formado em física e química, mas jor-nalista de profissão, “o homem que reinventou o jornalismo científico”, como disse The Economist, no epitáfio que lhe dedicou na edição de 5 de maio passado. Maddox, que morreu em 12 de abril, foi quem, ao chegar a Nature em 1966 de-pois de uma década no Guardian, transformou a então desprestigiada e paroquial revista britânica “num gigante científico com influência global”. Revisão por pares, ousadia na escolha dos temas que mereciam ser publicados e extrema exigência na qualidade dos textos foram apenas algumas das novidades introduzidas por ele para capacitar a revista britância à concorrência com a Science. Segundo The Economist, ele queria a Nature se-melhante de certa forma a um jornal, uma pu-blicação para ser julgada, entre outras coisas, pela rapidez com que publicava as notícias científicas. “Os manuscritos também eram editados – pas-mem! – para que tivessem estilo e legibilidade, tanto quanto precisão.” Maddox formou uma legião de profissionais, que se espalharam pela New Scientist, Times, Wired e outras publicações, consolidando as belas pontes que estabeleceu en-tre a ciência e o jornalismo. Pontes para difundir o conhecimento científico na sociedade.

carta da editora

8 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

memória

( )

Proezas de um padre voadorhá 300 anos Bartolomeu de Gusmão provava que um artefato mais pesado que o ar podia voar

Neldson Marcolin

Em poucos minutos, a situação na Sala das Embaixadas do Paço, em Lisboa, passou de assombrosa a patética. Quando o pequeno balão de papel pardo grosso subiu impulsionado pelo ar quente produzido por uma pequena chama dentro de uma tigela de barro, o rei dom João V, sua família, parte da corte portuguesa e convidados

ficaram francamente surpresos. Mas ao chegar à altura de 4 metros o invento foi abatido por dois criados apressados, temerosos de que as cortinas fossem incendiadas. O incidente não apagou a grande novidade científica daquele 5 de agosto de 1709: pela primeira vez provou-se que um artefato mais pesado que o ar podia voar. O autor da experiência, padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724), tinha apenas 24 anos e conseguiu uma carta patente do rei cedendo a ele o privilégio de explorar o “instrumento para se andar pelo ar”.

Aquela foi a segunda tentativa de Gusmão demonstrar suas experiências com balões. A primeira ocorreu no dia

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PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 9

Representação de Gusmão trabalhando (ao lado) e se apresentando a dom João (na outra página)

Desenho da “máquina volante”, de autor

desconhecido, publicado em 1868

3 de agosto de 1709, mas o papel incendiou-se ainda no chão. Dois dias depois ele foi bem-sucedido. E houve ainda uma terceira ascensão, ao ar livre, ao lado da Casa do Forte – o balão subiu a grande altura e caiu depois de algum tempo, quando a chama se apagou. As duas primeiras experiências foram presenciadas pelo núncio apostólico em Lisboa, cardeal Michelangelo Conti, futuro papa Inocêncio XIII, que relatou os fatos em carta à Secretaria de Estado do Vaticano.

Apesar do reconhecimento do rei e da Igreja, Gusmão era alvo frequente de críticas e sátiras. “Quem levou a fama pela invenção foram os irmãos franceses Joseph Michel e Jaques Étienne Montgolfier quando apresentaram um balão feito de linho, com 32 metros de circunferência, que subiu em 1783 usando o mesmo princípio de Gusmão”, diz Carlos Alberto Filgueiras, coordenador do Programa de História da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor titular do Instituto de Química da mesma instituição.

Bartolomeu Lourenço nasceu na então vila de Santos, no litoral paulista. Acrescentou o Gusmão ao final do nome para homenagear o jesuíta português Alexandre de Gusmão, fundador do colégio e seminário de Nossa Senhora de Belém, na vila (hoje cidade) de Cachoeira, na Bahia, para onde a família havia se mudado. Um dos irmãos

de Bartolomeu, dez anos mais novo, recebeu o mesmo nome do educador e foi secretário de dom João V. No seminário, o jovem inventor criou um sistema – chamado por ele de carneiro hidráulico – para bombear água do riacho para o prédio do colégio. “Ele uniu telhas usando argamassa e fez um

encanamento original. Em seguida represou a água do rio por meio de algumas estações e levou, por bombeamento, a água 100 metros acima até o seminário”, conta Laurete Godoy, pesquisadora da vida de Gusmão e autora de vários livros infanto-juvenis sobre Santos-Dumont, como

Santos-Dumont, o sonho que criou asas (editora Meca).

Gusmão foi ordenado padre ainda na Bahia e partiu para Lisboa entre 1708 e 1709 para não voltar mais ao Brasil. Na Universidade de Coimbra estudou ciências e deu aulas. Curiosamente, ele não levou à frente suas experiências com balões, talvez intimidado pelas sátiras constantes. Gusmão morreu em Toledo, na Espanha, aos 39 anos, depois de fugir de Portugal, não se sabe até hoje exatamente por quais razões. Antes queimou seus arquivos, o que impediu que se conhecesse melhor sua vida e demais trabalhos. Em 1901 Santos-Dumont concluiu a obra do padre voador, como ficou conhecido, e dos irmãos Montgolfier ao construir o primeiro balão dirigível.

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10 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 11

entrevista

Helio Jaguaribe

Um otimista de curto prazoCientista social lança livro e afirma crença num futuro próximo e próspero para o Brasil

Em épocas de grande agitação o dever do intelectual é manter-se calado, pois nessas ocasiões é preciso mentir e o intelectual não tem esse direito”, afir-mou, algo cínico, o filósofo Jose Ortega y Gasset (1883-1955). Embora se confesse um apaixonado pelas ideias do espanhol, “que exerceu uma influên-cia extraordinária na minha formação”, o cientista

social Helio Jaguaribe não é um discípulo intransigente. Embora concorde que a mentira não tem lugar na fala dos pensadores, ele se recusa a manter-se calado, para nossa sorte, ainda mais em tempos difíceis como os atuais. Nesse ponto, Jaguaribe, atualmente Decano Emérito do Instituto de Estudos Políticos e Sociais (Iepes), é mais um seguidor dos ensinamentos de seu pai, Francisco Jaguaribe de Matos. “Ele era um homem de cultura com um profundo espírito cívico e ético. Ele me incutiu as ideias de amor e dedicação ao país, de sentido público.” Aqui se pode reconhecer com facilidade o pensador que, aos 86 anos (um imortal da Academia Brasileira de Letras), não se cala nem mente. Prefere pensar o Brasil.

Carioca, advogado de profissão, Jaguaribe não se aco-modou apenas na teoria e, a partir de 1949, começou a escrever a famosa e prestigiada Coluna da Quinta Página no Jornal do Commercio. Também se reunia com um grupo de amigos intelectuais do Rio e de São Paulo no Parque do Itatiaia para pensar os problemas que via todo dia na empresa e que atrapalhavam o desenvolvimento da so-ciedade brasileira. Em 1953, a reunião se transformou no Instituto Brasileiro de Economia e Sociologia e Política para, em 1955, com apoio do presidente Café Filho, ganhar o estatuto de Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o célebre Iseb, núcleo de pensamento que elaborou a teoria do nacional-desenvolvimentismo. “Queríamos propor um projeto reformista para a transformação do Brasil, a ideia de uma reforma do capitalismo a partir do próprio capi-talismo.” Discordando de mudanças ocorridas no Iseb, Jaguaribe, em 1959, demitiu-se. Arregaçou as mangas e foi trabalhar num projeto de expansão da Companhia de Ferro e Aço de Vitória, de sua família, experiência que ensinou a ele a dura realidade de empresários e trabalhadores. Com o golpe militar, exilou-se nos EUA, para onde foi lecionar sociologia em universidades do porte de Harvard, Stanford

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e do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Voltou ao país em 1969 e, dez anos mais tarde, assumiu a direção do Iepes. “Flertou”, de forma responsável, com o Estado por duas vezes: em 1985 coordenou o Brasil 2000, no governo José Sarney; em 1992 foi secretário da Ciência e Tecnologia do governo Collor, deixando o cargo quando o presidente foi apeado do poder.

Em 1988 ajudou a fundar o Partido da Social Demo-cracia Brasileira, o PSDB, e já tem um candidato que consi-dera imbatível para 2010: o governador de São Paulo, José Serra. Jaguaribe continua a serviço do país com suas ideias. Como, aliás, comprova o livro Brasil, mundo e homem na atualidade, uma seleção de estudos escritos a partir de 1983, editado pela Fundação Alexandre de Gusmão. O livro, com mais de 930 páginas, traz uma súmula de seus pensa-mentos com estudos sociopolíticos, artigos sobre relações internacionais, reflexões sobre o Brasil, análises de filosofia e notáveis estudos sobre personalidades. É difícil destacar um dentre tantos textos profundos e inteligentes, mas são dignos de nota: “Nação e nacionalismo no século XXI”; “Social-democracia e governabilidade”; “Pax americana ou ‘Pax Universalis’”; “Aliança Argentina-Brasil”; “A perda da Amazônia”; “Brasil: o que fazer?”; “Universalidade e razão ocidental”; “Depoimento sobre o Iseb”; “Ortega y Gasset: vida e obra”; “Celso Furtado: teoria e prática do desenvolvimento”; entre outros, prova de seu pensamento agudo e irrequieto.

Logo, para defini-lo melhor é preciso buscar outra fra-se de Ortega y Gasset: “É imoral pretender que uma coisa desejada se realize magicamente, simplesmente porque a desejamos. Só é moral o desejo acompanhado da severa vontade de prover os meios da sua execução”.

n Aos 86 anos, o senhor nunca deixou de analisar o Brasil. Algo no nosso presente o surpreendeu?— Não tem muita surpresa porque o curso que os aconte-cimentos seguiram foi mais ou menos o que eu previa. Eu diria que a situação do Brasil é razoável, está longe de ser péssima e longe de ser ótima. Ela é razoável porque o Brasil mantém o que é precioso: sua unidade nacional, pois somos um país com enorme sentido de unidade nacional. Melho-raram as relações sociais, o país está incorporando, embora

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ro precisamente por causa disso: o que funciona bem no Brasil é sua rotina, e a rotina tende a ser permanente. Esse status quo, embora um pouco medíocre, tem a vantagem de ser estável e, por-tanto, provavelmente terá continuidade. Eu seria favorável a que ademais dessa rotina positiva surgisse um grande pro-jeto nacional que mobilizasse a opinião pública, como já aconteceu no tempo de Juscelino Kubitscheck, por exemplo, quando a ideia de “cinquenta anos em cinco” foi uma realidade. Não precisaría-mos de um novo projeto tão avassalador como esse, basicamente porque a rotina atual é boa e não era naquele tempo. JK conseguiu converter uma rotina negativa numa orientação positiva. Essa orienta-ção positiva permanece de uma maneira moderada (crescimento de 2,5%, 3% e em alguns casos até 5%), mas poderia ser um pouco acelerado para superar o crescimento demográfico, senão o país cresce na mesma proporção da popula-ção e, portanto, não melhora.

n Como seria um Estado mais criativo?— Creio que seria necessário um con-junto de coisas. Em primeiro lugar há uma noção bastante generalizada pela opinião pública de uma ideia de desen-volvimento nacional: é preciso criar um

modelo de desenvolvimento nacional que seja popular. Na medida em que isso aconteça (e de modo geral está tenden-do a acontecer), essa consciência pública configura os possíveis governos futuros numa direção que é difícil de ser inver-tida. O Brasil adquiriu uma rotina de crescimento positivo social e econômico que tende a ser estável. Evidentemente eu gostaria que ela fosse dinamizada, por-que há certa urgência em apressarmos particularmente duas coisas. Do lado das exigências superiores, aumentarmos nos-sa capacidade científico-tecnológica: o Brasil é um protagonista mediano – para não dizer medíocre – dentro do processo científico-tecnológico. Não é necessário que ele seja de ponta, mas deveria es-tar um pouco mais na vanguarda. Um grande esforço no sentido de aperfei çoar, acelerar e ampliar o desenvolvimento científico -tecnológico é a primeira con-dição. A outra é que o desenvolvimento científico-tecnológico se faça não preci-samente na linha científico-tecnológica, mas levando em conta a necessidade de mobilizar a totalidade da população. Ou seja, o Brasil tem um grande problema de incorporar essas mudanças, já que um terço da sua população está vivendo em condições absolutamente não aceitáveis, e combinar-se um desenvolvimento do processo científico-tecnológico com um grande desenvolvimento social.

n Qualquer projeto de desenvolvimento é barrado pelos gargalos estruturais do país. Como superá-los?— A resposta tem uma primeira di-mensão que me parece absolutamente inequívoca: é a educação. O país tem o desenvolvimento que a sua educação lhe proporciona. O fato de que há uma parcela muito grande de brasileiros ou totalmente deseducados ou parcamente educados constitui um peso inerte que dificulta a marcha do Brasil. Portanto, a primeira coisa a fazer é ampliar a edu-cação e melhorar o nível dela. Só isso já bastaria, porque, como o país tem uma tendência positiva para crescer, se tiver educação cresce na direção certa e com a velocidade certa.

n Mas a questão de P&D é complexa e en-volve a entrada de tecnologia estrangeira, algo que não agrada ao senhor.— O Brasil já atingiu uma fase em que tem capacidade de autocrescimento e autodesenvolvimento, inclusive cientí-fico-tecnológico. O que não quer dizer que se vá fechar as portas e janelas para o mundo, ao contrário: toda abertura é

menos velozmente do que o desejável, as massas marginais, mas está caminhando na direção correta. Estamos tendo um crescimento técnico, econômico e cul-tural razoáveis, de modo que o Brasil não é um país de futuro preocupante, ao contrário, é um país de futuro muito promissor e já apresenta um presente muito razoável. Nesse sentido sou bas-tante otimista em relação ao Brasil. O que nos faz um país eficaz é que ele assim se torna independente de vontades indivi-duais, é um processo coletivo em marcha. O que dá grande estabilidade ao Brasil não é que seja um país com um grande condutor, em que um fenômeno especí-fico esteja favorecendo. Não: somos um país cuja rotina é orientada na direção correta. O desenvolvimento sustentável é aquele que se faz por rotina.

n O que nos impede de ter um projeto real de nação?— Creio que o problema no momento atual é que as correntes desenvolvimen-tistas, que são, na verdade, predominantes na opinião pública e também na própria linha do governo, não lograram, entre-tanto, alcançar um modelo econômico e financeiro adequado para o seu projeto. Existe um desenvolvimentismo econô-mico, mas a mecânica financeira desse desenvolvimentismo ainda não foi bem elaborada. Em que condições financeiras será possível sustentar um desenvolvi-mento importante no longo prazo? Esse é o problema e isso exige uma combinação entre finanças públicas e privadas e, por-tanto, um modelo financeiro global sob a liderança do Estado. A ele cabe liderar isso. Mas os governantes não estão tendo uma consciência financeira, a meu ver, suficientemente clara. Há a consciência econômica, mas a visão financeira é do “dia a dia”, é um pouco uma rotina, de acordo com as experiências anteriores, e não uma finança orientada para susten-tar o desenvolvimento de longo prazo. É o vácuo financeiro.

n Quais as consequências para o futuro do país? — O fato é que o Brasil tem uma ver-dade empírica muito satisfatória. Inde-pendentemente de grandes projetos, de grandes condutores e grandes lideranças, o país marcha bem e isso é uma coisa altamente desejável, porque os progres-sos que dependem de condutores ficam sujeitos a eles e, portanto, podem não ter continuidade. A nossa vantagem é que temos uma rotina positiva. Então sou muito otimista em relação ao futu-

Um grande esforço no sentido de aperfeiçoar,acelerar e ampliar o desenvolvimentocientífico- -tecnológico é a primeira condição para se desenvolver

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absolutamente necessária, sobretudo nes-sa direção. O Brasil está longe de ser um país de vanguarda no sentido do desen-volvimento científico-tecnológico, embo-ra certamente não seja um país de reta-guarda, está numa posição mediana, um pouco mais para cima do que para baixo, mas necessita manter essa média melho-rando e, portanto, manter a abertura. A principal coisa consiste, evidentemente, numa atuação do setor público através de volume e de orientação de verbas. É preciso mais dinheiro, mais recurso para o desenvolvimento científico-tecnológico e uma atuação efetiva para esse desenvol-vimento, partindo do setor público que é aberto para o setor privado. n Como o senhor analisa a ligação entre universidades e empresas?— Esse é um problema muito sério, porque no Brasil essa relação é muito remota: a universidade absorve com grande rapidez a informação externa e tende a ser razoavelmente atualizada, mas ela opera para dentro, e não para fora. De modo que são duas entidades que buscam insumos externos isolada-mente uma da outra. A empresa procura ver o que a tecnologia internacional tem para copiar e a universidade procura ver o que a ciência tem para copiar. Acho que essas duas iniciativas são perfeitamente razoáveis, mas o que conviria aumen-tar, sem prejuízo delas, era a integração universidade-empresa. Era preciso que a universidade ficasse mais consciente de seu papel de educadora na empresa e a empresa mais aberta para as relações com a universidade.

n Em qualquer ponto que toquemos há a presença do Estado, vilanizado por uns, glo-rificado por outros. Qual é a sua visão do Estado, especificamente no caso brasileiro?— Desde o século XVIII os países ociden-tais se diversificaram conforme aqueles que são impulsionados pela iniciativa privada e aqueles que são impulsionados pelo Estado. Os países anglo-saxônicos são predominantemente impulsionados pela iniciativa privada e os países latinos e germânicos pela iniciativa do Estado. Essa é uma característica cultural difícil de ser modificada e não tem nada de erra-do em nenhuma delas, de modo que nós, como país latino, temos que reconhecer a necessidade de uma ativa liderança do Estado sem prejuízo da máxima abertu-ra para a iniciativa privada. Creio que o que estou dizendo é o grande consenso: o que precisaria para que deixasse de ser discurso seria um pouco que essas coisas

entrassem nos orçamentos e nas agendas públicas. É preciso que o BNDES não seja apenas um recebedor de projetos, mas um formulador de políticas; é preciso que haja um projeto nacional de desenvolvi-mento consistente, realista, não utópico, para o qual o banco e outras agências fe-derais, ademais de abertos a demandas, sejam proponentes de projetos.

n A crise financeira atual nos obriga a re-pensar o Estado?— No século XXI chegou-se a um con-senso, mais informal do que formal, de que o desenvolvimento depende de uma combinação da atuação do Estado e da iniciativa privada, em que a atuação do primeiro será maior ou menor conforme as características culturais do país e seu nível de desenvolvimento. A intervenção do Estado nos países muito desenvolvi-dos não precisa ser tão grande quanto

nos países subdesenvolvidos. Nos países subdesenvolvidos não há a menor dúvi-da de que o Estado é o principal motor. No Brasil, embora não seja mais um país subdesenvolvido, é um país mediano, o Estado continua a ser o principal mo-tor, de uma maneira menos urgente do que em outros países da America Latina ou da Ásia, mas muito mais urgente do que em países como a Inglaterra ou os Estados Unidos. A única solução para a crise é o Estado aumentar a sua par-ticipação no desenvolvimento, na pro-moção de crescimento. A crise resulta de certo descompasso entre a oferta e a demanda de recursos. Essa demanda de recursos só pode ser atendida em curto prazo por um aumento da intervenção estatal. A forma pela qual se pode con-duzir o empresariado a se orientar mais para a atuação produtiva do que para o jogo financeiro consiste em que o Estado

14 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

intervenha de uma forma muito eficaz no sentido do financiamento; havendo uma amplificação do financiamento público a especulação financeira privada reduz e o empresário é conduzido naturalmente a utilizar esse financiamento para fins produtivos. Havendo oferta de recursos, o empresariado funciona.

n O senhor vem propondo trocar o na-cional-desenvolvimentismo pelo regional- -desenvolvimentismo. Por quê?— Nós estamos vivendo um processo histórico de formação de grandes blocos, portanto, apesar de o Brasil ter massa crítica muito elevada comparativamen-te a outros, não é suficientemente au-tossuficiente para poder, isoladamente, atender as demandas do tempo. Daí a conveniên cia de combinar uma consoli-dação nacional do desenvolvimento com uma abertura para o desenvolvimento regional. O nacional-desenvolvimentis-mo é compatível com o regional-desen-volvimentismo, que no caso brasileiro tem como base uma aliança estratégica entre a Argentina e o Brasil. Essa é a chave de tudo, a força mobilizadora dos outros países da América do Sul e certamente do México, que é um parceiro fundamental para esse processo. Então eu digo: conso-lidar a aliança Brasil-Argentina que fun-ciona de uma forma tímida e fazer com que ela seja uma coisa muito vigorosa in-corporando o México. É preciso que não se sobrecarreguem as deficiências do lado brasileiro porque também as há do lado argentino, mas sempre digo que é preciso para compreender essas relações entre esses países não exageradamente assimé-tricos, mas um pouco assimétricos, olhar para exemplos históricos. O Brasil tem que pagar mais que a Argentina e os dois juntos mobilizarem a América do Sul. A América Latina não é uma entidade “operacionalizável”, mas ainda apenas cultural. Temos ainda a questão dos EUA, uma grande potência que nos últimos tempos agiu muito unilateralmente. Ao se consolidar essa aliança argentino- -brasileira e a mobilização a partir dessa aliança do sistema sul-americano e vaga-mente do sistema latino-americano, nós contribuiremos para assegurar espaço para uma relação mais multilateral nas relações internacionais. Daremos opor-tunidade ao setor dinâmico da Europa e da Rússia de se manifestar mais clara-mente. Logo, o protagonismo brasileiro é mobilizador de um sistema multilate-ral. Obama é uma grande promessa, de modo que os EUA nunca tiveram uma posição internacional mais favorável do

que agora. Colaborar com o presidente americano é o que importa fazer.

n Vamos falar de política. O senhor é um defensor da necessidade de uma reforma no sistema político...— A democracia, operacionalmente, é uma“partidocracia”: depende da existên-cia de partidos coerentes, homogêneos, definidos, dotados de projetos e de iden-tidade própria. O ideal, evidentemente, é um regime bipartidário, ou com três partidos, mas com muitos as coisas não funcionam. O problema brasileiro, como o da Itália, é o de excesso de partidos. Isso tem que ser minorado através de um processo em que certos partidos deixem de existir e seus membros se incorporem em partidos de maior significação e que, dentro do regime multipartidário, se crie uma polaridade entre partidos com uma orientação “A” e os de orientação “B”. Há no Brasil essa tendência: existe certo gru-po de partidos que querem maximizar a fórmula neoliberal e outros com tendên-cia a maximizar a fórmula que chamo de socioliberal. O liberalismo social tende a prevalecer no Brasil sobre o puro libera-lismo clássico e isso me parece uma coisa muito positiva.

n O senhor coloca uma coisa muito bem relacionada que é essa distância que existe entre o eleitor e o eleito. — É óbvia a necessidade de introduzir-mos no Brasil o regime distrital misto, ou seja, o país é dividido em número de distritos relativamente pequenos cons-tituindo um eleitorado que seria supos-tamente mais homogêneo e, portanto, cada distrito elege um representante que seria representativo de uma maioria na-cional pela soma dos distritos. Por outro lado, sou favorável ao regime distrital misto, ou seja, que as eleições não sejam exclusivamente distritais, mas se abra, digamos, uma porcentagem de 20% dos cargos para lideranças nacionais, porque tem algumas personalidades muito im-portantes que não têm nenhum distrito propriamente a favor delas. O regime distrital misto, em que 80% das cadei-ras sejam preenchidas “distritalmente” e 20% nacionalmente, parece-me um regime muito favorável.

n Qual a sua visão sobre o presidencia-lismo? — Seria desejável que o Brasil transitasse do presidencialismo para o parlamenta-rismo, mas para que este funcione são necessárias condições prévias: é preciso um nível de educação política um pou-

co superior ao que nós temos e que os partidos sejam idealmente reduzidos a dois, já que a multiplicidade partidária conspira contra o bom funcionamento do regime parlamentarista. O Brasil não teria condições de adotar imediatamente o regime parlamentar. Quando houve esse recente plebiscito a respeito disso, eu votei contra – não porque eu seja contra, mas acho que ele não seja aplicável nas condições atuais. E quais são os requisitos para que o parlamentarismo seja viável? O principal, evidentemente, é a amplia-ção da educação política da população. A margem de consciência política brasileira ainda é restrita talvez a 1/3 da população – 1/3 é completamente alienado e outro 1/3 está mais para “baixo” do que para “cima”. Temos ainda um longo caminho a percorrer para a mobilização da grande maioria da população brasileira a um ní-vel satisfatório de consciência política, de consciência pública. Por outro lado, na medida em que se progrida na dimensão da consciência pública, da consciência política, tenderá a se reduzir o número de partidos, porque a consciência política conduz naturalmente a uma bifurcação entre partidos que querem modificações substantivas e partidos que querem a preservação do regime atual. Mas a edu-cação política brasileira está melhorando muito: o brasileiro tem mais consciência política hoje do que há 20 anos.

n Por isso o senhor defende uma união entre PT e PSDB?— Essa junção é desejável, mas não é indispensável, porque há duas alternati-vas: ou se forma no país uma consciên cia conducente a certo bipolarismo (e nesse caso poderá ser representado pelo PSDB e pelo PT, o que condenará o PSDB a uma posição conservadora) ou então as forças conservadoras adquirem uma certa consistência (PL e esses partidos da frente liberal) e a união do PT e do PSDB se torna necessária. Ou seja, a relação PSDB-PT depende da evolução do eleito-rado e da opinião pública. Se o eleitorado fortalecer os partidos, como os partidos da união democrática, a fusão PSDB-PT se tornará algo necessário e possível – ou o contrário, a bifurcação entre o PT e o PSDB leva o PSDB a ter que ter uma função mais conservadora.

n Qual o partido do futuro no Brasil?— Bom, eu tenho do PMDB uma opi-nião muito ruim, porque ele se tornou um partido de clientela: não tem projeto, não tem programa, não tem identidade própria. É um partido de recolher miga-

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lhas eleitorais em todo território nacio-nal e juntar essas migalhas, o que dá um resultado positivo, porque a educação política brasileira ainda é insuficiente. O voto do PMDB é um voto clientelístico; na medida em que ele prospera, vemos que aquela clientela continua muito po-derosa. Mas eu acho que a tendência é no sentido da redução da importância da política de clientela e por isso eu acho que em longo prazo o PMDB não tem fu-turo. Quem tem futuro é o PT e o PSDB. O que significa que o PSDB vai ser um partido conservador progressista e o PT um partido progressista moderado.

n O PT mudou após chegar ao poder?— É difícil analisar separando o partido de Lula. O que seria do PT sem Lula, qual seria a tendência do PT? É difícil prever, não? Eu não tenho a impressão de que o PT tenha se consolidado de uma ma-neira programática satisfatória. É mais um partido de “enlaces”, “vanguardeiros”, independentemente de consistência pro-gramática. E o problema está exatamente nisso, a necessidade da consciência pro-gramática. Enquanto o PSDB é um par-tido que tem uma boa consciência pro-gramática e conseguiu uma coisa muito interessante, que seria um partido de centro-esquerda. É um partido que não é reacionário, não é conservador, mas também não é aventureiro. Um partido de moderado desenvolvimento social e econômico, o que é altamente desejável. Lula percebeu o erro de entregar tanto poder aos sindicalistas. Percebeu e moti-vou deliberadamente uma mudança no quadro de poder. Por isso não vejo can-didato do PT capaz de exercer o papel se-melhante ao que Lula tem e vejo, por ou-tro lado, a probabilidade de que o PSDB seja o vencedor das eleições. Possivel-mente com o governador de São Paulo, José Serra. É o candidato mais provável – e será uma experiência muito interes-sante, embora eu manifeste veementes votos para que se consolide a saúde de Dilma, uma figura muito positiva. Mas, doente, ela não poderá exercer o papel. A boa saúde de Dilma é hoje quase uma prioridade nacional: ela com saúde e o PT são coisas positivas para o futuro.

n E como será 2010 para o PSDB?— Há, a meu ver, um consenso entre os analistas e entre os líderes partidários no sentido de que o Serra venha a ser o fu-turo candidato do PSDB. É um homem de muito boa qualidade, que vejo com bons olhos. O PSDB tem a vantagem de ser um partido que tem lideranças de

agravamento ou, o contrário, de uma melhora. O problema da crise ética tem muito a ver com cultura. Os países de cultura católica têm tendência à crise ética. Os países de cultura protestante têm tendência a uma afirmação ética mais nítida, porque o protestantismo é uma opção ética, e não ideológica, e o catolicismo é uma opção ideológica, e não ética. Aí entra uma formação de base que será permanente; católico ou não na prática, o Brasil será sempre ca-tólico na cultura e nessa medida haverá sempre um problema ético, que é típico das culturas católicas. Situações como o descrédito do Congresso e dos políticos não podem ser modificadas por gritas da opinião pública, mas apenas pela reforma do processo político. Nós tivemos capa-cidade de formar uma competente elite empresarial, uma razoável elite cultural e não tivemos capacidade de formar uma boa elite política. Então há uma falha no processo brasileiro, que é o fato de que a política não está mobilizando pessoas adequadas, mas sim oportunistas.

n Como cortar esse ciclo? — No curto prazo há formas de melhorar que dependem da política, da emergên-cia de lideranças políticas competentes e honestas. Isso está fazendo falta, mas eu creio que há promessas de que na sucessão de Lula surja uma liderança política com-petente e honesta. Vejo com muito bons olhos a emergência de dois importantes líderes dentro do PSDB, Serra e Aécio, am-bos com grandes estados atrás deles.

n O que esperar dessa liderança?— A possibilidade mobilizatória em sen-tido positivo numa liderança depende da medida em que ela não seja um estratage-ma de conservar e aumentar o seu poder, mas um projeto de mobilização nacional, um projeto nacional de desenvolvimen-to. Esse é o problema: na medida em que a liderança política seja por um nacional-desenvolvimentismo ela conduzirá o país a rapidamente superar seus obstáculos. Se for apenas uma busca de poder, será mais um fator de estagnação.

n Se voltarmos a nos falar em cinco anos, acredita que estará mais feliz com o Brasil?— Creio que sim, se as coisas seguirem o rumo e se eu estiver vivo aos 91 anos... [risos] Sou muito otimista em relação ao Brasil porque acho que a marcha inercial brasileira é vagarosamente na boa direção. Vamos melhorando gradualmente. Somos um país “autoperfeccionista” no longo prazo: vagarosos, mas constantes. n

muito boa qualidade, basta salientar as duas principais, Serra e Aécio, que são figuras de muito boa qualidade. Eu esti-maria que um governo Serra desse uma ampla oportunidade também para Aécio. Eventualmente dirigindo o Congresso em consonância com Serra. Seria a mi-nha expectativa mais favorável.

n O Bolsa Família seria mantido num governo do PSDB? — O Lula deu a resposta para uma ne-cessidade social. Como se pode reduzir a brecha social em países como o Brasil? Isso é meta através do Estado, que é o grande promotor do desenvolvimento social. O Bolsa Família é fundamental para reduzir o abismo entre os partici-pantes e os não participantes, os cidadãos ativos e os passivos. Agora, se a ideia do Bolsa Família é absolutamente correta, bem como a sua ampliação, a escolha dos beneficiários depende um pouco de uma política que nem sempre é muito correta. Mas isso é inevitável.

n O senhor, aliás, afirma que os grandes problemas do Brasil são fruto de uma crise ética. — Esse é um problema muito com-plicado porque tem raízes estruturais e circunstâncias ocasionadoras de um

Há uma falha no processo brasileiro, que é o fato de quea política não está mobilizando pessoasadequadas, mas sim oportunistas

16 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

reconectadoEquipe do Instituto do Coração identifica possível marcador genético da durabilidade da ponte de safena

No laboratório do 10º andar do Instituto do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo, de onde se tem uma vista privilegiada da capital paulista, a equipe do médico José Eduardo Krieger começa a desvendar as origens de um fenômeno que limita a cerca de uma década a durabilidade de parte das pontes de safena: o entupimento, ainda que parcial, do implante de seg-

mentos dessa veia retirada da perna usado para restabelecer o suprimento de sangue do coração, reduzido pelo acúmulo de placas de gordura no interior das artérias que o irrigam. Em uma série de experimentos com ratos e vasos sanguíneos humanos, o grupo do InCor vem descobrindo como fatores físicos alteram a programação das células de veias submetidas às condições de funcionamento das artérias. Essa reprogramação pode causar o espessamento excessivo da veia e o bloqueio da ponte alguns anos depois da cirurgia de revascularização do coração.

Essa busca já resultou na identificação de várias proteínas envolvidas no espessamento dos implantes, duas delas carac-terizadas completamente. “Acreditamos que, com esse tipo de investigação, chegaremos a uma ou mais proteínas que poderão ser usadas como indicadores da durabilidade da ponte de safena ou como alvos para ampliar a eficiência do enxerto”, afirma Krieger. Ele espera em alguns anos produzir um teste genético capaz de predizer se o candidato à cirurgia apresenta tendência a desenvolver oclusão da safena e desenvolver tratamentos para minimizar o problema. “Estamos trabalhando para descobrir quando e como intervir”, diz.

Ricardo Zorzetto | ilustrações Marcos Garuti

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Coração

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18 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

Criada em 1967 pelo médico argentino René Fava-loro, a ponte de safena revolucionou a cirurgia cardíaca. Em uma longa operação na qual foi feito um corte de 30 centímetros no peito do paciente e as costelas foram afastadas, Favaloro conectou uma extremidade de um segmento da safena com quase um palmo de compri-mento à artéria aorta e a outra extremidade à região do coração privada de sangue. Assim conseguiu fazer o sangue contornar o bloqueio e voltar a alimentar o músculo mais forte e resistente do corpo, que se contrai em média 100 mil vezes por dia enviando nutrientes e oxigênio para todos os tecidos do organismo. Nesses 42 anos esse procedimento foi aperfeiçoado e vem sendo repetido diariamente no mundo todo, prolongando a vida de milhões de pessoas – estima-se que a cada ano sejam feitas 47 mil cirurgias de revascularização cardíaca no Brasil e 450 mil nos Estados Unidos.

ssa solução, porém, não é perfeita e muitas vezes paga-se um preço alto por fazer uma veia, vaso es-pecializado no transporte de volumes pequenos de

sangue sob baixa pressão, funcionar como artéria, com fluxo cerca de dez vezes maior e pressão mais de 20 vezes mais elevada. A mudança nas condições em que atua causa o espessamento exagerado da camada de células mais interna do vaso. Como consequência, as placas de gordura que em geral levam de quatro a cinco décadas para comprometer a passagem de sangue nas artérias do coração (coronárias) se formam bem mais rapidamente e obstruem cerca de 10% das pontes de safena em apenas dez anos, exigindo a rea lização de uma nova cirurgia. Essa proporção de entupimentos, que já alcançou quase 50% até o início dos anos 1990 e diminuiu com as alte-rações na dieta e o uso de medicamentos para baixar o colesterol, ainda é considerada elevada.

“Embora na maioria dos pacientes seja possível usar artérias como as mamárias para revascularizar o músculo cardíaco, a veia safena é uma opção muito adotada, por-

que exige um procedimento menos invasivo e a safena é um vaso extenso, que permite obter vários enxertos”, explica Luís Alberto Dallan, cirurgião do InCor que co-labora com a equipe de Krieger. “Se resolvermos o pro-blema de oclusão da ponte de safena, solucionaremos a principal questão da cirurgia cardiovascular.”

Foi quase ao acaso que cinco anos atrás o grupo do InCor começou a investigar o espessamento das pontes de safena. Na época a biomédica Ayumi Miyakawa tra-balhava com Krieger na identificação de genes acionados nas células da camada mais interna dos vasos sanguíneos – o endotélio – pela passagem do sangue. Assim como a água de um rio lambe suas margens como se quisesse arrastá-las com a corrente, o fluxo de sangue tenta le-var consigo as células que recobrem internamente veias e artérias. Essa força física, conhecida como força de arrasto, ativa a maquinaria das células do endotélio e modifica a produção de uma proteína que controla o funcionamento do vaso e a pressão arterial, a enzima con-versora de angiotensina. No Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular, Ayumi dispunha de um aparelho que simulava o arrasto, mas não estava satisfeita. Faltava representar uma segunda força a que estão submetidas as células dos vasos sanguíneos: a pressão que o sangue exerce contra a parede de veias e artérias, fazendo-os di-latar cada vez que o coração pulsa. Ayumi pediu à equipe de bioengenharia do InCor que a ajudasse a desenvolver um equipamento capaz de reproduzir as duas forças tanto de modo independente como simultâneo. Com o aparelho pronto, ela percebeu que poderia testar os enxertos de safena em condições semelhantes às que enfrentam quando implantados no coração.

