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As organizações fazem a diferença: a apropriação das tecnologias nas escolas secundárias portuguesas Pedro Abrantes, Carla Rodrigues, Paulo Dias e Nuno de Almeida Alves Centro de Investigação e Estudos de Sociologia Instituto Universitário de Lisboa, Portugal RESUMO O presente paper apresenta alguns dos principais resultados do projeto Learn-Tech, Tecnologias da Informação e Comunicação e Aprendizagem, desenvolvido entre 2010 e 2012, em doze escolas secundárias públicas, em diferentes regiões de Portugal, no quadro de um amplo programa nacional de difusão tecnológica. Em particular, explora-se a relação de certas características das organizações escolares (meio social, corpo docente, liderança, estratégia, recursos e resultados escolares) com o modo de apropriação e utilização das tecnologias da informação e da comunicação (TIC). Parte-se de um quadro teórico no qual se articulam alguns estudos de referência sobre organizações escolares com pesquisas recentes sobre a utilização das TIC nas escolas. Em seguida, descrevem-se os procedimentos metodológicos, baseados na aplicação de três questionários: um aos diretores, outro aos professores e um terceiro aos alunos, nas doze escolas secundárias. Na quarta secção, apresentam-se os principais resultados da análise quantitativa dos dados, resultantes dos questionários. Por fim, discutem-se esses resultados e qual a sua contribuição para o conhecimento do objeto de estudo definido, identificando igualmente futuras linhas de pesquisa. Palavras-chave: tecnologias da informação e da comunicação, escola secundária, organizações escolares, professores, plano tecnológico, políticas públicas, Portugal 1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o Plano Tecnológico da Educação de grandes dimensões tem permitido ampliar de forma exponencial o parque informático das escolas públicas portuguesas, sobretudo no nível secundário. No entanto, pouco se sabe ainda sobre o modo como este investimento tem sido apropriado nas escolas e quais os seus resultados. A presente comunicação pretende discutir alguns dos resultados do projeto Learn-Tech, Tecnologias da Informação e Comunicação e Aprendizagem, desenvolvido entre 2010 e 2012, no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do Instituto Universitário de Lisboa, com financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia do Estado Português (FCT). O projeto teve como objetivo de investigar a forma como as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) estão a ser integradas e utilizadas nos processos de ensino-aprendizagem, no ensino secundário em Portugal. No caso da presente comunicação, iremos mobilizar os resultados desta pesquisa através de uma perspectiva organizacional, de forma a responder à seguinte questão: de que forma e até que ponto, num sistema educativo público e centralizado como o português, as escolas influenciam (condicionam e/ou impulsionam) o uso da tecnologia nos processos de ensino-aprendizagem dos alunos? 2. QUADRO TEÓRICO Partimos de uma linha de estudos norte-americana que tem mostrado que a apropriação escolar da tecnologia depende, sobretudo, da percepção da sua utilidade e necessidade por parte dos professores, sendo esta, por sua vez, também fortemente influenciada pelos contextos sociais em que o docente se encontra integrado [1] [2]. Neste sentido, as redes informais existentes dentro de uma organização podem dar origem a um “capital social” local que é decisivo na utilização (ou não) da tecnologia nos processos de ensino-aprendizagem. Esta perspectiva é complementada pelos estudos que mostram que a tecnologia tem sido apropriada, sobretudo, como ferramenta administrativa e de comunicação e não tanto de resolução de exercícios, produção ou pesquisa, o que implicaria mudanças mais profundas nas culturas profissionais dos professores [3]. Desta forma, as TIC tendem a ser utilizadas para reforçar um ensino que continua centrado no professor, sendo minoritária a utilização das TIC para atividades pedagógicas centradas no aluno [4]. Ainda assim, como mostram outros estudos, as “culturas docentes” [5] [6], assim como os equipamentos mobilizáveis e o tempo disponível [7], constituem também importantes fatores no uso da tecnologia. Em princípio, sobretudo em sistemas públicos e centralizados, estes elementos tendem a ser tomados pelas políticas educativas como uniformes, pelo menos no plano ideal. No entanto, uma perspectiva sócio-histórica dos sistemas educativos modernos [8] [9] permite-nos pensar como as escolas interpretam as políticas educativas de formas distintas, em resultado do seu meio envolvente, mas também da sua relação específica com a administração. Se estas variações sempre se observaram, acentuam-se numa etapa em que os sistemas educativos se apresentam massificados, democratizados e “multi-regulados”. Este fenómeno tem-se intensificado, a partir dos anos 80, no âmbito de reformas políticas que enfatizam a autonomia dos estabelecimentos de ensino e que, frequentemente, têm introduzido lógicas empresariais na gestão da escola pública, colocando-as em competição entre si, responsabilizando-as pelos seus resultados e pressionando-as a desenvolver estratégias próprias de melhoria [10] [11]. Desta forma, os recursos, as competências, as estratégias e as “culturas escolares” diferenciam notavelmente as organizações escolares, no âmbito dos sistemas educativos atuais, mesmo quando estes são públicos e centralizados. A nossa hipótese de trabalho é que estas “culturas organizacionais” afetam, de forma significativa, os modos como a tecnologia é apropriada e mobilizada no trabalho escolar. Por fim, interessa-nos também contribuir para uma linha de estudos que tem procurado analisar os resultados da apropriação tecnológica nos resultados escolares dos alunos [12]. Embora,

