as pessoas com necessidades especiais, a comunidade e...
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Art igo
AS PESSOAS COM
NECESSIDADES
ESPECIAIS, A
COMUNIDADE E
SUAS INSTITUIÇÕES
S t e l l a C a n i z a de P á e z
Atender às c r i anças e
jovens reconhecendo-os
e respe i tando-os e m
suas d i fe renças é u m
desaf io . É u m processo
c o m p l i c a d o n o qua l es
tão c o m p r o m e t i d a s a
c iênc ia , a ét ica, a subje
t i v i d a d e de todos os
e n v o l v i d o s . Por isso as
c o n q u i s t a s são len tas .
N ã o ve r t i g inosas .
N o presente a r t igo ,
af i rma-se ser necessár io
reconhecer que se avan
çou bas tan te . Q u e m u i
tos pro je tos es tão e m
a n d a m e n t o . É prec iso
a r t i cu lá - los , pa ra const i
tu i r u m a rede r ica em
ações que d ê e m susten
tação a processos que
f avo reçam às pessoas
por tadoras de def ic iênci
as chega r a ter m e l h o r
q u a l i d a d e de v ida .
Inclusão; educação especial
PEOPLE WITH SPECIAL NECESSITY, THE COMUNITY AND THEIR INSTITUTION
Receive children and
youth recognizing and
respecting them in their
differences is a
challenge.It's a difficult
process, where science,
ethics and everybody
subjectiveness are
implicated. That's why
victory are slow, not
very quick.
In this article it is
shown how much it
has advanced.Many
projects are working.
Its necessary to
articulate them to build
a rich net in action
which gives sustentation
to process that help
people with deficiency
in order to have better
quality of life.
Inclusion; special education
REDEMOINHO DE IDÉIAS
Diferença? Indiferença? Integração? Inclu
são? Igualdade? Desigualdade? Eqüidade? Justiça? In
jus t iça? Ass imi l ação? Fagoci tação? - todos estes
significantes estão à disposição em nossa l íngua e
poderíamos usá-los em relação às pessoas com neces
sidades especiais, para além da or igem, causa ou
etiologia dessas necessidades.
Entre as pessoas com necessidades especiais ,
podemos destacar o grupo cujas necessidades especi
ais resultam de um problema orgânico ou psíquico,
podendo enquadrar-se entre os que afetam a mino
ria formada pelas pessoas portadoras de deficiências.
Essas pessoas sofreram historicamente o duplo
jogo perverso de serem discriminadas, sendo separa-• Professora de deficientes da voz, do ouvido, e da palavra,
mestre em Problemas de Desenvolvimento pela Universidade de
Salamanca, Espanha, reitora da Escola de Especialização em
Estimulação Precoce de Buenos Aires, ex-diretora de Educação
Especial da República Argentina, atual assessora da Direção de Educação Especial da Cidade de Buenos Aires.
das do resto dos membros da comunidade, dos "convencionais",
para, em seguida, serem massificadas sob o nome da patologia que
as afeta ou caracterizadas pela disfunção que portam. Assim, "os
Downs", "os surdos", "os cegos", "os W i l l i a m s " , "os paral í t icos
cerebrais", etc. foram por muito tempo vistos como minorias for
madas por indivíduos indiscriminados entre si, sem lugar para que
a singularidade de cada Sujeito pudesse ser considerada e atendida.
Assim, cabe perguntar-nos se as pessoas portadoras de deficiên
cias ou com necessidades especiais são diferentes - assim como as
pessoas convencionais entre si - porque são respeitadas em sua sin
gularidade, necessidades e escolhas; e que portanto têm naturalmen
te o direito de incluir-se em qualquer atividade ou organização de
sua comunidade, ou se a priori outros podem determinar, de fora
e a partir de preconceitos, qual é o melhor lugar para "elas". Ou
seja, indiferenciando-as entre si.
Se "elas" são crianças, jovens ou adultos em situação de apren
dizagem sistemática, surge a questão muito atual da integração esco
lar e os critérios de transformação e atualização das instituições.
Tanto as escolas comuns como as escolas especiais, de todos os
níveis, estão diante do desafio de adaptar seus serviços, transfor
mando-os e preparando-se para atender à diversidade.