Tão logo o cirurgião termina a sutura e libera a pas-sagem do sangue, o pedaço de veia que passa a trazer sangue rico em oxigênio da artéria aorta para o músculo cardíaco sofre um impacto brutal. Formada por três ca-madas delgadas de células, a veia, que antes transportava sangue rico em gás carbônico e suportava pressões va-

Direto no alvo

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 19

riando de 5 a 20 milímetros de mercúrio (mmHg), passa a trabalhar sob uma pressão 25 vezes maior (cerca de 120 mmHg) se quem recebeu o implante não for hipertenso. Já se sabia que, sob as novas condições, a veia se torna mais espessa depois de algum tempo. Mas não se conhe-ciam quais fatores físicos nem quais genes disparavam essa transformação, que, exacerbada, pode ser danosa e prejudicar o funcionamento da ponte.

urante quatro dias Ayumi cultivou segmentos de 2 centímetros de safenas de pessoas operadas por Dallan sob dois regimes de fluxo e pressão – o de

veia, em que 5 mililitros de um composto rico em nu-trientes e oxigênio atravessavam o vaso a cada minuto com pressão média de 5 mmHg, e o de artéria, com fluxo de 50 mililitros por minuto e pressão de 80 mmHg. Já no primeiro dia ocorreram transformações. As células de veias submetidas às condições de artéria começaram a apresentar sinais de apoptose (morte programada), enquanto as das veias mantidas sob baixa pressão e baixo fluxo se mantiveram vivas.

Era um resultado interessante que despertava ainda mais a curiosidade. O que aconteceria com a ponte de safena depois de mais tempo? As mudanças observadas nessas condições artificiais seriam semelhantes às que ocorrem em seres vivos?

Ante essas dúvidas, Ayumi e Krieger decidiram de-senvolver um experimento que refletisse melhor o que acontece com safenas implantadas no coração humano. Como obviamente é muito complicado obter amostras dessas veias depois que a ponte está conectada ao cora-ção e a pessoa deixou a sala de cirurgia, os pesquisadores bolaram uma operação em ratos na qual uma das artérias carótidas, que levam sangue do coração para a cabeça, é conectada a uma veia jugular, que drena o cérebro. Em seguida, acompanharam por até três meses as alterações apresentadas pelas jugulares mantidas sob o regime de alto fluxo e pressão elevada característico das artérias.

InC

or

1. Identificação de genes com expressão diferenciada em veia safena submetida ao regime arterial2. Genes diferentemente expressos em modelo de arterialização de enxerto venoso no rato3. Estudo da hipertensão arterial: caracterização molecular e funcional do sistema cardiovascular4. Identificação e caracterização de genes ligados à arterialização do enxerto venoso humano

modAlIdAdES

1. Bolsa pós-doutorado (Ayumi Miyakawa)2. Bolsa de doutorado (Thaiz Ferraz Borin)3. Projeto Temático4. Auxílio à pesquisa

Co or dE nA dorES

1, 2 e 4. José Eduardo KriEgEr - InCor3. Eduardo Moacyr KriEgEr - InCor

InvEStImEnto

1. r$ 195.776,52 (FAPESP)2. r$ 98.222,52 (FAPESP)3. r$ 6.111.202,31 (FAPESP)4. r$ 50.000, 00 (CnPq)

Os prOjetOs>

TAT-GFP

cateter

segmento do vaso analisado

1,5 cm

2 cm

Artéria carótida de rato tratado com proteína geneticamente alterada para penetrar mais facilmente nas células (pontos brilhantes na imagem ao lado) e de roedor que recebeu versão normal da mesma proteína (à esquerda)

Entre o primeiro e o terceiro dias houve um intenso au-mento na taxa de morte de células da jugular dos roedores ligada à carótida. Depois da primeira semana, no entanto, a situação mudou: as células mortas passaram a ser subs-tituídas por células musculares características das camadas mais externas dos vasos sanguíneos. Também começou a se formar o anel de fibras elásticas observado apenas em artérias, separando a primeira da segunda camada de célu-las. “São sinais de que as veias estão tentando se adaptar às condições do novo ambiente”, explica Ayumi.

O problema é que em muitos casos essa adaptação foge ao controle e, em vez de deixar a veia mais robusta, termina por entupi-la. Ao microscópio, Ayumi e Thaiz Borin nota-ram que a camada mais interna da jugular, em geral formada por uma fileira de células, tornara-se cem vezes mais espessa, enquanto as duas camadas mais externas, compostas por células musculares contráteis, haviam apenas dobrado.

Nesse período de transformação celular o nível de ativi-dade de alguns genes chamou a atenção de Krieger e Ayumi. Um deles é o que contém a receita da p21, uma das proteínas que inibe a reprodução celular. Uma semana depois que a carótida dos roedores havia sido conectada à jugular, o nível da p21 nas células da veia caiu para quase a metade do normal e continuou baixo até o final do experimento – sinal de que o gene havia sido desativado pela mudança de ambiente.

Ao mesmo tempo, o gene responsável pela produção da proteína CRP3, em geral ativo apenas nas artérias, foi acionado logo após a jugular dos roedores passar a funcionar sob pres-são elevada transportando grandes volumes de sangue – esse gene também apareceu ativo em safenas humanas submetidas à condição de artérias. Já no primeiro dia a CRP3, proteína componente da estrutura que dá forma às células, o citoesque-leto, passou a ser produzida na jugular em níveis semelhantes aos em que é encontrada nas artérias. Sua produção diminuiu um pouco depois do primeiro mês, mas permaneceu elevada durante todo o experimento. Aparentemente foi o aumento de pressão, e não o da força de arrasto, que acionou a maquinaria celular e estimulou a produção dessa proteína, relata Luciene Gastalho Campos em artigo publicado em abril deste ano na Cardiovascular Research. “Acreditamos que a produção dessa proteína seja importante para a remodelagem inicial das veias que têm de suportar o regime hemodinâmico das artérias porque reforça a estrutura celular”, diz Ayumi.

utro gene que apareceu ativo além do normal tanto na jugular de roedores conectada à carótida quanto nas veias usadas em pontes de safena é o da interleucina-1

beta, proteína do sistema de defesa do organismo produzida em inflamações. Logo após a cirurgia, as células da jugular dos ratos passaram a fabricar cerca de 20 vezes mais inter-leucina-1 beta do que essa veia mantida sob pressão e fluxos baixos de sangue. “Esse ambiente favorece o desenvolvimento de aterosclerose [acúmulo de placas de gordura nas paredes dos vasos], que pode ser agravado quando as taxas de glicose e colesterol no sangue estão elevadas”, diz Ayumi. Durante os três meses do estudo os níveis dessa proteína se mantive-ram cinco vezes superior ao normal. Ayumi mediu ainda a taxa de interleucina-1 beta em pontes de safena de pessoas que haviam morrido de outras causas na primeira semana

> Artigos científicos

1. CAMPOS, L.C. et al. Induction of CRP3/MLP expression during vein arterialization is dependent on stretch rather than shear stress. Cardiovascular Research. abr. 2009.2.NEUKAMM, B. et al. Local TAT-p27Kip1 fusion protein inhibits cell proliferation in rat carotid arteries. Therapeutic Advances in Cardiovascular Disease. v. 2, p. 129-136. jun. 2008.3. BORIN, T. F. et al. Apoptosis, cell proliferation and modulation of cyclin-dependent kinase inhibitor p21cip1 in vascular remodelling during vein arterialization in the rat. International Journal of Experimental Pathology. v. 90, p. 328-337. jun. 2009.

depois da cirurgia de revascularização do coração ou entre um e cinco anos mais tarde. Verificou níveis mais elevados dessa proteína inflamatória, em especial na primeira semana após a operação.

Analisando o material genético desses indivíduos, ela e Krieger descobriram que os níveis mais elevados foram produzidos pelas pessoas que apresentavam uma alteração – a troca de uma única base nitrogenada, os tijolos da mo-lécula de DNA – na posição -511 das duas cópias do gene da interleucina. Quem tinha um gene normal e um alterado fabricava níveis intermediários e pessoas com duas cópias saudáveis, níveis baixos de interleucina. “Por modularem o nível de interleucina em safenas humanas usadas na função de artérias, essas variantes talvez sirvam como um marcador genético da evolução da ponte de safena”, afirma Krieger.

pesar desses resultados promissores, ainda serão ne-cessários anos de trabalho até que se obtenha um teste genético capaz de indicar a durabilidade da ponte de

safena. Enquanto avançam os experimentos para verificar a viabilidade do teste, a equipe do InCor pensa formas de controlar o funcionamento dos genes e prolongar os benefí-cios da cirurgia que usa a veia safena para substituir a função das coronárias doentes, problema que mata 7,2 milhões de pessoas por ano no mundo.

Eles já demonstraram que ao menos uma delas funciona. Usando bactérias, a equipe de Krieger conseguiu fabricar uma versão recombinante da p27, proteína da família da p21 também capaz de frear a reprodução celular. Em um experimento feito em parceria com as equipes de Ana Maria de Oliveira e Leandra Ramalho, da USP de Ribeirão Preto, o grupo do InCor implantou ao redor da carótida de ra-tos um anel de silicone que liberava lentamente a proteína alterada para penetrar mais facilmente nas células. Duas semanas após a cirurgia a multiplicação celular foi menor na artéria dos animais tratados com p27 recombinante do que na daqueles que receberam uma proteína inócua, de acordo com os dados apresentados em artigo na Therapeutic Advances in Cardiovascular Disease. “Essa é uma estratégia de intervenção que se mostrou capaz de controlar a reprodução celular apenas na região em que ela precisava ser bloqueada”, conta Krieger. A equipe do InCor planeja ainda usar proteí-nas associadas a stents, uma espécie de mola implantada no interior do vaso sanguíneo para mantê-lo aberto, ou balões como os usados em cateterismo para, se necessário, estimular ou inibir a reprodução celular e aumentar a durabilidade das pontes de safena. n

Pressão

elevada

e Produção

de altos níveis

de Proteínas

ligadas à

multiPlicação

celular

favorecem

o bloqueio

de Ponte de

safena usada

Para restaurar

o fluxo de

sangue Para

o coração

22 ■ junho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 160

Estratégias MUNDO>>

em 1953, mas que perdia espaço nos anos 1960 para a revista científica Science. Filho de um operário, Maddox formou-se em física, mas abraçou o jornalismo científico em meados dos anos 1950 contratado pelo jornal The Guardian. Na Nature, cercou-se de uma equipe jovem, reduziu os prazos de publicação, aproximando a revista da rotina dos jornais, saiu à procura de novidades nos grandes

Um relatório encomendado

pela Comissão Europeia com­

parou os obstáculos encon­

trados em 33 países para a

ascensão das mulheres na

carreira científica. A situação

revelou­se especialmente des­

favorável na Bulgária, Croácia,

Eslováquia, Eslovênia, Estônia,

França, Grécia, Hungria, Itália,

Lituânia, Luxemburgo, Polônia,

Portugal, República Checa e

Turquia. Tais nações do velho

continente emergem do do­

cumento O desafio de gênero

no financiamento de pesquisa,

como pouco ativas na criação

de políticas capazes de ajudar

as mulheres a se tornarem lí­

deres científicos. Entre os paí­

ses mais avançados nesse cam­

po destacaram­se a Finlândia,

a Suécia e a Noruega, onde as

mulheres compõem mais de 40% dos postos dos comitês de

agências de pesquisa. Num pelotão intermediário há nações

que tentam mudar suas políticas. A agência alemã DFG, por

exemplo, estabeleceu a igualdade entre gêneros como um ob­

jetivo estatutário desde 2002. A participação feminina, porém,

segue restrita. Entre 1999 e 2004 aumentou a proporção de

mulheres atuando como revisoras de projetos na DFG. Mas os

números são tímidos: elas eram 6%, agora são 9%. O documen­

to foi escrito por 17 especialistas, sendo 12 mulheres.

laboratórios e exigiu que os artigos científicos fossem reescritos até se tornarem legíveis e interessantes. Impôs o peer review, a pré-aprovação dos artigos por pares, mas eventualmente abria mão da arbitragem para publicar temas polêmicos. Também ficou famoso pelas intervenções demolidoras contra o criacionismo e os exageros ambientalistas.

> Empregos para pós­doutorandos

O governo japonês vai lançar um programa de US$ 5 milhões voltado para financiar empresas que contratem pós-doutorandos. O objetivo, de acordo com a Nature, é reduzir os índices de desemprego entre esse tipo de profissional altamente qualificado. O número de postos acadêmicos disponíveis para eles vem encolhendo desde os anos 1990, graças a uma política de racionalização do sistema universitário. Em fevereiro de 2009 havia 17.827 pós-doutorandos desempregados registrados na Agência Japonesa de Ciência e Tecnologia (JST). A indústria do país costuma recrutar estudantes de graduação. A JST quer oferecer dotações a cerca de cem empresas que contratem os pós-doutorandos.

> Vai e vem austríaco

O governo da Áustria voltou atrás na decisão de abandonar o Cern (Organização Europeia de Pesquisas Nucleares, na sigla em francês). No dia 8 de maio, o ministro da Ciência, Johannes Hahn, chegou a anunciar a saída do consórcio que mantém a iniciativa, após 50 anos de colaboração. O anúncio, feito a poucos meses do relançamento do LHC, o gigantesco acelerador

> O jornalista que renovou a Nature Sir John Maddox, morto aos 82 anos no dia 12 de abril, ajudou a moldar o moderno jornalismo científico. Diretor da revista britânica Nature em duas ocasiões, de 1966 a 1973 e de 1980 a 1995, Maddox resgatou o prestígio da publicação, célebre por anunciar descobertas importantes, como a da fissão nuclear, em 1938, e a da estrutura do DNA,

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Maddox: reformador

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PESQUISA FAPESP 160 ■ junho DE 2009 ■ 23

> Um polo no meio do golfo

O Bahrain apresentou um conjunto de projetos para criar um polo de inovação. Uma das iniciativas, batizada de @bahrain, congregará um instituto de pesquisa, um parque tecnológico e uma espécie de museu interativo de tecnologia, espalhados por uma área de 1 milhão de metros quadrados. Também será construída uma cidade da educação superior, que abrigará um consórcio de universidades da Alemanha, França, Itália e Suécia e poderá receber cerca de 20 mil estudantes em áreas como negócios, engenharia, artes e humanidades. Pequena ilha no golfo Pérsico com 700 mil habitantes, o Bahrain segue o exemplo de países como o Qatar e os Emirados Árabes, que criaram polos universitários em convênio com instituições estrangeiras.

de partículas criado pelo centro de pesquisa, mobilizou os cientistas austríacos. “É um dia triste para a ciência austríaca”, protestou Christian Fabjan, chefe do Instituto de Física de Altas Energias, em Viena. Pressionado, o chanceler Werner Faymann anulou a decisão dez dias depois e anunciou que a participação da Áustria no Cern seguirá inalterada. A justificativa para a saída era a contenção de despesas. O Ministério da Ciência queria usar os recursos antes destinados ao Cern, de cerca de € 17 milhões por ano, o equivalente a 2% do orçamento do laboratório, para compensar a perda de gastos privados em pesquisa básica, além de investir em outras colaborações internacionais.

> Artigos fantasmas

Dezesseis membros de um centro de pesquisa interdisciplinar sediado na Universidade de Göttingen, da Alemanha, estão sendo investigados por suspeita de fraude. Segundo o site da revista Der Spiegel, a universidade fez uma investigação preliminar e constatou que pesquisadores do centro declararam artigos científicos inexistentes

num relatório em que pediam a renovação do financiamento à DFG, principal agência de pesquisa alemã. O centro, que estuda a estabilidade da floresta tropical da Indonésia, foi agraciado em 2000 com €16,6 milhões por nove anos. Após o escândalo, o pedido de € 8,6 milhões suplementares

para os próximos três anos foi retirado pelos pesquisadores, que pediram desculpas à DFG por fornecer informações falsas. O centro integra um programa da agência que financia mais de uma centena de projetos de pesquisa colaborativa em temas variados, pelo generoso prazo de 12 anos.

A prisão na fronteira dos

Estados Unidos de um pes­

quisador vindo do Canadá

que portava 22 amostras

não infecciosas do DNA do vírus Ebola levantou dúvidas

sobre a segurança de laboratórios que guardam patógenos

perigosos. Konan Michel Yao, 42 anos, nascido na Costa

do Marfim e naturalizado canadense, resolveu procurar em­

prego nos Estados Unidos depois que expirou seu contrato

no Laboratório Nacional Canadense de Microbiologia, em

Winnipeg. Segundo a versão que apresentou à polícia, de­

cidiu levar as amostras para utilizá­las em pesquisas num

futuro emprego. A agência de saúde pública canadense só

soube do sumiço do material após a prisão. “Mas se tratava

apenas de material genético, sem risco infeccioso”, disse

Frank Plummer, diretor do laboratório, segundo o jornal

canadense National Post. Segundo ele, Yao nunca teve

acesso a patógenos perigosos, como os vírus da gripe suí­

na, do HIV ou do Ebola. Preso, Yao responderá a processo

por contrabando e declaração falsa às autoridades.

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24 ■ junho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 160

Estratégias MUNDO>>

disse Mark Diesendorf, da Universidade New South Wales, em Sydney. Maior exportador de carvão do planeta, a Austrália só ratificou o Protocolo de Kioto em 2007.

> Crítico punido

A demissão de um cientista venezuelano recolocou a discussão sobre os limites da liberdade acadêmica no país. O biólogo Jaime Requena, professor da Fundação Instituto de Estudos Avançados da Venezuela (Idea), foi demitido pelo diretor do órgão, Prudencio Chacón. Requena, que tem 40 anos de carreira e foi diretor do Idea nos anos 1980, diz que um trabalho de sua autoria e suas críticas ao governo Hugo Chávez motivaram a demissão. Recentemente, o biólogo trabalhou na análise da

nos próximos quatro anos. “Isso mostra o compromisso de usar a pesquisa como motor da recuperação da crise financeira mundial”, disse Ken Baldwin, presidente da Federação Australiana de Sociedades Científicas e Tecnológicas, de acordo com a TV pública ABC. Pesquisadores da área ambiental, contudo, criticaram a divisão do bolo, que estabelece investimentos em tecnologias limpas num nível tido como insuficiente. “Faltam políticas para desenvolver energias renováveis em larga escala”,

> Dinheiro inesperado

Os cientistas australianos comemoram um inesperado aumento de 25% nos gastos de pesquisa e educação do próximo ano. O orçamento de 2009/2010, apresentado ao Parlamento do país no início de maio, prevê a criação de fundos para renovar os laboratórios das universidades e incentivos fiscais para que o setor privado invista em pesquisa e desenvolvimento. As novas medidas contemplam recursos de US$ 4,3 bilhões

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produção científica venezuelana, avaliando a publicação de artigos em periódicos nacionais e internacionais. Concluiu que a produtividade é a menor dos últimos 25 anos. Em janeiro de 2008 ele já havia escrito uma carta, publicada na revista Nature, em que denunciava a falência do financiamento público para projetos científicos na Venezuela. Oficialmente, Requena foi demitido por conflito de interesses: teria recomendado a compra pelo Idea de um software desenvolvido por uma universidade privada na qual também leciona. Luis Carbonell, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Associação Venezuelana para o Avanço da Ciência, disse à agência SciDev.Net que o episódio é emblemático do cerco do governo à independência dos pesquisadores.

A áfrica do Sul obteve suces-

so em experiências controla­

das com uma variedade de

milho transgênico resistente

a um vírus, que pode se tornar

a primeira espécie genetica­

mente modificada desenvol­

vida no continente africano.

O êxito está servindo para

quebrar resistências dos go­

vernos e agricultores contra a

tecnologia, segundo artigo pu­

blicado na revista Newsweek.

Os africanos têm sido hostis

aos transgênicos, inspirados,

em boa medida, pela oposição

europeia à tecnologia. Mas o

temor de que as mudanças cli­

máticas causem problemas de

abastecimento começa a suavizar atitudes. "Os fazendeiros

e os cidadãos em geral dizem que não querem transgênicos,

mas também dizem que querem plantas resistentes a vírus”,

diz Rikus Kloppers, pesquisador da empresa de sementes sul­

­africana Pannar, que integra o grupo de pesquisa do milho

geneticamente modificado. "Quando eu digo que somos uma

empresa sul­africana, o preconceito diminui ainda mais.” Além

da África do Sul, outros cinco países do continente – Burkina

Faso, Egito, Quênia, Gana e Uganda – investem em pesquisas

sobre plantas transgênicas.

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PESQUISA FAPESP 160 ■ junho DE 2009 ■ 25

Estratégias brasil>>

academias brasileiras de Ciências (ABC) e de Letras (ABL), empresário, ex-ministro das Relações Exteriores (em 1992 e de 2001 a 2002) e do Desenvolvimento (1999), Lafer foi homenageado na categoria Empresário Empreendedor, na condição de presidente da FAPESP, cargo que assumiu em agosto de 2007. Ele ressaltou os reflexos do trabalho da Fundação na promoção da cidadania. “A FAPESP desempenha um papel fundamental na formação de recursos humanos, oferecendo bolsas desde a iniciação científica até pós-doutorado. Essas pessoas que se qualificam com as bolsas da FAPESP passam a ser pessoas que podem, pelo seu conhecimento, contribuir para o desenvolvimento

O Instituto Butantan inaugurou um novo Centro de Difusão

Científica. Dois pavilhões de arquitetura da década de 1930

foram transformados em áreas de exposição – sendo uma

o antigo paiol de madeira e o outro a antiga marcenaria,

que agora abriga, além de uma cafeteria, uma livraria e um

cinema voltados exclusivamente para a ciência. “O objetivo

é despertar o interesse de crianças, jovens e adultos para

o mundo da ciência”, disse o diretor da instituição, Otavio

Azevedo Mercadante. A restauração do local, ao custo de R$

1,49 milhão, foi resultado de uma parceria que envolveu, além

do Instituto Butantan, a Fundação Armando Álvares Penteado

(Faap) e a organização social civil de interesse público Ama-

Brasil. A concepção do projeto teve como objetivo preservar o

patrimônio e valorizar as características originais do edifício e

do paiol, reforçando as

estruturas de madeira e

a recuperação do sub-

solo. O projeto inclui a

Sala BNDES de Cinema,

com 70 lugares, adapta-

da para receber crian-

ças, adultos, idosos e

deficientes físicos e

dedicada à projeção de

filmes científicos com

narrativas que possi-

bilitem o entendimento

de todos os públicos. O

Centro de Difusão Cien-

tífica funciona na sede

do Butantan na zona

Oeste de São Paulo (Av.

Vital Brasil, 1500), de

terça-feira a domingo,

das 9h às 16h30.

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e para a responsabilidade social e política no nosso estado e no nosso país”, afirmou, ressaltando outras duas dimensões importantes das atividades da FAPESP. Uma delas é o apoio à pesquisa. “O conhecimento e a inovação são meios pelos quais ampliamos essa capacidade e, dessa forma, alargamos o horizonte da cidadania”, afirmou. A segunda são os programas estruturados que a Fundação lançou, como o Genoma-FAPESP, o de bioenergia (Bioen), o da biodiversidade paulista (Biota) e o de mudanças climáticas. “Tais programas cumprem um papel social relevante, pois o conhecimento que produzem servem e servirão de subsídio na formulação de políticas públicas”, disse Celso Lafer.

> A FAPESP e a cidadania

O presidente da FAPESP, Celso Lafer, foi um dos vencedores da 17ª edição do Prêmio PNBE de Cidadania, oferecido pelo Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) aos “cidadãos e entidades que praticaram ações significativas e que são

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O Centro de Difusão do Butantan: pavilhões reformados

exemplos nacionais de comportamento cidadão”. A premiação, que ocorreu na noite de 25 de maio em São Paulo, tem como base o Projeto Brasil 2022 “Do Brasil que temos para o Brasil que queremos”, lançado em 2003 pela entidade. Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), membro das

26 ■ junho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 160

Estratégias brasil>>

doenças ou para sintetizar compostos usados em medicamentos. “A clonagem é uma tecnologia sensível e estratégica. Nós não podemos simplesmente abrir mão de dominá-la”, disse Proença. O projeto mudaria a Lei de Biossegurança (11.105/05), que só faz restrições à clonagem humana. A proposta já havia sido rejeitada na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, e ainda será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

> Clonagem na berlinda

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara Federal rejeitou no dia 20 de maio um projeto de lei, de autoria do deputado Carlos Willian (PTC-MG), que propunha a proibição da clonagem de animais. O relator da proposta, o deputado Nelson Proença (PPS-RS), propôs a rejeição, com o argumento de que a clonagem de animais, realizada com fins científicos, traz benefícios para a humanidade. Proença citou como exemplos a produção de linhagens mais produtivas de gado, a partir de clones de um modelo selecionado, e o uso de animais geneticamente modificados para testar novas terapias contra

A Assembleia Legisla-

tiva do Estado de São

Paulo aprovou a Lei de

Proteção ao Cerrado, a

primeira criada por uma unidade da federação para este tipo

de bioma. Com isso, passam a vigorar em São Paulo critérios

mais severos que o do Código Florestal Brasileiro no que

diz respeito à utilização e preservação do Cerrado, como a

proibição, por exemplo, a qualquer tipo de intervenção em

áreas de Cerradão, em que a vegetação cobre mais de 90% do

solo. O bioma era responsável por 14% do território paulista

– hoje esse índice caiu para 0,84%. “A lei é uma excelente

iniciativa”, diz Carlos Alfredo Joly, professor da Unicamp e

coordenador do Programa de Pesquisas em Caracterização,

Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado

de São Paulo (Biota-FAPESP). “Além de ser muito pouco, o

que resta está altamente fragmentado em mais de 8.500

pequenos remanescentes que, em sua maioria, já perderam a

capacidade de conservar a fauna de grandes mamíferos, como

o tamanduá-bandeira, o veado-campeiro e o lobo-guará”,

afirma. A informação técnica sobre a composição florística

e status de conservação dos remanescentes de Cerrado pau-

lista foi gerada pelo Inventário Florestal da Vegetação Nativa

do Estado, feito pelo Instituto Florestal (IF) em parceria com o

Programa Biota-FAPESP, e os resultados do Projeto Temático

Viabilidade de conservação dos remanescentes de Cerrado do

estado de São Paulo, coordenado pelas pesquisadoras Marisa

Bittencourt, da USP, e Giselda Durigan, do IF.

PrOtEçãO AOCErrADO PAULIStA

> Unesp firma convênio

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) e o Banco Santander assinaram um convênio para financiamento de programas de ensino, pesquisa e extensão. Os recursos previstos são de R$ 12 milhões. De acordo com o reitor da Unesp, Herman Voorwald, que também é membro do conselho superior da FAPESP, as ações priorizadas no acordo são coerentes com o plano de desenvolvimento

institucional da universidade, que tem o objetivo de colocar a Unesp “entre as 200 melhores do mundo”. O programa Santander Universidades oferece bolsas de estudo a alunos de baixa renda, bolsas de pós-doutorado para docentes no exterior e para a mobilidade estudantil em universidades portuguesas e de outros estados brasileiros, além da doação de 4 mil financiamentos para o ensino, a distância, da língua espanhola. Outra iniciativa é o apoio financeiro às 44 empresas juniores da Unesp. Entre os projetos previstos no acordo está a Exposição China, a ser organizada pelo Instituto Confúcio, com sede na Unesp na capital paulista. A mostra tem por finalidade aproximar os brasileiros da cultura e da língua chinesa. As relações entre Brasil e China também são foco do programa Top 5 to China, em que estudantes e professores farão curso de verão na Universidade de Xangai Jiao Tong.

Cerrado: fragmentação

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liderada pela historiadora Letícia Nedel, que trabalha há três anos na instituição. “A iniciativa é consequência do aumento de nossas atividades do centro na capital paulista”, diz Celso Castro, diretor do CPDOC. Ele cita a participação de cursos de pós-graduação lato sensu em conjunto com a Escola de Economia da FGV de São Paulo, em Bens Culturais e em Cinema Documentário, e o projeto intitulado “Trajetória e pensamento das elites empresariais paulistas”, que envolve a criação de

Uma ferramenta disponível no

site www.prunter.com informa

o preço do álcool em postos de

combustível de todo o Brasil. As

cotações são as mesmas divulgadas pela Agência Nacional

do Petróleo (ANP) e às vezes têm alguma defasagem, mas

a ideia é que sejam atualizadas mais amiúde pelos próprios

usuários do serviço, que é gratuito. O site apresenta os pos-

tos distribuídos em mapas de ruas de cada cidade. O ícone

de cada posto pode receber a cor vermelha, se já tiver sido

autuado pela ANP, ou azul, se for isento de autuações. Um

clique nos ícones vermelhos também informa o número de

autuações recebidas. “Resolvi criar a ferramenta quando sou-

be pelos jornais que o posto em que eu costumava abastecer

havia sido autuado por adulteração”, afirma o economista

Dino Marchiori, um dos sócios da empresa de engenharia de

software que desenvolveu a ferramenta. “Descobrimos que

havia muita informação disponível, mas faltava divulgá-la de

uma maneira visualmente atraente.”

> De centro a faculdade

O Conselho Universitário da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aprovou a transformação do Centro Superior de Educação Tecnológica (Ceset) em unidade de ensino e pesquisa, que passará a se chamar Faculdade de Tecnologia. A criação da nova unidade não afetará a estrutura curricular em andamento, formada por quatro cursos de graduação e um de pós-graduação. Localizado em Limeira, o Ceset tem 1,5 mil alunos, 71 professores e 38 funcionários. O Ceset foi criado em novembro de 1988 para incorporar os cursos de graduação de tecnologia, inicialmente vinculados à Faculdade de Engenharia Civil de Limeira. Atualmente conta com cursos em período integral em tecnologia em telecomunicações, tecnologia em informática e tecnologia em saneamento ambiental e também oferece cursos noturnos. Em 2009 o Ceset iniciou a implantação do seu primeiro curso de pós-graduação, o Mestrado em Tecnologia, que engloba três linhas de

pesquisa: tecnologia para o ambiente, saneamento e construção; tecnologia para a informação, comunicação e instrumentação; e tecnologia para fenômenos e sistemas complexos.

> CPDOC chega a São Paulo

Criado em 1973 no Rio de Janeiro, o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas, abriu recentemente uma coordenação em São Paulo,

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um acervo de entrevistas filmadas. “Trata-se da mesma instituição, com os mesmos padrões e objetivos, apenas operando nos dois lugares”, diz Castro. Além de ministrar cursos em história e ciências sociais, o CPDOC abriga o mais importante acervo de arquivos pessoais de homens públicos do país, num total de 1,8 milhão de documentos. Entre eles destacam-se os dos presidentes Getúlio Vargas, João Goulart e Ernesto Geisel, todos disponíveis para consulta on-line no endereço <www.fgv.br/cpdoc>.

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Etanol: cotações em todo o Brasil

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PESQUISA FAPESP 160 ■ junho DE 2009 ■ 27

28 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

AvAliAção

Muito calor, pouca luzViés na interpretação de dados levanta debate sobre os atores envolvidos no aumento da produção científica brasileira

A produção científica do Brasil avança numa velocidade consistente desde os anos 1980, mas o anúncio do cres­cimento registrado no ano passado, feito pelo ministro da Educação, Fer­nando Haddad, acabou produzindo muito calor e pouca luz. Num evento

na Academia Brasileira de Ciências, no Rio, no dia 5 de maio, Haddad divulgou que o número de artigos indexados teria subido espetaculares 56% no ano. “Estamos vivendo um momento em que foi possível aumentar em mais de 50% a produção brasileira. Isso aconteceu graças ao trabalho do MEC e do Ministério da Ciência e Tecnologia”, disse o ministro, segundo o jornal Folha de S. Paulo. Os números, muito superiores aos obtidos até pela China, cuja produção cien­tífica é a que mais cresce no planeta, causaram perplexidade – e os especialistas de cienciome­tria, disciplina que busca gerar informações para estimular a superação dos desafios da ciência, foram os primeiros a buscar entender os núme­ros do ministro.

Na verdade, o aumento de 56% não espelhava o avanço da produção, mas, sim, era um refle­xo do crescimento do número de publicações brasileiras na base Web of Science, da empresa Thomson Reuters. Em 2006 elas eram 26. Essa quantidade passou para 63 em 2007 e para 103 em 2008. Uma análise em outras bases de dados, às quais o MEC também tem acesso, mostrou índices de crescimento igualmente importantes, mas muito aquém dos 56%. O Science Citation Index, também pertencente à Thomson Reuters, mas que não sofreu variações metodológicas sig­nificantes, apontou um crescimento de 15% no número de artigos científicos em 2008. Já a base

Fabrício Marques | ilustração Braz

política científica e tecnológica>

de dados Scopus, concorrente do Institute for Scientific Information (ISI) e mantida pela edi­tora Elsevier, contabilizou respeitáveis, porém mais realistas, 8,9%.

Em artigo publicado no dia 12 de maio na Folha de S. Paulo, o professor de química Rogério Meneghini, coordenador científico da biblioteca eletrônica SciELO, trouxe a público a gênese da interpretação exagerada dos dados: o que cresceu foi a visibilidade da pesquisa brasileira, impul­sionada pela inclusão de periódicos científicos nacionais, que tiveram a qualidade reconhecida pela Thomson Reuters. Meneghini registrou, em oposição ao anúncio feito pelo ministro, que esse avanço se deveu a um setor no qual o governo federal “investe de forma absolutamente inexpres­siva”, pois apenas 0,4% dos orçamentos da Coor­denação de Aperfeiçoa mento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão do Ministério da Educa­ção, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o equivalente a R$ 10 milhões em 2008, foram destinados a cerca de 240 revistas nacionais. “A única iniciativa brasileira para melhorar as suas revistas, além da dedicação dos editores, é o programa SciELO”, escreveu Meneghini. “O SciELO exerce no Brasil um papel semelhante ao do ISI, o de indexar as melhores revistas brasileiras, selecionadas por critérios de qualidade, mas vai além, pois disponi­biliza os artigos com textos completos em acesso aberto. Hoje são 205 revistas. É importante frisar que, das 103 revistas brasileiras indexadas no ISI, 81 estão na base SciELO. O orçamento executado do programa para 2009 é de R$ 2,5 milhões, 80% provenientes da FAPESP (recursos do estado de São Paulo) e 10% do CNPq (recursos federais)”, concluiu o professor.

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 29

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O imbróglio do anúncio não ofus­ca o fato de que a produção científica brasileira cresce num ritmo auspicioso. “O crescimento é tão expressivo que ficou atrás apenas da China, que cres­ceu 11% de 2007 para 2008. Ou seja, superamos o crescimento anual de paí­ses com histórico de forte expansão co­mo Índia, Coreia do Sul e Taiwan”, disse Eloisa Viggiani, gerente de produtos da editora Elsevier, responsável pela base Scopus. O SCImago Journal and Coun­try Rank coloca o Brasil em 15º lugar no ranking de países com maior pro­dução científica em 2007, num pelotão que reúne países com tradições aca­dêmicas e populações bem diferentes, como Holanda e Rússia (ligeiramente à frente) e Taiwan, Suíça e Suécia (logo atrás). O índice é um projeto conjunto entre o grupo SCImago, formado por pesquisadores de quatro universidades espanholas, e a Elsevier, proprietária da base Scopus. No ranking da Web of Science de 2008, divulgado pelo MEC, o Brasil aparece na 13ª posição, já à frente da Holanda e da Rússia.

Se a confusão gerada pelos núme­ros teve um mérito, foi o de estimular a discussão sobre as razões do cresci­mento. “Diversos são os motivos en­volvidos no aumento ou na redução da produção científica de uma nação, re­

gião, instituição e/ou de um indivíduo”, escreveu a cienciometrista Jacqueline Leta, professora da Universidade Fe­deral do Rio de Janeiro (UFRJ), num artigo em que comentou os números. Citando um press release elaborado pela Capes, Jacqueline enumerou motivos como o investimento em recursos hu­manos, por meio de bolsas, e o acesso dos pesquisadores e programas de pós­ ­graduação a periódicos internacionais. “Essas atribuições – que não são exclu­sivas da Capes – têm sido fundamentais para o pleno andamento da atividade no país e vêm sendo decisivas há mais de uma década”, disse.

Rankings - A contribuição de São Paulo para a produção científica bra­sileira é um dado fundamental para o debate. O estado, que produz a metade dos artigos científicos nacionais há três décadas, diferencia­se por abrigar três grandes universidades de pesquisa – duas delas, a USP e a Unicamp, são as únicas a figurar entre as 200 melhores do mundo em rankings internacionais – pelo volume de recursos investidos em ciência e tecnologia e também pela regularidade do investimento (ver qua-dro). A USP, com cerca de 2 mil dou­tores formados por ano, e a Unicamp, com cerca de 900, fazem mais doutores

do que, individualmente, qualquer uni­versidade norte­americana. A Unesp não fica muito atrás: em 2008 formou 765 doutores.