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As organizações fazem a diferença: a apropriação das tecnologias nas escolas secundárias portuguesas

Pedro Abrantes, Carla Rodrigues, Paulo Dias e Nuno de Almeida Alves

Centro de Investigação e Estudos de Sociologia Instituto Universitário de Lisboa, Portugal

RESUMO O presente paper apresenta alguns dos principais resultados do projeto Learn-Tech, Tecnologias da Informação e Comunicação e Aprendizagem, desenvolvido entre 2010 e 2012, em doze escolas secundárias públicas, em diferentes regiões de Portugal, no quadro de um amplo programa nacional de difusão tecnológica. Em particular, explora-se a relação de certas características das organizações escolares (meio social, corpo docente, liderança, estratégia, recursos e resultados escolares) com o modo de apropriação e utilização das tecnologias da informação e da comunicação (TIC). Parte-se de um quadro teórico no qual se articulam alguns estudos de referência sobre organizações escolares com pesquisas recentes sobre a utilização das TIC nas escolas. Em seguida, descrevem-se os procedimentos metodológicos, baseados na aplicação de três questionários: um aos diretores, outro aos professores e um terceiro aos alunos, nas doze escolas secundárias. Na quarta secção, apresentam-se os principais resultados da análise quantitativa dos dados, resultantes dos questionários. Por fim, discutem-se esses resultados e qual a sua contribuição para o conhecimento do objeto de estudo definido, identificando igualmente futuras linhas de pesquisa. Palavras-chave: tecnologias da informação e da comunicação, escola secundária, organizações escolares, professores, plano tecnológico, políticas públicas, Portugal

1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o Plano Tecnológico da Educação de grandes dimensões tem permitido ampliar de forma exponencial o parque informático das escolas públicas portuguesas, sobretudo no nível secundário. No entanto, pouco se sabe ainda sobre o modo como este investimento tem sido apropriado nas escolas e quais os seus resultados. A presente comunicação pretende discutir alguns dos resultados do projeto Learn-Tech, Tecnologias da Informação e Comunicação e Aprendizagem, desenvolvido entre 2010 e 2012, no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do Instituto Universitário de Lisboa, com financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia do Estado Português (FCT). O projeto teve como objetivo de investigar a forma como as tecnologias da informação e da comunicação (TIC) estão a ser integradas e utilizadas nos processos de ensino-aprendizagem, no ensino secundário em Portugal. No caso da presente comunicação, iremos mobilizar os resultados desta pesquisa através de uma perspectiva organizacional, de forma a responder à seguinte questão: de que forma e até que ponto, num sistema educativo público e centralizado como o português, as escolas influenciam (condicionam e/ou impulsionam) o uso da tecnologia nos processos de ensino-aprendizagem dos alunos?