O que isso quer dizer? Compart i lharemos a seguir alguns te
mas de reflexão:
É necessário reconhecer que as instituições do sistema educa
cional, de diferentes níveis e modalidades, funcionaram tradicional
mente como compart imentos estanques, como vias paralelas. As
paralelas, como sabemos, não se juntam. Somente uma ilusão de
ótica nos faz pensar que se unem no horizonte, mas ao chegar
comprovamos que continuam sem ter pontos de contato. Isto não
ocorre somente entre as instituições de educação. Também funcio
nam assim as instituições de saúde, questão crucial quando se trata
de alunos com necessidades educacionais especiais causadas por al
guma deficiência.
O desafio é transformar um caminho de vias paralelas em um
sistema de vasos comunicantes. Sistema no qual se facilite que a in
cidência recíproca entre todos seus componentes permita contribuir
para que se atinja uma melhor qualidade educacional para todos.
Sis tema educacional que seja realmente um sistema, no qual a
interdisciplina seja o modo de se trabalhar, mesmo que para tanto
sejam necessárias ações inter-institucionais e/ou inter-setoriais.
O processo transformador está em andamento. Na maior parte
dos países há tentativas de, de diferentes maneiras, repensar as prá
ticas em relação à educação de pessoas com necessidades especiais.
Ou seja, como modificar a situação das minorias , reconhecendo
como um compromisso ético a busca de estratégias que permitam
atender à diversidade nas escolas.
Esse compromisso implica oferecer igualdade de oportunidades
nos moldes da eqüidade. Ou seja, dar a cada um o que necessita,
para que possa chegar a ser um adulto com uma vida plena. Mais
um em sua comunidade, apesar de suas particulares dificuldades.
Parece paradoxal propor que se inc luam nas escolas, em to
das as escolas, alunos com necessidades especiais, ou seja, educar
na diversidade, e estas são ins t i tu ições nas quais são t ransmit i
dos os valores da cul tura, a especificidade dos povos. Paradoxo
porque estamos vivendo em um momento no qual a sociedade é
cada vez mais elitista, competitiva, na qual os objetivos de eficá
cia e ef ic iência adqu i r em tal magn i tude , que apagam, ou pelo
menos ve lam, outros valores humanos . Sociedades nas quais a
desigualdade social foi se generalizando de um modo impensável
em outras épocas.
Estamos diante do desafio de romper com velhos esquemas.
Desterrar preconceitos.
Todas as minorias transcorreram tradicionalmente sua vida por
um caminho repleto de preconceitos. Estes são, em muitos casos,
produto da ignorância ou de uma informação desatualizada. Tam
bém são conseqüência de atr ibuir às estatísticas valor de verdade
universal , quando sabemos que podem ser verdades em geral e
mentiras em particular; ou seja, conseqüência de pensar que, se uma
determinada porcentagem de pessoas portadoras da mesma deficiên
cia tem certa característica, isso as converte em indivíduos iguais.
Quase como se fossem clones.
O reconhecimento em sua singularidade de cada um dos sujei
tos que formam parte de um certo grupo humano é a inda uma
matéria que muitos têm pendente.
Atender à diversidade na escola é justamente procurar romper
com esses destinos previamente determinados, procurar dar igualda
de de oportunidades, ou seja, oferecer a cada um o que necessita
para construir seu melhor projeto de vida. É, justamente, não se
resignar a aceitar modelos assentados em uma concorrência feroz e
comprometer-se a dar cotidianamente a todos os alunos uma expe
riência de vida solidária.
Essa não é somente uma responsabilidade da escola, já que esta
não pode abstrair-se totalmente de receber, como um eco, o discurso
social que a rodeia. É uma responsabilidade compartilhada. Todas as
ações comunitárias, para além da variedade dos temas, deveriam par
tir do princípio de reconhecer que são "de caráter ético, ou seja,
correspondem ao que é certo fazer, ao que não se deveria fazer e ao
que não se pode fazer a nenhum preço" (Eco, 1997, p. 7).
É necessário buscar estratégias
que nos p e r m i t a m r e s p o n d e r ao
compromisso ético de atender à di
vers idade na escola, reconhecendo
que não existe uma divisão clara en
tre os alunos "deficientes" e os "nor
mais", mas sim uma série de necessi
dades individuais que são incluídas
em um conjunto único.