Há um certo consenso de que o crescimento do sistema de pós­gra­duação e da utilização de indicadores de produtividade internacionais para avaliá­los tem sido um motor impor­tante desse avanço, mas as variáveis que determinam o crescimento são multifa­cetadas e não se encaixam num sistema linear. Hernan Chaimovich, professor do Instituto de Química da USP e vice­­presidente da Academia Brasileira de Ciências, afirma que o crescimento re­cente dos investimentos federais não teve ainda um impacto mensurável na produção científica brasileira. Ele comparou as curvas de crescimento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno­lógico (FNDCT) com as da produção científica e constatou que, até 2003, a produção científica crescia apesar da irregularidade do FNDCT. “As duas curvas caminharam descoladas e só co­meçam a subir juntas a partir de 2003, diz Chaimovich.

O professor chama a atenção pa­ra outro fenômeno: o percentual de crescimento do número de doutores formados vem perdendo ritmo nos úl­timos dois anos, mas a produção cientí­fica não. Entre meados dos anos 1990 e 2003, a taxa média anual de crescimen­to do número de doutores era de 16%. De 2003 em diante, essa taxa passou a crescer a um patamar bem menor, de 4% ao ano. Isso, contudo, não ar­refeceu o vigor da produção científi­ca. “Pode­se afirmar que, durante um bom tempo, o aumento do número de doutores impulsionou o crescimento, mas no estado de São Paulo isso está chegando a um limite, além do que a produtividade, já altíssima, não tem tanto para onde aumentar”, afirma. Segundo ele, uma hipótese provável para a manutenção do crescimento, principalmente no exemplo paulista, é o avanço no número não de doutores, mas de pós­doutores – um dado novo na evolução da pesquisa brasileira. n

O crescimento da produção científica brasileiranúmero de artigos publicados em revistas indexadas na base Scopus

0

1998 2000 2002 2004 2006 2008

5

10

15

20

11.74613.768

16.205

32.269

25

30

35

FontE: ElSEViEr

19.916

27.121

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 31

Tecnologia dos institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, redes de excelência que seguem o modelo inaugurado, na década passada, pelos Centros de Pesquisa, inovação e Difusão (Cepids), da FAPESP. “Em qualquer ranking das maiores universidades brasileiras, a USP e a Unicamp estão na frente. Concentram grande quantidade de programas de pós-graduação e boa parte deles é muito bem avaliada pela Capes. vale registrar o aumento exressivo da produtividade da Unesp nos últimos anos”, afirma Pereira. Ele lembra que as universidades federais de São Paulo, como a Unifesp e a UFSCar, embora tenham uma contribuição de alta qualidade, ostentam uma produção em escala menor do que as estaduais. “A mais recente delas, a Federal do ABC, se abasteceu de docentes que, em sua maioria, foram formados nas estaduais”, diz.

Hernan Chaimovich, professor do instituto de Química da USP, destaca a situação peculiar das universidades estaduais paulistas em relação ao conjunto das universidades federais. “Já faz 20 anos que USP, Unicamp e Unesp tornaram-se autônomas. E elas tomaram a decisão de se converterem em universidades de pesquisa”, diz Chaimovich, lembrando um episódio que marcou profundamente a USP: a divulgação pela mídia, em 1988, de uma relação de professores sem produção acadêmica no período anterior, a chamada “lista dos improdutivos”. “A lista teve um efeito importante na universidade, que foi a consolidação da ideia de que a USP não podia ter gente que não produzisse conhecimento. Esse espírito permeou as universidades estaduais paulistas e a isso se somou a pressão da avaliação da Capes”, diz Chaimovich. o professor adverte que não pretende desprezar a contribuição federal à ciência paulista. “Mas somente com a ela São Paulo jamais manteria esse ritmo de inserção”, avalia. o professor diz que esse panorama pode mudar. “o peso relativo de São Paulo na pesquisa brasileira poderá diminuir se esse tipo de ambiente consolidar-se em outros estados e nas universidades federais. o Rio de Janeiro aumentou significativamente seus recursos para pesquisa. Seria ótimo se essa proporção mudasse, mas, a exemplo do que ocorreu em São Paulo, é preciso que o investimento seja regular para que seus efeitos sejam sentidos”, afirma.

Dados do Science Citation index mostram que, apesar do crescimento expressivo da produção científica nacional nos últimos 30 anos, uma variável manteve-se estável: São Paulo tem sido o responsável pela metade dos artigos publicados por pesquisadores brasileiros. Era assim em 1980, quando São Paulo foi responsável por 1.090 dos 2.215 artigos brasileiros. E continuava assim em 2008, quando 9.513 dos 18.783 artigos nacionais foram feitos em São Paulo. Há uma série de razões por trás desse fenômeno – nenhuma delas dá conta de explicá-lo sem a ajuda das outras. Dinheiro, sem dúvida, tem sido importante. Mas em São Paulo 70% do investimento público é feito com recursos estaduais, e somente 30% do dinheiro vem do governo federal. Da mesma forma, outras unidades da federação criaram suas fundações de amparo à pesquisa e engajaram-se com mais afinco na produção de conhecimento. Nem assim o peso proporcional de São Paulo sofreu algum tipo de abalo. “Há outros elementos tão ou mais importantes que o dinheiro, como universidades estaduais muito estáveis em São Paulo, uma política de qualificação num estágio bem mais avançado que o das universidades federais, além de um apreço pelos valores acadêmicos que está na institucionalidade das universidades e institutos de pesquisa paulistas”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. “E até hoje as universidades federais não têm autonomia de verdade, diferentemente do que ocorre com as estaduais de São Paulo”, diz.

De acordo com o físico Daniel Pereira, pró-reitor de Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) entre 2004 e 2009, a dianteira paulista se deve a uma conjunção de fatores, que vão da regularidade do financiamento à pesquisa desde 1962, ano da fundação da FAPESP, à formação de recursos humanos muito qualificados concentrados nas universidades do estado. “A existência da FAPESP é um dado fundamental”, diz ele, referindo-se à parcela de 1% da receita tributária do estado de São Paulo investida regularmente em pesquisa. “A FAPESP influencia também pelas decisões de política científica que toma”, afirma o professor, citando como exemplo o recente lançamento pelo Ministério da Ciência e

A contribuição de São Paulo Por que o estado produz a metade dos artigos brasileiros

Um em cada dois Evolução da participação de São Paulo na produção científica brasileira (%)

0

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

10

20

30

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Fon

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32 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

AvAliAção

A escala da discórdianovos critérios do Sistema Qualis, da Capes, recebem críticas da comunidade científica

Setores da comunidade científica receberam com críticas as mudanças no Sistema Qualis, ferramen-ta usada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para clas-sificar os periódicos nos quais os programas de pós-graduação publicam sua produção científica. Enquanto o sistema de categorização anterior di-

vidia os veículos segundo sua circulação (local, nacional e internacional) e a sua qualidade (A, B, C), a nova escala é formada por oito estratos (A1, A2, B1 a B5 e C). O estrato C tem peso zero. A avaliação da qualidade da produção passa a ser medida primordialmente pelo fator de impacto (FI) dos periódicos, independentemente do âmbito da sua circulação. O FI, utilizado como ferramenta de avaliação desde os anos 1960, busca medir o impacto científico de uma publicação levando em conta o índice de citação dos trabalhos publicados em outros artigos.

O denominador comum das críticas vincula-se ao peso exagerado que o fator de impacto passa a ter na classificação da Capes e seus efeitos sobre publicações mal avaliadas – é previsível que elas passem a ser evitadas pelos pesquisadores e tenham ainda mais dificuldade em se consolidar. A reação mais contundente veio da área de química. Em novembro de 2008, o Fórum de Coordenadores de Pós-graduação em Química reuniu-se em Ribeirão Preto, interior paulista, com uma agenda que incluía a discussão da avaliação dos cursos. Após dois dias de debates, foi divulgada uma moção que considerou “inadequada” a nova classificação da Capes. Em sua primeira edição de 2009, a revista Química Nova, vinculada à Sociedade Brasileira de Química, reforçou a posição assumida pelo fórum. Um editorial assinado por dois dos pesquisadores da área mais produtivos do país, Fernando Galembeck, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Jailson Bittencourt de Andrade, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ao mesmo tem-po que ressaltava a importância da avaliação expunha o descontentamento com a mudança no Qualis.

De acordo com o editorial, a valorização excessiva da visibilidade e da inserção internacional dos periódicos, medida pelo FI, promove diferenciações artificiais entre

publicações de subáreas da disciplina. “Considerando-se uma área específica como a química, a comparabilidade entre os periódicos utilizando o fator de impacto (FI) incorre em sérios des-vios. Por exemplo, o periódico Inorganic Chemistry dificilmente apresentará um FI maior do que Analytical Chemistry, o que não significa que não haja artigos de excelente qualidade nas duas disci-plinas. Simplesmente a visibilidade das inovações metodológicas analíticas em outras disciplinas é maior do que a da química inorgânica”, escreveram Galem-beck e Andrade.

De acordo com Andrade, a Capes deveria sofisticar seu esquema de ava-liação. “O sistema brasileiro de avalia-ção tem sido muito importante para elevar a qualidade da pós-graduação, sou inteiramente favorável a ele”, afir-ma o professor. “Mas o fator de im-pacto não é uma medida absoluta de qualidade. É preciso criar um sistema mais complexo, que dê um peso maior a outros indicadores, como, por exem-plo, o destino dos egressos dos progra-mas de pós-graduação. Há programas cujos doutores não conseguem depois ser aprovados em concursos de profes-

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PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 33

O editorial da Química Nova reper-cutiu em outras das chamadas ciências duras. No Boletim da Sociedade Brasileira de Física, Silvio Salinas, professor do Ins-tituto de Física da Universidade de São Paulo, endossou a crítica. “Francamente, acho que atingimos um limite perigoso, que coloca em risco o próprio conceito de avaliação. Por exemplo, o que signi-fica classificar Physical Review D como A2 e Physical Review B como B1? Por acaso os particuleiros são melhores do que os solidistas?”, pergunta o professor. “Acho que está na hora de refletir sobre essa numerologia, que pouco a pouco se acentua em todas as áreas, impulsio-nada pelas facilidades da informática e por uma vaga ideia de globalização. Será que a numerologia vai mesmo substituir a avaliação dos pares?”, diz Salinas.

O professor da USP toca num pon-to-chave, que é a utilização cada vez mais recorrente de critérios bibliomé-tricos como ferramentas de avaliação. Eles vêm substituindo sistemas mais complexos, como a avaliação por pares (peer review), na qual os membros de uma comunidade acadêmica mensu-ram a qualidade de um determinado trabalho, como faz a FAPESP na ava-liação dos projetos de pesquisa que financia. A discussão é internacional. O Reino Unido, por exemplo, planeja a substituição de Research Assessment Exercise (RAE), que periodicamente avalia a qualidade da pesquisa de suas universidades e orienta a distribuição de recursos e é baseado primordial-

mente em peer review. No lugar, deve surgir um sistema mais simples e ba-rato, que utilizará mais crítérios biblio-métricos como o fator de impacto, mas preservará uma boa dose de peer review (ver Pesquisa FAPESP nº 156). O for-mato do novo sistema ainda está em construção e inspira controvérsias na comunidade acadêmica britânica. No início do ano, editores de publicações internacionais da área de humanidades e ciências sociais lançaram um mani-festo insurgindo-se contra uma pro-posta da União Europeia que buscava categorizá-las em três escalas segundo seu fator de impacto e disseminação. A ideia da escala acabou abandonada (ver Pesquisa FAPESP nº 157).

Rogério Meneghini, que é coorde-nador científico da biblioteca eletrônica SciELO Brasil, explica que a utilização crescente de indicadores bibliométri-cos deve-se à necessidade de avaliar uma produção científica que cresce em ritmo veloz. “O fator de impacto é uma ferramenta adequada para ava-liar a produção acadêmica de grupos de pós-graduação, pois mesmo desvios para cima ou para baixo que possam surgir na avaliação de cada pesquisa-dor são compensados quando se vê o grupo inteiro”, afirma. Lívio Amaral, da Capes, acrescenta: “O uso do Qua-lis Periódicos é totalmente inadequa-do na avaliação de pesquisadores. Ele se destina à análise de programas de pós-graduação, e não de pesquisadores individualmente”.

Condenação - Um grande risco embu-tido na mudança do Qualis, dizem seus críticos, é a condenação de publicações importantes, mal avaliadas por razões que vão da periodicidade irregular à escassez de recursos. É razoável supor que elas sejam menos procuradas por pesquisadores de peso e mergulhem

ma

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sores das universidades públicas. Esse indicador fala mais sobre a qualidade do que o número de papers publica-dos”, afirma.

Limite – Lívio Amaral, diretor de ava-liação da Capes, diz que a mudança foi necessária porque a escala adotada anteriormente perdera sua capacidade de discriminar os programas de pós-graduação. “Deve-se sempre enfatizar que a avaliação dos programas de pós-graduação considera um conjunto de indicadores e que o Qualis Periódicos aplica-se apenas a um deles, o que se refere à produção intelectual”, disse Amaral. Ele argumenta que a estrati-ficação foi realizada por cada uma das 47 coordenações de áreas da Capes e que nem todas elas trabalham com FI. Também lembra que essa medida é atribuída por um conjunto de pro-cedimentos independentes da agência. “Como sabemos, para que uma dada revista tenha um fator de impacto, ela deve ser indexada e analisada no ISI-Thomson. Uma vez atribuído um fator de impacto, ele é um e um só, seja no Brasil, seja em qualquer outro país no mundo”, afirmou.

34 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

num círculo vicioso de perda de pres-tígio. O zoólogo Miguel Trefaut Ro-drigues, professor do Instituto de Bio-ciências da USP, dá exemplos em sua área. “Não posso aceitar a ideia de que publicações tradicionais e de alta pe-netração e respeito internacional como Arquivos do Museu Nacional, Boletim do Museu Nacional, Arquivos de Zoolo-gia, Boletim do Museu Goeldi e algumas publicações novas com corpo editorial de alta qualidade venham listadas com B5, ao lado de panfletos e jornalecos de divulgação feitos por amadores”, disse Trefaut. Ele lembra que algumas dessas publicações não têm índice de impacto porque sua periodicidade é irregular, mas tiveram e mantêm uma importân-cia significativa no desenvolvimento da ciência brasileira.

A falta de periodicidade, ele explica, se deveu sobretudo à escassez de recur-sos, mas elas serviram para informar a comunidade internacional sobre avan-ços do conhecimento, como a descri-ção de novas espécies, uma etapa que já não existe mais nos países de Primeiro Mundo que já têm a fauna conhecida. “Trata-se de uma completa falta de visão da realidade da ciência brasileira. Não estamos no Primeiro Mundo. Se hoje temos excelentes bibliotecas zoológicas com coleções completas de periódicos estrangeiros no Museu de Zoologia da USP, foi graças à permuta que fizemos com as publicações internacionais, uti-lizando nossas revistas como moeda de troca. Isso e o elevado conceito que ain-da têm revelam a importância que elas tiveram no avanço da ciência nacional. Vamos jogar isso no lixo?”

A socióloga da ciência Lea Velho, professora da Universidade Estadual de Campinas, chama a atenção para o im-pacto que a perda de prestígio das pu-blicações pode acarretar. “Na maioria dos campos do conhecimento há uma diversidade de paradigmas e publica-ções que os contemplam – um econo-mista marxista não publica seus papers em periódicos de orientação neoclássi-ca, por exemplo. O risco é tirar a voz de paradigmas minoritários e exigir que se publique tudo no chamado mainstre-am. Isso é uma loucura para a ciência”, afirma. Segundo a professora, as áreas multidisciplinares são especialmente afetadas pelos critérios da Capes. “Há um discurso segundo o qual a multidis-

ciplinaridade é o caminho a ser segui-do, pois enfrenta os problemas da vida real. Mas os pesquisadores dessa área publicam em periódicos novos e pouco citados, porque suas comunidades são ainda pequenas e incipientes. O viés da Capes é notadamente disciplinar: quem quiser ser bem avaliado terá que publi-car em áreas consolidadas”, afirma Lea Velho. Ela faz outra ressalva: pesquisas de interesse apenas regional também sairão perdendo. “Já há uma tendên-cia na pesquisa agrícola de prestigiar temas de interesse internacional em detrimento da solução de problemas da agricultura nacional, que sempre foi a tônica do Brasil nessa área.”

Falta de critério - Rogério Meneghini faz uma crítica à falta de critério na po-lítica de avaliação da Capes. “A maioria dessas publicações contou nos últimos anos com apoios financeiros do governo federal, como os editais do CNPq. A mu-dança na avaliação prejudica esse inves-timento”, afirma. Segundo ele, o impacto alcançado por publicações de muitos países desenvolvidos se deve ao incen-tivo para que as publicações melhorem. Isso vem sendo feito no Brasil por meio da SciELO, financiada pela FAPESP, que

estimulou a adoção de normas rígidas de qualidade pelos periódicos e os tornou mais visíveis, graças a um sistema de acesso aberto. “As publicações da SciE-LO beneficiaram-se enormemente desse estímulo”, afirma Meneghini.

Em carta enviada ao presidente da Capes, Jorge Guimarães, no final de maio, 78 pesquisadores de botânica e zoologia reclamaram do rebaixamen-to de periódicos de suas especialidades pelo novo Qualis, apesar dos esforços feitos para melhorar a sua qualidade. “Nesse sentido, apontamos como um caminho alternativo para as revistas nacionais o uso pela Capes do sistema SciELO, que vem avaliando e monito-rando há anos o parque de revistas cien-tíficas brasileiras”, diz o manifesto, en-caminhado à Capes por Rodney Rami-ro Cavichioli, presidente da Sociedade Brasileira de Zoologia. Hussam Zaher, professor do Instituto de Biociên cias da USP e um dos coordenadores do manifesto, diz que a Capes, ao adotar um sistema de avaliação que privilegia um parâmetro, acaba decidindo sozi-nha sobre uma seara que diz respeito a outros atores, caso, por exemplo, do Ministério da Ciên cia e Tecnologia. “O cenário é muito complexo e não pode ser gerenciado de uma forma simplista. Não devemos rejeitar avaliações – o que pedimos é que o sistema seja bem pen-sado, bem articulado”, diz o professor, que é editor das revistas do Museu de Zoologia da USP. “Gostaria de ver um sistema que qualificasse nossas revistas e nos ajudasse a competir. Esse sistema vai levar à extinção de publicações. Não acho que seja salutar reduzir a possi-bilidade de expressão da comunidade científica brasileira”, afirmou.

Mas há países, diz Rogério Mene-ghini, que seguem uma estratégia di-ferente. Ele cita exemplos como o da Suécia ou da Holanda, que pouco se preocupam com a manutenção de suas publicações, mas têm uma estratégia clara de cultivar editores nos comitês das publicações internacionais. “Quem está nesses comitês tem poder de deci-são, e isso se traduz na aceitação dos bons artigos publicados no país. Mas o número de editores brasileiros em pu-blicações internacionais ainda é muito pequeno”, afirma Meneghini. n

Prevê-se que

publicações

rebaixadas pelo

Sistema Qualis

sejam menos

procuradas por

pesquisadores

de peso e

mergulhem num

círculo vicioso de

perda de prestígio

Fabrício Marques

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 35

Mudanças cliMáticas

Programa da FAPESP anuncia os projetos contemplados em sua primeira chamada de propostas

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Lançado em agosto de 2008, o Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais anun-ciou em maio os resulta-dos de sua primeira cha-mada de projetos. Foram

selecionadas dez propostas, que envolvem temas vinculados às di-mensões humanas das mudanças climáticas, a seus efeitos nos sis-temas naturais e a estudos aplica-dos, sobretudo na área agrícola. “Trata-se de um excelente elen-co de projetos, que representam de forma equilibrada as várias vertentes de pesquisa que que-remos trilhar”, diz o meteorolo-gista Carlos Nobre, coordenador do programa e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O programa, que terá duração de dez anos, é o maior e mais articulado esforço multidisciplinar já feito no Brasil para ampliar o conhecimento a respeito das mudanças climáticas globais. Serão investidos R$ 100 milhões nos próximos dez anos – ou cerca de R$ 10 milhões anuais – na articulação de estudos bá-sicos e aplicados sobre as causas do aquecimento global e de seus impactos sobre a vida das pessoas. A ideia é lançar uma ou duas cha-madas de propostas a cada ano, a ponto de ter um cardápio de 40 a 50 projetos nos próximos cinco anos. “Alguns temas que não apa-receram nessa primeira chama-da, como o impacto nos oceanos, certamente estarão presentes nas próximas. Não daria para esgotar todos os temas logo no primeiro conjunto de projetos”, explica No-bre. O programa, marcadamente interdisciplinar, busca estabele-cer pontes entre ciências sociais e naturais, ambas essenciais para a compreensão do assunto.

Os recursos para as propostas contempladas são provenientes de uma parceria da FAPESP e do Mi-nistério da Ciência e Tecnologia, por intermédio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Parte dos projetos busca en-tender os efeitos das mudanças climáticas nos sis-temas naturais, como nas chuvas, na distribuição de aerossóis ou no ciclo de carbono de rios. Rey-naldo Luiz Victória, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), do campus Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo em Piracicaba, lidera um grupo de pesquisadores que vão analisar o papel dos rios nos ciclos regionais de carbono. Seu pro-jeto terá interface com um outro, coordenado por Humberto Ribeiro da Rocha, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, e voltado para quantificar os ciclos de carbono e da água em três biomas, a Floresta Amazônica, o Cerrado e a Mata Atlântica, e em dois agroecossiste-mas, as plantações de cana e de eucalipto. “Na Ama-zônia, em projetos anteriores, realizamos medições de campo em sítios experimentais, de forma local. Agora queremos fazê-las em escala maior, sobre toda a bacia”, diz Rocha. “Devemos analisar o que entra, o que sai ou fica de carbono na Amazônia, por meio de uma série de abordagens, como medições das con-centrações dos gases estufa com sensores a bordo de aeronaves, em áreas de rios, em áreas de terra firme, utilizando uma combinação de modelos calibrados assimilando os dados de campo”, afirma. O outro foco será em mesoescala, por meio do estudo dos regimes hidrológicos de várias bacias, para investigar de que forma o uso da terra, incluindo tipo de vegetação e manejo, pode melhorar a oferta de água e sua quali-dade. A meta é discernir como os prováveis efeitos do aquecimento global e das mudanças de uso da terra podem interferir na escassez de água, tanto para a captação como para a umidade do solo disponível para culturas agrícolas.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP, vai intensificar uma linha de investigação a que se dedica há bastante tempo: os efeitos no clima re-gional das partículas de aerossóis emitidas no Brasil. Os aerossóis podem ser formados naturalmente pelas florestas ou gerados e emitidos pela ação humana, como a queima de combustíveis fósseis ou o desmata-mento – e tem influência sobre o clima, em fenômenos como o da formação de nuvens. O projeto terá como enfoque a Amazônia e o Pantanal. “Estudaremos as propriedades físicas e químicas das partículas e seus

36 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

efeitos no balanço de radiação atmos-férica, seus efeitos nos mecanismos de formação e desenvolvimento de nuvens e os impactos no ciclo hidrológico”, diz Artaxo. Segundo ele, os dados serão levantados ao longo de dois anos por meio de estações de amostragem: uma próxima a Manaus, outra perto de Al-ta Floresta e Sinop, que são fronteiras de desmatamento, e uma terceira no Pantanal. “Vamos medir com detalhes inéditos as propriedades ópticas e radia-tivas das partículas de aerossóis e seus efeitos na formação de nuvens”, afirma o pesquisador. O estudo terá um com-ponente de sensoriamento remoto, com a análise por satélite da distribuição de partículas no Brasil, e buscará desen-volver modelos avançados que contem-plem os efeitos dessas partículas nas mudanças climáticas no país. “Também faremos experimentos com um avião Bandeirante do Inpe na Amazônia e no Pantanal para que possam medir o impacto dessas partículas nas proprie-dades das nuvens”, completa Artaxo. O projeto é a continuidade do trabalho do Instituto do Milênio da Amazônia, que foi coordenado por Artaxo, e de um trabalho de modelagem desenvolvido pelo Inpe nos últimos dez anos. “Espe-ramos contribuir para a construção de um novo modelo climático brasileiro, aperfeiçoan do o componente das partí-culas dos aerossóis no clima”, afirma. O projeto envolve pesquisadores de vários grupos da USP, do Inpe, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).

arlos Arturo Navas, professor do Instituto de Biociências da USP, vai coordenar um projeto que busca

identificar até que ponto a capacidade de ajuste fisiológico da fauna silvestre seria compatível com regimes de chu-vas e temperatura alterados pelas mu-danças climáticas, particularmente da perspectiva dos eventos extremos. Há tempos Navas investiga a plasticidade da fisiologia da fauna, ou seja, a sua ca-pacidade de ajuste e adaptação ao longo de gradientes ambientais – para enten-der, por exemplo, como uma população típica da base de uma montanha pode dar origem a populações em zonas de maior altitude. No ano passado, Navas concluiu um projeto temático sobre esse

assunto. “Há cerca de quatro anos me dei conta de que esse know-how de pes-quisa teria utilidade também em relação às mudanças climáticas. E notei, ainda, que não estava sozinho, pois há pesqui-sadores dos Estados Unidos e da Europa debruçados sobre o mesmo desafio. A fisiologia desenvolveu ferramentas que têm muito a contribuir com a pesquisa em conservação e mudanças climáticas”, afirma Navas. “Nosso objetivo é estudar fisiologia animal no contexto de extre-mos climáticos, por exemplo de tem-peratura, para entender e até antecipar como populações animais poderiam responder às mudanças climáticas.”

lguns projetos contemplados na primeira chamada seguem uma direção mais aplicada, buscando

compreender como sistemas biológi-cos em áreas cultivadas, como cana-de- -açúcar, soja e eucalipto, interferem nos padrões de emissões de gás carbônico. Siu Mui Tsai, pesquisadora do Cena-USP, é a responsável por um projeto que busca monitorar a diversidade e as atividades funcionais de microrganis-mos impactados pelo desmatamento e as mudanças do uso da terra em culti-vos de soja e de cana-de-açúcar. O im-pacto na atmosfera da Região Sudeste do lançamento de material particulado – partículas muito finas de sólidos e lí-quidos suspensos no ar – será abordado pelo projeto do pesquisador Arnaldo Alves Cardoso, professor do Instituto de Química de Araraquara, da Unesp. “Nossa região é muito impactada por queimadas de cana, mas ainda faltam estudos que mapeiem o lançamento de material particulado na atmosfera proveniente de diferentes fontes, como cidades, indústrias e outras etapas do processo agroindustrial, e quais possí-veis consequências para o ambiente”, diz Cardoso. “Vamos analisar como compostos orgânicos e inorgânicos são incorporados ao material particulado, como isso afeta suas propriedades pa-ra atuar como nucleador de nuvens e como esse material particulado pre-sente na atmosfera interfere no regime natural de chuvas e na formação de descargas elétri-cas atmosféricas.

O programa busca

estabalecer pontes entre

as ciências sociais e as

naturais

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 37

nA

SA Queremos saber como as mudanças

na agroindústria, não só com relação ao tipo de cultura mas na forma como é feita, como a crescente mecanização da colheita de cana, irão afetar nos pró-ximos anos tanto a qualidade quanto a quantidade do material particulado atmosférico e prever quais possíveis efeitos sobre as mudanças climáticas em especial para o ciclo hidrológico”, afirma Cardoso.

O grupo de Newton La Scala Júnior, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal da Unesp, vai analisar o impacto de prá-ticas de manejo agrícola nas emissões de CO2 oriundas do solo em áreas de produção de cana-de-açúcar no inte-rior paulista. “Há aspectos distintos de emissão de CO2 do solo, principalmen-te nos sistemas agrícolas. Essa emissão varia no tempo e no espaço, é afetada pelo manejo, especialmente pelo pre-paro do solo. O objetivo é mapear o papel desse gás carbônico no efeito es-tufa”, afirma La Scala. O projeto é uma sequência de vários outros que o grupo de La Scala realizou na última década. Serão analisados solos utilizados para exploração agrícola no período em que ficam desprovidos de vegetação. Nessa etapa, o solo torna-se um emissor de CO2, pois não há vegetação presente e não ocorre fotossíntese. “O objetivo é avançar nosso entendimento sobre esse assunto. Diversos sistemas de ma-nejo interferem na perda de carbono e vamos caracterizar de forma mais in-tensiva as emissões. Também queremos gerar modelos que descrevam melhor a variabilidade das emissões”, afirmou.

endeu bons resultados a convoca-ção feita a pesquisadores para que estudem as dimensões humanas das

mudanças climáticas. Três dos projetos contemplados encaixam-se neste perfil. Um deles, liderado por Daniel Hogan, professor de demografia da Unicamp, vai mapear a vulnerabilidade de muni-cípios do litoral norte de São Paulo e sugerir políticas públicas que auxiliem na adaptação aos efeitos das mudan-ças climáticas. “Boa parte dos trabalhos que envolvem a perspectiva social das mudanças climáticas enfatiza os pro-blemas na Amazônia, mas a popula-ção urbana é que será a mais afetada com eventos climáticos extremos”, diz

38 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

Hogan. “Decidimos nos concentrar em cidades médias do litoral de São Paulo porque elas estão menos preparadas para enfrentar o problema do que as grandes cidades”, afirma. Elas deverão ser as primeiras afetadas por eventos extremos – o caso do furacão Catari-na, que atingiu a costa catarinense em 2004, é citado como um exemplo do que pode acontecer. Hogan lembra que a elevação do nível do mar, considerada inevitável, terá efeitos mais de longo prazo. “A principal questão, de início, deverá ser o aumento de intensidade das chuvas e do calor. Essas cidades têm uma estrutura bastante precária. Caso haja concentração de chuvas em tempos mais curtos, os problemas de drenagem e a desestabilização de encos-tas podem ser dramáticos”, diz.

m objetivo do projeto é identificar e qualificar grupos mais vulnerá-veis e ajudar a formular políticas

públicas, uma tarefa que, segundo ele, ainda está engatinhando no caso das mudanças climáticas. Municípios como Caraguatatuba, um dos alvos principais do projeto, vivem a antevéspera do que pode ser um grande salto de crescimen-to demográfico, impulsionado pela ex-ploração de petróleo e gás na bacia de Santos. “Como estão encravadas numa estreita faixa de terra entre serra e mar, qualquer acréscimo de população e de atividade econômica tem que ser visto com cuidado”, diz. O projeto irá estu-dar, além das dimensões humanas, as mudanças ecológicas que esse inchaço poderá causar, como a composição da flora da região, em parceria com pes-quisadores do Instituto de Biologia da Unicamp. “Mas não será em apenas quatro ou cinco anos de projeto que vamos dar conta de toda a necessida-de de pesquisa nesse campo. A meta é criar uma tradição de pesquisa, que viabilize mais trabalho interdisciplinar posterior”, diz o professor.

O professor Ricardo Abramovay, da Faculdade de Economia, Administra-ção e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), coordena um projeto que busca levantar os impactos socioeconômicos das mudanças climá-ticas também com o objetivo de ajudar na formulação de políticas públicas. A iniciativa terá várias frentes. Uma delas é a busca de ferramentas que ajudem a

melhorar a capacidade de previsão dos efeitos sociais e econômicos das mu-danças climáticas. “Os modelos atuais são precários, sobretudo na capacidade de fazer interagir todos os elementos envolvidos”, diz Abramovay. Outro foco será a análise da disposição do setor pri-vado de responder às mudanças climá-ticas. “Muitas empresas têm explicita-do intenções de reduzir as emissões de carbono em seus processos produtivos. Queremos saber se essas intenções são verdadeiras e quais são seus desdobra-mentos”, afirma o pesquisador. Outra frente será a análise dos processos de negociação que podem levar à forma-ção de mercados de negociação de cré-ditos de carbono, hoje muito instáveis. “Também vamos nos debruçar sobre questões decisivas, como a do consumo sustentável. A ideia é mapear como o modelo de produção e de consumo do mundo contemporâneo será afetado pelas mudanças climáticas”, afirma.

or fim, um projeto liderado pelo diretor-geral do Inpe, Gilberto Câ-mara, buscará identificar os atores

institucionais relacionados aos desma-tamentos da Amazônia e estudar os seus comportamentos, para construir cená-rios de impacto de políticas públicas. “Chamamos de atores institucionais os grupos organizados da sociedade que têm influência na ocupação e uso da terra na Amazônia. De forma pre-

liminar, esses atores incluem grupos como os grandes plantadores de soja e outras commodities, os criadores de gado, os pequenos agricultores, os ma-deireiros predadores, os madeireiros que cumprem as regras de manejo, os trabalhadores na indústria de madeira, os ambientalistas, os cientistas e os as-sentados”, diz Câmara. “Cada um desses atores procura influenciar os governos federal, estadual e municipal para be-neficiá-los, adotando políticas de seu interesse.” A hipótese do projeto é que todos esses estão representados na luta política. Dessa forma, a elaboração das leis que definem o uso da terra na Ama-zônia e seu cumprimento dependem da forca relativa de cada grupo de atores institucionais. “A mudança no Código Florestal em 1994, que alterou a área de proteção ambiental de 50% para 80% em propriedades privadas na Amazô-nia, foi uma vitória dos ambientalistas, causada pela taxa de desmatamento ter chegado a 29 mil quilômetros quadra-dos nesse ano. No entanto, os ruralistas, muito organizados politicamente, im-pediram que a lei fosse aplicada”, diz Câmara. Segundo ele, a grande variação anual das taxas de desmatamento não é bem explicada por modelos estatísti-cos, que tentam correlacionar preços de mercadorias com áreas desmatadas. “Estes modelos dizem o que aconteceu, mas são frágeis para construir cenários de futuro. Buscamos, com o projeto, um entendimento socioantropológico sobre os atores institucionais na Amazônia e o desenvolvimento de modelos que usem esse conhecimento para construir cená-rios realistas para a região.”

Está em fase de julgamento uma segunda chamada de proposta do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, voltada para criar o primeiro modelo climático brasileiro, um software capaz de fazer simulações sofisticadas sobre fenôme-nos do clima. Os resultados devem ser divulgados no início do segundo se-mestre. A secretaria executiva do pro-grama, instalada no Inpe em São José dos Campos, abrigará um banco de dados com os resultados científicos do programa, que terá a missão de difun-dir o conhecimento gerado e ajudar na formulação de políticas públicas. n

Fabrício Marques

Um banco

de dados com

os resUltados

do programa

ajUdará a

disseminar o

conhecimento

gerado pelos

pesqUisadores

PeSQUISA FAPeSP 160 n junho DE 2009 n 39

Mudanças cliMáticas

Esforço em três frentes

Acordo estimula colaborações entre pesquisadores de São Paulo, Pernambuco e França

AFAPESP e a Fundação de Am-paro à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) celebraram um ter-mo de cooperação científica e tecnológica para apoiar projetos realizados por pes-

quisadores paulistas e pernambucanos no campo das mudanças climáticas globais. O aporte financeiro será de R$ 4 milhões ao longo de cinco anos, divididos em partes iguais pelas duas fundações. Além da cooperação entre os dois estados, a iniciativa está aberta à cooperação científica com a França. A Facepe e a FAPESP negociaram com a Agência Nacional de Pesquisa da Fran-ça (ANR) um acordo para permitir o financiamento, pelas três agências, de projetos colaborativos entre cientistas franceses, pernambucanos e paulistas. A ANR poderá financiar a metade do valor daqueles projetos que atraiam a participação de pesquisadores da Fran-ça, ficando a FAPESP e a Facepe com a outra metade.

“A FAPESP tem celebrado acordos bilaterais com fundações de outros es-tados e com agências de financiamento internacionais, mas esse modelo tri-partite é uma novidade para nós”, dis-se Celso Lafer, presidente da FAPESP. “Trata-se de um modelo interessante para um tema, o das mudanças climá-ticas, que é global por excelência.” De acordo com Diogo Ardaillon Simões, presidente da Facepe, o acordo come-çou a ser gestado no ano passado, após Fabrício Marques

o lançamento do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climá-ticas Globais, que, entre vários objeti-vos, buscava mobilizar pesquisadores de várias partes do país e estabelecer parcerias com fundações de outros estados. “Quando a FAPESP lançou esse programa voltado para articular e aumentar a capacidade da pesqui-sa brasileira em mudanças climáticas, ficou claro para nós que Pernambuco deveria integrar-se a essa iniciativa “, disse Ardaillon. A oportunidade de envolver a França, segundo ele, surgiu mais tarde, com o lançamento de um edital da ANR que contemplava cola-borações internacionais em pesqui-sas sobre mudanças ambientais. Para Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, a articulação é essencial para a pesquisa em mudanças climáticas. “O tema requer a mobili-zação de grupos grandes de pesquisa-dores. Esperamos que os cientistas se articulem e respondam às chamadas de projetos”, afirmou.