2. QUADRO TEÓRICO

Partimos de uma linha de estudos norte-americana que tem mostrado que a apropriação escolar da tecnologia depende, sobretudo, da percepção da sua utilidade e necessidade por parte dos professores, sendo esta, por sua vez, também fortemente influenciada pelos contextos sociais em que o docente se encontra integrado [1] [2]. Neste sentido, as redes informais existentes dentro de uma organização podem dar origem a um “capital social” local que é decisivo na utilização (ou não) da tecnologia nos processos de ensino-aprendizagem. Esta perspectiva é complementada pelos estudos que mostram que a tecnologia tem sido apropriada, sobretudo, como ferramenta administrativa e de comunicação e não tanto de resolução de exercícios, produção ou pesquisa, o que implicaria mudanças mais profundas nas culturas profissionais dos professores [3]. Desta forma, as TIC tendem a ser utilizadas para reforçar um ensino que continua centrado no professor, sendo minoritária a utilização das TIC para atividades pedagógicas centradas no aluno [4]. Ainda assim, como mostram outros estudos, as “culturas docentes” [5] [6], assim como os equipamentos mobilizáveis e o tempo disponível [7], constituem também importantes fatores no uso da tecnologia. Em princípio, sobretudo em sistemas públicos e centralizados, estes elementos tendem a ser tomados pelas políticas educativas como uniformes, pelo menos no plano ideal. No entanto, uma perspectiva sócio-histórica dos sistemas educativos modernos [8] [9] permite-nos pensar como as escolas interpretam as políticas educativas de formas distintas, em resultado do seu meio envolvente, mas também da sua relação específica com a administração. Se estas variações sempre se observaram, acentuam-se numa etapa em que os sistemas educativos se apresentam massificados, democratizados e “multi-regulados”. Este fenómeno tem-se intensificado, a partir dos anos 80, no âmbito de reformas políticas que enfatizam a autonomia dos estabelecimentos de ensino e que, frequentemente, têm introduzido lógicas empresariais na gestão da escola pública, colocando-as em competição entre si, responsabilizando-as pelos seus resultados e pressionando-as a desenvolver estratégias próprias de melhoria [10] [11]. Desta forma, os recursos, as competências, as estratégias e as “culturas escolares” diferenciam notavelmente as organizações escolares, no âmbito dos sistemas educativos atuais, mesmo quando estes são públicos e centralizados. A nossa hipótese de trabalho é que estas “culturas organizacionais” afetam, de forma significativa, os modos como a tecnologia é apropriada e mobilizada no trabalho escolar. Por fim, interessa-nos também contribuir para uma linha de estudos que tem procurado analisar os resultados da apropriação tecnológica nos resultados escolares dos alunos [12]. Embora,

neste caso, os dados do nosso estudo sejam meramente exploratórios, procuraremos associar a intensidade e modos de utilização da tecnologia com os resultados obtidos, em particular, através de um cruzamento com os relatórios da Avaliação Externa das Escolas, realizada e disponibilizada pela Inspeção-Geral da Educação.

3. METODOLOGIA O projeto incluiu uma análise quantitativa dos usos da tecnologia em 12 escolas secundárias, das cinco regiões de Portugal (4 da região de Lisboa, 4 do Norte, 2 do Centro, 1 do Algarve e 1 do Alentejo). Em cada um dos estabelecimentos, foi aplicado um questionário a alunos, outro a professores e um terceiro aos diretores, aferindo os recursos, práticas, obstáculos e expectativas na utilização das TIC. No total, foram recolhidas respostas relativas a 2674 alunos, 324 professores e 12 diretores, codificadas e analisadas através do programa PASW Statistics 18. Tendo em conta a perspectiva organizacional que orienta a presente comunicação, os resultados destes questionários foram cruzados com a análise documental dos projetos educativos e dos relatórios de avaliação externa das doze escolas em questão, de forma a procurar cruzar a apropriação da tecnologia com aspectos de liderança, estratégia, recursos e resultados escolares. Recorremos aos modelos hierárquicos de análise loglinear por serem o procedimento multivariado mais adequado para trabalhar com variáveis ordinais e nominais.