Atualmente nos debatemos em
um v a i v é m ent re o dese jável e o
poss íve l , a po tênc ia e a impotên
c i a , a t e o r i a e a p r á t i c a . L e n d o
Freud, podemos a f i rmar que não
se p o d e p r e t e n d e r a c o m o d a r as
pessoas , mesmo es tando no luga r
de pac i en t e s ou a l u n o s , à t eor ia ,
pois cada um se ocupa de rompê-la
quot idianamente .
Posicionar-nos em um ponto de
articulação entre teoria e prática é o
que nos s i tua na praxis. Ponto de
i n t e r ação que nos pe rmi t e ter na
mira, no eixo da prática, a constitui
ção do sujeito, sua singularidade.
Tomar essa posição não é mis
são de uma única pessoa. É produto
do trabalho de uma equipe interdis-
c ip l ina r . Só assim podemos atuar ,
distanciando-nos de alguma maneira
do risco de fracasso, nesta tentativa
de educar na diversidade.
Isto nos leva a cont inuar pen
sando na questão da interdisciplina,
entendida como uma interpelação re
cíproca entre os diferentes discursos
disciplinares. Cada um destes discur
sos tem o propósito de sustentar a
verdade desde sua perspectiva. Assim,
"a ve rdade" pode ser sus tentada a
pa r t i r da r e l i g i ã o , da po l í t i c a , da
economia, da medicina , da pedago
gia, da psicologia e outras. Mas não
se trata de somar verdades nem de
fazer uma jus taposição destas. Isto
seria multidisciplina.
A m u l t i d i s c i p l i n a pode par t i r
da supos ição de que as diferentes
intervenções, cada uma a part i r de
sua verdade, são metabol izadas na
quele a quem se dirige, gerando um
e fe i to de m e s c l a i n t e g r a d a . A
i n t e r d i s c i p l i n a tende, em troca, a
transferir este suposto efeito a cada
membro da equipe que intervém. E
necessário aceitar a necessidade de
con ta r com out ras verdades , com
outros discursos, com outras inter
venções, a partir do reconhecimento
da própr ia incomple tude , para po
der trabalhar em equipe.
Equipe, palavra mágica, no dizer
da dra. Lydia Cor ia t , que não re
quer para constituir-se que cada ins
t i t u i ção conte em seu seio com a
totalidade dos recursos humanos. É
preciso concordar. . . Concordar no
modo de interagir, articulando ações
intra ou inter-insti tucionais e inter-
setoriais.
Os profissionais, docentes e não
docentes , exis tem na c o m u n i d a d e .
Trabalhar em equipe oferece a possi
b i l i d a d e de c o o r d e n a r m e l h o r as
ações, evitar superposições e otimizar
a utilização dos recursos disponíveis.
Favorece a gestão, el iminando passos
burocráticos desnecessários e, funda
mentalmente, permite às pessoas com
necessidades especiais e suas famílias
u m a v ida mais n o r m a l i z a d a , ma i s
simplificada nas demandas cotidianas.
O trabalho interdisciplinar exige
formação e compromisso. A gradua
ção e a capaci tação em serviço de
vem con t r ibu i r para que se a t in ja
este p ropós i to . O c o m p r o m i s s o é
individual e institucional.
O projeto inst i tucional , formu
lado como resultado do dizer e do
fazer de todos e cada um dos mem
bros da c o m u n i d a d e e d u c a c i o n a l ,
deve prever a inclusão de espaços e
tempo para que a reflexão comparti
lhada seja possível, tanto entre seus
próprios membros como com outros
que contribuam de fora. Isto redun
dará em uma oferta de maior quali
dade para todos.
Atender à diversidade na escola
i m p l i c a que nos d e d i q u e m o s à
in tegração e à i nc lusão . Isto exige
que c o n t i n u e m o s m u d a n d o de
paradigmas, modelos que por muito
tempo tomamos como válidos.