O acordo envolve quatro temas de interesse específicos, como a detecção de mudanças climáticas oceânicas por meio do monitoramento do Atlântico, os impactos sobre os recursos hídricos no Semiárido de Pernambuco e no es-tado de São Paulo, as vulnerabilidades provocadas pela alteração no nível do mar e o mapeamento do uso e da co-bertura da terra, usando, entre outras, técnicas de sensoriamento remoto e modelagem matemática. “Buscamos

reforçar a musculatura de nossa pes-quisa em campos de pesquisa que te-rão impacto em Pernambuco, como o aumento do nível do mar”, disse Ar-daillon. “Recife já enfrenta problemas e é apontado como uma das cidades costeiras mais ameaçadas”, afirmou. A ANR quer investir em assuntos mais amplos que, contudo, não excluem os tópicos de interesse das duas fundações brasileiras. Uma chamada de propostas já foi divulgada. As propostas podem ser apresentadas até o dia 25 de junho, se envolverem cooperação com a ANR, ou até 13 de julho, caso se limitem à FAPESP e à Facepe. n

>

40 ■ junho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 160

laboratório mundo>>

que conduz a glicose às células de todo o corpo. Temporariamente, um pouco de estresse oxidativo – processo combatido por algumas vitaminas e que danifica as células – ajuda a evitar o diabetes tipo 2, causado pela resistência à insulina, concluíram pesquisadores das universidades de Jena, na Alemanha, e Harvard, nos Estados Unidos. Desse estudo, publicado em maio na PNAS, participaram 40 pessoas, metade delas com treinamento físico prévio, metade sem. Os dois grupos tomaram uma combinação de vitaminas C e E durante quatro semanas e passaram por exames de avaliação de sensibilidade da glicose à insulina.

As falhas geológicas res-

ponsáveis pelo soerguimen-

to dos Andes na Colômbia

entraram em atividade

há 25 milhões de anos, 18

milhões antes da data até

agora aceita para o início

da formação dessa parte

da cadeia montanhosa. Es-

sas conclusões resultam de

análises de minerais e grãos

de pólen do leste dos An-

des colombianos, que ainda

não haviam sido datados.

Essa parte da cordilheira é

mais antiga que os Andes

centrais, que começaram a

se formar há apenas cerca

de 10 milhões de anos, se-

gundo Maurício Parra, que

recentemente terminou o

doutorado na Universidade

de Potsdam, Alemanha, e se

mudou para a Universidade

do Texas, nos Estados Uni-

dos. Pesquisadores do Instituto de Pesquisa Tropical Smithso-

nian (STRI), no Panamá, e Ecopetrol, na Colômbia, participaram

desse estudo, detalhado no Geological Society of America

Bulletin. Saber quando os Andes se formaram é importante

para entender os movimentos mais remotos de animais e de

plantas e para os engenheiros procurarem petróleo, comentou

Carlos Jaramillo, cientista-chefe da equipe do Panamá.

Apenas exercícios físicos, sem doses adicionais de vitaminas, promove a longevidade e reduz o diabetes tipo 2. Ao contrário do que se pensava, os resultados negam que o estresse oxidativo seja um efeito colateral indesejado da atividade física vigorosa: ele é na verdade parte do mecanismo pelo qual quem se exercita é mais saudável. A conclusão é clara: nada de antioxidantes depois de correr.

> Gigantes e sociáveis

Uma parede de pedra escura pode ser um festim para paleontólogos e geólogos. É o caso das pedreiras estudadas por Artur Sá, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Portugal. Encontradas no geoparque Arouca, 50 quilômetros a sudeste da cidade do Porto, as paredes escuras são uma janela para um passado

> Quando vitaminas atrapalham

Consumir suplementos de vitaminas depois de praticar exercícios físicos pode reduzir a sensibilidade à insulina, o hormônio

Exercício: saudável até quando agride organismo

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Andes: sedimentos na base contam origem da cordilheira

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PESQUISA FAPESP 160 ■ junho DE 2009 ■ 41

remoto, cerca de 465 milhões de anos atrás. Nelas estão impressas marcas de centenas de trilobitas, artrópodes marinhos extintos há 250 milhões de anos. Em artigo na Geology, os pesquisadores contam ter encontrado ali cerca de 20 espécies desses animais, que embora já conhecidas pela ciência trazem novidades: são os maiores do mundo e foram preservados de maneira a tornar evidente que se reuniam em grandes grupos para se reproduzir e se escondiam em tocas durante os períodos mais vulneráveis depois das mudas, quando perdiam a carapaça rígida. Trilobitas costumavam ter cerca de 10 centímetros (cm) de comprimento, mas a equipe de Sá descreveu um fóssil quase completo com 70 cm e outro incompleto que, inteiro, talvez chegasse a 90 cm – um recorde. O grupo de pesquisadores portugueses e espanhóis interpreta o tamanho e comportamento daqueles trilobitas como adaptações a um ambiente frio e por vezes com pouco oxigênio.

> A morte da bezerra

“Ela vive no mundo da lua...” A sociedade não vê com bons olhos quem sonha acordado, o que agora se revela bastante injusto. Com um aparelho de ressonância magnética funcional, pesquisadores dos Estados Unidos e do Canadá encontraram atividade em várias regiões do cérebro de pessoas enquanto divagavam –inclusive áreas associadas

à resolução de problemas complexos. Na verdade, a mente de quem se perde em sonhos está mais ativa do que ao executar tarefas cotidianas. No estudo, publicado em maio na PNAS, voluntários eram instruídos a apertar um botão quando números aparecessem num monitor. Enquanto isso os pesquisadores monitoravam a atividade cerebral e o nível de atenção direcionada à tarefa. A equipe se surpreendeu ao ver, em momentos de distração, se ativarem não só as partes do cérebro ligadas à atividade mental de rotina como também as que entram em ação para lidar com questões mais fundamentais. E quanto menos consciente a pessoa estava da distração, mais ativas ficavam essas diferentes partes do cérebro. A melhor estratégia para resolver uma situação complicada pode ser executar uma tarefa simples e deixar a mente livre.

Macacos também precisam

controlar a gula na hora de

comer. Pelo menos os ma-

cacos-aranha bolivianos

(Ateles chamek) estudados

por Annika Felton, da Univer-

sidade Nacional Australiana

em Camberra. Durante um

ano, a pesquisadora passou

dias inteiros seguindo 15 ma-

cacos pela floresta no depar-

tamento Santa Cruz, na Bo-

lívia, registrando tudo o que

comiam e coletando amostras

dos alimentos, cujo conteúdo

nutricional depois analisou.

Os resultados, publicados na

Behavioral Ecology, mostram

que esses macacos regulam a

quantidade de proteínas que

consomem por dia, em vez de

comer o máximo pos-

sível como se acredi-

tava que os primatas

frugívoros fizessem.

Embora o ser humano

adote uma dieta bem

diferente, também

precisa dosar as pro-

teínas para evitar a

obesidade. As seme-

lhanças sugerem que

as origens evolutivas

da dieta são mais an-

tigas do que o surgi-

mento do homem. dIE

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Macaco-aranha: consumo dosado de proteínas

Trilobitas: comportamento fossilizado

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42 ■ junho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 160

laboratório brasil>>

XXIV Jornada Argentina de Paleontologia de Vertebrados. Outros pesquisadores já haviam encontrado paleotocas, mas as de Buchmann são as primeiras que não foram preenchidas por sedimentos. O diâmetro de até 2 metros dessas tocas, a maior parte delas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, permite que o pesquisador busque indícios da vida desses animais sem ter de rastejar.

A fama dos brasileiros

de viver de bem com a

vida pode ter fundamen­

to biológico. Isso se for

confirmada a influência

genética na tendência ao

otimismo detectada num

experimento feito na In­

glaterra. Nesse estudo, ao

olhar imagens positivas e

negativas, os voluntários

com determinada versão

de um gene apresentaram

tendência a contemplar

as primeiras e evitar as

segundas. O resultado

chamou a atenção do

neuro psiquiatra João Ri­

cardo de Oliveira, da Uni­

versidade Federal de Per­

nambuco, e da geneticista

Mayana Zatz, da Universi­

dade de São Paulo. Usan­

do um banco de dados de

que já dispunham, eles compararam a frequência desse gene

entre brasileiros e ingleses e viram que ele é 2,5 vezes mais

comum aqui do que na Inglaterra, conforme relatam em artigo

a ser publicado em breve na Molecular Psychiatry. O gene em

questão está ligado ao neurotransmissor serotonina, que tem

função importante em regular as emoções. Os pesquisadores

esperam que mais estudos aprofundem a compreensão das

bases biológicas do otimismo. Talvez esteja aí a explicação

para o Brasil ser o país do Carnaval e do futuro.

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Ali há marcas deixadas pela carapaça e pelas garras dos tatus, às vezes até com impressão dos pelos, que Buchmann copia com moldes de silicone para comparar a fósseis em museus. Ele acredita que os tatus-gigantes cavavam tocas perto de rios, com entrada de um lado do morro e saída do outro, em pontos altos para evitar inundações (Portal da Unesp).

> Caramujos na Grande São Paulo Não é só nos rincões mais distantes e pobres do Brasil que podemos contrair esquistossomose, doença causada pelo verme Schistosoma mansoni e transmitida por caramujos.

Josué de Moraes, do Instituto Butantan e da Universidade de São Paulo (USP), encontrou 909 caramujos Biomphalaria tenagophila, uma das espécies que podem transmitir o S. mansoni, em córregos e poças de duas vilas de Guarulhos, cidade vizinha a São Paulo ao lado da rodovia Presidente Dutra, a de maior circulação de veículos do Brasil. De acordo com esse trabalho, publicado na edição de março-abril da Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, um em cada cinco caramujos coletados (20% do total ou, em números absolutos, 183) carregava pelo menos um dos quatro tipos de vermes identificados que podem infectar o ser humano: o Cercaria lutzi e o Schistosoma mansoni foram os mais comuns (76,5% e 13,1%). Anfíbios, ratos e aves que entram em contato com a água em que os caramujos vivem podem facilitar a dispersão desses vermes, concluíram os pesquisadores.> Galerias

desabitadas

Passear por uma toca de tatu é tarefa impossível para uma pessoa adulta. Não para o paleontólogo Francisco Buchmann, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São Vicente. Ele descobriu mais de 60 túneis escavados por tatus-gigantes, extintos há cerca de 10 mil anos, como relatou em maio na

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Detalhe: forma larval de Schistosoma mansoni

PESQUISA FAPESP 160 ■ junho DE 2009 ■ 43

> Na terra do sol

Plantas da Caatinga não sofrem os distúrbios causados por desmatamento conhecidos como efeitos de borda. André de Melo Santos, da Universidade Federal de Pernambuco, e Bráulio Almeida Santos, da Universidad Nacional Autónoma de México, compararam o tamanho, a densidade e as espécies de arbustos adultos entre zonas na borda e no interior de um trecho de Caatinga no planalto de Borborema na Paraíba. Não encontraram diferenças. Em florestas fechadas o interior da mata é muito diferente da borda em termos de umidade e incidência de luz. Já na Caatinga a luz do sol passa à vontade por entre os galhos dos arbustos espinhudos, os cactos e as bromélias. E a (pouca) água disponível não varia. O resultado ajuda a orientar a preservação do ecossistema: na Caatinga corredores

estreitos já podem manter o trânsito de espécies animais e vegetais entre trechos separados por desmatamento (Acta Botanica Brasilica).

> Em casa, ou fora?

Homens que comem fora de casa podem ganhar peso, mas mulheres não. É o que mostra o estudo feito por Ilana Bezerra e Rosely Sichieri, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Um em cada dez pin-

guins que às vezes

chegam ao litoral bra­

sileiro carrega o vírus

influenza tipo A, a que

pertence o da gripe suí­

na, mas de baixa letali­

dade. De 2% a 3% dos

marrecos, maçaricos e

patos, que no final de

todo ano fogem do in­

verno do hemisfério

Norte e lotam as ilhas

do litoral brasileiro até

meados do ano, tam­

bém portam o vírus da

influenza quando vol­

tam. “São aves sadias,

que não adoecem por

causa dos vírus que

carregam”, diz Edison

Durigon, pesquisador

do Instituto de Ciências Bio­

médicas da Universidade de

São Paulo (USP), que coorde­

na um programa nacional de

monitoramento de vírus em

aves silvestres. As conclu­

sões, que resultam de análi­

ses de sangue e fezes, podem

alertar sobre o risco de vírus

mais perigosos chegarem às

pessoas, gerando epidemias

como a da gripe suína ou a da

gripe aviária, que começou na

China e recentemente causou

a morte de 200 pessoas no

Egito. Os resultados da equi­

pe da USP mostraram que

as aves migratórias não se

infectam aqui, como suspei­

tavam pesquisadores de ou­

tros países. “Elas já chegam

infectadas”, afirma Durigon.

Mesmo com o reforço de ou­

tros dois grupos, a equipe da

USP consegue analisar ape­

nas cerca de mil aves por ano,

capturadas na Amazônia, em

Recife, em Santa Catarina e

na Antártida. “Nos Estados

Unidos, 35 laboratórios esta­

duais e universidades fazem

testes para influenza em 50

mil a 70 mil aves migratórias

por ano.” Caatinga: muita luz chega ao solo

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que avaliou os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE (2002-2003), com 56.178 pessoas com idades entre 25 e 65 anos (Public Health Nutrition). Incluindo refrigerantes, lanches e refeições à mesa, homens comem fora com mais frequência do que mulheres, mas entre eles essa prática está associada a excesso de peso. Os resultados sugerem que quando comem fora as mulheres fazem escolhas mais saudáveis do que os homens.

Na praia: pinguins podem carregar vírus

44 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

AstronomiA

Explosões de outro mundo

Pesquisadora brasileira explora vulcões em luas de Saturno e júpiter

Vistos a distância por olhos desavisados, os corpos celes-tes parecem plácidos. Mas alguns deles estão repletos de vulcões, e só quem já presenciou a força de uma erup-ção sabe o que é sentir o chão tremer e ouvir explosões ensurdecedoras. Em certos vulcões é possível subir ao topo, cheirar o enxofre que emana da lava ardente e vê-la mover-se devagar dentro da cratera antes de se derramar

pela encosta. Mais emocionante do que isso, só uma viagem espacial. A opinião é da astrônoma Rosaly Lopes, pesquisadora do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, a agência espacial norte-americana. Ela conseguiu reunir as duas coisas: estudou vulcões terrestres e usa esse conhecimento para explorar – a distância – formações semelhantes em outros planetas. Entrou para o livro Guinness dos recordes por ser a maior descobridora de vulcões (encontrou 71 em Io, uma das luas de Júpiter) e agora ajuda a descrever vulcões que cospem gelo em Titã, de longe a maior das luas de Saturno, quase metade do tamanho da Terra.

Os vulcões de Titã estão sendo revelados pela missão Cassini, desde 2004 em órbita em torno de Saturno. A construção, o planejamento e o controle da missão estão a cargo do Laboratório de Propulsão a Jato, onde trabalham 5 mil pessoas – a maior parte engenheiros. A divisão de ciência, da qual Rosaly faz parte, tem cerca de 500 pesquisadores. “A cada um ou dois meses a nave Cassini passa perto de Titã”, conta Rosaly. Parte da função da astrônoma brasileira é planejar essas passagens e trabalhar com engenheiros que manobram a nave, fazendo pequenas alterações na órbita da Cassini para ajustar o ângulo de observação e determinando qual dos 12 instrumentos recolherá dados sobre a lua de Saturno.

Imagens dos primeiros quatro anos da missão dão indícios claros de atividade vulcânica recente em Titã, conforme dois artigos publi-cados este ano na Geophysical Research Letters. A base principal para as interpretações é o que se sabe sobre como funcionam os vulcões terrestres. Informações como a forma do vulcão, se ele é explosivo ou não, como o magma vem à superfície e como é a erupção ajudam a entender as imagens de novos vulcões encontrados em outras partes do Sistema Solar. Mas os vulcões de Titã têm uma diferença marcante, um

Maria Guimarães

titã: vista com lente olho de peixe pela sonda Huygens, a 5 quilômetros de distância

>ciência

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 45

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46 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

fenômeno conhecido como criovul-canismo. O que jorra das fraturas na superfície de gelo não é rocha derretida, mas sim água congelada, provavelmen-te misturada com amônia ou metano e com a consistência de um purê. “Água pura não conseguiria passar pela ca-mada de gelo, já que gelo boia na água”, explica Rosaly. A mistura diminuiria a densidade do líquido, que assim che-garia à superfície.

Por enquanto os pesquisadores ainda não viram vulcões ativos na lua de Saturno. O que enxergaram, com auxílio de um espectrômetro, foi uma mudança de brilho que tem a aparên-cia de fluxo vulcânico. Parece sutil, mas para Rosaly são indícios fortes que corroboram as imagens de radar que a Cassini obteve na primeira passa-

gem por Titã, em outubro de 2004. Em 2007 a pesquisadora já descreveu essas imagens como feições criovulcânicas na revista Icarus. Titã tem dunas mol-dadas por vento e um ciclo de metano semelhante ao ciclo da água na Terra. A superfície geologicamente complexa é constantemente escavada por chuvas, lagos e rios de metano líquido, mos-trando uma interação complexa entre atmosfera e superfície.

E xplorações anteriores espaço afora mostraram que em Io – a terceira maior entre as 63 luas de Júpiter,

um pouco maior do que a nossa Lua – a geologia é bem diferente. A partir de imagens obtidas entre 1996 e 2001 pelo espectrômetro da nave Galileu, Rosaly e sua equipe descreveram a atividade

vulcânica dessa lua em diversos artigos publicados, entre outras publicações científicas, em 2000 na Science e em 2004 na Icarus, mas ainda há dúvidas quanto à composição química das lavas por lá. A Galileu e outros telescópios em Terra indicam que a temperatura do material que sai dos vulcões de Io podem chegar a mais de 1.300 graus Celsius, mais quente que os basaltos derretidos na Terra. “Se estiver correto, seriam vulcões de um tipo que já houve na Terra bilhões de anos atrás”, inter-preta a astrônoma. Mas essa medida foi obtida em só um ponto, e por isso ainda não é considerada confiável por muitos pesquisadores. O desafio não é pequeno: a lava esfria depressa e a tem-peratura é medida esporadicamente e a grandes distâncias por aparelhos de calibragem complexa. Essa calibragem precisa ser revista para validar as ob-servações controversas.

Mesmo assim a missão Galileu per-mitiu explorar bastante os arredores de Júpiter. Usando imagens em infraver-melho para medir o calor da lava dos vulcões de Io entre 1996 e 2001, Rosaly descobriu lá os 71 vulcões que a torna-ram recordista mundial. “Em alguns vulcões de Io, o fluxo de lava derrete o dióxido de enxofre congelado na su-perfície”, descreve. O fluido em seguida escava o chão até encontrar dióxido de enxofre mais profundo, criando uma nuvem vertical de fumaça e partículas conhecida como pluma vulcânica. “A lava avança e a pluma avança junto, coi-sa que nunca se viu na Terra”, conta. Por causa dessa intensa atividade vulcânica que reveste Io com rocha derretida, a superfície é relativamente jovem – o que fica evidente pela ausência de cra-teras produzidas por impactos de aste-roides e meteoros.

Comparar vulcões terrestres e ex-traterrestres é um recurso importante para entender os planetas. Muito mais do que uma aventura em que pesquisa-dores enfrentam as mais potentes forças da natureza, os estudiosos de vulcões es-piam para dentro de válvulas por onde escapa o calor retido no miolo de um planeta ou satélite, por isso a atividade vulcânica traz informações importantes sobre a sua evolução. As manchas escu-ras da Lua, por exemplo, são verdadei-ros oceanos de lava que se formaram há mais de 3 bilhões de anos. Agora a Lua

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metano líquido na lua de saturno: em lagos revelados pela Cassini...

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 47

esfriou a ponto de já não ter vulcanismo ativo. Astrônomos encontraram vulcões também em Enceladus (outra lua de Sa-turno) e suspeitam que eles existam em Vênus. Por causa dos paralelos entre o vulcanismo de planetas diferentes, Io tem ajudado a entender as propriedades dos vulcões terrestres e a reconstruir a história deste planeta.

Das espetaculares erupções vulcâni-cas à exploração de outros plane-tas, o que move Rosaly é a aven-

tura e a descoberta. Vem daí o prêmio que ela recebeu este ano da organização Wings WorldQuest, que “celebra e apoia extraordinárias mulheres exploradoras e promove a exploração científica, a educação e a conservação para inspirar gerações futuras”, princípio que condiz com a trajetória da brasileira. Muito mío pe, ela ainda criança percebeu que não poderia ser astronauta. Mas em vez de abandonar o sonho, preferiu ajustá- -lo. Saiu do Brasil aos 18 anos para es-

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tudar astronomia na Inglaterra, porque aqui não via oportunidades de explorar outros planetas. “Hoje o quadro mudou bastante, mas a pesquisa em astrofísica ainda é muito mais avançada no Brasil do que a astronomia planetária”, conta.

No doutorado, na Universidade de Londres, ela comparou os vulcões da Terra e de Marte e se encantou pelo es-petáculo das erupções. Esse trabalho deu origem ao livro Turismo de aven-tura em vulcões, publicado no Brasil no ano passado pela Oficina de Textos. Nele Rosaly dá uma aula sobre vulcões, informa e incita o aventureiro a viajar para ver um vulcão em atividade.

No Brasil, ela colabora com o projeto educacional de Marcos Luna, do Núcleo Tecnológico do Agreste, em Bezerros, no sertão pernambucano. No ano passado ele inaugurou uma base de lançamen-to de foguetes experimentais batizada com o nome da brasileira da Nasa, que participou do evento, falou sobre seu trabalho e continua a dar palestras por

teleconferência. Ali, alunos do ensino médio aprendem noções de engenharia, propulsão e geologia. O centro está fe-chado desde o início deste ano, porque está sendo transferido para Salgueiro, numa área mais isolada. Rosaly espe-ra aumentar ainda mais o entusiasmo desses jovens, mostrando que é possível sair de uma escola pública brasileira e chegar à Nasa, como ela fez. n

... e caindo em tempestade no Arco de Hotei, área de intensa atividade vulcânica

> Artigos científicos

1. WALL, S. D. et al. Cassini RADAR images at Hotei Arcus and western Xanadu, Titan: evidence for geologically recent cryovolca-nic activity. Geophysical Research Letters. v. 36, L04203. 2009.2. NELSON, R.M. et al. Photometric chan-ges on Saturn’s Titan: evidence for active cryovolcanism. Geophysical Research Letters. v. 36, L04202. 2009.3. LOPES-GAUTIER, R. et al. A close-up look at Io from Galileo’s near-infrared map-ping spectrometer. Science. v. 288, p. 1.201-1.204. mai. 2009.

48 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

Física

A fórmula do emaranhamento

Grupo do Rio propõe equação que descreve a redução de fenômeno quântico devido a influência do ambiente

m 20 de abril de 2006, uma equipe do Gru-po de Óptica Quântica do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) publicou um artigo na revista científi-ca britânica Nature em que relatava a primei-ra medição direta de um dos fenômenos mais estranhos e fascinantes do mundo quântico, o

chamado emaranhamento ou entrelaçamento de par-tículas, como átomos, elétrons ou partículas elemen-tares de luz, os fótons. Em 27 de abril de 2007, os pes-quisadores brasileiros emplacaram outro importante paper sobre esse complexo campo de estudo da física. Nas páginas do periódico norte-americano Science, os brasileiros mostraram como o emaranhamento, uma propriedade essencial para o desenvolvimento de um computador quântico, pode desaparecer re-pentinamente, sofrer uma espécie de morte súbita. Agora a mesma equipe de cientistas, composta pelos pequisadores Luiz Davidovich, Paulo Henrique Souto Ribeiro e Steve Walborn, deu nova contribuição de peso ao tema, desta vez num artigo publicado no dia 14 de maio passado no site da Science: formulou e demonstrou experimentalmente uma lei que descreve a dinâmica do entrelaçamento.

Numa linguagem mais coloquial, o que os físicos do Rio de Janeiro fizeram foi criar uma equação geral que lhes permite estimar, com precisão e de forma simples, a perda de emaranhamento de um sistema formado por duas partículas quando uma delas sofre os efeitos deletérios do ambiente. Fatores externos a um sistema com essas características, como o atrito ou a temperatura, podem levar à diminuição e até ao desaparecimento do emaranhamento. O novo mé-

Marcos Pivetta

todo prescinde da reconstrução do estado final de um sistema emaranhado, tarefa difícil de ser obtida e com resultados às vezes imprecisos.

“Até agora existia apenas uma equação, proposta num trabalho teórico publicado no ano passado na revista Nature Physics, para descrever a dinâmica do emaranhamento num caso muito particular e ideali-zado: um sistema cujo estado inicial fosse totalmente conhecido”, explica Davidovich, principal autor do estudo, que contou também com a colaboração de dois estudantes da pós-graduação, Camille Latune e Osvaldo Jiménez Farías. “Nossa equação é uma gene-ralização da anterior e serve também para situações mais próximas do real, quando há incerteza sobre o estado inicial do sistema.” A influência do ambiente sobre uma das partículas do sistema emaranhado foi demonstrada pelos cientistas brasileiros num expe-rimento com fótons com o emprego de um método conhecido entre os físicos como “tomografia quântica de processo”.

efinido por Albert Einstein como algo envolto por “fantasmagórica ação a distância”, o emara-nhamento quântico é um fenômeno estranho

ao mundo da física clássica, newtoniana, em que vi-vemos. Como que por mágica, ele faz com que um conjunto de partículas elementares compartilhe certas características ainda que não haja nenhuma ligação física entre elas. O problema é que não é pos-sível determinar as propriedades de cada uma das partículas entrelaçadas, apenas as do sistema global. Se, em vez de duas partículas elementares, o leitor visualizar um sistema composto de dois dados ema-

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PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 49

dos, quando se determina o valor de um deles descobre-se automaticamente também o do outro.

o experimento descrito agora na Science, a equipe de Davidovich ge-rou, por meio da emissão de um

feixe de laser sobre um cristal, pares de fótons emaranhados em relação a um de seus parâmetros físicos: a pola-rização (a direção espacial, vertical ou horizontal, em que seu campo eletro-

magnético vibra). Um outro parâmetro dos fótons, o momento (associado à sua direção de propagação, ao seu percur-so no espaço), atuou no experimento como o ambiente externo ao sistema. Os pesquisadores perceberam que, ao produzirem uma interação entre o momento de um dos fótons e a pola-rização, ocorria uma redução no grau de emaranhamento do sistema e viram que sua equação podia dar conta dessa perda de emanhamento. “Demos um pequeno passo para entender a dinâmi-ca do emaranhamento, cuja compreen-são pode ajudar a construir sistemas quânticos mais robustos e estáveis”, comenta Davidovich, cuja equipe faz parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Informação Quânti-ca. Armazenar, transmitir e processar informação explorando as inusitadas propriedades do mundo quântico é uma das apostas da informática do sé-culo XXI. Mas há muita pesquisa básica e aplicada a ser feita antes de um pos-sível PC movido a átomos ou fótons se materializar na casa das pessoas. n

ranhados, esse desconcertante conceito do universo quântico fica mais fácil de ser entendido. Por apresentarem essa forte correlação, quando jogados, os dados dão sempre o mesmo resultado: a soma de seus valores é, por exemplo, dez. O resultado final do sistema é co-nhecido, facilmente mensurável, mas se ignora qual combinação numérica (cinco e cinco, sete e três, oito e dois ou outra qualquer) levou a essa soma. Mas, como os dados estão entrelaça-

ilustração de fótons com (linhas circulares inteiras) e sem entrelaçamento

> Artigo científico

FARíAS, O. J. et al. Determining the dyna-mics of entanglement. Science Express Reports, publicado on-line em 14/05/2009. sistema óptico: ação do ambiente no emaranhamento

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50 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

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Técnica usa laser para determinar rapidamente o nível de gordura em fígado para transplante

O casamento do laser com a me-dicina está perto de produzir uma ferramenta capaz de apri-morar o delicado trabalho de triagem de fígados destinados ao transplante. Pesquisadores do Centro de Pesquisas em

Óptica e Fotônica (CePoF) de São Car-los da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram uma forma de biópsia óptica que fornece, em tempo real, de maneira não invasiva e objetiva, o teor de gordura acumulado no órgão. o aparelho que realiza o exame – uma fina cânula que emite um feixe de la-ser sobre o tecido em análise, absorve a luz devolvida pelo tecido biológico e envia os dados para um espectrômetro e um computador portátil acoplados em uma maleta – foi testado com sucesso em ratos e num estudo piloto com seres humanos por cirurgiões da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), também da USP.

A nova abordagem fornece com pre-cisão e de maneira quase instantânea o grau de esteatose hepática (lipídios no fígado), uma informação indispensá-vel na busca por órgãos mais viáveis para transplantes. Fígados gordurosos, com esteatose maior do que 30%, não podem ser utilizados para esse fim. “(A biópsia óptica) pode ser uma al-ternativa promissora aos métodos de diagnóstico convencionais usados em cirurgias e transplantes”, escreveram Giovanni Bottiroli e Anna Cleta Croce, da Universidade de Pavia (Itália) em editorial na revista Liver International de março deste ano. Nessa mesma edi-ção do periódico internacional os cien-tistas paulistas publicaram um artigo relatando o trabalho com os roedores. o CePoF, onde foi criada a técnica de diagnóstico de gordura no fígado com o auxílio do laser, é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela FAPESP.

o médico orlando Castro e Silva Júnior, chefe da divisão de cirurgia digestiva e coordenador do grupo de transplantes da FMRP, está convencido de que a nova abordagem será de gran-de valia em sua especialidade. “Com o resultado da biópsia óptica em mãos, basta fazermos uma regra de três para

determinar o grau de esteatose do fíga-do”, explica o cirurgião, um dos auto-res dos trabalhos com animais e seres humanos. Dificilmente há tempo hábil para retirar uma amostra de tecido do fígado disponível para transplante e submetê-la aos devidos exames. Por isso, o diagnóstico do grau de esteatose hepática é feito normalmente de forma subjetiva pelo próprio cirurgião.“Hoje a avaliação do órgão doado é feita pe-lo olho do médico”, comenta Castro e Silva. “Não dá tempo de realizar uma biópsia (convencional).” o laser pode ser uma luz nessa lacuna de incerteza.

Para conceber um sistema rápido e acurado de diagnóstico do acúmulo de gordura no fígado, os pesquisadores da USP exploraram um fenômeno muito conhecido da física: a espectroscopia de fluorescência. Algumas moléculas apre-sentam a capacidade de absorver ener-gia e emitir luz depois de excitadas por meio de uma fonte luminosa. No caso dos trabalhos com a esteatose hepáti-ca, um feixe de laser disparado sobre o tecido biológico em questão atua como agente indutor da fluorescência. “o que fizemos foi correlacionar diretamente a intensidade da fluorescência com o conteúdo de gordura do fígado”, explica Vanderlei Salvador Bagnato, coorde-nador do CePoF e um dos principais pesquisadores dessa área. “Cada grau de

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Biofotônica – Fluorescência óptica

modAlIdAdE

Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids)

Co or dE nA dorES

Vanderlei SalVador Bagnato e CriStina KuraChi - Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (CePoF) da uSP de São Carlos orlando CaStro e SilVa Júnior - FMRP da uSP

InvEStImEnto

R$ 40.000 e uS$ 32.000 por ano para o projeto (FAPESP)

O PrOjetO>

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 51

os testes com os roedores anima-ram os pesquisadores de São Carlos e Ribeirão Preto – e também os editores da revista Liver International. o diag-nóstico com espetroscopia de fluores-cência deu conta de separar os ratos nos quatro grandes grupos em que es-tavam divididos clinicamente: animais normais (sem gordura no fígado), com grau leve, moderado e elevado de estea-tose hepática. No artigo do periódico médico a equipe da USP mostra que, ao jogar um feixe de laser de um deter-minado comprimento de onda sobre o tecido biológico, é gerado um fator de fluorescência da estea tose que varia li-nearmente de acordo com a presença de lipídios no fígado: quanto mais gordura no órgão, maior é o fator. De posse des-se dado, o cirurgião em dúvida sobre a real condição de um fígado doado pode descobrir instantaneamente o nível de

lipídios no órgão. “Testamos o méto-do em 27 fígados humanos doados, seis deles já descritos em nosso estudo piloto, e ele parece ser fantástico para o diagnóstico de esteatose”, afirma o cirugião Castro e Silva. “Acredito que possamos usar essa tecnologia para ana-lisar outros problemas hepáticos, como a cirrose.” Antes de ganhar as salas de cirurgia dos hospitais, o laser a serviço da medicina terá de ser posto à prova em mais fígados humanos destinados ao transplante. n

Marcos Pivetta

esteatose (leve, moderada ou avançada) gera respostas distintas.”

o desenho da estratégia não é novo. os próprios cientistas de São Carlos traba-lharam de forma semelhante quando de-senvolveram sistemas de diagnóstico em tempo real por espectroscopia de fluo -rescência para outras condições clínicas e tecidos, como alguns tipos de tumores de boca e de fígado e a doença do cancro cítrico que ataca os laranjais. Nesse tipo de abordagem, o primeiro passo é verifi-car se a técnica capta a alteração biólogica estudada e é capaz de gerar um padrão confiável que permita diferenciar os dis-tintos estágios ou fases dessa patologia. “Temos de verificar se o método é sensí-vel a essa condição biológica num mo-delo animal”, diz Cristina Kurachi, uma das pesquisadoras do CePoF. “Sem essa confirmação, fica muito difícil propor a técnica para uso em seres humanos.”

> Artigo científico

olIVEIRA, G.R. et al. Fluorescence spec-troscopy to diagnose hepatic steatosis in a rat model of fatty liver. Liver International. v. 29, n. 3, p. 331-336. mar. 2009.

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Laser: fonte de informação sobre características de tecidos biológicos

52 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

Botânica

Ainda é possível caminhar com cer ta facilidade nos campos que co brem o alto da serra do Mar e

ver de um lado o Atlântico e de outro a cidade de São Paulo. Daqui a 500 anos, porém, andar por lá vai exigir mais suor e atenção, porque a mata fechada deve lentamente tomar o tapete de gramíneas. Não é a primeira vez, nem só ali, que uma forma de vegetação substitui outra. Examinando amostras de solo que vão do marrom-avermelhado ao cinza-claro, o físico Luiz Pessenda e sua equipe da Universidade de São Paulo (USP) de-tectaram transformações como essas por todo o país. Aos poucos descobriram como formas diferentes de vegetação nativa avançaram, recua ram, desapare-ceram ou reapareceram principalmente em resposta a variações climáticas natu-rais nos últimos 30 mil anos.

As matas densas e fechadas devem cobrir os campos a quase 50 quilôme-tros ao sul do centro da cidade de São Paulo mesmo que o clima continue mu-dando como efeito da poluição gerada pela ação humana. “As árvores devem se beneficiar da elevação da quantida-de de gás carbônico na atmosfera, da temperatura média anual e da umidade trazida pelas chuvas que provavelmente se intensificarão no Sudeste”, afirma o botânico Paulo de Oliveira, pesquisador da Universidade Guarulhos (UnG), que coordenou as análises do pólen coleta-do para esse estudo. Segundo ele, três espécies de árvores que os moradores

Carlos Fioravanti

de São Paulo podem ver quando des-cem para o litoral – as embaúbas, com folhas em forma de mão aberta; os ma-nacás-da-serra, de flores brancas, lila-ses e roxas; e as acácias, nesta época do ano com flores amarelas – atestam essa progressiva colonização. Essas espécies crescem e se multiplicam rapidamente em áreas livres, criando a sombra que elimina a vegetação anterior enquanto chegam espécies de crescimento mais lento e vida mais longa como as canelas, as perobas e os jequitibás.

“Onde hoje vemos uma floresta em contato com campo ou cerrado, já houve muita mudança”, diz Pessenda. “Um dos dois já foi maior.” Além de menores, as florestas do alto da serra paulista eram diferentes das atuais, se-gundo estudo coordenado por Pessenda publicado em maio na Quaternary Re-search. Análises de isótopos (variações) de carbono do solo e de grãos de pólen e esporos retirados de uma turfeira (brejo de terra preta) indicam que há 30 mil anos florestas de araucárias conviviam com os campos de altitude de um tre-cho de Mata Atlântica no extremo sul do município de São Paulo.

Hoje com uma área de 10 quilôme-tros quadrados, esses campos já foram mais extensos. As análises de solo e grãos de pólen confirmam ainda que são naturais e não resquícios da ação humana. Vestígios de carvoarias suge-riam antes que essa vegetação rasteira poderia ser resultado da exploração de árvores para produção do carvão que abastecia São Paulo e as estradas de ferro no início do século passado.