4. PRINCIPAIS RESULTADOS Uma primeira análise deixa antever que os equipamentos informáticos no sistema educativo se encontram hoje distribuídos de forma muito assimétrica entre os estabelecimentos da rede pública, o que constitui um obstáculo ao princípio da igualdade de oportunidades e compromete também o lançamento de estratégias aplicáveis em todas as escolas do país. Entre as doze escolas secundárias estudadas, oito delas têm atualmente menos de 8 alunos por computador (na mais bem equipado, o rácio é 4.41 – escola A), ainda que este número se reduza para 5 estabelecimentos se considerarmos apenas os computadores com internet. No entanto, uma delas tem ainda 19 alunos por computador (E) e, considerando os computadores com internet, três apresentam um rácio superior a 15 (C, E e H). De notar que as escolas C e E estão entre aquelas cujos resultados académicos são mais baixos, o que não acontece na escola H, mas devemos frisar que esta última é caracterizada por um “público social” bastante favorecido, o que não ocorre nas anteriores. Embora sejam situações minoritárias, observam-se também escolas que não dispõem de software educativo instalado nos computadores (F e I), nem de uma pessoa que apoia a integração das TIC nos processos de ensino-aprendizagem (B e I), mas estes factores não parecem afectar os resultados académicos. Também ao nível dos recursos humanos, as diferenças são muito significativas. Há escolas em que a maioria dos professores conta com diploma de certificação em TIC (G e L), enquanto noutras esse valor é residual (A, C e E). Segundo a apreciação dos seus diretores, o contingente de professores bem preparadas

na área das TIC não ultrapassa os 20% na maioria das escolas, ainda que em três delas sejam a maioria (F, G e L). As disposições dos próprios diretores face à apropriação da tecnologia também é variável. Embora a maioria revele abertura para aprofundar a utilização das TIC nos respectivos estabelecimentos, existe uma escola em que o diretor parece ser claramente resistente a essa inovação (caso I), enquanto em três outros os diretores revelam-se ambivalentes ou, pelo menos, apresentam reservas quanto aos benefícios desse processo (E, G & H). Os bons resultados académicos obtidos por estes estabelecimentos nos exames nacionais, de acordo com os dados recolhidos pelo programa de avaliação externa das escolas, parece legitimar um enfoque mais tradicionalista do ensino por parte destas direções e, logo, uma menor aposta no uso das tecnologias. Em todo o caso, este não parece estar associado a particularidades do contexto social, pois é muito variável entre estas quatro escolas. Segundo o questionário aos docentes, entre as doze escolas, destaca-se claramente um estabelecimento, curiosamente o situado no centro de Lisboa (capital e maior cidade do país), em que a maioria dos docentes, embora considerem importante a utilização dos computadores nos processos educativos e utilizem o computador para busca de informação ou para comunicar-se com outros docentes, quase nunca o utilizam no processo de ensino-aprendizagem com os alunos (escola D). É sabido que as escolas dos grandes centros urbanos possuem um corpo docente mais antigo e estável, pelo que talvez se esteja aqui perante uma tendência geracional. Entre as restantes onze escolas, distingue-se também um grupo em que um contingente acima de 20% de docentes não utiliza o computador (C, F, H e I), em contraste com outro cluster em que a maioria dos docentes diz utilizá-lo com muita frequência (A, G, J e L). Os alunos confirmam que a utilização dos computadores nas escolas secundárias portuguesas é bastante comum, mas confirmam as importantes variações entre estabelecimentos de ensino. Assim, um terço dos alunos afirma que se utiliza o computador em sala de aula várias vezes por semana, mas este valor é de cerca de 50% nas escolas A, J e L. No outro extremo, cerca de metade dos alunos inquiridos dizem não utilizar o computador no contexto de aula ou utilizá-lo apenas pontualmente, subindo esta percentagem para cerca de 70% nas escolas D e I. O uso do computador na escola, fora dos espaço-tempo de aula, segue o mesmo padrão, embora com algumas variações interessantes. Assim, cerca de metade dos alunos nunca utiliza o computador na escola, fora das aulas, mas esse valor é superior a 70% nas escolas E e I. Por outro lado, nas escolas A, H, K, L, os computadores escolares são utilizados várias vezes por semana, fora dos espaços lectivo, por mais de um quarto dos alunos. Estas últimas destacam-se assim por uma estratégia de uso mais sistemático da informática no contexto de ensino-aprendizagem, ainda que a escola H revele uma escassez de equipamentos para tal, o que possivelmente é compensado pelos recursos familiares favorecidos. O cruzamento dos vários questionários e da análise documental permite-nos algumas constatações interessantes. Como se previa, o rácio de alunos por computador tem uma correlação forte com o rácio de alunos por computador com internet (r=0.664, p<0.05), bem como uma correlação inversa, não tão forte mas significativa (r=-0.161, p<0.05), com o rácio de docentes certificados em TIC. Isto é, as escolas com mais computadores são também aquelas com mais docentes com