Até algum tempo atrás, supunha-
se que o idea l para aprender , ou,
ma i s a i nda , para ens ina r , era um
grupo escolar homogêneo. Hoje sabe
mos que a heterogeneidade existe em
todo grupo humano, mesmo que que
não a tenhamos podido ou querido
ver, e é um valor em si mesma. Sa
bemos que esta não é reconhecida
porque alguém ou algo trata de es
magar as diferenças. Sabemos também
que aprender com outro, confrontar
hipóteses, compart i lhar ações ou ex
periências, ter em um momento lu
gar de cen t ro no f u n c i o n a m e n t o
grupal e em outro momento distan
c iar -se do cen t ro p a r a a t e n d e r à
proposta de ou t ro que ocupa esse
lugar, é uma riqueza em si mesma.
Essa d i n â m i c a , que permi te o
interjogo de potencia l idades e difi
culdades que todos possuímos, reco
nhecendo e respeitando as diferenças,
é o que sustenta a idéia de escolas
inclusivas, organizadas a priori para
receber o un ive r so de a l u n o s que
solici tem inscrição, tendo organiza¬
dos os recursos que lhe permi t i rão
educar a maioria.
Acreditamos, no entanto, que a
incorporação de alunos com necessi
dades educacionais especiais em esco
las comuns, tem limites. De fato, as
l imitações são cada vez menores, já
que, modi f icando as estratégias de
i n t e rvenção , podem-se a m p l i a r os
destinatários que se beneficiam desta
transformação.
Entretanto, quando a capacidade
para a interação social está severamen
te l imitada, é necessário manter cen
tros ou escolas especiais, para poder
oferecer a essas crianças âmbitos que
respondam a suas tão particulares ne
cessidades.
Uma escola inclusiva pode rece
ber a s o l i c i t a ç ã o de i n s c r i ç ã o de
todos os aspirantes, mas, se em se
guida chega-se à conclusão de que,
para uma determinada criança, nes
se momen to de sua v ida , a oferta
dessa i n s t i t u i ç ã o não a favorece ,
será p r o c u r a d a o u t r a i n s t i t u i ç ã o
mais adequada para suas particulares
nece s s idades , nas q u a i s a c r i a n ç a
poderá ser matr iculada .
Fazemos então uma d i s t inção
entre inscrever os a lunos em todas
as escolas e ma t r i cu lá - lo s naque la
em que poderão receber a melhor
oferta nesse momento , procurando
por todos os meios que essa mu
dança de ins t i tu ição seja proposta
un icamente em si tuações extremas,
q u a n d o não o fazer p o d e r i a pôr
em risco este a luno ou o seu gru
po. Esta afirmação parte da convic
ção de que os a lunos vão à escola
pa ra a p r e n d e r , pa ra a p r o p r i a r - s e
dos v a l o r e s da c u l t u r a e d e v e m
fazê-lo em grupo.
I d e a l m e n t e p o d e r í a m o s d izer
que as c r i anças com necess idades
educativas especiais (NEE) deveriam
ser educadas nas mesmas escolas que
freqüentariam se seu desenvolvimento
não estivesse afetado.
Para poder a t ende r à g r a n d e
maioria dos alunos con NEE nas es
colas comuns ou no âmbito menos
restritivo possível, é necessário utili
zar todos os recursos d i spon íve i s .
Quais são estes recursos? Apresentare
mos alguns:
- Uma mudança fundamental se
relaciona com a tendência internacio
nal de e l iminar curr ículos especiais
preparados para a lunos portadores
de determinadas deficiências. As di
retrizes curr iculares de um país ou
de uma jurisdição devem ser as mes
mas para todos os dest inatár ios de
cada ciclo, grau ou nível da educa
ção. A pa r t i r destas oco r re rão as
adaptações locais, ins t i tucionais , de
sala de aula e para cada aluno com
necessidades educativas especiais.
- A fo rmulação de cu r r í cu los
e s p e c i a i s em função dos g r a n d e s
quad ros pa to lóg i cos t rouxe como
conseqüência a e l iminação a priori
de con teúdos supostos como ina
cessíveis para determinados grupos,
o que i m p e d i u que m u i t o s in t e
grantes dessas m i n o r i a s pudessem
apropriar-se de certos conhecimen
tos, já que n i n g u é m se p ropôs a
ensiná-los.