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Reconstrução da vegetação e clima desde o Holoceno médio no Brasil

modAlIdAdE

Linha Regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE nA dor

Luiz CarLos ruiz Pessenda – Cena-uSP

InvEStImEnto

R$ 358.356,65 (FAPESP)

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As matas se movemFlorestas e campos avançaram e recuaram pelo país nos últimos 30 mil anos

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Grãos de história: pólen revela como foram o clima e a vegetação do planeta

“A extração de madeira deve ter amplia-do a área de campo que já existia”, afir-ma o botânico Ricardo Garcia, coautor desse estudo e pesquisador do Herbário Municipal de São Paulo. “Não podemos descartar a influência do solo pobre em nutrientes, mas certamente os campos não são reminiscência de um passado mais seco, como se cogitava.”

Outra conclusão é que o litoral paulista deve ter abrigado florestas no auge do período glacial, quando o ge-lo se expandiu para além dos polos e influenciou o clima de todo o planeta – a temperatura no Brasil deve ter sido de 5 a 10 graus mais baixa que a atual. Antes considerada seca e imprópria para as plantas, essa época se mostra agora úmida e favorável à vegetação. Essa umidade não era esperada, mas o geólogo da USP Francisco Cruz che-gou à mesma conclusão examinando as proporções entre isótopos de oxigênio da água preservada em rochas de uma caverna de Santa Catarina e outra de São Paulo. “Dois estudos chegarem aos mesmos resultados por meio de técni-cas diferentes não é mais coincidência. Já havia florestas no Brasil, mesmo no sul do Amazonas, no período glacial

que durou de 90 mil a 14 mil anos atrás”, diz Pessenda. Cruz acrescenta: “Não houve uma seca generalizada no país, como se pensava, mas um forte contraste climático, com áreas mais secas e outras mais úmidas”.

A paisagem no alto da serra do Mar mudou lentamente, acompanhando as variações do clima. De 30 mil a 20 mil anos atrás as florestas de araucá-rias conviviam com os campos. Nos 2 mil anos seguintes elas começaram a avançar, favorecidas pelas temperatu-ras mais baixas e pela umidade intensa. Há 18 mil anos, porém, a temperatura começou a subir e a mata de araucárias a ceder espaço para árvores, arbustos e plantas rasteiras adaptadas ao clima mais quente e úmido.

As quase 1.100 amostras de solo analisadas em 16 anos pelo grupo de Pessenda oferecem um quadro das mu-danças por todo o país. “De 9 mil a 4 mil anos atrás os campos e os cerrados se expandiram, beneficiados por climas mais secos, por todo o Sul e o Sudeste até o Norte e o Nordeste”, afirma o fí-sico da USP. “De 4 mil anos para cá, o clima se tornou mais úmido, similar ao de hoje, e as florestas expandiram.”

O empurra-empurra entre for-mas diferentes de vegetação faz parte também da história da Amazônia. Em Humaitá, sul do estado do Amazonas, campos naturais devem ter ocupado há 9 mil anos uma área maior que a atual e 5 mil anos atrás alargaram-se a ponto de tomar o dobro da área pela qual se espalham hoje. Essa expansão, porém, não ocorreu em toda a Amazônia. Em Altamira, na Amazônia Central, e em Porto Velho, no sul da Amazônia, a flo-resta resistiu.

Essa vegetação rasteira começou a encolher há 4 mil anos e continua a ceder espaço para a mata fechada. “Os campos tendem a desaparecer natural-mente em algumas dezenas de séculos, em resposta ao clima atual”, diz Pessen-da. Esse encolhimento, completa, vem sendo acelerado nos últimos anos pelo avanço do cultivo da soja: “Por sorte chegamos dois a três anos antes do iní-cio do plantio e recuperamos os sinais isotópicos da vegetação original nos solos da região”. n

> Artigo científico

PESSENDA, L.C.R. et al. The evolution of a tropical rainforest/grassland mosaic in sou-theastern Brazil since 28,000 14C yr BP based on carbon isotopes and pollen records. Quaternary Research. v. 71, p. 437-452. 2009.

54 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

ECOLOGIA

Rios hidrelétricas alteram funcionamento do rio Paraná e ampliam erosão das margens

Enquanto são construídas, as usinas hidrelétricas represam as águas de um rio, inundam cidades e matas e forçam o deslocamento da população ribeirinha. Em troca, geram a indispensável energia elétrica.

Depois de prontas, elas também causam problemas ambientais, embora menos conhecidos, mas igualmente impactan­tes. Geólogos e biólogos do Paraná e de São Paulo examinaram as transforma­ções do rio Paraná nos últimos 20 anos e verificaram que as barragens das hi­drelétricas, ao cortarem o rio, reduzem em 36% a velocidade da água, em 70% o volume de sedimentos em suspensão e diminuem a diferença entre os níveis máximos de água durante a seca e a cheia, modificando o modo como os peixes e outros seres viviam.

As barragens também causam ma­rés diárias. As comportas fecham par­cialmente à noite, quando o consumo de eletricidade é menor, e reduzem em quase um metro o nível de água abaixo da barragem. Durante o dia, as turbinas têm de produzir mais eletricidade, as comportas deixam passar mais água e causam o efeito inverso. Estudos coor­denados pelo geólogo José Cândido Stevaux, professor da Universidade Es­tadual de Maringá (UEM), no Paraná, e da Universidade Guarulhos (UnG), em São Paulo, indicaram que a oscilação diária da água causada pelas barragens pode ampliar em 200% a erosão das margens do rio Paraná.

E hidrelétrica é o que não falta nesse rio. São cerca de 150, contando só as que têm barragens com pelo menos 15 metros de altura, no próprio rio Paraná e em seus afluentes, entre eles os rios Tietê, Grande e Paranapanema, que se

ramificam por uma área de 2,5 milhões de quilômetros quadrados no Brasil, Pa­raguai e Argentina – é a segunda maior rede de rios do Brasil. Se por um lado essas hidrelétricas produzem 60% da energia elétrica do país e abastecem as regiões que concentram a maior parte da população e da atividade econômica na América Latina, por outro transfor­maram o Paraná e seus afluentes em uma sucessão de lagos que modificam o comportamento dos rios.

“Um ano depois da entrada em funcionamento da última hidrelétri­ca, o rio, no trecho mais próximo às barragens, tornou­se uma piscina, de tão transparente”, conta Stevaux, coordenador de um grupo que reú­ne especialistas da UEM, da UnG, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, interior paulista, e de universidades e institutos de pesquisa argentinos que estudam o rio Paraná. “Os turistas adoram, porque podem mergulhar e ver raias e outros peixes nadando bem perto.” No início peixes predadores como o dourado, de um metro de comprimento, também de­vem gostar. Sem a água turva, podem ver tudo melhor e comer à vontade. O problema é que esses predadores terão cada vez menos para comer nos anos seguintes, porque a população de peixes menores cairá rapidamente.

Os geólogos e os biólogos desse gru­po concentram as pesquisas em um dos poucos trechos do Paraná sem barra­gens, entre a foz do rio Paranapanema, que separa São Paulo do Paraná, e o início da represa de Itaipu, que começa a se formar no município de Guaíra, Paraná, e se estende por mais de 120 quilômetros até chegar às barragens, uma delas com altura equivalente a

um prédio de 65 andares. Para medir a carga suspensa de sedimentos nesse trecho de 200 quilômetros de extensão e 4 quilômetros de largura em média, os pesquisadores soltam um disco pinta­do de preto e branco, suspenso por um cordão, no meio do rio. Quanto antes o disco desaparecer de vista, mais rico em sedimentos é o rio. “Há alguns anos o disco desaparecia do nosso campo de visão depois de 1,5 metro”, conta Ste­vaux. “Agora bate no fundo do rio, a 4 metros da superfície, e ainda o vemos.” Nesse trecho a transparência das águas é maior nas proximidades das usinas de Porto Primavera, no rio Paranapanema, o maior reservatório artificial de água do mundo, com área alagada equivalente a sete vezes a da baía de Guanabara.

Quanto mais transparentes, mais as águas deixarão passar a luz do sol, que

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Propagação da “onda impactante” na dinâmica de fluxo e na carga de fundo do rio Paraná. Modelo para gerenciamento de rios aluviais sob impacto de barragem, hidrovia e mineração

modAlIdAdE

Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE nA dor

José Cândido stevaux – universidade Guarulhos

InvEStImEnto

R$ 130.000,00 (FAPESP) R$ 220.000,00 (CnPq-ProSul)

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De Minas ao rio da Prata: represas reduzem o fluxo do rio Paraná

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 55

diz Stevaux. Já atrapalhou até o funcio­namento das turbinas de Itaipu.

Com esses trabalhos, que incluem a reconstrução da história geológica do rio, a equipe de Stevaux amplia o co­nhecimento sobre rios tropicais, menos estudados que os de clima temperado, cujo fluxo depende do derretimento da neve das montanhas. Stevaux imagina que essas pesquisas ajudarão a definir os limites aceitáveis de impactos am­bientais de hidrelétricas a serem cons­truídas no país. Já ajudaram a criar o Parque Nacional da Ilha Comprida e

o Parque Estadual das Várzeas do Rio Ivinhema, um afluente do Paraná.

Um dos objetivos do grupo é de­finir a variação mínima de água entre a seca e a cheia de modo a conciliar a sobrevivência de peixes e plantas com a necessidade de gerar energia. “Como as barragens estocam água, os rios não têm mais cheia e a água não chega mais às lagoas em que os peixes desovam. Os capinzais que passam a maior parte do tempo inundados nas margens dos rios só brotam quando a água baixa”, exemplifica. “Essas alterações no fluxo de água podem se propagar e mudar radicalmente todo o ambiente.”

turismo – Segundo Stevaux, os artigos científicos e os trabalhos de mestrado e doutorado gerados por essa pesquisa estão ajudando a definir e a gerenciar atividades turísticas próximo aos gran­des rios da bacia do Paraná ao indicar quanta exploração uma área suporta. Sua equipe elaborou uma equação matemática que define a fragilidade ambiental em 12 níveis e concluiu que os rios secundários nos municípios de Porto Rio, no Paraná, Taquarussu, no Mato Grosso do Sul, e Rosana, em São Paulo, encontram­se perto do máxi­mo de impacto ambiental (nível 10), por serem intensamente visitados por pescadores no final do ano.

As barragens e os lagos artificiais não causam só problemas. Também promovem o turismo fluvial, que atrai quem mora na região de Presidente Prudente e de Maringá, e criam desa­fios, como a definição de espaços turís­ticos. As praias, transportadas pelo rio, são móveis: em um ano podem estar a 200 metros do final de uma cidade, no ano seguinte a 3 quilômetros. Outro de­safio é a mineração de areia – ainda não está certo quanto se pode tirar sem pre­judicar o rio. “Pretendemos ajudar na elaboração de leis de proteção também da foz dos rios e não só das nascentes, que já são protegidas”, diz Stevaux. n

Carlos Fioravanti

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modifica as comunidades de plantas e de animais do fundo do rio. Microrga­nismos, peixes e plantas acostumados ao lodo e à escuridão desaparecem. As algas, que dependem de luz, podem crescer não só na superfície, seu espa­ço habitual, mas também no fundo. O perigo é que se multipliquem como o molusco bivalve Limnoperna fortunei, uma espécie invasora, que apareceu na última década no porto de Buenos Ai­res trazido em água de lastro de navios vindos da Ásia. “Sem predador, esse molusco se espalha e causa prejuízos”,

> Artigo científico

STEVAUX, J.C. et al. Changes in a large regulated tropical river: the Paraná River downstream from the Porto Primavera Dam, Brazil. Geomorphology. v. 110 (in press).

De Minas ao rio da Prata: represas reduzem o fluxo do rio Paraná

56 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

virologia

Celebridade

mal conhecidaEquipe do Adolfo Lutz isola os primeiros exemplares do vírus da gripe suína de paciente brasileiro

Ricardo Zorzetto

A equipe da virologista Terezinha Maria de Paiva, do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, infor-mou no final de maio ter isolado os primeiros exemplares do vírus da gripe suína de um bra-sileiro. O portador é um homem de 26 anos que apresentou os sintomas da gripe depois de uma viagem ao México e foi internado em 24 de

abril no Instituto Emílio Ribas – o caso desse paciente, que já recebeu alta e passa bem, é o primeiro confirmado em São Paulo.

O biólogo molecular Claudio Sacchi analisou amos-tras de secreção do nariz e da garganta do paciente e confirmou que elas continham material genético do vírus influenza A (H1N1) causador da chamada gripe suína. A variedade encontrada aqui é a mesma que originou este ano a epidemia que até 26 de maio havia atingido 12,9 mil pessoas em 46 países e causado a morte de 92. O aumento rápido do número de casos e a facilidade com que o vírus é transmitido entre os seres humanos levaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a alertar para o risco de pandemia.

Em seguida à identificação, Terezinha obteve várias cópias do vírus depois de cultivá-lo por quatro dias em laboratório, usando células renais de cães. Na seção de microscopia eletrônica do Adolfo Lutz, Marli Ueda e Jo-nas Kisielius identificaram vários exemplares do vírus já na primeira observação e se impressionaram com o número elevado de cópias que encontraram – em algumas imagens elas apareciam agrupadas como se estivessem em um ninho.

A pronta identificação é um sinal de que o H1N1, que infecta sobretudo as vias respiratórias superiores, se reproduz rapidamente em células de mamíferos – o que pode incluir os seres humanos. Segundo Terezinha, nem sempre é fácil fazer o vírus se reproduzir em la-boratório e observá-lo ao microscópio, uma vez que

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depende da quantidade em que ele é encontrado nas células. “Em geral conseguimos isolar o vírus só em 15% das amostras de pacientes com quadro gripal que analisamos todos os anos”, conta. “Obtivemos o H1N1 já na primeira observação.”

Pelo mundo - O isolamento do vírus é fundamental para conhecer em de-talhe a variedade que circula no país. Sob a coordenação de Cecília Simões Santos, a equipe do Lutz planejava iniciar ainda em maio o sequencia-mento genético do H1N1 brasileiro e compará-lo ao de outros países. Assim será possível saber o quanto o vírus já se diferenciou do de outras regiões do mundo e como planejar uma vacina.

Há três tipos conhecidos de vírus da influenza: A, B e C. Deles, o A é o mais comum e também o causa-dor das grandes epidemias. A cada ano circulam pelo mundo diferentes variedades de influenza A, que são classificadas de acordo com duas proteínas que apresentam em sua superfície – a hemaglutinina, o H da sigla de letras e números, usada pelo vírus para aderir às células das vias respiratórias; e a neuraminidase, o N, que o ajuda a sair de uma célula infectada e invadir outra sadia.

Não é a primeira vez que esse ví-rus provoca gripe em seres humanos.

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 57

entre 1976 e 1979 casos de gripe cau-sada pelo H1N1 entre idosos da cidade de São Paulo.

Na Morbidity and Mortality Weekly Report de 21 de maio, pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) constataram que pessoas com mais de 60 anos conservam alguma imunida-de contra o H1N1. Um terço delas tem anticorpos capazes de inativar o vírus – esse índice é inferior a 10% nos adultos mais jovens. O resultado ajuda a ex-plicar o perfil da epidemia atual, que atinge mais intensamente os jovens, e não os idosos como a gripe comum.

A boa notícia é que, por ora, o vírus da epidemia atual mostrou-se menos letal que o das anteriores. Sete pessoas morrem em cada grupo de mil infecta-das pelo H1N1. Essa taxa (0,7%) é um pouco superior à da gripe comum ou sazonal, que mata cinco por grupo de mil (0,5%) – na epidemia de gripe aviá-ria esse índice chegou a 20%. Relativa-mente baixa, a mortalidade por gripe suína pode gerar um enorme custo em vidas se o vírus se espalhar mais – a gri-pe sazonal, que é menos letal, mata 500 mil pessoas por ano no mundo. “Com a proximidade do inverno, a atenção das autoridades internacionais se volta para o hemisfério Sul, onde está para começar a temporada anual de gripe”, comenta Terezinha.

No Brasil o Instituto Butantan aguarda a OMS definir as variedades do vírus que deverão compor a vacina e o nível de proteção que ela propor-cionará. “Assim que chegar a amostra, o instituto deve começar a produção da vacina contra o H1N1”, afirma o médico Isaias Raw, presidente da Fun-dação Instituto Butantan. De 100 mil a 1 milhão de doses devem ser suficien-tes para evitar o espalhamento da gripe suí na no país, caso a epidemia continue a avançar. Inicialmente, essas doses se-riam destinadas aos principais pontos de entrada no Brasil, como os portos e os aeroportos. “Quando se detectar um caso”, diz Raw, “vacinam-se só as pessoas que estiveram em contato com o doente”. Enquanto a vacina não surge, a melhor maneira de permanecer livre do vírus é adotar medidas básicas de higiene, como descartar lenços usados e manter as mãos limpas, e conservar o ambiente ventilado. n

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versão nacional: vírus H1N1 isolados de paciente brasileiro, vistos com aumento de 200 mil vezes

Em 1918 uma variedade de H1N1 ori-ginária de aves causou uma epidemia global conhecida como gripe espanho-la e matou 60 milhões de pessoas. Nas três últimas décadas variantes menos letais do vírus, que parecem ter sito transmitidas inicialmente de pessoas para porcos, voltaram a infectar seres humanos, ocasionando surtos espo-rádicos com poucas mortes. Algumas variantes suínas foram encontradas até no Brasil, onde a virologista Sueko Takimoto, do Adolfo Lutz, identificou

58 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

ImunologIa

Resposta controladaAnti-inflamatórios podem combater reação exagerada do sistema imune à malária

Quando o parasita microscópico que causa a malária invade o sangue de uma pessoa, ele ataca e destrói os glóbulos vermelhos, causando anemia. As células danificadas ade-rem às paredes dos vasos e, nos casos mais graves, podem obstruir o fluxo sanguíneo e causar danos ao cérebro. Em resposta, o

sistema imunológico é ativado e completa o quadro de sintomas com febre, dores musculares, fortes tre-mores e até convulsões. Um dos maiores desafios de saúde pública, essa doença, que infecta cerca de 250 milhões de pessoas no mundo a cada ano, é ainda mal conhecida em seres humanos. Uma medida des-se desconhecimento é a descoberta feita pelo grupo do imunologista Ricardo Gazzinelli, do Centro de Pesquisas René Rachou, em Minas Gerais: o sistema imunológico tem uma resposta exacerbada a esse pa-rasita, o plasmódio. Exatamente o contrário do que se pensava. Os resultados indicam também que drogas que controlem essa reação inflamatória excessiva – hoje fora do arsenal dos médicos contra a malária – podem ser aliadas valiosas contra a doença.

As expectativas de como o sistema imunológico reagiria à infecção vinham do que se sabe a respeito da sepse bacteriana, um quadro de infecção e inflama-ção generalizadas considerado semelhante à malária em diversos aspectos. Nos casos extremos, o sistema imunológico entra no que os especialistas chamam de “paralisia imune”, um estado em que as células de defesa deixam de reagir, de maneira semelhante a um músculo que se contrai a ponto de impedir os movimentos. Os suspeitos em comandar esse processo são proteínas protagonistas na resposta imune inata,

os receptores conhecidos como TLR, abreviação do inglês toll-like receptors. Na membrana das células de defesa, os TLR têm a função de reconhecer micror-ganismos invasores e enviar sinais para outras células que participam da reação inflamatória que ajuda a combater a infecção.

Em artigo publicado em abril na revista Procee-dings of the National Academy of Sciences (PNAS), o grupo de Gazzinelli mostra o que aconteceu quando cultivaram células de pacientes com infecção aguda por Plasmodium falciparum, causador da forma mais letal da malária, na presença de compostos que ativam os TLR, ou agonistas. “Esperávamos observar uma tolerância das células aos agonistas desses receptores”, conta o pesquisador, uma expectativa coerente com a hipótese de paralisia imune. Mas o que observaram foi o oposto: “Na fase aguda da malária, a resposta dos TLR ao agressor estava superaumentada, e detecta-mos níveis circulantes muito elevados de mediadores inflamatórios, como várias citocinas”.

Como parte de uma colaboração com o parasito-logista Luiz Hildebrando Pereira da Silva, as células vinham de 57 pacientes atendidos na clínica de ma-lária do Centro de Pesquisas em Medicina Tropical de Rondônia, em Porto Velho – agora um braço da Fundação Oswaldo Cruz, como o René Rachou. Ape-sar de surpreendente, a equipe não teve dúvidas sobre o achado. “O resultado era muito reprodutível entre os pacientes”, explica Gazzinelli, “o que mostrou que o entendimento inicial estava incorreto”. Ao medir no sangue o teor de substâncias inflamatórias, as citoci-nas, o grupo viu também que, quando os pacientes eram tratados e curados dos parasitas, essa resposta imunológica e inflamatória voltava ao seu limiar nor-malmente baixo.

O passo seguinte foi entender como a estratégia de defesa contra a malária é orquestrada pelos genes do paciente. Para isso, o grupo de Gazzinelli usou microarranjos, chips em que puderam analisar de uma vez o nível de atividade de 20 mil genes por pacien-te, antes e depois do tratamento. E descobriram nas pessoas infectadas por malária uma expressão maior dos genes que controlam a expressão dos receptores toll-like. Mais do que isso, viram que essa atividade genética é induzida por uma citocina chamada inter-feron-gama (γ).

Durante a pesquisa, que rendeu o doutorado a Bernardo Franklin sob orientação de Gazzinelli, o grupo também infectou camundongos com Plasmo-dium chabaudi, a espécie de parasita causadora da versão da malária que acomete roedores. Ao analisar as células do baço dos camundongos sete dias depois da infecção, os pesquisadores verificaram uma pro-dução de interferon-gama 20 vezes maior em relação aos camundongos que não contraíram malária – um resultado muito semelhante ao detectado no sangue dos pacientes humanos. Finalmente, por meio de ca-mundongos geneticamente modificados, o estudo caracterizou a sequência de eventos que leva à resposta

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PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 59

estratégias para bloquear a ativação ex-cessiva do sistema imunológico diante da doença. Por enquanto, os resultados indicam que drogas com atividade anti- -inflamatória que interfiram com a via de sinalização dos receptores toll-like podem ser potentes aliados na luta con-tra a malária. Anti-inflamatórios desse tipo ainda não estão no mercado, mas alguns compostos já estão em fase de testes pré-clínicos e clínicos.

A possibilidade de se recorrer a anti- -inflamatórios é mais uma diferença entre a doença causada pelo plasmódio e a sepse, que é também caracterizada por uma reação inflamatória exacer-bada. Mas, no caso da sepse, sem essa inflamação a invasão bacteriana que deu origem ao problema pode sair vitoriosa (ver Pesquisa FAPESP nº 146); já na ma-lária, Gazzinelli e Franklin mostraram, em artigo publicado em 2007 na Micro-

bes and Infection, que em camundongos a reação causada pelos receptores toll-like não é importante para controlar a infecção pelo plasmódio. Dessa maneira, embora não curem a malária, esses me-dicamentos podem ajudar a evitar os sintomas da doença. n

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exagerada pelo sistema imunológico. Quando o parasita entra no sangue, ele ativa um dos tipos de receptor toll-like, os TLR-9, que por sua vez induzem os linfócitos T – uma das células de defesa – a produzir o interferon-gama. Essa substância transmite às células imunes um sinal para expressarem os genes de outras variedades de TLR, fazendo o sistema de defesa responder fortemente ao plasmódio.

Próximos passos - Não acaba aí. Em busca de tomar o controle da doença, o imunologista de Minas Gerais selecio-nou genes mais ativos em pacientes com a febre da malária e a partir dele espera desenvolver marcadores biológicos que permitam prever a resistência ou a sus-cetibilidade de cada pessoa à malária. Na outra vertente do projeto, o estudo da malária em roedores pode revelar

Invasores no sangue: glóbulos vermelhos infectados por Plasmodium

> Artigos científicos

1. FRANKLIN, B.S. et al. Malaria primes the innate immune response due to interferon-γ induced enhancement of toll-like receptor expression and function. PNAS. v. 106, n. 14, p. 5.789-5.794. abr. 2009.2. FRANKLIN, B.S. et al. MyD88-dependent activation of dendritic cells and CD4+ T lymphocytes mediate symptoms, but is not required for the immunological control of parasites during rodent malaria. Microbes and Infection. v. 9, p. 881-890. jun. 2007.

Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internetwww.scielo.org

Notícias

60 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

n Neuropsiquiatria

Sintomas de ansiedade

Distúrbios do sono e sintomas de ansiedade e depressão têm sido vistos no envolvimento da origem e perpetuação da dor crônica. O artigo “Padrão do sono e sintomas de ansiedade e depressão em pacientes com dor crônica”, de Martha M.C. Castro, da Universidade Federal da Bahia, e Carla Daltro, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, tratou da avaliação do padrão do sono e da preva-lência de sintomas de ansiedade e depressão em pacientes com dor crônica. Quatrocentos pacientes com dor crônica atendidos consecutivamente na clínica foram investiga-dos. O diagnóstico mais frequente foi de dor miofascial seguido de dor neuropática. A prevalência de sintomas de ansiedade foi 72,8%, de depressão 61,5% e de alteração do sono 93%. O estudo revelou uma alta prevalência de sintomas de depressão e ansiedade e alterações no padrão do sono em pacientes com dor crônica.

Arquivos de Neuro-Psiquiatria – vol. 67 – nº 1 – São Paulo – mar. 2009

n Saúde

Definição de morte cerebral

O estudo “Máquinas e argumentos: das tecnologias de suporte da vida à definição de morte cerebral”, de Luciana Kind, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, analisa a produção acadêmica sobre o debate em torno da definição de morte cerebral concentrado na década de 1960 e publicado em periódicos médicos de destaque internacional. A pesquisa enfatiza que tecnologias de suporte de vida desenvolvidas ao longo do século XX e incorporadas na cena médica provocaram intenso deba-te em busca de legitimidade para novos procedimentos, como os transplantes de órgãos, por exemplo. Com suas práticas modificadas, a ciência médica pôs-se a inventar novos conhecimentos a esse respeito. As discussões sobre a definição de morte cerebral acabaram por transformá- -la numa caixa-preta, que viria a ser desmontada pelos estudos antropológicos sobre o assunto desenvolvido a partir dos anos 1980.

História, Ciências, Saúde – Manguinhos – vol. 16 – nº 1 – Rio de Janeiro – jan./mar. 2009

n Ortopedia

Lesão no quadril de atletas

O objetivo do estudo “Artroscopia do quadril em atletas”, de Giancarlo Cavalli Polesello, Nelson Keiske Ono, Davi Gabriel Bellan, Emerson Kiyoshi Honda, Rodrigo Pereira Guimarães, Walter Riccioli Junior e Guilherme do Val Sella, da Faculdade de Ciências Mé-dicas da Santa Casa de São Paulo, foi confirmar a importância terapêutica da artroscopia do quadril em atletas cuja dor impede a articulação do quadril. A técnica é capaz de diminuí-la a ponto de ajudar o retorno à atividade esportiva em níveis satisfatórios. Foram analisados 49 pacientes, acompanhados por um mínimo de 12 meses e o máximo de 74 meses (média de 39 meses). No perío-do pré-operatório avaliou-se a localização da dor, sua intensidade segundo a escala de expressão facial e o grau de incapacidade. No período pós-operatório os pacientes foram avaliados pelos mesmos métodos do período pré- -operatório e pela análise subjetiva de retorno ao esporte. Observou-se alguma melhora em todos os casos e retorno ao esporte, de forma satisfatória, na maioria deles. Diante do que foi estudado, a artroscopia em atletas é uma técnica eficaz, capaz de promover o retorno à prática esportiva na maioria dos casos, sem dor e com função articular efetiva, desde que bem indicada.

Revista Brasileira de Ortopedia – vol. 44 – nº 1 – São Paulo – jan./fev. 2009

n Economia

Qualidade versus quantidade

Como em várias outras atividades, a pesquisa em econo-mia internaliza um conflito entre qualidade e quantidade. Para avaliar tal conflito, o artigo “A pesquisa em econo-mia no Brasil: uma avaliação empírica dos conflitos entre quantidade e qualidade”, de Walter Novaes, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, documenta as publicações de 94 pesquisadores apoiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e 1.209 pesquisadores de 54 centros americanos

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PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 61

de referência em economia. Os dados mostram que, en-tre 1999 e 2004, a média de publicações internacionais dos pesquisadores do CNPq é extremamente pequena, quando comparada com a dos americanos com mesma orientação metodológica. Ainda assim o número médio total das publicações dos pesquisadores no Brasil é esta-tisticamente maior, sugerindo um sacrifício de qualidade para aumentar o número de publicações.

Revista Brasileira de Economia – vol. 62 – nº 4 – Rio de Janeiro – out./dez. 2008

n Sociologia

1964 e os intelectuais

O estudo “O movimento civil-militar de 1964 e os inte-lectuais”, de José Luís Sanfelice, da Universidade Estadual de Campinas, deseja captar no movimento da história, em uma conjuntura determinada, tensões que opuseram diferentes sujeitos sociais dos anos de 1970 no Brasil. Em um dos polos localiza-se o pensamento expresso pelos primeiros governantes do movimento civil-militar que ocuparam o aparelho de Estado em 1964. Humberto Castelo Branco, presidente da República, Flávio Suplicy de Lacerda, ministro da Educação e Cultura, e Raymun-do Moniz de Aragão, com seus pronunciamentos no V Fórum Universitário, encarregaram-se de transmitir o pensamento do governo à sociedade. Na sequência, em curto espaço de tempo, os reflexos apareceriam no aparato legal da reforma universitária consentida. O contraponto à visão oficial encontra-se, para fins deste trabalho, em um texto da época de autoria de Florestan Fernandes e que resultou da conferência proferida na abertura do I Fórum de Professores, realizado no Rio de Janeiro em 1968. Espera-se, analisando o conflito ideológico, alcançar uma compreensão crítica mais acurada do movimento civil-militar de 1964 e das suas relações com diferentes intelectuais.

Cadernos Cedes – vol. 28 – nº 76 – Campinas – set./dez. 2008

n Agronomia

Plantas daninhas no amazonas

As áreas inundáveis localizadas na bacia dos rios Ama-zonas e Solimões são denominadas várzeas. A inundação é um evento natural que promove mudanças na estrutura e composição florística dessas comunidades. O conhe-cimento da diversidade de espécies é de fundamental importância para o entendimento da dinâmica da rege-neração natural de espécies nos ecossistemas amazônicos. O trabalho “Composição florística de plantas daninhas em um lago do rio Solimões, Amazonas”, de Sonia Maria Figueiredo Albertino, Libia de Jesus Miléo, J.F. Silva e C.A. Silva, da Universidade Federal do Amazonas, teve como objetivo levantar a composição florística do solo do fundo

do lago do Manaquiri, em um período de seca excepcional, ocorrida em 2005, na Amazônia. Foram realizadas coletas de material botânico em duas áreas do lago, em novembro de 2005. Para a amostragem, utilizou-se um quadrado de madeira de 0,36 m², atirado aleatoriamente por 20 vezes em cada local de estudo. A vegetação emergente foi de 5.958 indivíduos, distribuídos em sete famílias e nove espécies. As famílias mais representativas em número de espécies foram Poaceae e Cyperaceae. Cyperus esculentus e Luziola spruceana foram as mais frequentes, e Mimosa pudica e Alternanthera sessilis, as de maior abundância. C. esculentus e M. pudica apresentaram maior número de indivíduos, de densidade e de valor de importância. As espécies de plantas encontradas nesse estudo mantiveram sua capacidade de crescer e se desenvolver mesmo após longo período submersas.

Planta Daninha – vol. 27 – nº 1 – Viçosa – jan./mar. 2009

n Tecnologia de alimentos

Composição química do arroz

O objetivo do trabalho “Influên-cia das condições de parboilização na composição química do arroz”, Giniani Carla Dors, Renata Heidtmann Pinto e Eliana Ba-diale-Furlong, da Universidade Fe-deral do Rio Grande do Sul, foi avaliar a influência de diferentes tempos de maceração e autoclavagem, durante o processo de parboilização, na composição química do arroz parboilizado. Uma amostra de arroz verde, com casca e seca, foi submetida ao processo de parboilização. Após a secagem, a amostra foi beneficiada em minienge-nho, separando-se a casca juntamente com o farelo e o endosperma amiláceo. Todas as porções foram trituradas e peneiradas, recolhendo-se as porções que passaram através de 0,5 mm para serem caracterizadas quanto aos teores de umidade, cinzas, proteínas, fibras, amilose e fenóis totais. Os resultados mostraram que as condições operacionais de tempo de maceração e autoclavagem afetaram os teores de minerais, proteínas, fibras, amilose e fenóis entre o endos-perma amiláceo e as porções externas do grão de maneira diferente para cada componente, sendo que o parâmetro tempo de maceração, no seu maior nível (seis horas), teve influência significativa nas frações determinadas.

Ciência e Tecnologia de Alimentos – vol. 29 – nº 1 – Campinas – jan./mar. 2009

> o link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dis po­níveis no site de Pesquisa FaPesP, www.revistapesquisa.fapesp.br

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62 ■ junho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 160

lINHA DE PRODUÇÃO mUNDO>>

>Radar antipássaro

Um problema ambiental causado pelos cataventos dos geradores de energia eólica é a morte acidental de pássaros. Apenas nos Estados Unidos, um recente estudo apontou que pelo menos 7 mil aves morreram ao se chocar com as pás dos aerogeradores. Para acabar com a mortandade, a empresa DeTect, da Flórida, nos Estados Unidos, desenvolveu um sistema dotado de radar que desliga automaticamente o catavento ao acusar a presença de pássaros por perto. Uma primeira unidade do equipamento está em uso na fazenda eólica Penascal, no Texas, localizada em um importante corredor de aves migratórias por onde passaram, apenas no outono de 2007, 4 mil pássaros. Normalmente, as aves voam centenas de metros acima dos aerogeradores, mas condições meteorológicas desfavoráveis fazem com que elas reduzam a altitude, colocando-as em rota de colisão com os cataventos.

>Nanossonda contraocâncer

Pesquisadores da Universidade Northwestern, de Chicago, nos Estados Unidos, deram mais um passo no tratamento de doenças que exigem grande

precisão na aplicação de medicamentos. Eles criaram uma nanossonda capaz de levar doses exatas de drogas em escala nanométrica para células enfermas por certas doenças, como câncer, evitando atingir tecidos sadios do entorno. O dispositivo, batizado de Nanofountain Probe, ou sonda nanofonte, funciona de duas formas distintas. Num modo, ele atua como uma caneta-tinteiro, carregada com droga revestida com nanodiamantes e capaz de distribuir o medicamento por várias células, como se os cientistas estivessem “escrevendo” com ela. O segundo modo funciona como uma nanosseringa, permitindo a injeção direta de biomoléculas ou substâncias químicas nas células doentes.

>Bateriafeita devírus

De forma pioneira, pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, conseguiram criar uma bateria de lítio, dessas usadas em notebooks e outros equipamentos eletrônicos, que usa um vírus geneticamente modificado para fazer o material dos terminais positivo e negativo desses dispositivos. Os vírus chamados de M13 são inofensivos ao homem

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PESQUISA FAPESP 160 ■ junho DE 2009 ■ 63

ângulo de flexão é liberado, conferindo mais segurança ao usuário. Os sensores também garantem que o conjunto de atuadores, que fazem o papel dos músculos humanos, seja acionado sempre na medida certa. A interação entre o paciente e o equipamento, por sua vez, é continuamente mediada pelo programa de inteligência artificial do artefato.

e passam por modificações nas proteínas que os recobrem. Isso faz eles se autorrecobrirem de fosfato de ferro e se fixarem em nanofios de óxido de cobalto que se constituem no material dos terminais da bateria. A descoberta pode levar a uma nova geração de baterias bem menores, mais eficientes e fáceis de recarregar do que as atuais. Um importante avanço da pesquisa, publicada na revista Science

(10 de maio), é que o processo de fabricação das novas baterias seria barato e ambientalmente correto. Sua síntese é feita em baixa temperatura (o que requer pouca energia), não emprega solventes orgânicos agressivos e o material usado no dispositivo não é tóxico. Os pesquisadores se conscientizaram que os biossistemas têm grande capacidade de construção e organização de materiais nanoestruturados.