formação em TIC. Mais surpreendente é que a variação entre escolas relativamente às posições dos professores e diretores acerca do uso das TIC não apresenta qualquer associação com estes rácios. Ou seja, as escolas com mais computadores e docentes certificados nem sempre são aquelas em que existem disposições mais favoráveis ao uso quotidiano das tecnologias nos processos de ensino-aprendizagem. Existe assim uma relativa dissociação entre os três níveis que regulam o uso pedagógico das TIC nas escolas secundárias portuguesas: (a) as agências da administração central e de gestão dos programas nacionais que providenciam os recursos, as orientações e os regulamentos; (b) os órgãos de gestão das escolas que concebem os respetivos projectos educativos; (c) as teias informais de docentes que se apropriam (ou não) das TIC na sua prática profissional.

5. DISCUSSÃO

O estudo realizado permite assim traçar um quadro muito desigual na apropriação das TIC dentro da rede pública de escolas secundárias em Portugal. Apesar de todas estarem sujeitas aos mesmos normativos, currículos e programas, em algumas escolas a apropriação das TIC já se encontra num estado bastante desenvolvido, noutras não, o que se pode explicar por diferentes fatores, entre os quais, a escassez de recursos, a resistência das equipas diretivas ou o conservadorismo do corpo docente. Confirmam-se então que tanto o “parque informático” como as “culturas docentes” variam notavelmente, entre estabelecimentos de ensino, sendo ambos os fatores centrais para explicar por que motivo algumas escolas utilizam a tecnologia de forma regular nos processos de ensino-aprendizagem, enquanto outras apenas o fazem de forma muito pontual. Se, em algumas escolas, é a escassez de equipamentos e de competências técnicas que gera entraves objetivos e falta de confiança para usar a tecnologia, noutros estabelecimentos de ensino, são as estratégias de desenvolvimento e/ou as redes informais que limitam em muito essa utilização, orientando-se mais para a preservação de modalidades tradicionais de ensino, justificadas muitas vezes, junto da “sua” comunidade educativa e mesmo das autoridades, pela necessidade de preparar os alunos para os exames nacionais, cujos resultados são cruciais para o ingresso dos jovens na universidade e são utilizados anualmente pelos media para classificar as escolas. De igual forma, a nossa pesquisa revelou a importância atual da direção das escolas, na aquisição de recursos tecnológicos, no estímulo à formação dos docentes e no apoio a que estes usem (ou não) as TIC nos processos de ensino-aprendizagem. Este papel foi, aliás, reforçado pela legislação que regulamenta as organizações escolares, aprovada em 2006. E se, por um lado, o controlo da administração sobre estes diretores se intensificou, o facto de estes continuarem a ser eleitos pela comunidade educativa, o reforço administrativo do seu poder e a pressão para melhorar os resultados dos alunos nos exames podem preservar (ou mesmo acentuar) as diferenças entre escolas. Apesar das relativas dissonâncias intra-escolas, o cruzamento destes vários dados permite-nos definir três tipos distintos de estabelecimento, na sua relação com as TIC:

• as escolas inovadoras, cuja estratégia de desenvolvimento, partilhada por direção e professores, passa pelo uso regular e crescente da tecnologia nos processos de ensino-aprendizagem (A, K, L, J);

• as escolas ambivalentes, em que existe abertura para o uso da informática, mas este permanece diminuto, devido à escassez de recursos (tecnológicos ou humanos) e à ausência de uma estratégia concertada e duradoura neste sentido (B, C, F e H).