- As adaptações curriculares, ou
a aceitação de currículos diversifica
dos, devem ser realizadas levando em
conta que as adaptações podem ser
gerais ou visando o acesso a conteú
dos , o que p o s s i b i l i t a que todos
possam aprender melhor.
- Outras adaptações são especiais
ou específicas, e dentro destas é pre
ciso d is t ingui r as que tornam mais
acessíveis os conteúdos procedimen
tais, atitudinais e somente em última
instância os conceituais.
- P r o p i c i a m o s afastar a i dé i a
simplista de que se trata de ensinar
menos sobre um mesmo tema. Muitas
vezes é melhor fazer a oferta de um
modo diferente, utilizar outras estra
tégias didát icas ou conhecer novas,
esforçar-se para compreender uma lin
guagem que pode parecer estranha,
usar diferentes instrumentos ou recur
sos, isto é, repensar a prática.
- C o m o ques tão m u i t o gera l
p o d e r í a m o s dizer que, aos docen
tes da e d u c a ç ã o c o m u m , f a l t a
aprender e acostumar-se a ser mem
bros de u m a e q u i p e ( tarefa n a d a
f á c i l ) e, a o s d o c e n t e s
e s p e c i a l i z a d o s , fa l ta afastar-se da
t r ad i c iona l pa to log i zação dos alu
nos, para aprender m u i t o mais da
d idá t ica das ciências básicas .
Seamus Hegalty, especialista in
glês, proferiu uma conferência nas
Jornadas de Educación Especial, re
al izadas em Buenos Aires em maio
de 1998. Transcrevo sua contr ibui
ção r e l a c i o n a d a às d i fe ren tes res
ponsabil idades referentes à prepara
ção e conc re t i z ação da u t i l i z a ç ã o
do cur r ícu lo :
NÍVEIS DE CONCRETIZAÇÃO DO CURRÍCULO
Ministério da Educação Curr ículo oficial.
Para todos os alunos do país (e/ou
jurisdição)
Equipe docente Projeto educativo curricular
Para todos os alunos de um centro
Professor de classe Programação grupo-aula
Para todos os alunos do grau ou
grupo
Professores comuns, especializados e equipes interdisciplinares Adaptações curriculares
individualizadas
Para cada aluno com NEE
Para atingir esses níveis é preciso
contar com di re t r izes cu r r i cu la res
amplas, flexíveis e abertas. Com trans
formações como estas, conseguiremos
que a maior parte dos alunos aprenda
nos âmbitos mais normalizados possí
veis . Aprender i m p l i c a adent ra r o
mundo simbólico que permite apro
priar-se dos valores da cultura.
Alguns o farão br i lhantemente
em todas as d i s c i p l i n a s , ob t endo
uma aprendizagem realmente funcio
nal em cada uma delas. Outros con
seguirão apenas entrar em contato
com a ex i s t ênc i a de d e t e r m i n a d o
objeto de conhecimento e usá-lo su
per f ic ia lmente em sua v ida d iá r ia ,
ou às vezes nunca . A ma io r i a terá
uma aprendizagem significativa em
algumas questões e pouco significati
va em outras , de acordo com seus
desejos e necessidades.
Isto é sempre assim. Historica
mente, tem sido pouco questionado.
Mas, diante de uma tendência clara¬
mente dir igida a educar a diversida
de em escolas inclusivas, começam a
aparecer opiniões céticas, sustentadas
na idéia de que não todos aprendem
da mesma maneira nem atingem o mesmo nível de conhecimentos.
Justamente, o que sempre se pôde comprovar nos grupos conven
cionais, sem que ninguém o questionasse, é objetado hoje diante
das necessidades educativas especiais conhecidas, reconhecidas e res
peitadas.
Aceitar a diversidade, respeitar cada um em sua singularidade
e aval iar as conquistas ind iv idua i s , tomando como referência o
próprio processo de aprendizagem, não nos distancia de nenhuma
maneira das conquistas importantes.
Sustentamos a necessidade de respeitar os limites decorrentes
do fato de que todos os a lunos devam poder aprender em seu
grupo, apropriar-se dos mesmos objetos de conhecimento, a inda
que alguns o façam a partir de estratégias facilitadoras e com dife
rentes níveis de profundidade.