>Joelho biônico

Vítimas de acidentes ou doenças que tiveram uma ou as duas pernas amputadas acima do joelho já podem contar com uma avançada prótese desenvolvida pela Ossur, uma companhia com sede na Islândia, especializada em produtos ortopédicos não invasivos. Batizada de Power Knee, a prótese já está sendo usada por um primeiro paciente – um militar americano mutilado na guerra do Iraque –, que relatou ter recuperado um andar totalmente normal. De acordo com um comunicado do fabricante, o “segredo” do aparelho está na incorporação de sensores e de um computador dotado de um programa de inteligência artificial que, juntos, restauram a função muscular perdida. Quando os sensores acusam que a prótese tocou no chão, o movimento em qualquer

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de70km/hesuaautonomiaéde220quilômetros.OAirPod

foidesenvolvidopelaMotorDevelopmentInternational(MDI),

umaempresadeLuxemburgo,criadaem1991equeapresen­

touosprimeirosprotótiposem1998.Ocarrousaeletricidade

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daeletricidadepodeserfeitoemtomadascaseirasentre

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64 ■ junho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 160

lINHA DE PRODUÇÃO bRAsIl>>

origem a um novo concreto refratário para revestimento de equipamentos da indústria siderúrgica, foi

publicado no Journal of the Technical Association of Refractories. Mariana Braulio, bolsista de doutorado da FAPESP na UFSCar, Luís Rodolfo Bittencourt, diretor técnico da Magnesita Refratários, e Jacques Poirier, professor da Universidade

de Orleans, na França, os outros três autores do artigo, também foram premiados pela Associação Técnica de Refratários do Japão com o mais importante prêmio concedido na área de cerâmicas refratárias.

>Estudantes premiados

Quatro projetos de estudantes brasileiros foram premiados em cinco categorias na Feira Internacional de Ciências e Engenharias (Isef), promovida pela Intel e realizada na cidade do Reno, nos Estados Unidos, de 10 a 15 de maio. O projeto

>Reconhecimento internacional

O professor Victor Carlos Pandolfelli, do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), recebeu o Prêmio Wakabayashi 2009 pelo artigo “Microsilica effects on cement bonded alumina-magnesia refractories castables”, apontado como o melhor trabalho na área de materiais cerâmicos para aplicações a alta temperatura publicado em 2008. O estudo, que deu

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A técnica para tratamento de

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ededifícilcicatrizaçãode-

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bioKamamoto,responsávelpelacirurgiaplásticanoHospital

UniversitáriodaUniversidadedeSãoPaulo(USP),queutiliza

materiaissimplesparafazerumcurativoavácuoeficientee

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MateriaiscerâmicosdesenvolvidosnaUFSCar

PESQUISA FAPESP 160 ■ junho DE 2009 ■ 65

Consciência e ação: metodologia de educação ambiental, dos alunos Ana Claudia Cassanti, Felipe Seabra Fernandes e Ana Clara Cassanti, do Colégio Dante Alighieri, de São Paulo, ficou com o primeiro lugar na categoria Excelência em Ciências Sociais e Comportamentais e recebeu US$ 1.500,00. Ivan Lavander Candido Ferreira, do Colégio Guilherme Dumont Villares, de São Paulo, que isolou substâncias presentes em ovos de aranha que podem ser usadas na produção de antibióticos, foi duplamente premiado. Conquistou o segundo lugar na categoria Microbiologia e o quarto na cerimônia dos patrocinadores, concedido pela Sociedade Americana de Microbiologia. Ivan desenvolveu o projeto no Instituto Butantan, orientado pelo professor Pedro Ismael da Silva Junior. O estudante Rafael Telis Gazzin Pessoa, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, ficou em terceiro na categoria Engenharia Elétrica e Mecânica com o projeto

de um motor ecologicamente correto para aviões supersônicos. Felipe Gabriel Kuhn Soares, da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, elaborou um detector de pré-ignição e ficou com o quarto lugar na categoria Engenharia Elétrica e Mecânica. Participaram da feira 1.563 estudantes de 51 países, sendo que 15 deles foram selecionados durante a 7ª edição da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), realizada em março em São Paulo.

>Identificação térmica

O reconhecimento pelo calor do rosto é um novo padrão biométrico de identificação, já patenteado, desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), orientados pela professora Carmen Déa Moraes Patro, especializada em inteligência artificial. Como a radiação térmica é específica para cada pessoa, a liberação a ambientes restritos físicos ou virtuais se dá mediante a avaliação de um padrão registrado anteriormente. “A leitura é feita por um aparelho sensível ao infravermelho, que capta o padrão térmico de cada rosto”, diz Carmen. Mais de cem pessoas já participaram de testes feitos com o novo método de controle de acesso desde 2003, quando a pesquisa teve início. A medição de calor é feita em pontos predeterminados,

Duas novas varieda­

desdeamendoimcom

altoteordeácidoolei-

co, que proporciona

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localizados principalmente em volta dos olhos e da boca. “A leitura térmica consegue identificar a pessoa mesmo com maquiagem ou alguns tipos de máscara, como as de meia, por exemplo”, diz a pesquisadora.

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Coletivo a hidrogênioÔnibus montado no Brasil faz parte de experimentos mundiais para redução da poluição do ar

Um ônibus movido a hidro-gênio passará a rodar prova-velmente ainda neste mês de junho numa linha convencio-nal urbana entre os bairros do Jabaquara, na zona Sul de São Paulo, e São Mateus, na zona

Leste, passando pelos municípios de São Bernardo do Campo, Diadema, Santo André e Mauá, dentro da Re-gião Metropolitana de São Paulo. O feito é inédito no Brasil e traz muitas novidades. Veículos movidos por essa tecnologia são silenciosos e não emitem poluentes. Eles lançam no ambiente apenas vapor-d’água e trazem bene-fícios à saúde porque não contribuem para o surgimento de doenças respi-ratórias, além de umidificar o ar das grandes cidades.

Ao lado dos biocombustíveis e dos veículos elétricos, o hidrogênio é visto por especialistas como uma real alterna-tiva para os derivados de petróleo que emitem poluentes e tendem a escassear no futuro porque as reservas de óleo e gás natural são finitas, tanto pelo esgo-tamento de anos de exploração como pelo aumento do consumo mundial. As-sim, a experiência brasileira se enquadra dentro de uma série de experimentos que são realizados pelo mundo com carros e ônibus a hidrogênio no lugar da gasolina e do diesel com o objetivo de diminuir os gases nocivos às pessoas

e ao planeta. O ônibus foi

montado no Brasil com financiamen-to do Global Envi-ronment Facility

Marcos de Oliveira

Ônibus vai trafegar 250 kmpor dia e emitir apenas vapor-d’água

(GEF), ou Fundo Global para o Meio Ambiente, uma agência ligada ao Ban-co Mundial, que financia iniciativas de desenvolvimento sustentável em vários países. “Fizemos parcerias no Brasil e no exterior para montar o ônibus e transferir tecnologia para o país porque no início o projeto era para comprar os ônibus prontos na Europa. O argumen-to foi que o Brasil é o maior produtor de ônibus do mundo [em 2008 foram pro-duzidos 44.111, sendo 27.948 exporta-dos, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea)] e temos uma longa tradição na indústria de carrocerias de ônibus”, diz Carlos Zündt, gerente de planeja-mento da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), ligada à Secretaria dos Transportes Urbanos do Estado de São Paulo, instituição que ficou responsável pelo desenvol-vimento e gerenciamento do projeto e vai colocar o ônibus a hidrogênio no corredor metropolitano exclusivo de 33 quilômetros (km). O objetivo aqui é incorporar, integrar e desenvolver tecnologia de uso do hidrogênio co-mo combustível e preparar as empresas para esse futuro mercado.

Em outros projetos semelhantes realizados no mundo prevaleceu a compra de ônibus prontos, principal-mente da Mercedes-Benz, que possui um modelo da série Citaro que fun-ciona a hidrogênio e já roda em várias cidades europeias, principalmente em Berlim, na Alemanha, que possui 18 veículos. Na Europa, desde 2004, o pro-jeto Clean Urban Transport for Europe (Cute), ou Transporte Urbano Limpo

tecnologia>

PESQUISA FAPESP 160 n junho de 2009 n 67

Montagem especialModelo de série da Marcopolo foi transformado para receber o sistema a hidrogênio

No Brasil, o projeto foi iniciado em 2004 e reuniu um consórcio in-ternacional de empresas construtoras e fornecedoras. O ônibus possui nove cilindros de hidrogênio e aparelho de ar-condicionado no teto e todos os ou-tros equipamentos ficam na parte de trás do veículo. No Citaro o design é diferente. Todos os equipamentos estão instalados no teto, o que o faz necessitar de uma suspensão eletrônica especial e muito cara. Mas ele é igualmente dependente da célula a combustível. É ela que transforma o hidrogênio em eletricidade e faz mover o ônibus por meio de dois motores elétricos. A célula é formada por um conjunto de placas de eletrodos, normalmente de grafite, que, em forma de sanduíche, agrupa também, entre as placas, uma membra-na polimérica chamada de Membrana de Troca de Prótons (PEM, na sigla em inglês). Ao passar por ela, as moléculas de hidrogênio (H2) são quebradas e os elétrons são liberados, gerando ele-

tricidade. Para realizar esse processo eletroquímico, o hidrogênio também se une ao oxigênio captado do ar for-mando vapor-d’ água no final. Essa tec-nologia – componente-chave de todo o sistema – foi adquirida da Ballard, uma empresa canadense que começou a desenvolver células a combustível em 1983 e entre 1992 e 1994 apresentou os primeiros protótipos.

Em 2007 a Daimler – holding que possui a Mercedes-Benz – e a Ford se tornaram sócias majoritárias em uma subsidiária da Ballard, a Automotive Fuel Cell Cooperation (AFCC) ou Coo-peração para Célula a Combustível Au-tomotiva. Fora os sistemas de transpor-te de hidrogênio e controle eletrônico, as duas células visualmente são duas caixas metálicas com 81centímetros (cm) de comprimento, por 25 cm de profundidade e 30 cm de largura cada uma. “São duas células independentes que trabalham interligadas entre si, iguais à que equipa o carro Classe A a

para a Europa, financiado pela União Europeia, permitiu que 38 ônibus Ci-taro movidos a hidrogênio circulassem por nove cidades como Londres, Ma-dri, Barcelona, Amsterdã, Hamburgo, Stuttgart, Luxemburgo, Porto e Esto-colmo. Eles já rodaram 135 mil horas e a experiência se mostrou ambiental-mente sustentável. Outros três proje-tos foram realizados em Reykjavik, na Islândia, Pequim, na China, e em Perth, na Austrália. Ao todo foram utilizados 47 ônibus. O projeto tem 31 parceiros entre órgãos dos governos, indústrias e universidades. Todos, inclusive o bra-sileiro, são projetos de demonstração e teste da tecnologia em condições reais e nenhum deles teve objetivos comer-ciais simplesmente. No caso brasilei-ro, a EMTU terá, como compromisso previsto no investimento, que testar o ônibus e apresentar os resultados e a experiência ao GEF, que poderá distri-buir relatórios com a experiência para outros países.

Tanque de hidrogênio

Inversores de corrente elétrica

Células a combustível

Motores de tração elétrica

Ventiladores do sistema de resfriamento dos motores

elétricos, da célula e dos sistemas auxiliares

Controladores e distribuidores de energia

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PESQUISA FAPESP 160 n junho de 2009 n 69

hidrogênio da Mercedes-Benz, que também está em demonstração na Europa desde 2003, e o Ford Focus apresentado em 2006 nos Estados Unidos, Canadá e Europa. Cada célu-la da Ballard gera 68 quilowatts (kW) de potência máxima, ou 91 horses power (HP). Para efeito de compara-ção, uma casa com dois quartos e um casal de classe média com dois filhos precisa de uma potência de 5 kW.

O Brasil já possui, pelo menos, três empresas, Electrocell, Unitech, (ver Pesquisa FAPESP edições 93 e 103) e NovoCell – todas paulistas e com financiamento do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Em-presas (Pipe) da FAPESP –, que estão desenvolvendo células a combustível e peças para esse equipamento em projetos pontuais para geradores de energia elétrica estacionários, prin-cipalmente para empresas, e não automotivos.

Os sistemas auxiliares da célula do ônibus, como a injeção e a circula-ção do hidrogênio e do ar atmosféri-co, na pressão e umidade requeridas pelo equipamento principal e parte da eletrônica de controle, foram de-senvolvidos pela empresa alemã Nu-cellsys, que também possui a Ford e a

Daimler como sócias. O ge-renciamento de todos os sis-temas, inclusi-ve os testes de

O abastecimento é considerado um obstáculo para o mercado automotivo de hidrogênio. Postos para reabastecimento em maior quantidade só existem no estado da California, nos Estados Unidos, no Japão e na islândia, com o hidrogênio obtido da água, por eletrólise, ou gás natural. no Brasil, uma boa oportunidade está nas usinas hidrelétricas. além da energia barata produzida durante a madrugada, quando cai o consumo, é possível utilizar a chamada energia vertida turbinável, que é a eletricidade a ser aproveitada pela água vazada no vertedouro em situações de enchimento excessivo dos reservatórios ou em horários quando não há demanda. a água é desperdiçada porque a energia elétrica não pode ser estocada. O jeito é transformá-la em hidrogênio.

Os professores Ennio Peres, do Laboratório de Hidrogênio, e Carla Cavaliero, da Faculdade de Engenharia Mecânica, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), junto com o pesquisador paraguaio gustavo riveros-godoy, da Universidade nacional de assunção, fizeram um estudo de produção e distribuição de hidrogênio para ônibus urbanos na cidade de Foz de iguaçu, no Paraná, onde fica a sede brasileira da Usina Hidrelétrica de itaipu. Eles apresentaram um trabalho no 4° Workshop internacional sobre Hidrogênio e Células a Combustível realizado em outubro em 2008 na Unicamp, que demonstra a viabilidade operacional de trocar os ônibus a diesel por veículos a hidrogênio nas quatro empresas de Foz, uma cidade com 309 mil habitantes.

Sem considerar o custo dos ônibus, eles utilizaram dados do modelo a hidrogênio da Mercedes-Benz, o Citaro Fuel Cell. O melhor modelo de produção do gás seria a forma centralizada na própria itaipu, onde os ônibus iriam abastecer uma vez por dia. O custo do hidrogênio por quilo (kg) seria de US$ 2,86 e a média de consumo de 0,205 kg por quilômetro rodado. Em termos financeiros, o diesel ainda ganha, mas o hidrogênio tem vantagens ambientais cada vez mais levadas em conta.

Substituição totalHidrelétricas podem ser produtoras de hidrogênio

durabilidade são feitos pela Instituto de Pesquisa Força Elétrica Interna-cional (EPRI, na sigla em inglês), com sede na Califórnia, nos Estados Unidos, que traz a experiência em gerenciar projetos desse tipo.

Cooperação nacional - No lado bra sileiro do consórcio, a carroce-ria é da Marcopolo, um dos maiores fabricantes de carrocerias do mun-do com três fábricas no Brasil e 11 no exterior, em países como China, Índia, Rússia, Portugal, Argentina, México e Egito. O modelo a hidro-gênio é da série Gran Viale, usada em ônibus urbanos, com 12,5 metros de comprimento, e pode acomodar 63 passageiros sentados e 20 em pé. A adaptação do ônibus ao sistema de célula a combustível e demais equi-pamentos do sistema a hidrogênio foi realizada por outra empresa brasilei-ra, a Tuttotrasporti, uma empresa de brasileiros de origem italiana sediada em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Ela é especializada na produção e modificação de chassis (estrutura metálica que suporta o veículo com os eixos das rodas inclusos) para veí-culos especiais, como ônibus a gás ou híbridos, com baterias e a diesel, com segundo piso, ou dois eixos na frente, ou ainda veículos com direção invertida próprios para exportação pa ra países como Inglaterra ou Ja-pão. “A Tuttotrasporti foi a maior beneficiada brasileira porque foram

Monitor no painel do ônibus informa quilowatts e quantidade de hidrogênio

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70 n junho de 2009 n PESQUISA FAPESP 160

seus engenhei-ros e técnicos que adquiriram conhecimento na adaptação, montagem e integração dos sistemas, inclu-

sive a CPU [unidade central de pro-cessamento], que compreende proces-sadores que gerenciam a energia elé-trica do ônibus assim como a pressão do hidrogênio e outros sistemas ”, diz Zündt. “O software foi moldado por nós para controlar todos os pontos. Cada subsistema, como as células, tem o seu processador que indica, por exemplo, a sua temperatura [ela funciona entre 60 e 80°C], e eles estão conectados a um computador maior que tem acesso a todos os protocolos de funcionamento e permite gerenciar todo o ônibus”, diz o engenheiro Sidney de Oliveira Sobri-nho, da Tuttotrasporti.

Energia constante - O ônibus a hi-drogênio brasileiro também é um veí-culo híbrido porque pode acumular energia em baterias especiais. São três baterias de níquel-sódio, de alto desem-penho, fornecidas pela empresa suíça,

MSDea, que são capazes de guardar grande quantidade de energia. Tanto elas como as células repassam energia elétrica para os dois motores elétricos refrigerados a água da marca Siemens fabricados na Alemanha. “A célula envia energia de forma constante. Quando o ônibus está parado, a energia não utili-zada no momento vai para as baterias. O acionamento dos freios também gera energia armazenável. Com elas é possível rodar mais 50 km, além dos 300 km com hidrogênio. No corredor onde ele vai operar, os ônibus a diesel rodam 250 km por dia”, diz Zündt. Até a Mercedes-benz apresentar neste ano um modelo híbrido do Citaro Fuel Cell (célula a combustível), o brasileiro era o único a possuir o diferencial de ser um ônibus híbrido. Ele ficou pronto em julho de 2008 em Caxias do Sul e a partir daí começou uma série de testes depois de quase três anos de projeto e construção. Até o mês de maio, quando chegou a São Paulo, ele já havia rodado 2.200 km. Um percurso que não incluiu a viagem de Caxias do Sul à capital pau-lista porque no caminho não havia co-mo reabastecê-lo com hidrogênio.

O conhecimento adquirido pelas empresas brasileiras será útil para os

três novos veículos de série previstos que deverão ser construídos no Bra-sil, além do primeiro considerado um protótipo. Eles deverão rodar no mes-mo corredor de ônibus, mas já devem apresentar modificações por conta da experiência adquirida. “As lições desse primeiro protótipo serão adotadas nos próximos ônibus e aí eles poderão ser produzidos em série pela Tuttotras-porti”, diz Zündt.

“O compartimento de motorização onde estão instalados os equipamentos como a célula, os motores elétricos, ra-diadores e outros aparelhos deverá ter uma redução de 50% no tamanho.” Os próximos, ainda sem data para serem entregues, terão 15 metros de compri-mento e três eixos e alguns outros com-ponentes e equipamentos nacionaliza-dos. “O eixo, que é húngaro, poderá ser feito aqui, assim como há possibilidade de os motores elétricos e outros dispo-sitivos como radiadores e conversores de tensão serem fabricados no Brasil”, diz Sobrinho. “Serão realizados estudos para reduzir custos, nacionalizando o que for possível, e utilizar o conheci-mento para outros projetos.”

O preço total do ônibus não é reve-lado pelas partes. Sabe-se apenas que é

novo modelo do Citaro é híbrido porque aproveita a energia do hidrogêniopara recarregar baterias

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PESQUISA FAPESP 160 n junho de 2009 n 71

mais caro que aqueles a diesel. O que é divulgado é o investimento total do Projeto Ônibus Brasileiro a Hidrogênio no valor de R$ 38,5 milhões, contando com os outros possíveis três veículos, bem como a unidade de produção e abastecimento de hidrogênio que está em construção na sede da EMTU. O GEF, por meio do Programa das Na-ções Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que presta apoio técnico e administrativo ao projeto, financiou R$ 22,3 milhões. O Ministério de Mi-nas e Energia, com recursos da Finan-ciadora de Estudos e Projetos (Finep), custeou mais R$ 8,3 milhões, enquanto a EMTU investiu R$ 3,09 milhões e as empresas mais R$ 4,75 milhões.

Posto na garagem - Entre as empresas nacionais investidoras no projeto estão a Petrobras e a Eletropaulo. As duas es-tão envolvidas na unidade de produção do hidrogênio. Esse gás não existe de forma isolada na natureza, embora esteja presente na água, no etanol, no gás natural e na gasolina, podendo daí ser extraído por meio da quebra das moléculas dessas substâncias que assim o liberam. O abastecimento do ônibus será feito na garagem da EMTU em São Bernardo do Campo, onde ficam os ônibus que operam no corredor. Uma estação de produção vai ser construí-da na garagem e será operada pela BR distribuidora da Petrobras. O sistema utilizado será a eletrólise da água, em que uma corrente elétrica separa as mo-léculas de hidrogênio e oxigênio. Essa unidade de produção e abastecimento é oriunda da empresa canadense Hydro-genics, especializada na produção de hidrogênio por eletrólise. A Eletropaulo vai construir uma rede especial para o funcionamento da estação de forma menos custosa possível, com o forne-cimento preferencial de energia para fabricação de hidrogênio feito fora dos horários de pico. Como a estação está sendo construída, nos primeiros meses de testes do veículo o hidrogênio virá por caminhão de uma refinaria da Pe-trobras no município de Cubatão.

Um fator preocupante quando se fala em hidrogênio ou de qualquer gás é a segurança. “As paredes do cilindro são de aço inox e muito espessas, o hi-drogênio é uma molécula muito peque-na que pode vazar em escala molecular

se não for bem vedado com material e técnica adequados”, diz Zündt. Além disso, existem sistemas de sensores e válvulas que rapidamente fecham os nove cilindros em caso de impacto do ônibus. Os tanques de hidrogênio, que são de origem norte-americana, carregam cada um 5 quilos (kg) desse gás. No total são 45 kg submetidos a uma pressão de 300 bar, a mesma de um mergulho a 300 metros de profun-didade no fundo do mar. Na célula a pressão é reduzido para 2 bar por um sistema de válvulas. Mas no início do processo da produção na estação ele é estocado a 700 bar. Na estação também é possível estocar o oxigênio liberado da reação. Ele é bem puro e pode ser usado para fins medicinais, se os custos forem favoráveis. Em relação ao preço do quilo do hidrogênio, ele é mais caro que o diesel. O quilo no mercado (que usa o produto para fins industriais e alimentícios nas gorduras hidroge-nadas e o extrai do gás natural por meio de equipamentos chamados de reformadores) não é competitivo em relação ao diesel, mesmo na produção própria via eletrólise porque o gasto de energia e seus custos são grandes.

Para Zündt, a tecnologia para uso no transporte ainda é cara em relação às tradicionais se não for considerado o custo ambiental e de saúde. O sis-tema utilizado no projeto brasileiro é um ciclo fechado onde se inicia e ter-mina com água, que sai em forma de vapor para a atmosfera. Outro aspecto

a considerar é que os sistemas de célula a combustível possuem um nível de eficiência energética muito melhor que os demais. “Em cada quilo se aproveita até 90% do potencial de energia, en-quanto um litro de diesel rende em mé-dia 25% de eficiência energética”, diz Zündt. Os gastos do ônibus certamente serão mais bem percebidos ao longo de alguns meses de funcionamento no corredor metropolitano onde o veículo vai trafegar. Mas, mesmo antes de en-trar em operação, o ônibus brasileiro a hidrogênio já desperta a atenção de futuros compradores. “Um grupo eu-ropeu da área de transportes nos fez uma consulta sobre a tecnologia e o custo do ônibus com o intuito de ven-der para países asiáticos”, disse Zündt sem revelar maiores dados porque são confidenciais.

“O ônibus a hidrogênio no Brasil é parte de um programa mundial que tem o objetivo de não emitir carbono (CO2) com os veículos e o mérito de ser um projeto de demonstração”, diz o professor Ennio Peres, coordenador do Centro Nacional de Referência em Energia do Hidrogênio (Ceneh), ins-talado no Laboratório de Hidrogênio (LH2) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “É muito importante tornar a tecnologia do hidrogênio conhecida mostrando suas van-tagens e que seu uso não é perigoso.” n

Células a combustível do Classe a, em testes na Europa, são usadas no ônibusbrasileiro

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AMBIENTE

Carro a álcool emite 92% menos compostos poluentes não controlados | Yuri Vasconcelos

Principal vilã da qualidade do ar nas grandes metrópoles, a frota de veículos automotores lança na atmosfera milhões de toneladas de poluentes todos os dias. Entre os principais e mais conhecidos estão o monóxido de carbo-no (CO), o dióxido de enxofre (SO2), os óxi-dos de nitrogênio (NOx), os hidrocarbonetos

e os materiais particulados, como poeira e fumaça. Esses poluentes são regulamentados e têm limites precisos de emissão pelos motores desde a fabrica-ção, segundo o Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), lançado pelo governo federal em 1986. Mas o escapamento dos veículos libera outros poluentes, entre eles os chamados hidrocarbonetos policíclicos aromáticos ou, simplesmente, HPAs, que não são controlados de forma sistêmica nem abrangidos pela legislação ambiental. Um recente estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que esses gases estão presentes em altas quantidades na atmosfera. A boa nova é que o carro a álcool é capaz de reduzir o problema em 92% se comparado ao movido a gasolina.

“Essas substâncias têm poder cancerígeno e preci-sam igualmente ser controladas”, afirma o engenheiro químico e sanitarista João Vicente de Assunção, pro-fessor e chefe do Departamento de Saúde Ambiental da FSP, que coordenou o projeto para quantificar a concentração de HPAs e outros poluentes tóxicos não regulamentados na cidade de São Paulo. Os hidrocar-bonetos policíclicos aromáticos são um vasto grupo de compostos orgânicos que têm como característica a presença de dois ou mais anéis aromáticos na com-posição química das moléculas. Tais anéis são forma-dos por seis átomos de carbono e seis de hidrogênio, fo

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sendo o principal representante dessa classe o benzeno. Entre as dezenas de HPAs existentes, dezesseis são mais importantes porque provocam danos à saúde, como o naftaleno, o fluoreno, o fenantreno e, o pior deles, o benzoa-pireno, de maior toxicidade.

Além de serem emitidos por auto-móveis, os HPAs são liberados na inci-neração de lixo, na fumaça de cigarros e na queima de lenha e de carvão. “O pro-blema desses compostos, assim como de outros que também foram objeto de nossos estudos, como as dioxinas e os furanos, é que eles são muito tóxicos e em geral são lipossolúveis. Isso sig-nifica que vários deles se acumulam na gordura do corpo. Após complexa metabolização no organismo e com o passar dos anos, podem causar câncer, sendo que os HPAs estão relacionados a câncer de pulmão e de bexiga”, ex-plica Assunção.

Os estudos feitos pelo pesquisador e seu grupo foram divididos em três vertentes. Na primeira, o objetivo foi analisar a concentração de HPAs no ar de São Paulo. Na segunda, buscou-se quantificar a liberação desses compos-tos por veículos movidos a gasolina e álcool, e na terceira o objeto de estudo foram as emissões dos motores a die-sel. Para checar a qualidade do ar de São Paulo, foram instaladas estações de coleta em três pontos da cidade:

>

Procura-se um ar mais limpo

Os HPAs presentes no ar de São Paulo podem provocar o aparecimento de cânceres

72 n junho De 2009 n PESQUISA FAPESP 160

74 n junho De 2009 n PESQUISA FAPESP 160

na própria Faculdade de Saúde Pública, localizada no bairro de Cerqueira Cé-sar, na região central, na Marginal do Tietê (no bairro da Lapa, na zona Oes-te) e nas proximidades do aeroporto de Congonhas, na zonal Sul da capital. As amostras de ar foram coletadas em filtros de microfibra de quartzo e em espuma de poliuretano, de onde fo-ram posteriormente extraídos e anali-sados com o uso de dois instrumentos de laboratório, um espectrômetro de massas e um cromatógrafo gasoso. “A pesquisa revelou que a concentração de benzoapireno em São Paulo é, em média, de 1,09 nanograma por metro cúbico de ar. É uma concentração ele-vada em relação a cidades europeias e norte-americanas. Corresponde, por exemplo, a quatro vezes o nível de re-ferência no Reino Unido, que é de 0,25 nanograma por metro cúbico, mas o ideal é que esteja presente na menor concentração possível, pois mesmo a baixas concentrações ainda é um risco para a saúde”, destaca Assunção.

A investigação sobre as emissões de HPAs por veículos foi coordenada pelo tecnólogo mecânico Rui de Abrantes, que fez seu doutorado na Faculdade de Saúde Pública da USP e hoje trabalha na Companhia de Tecnologia de Sanea-mento Ambiental (Cetesb) de São Pau-lo. Foram usados nos testes, conduzidos no Laboratório de Testes de Veículos

da Cetesb, dois tipos de automóvel, um com motor flex ou bicombustível, abastecido apenas com álcool, e outro a gasolina. “Para que os veículos fossem representativos da frota paulistana, op-tamos por carros com motorização de 1.6 cilindrada, equipados com injeção eletrônica e catalisador”, conta Abran-tes. O automóvel a gasolina, fabricado em 1998, tinha rodado 67 mil quilôme-tros, enquanto o flex, de 2004, marcava no hodômetro 56 mil quilômetros.

No total, foram realizados 15 di-ferentes ensaios nos veículos, sendo 9 no carro a gasolina e 6 no bicombus-tível, com variação de alguns parâme-tros, como tipo de gasolina (comum, premium ou adulterada), tipo de óleo para o motor (mineral ou sintético), qualidade do álcool (normal ou adul-terado) e presença ou não de aditivos detergentes – ofertados em postos de gasolina – nos combustíveis. Os gases foram coletados diretamente do esca-pamento dos carros, que simularam em laboratório as condições de circulação em meio urbano. “Depois que as aná-lises foram processadas, descobrimos que, na média, os veículos movidos a ál-cool emitem 92% menos HPAs do que os carros a gasolina”, diz Abrantes.

Óleo sintético - Os resultados também demonstraram que o emprego de aditivos em carros a gasolina levou ao aumento da emissão de naftaleno e fenantreno, ao passo que nos automóveis testados com gasolina adulterada, com acréscimo de solvente de borracha, houve redução desses dois compostos. “O combustível adulterado utiliza solventes de borracha que acabam diluindo a gasolina. Se, por um lado, ele emite menos HPAs, por outro pode estar liberando outros poluentes tóxicos não quantificados”, explica Abrantes. O uso de óleo sinté-tico no lugar do mineral, nos veículos a gasolina, por sua vez, contribuiu de maneira significante para a redução da emissão de naftaleno e fluoreno. Com relação aos veículos a etanol, os mes-mos tipos de óleo foram testados, mas não revelaram diferenças estatísticas significantes na emissão de HPAs. Os resultados da pesquisa foram publi-cados na edição de janeiro da revista Atmospheric Environment.

Abrantes, da Cetesb, diz que a legis-lação não impõe um controle direto

A concentração de HPAs em São Paulo é quatro vezes maior que o nível permitido no Reino Unido

1. Caracterização de dioxinas, furanos e hidrocarbonetos policíclicos aromáticos em emissões veiculares e em atmosfera urbana2. Estudo da presença de dioxinas e furanos no material particulado emitido por motores diesel

modAlIdAdE

1 e 2. auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

Co or dE nA dor

João Vicente de Assunção – usP

InvEStImEnto

1. R$ 213.044,00 e us$ 74.892,00 (faPesP)2. R$ 13.557,71 (faPesP)

Os PrOjetOs>

PESQUISA FAPESP 160 n junho De 2009 n 75

sobre HPAs emitidos por veículos automotores porque os testes neces-sários para detecção desses poluentes são caros e iriam, em última instância, onerar o preço dos automóveis. “Como os HPAs são um subgrupo dos hidro-carbonetos e também estão presentes no material particulado, que são po-luentes regulamentados, podemos dizer que há um controle, ainda que indireto, sobre eles.”

A terceira frente do estudo – quanti-ficação da emissão de HPAs por moto-res a diesel – foi realizada em bancada, no laboratório de um fabricante desses equipamentos considerando os vários compostos de HPAs. Em média, os motores emitiram 0,689 micrograma de toxicidade equivalente de benzoa-pireno por quilômetro rodado. Por ser considerado o mais tóxico dos HPAs, o benzoapireno é usado como referência para medir a toxicidade desses com-postos, com um fator 1, enquanto os demais têm valores inferiores.

Nos carros a gasolina esse índice é de 0,832 e nos movidos a etanol, de

> Artigo científico

AbRANTES, R.; ASSUNçãO, J.V.; PESqUERO, C.R.; bRUNS, R.E.; NObREgA, R.P. Emission of polycyclic aro-matic hydrocarbons from gasohol and etha-nol vehicles. Atmospheric Environment. v. 43, p. 648-654, jan. 2009.

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0,016, no entanto não é possível com-parar diretamente com a emissão dos motores a diesel, porque os procedi-mentos de ensaio são diferentes, além de os motores a diesel testados serem novos, portanto com menor emissão de HPAs, e os veículos a gasolina e a álcool são da frota em uso.

Cloro e bromo - Além da investigação sobre a emissão de HPAs, Assunção e seus colaboradores também se debruçaram sobre outros dois conjuntos de compostos tóxicos liberados pelos veículos, mas esquecidos pela legislação ambiental: as dioxinas e os furanos. Ambos são compostos orgânicos caracterizados pela presença de átomos de cloro ou bromo em sua composição. “Não chegamos a uma conclusão definitiva sobre o teor de emissão de dioxinas e furanos clorados nos veículos a diesel, tudo indica que é tão ou mais importante que a emissão de carros a gasolina e álcool”, destaca.

Os resultados das pesquisas, que contaram com financiamento da FA-PESP, foram apresentados em 2008

na 28ª Conferência Internacional so-bre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) (Dioxin2008), na Inglaterra, e na 16ª Conferência Internacional em Modelagem, Monitoramento e ge-renciamento da Poluição do Ar (Air Pollution 2008), na grécia, e no en-contro da Associação Interamericana de Engenharia Sanitária e Ambiental, no Chile, em 2007. “Estados Unidos, Japão e Europa possuem programas de controle e têm obtido sucesso na redu-ção desses três grupos de substâncias [HPAs, dioxinas e furanos]. Esperamos que nossos trabalhos influenciem polí-ticas públicas que levem à prevenção e controle desses poluentes, tão nocivos à saúde humana”, ressalta Assunção. n

76 n JUNHO DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

EngEnharia dE alimEntos

Nutrição seletivaSorvete com cereais e outros produtos com aditivos benéficos são patenteados pela USP

Microrganismos vivos com-binados a um composto chamado inulina, retirado de plantas como chicória e alcachofra, foram tes-tados em uma sobremesa gelada com a consistência

de sorvete recoberta por cereais, en-tre diversas formulações de alimentos funcionais desenvolvidas na Universi-dade de São Paulo (USP), cinco delas em processo de patenteamento. Esses alimentos são considerados funcionais porque, além dos nutrientes tradicio-nais, contêm aditivos capazes de pro-mover benefícios à saúde. O sorvete com barra de cereal, testado e aprovado por centenas de pessoas que participa-ram da avaliação sensorial do produto, constitui uma novidade. “Não existe nada similar no mercado brasileiro”, diz a professora Susana Isay Saad, do Departamento de Tecnologia Bioquí-mica-Farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, coor-denadora dos projetos.

No sorvete são adicionadas as bactérias Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium, com comprovada ação probiótica. “Essas bactérias me-lhoram o equilíbrio da microbiota, o conjunto de microrganismos intestinal, porque competem com as bactérias pa-togênicas, ocupando o acesso que elas teriam para se aproximar do epitélio [camada superficial] intestinal”, diz

Dinorah Ereno

Susana. As bactérias pertencentes aos gêneros Lactobacillus e Bifidobacte-rium são frequentemente empregadas como suplementos probióticos para alimentos, uma vez que elas têm sido isoladas de todas as porções do trato gastrintestinal de pessoas saudáveis. Os probióticos aumentam de maneira sig-nificativa o valor nutritivo e terapêutico dos alimentos porque permitem que o organismo absorva melhor princi-palmente as vitaminas do complexo B, os aminoácidos, o cálcio e o ferro. Eles também ajudam a fortalecer o sistema imunológico, ao aumentar os níveis de anticorpos e a atividade dos macrófa-gos, células que englobam e destroem corpos estranhos. “Os microrganismos probióticos são colocados somente depois da pasteurização, porque não sobrevivem a temperaturas elevadas, e antes do resfriamento do produto”, explica Susana.

Reserva energética – Na composição do sorvete entram ainda gordura láctea e a inulina, substância encontrada em milhares de plantas, já que se constitui em sua reserva energética. Em algumas delas, no entanto, ela se concentra em maior quantidade, como na raiz da chicória, de onde é isolada, extraída e concentrada em forma de pó. “Como é um processo sofisticado, poucas em-presas no mundo conseguem produzir esse composto”, diz a pesquisadora. A

inulina é um açúcar chamado frutoli-gossacarídeo que não é digerido pelo estômago, ao contrário da maioria dos açúcares. É pouco calórica – cerca de 1,5 quilocaloria (kcal) por grama, ante 4 kcal/g do açúcar e 9 kcal/g da gordura – e pode substituir parcialmente o açúcar e auxiliar no tratamento de diabéticos porque não aumenta o nível de açúcar no sangue.