• as escolas tradicionalistas, cuja estratégia de desenvolvimento, partilhada por direção e professores, passa por um ensino mais expositivo, livresco e/ou de preparação para os exames (D, E, G, I).

De notar que esta tipologia tem correspondência com aquela que foi obtida através da análise dos relatórios de avaliação de centenas de escolas, num projeto de investigação recente sobre perfis organizacionais e sucesso educativo, também desenvolvido no CIES-IUL [13]. Estes resultados podem ser de extrema utilidade para o desenvolvimento de políticas mais eficazes e equitativas de implementação da tecnologia nas escolas secundárias, permitindo identificar alguns fatores organizacionais que, em cada escola, parecem facilitar o processo de apropriação da tecnologia, devendo ser mobilizados na alavancagem da inovação, enquanto outros se apresentam como verdadeiros obstáculos à mudança, que importa conhecer de modo a criar estratégias que permitam superá-los ou, pelo menos, atenuá-los. Assim, programas como aquele que foi lançado, no âmbito do Plano Tecnológico da Educação, parecem ter uma apropriação ótima, apenas nas escolas com o primeiro perfil. Nas restantes, vêem-se na contingência de não distribuir recursos ou, ao fazê-lo, não produzirem as desejadas transformações organizacionais, gerando desperdícios importantes de recursos. No caso das escolas difusas parece ser necessário estimular, nas escolas, uma estratégia local de apropriação, utilização e acompanhamento dos usos da tecnologia. No caso das escolas tradicionalistas, esta transformação é mais complexa. É possível que, nestes casos, a renovação geracional vá produzindo uma abertura gradual às tecnologias. Em todo o caso, estamos em crer que a mudança depende igualmente do facto de as competências e usos da tecnologias serem incluídos, de forma mais sistemática, nos processos de avaliação dos alunos, dos docentes e das escolas.

6. NOTAS CONCLUSIVAS O presente estudo abre caminho a novos questionamentos que podem estimular o debate neste domínio, bem como para o seu aprofundamento através de futuras pesquisas. Importa notar que a dimensão organizacional foi apenas uma das várias linhas exploradas por este projeto, a amostra de doze escolas é bastante restrita para tirar conclusões nacionais e o uso de métodos essencialmente quantitativos apresenta também limitações interpretativas. Assim, no futuro, será importante discutir e aprofundar questões como as seguintes: Qual o peso das famílias e de outros agentes do contexto local no modo das escolas apropriarem as tecnologias? Qual o efeito das relações que as autoridades escolares estabelecem com os órgãos de gestão das escolas? De que forma a apropriação escolar das tecnologias é condiciona

pelos modelos de avaliação dos alunos, dos docentes e das escolas? A última década foi marcada, em Portugal, por uma profunda transformação nas escolas, em particular, quanto aos seus recursos tecnológicos. As oportunidades de inovação pedagógica são enormes. Há, contudo, um risco muito grande, sobretudo, em contextos de crise económica como aquele que atravessa hoje o país. Caso programas como este não gerem os efeitos propostos e conduzam aos referidos desperdícios de recursos, pelo menos na percepção da administração e da opinião pública, pode legitimar-se uma ideologia de “back-to-basics”, menos dispendiosa para o Estado e famílias, de regresso aos conteúdos e métodos pedagógicos do passado. Estamos em crer que seria muito prejudicial para a formação das novas gerações e para o desenvolvimento do país.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] Y. Zhao e K. A. Frank, “Factors affecting technology uses in

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[3] A. E. Barron, K. Kemker, C. Harmes e K. Kalaydjian,

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[10] R. Feito Alonso, Una Educación de Calidad para Todos,

Madrid: Siglo XXI, 2002. [11] J. Barroso, ed., A Escola Pública: Regulação, Desregulação,

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student learning”, Journal of Research on Technology in Education, Vol. 42, No. 3, 2010, pp. 285–307.

[13] L. Veloso et al., Sucesso Escolar e Perfis Organizacionais.

Um Olhar a partir dos Relatórios de Avaliação Externa. Relatório Final de Projeto. Lisboa: CIES-IUL, 2011.