Isto não impl ica que construir um curr ículo personal izado
para um aluno com NEE seja preparar uma oferta tão diferente da
do grupo, que isso o converta em um estranho inserido em um
grupo e sem possibilidades de estar realmente integrado.
Educar na d ive rs idade não i m p l i c a d i m i n u i r a q u a l i d a d e
educativa. Muito pelo contrário. É necessário arejar o fantasma de
que isto significa nivelar por baixo, fazer com que o grupo apren
da menos. Pelo contrário, é muito freqüente que, na busca de es
tratégias alternativas, os professores de ensino regular utilizem para
o grupo instrumentos recriados a partir da reflexão compartilhada
com a equipe interdisciplinar, que enriquece e facilita o trabalho,
levando a que todos aprendam melhor.
A avaliação da qualidade da educação é uma preocupação para
toda a comunidade. Pais, docentes e funcionários ocupam-se dessa
questão. Vale então se perguntar se a melhor escola é a que obtém
maiores pontuações em provas de matemática e l ínguas, depois de
ter encaminhado para outros estabelecimentos os alunos com NEE
ou com maiores dificuldades, ou se a melhor escola é aquela que
atende à divers idade, p rocurando que realmente todos tenham
igualdade de oportunidades.
Podemos modificar a pergunta tradicional sobre uma criança
ser boa o suficiente para ser aluna de determinada escola e inter
rogar-nos se a instituição é suficientemente boa para encarregar-se
de educar essa criança, conhecendo e respeitando as diferenças.
Deveríamos então propor às autoridades que, quando preparem
os documentos de avaliação das instituições, incluam um item no
qual se considere positivamente a tendência a funcionar como uma
escola inclusiva.
Podemos retomar um ponto que nos parece crucial. Acredita
mos que é possível que, apesar de curr ículos diversif icados, de
adaptações comprovadas, do trabalho
em equipe, a lgum aluno não esteja
p o d e n d o i n t e r a g i r e /ou ap rende r
neste g r u p o ou nesta i n s t i t u i ç ã o .
Isto pode ocorrer devido a suas pró
prias necessidades em um determina
do momento de sua vida. Ou pode
ser que esse não seja para ele o am
biente adequado.
No entanto, é necessário pensar
que freqüentemente um aluno inte
grado é uma criança, um jovem ou
um adu l to que deve adaptar-se ou
"amoldar-se" a um estabelecimento
que não havia pensado mui to nele
como a luno potencial . São pessoas
que têm de demonst rar , em quase
todos os momentos de sua vida es
colar - muito mais que seus compa
nhe i ros convenc iona i s - , que suas
habil idades e atitudes lhe dão direi
to a estar "neste" lugar. É como se
o prisma a partir do qual estas pes
soas fossem olhadas fosse uma lupa
muito potente para avaliar suas difi
culdades.
A relação dialética entre aprendi
zes e educadores não pode ser elimi
nada. Nem tudo depende do aluno.
Nesses casos a proposta é esco
lher um estabelecimento da mesma
modal idade ou de outra cujo proje
to educacional seja mais continente
nessas circunstâncias. A proposta para
tomar este tipo de decisão deve ser
p roduto das conclusões da equipe
que intervém, da qual os professores
são membros naturais e inatos, e es
tar sustentada a partir do t rabalho
realizado com os pais.
Ao m e n c i o n a r os p a i s , surge
ou t ra ques tão c ruc ia l . A f i r m a m o s
que, para formar parte de um grupo
escolar e apropr ia r -se dos va lores
culturais que permitirão a cada pes
soa ser mais um em sua comunida
de, sendo respeitada em sua singula
ridade, é necessário dispor de capa
cidade para a interação social e par
tir de conhecimentos prévios ao in
gresso escolar.
Isso quer dizer que um sujeito
psíquico está em processo de consti
tuição, ou já se const i tu iu . Sujeito
desejante e pensante in teressado e
capaz de interagir com o ambiente.
Isto não depende , ce r tamente , do
que ofereça a instituição escolar.
Há um antes e um depois da
escola, para que a integração na co
munidade seja possível e real na vida
adulta.
Antes , a f i l i ação do pequeno
portador de deficiências como filho.