Assim como a inulina, a oligofruto-se também é encontrada nos vegetais. Ambas são carboidratos complexos e consideradas fibras prebióticas porque chegam intactas ao intestino, onde são aproveitadas pelos microrganismos be-néficos como as bifidobactérias – um grupo de microrganismos presente na flora intestinal que inibe o desenvol-vimento de bactérias indesejáveis no trato digestivo –, os lactobacilos e ou-tras bactérias probióticas.

Os benefícios à saúde provenientes do consumo desse tipo de carboidrato estão ligados, principalmente, ao au-mento de bifidobactérias no cólon, que protegem contra infecções por resultar em maior acidificação, o que também contribui com uma melhor absorção de minerais, como o cálcio e o ferro. A inulina tem também um papel funcio-nal parecido com o das fibras, que não são digeridas pelo nosso organismo, auxiliando na digestão e na elimina-ção de toxinas.

A barra de cereal, que tem em sua composição aveia, flocos de arroz, cas-tanha-do-pará, mel, lecitina de soja e outros ingredientes, foi desenvolvida especialmente para a formulação ge-lada, porque as tradicionais, quando submetidas a baixas temperaturas, en-durecem. “Foram testadas quatro dife-rentes formulações do cereal em barra com sorvete”, relata Susana. Todas as formulações e testes foram conduzidos pela mestranda Juliana Bolfarini Hara-mi, orientada pela professora Susana.

As análises sensoriais foram feitas no total com 600 pessoas, já que cada uma das quatro formulações foi testada três vezes por 50 pessoas. As avaliações

>

com análise sensorial, estão ainda um queijo tipo petit-suisse, um manjar- -branco, uma musse de goiaba e uma margarina, que está sendo desenvolvi-da pela doutoranda Cinthia Batista de Souza, com coorientação do professor Luiz Antonio Gioielli. Todos os proje-tos, exceto o do manjar-branco, foram financiados pela FAPESP. Os pedidos de patente de invenção foram depositados pela Agência USP de Inovação.

A produção do queijo petit-suisse, desenvolvido por Haíssa Roberta Car-darelli durante o seu doutorado, foi feita a partir de uma massa-base de queijo tipo quark, produto com con-sistência cremosa que pode receber a adição de condimentos doces ou sal-gados. Foram acrescentados à base os probióticos Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium lactis, que quando con-sumidos ao mesmo tempo podem au-mentar, por exemplo, a resposta imune do organismo, e os prebióticos inulina e oligofrutose. Nas várias formulações testadas, verificou-se que a inulina e a oligofrutose, quando combinadas, melhoraram as características senso-riais dos queijos. Já para a musse de goiaba, desenvolvida no doutorado de Flávia Alonso Buriti, observou-se que a substituição de parte do creme de lei-te presente na formulação pela inulina resultou em uma maior resistência de Lactobacillus acidophilus a condições simuladas de digestão do produto. n

foram feitas sete dias após o produto es-tar pronto e congelado a -18ºC, depois de 28 dias e aos 84 dias, considerado o período de validade. “O produto teve muito boa aceitação”, diz a coordena-dora da pesquisa. Foi feita ainda uma comparação de nutrientes e do valor energético do gelado recoberto pelo ce-real com sobremesas lácteas congeladas, como os sorvetes Cornetto, Mega Trufa e outros de duas marcas tradicionais que não se incluem na categoria de ali-mentos funcionais. “Os produtos, em média com peso de 76 gramas, apresen-taram cerca de 230 calorias por porção”, relata. “Enquanto o sorvete com cereal de 70 gramas nas quatro versões ava-liadas registrou média de 136 calorias por porção.”

Cepas selecionadas – Os bons resul-tados obtidos nessa pesquisa são fruto do desdobramento de um trabalho iniciado em 2000. Na época, Susana começou a pesquisar o emprego de culturas probióticas no processamen-to de queijo do tipo minas frescal, com auxílio da FAPESP. Nesse estudo foram utilizadas três culturas de bactérias pro-bióticas durante a produção do queijo, Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus paracasei e Bifidobacterium animalis. “Foram escolhidas cepas comprova-damente probióticas”, diz Susana. Essa escolha é importante porque os efei-tos probióticos são específicos apenas para determinadas cepas. As bactérias adicionadas ao leite se mostraram com excelente potencial para melhorar o funcionamento do intestino e reduzir os perigos de contaminação de origem alimentar. Além de diminuir a acidez do queijo, o Lactobacillus acidophilus redu-ziu a proliferação de microrganismos contaminantes no próprio alimento, o que contribui para aumentar a vida de prateleira do produto.

Outras pesquisas realizadas pelo grupo mostraram que era possível ex-pandir o leque de produtos com efei-tos benéficos para a saúde. Entre as novidades já testadas, inclusive

1. Desenvolvimento de margarina probiótica e simbiótica: viabilidade do probiótico no produto e resistência in vitro2. Sobremesa aerada simbiótica: desenvolvimento do produto e resistência do probiótico in vitro3. Desenvolvimento de queijo petit-suisse simbiótico

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Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

Co oR dE nA doRA

SuSana Marta ISay Saad - USP

InvEStImEnto

1. R$ 112.405,19 (FAPESP) 2. R$ 94.125,53 (FAPESP)3. R$ 76.307,16 (FAPESP)

Os PrOjetOs>

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Composição de cereais formulada para suportar baixa temperatura do gelado

78 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

O sonho do

A arqueologia brasileira e a eterna busca por civilizações ocultas na Floresta Amazônica | Carlos Haag

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Uma “briga” acadêmica que não escon­de diferenças ideológicas. A primeira, do “paraíso ilusório”, é defendida pela arqueóloga americana Betty Meggers, para quem o ambiente de solos “po­bres” em nutrientes da região impediu uma agricultura intensiva e, logo, a for­mação de grandes populações avança­das. A sua rival prega a existência de um “Eldorado quase real”, como afir­mam os seguidores de outra arqueó­loga americana, Anna Roosevelt, que desprezam as hipóteses “deterministas ambientais” de Meggers como “impe­rialistas” e interessadas em reforçar “a degeneração dos índios”. Esse grupo prefere trabalhar com a hipótese de que, em tempos pré­coloniais, a Ama­zônia abrigou cacicados desenvolvidos e com “um nível de sofisticação em seu modo de vida que rivalizava ou mesmo excedia o europeu”, para usar as pala­vras do antropólogo Neil Whitehead, da Universidade de Wisconsin.

“Após três séculos o mito de Eldora­do está sendo revivido por arqueólogos. Insistir no ‘mito de impérios amazôni­cos’ não apenas impede pesquisadores de reconstruir a pré­história da região como os faz cúmplices na aceleração do processo de degradação ambiental, já que subsídios para a crença de que a exploração do ecossistema da floresta é possível”, afirmou Meggers em seu artigo “The continuing quest for El Do­rado: round two”. Efetivamente, num livro recém­lançado nos EUA, The lost city of Z (que deve sair em julho no Brasil pela Companhia das Letras), de David Grann, a história da malfadada expedição do coronel britânico Percy Fawcett (1867­1925) ao Xingu em

busca da civilização perdida de “Z”, o arqueólogo Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida e um dos principais detratores de Meggers, re­força o mito. “Havia nessa região uma cultura estética da monumentalidade e os índios gostavam de ter belas estradas e praças e pontes. Seus monumentos não eram pirâmides, daí ser difícil de achá­los, mas criações horizontais não menos extraordinárias”, diz o pesqui­sador, parte integrante de uma equipe que afirma ter encontrado provas ar­queológicas de cacicados avançados na Amazônia. “Fawcett estava convencido de que a floresta selvagem escondia ves­tígios de pelo menos uma civilização avançada. Ele estudou as lendas do Eldorado e ouviu dos índios descri­ções de grandes cidades com muitas ruas, lugares onde o ambiente não era problema e havia comida abundante”, afirma Grann. “O coronel irritava­se com seus detratores, os ‘homens de ciência’, que também haviam ridicula­rizado a ideia de grandes civilizações pré­colombianas ou a existência de Troia. Falava sempre da sua visão de uma cultura majestosa no Amazonas que se irradiou para regiões distantes, mas, por fim, acabou devorada pela flo­resta.” O mesmo destino aguardava o coronel, desaparecido naquele mesmo ano no Xingu. “Ele pode ter sido um amador e facilmente desprezado como um ‘maluco’, mas, de certa forma, viu as coisas com mais clareza do que muitos eruditos profissionais da arqueologia”, nota Heckenberger.

O pesquisador deixa claro que não está em

busca de “eldorados”, embora seja difícil não pensar nesses

Ao encontrar, em uma ca-verna, um papiro com a

figura humanizada do sol e uma inscrição indí­gena, o Doutor Benignus decide partir à procura

de mundos perdidos numa ar­riscada expedição pelo interior do

Brasil. Depois de uma série de aventu­ras rocambolescas, o documento o leva até uma ilha misteriosa e lá resolve criar uma “civilização” que reuniria todos os povos e seria capaz de livrar os brasi­leiros “da indolência e do barbarismo”. Todo o esforço em solucionar o enigma valeu a pena, pois, assegurava o natura­lista, “o Brasil é fonte inexaurível como subsídio para a história das primeiras épocas da humanidade!” Infelizmente, o pobre cientista descobre que correra em busca de uma falsa utopia, pois o tal papiro era uma falsificação feita por seu criado, que queria tirá­lo da tristeza em que mergulhara em face da realida­de pouco gloriosa do país. Não é uma coincidência que a primeira obra de ficção científica feita no Brasil, Dou-tor Benignus (1875), de Emílio Zaluar (1826­1882), tenha sido um “romance arqueológico de mundos perdidos”. Procurar monumentos escondidos na floresta densa pode ser risível, mas, em outras plumagens, o dilema se fomos “inferno ou Eldorado” ainda hoje é um dos principais motivos de discussão en­tre arqueólogos, como revela Cotidiano e poder na Amazônia pré-colonial (240 páginas, R$ 92), de Denise Cavalcante Gomes, Museu Nacional da Universi­dade Federal do Rio de Janeiro, lançado agora pela Edusp.

Em pesquisas feitas no Pará, a ar­queóloga cava buracos nas teorias que tentam explicar a ocupação amazônica.

Eldorado amazônico

história>humanidadEs

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 79

80 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

nacional. Afinal, o Império brasileiro não podia fi­car atrás das repúblicas latinas vizinhas e pre­cisava apresentar ruí­nas de civilizações que estivessem à altura de astecas, incas e maias.

“Os anos 1840 fo­ram o auge da tentativa da monarquia brasileira de recuperar restos monumen­tais, relacionando a história nacional a civilizações formidáveis, a exemplo da Atlântida ou dos fenícios e vikings. Não sem razão foi no ano da coroação de dom Pedro II que se realizaram as prin­cipais expedições de busca da ‘cidade perdida’ no interior da Bahia”, explica o historiador Johnni Langer, da Univer­sidade Federal do Maranhão, autor do doutorado Ruínas e mito: a arqueologia no Brasil Império. A arqueologia já nas­cia como “ciência do Estado”, convoca­da a ajudar na criação de um “mito de origem” para a nova nação. “O mito das cidades perdidas virou um valor para­digmático, um modelo de referência do passado nacional: a civilização avançada perdida que deixou marcas por todo o território, sendo então rastreada pela ar­queologia”, nota o pesquisador. “O papel da arqueologia e dos museus seguia as narrativas que reuniam os Estados na­cionais a grandes civilizações, material palpável para a elaboração de símbolos nacionais e vinculações ancestrais, na­turalizando o sentimento de pertencer a uma nação”, analisa o historiador Lu­cio Menezes Ferreira, da Universidade Federal de Pelotas, que acaba de termi­nar um pós­doutorado sobre o tema no

(e em Fawcett) em face de suas desco­bertas recentes de vestígios das chefias pré­coloniais, cuja interpretação, alerta Denise, contribui perigosamente “para a construção de uma imagem grandio­sa do passado amazônico, reafirmada em sínteses acadêmicas”. Efetivamente, a arqueologia é uma das ciências que mais mexem com o imaginário ociden­tal. Não sem razão foi (e é) fonte de romances e filmes populares. As ideias de Fawcett, por exemplo, inspiraram Conan Doyle (1859­1930), o criador de Sherlock Holmes, a escrever Mun-do perdido (1912), primeira novela a usar a Amazônia como cenário de um “romance de mundo perdido”. Entre meados do século XIX e do século XX esse subgênero predominou em detri­mento do chamado “romance plane­tário” (aventuras espaciais futuristas) como tema central da incipiente ficção científica nacional. “Há uma ausência do ‘romance planetário’, muito em voga no exterior, entre nós. O ‘mundo perdi­do’, em especial o amazônico, teve mais ressonância por causa do exotismo e imensidão que víamos no nosso territó­rio, que nos fazia pensar o Brasil como ‘romance planetário’, um vasto mundo cuja ecologia evocava mistério e inquie­tação”, analisa Roberto de Sousa Causo,

autor de Ficção científica, fantasia e horror no

Brasil (1875-1950), estudo editado pela Universidade Fede­

ral de Minas Ge­rais (UFMG). “O território selvagem

dava à nossa consciência uma paisagem colonial

ocupando o nicho mental de um im­pério rico e inexplorado que ajudaria a nossa projeção no resto do mundo. Só que, aqui, ao contrário do ‘mundo perdido’ colonialista de escritores es­trangeiros, era expressão de um impe­rialismo interno, projeção de estratégias colonialistas sobre regiões inexploradas do próprio país”, avalia. Há para todos os gostos, desde A Amazônia misteriosa (1925), de Gastão Cruls, que descreve encontros com guerreiras amazonas, até A República 3000 ou a filha do in-ca (1927), de Menotti del Picchia, que mistura princesas incas, civilizações cretenses, florestas tropicais brasilei­ras e utopias eugenistas e racistas, que afirmavam a degeneração do índio e do caboclo e a superioridade europeia.

E ssa literatura que misturava “ciên­cia”, política, ideologia e exotismo, porém, não foi influenciada apenas

pelas leituras de Rice Haggard e seu As minas do rei Salomão, mas refletia toda uma história de discussões sérias feitas por doutores do IHGB (Instituto Histó­rico e Geográfico Brasileiro) e do Museu Nacional e outras instituições sérias. Co­mo o melancólico Doutor Benignus, há tempos os doutos de carne e osso do país padeciam do mesmo mal e sonhavam, como ele, em encontrar civilizações per­didas que provassem a grandeza inata da jovem nação. Desde 1838, quando foi criado, com total apoio do Estado imperial, o IHGB, cuja linha mestra pre­conizava “buscar vestígios do passado, relíquias esquecidas no solo pátrio”, ex­pedições foram organizadas para reve­lar o passado glorioso que poderia ser recuperado pela nascente arqueologia

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 81

Núcleo de Estudos Estratégicos da Uni­camp (2008).

“Vestígios de civiliza­ções mediterrâneas camu­flados sob as matas tropicais, garranchos semíticos em paredes de cavernas, invadiram aos poucos a ima­ginação literária, quando trabalhá­los ‘em ciência’ trazia o risco de expor es­tudiosos a chacotas”, explica Ferreira. Antes disso, porém, a imaginação era a força motriz da arqueologia. Em 1839, numa reunião do instituto, os erudi­tos foram alertados para a presença, na pedra da Gávea, “de uma inscrição em caracteres fenícios e que revelam grande antiguidade”, o que levava à conclusão de que “o Brasil tinha sido visitado por nações conhecedoras da navegação antes dos portugueses”. Uma expedição foi enviada e retornou algo desapontada, pois o achado poderia ser apenas “feito pela natureza”. Isso não impediu, no relatório de conclusão, que se afirmasse tratar de uma descoberta “de importância comparável às gran­des construções da arqueologia, como os grandes monumentos do Egito e as cidades mesopotâmicas que poderiam fazer uma revolução na nossa história e abrir uma estrada luminosa do passado ao futuro”. Clamava­se por um “Cham­pollion brasileiro” que mudasse os co­nhecimentos sobre a história nacional, sem fatos ou monumentos notáveis. “Era preciso poder colocar o Brasil do futuro ao lado das grandes nações e impérios, orgulhosos de suas ruínas antigas. A partir de 1840, a aceitação da existência da ‘geração perdida’, uma civilização nacional avançada desapa­recida, mostra a união de mito e his­tória, ideal de ‘como deveria ter sido’ o Brasil dos tempos antigos, mesmo sem evidências concretas”, avalia Langer.

A final, ninguém menos do que o cé­lebre Von Martius, em Como se deve escrever a história do Brasil (1845),

opúsculo premiado pelo IHGB cujas ideias deveriam nortear a instituição, afirmou que “não há de se achar inve­rossímil encontrar antigos monumentos nas florestas do Brasil, tanto mais que até agora elas não são conhecidas nem acessíveis senão em pequena proporção”. Para o naturalista alemão a localização dos preciosos vestígios seria na Floresta

da inda na Monarquia e primeiro­de­­abril passado no Alencar Araripe pelo jornal Comércio das Amazonas”. “Essa ironia andradiana ataca diretamente a chamada ‘arqueologia nobiliárquica’ que se fazia então e que, como os par­nasianos, tinha os pés no Brasil e os olhos voltados para a Europa”, observa Ferreira. Segundo o pesquisador, para a elite política e intelectual do IHGB era uma busca que pretendia dar um lugar social a ser ocupado pelos indígenas dentro da lógica genealógica do Esta­do imperial. “Estabelecer antepassados nobres (fenícios, gregos ou europeus) para os indígenas viabilizava represen­tá­los no quadro das nações civilizadas. Numa sociedade que distribuía títulos de nobreza e em que o passado indí­gena deveria modelar­se num espelho agradável para a ‘raça branca’, as raças fossilizadas também deveriam ser ‘no­bres’, ainda que essa ‘nobreza’ estivesse perdida num tempo quase sem memó­ria”, nota o historiador. Era necessário provar que os antepassados indígenas eram de natureza diversa dos “degene­rados” índios contemporâneos, “ruínas de povos” como os chamava Martius, insistindo na ideia da “geração gran­diosa” que se extinguiu. “Eles, então, teriam sido antes criadores, membros de uma antiga civilização que seria re­construída pela nobreza do império, numa arqueologia que se confunde com a heráldica e que seja uma arque­ologia nobiliárquica a reconstruir a ge­nealogia da nação.” Se não havia ruínas nas florestas, a culpa era do ambiente

Amazônica, espaço misterioso onde a vegetação poderia

ocultá­los, o que exi­gia a observação direta por

meio de expedições científicas, como a busca pela “cidade perdida da Bahia”, iniciada em 1840, a pedido do instituto, pelo cônego Benigno Carva­lho. Um ano antes, um pesquisador en­contrara um manuscrito anônimo, “Re­lação historica de uma occulta, e grande povoação antiquissima sem moradores”, suposta narração feita por bandeirantes sobre como haviam se deparado com um vilarejo deserto que, entre outras maravilhas, possuía “uma collumna de pedra preta de grandeza extraordinaria, e sobre ella huma Estatua de homem ordinario, com humana mao na ilharga esquerda, e o braço direito estendido, mostrando com o dedo index ao Polo do Norte; em cada canto da dita Praça está uma Agulha, a imitação das que uzavão os Romanos”. Hoje conhecido como o Manuscrito 512 (o mesmo que Fawcett usaria como “guia” de sua expedição), essa visão de uma civiliza­ção “clássica” em plena Bahia atiçou a imaginação não apenas de estudiosos brasileiros, mas de várias instituições internacionais. Nada foi encontrado, mas isso não impediu que o IHGB insistisse em pesquisar, no sertão bra­sileiro, menires, inscrições com runas que atestariam a passagem de nórdicos nos trópicos, outras cidades perdidas e mesmo relatos da descoberta de um “fragmento de estátua de mármore con­temporâneo do mais brilhante período da arte grega”, em 1887, na Amazônia. A informação era falsa, como também eram as inscrições talhadas numa pedra enviada a Ladislau Neto, do Museu Nacional, que as tra­duziu e afirmou se tratarem de um relato da vinda de fenícios da cidade de Sidônia para o Brasil.

Macunaíma, o anti­herói de Mario de Andrade, em sua busca quase arqueoló­gica pela pedra muiraquitã, das amazonas, também se impressionou, em seu percur­so, com “letreiros encarnados da gente fenícia” e, cavando em Manaus, “descobriu os restos de Deus Marte, escultura grega acha­

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hostil que as destruía. O índio, ainda assim, era “um grego nu”. O espelho primitivo, com novas cores, reforçava os “brilhos da civilização”.

“Ele podia ser um bárbaro na sua condição atual, mas talvez ainda recupe­rável para a história da nação, desde que o reverso da medalha contivesse símbo­los de uma cultura elaborada”, observa o pesquisador. Mas, segundo Ferreira, a busca de vestígios de civilização não era apenas uma fantasia mitológica, a res­surreição de mitos antigos no imaginário científico. “Descobrir monumentos nas florestas brasileiras também respondia a interesses específicos do projeto polí­tico imperial: interiorizar a civilização e civilizar as populações indígenas. As ‘viagens arqueológicas’ não buscavam apenas ruínas, mas também cartografar o espaço, descobrir riquezas minerais, esmiuçar tudo aquilo que era visto como a antítese da civilização.” As pesquisas arqueológicas, desde o Império, então procuravam instituir um “colonialismo interno”. “Narravam um passado nativo e mostravam que, de algum modo, ele sobrevivia no presente. Assim, o terri­tório estaria ainda coalhado por povos cuja ‘inferioridade cultural’ clamava por missões civilizadoras, projetos de pacificação e, mais tarde, a revitaliza­ção dos aldeamentos em consonância com a ciência mundial. Arqueologia e colonialismo queriam promover, assim, a expansão geográfica e geopolítica do Estado nacional”, explica Ferreira. Afi­nal, os indígenas seriam ingredientes da futura mão de obra do Brasil. “Deve­riam ser civilizados nos assentamentos, povoar os sertões e aguardar a chegada de imigrantes ‘brancos’ com os quais se miscigenariam recompondo as fibras da população nacional.” Ao classificarem os povos indígenas de degenerados, o IHGB (por meio de figuras como Von Martius e Varnhagen), muito admirado pelo imperador, legitimou esse “colo­nialismo interno”, como fariam, mais tarde, os “romances de mun­do perdido” da nossa ficção científica, amplamente divulgada pela impren­sa e com largo acesso ao público leigo, para quem o índio fora cria­dor de uma civilização que o inóspito Amazonas degenerou. Outros, leigos

ou doutos, preferiam vê­los como frutos de expansão da civiliza­ção andina pelo Brasil que a ecologia nacio­nal, o “determinismo ambiental”, teria igual­mente degenerado.

Q uando a triste reali­dade coloca em xeque o modelo da “arqueologia do fantás­

tico”, os pesquisadores voltam­se para a “arqueologia do primitivo”, como pre­conizada pelos estudos de Peter Lund e seus achados na Lagoa Santa. “A partir de 1865, pode­se até pensar em ‘civili­zações europeias’ chegando à América, desde que se escave sítios arqueológicos para verificar se os artefatos possuem ou não signos legíveis de civilização. Não basta, como fazia a ‘arqueologia nobiliárquica’, o achado fortuito. Agora a ordem era escavar e recuperar os res­tos de ‘raças primitivas’ e as ‘relíquias’ de civilização para estabelecer a origem dos sítios arqueológicos e dos indíge­nas”, afirma o historiador. Darwin havia chegado ao Brasil, como se podia ver no enunciado de Lund, para quem a natureza sempre procede do “imper­feito para o perfeito”. O IHGB perdia terreno, embora, até o século XX, havia quem continuasse a perseguir “cida­des perdidas” além do pobre Fawcett. “O Brasil não seria só o mais antigo continente, mas o berço de civilizações mesoamericanas, tendo em suas matas, sobre raízes pré­históricas, uma peque­na ilha de civilização, a ilha de Marajó”. Ponto para o Doutor Benignus.

“A arqueologia do primitivo não só buscou registros de primitividade e ci­vilização nos sambaquis, mas deu lastro à teoria da antiguidade do espaço ‘Bra­sil’. Como fizera antes a nobiliárquica, a do primitivo lançou hipóteses sobre o povoamento nacional. O continente

‘mais antigo do planeta’, origem de civilizações americanas, ger­

minado por uma raça pri­mitiva que se expandiu

dos planaltos mineiros para as cordilheiras andinas: tudo garan­tia a nova demarcação geopolítica, agora com

bases sólidas arqueológi­cas.” A ciência continuava

a ser cortejada pela polí­tica e pela ideologia ou a aceitá­la de bom grado. Daí, nota Ferreira, a per­sistência da teoria da de­generação indígena que teria continuado nos trabalhos de Betty Meg­gers, responsável, a partir

de 1964, ao lado de Clifford Evans, pelo treino de toda uma

geração de arqueólogos brasileiros por meio do Programa Nacional de Pes­quisas Arqueológicas (Pronapa), finan­ciado pelo Smithsonian Instituition. Isso, aliás, teria levado historiadores a associarem o projeto (e as teorias) de Meggers (que foi acusada de trabalhar para a CIA) a uma suposta articulação entre a ditadura militar e Washington. “Não é preciso documentos oficiais para demonstrar os fundamentos co­lonialistas das representações de Me­ggers. Eles residem nos axiomas do ‘determinismo ambiental’, cristalizados e maturados por ela ao longo de suas pesquisas na década de 1950. Segun­do esses, a Floresta Amazônica, com seu ambiente impiedoso, degenerou as populações indígenas, estorvando a evolução”, nota Ferreira. Segundo ele, as conclusões que advêm disso são preocupantes, pois, para Meg gers, as ‘altas civilizações’ se erguem nos solos de áreas que ela chamou de ‘nuclea­res’. Quanto mais perto dessas, maior a evolução do grupo. Longe dos núcleos haveria a degeneração dos ambientes degradantes. “É uma alegoria para o presente, pois o foco de luz civilizadora, hoje o núcleo, transfere­se para a Amé­rica do Norte, enquanto a Amazônia seria um sorvedouro de civilizações, embora, diz Meggers, tenha emba­lado sonhos de Eldorados. Ela, aliás, veio nos esclarecer sobre as nossas ilu­sões oníricas. Justificam­se, assim, as desigualdades regionais do continente americano.”

Sem cidades perdidas ou a primazia de ser o mais velho da turma, o Brasil também faria parte do chamado pristine myth (como definido no texto clássico de William M. Denevan sobre o cenário da América em 1492) ou “mito da pu­reza original” da terra pré­colombiana. “Os nativos não teriam a racionalidade necessária para trabalhar suas terras e, assim, o conquistador europeu aparece

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como a fonte de razão e inovação iluminista no vácuo que eram as colô­nias antes de sua chegada. Por esse raciocínio, eles é que teriam ‘moldado’ a paisagem do Novo Mun­do”, explica o geógrafo Andrew Sluyter, da Universidade da Pensilvânia, autor de Colonialism and landscape. “A impli­cação disso é que faltaria às paisagens pré­coloniais uma população densa em função de uma suposta inabilidade do uso da terra. Essa ideia continuou a ser usada pelo pós­colonialismo recente pa­ra promover a categorização do mundo entre um Ocidente racionalmente pro­gressivo versus um ‘não­Ocidente’ irra­cionalmente tradicional, prática ainda hoje mantida com a difusão perversa de conhecimento e tecnologias de um para o outro.” O colonizador teria o mérito de ter transformado materialmente, e para melhor, a paisagem “prístina” do mundo pré­colonial na paisagem produtiva do pós­1492. Isso, porém, vem sendo contestado pela descoberta contínua de “terra preta” na Amazônia (algo já apontado por Anna Roosevelt no Marajó), a terra fértil que se acredi­

ta ter sido produzida pela ação humana. “Ao

menos 10% da Amazô­nia está coberta por ‘terra

preta’. Assim, não é verdade que as chuvas tirariam os nutrientes do solo e impediriam o avanço das cul­turas. Esse tipo de terra não é afetada pelas chuvas e até reage a elas de forma positiva. Além disso, tudo indica que a ‘terra preta’ foi criada deliberadamente por povos amazônicos para modificar o solo e melhorá­lo para o cultivo”, afirma o geógrafo William Woods, da Southern Illinois University.

S egundo ele, os habitantes originais plantaram culturas que transfor­maram terras pouco férteis em ter­

reno adequado ao cultivo de muitas es­pécies, garantindo alimento farto para sustentar populações maiores. “Os ín­dios literalmente criaram o solo a seus pés e parte da floresta é antropogênica, acredita Woods, o que comprometeria tanto o pristine myth quanto as teses de Meggers. Isso, porém, explicaria a reação da americana, em cujas críticas a esse novo modelo afirma estar temero­

sa sobre o futuro da Amazônia se virar senso comum a possibilidade de ex­ploração comercial do solo da floresta. Voltamos ao dilema do início: inferno ou Eldorado? Roosevelt ou Meggers? Com uma novidade: o que é melhor para o futuro da Amazônia? “A teoria baseada em tipologias socioevolucio­nistas é inadequada para reconstruir a paisagem da Amazônia pré­colonial. Mas o modelo de sociedades complexas proposto por Roosevelt deve ser visto como apenas uma tentativa preliminar de compreender os dados disponíveis sobre a organização social dessas so­ciedades. “Não é, com certeza, uma interpretação definitiva”, avalia Denise Gomes. Infeliz o país que precisa de “civilizações perdidas”. Afinal, como explica o criado do Doutor Benignus ao final da novela, confessando ter sido o autor do papiro, o que importava era seu patrão ter enfrentado tudo em bus­ca da verdade, e, mesmo não a encon­trando, descobriu outras utopias. “Não é preciso ter medo de falhar”, escreveu Fawcett em sua última carta. Pouco antes de desaparecer na floresta e – ele adoraria – virar mito também. n

Para muitos, parece o samba de uma nota só. Há poucos dias, o presidente Lula, em visita à China, voltou a defender a reforma da ONU e a democratização de seu Conselho de Segu-rança, o que daria chance ao Brasil de obter um assento permanente no fórum que, em 1945, era estruturado com cinco membros

permanentes e seis não permanentes, composição que, em 1965, alterou-se para a forma atual com dez membros não permanentes e cinco permanentes: os Estados Unidos, a França, o Reino Unido, a Rússia e a República Popular da China (que, aliás, é contra qualquer reforma para evitar a entrada do Japão). “A ONU debate essa reforma há 15 anos e a estrutura da instituição não evoluiu em seis décadas e não é mais adaptada aos desafios do mundo de hoje. Isso é um obstáculo sério para o mundo multilateral que desejamos”, afirmou o presidente, que, após o início da crise financeira mundial, recebeu o apoio de países como Inglaterra e França em suas aspirações.

“O que está em jogo é a inserção internacional do país. Em nossa pesquisa recente junto à comunida-de de política externa vimos que, de 2001 até 2008, acentuou-se a aspiração das elites brasileiras de fazer do Brasil um ator com voz na política mundial: es-sa convicção subiu de 74%, em 2001, para 97%, em 2008”, afirma o cientista político Amaury de Souza, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Econômi-cos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp) e coorde-nador da pesquisa A agenda internacional do Brasil: a política externa brasileira de FHC a Lula, que chega este mês às livrarias (Campus, 176 páginas, R$ 49).

“Essa reforma da ONU e a questão do Conselho de Segurança estão em pauta em nossa política externa desde o governo FHC, mas no governo Lula o Itama-raty formou a aliança com os paí ses do G-4, que têm

A permanência do assento permanente

Os 90 anos da atuação do Brasil na Liga das Nações ajudam a refletir sobre a demanda atual do país pela reforma da ONU

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Diplomacia>

a mesma intenção. Esse empenho renovado, elogiado por alguns, não tem a aprovação de boa parte dos en-trevistados, para os quais, embora a reforma seja dese-jável, na prática ela se defronta com vários obstáculos e haveria demandas mais importantes. Não se contesta a validade do objetivo, mas o grau de importância que vem sendo dado a ele”, observa Souza.

Segundo dados da pesquisa, 58% consideram a questão importante, enquanto 42% têm opinião con-trária. “O apoio ao pleito brasileiro vem caindo. Em 2001 era de 76% e agora diminuiu para 54%. É preciso reconhecer, quando falamos nas prioridades ou no conteúdo dos temas de política externa, que aumen-taram as divergências entre o governo e setores orga-nizados da sociedade.” A pesquisa igualmente revelou que a opinião pública tem baixos níveis de interesse e de informação sobre questões internacionais e tende a reagir às suas oscilações de forma emocional, desin-teresse que se repete no Congresso Nacional. “Há uma interação entre os líderes e o público na formação da política externa, especialmente o recurso a questões externas usadas para angariar apoio no cenário do-méstico. Daí a ênfase crescente na proximidade entre as agendas externa e interna”, analisa Souza.

Segundo o pesquisador, o governo Lula tem se valido muito da cobertura da mídia para reforçar na opinião pública as escolhas da chancelaria. “Essa abor-dagem permite que o governo recorra a posições mais extremadas na política externa para contrabalançar medidas mais ortodoxas no plano interno.” O proce-dimento não é inédito. “O que estes estudos mostram é que a aspiração de tornar o país um ator relevante no cenário internacional é parte da própria identidade nacional, tal como construída pelas elites brasileiras, a partir de elementos que dizem respeito à ‘ideia de um país de dimensões continentais empenhado em r

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consolidar sua posição de liderança’”, avalia a cientista política Maria Regina Soares Lima, da PUC-Rio e professora adjunta do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

“O voluntarismo brasileiro por si só não leva a nada. O tema percorre a história brasileira desde a Liga das Nações”, lembra a pesquisadora. “A pri-meira manifestação do país em buscar o reconhecimento pelas grandes po-tências e seu direito de participação em pé de igualdade se deu justamente na constituição da Liga, há exatos 90 anos. Ainda que no final tenha prevalecido o princípio oligárquico da exclusivida-de, o Brasil se esforçou para obter um assento permanente na organização”, continua. Curiosamente, essa primeira tentativa de ganhar espaço na comuni-dade internacional foi igualmente invo-cada pelo chanceler Celso Amorim para novamente justificar a pretensão atual a um assento permanente, dessa vez no Conselho de Segurança da ONU, orga-nização que sucedeu a Liga das Nações. “As grandes mudanças só acontecem

nos momentos de crise. Foi preciso a Primeira Guerra Mundial para a cria-ção da Liga das Nações e a Segunda Guerra para se criar a ONU. Graças a Deus, esperemos que não seja preciso uma terceira guerra, mas há uma crise profunda que exige uma mudança nas estruturas decisórias do mundo.”

O Brasil foi o único país da Améri-ca do Sul a participar da Primeira Guerra Mundial e com isso ga-

rantiu sua presença na Conferência de Paz de Paris (que gerou o Tratado de Versalhes) e o convite para participar da comissão de dez membros que redigiu o Pacto da Liga das Nações, à qual ade-riu. Com apoio dos EUA, em especial do presidente Wilson, ganhou a chance de ser, dentre os países de “interesses limitados” presentes na conferência, um dos quatro membros temporários do Conselho da Liga. “Isso foi inter-pretado pelo governo brasileiro como uma grande vitória, sinal de que o país era reconhecido como um parceiro das grandes potências no gerenciamento da

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conferência de paz de paris: Epitácio pessoa ganhou pontos ao ficar amigo de Wilson

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nova ordem mundial do pós-guerra”, explica Eugênio Vargas Garcia, profes-sor titular do Instituto Rio Branco e autor de O Brasil e a Liga das Nações.

“Quando se qualificou para tomar parte da Conferência de Paz de Paris e ao tomar um assento, ainda que rotati-vo, no Conselho da Liga das Nações, o Brasil dava à sua política externa uma projeção transatlântica, rompendo os limites da região americana”, analisa Le-tícia Pinheiro, pesquisadora e professo-ra do Instituto de Relações Internacio-nais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. “Esse episódio marca uma das primeiras manifestações de um traço distintivo da nossa política in-ternacional: a percepção das elites sobre um suposto direito de reconhecimento pela comunidade internacional do dife-rencial do país na hierarquia mundial.” Teria sido em razão dessa percepção, continua Letícia, que o Brasil se em-penhou obsessivamente para assegurar um assento permanente na Liga.

“Quando os EUA deixaram a Liga em 1920 porque o Senado americano não quis ratificar o Tratado de Versa-lhes, o Brasil se tornou o único país americano no Conselho e assumiu im-plicitamente a condição de porta-voz do continente. O governo de Epitácio Pessoa exultava com o status alcança-do pelo país, na crença de que estava influindo diretamente nas grandes questões internacionais”, explica Gar-cia. O que era esperança virou, a partir de 1923, objetivo diplomático funda-mental no governo Artur Bernardes. “O Brasil quer tanto esse lugar na Liga porque, provavelmente, não tem o me-nor conhecimento dos problemas euro-peus atuais. O que eles querem é apenas indicar brasileiros notáveis para postos importantes no Conselho e, com isso, aumentar o orgulho nacional”, dizia o representante britânico.