Acompanhar os pais nesse pro
cesso é função das equipes especiali
zadas em estimulação precoce. Estas
i n t e r v i r ã o nos p r i m e i r o s anos de
vida. O bebê e a cr iança serão seu
objeto de trabalho, mas só chegarão
a ele por meio do agente materno.
Os especial is tas in tervi rão nos
p r ime i ros momen tos , favorecendo
que , ao exercer seu pape l , a mãe
(ou quem se ocupa da função) mos
tre ao bebê o mundo que o rodeia,
mesmo quando ele a inda não sabe
que este mundo existe para além de
sua mãe, de quem t ampouco sabe
que é diferente.
Logo chega o momento em que
o bebê já sabe que é o u t r o . Os
terapeutas acompanharão então a cri
ança pequena, para que, em sucessivas
identificações, reconheça a si mesma
como membro de uma comunidade
cada vez mais ampla. Para que possa
passar do individual ao social e co
meçar a interagir na pr imeira insti
tuição cultural que a sociedade pre
para para seus f i lhos: o j a rd im da
infância.
Não se pode encarar uma trans
formação das escolas em direção à
inclusão se a comunidade não garante
que todo pequeno com problemas de
desenvolvimento ou em grave risco
de padecê-los possa receber um trata
mento precoce adequado, que tenha
como eixo da prática a constituição
de um sujeito desejante e pensante.
Só assim chegará à idade escolar
em condições de poder r ea lmen te
integrar-se.
Também há um depois da esco
la primária e da secundária.
As pessoas portadoras de defici
ências, hoje adultas, têm sérias difi
c u l d a d e s p a r a exe rce r d i r e i t o s
inalienáveis, que ninguém questiona
às pessoas convencionais, quando se
p ropõem a exercê- los . Prepará- los
para que estejam em condições de
exercer estes direitos é um processo
que começa no berço e deve conti
nuar durante todas as etapas do de
senvolvimento.
Implica que a sociedade modifi
que seu olhar em relação à minor ia
formada pelas pessoas portadoras de
deficiências, reconhecendo para estas,
como para todos, um leque de possi
bilidades na construção de seu destino.
A pa to logia de base não pode
interditar absolutamente a esperança
de uma vida plena para o sujeito,
ainda que este necessite mais assistên
cia que outros para conquistá-la.
Assis tência não é dependência
nem subordinação. Trabalhar, apaixo
nar-se, viajar , dec id i r como e com
quem viver e quando fazer mudanças
na vida sempre é possível. Talvez para alguns não seja provável.
Mas o importante é não os deixar, a priori, fora do desejável. Ou
será que diante de qualquer bebê pode-se assegurar o que será dele
quando for adulto, ou até mesmo se chegará a sê-lo?
No entanto, dificilmente alguém tem preparadas respostas res
tritivas ao formular a um pequeno a pergunta mágica: o que você
quer? Isto, entretanto, pode ocorrer com freqüência com crianças
portadoras de alguma deficiência.
Atender às crianças e jovens reconhecendo-os e respeitando-os
em suas diferenças é um desafio. É um processo complicado no
qual estão comprometidas a ciência, a ética, a subjetividade de todos
os envolvidos. Por isso as conquistas são lentas. Não vertiginosas.
É necessário reconhecer que se avançou bastante. Que muitos
projetos estão em andamento. E preciso articulá-los, para constituir
uma r e d e rica em ações que dêem sustentação a processos que favo
reçam às pessoas portadoras de deficiências chegar a ter melhor
qualidade de vida.
Uma r e d e é formada por fios que, entretecidos numa trama,
lhe dão o caráter s ingular que a caracteriza. Que essa r e d e seja
forte, tenha a plasticidade necessária para acomodar-se aos movi
mentos sociais, que esteja tecida com fios significantes enovelados
de nossa cultura depende em parte da qualidade dos materiais, mas,
fundamentalmente, da habilidade dos artesãos.
Contamos com muitos artesãos que estão tecendo redes ricas
em ações.
Aos que ainda não se animaram, aos que olham esse proces
so de integração escolar com desconfiança, aos que não têm in
teresse de envolver-se oferecendo a sua opinião, a estes, devemos
cont inuar esperando. Talvez dentro de um tempo nos ajudem a
sustentar a rede com força, ainda que não tenham podido com
prometer-se com a preparação da trama. •