E fetivamente, o Brasil ficara “mal acostumado” com o tratamento recebido na sua participação na

Conferência de Paris, graças ao talento diplomático inesperado do então sena-dor pela Paraíba, Epitácio Pessoa, que foi designado como líder da delegação brasileira em detrimento de Rui Bar-bosa. O Águia de Haia era então visto como o candidato óbvio ao posto exa-tamente por sua participação fulgurante

em Haia, em 1907, quando condenou o caráter oligárquico da hegemonia das grandes potências e inaugurou uma no-va era na diplomacia brasileira da defesa das relações multilaterais de igualdade entre os países. “A atuação histórica do Brasil no plano multilateral, na Liga ou na ONU, tem convergência total com o pensamento barbosiano que tinha como meta a democratização do aces-so às grandes decisões mundiais como preconizado ainda hoje”, nota Garcia. “O questionamento do papel da ges-tão exclusiva da ordem mundial pelas grandes potências, iniciado em Haia, em 1907, adquiriu clareza conceitual na perspectiva brasileira por ocasião da Conferência de Paz”, observa o professor e embaixador Celso Lafer, em seu estudo A identidade internacional do Brasil.

M as o chanceler Domício Gama não quis colocar seu cargo em risco dando tanto poder a Barbosa.

“Pessoa provou ser de grande valia ao Brasil na conferência por ter cultiva-do uma boa relação com o presidente

Wilson. Foi uma ótima tacada, pois o americano foi um grande defensor dos interesses brasileiros”, conta o historia-dor Michael Streeter, da London Uni-versity, autor do recém-lançado perfil da participação de Pessoa em Paris e no início da Liga, parte da série Makers of the Modern World, em que o brasileiro figura ao lado de biografias de figuras de peso como Wilson, Clemenceau e Lloyd George, entre outros. Com ha-bilidade, a delegação brasileira resol-veu impasses econômicos importan-tes junto às grandes potências, como a manutenção da posse de 46 navios alemães confiscados no Brasil em 1917 e o reconhecimento, pela Alemanha, de uma dívida da venda de café. “O suces-so dessas gestões permitiu que a dele-gação brasileira, chefiada pelo futuro presidente Epitácio Pessoa, cuidasse, na Conferência de Paz, não apenas desses interesses específicos do Brasil, mas igualmente dos ‘interesses gerais’ inerentes à criação da nova ordem internacional pós-Primeira Guerra”, assevera Celso Lafer. O sucesso valeu

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1934), parte in tegrante da delegação brasileira e que foi o primeiro a che-gar a Paris. Lá articulou a diplomacia brasileira e, quando Pessoa voltou ao Brasil para assumir a Presidência, foi ele que passou a chefiar a missão. Per-maneceu ainda algum tempo na Euro-pa, representando o Brasil em alguns encontros internacionais e chefiando a missão comercial que esteve na In-glaterra em 1919. Na vol ta ao Brasil, foi nomeado ministro da Guerra do governo de Epitácio Pessoa, tornando--se o único civil a ocupar esse cargo na história republicana do país.

A diplomacia brasileira apostou todas as suas fichas na suposta nova ordem mundial. Julgava que a Liga seria o centro decisório, a condutora do futuro da política mundial. Para o Brasil, o multilateralismo da Liga era o fim da política de poder tradicional nas relações internacionais. Mas para as grandes potências do Velho Mundo o multilateralismo era a continuação da geopolítica por outros meios”, ana-lisa Braz Baracuhy, professor titular de teoria das relações internacionais no Instituto Rio Branco. Era a coexis-tência do velho e do novo na política

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a Pessoa uma vitória nas eleições pre-sidenciais de 1919, sem que ele, como candidato, deixasse de trabalhar em Pa-ris. Recebendo a notícia por telegrama, achou que era uma brincadeira de ami-gos. Mas Pessoa saiu do Brasil como delegado e voltou como presidente. E, de quebra, ele e o país ganharam uma entrada para participar da constituição da Liga, que se esperava seria, a partir de 1920, o instrumento para garantir a democracia na relação entre as na-ções. Apesar do brilho de Pessoa, não se pode, porém, esquecer a atuação bri-lhante de João Pandiá Calógeras (1870-

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internacional, observa o diplomata, que misturava o idealismo dos valores liberais dos EUA com a política prag-mática e excludente das potências euro-peias, apesar do discurso em contrário. “Criavam-se dois tabuleiros, paralelos e superpostos: acima do tradicional, em que os grandes da Europa praticavam há séculos a política do poder, estava a nova instância multilateral.” O Brasil acreditou que era o tabuleiro superior que vigorava, enquanto seus colegas da Liga ainda jogavam pelas regras do clás-sico tabuleiro do poder assimétrico.

Com a saída dos EUA da Liga, a eli-te brasileira abriu sua candidatura ao assento permanente, na crença de que se vivia uma nova ordem internacional com uma concepção liberal de mundo. “As dificuldades enfrentadas pelas po-tências médias, como o Brasil, para ob-ter no plano internacional o reconheci-mento formal de um status diferenciado provém dos dilemas da aceitação, pelos Estados representados, da legitimidade inerente ao reconhecimento de uma representatividade regional, problema que o Brasil enfrentou na década de 1920, na Liga das Nações”, escreveu o embaixador Celso Lafer. “E tem en-frentado, junto com outras potências tidas como médias, as discussões sobre a reforma do Conselho de Segurança. Penso que esse reconhecimento for-mal é de difícil viabilização no espaço multilateral”, pondera Lafer. Em 1926, a obsessão do governo Bernardes pelo assento permanente acabou levando o Brasil a sair da Liga quando teve sua candidatura preterida pela Alemanha, antiga potência inimiga que fora “per-doada” pelas grandes potências euro-peias no Tratado de Locarno.

H avia naquele tempo a impressão de que o multilateralismo substituiria a velha lógica geopolítica de poder

vigente. Não foi o que aconteceu, e o que imperou foi a preo cupação com a segurança europeia e com a ordem, que fez com que se desse prioridade à Alemanha”, avalia Letícia. “Se pensar-mos, porém, no período mais recente

em que o Brasil baseia sua demanda em argumentos de justiça e democracia, não se pode deixar de levar em conta que o pleito a um assento permanente não estaria em contradição com a te-se da igualdade jurídica dos Estados”, continua. O que a diplomacia nacional argumenta, observa a pesquisadora, é que, desde que as grandes potências jamais abriram mão de seu poder de veto, ou seja, já que há uma imperfeição no sistema que nunca será corrigido, a ampliação do Conselho de Segurança corrigiria, em parte, esse déficit demo-crático, ajudando a equilibrar a repre-sentação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento. É preciso, porém, tomar cuidado para não repetir velhos enganos. “Curiosamente, os argumen-tos para sustentar a pretensão brasileira são semelhantes àqueles arrolados na década de 1920, ou seja, ‘a condição de membro permanente daria maior representatividade moral e política ao Conselho”, nota Maria Regina.

C reio que “os serviços prestados” pelo Brasil dificilmente serão for-malmente reconhecidos, mediante

uma atribuição a priori pela comunida-de internacional de um status próprio como o de membro permanente do Conselho. O peso próprio do Brasil, a sua especificidade como “potência média de dimensão continental” apta a lidar com “interesses gerais”, precisa ser adquirido e conquistado em cada si-tuação, desafio permanente para a con-dução da nossa política externa”, analisa Celso Lafer. Ainda assim, nota Garcia, a crise atual e os novos rumos da política internacional, ao contrário do passa-do, podem estar a favor do Brasil. “Há uma tendência de desconcentração do poder global, cujos problemas exigem um tratamento multilateral, coletivo, e não é mais possível desconsiderar a contribuição dos grandes países emer-gentes. O Brasil está sendo chamado a colaborar e são os líderes estrangeiros que pedem ao país para ter uma par-ticipação mais ativa. Não havia nada disso na década de 1920.”

Letícia Pinheiro concorda, mas faz uma ressalva: “O Conselho é algo for-temente simbólico e um assento per-manente, com certeza, eleva o país ao patamar de membro de um diretório tradicional de grandes potências. Mas o fato de estarmos no G-20, com o des-taque que alcançamos em virtude até de necessidades estratégicas dos EUA e potências europeias, compensa, ainda que não totalmente, a ausência do Bra-sil no Conselho”. A pesquisadora tam-bém adverte que é preciso “promover maior debate sobre o tema para buscar respaldo e legitimidade pública para a demanda, sob pena de enfrentar opo-sição doméstica se a candidatura vier a ser aceita”. Nesse ponto, os números não mentem como revela a pesquisa recente de Amaury Souza. “É o foro da ONU, no âmbito do Conselho de Segurança, o mais apropriado para o Brasil exercitar sua competência di-plomática no trato dos ‘interesses ge-rais’ da comunidade internacional?”, pergunta-se o professor Lafer. “O Brasil tem revelado capacidade de articular consenso. O país se comporta, por sua História e experiência de inserção no mundo, segundo uma leitura grociana da realidade internacional. Isso dá ao Brasil a credibilidade do soft-power, ne cessária para o exercício da virtu-de aristotélica da justiça do meio- -termo. Este papel de mediação não é um dado, mas um desafio de cada con-juntura diplomática”, completa o pes-quisador e diplomata. A história não se repete, mas sempre tem lições a dar. n

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‘> Livros citados e artigo

1. LAFER, C. A identidade internacional do Brasil e a política externa brasileira. Perspectiva, 151 páginas.2. LIMA, MARIA REGINA S. “Aspiração internacional e política externa”. Revista Brasileira de Comércio Exterior. n. 82. Jan.-mar. 2005. Rio de Janeiro, Funcex.3. MAGNOLI, D. (org.). História da paz e história das guerras. Editora Contexto.

Carlos Haag

“Havia naquele tempo a impressão de que o multilateralismo

substituiria a velha lógica geopolítica de poder vigente”

Literatura

Meu caro Baby Flag!A troca de cartas e projetos entre Manuel Bandeira e Gilberto Freyre

Conheço um sujeito de Pernambuco, cujo nome não escrevo, porque é tabu e cultiva com grandes pudores esse provincianismo. Formou-se em sociologia na Universidade de Columbia, viajou a Europa, parou em Oxford. Vai dar breve um livrão sobre a formação da vida social brasileira. Pois timbra em ser provin-ciano, pernambucano, do Recife”, escreveu Manuel

Bandeira (1886-1969) na crônica “Sou provinciano” de 1933. Com economia característica o poeta, em poucas linhas, deu o currículo do grande amigo, Gilberto Freyre (1900-1987), anunciou Casa-grande e senzala (lançado no final daquele ano) e, de quebra, deu-se ao luxo de deixar “escapar” para os leitores do jornal o projeto intelectual secreto que os dois mantinham em sua correspondência: a paradoxal, moderna e saudável universalidade de ser provinciano. “Um dos pilares da literatura brasileira, Bandeira indica, a contrapelo das tendên-cias vanguardistas do seu tempo, que aprendera com o jovem amigo, Freyre, a moldar o seu sentimento de ‘ser provinciano’, que, para eles, era o veio comunicativo de natureza memoria-lista e de profunda relação com o meio local. Para eles, como se percebe nas cartas que trocavam, ser provinciano não era pejorativo”, explica Silvana Moreli Dias, a pesquisadora em teoria literária que defendeu recentemente o seu doutorado Cartas provincianas: a correspondência entre Gilberto Freyre e Manuel Bandeira no Departamento de Teoria Literária da USP, orientada pela professora Viviana Bosi.

“As cartas possibilitam a compreensão mais profunda dos autores e de suas obras e ajudam a entender esse projeto que mantiveram em conjunto. Nele, mantendo um equilíbrio

Manuel Bandeira e Freyre (acima): amizade feita na troca de correspondências e de projetos

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‘ precário entre regionalismo e universalismo, modernidade e tradição, localismo e cosmo-politanismo, eles elaboraram discursos que revelam os limites dos valores progressistas, racionais do capitalismo que, acreditam, apro-funda o individualismo e rouba a experiência”, observa a pesquisadora. A correspondência, boa parte inédita, reúne cartas, postais, desenhos e telegramas, uma parceria epistolar iniciada em 1925 e que se estendeu até 1966, espaço para discutirem literatura, política, ideias sobre a vida, alfinetar desafetos e pensar o Brasil. “Nas cartas, o miúdo da vida cotidiana é desfiado de um para o outro: de um lado o recifense

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“Estabelece-se, então, um diálogo intenso entre eles e um aprendizado do artista consolidado que era Bandeira com o jovem Freyre. As cartas mostram como o Nordeste do sociólogo e o ‘Sul’ de certo grupo modernista tinham zo-nas de confluência”, analisa Sonia. Eles se encontraram pessoalmente um ano de-pois, em 1926, quando Freyre viajou ao Rio. “Vou visitar Bandeira. Santa Teresa. Lindo lugar, mas casa de pobre. Quan-do digo quem sou, desata numa risada que deixa à mostra a dentuça famosa. Ninguém mais pernambucano. Como nos correspondemos há mais de um ano sinto como se fôssemos velhos amigos”, anotou Freyre. “A correspondência entre os dois vem num contexto em que in-telectuais e artistas procuravam ampliar seu círculo cordial e fazer da concilia-ção entre modernidade e tradição um projeto que, de certa forma, era emble-mático da mistura de modernização e conservadorismo que era o Estado Novo.” Segundo a pesquisadora, a di-ferença de idade entre os dois e a fama consolidada de Bandeira fazem aflorar, nas cartas, aspectos diferenciados e mais íntimos de cada um deles. “Bandeira foi um dos poucos que escapavam da fúria

quixotesca do jovem aspirante a escritor. Diante do escritor sóbrio e discreto, o futuro ‘mestre de Apipucos’ tem uma escrita mais simples, sem os torneios semânticos de seu estilo barroco. É um ideal franciscano de vida e escrita.” Do lado de Bandeira, a liberdade de falar do cotidiano com lirismo como na carta em que descreve um prosaico passeio a Cambuquira e Campanha, onde o poeta morara: “Há lá uma rua que é um encan-to: tão genuinamente brasileira, tão boa, dando vontade de morar nela. O passeio foi de noite com o luar. Diante das duas casas onde morávamos, e onde passei o Diabo, me senti valado, com um nó na garganta”. Não havia assuntos tabus.

O s médicos vivem me falando para ir à montanha. Tenho apreciado a estada aqui. Há tempo que eu não

me via cercado de verde, há tempo que eu não desfrutava do prazer de um cava-lo pastando na rua”, contou Baby Flag, falando de uma de suas viagens tera-pêuticas em função da tuberculose que o acometia desde 1904. “Espero que a gripe tenha passado de banda por você, indo se regalar nos gordos, que é, aliás, a gente mais do gosto dela”, respondeu

radicado no Rio, Bandeira, aproveita para travar relações com sua terra e se ‘provincializar’. Do outro, o recifense cosmopolita, Freyre, pode viver e qua-se presenciar os burburinhos das rodas intelectuais do Rio de Janeiro”, conta Silvana. A intimidade era grande e bem- -humorada. Bandeira vira, nas cartas, Baby Flag ou Seu Nenê, entre outros apelidos. Curiosamente, essa relação iniciou-se exatamente por uma troca de cartas quando, em 1925, Freyre pediu ao poeta para escrever uma evocação ao Recife a ser publicado no Diário de Pernambuco. Sem querer, o sociólogo havia tocado num ponto nevrálgico da sensibilidade intelectual do amigo. “Quando penso na minha meninice em Recife com os anos da minha vida adulta fico, espantado do vazio daqueles últimos em comparação com a densi-dade daquela quadra distante”, escreveu Baby Flag. Freyre, sabiamente, percebeu que havia ali um caminho intelectual a ser trilhado pelos dois: “Seu Nenê, diga sério quando é que você vem para cá. Precisa ver engenho, andar pelo Per-nambuco de dentro e não ficar com a impressão única do Recife a lhe boiar na lembrança”, pediu ao poeta.

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brincalhão o amigo sociólogo. O poeta sempre retribuiu esse carinho do amigo, ajudando-o em tudo o que podia, de hos-pedagem no Rio ao envio de livros para os EUA, onde Freyre fora estudar, ou mesmo contar, em tom paternal, o sucesso nacio-nal de Casa-grande e senzala. “O sociólogo está na ordem do dia com a publicação da grande Casa-Grande. Ficou um bichão de bom aspecto que está sendo conhe-cido como o Ulisses pernambucano. O que ficou bem safadinho foram os clichês das fotografias”, escreveu Flag em 1934. As cartas revelam como foi fundamen-tal a sua ajuda para a escrita da obra de Freyre e mesmo para ajudar o sociólogo a se estabelecer profissionalmente no Brasil, mesmo que “puxando suas orelhas”. “O mestre de Recife anda nos preocupando muito, porque está nos parecendo que ele anda com pouca vontade de dar as caras por aqui para ensinar sociologia na nova universidade. Veja se adia o curso prome-tido aos estudantes daí e vem. Quem sabe a mudança de ares acaba de vez com essa furunculose que o tem azucrinado?”

Então, é para Baby Flag que Freyre re-vela, em 1929, o seu maior projeto numa carta que trazia a ressalva: “Vai esta com nota de confidencial”. E segue: “Estou empregando economias na compra de li-vros sobre a vida íntima do Brasil, sobre a família. Esse trabalho (e você é um dos raros a saber) prende-se a um estudo, sob o ponto de vista psicológico e histórico, que há anos me prende; um estudo que teria de começar pela vida de menino entre os nossos índios. É campo original, virgem e não seria para ser tratado literariamente. Depois de falar dos índios, viriam capítulos sobre os colonizadores etc. Você tem que me ajudar com sua rara inteligência. Muita discrição para os literatos não saberem”, anunciou Freyre, a composição futura de Casa-grande e senzala. O horror aos “lite-ratos” tinha ainda outras razões: “Disse- -me ontem o J. que ouvira numa roda de intelectuais que não era possível que eu fosse o assombro que dizem que sou, de saber, sendo tão boêmio. Isso porque sou visto em pensões de mulheres, em clubes populares. É uma verdade esse meu jeito de impregnar-se de vida brasileira como ela é vivida pela gente simples, pela negralhada, que os requintados falam como se fossem de outro mundo”, queixou-se o sociólo-go. “A história dessa província calcada (no sentido de pisada, ligando-se à terra, mas também menosprezada e reprimida) nas

mãos de Freyre e Bandeira guarda seme-lhança com a força com que ambos procu-raram trazer o elemento marginal, como a herança africana, para o centro do debate artístico e intelectual”, analisa a pesquisa-dora. “Para eles, não é sem contradições que vivem essa aproximação com o povo. Acercam-se da cultura popular e da boe-mia, mas não deixam de viver os resquícios do aristocracismo como marca pessoal. Te-nho dúvidas se a experiência política de ambos foi propriamente democrática.” As cartas também não mentem sobre isso, em especial sobre o favorecimento das benes-ses da ditadura getulista.

J aime Ovalle continua o mesmo. O gênio esteve para ser professor em Lambary. Agora está cavando empre-

go com a revolução (1930). A verdadeira vocação do gênio não é a pintura, é a bu-rocracia. Infelizmente, nenhum estadista nacional reconheceu isso ainda”, amargou Flag, desconhecendo ainda a “sabedoria” de Vargas nestes assuntos. Aos poucos, a partir de 1945, a correspondência fica mais lacônica, mais saudações do que car-tas, com algumas exceções. “Estou depri-mido com os acontecimentos políticos (a renúncia de Jânio Quadros, em 1961). Que Brasil este! Como é difícil amá-lo. Entreguei os pontos. Seja o que Deus qui-ser”, lamentou Bandeira. Ou quando se revela, nas cartas, o projeto de se trazer Thomas Mann ao Brasil. “Meu caro Flag. Alguém mandou um artiguete meu, em que sugiro uma homenagem ao Thomas Mann, filho de uma brasileira, aí nas nos-sas terras. Parece que o velho comoveu- -se, dizendo que a ideia era de sua intei-ra satisfação. O que fazer? Peço a você e outros cajones tornar essa homenagem uma rea lidade”, pediu Freyre ao amigo. Por fim, a morte de Bandeira, em 1968, não sem antes enviar ao sociólogo uma carta com um desenho feito por ele do seu apartamento, recordando, talvez, os tem-pos em que tentou ser arquiteto. “Aqui você tem, canhestramente esquissada, a vista que tenho do meu apartamento. O aluguel passou de 650 para 3.000! Mas vale a pena. O sol entra de manhã pelo quarto e vai puxar as roupas no armário. A paisagem é uma feijoada completa: ae-roporto, portozinho de lanchinhas e até uma casinha lacustre com cão de guarda. Disponha. Do seu, Baby Flag.” n

“A verdadeira

vocação do gênio

não é a pintura,

é a burocracia.

Infelizmente,

nenhum

estadista nacional

reconheceu

isso ainda”

[Baby Flag]

“Estou

empregando

economias na

compra de livros

sobre a vida íntima

do Brasil, sobre

a família e você

é um dos raros

a saber”

[Gilberto Freyre]

Carlos Haag

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resenha

....

A s múltiplas possibilidades de veiculação de informações através da internet, disponí-veis (em tese) a qualquer pessoa, são uma

grande e dramática novidade para a questão da ética no mundo contemporâneo e, em es-pecial, para os preceitos que tradicionalmente orientam o exercício do jornalismo. A partir desta hipótese central, Ética, jornalismo e nova mídia – Uma moral provisória aborda o tema da maneira mais estimulante: oferecendo mais perguntas que respostas.

O problema está na fundamentação da análise que sustenta as perguntas.

Neste livro, resultado de sua tese de douto-rado, Caio Túlio Costa foge a qualquer preten-são normativa sobre o jornalismo, mas declara um propósito, a rigor, mais ambicioso, apesar do advérbio: “Aqui se pretende apenas analisar como essa forma de comunicação se deu e se dá – e analisá-la do ponto de vista do que o ho-mem entende por ética”. Coerentemente, opta por um universo alargado para tal discussão, apresentando um vasto elenco de obras clás-sicas que tratam do ser e do teatro do mundo. O caminho poderia ser profícuo, porém aca-ba conduzindo a longas digressões que fazem perder de vista o tema central. A tentativa de contornar esse problema, através de analogias com o jornalismo, resulta em soluções geral-mente forçadas ou superficiais.

De fato, Caio esbanja erudição, mas descu-ra do principal, porque ignora a produção teó-rica em jornalismo que lhe poderia fornecer substanciais elementos de crítica. O problema começa com a própria definição de jornalis-mo: um “ofício que representa representações”, algo que evidentemente se aplicaria antes de mais nada à arte e que poderia perfeitamente ser estendido para o restante das atividades humanas, caso houvesse consenso em relação ao conceito do mundo como “representação”. Uma definição de tal modo genérica é insufi-ciente para dar conta do objeto específico.

Da mesma forma, conclui que o jornalis-mo não é uma forma de conhecimento, sem discutir em momento algum esta hipótese,

que sustenta acuradas abordagens de distintas linhas teóricas desde os anos 40 do século passado.

Além disso, embora reconheça que a objetividade implica uma discussão fundamentalmente ética para o jornalismo, dedica a ela apenas 20 páginas de seu livro – o menor capítulo, depois daquele que encerra o volume – e descarta liminarmente as análises que procuram circunscrever o significado deste conceito ao campo específico e afirmam o compromisso do jornalismo com a verdade factual e a necessidade de partir de dados objetivos para informar com credibilidade, sem a qual esta atividade não teria sentido.

Como considera o jornalismo uma “representação de represen-tações”, e como obviamente não poderia haver uma representação “consumadamente objetiva”, Caio conclui que a objetividade em jornalismo é impossível. E acrescenta: é esta conclusão que abre caminho para a discussão da ética. Segundo ele, “se a objetividade jornalística é possível, então não há dilema ético em jornalismo”.

Seria o caso de indagar se a ciência não se depara com pro-blemas éticos.

A resposta óbvia aponta para o cerne do equívoco de uma argumentação que toma os conceitos de forma estanque e ab-soluta: onde há objetividade não pode haver interpretação; em contrapartida, toda interpretação é possível, de modo que não pode haver certezas. Esta dicotomia fica ainda mais clara na abordagem sobre a ética de responsabilidade de Weber, que absolutamente não autoriza – como quer o autor – a conclusão de que “os fins justificam os meios – quaisquer meios”: a ética de responsabilidade é inescapável à vida cotidiana, pois exige a avaliação das circunstâncias para uma ação adequada.

É por não adotar uma perspectiva dialética que o autor enxerga um abismo entre o ideal (normativo) e a prática cotidiana (funcional) e sugere que o jornalismo trabalha “no vácuo da ética”. Daí decorreria a “moral provisória”, que, a rigor, seria capaz de justificar o que quer que seja. Pois “o dia a dia do jornalismo exige distorções, seja por interesses empresariais, políticos ou particulares (...). Não há conceito moral, dos sólidos, que resista a essas necessidades”. Conceito “sólido” é equiparado a eterno, imutável e incapaz de objetivar-se na vida cotidiana, que assim não conheceria limites para distorções.

Distorções, porém, inevitavelmente se referem a algum conceito. Entretanto, ao buscar as raízes do pensamento pós-moderno para concluir que “tudo é relativo”, Caio, além de desconsiderar a crítica a essas teorizações, acaba prisioneiro do paradoxo: se tudo é relativo – menos, naturalmente, a própria afirmação que justificaria a frase –, como discutir ética, se não há parâmetros em que se basear?

No vácuo da éticaTese de doutorado de Caio Túlio Costa oferece mais perguntas do que respostas

Ética, jornalismo e nova mídia – Uma moral provisória

Caio Túlio Costa

Editora Zahar

288 páginas R$ 39,90

Sylvia Moretzsohn é professora de jornalismo no Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Sylvia Moretzsohn

livros

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PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 95

História do Lance!Mauricio Stycer Alameda Casa Editorial 320 páginas, R$ 46,00

Mauricio Stycer não só conta a história do jornal Lance!, o momento de sua criação e a sua forma de cativar o público como também traça um panorama histórico da mídia esportiva, revelando os modelos empresariais de gestão e de sucessão de algumas das empresas que veem no espor-te algo a ser explorado do ponto de vista comercial e instrumental.

Alameda Editorial (11) 3862-0850www.alamedaeditorial.com.br

A Igreja Universal e seus demôniosRonaldo de Almeida Editora Terceiro Nome/FAPESP 152 páginas, R$ 28,00

Em seu livro, o antropólogo Ronaldo Al-meida, que estuda há quase 20 anos as religiões pentecostais, faz um resumo da expansão do pentecostalismo no Brasil e examina uma das protagonistas desse crescimento, a Igreja Universal do Reino de Deus, mostrando como o antagonismo com outras religiões (em especial a um-banda) é fundamental para a Universal definir sua identidade.

Editora Terceiro nome (11) 3816-0333www.terceironome.com.br

O labirinto enunciativo em Memorial de Aires

Adriana da Costa Teles Annablume Editora 148 páginas, R$ 21,75

A autora debate com a crítica que inter-pretava o último romance de Machado de Assis à luz do momento peculiar vivido pelo escritor que se encontrava idoso, viú-vo e aposentado. Contrariando as leituras decadentes deste romance-diário, Adriana analisa o percurso narrativo preciso do es-tilo machadiano e propõe novos caminhos de leitura da obra.

Annablume (11) 3812-6764www.annablume.com.br

Abolicionistas brasileiros e ingleses Antonio Penalves Rocha Editora Unesp 448 páginas, R$ 65,00

Antonio Rocha demonstra em seu livro co-mo Joaquim Nabuco e a Sociedade Britânica e Estrangeira contra a Escravidão promove-ram-se mutuamente. O ingrediente interes-sante do livro são as fontes utilizadas pelo historiador que geralmente são pouco ou nunca analisadas, como a correspondência entre o líder abolicionista e a Sociedade con-tra a Escravidão, além do jornal Rio News.

Editora unesp (11) 3242-7171www.editoraunesp.com.br

Adeus ao trabalho?Ricardo Antunes Cortez Editora 200 páginas, R$ 32,00

Em sua 13ª edição revista e ampliada, Adeus ao trabalho? traz três novos textos que dão continuidade à sua temática. O autor pro-cura apreender como se configura hoje a classe trabalhadora, reconhecendo que se modificam continuamente as formas de organização do trabalho e da produção em escala nacional e internacional. Sua questão central é: a categoria trabalho ainda pode ser dotada de estatuto de centralidade no universo da práxis humana?

Cortez Editora (11) 3864-0111www.cortezeditora.com.br

Uma nação com alma de igrejaCarlos Eduardo Lins da Silva (Org.) Editora Paz e Terra 288 páginas, R$ 36,00

O livro reúne artigos que resultaram do traba-lho de pesquisa desenvolvido no Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (Unesp) e analisam as relações da religiosidade com a formulação e execução de políticas públicas nos EUA e, entre outros temas, a forma como a direita religiosa se organizou politicamente no país a partir dos anos 1970 e acabou obten-do o controle do Partido Republicano durante o governo de George W. Bush.

Editora Paz e Terra (11) 3337-8399www.pazeterra.com.brfo

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ficção...

96 n junho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 160

Tales

E ra uma ideia romântica, mais ou menos desmiolada e sem dúvida nenhuma suicida. Algo que, no entanto, fez o gosto dos estudantes e o levou a representar o grêmio

três semanas depois. O clima não estava preparado, ao contrário do que vieram a afirmar mais tarde. Nada disso. O discurso em que Tales lançou sua plataforma exuberante pegou todo mundo de surpresa. Monarquia?

A ideia só podia ter nascido do seu charme. Com gosto mediterrâneo para roupas e sorriso constante à la revo-lución, era um tipo irresistível. Tinha opiniões que sem-pre pendiam levemente para cá ou para lá do consensual, conseguindo assim espaço para exibir seu conhecimento enciclopédico sobre assuntos diversos, como futebol e ci-nema, toda vez que surgia uma brecha. Era copiado por alguns estudantes, que tentavam sem sucesso passar aquela imagem de despreocupação que só ídolos do samba e ci-neastas esquerdistas da década de 70 conseguiam ostentar sem afetação. Bem, cineastas, sambistas e Tales, claro.

Frases grandiosas e dramatização de momentos históri-cos agradavam a imaginação de Tales de uma maneira toda especial. Naqueles dias, mais intensamente. Imaginava-se em uma toga branca observando Sócrates debater com um tabaréu, enquanto espiava a expressão admirada e invejo-sa (ele emprestava algo de seu ao panorama) do menino Platão, sentado a seu lado. Ou então via-se lado a lado com um camponês de frases claudicantes, com as mãos jogadas em sinal de desistência ou exaustão, caminhando sobre os escombros deixados por Napoleão numa cidade-zinha qualquer da França. Ele diria para o coitado, num francês de época e sotaque irretocáveis: “Como se sente?”, e em seguida já se punha a imaginar a formulação exata, as palavras que o homem escolheria para sintetizar o que ele, Tales, desejava ouvir: que nada do que a história nem a filosofia, quiçá a geologia e seus testes de solo, nada daquilo

sobre o que o conhecimento atual se sustenta é verdadeiro. Como seria sublime – e para lá imediatamente conduzia seu poder visionário – invadir um simpósio internacional de Estudos Franceses do Século XIX aos berros de “não era assim!”. Como seria reconhecido para sempre como aquele que mostrou a todos que, na verdade, “o povo” achava Napoleão isso, e não aquilo. A prova seria a clareza com que o verdadeiro francês-testemunha havia comunicado a ele que tal e tal; faria com que todos no auditório se calassem, humilhados em seu conhecimento sem vida e pilhas de conclusões assentadas em palafitas de sal, que agora se dissolviam na água límpida, no oceano de ver-dades contidas na simples declaração de um camponês “ouvido”, ou melhor, “revivido” por Tales em sua pesquisa. “Impressionante...”, e lá ia ele buscar o adjetivo exato que os grandes homens usariam para descrever sua revelação no futuro, “acho que eles dirão ‘impactante’...”.

Foram visões como essas que prepararam seu espírito para a grande empreitada. Buscando algo mais apropria-do ao momento histórico, infelizmente mesquinho, das eleições do grêmio, iniciou-se no caminho cujo final era a tal Monarquia Estudantil. Como quem puxa a linha de volta para ver o que a isca traz, ia enrolando intenções num carretel: “Ser diferente, chamar a atenção dos alunos...”, ele testava a linha antes de puxar, “deve haver uma maneira de fazer isso”. Mais tarde percebeu que teria de “fazer algo que os deixasse com tanta raiva que se sentiriam obrigados a votar”. Foi então que a coisa se fez clara. Deu um tapa no colchão: “Monarquia!”, e começou a rascunhar uma proposta para o dia seguinte, quando as chapas seriam apresentadas formalmente.

Os Dinossauros (que, na condição de time de futebol sem gols, eram vistos com desconfiança pelos eleitores), a chapa Anarquia! (que nunca apresentou qualquer pro-

Beatriz Antunes

PESQUISA FAPESP 160 n junho DE 2009 n 97

posta que não o próprio nome) e a indefectível Mu-Dança (apoiada pela estranha classe de eternos primeiranistas que militavam contra o “projeto neoliberal da reitoria” e a favor do “ensino público, gratuito, de qualidade e para todos e todas”) estavam a postos na manhã de terça-feira. Cada um dos representantes se preparava para discursar na escada da cantina, onde por força da arquitetura mirrada era evidente que teriam quórum. Tales procurou cumpri-mentá-los como um político veterano e se colocou de lado, mas ninguém se deu ao trabalho sequer de estranhar a sua presença. A invisibilidade, no entanto, não combinava com ele. Vinte minutos depois demonstrou cientificamente esse fato. Tales havia nascido para falar ao povo:

“Não vou me estender para não cansar vocês, que nun-ca se interessaram pelo que acontecia aqui. Que nunca se deram conta do que faziam em seu nome, e por isso sempre ouviram tranquilamente discursos como esses que acabam de ser proferidos aqui nessa escada.” Tales con-siderou que havia cometido um erro, a palavra “escada” dava um ar de pouca importância ao evento, prometeu a si mesmo caprichar mais. “Nessa praça de debate, nesse instituto”, ele prosseguiu, orgulhoso da guinada que sua rápida intervenção conferiu ao discurso, “vocês votaram ano após ano em propostas iguais: ‘aumento do aluguel da cantina’, ‘investimentos massivos na biblioteca’, ‘equipagem das salas de estudo’, ‘liberação das cervejadas no campus’. Eu não proponho nada disso. A minha ideia é simples, e tão simples que vai parecer nova. Mas não é. Eu quero ser rei de vocês e, como todos aqueles que tiveram essa sorte antes de mim, quero levar vocês a me derrubar. A dar o golpe. A acabar com a gestão fraudulenta e sucateadora”, e aqui já não havia mais ninguém que não prestasse atenção nele, nem mesmo os mais politizados, que agora se sentiam roubados em seu vocabulário operário e em sua vocação

para tratar com as massas: “Eu quero que vocês acabem comigo. Votem em mim para Cristo Redentor deste de-partamento. Muito obrigado”.

Por um desses milagres universitários que acontecem e geram lendas repetidas por toda uma geração, um es-tudante de filosofia havia conseguido falar ao coração de alguém. A bem da verdade, a muitas pessoas, e isso sem seguir um script muito popular. Havia discursado sobre algo que não entendia, havia menosprezado publicamente todos que entendiam e, numa jogada espantosa, havia se candidatado a um cargo religioso – um cargo espiritual, mais que isso, vocacional!, um cargo intransferível e, e em todo caso, já preenchido – e esse estranho coquetel parali-sara expressões, cativara a autoconfiança sempre em baixa dos calouros, trazendo para perto da escada até mesmo pós-graduandos dos mais ocupados, em suas camisas polo e bolsas de couro atravessadas no peito. O passado se fez imediatamente, e colocou Tales dos Santos no início dos tempos. Agora seria antes e depois dele.

Que deu um sorriso, depositou o megafone no degrau e passou imediatamente a distribuir santinhos, reproduzidos em xerox, com sua plataforma romântica, desmiolada e suicida. A expressão de espanto divertido dos estudantes não foi exatamente como lhe pareceram, em suas diva-gações, os rostos graves dos apóstolos ao ouvir de Jesus que um deles o trairia. Mas Tales oferecia-se ao abate da mesma forma, embora com propósitos bastante diversos. Tinha sido um discurso e tanto, “Impressionante”, ele ia repetindo baixinho, “Definitivo”, concluiu enquanto abria caminho na multidão de fiéis.

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Beatriz Antunes, formada em filosofia, é editora de livros e publica seus textos em www.noticianenhuma.blogspot.com

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