as noções de finitude em michel foucault sendacz... · 1 introdução o presente estudo...

75
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGAMA DE ESTUDOS PÓS – GRADUADOS EM FILOSOFIA Roberta Sendacz As noções de finitude em Michel Foucault Doutorado em Filosofia Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Filosofia, sob orientação do Prof. Dr. Márcio Alves da Fonseca e colaboração na orientação da Profa. Dra. Salma Tannus Muchail. São Paulo 2016

Upload: lecong

Post on 10-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGAMA DE ESTUDOS PÓS – GRADUADOS EM FILOSOFIA

Roberta Sendacz

As noções de finitude em Michel Foucault

Doutorado em Filosofia

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Filosofia, sob orientação do Prof. Dr. Márcio Alves da Fonseca e colaboração na orientação da Profa. Dra. Salma Tannus Muchail.

São Paulo

2016

Page 2: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

Banca examinadora

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

Page 3: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

Dedico este trabalho a poucas pessoas: Fernando Torres Minha mãe, meu pai Minha tia joyce Professor Renato Janine Ribeiro: me acompanha com sua filosofia instigante desde o início de meus estudos. Sua influência sobre mim é, sem dúvida, para a vida: através de ser trabalho, defino a minha linhagem dentro da Filosofia empírica.

Page 4: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

Agradecimentos

Gostaria de agradecer, antes de mais nada, à grande e acolhedora comunidade

PUC-SP, que transformou, para mim, um trabalho denso em alegria e prazer. Este é um

grande apoio que abre lugar para novos conhecimentos sobre o funcionamento do mundo.

Este atributo, o do prazer, também serve como palavra para agradecer ao Prof. Márcio

Alves da Fonseca, diretor da Faculdade de Comunicação da PUC-SP, e a Profa. Salma

Tannus Muchail, Professora Emérita do Departamento de Filosofia da PUC-SP: obrigada

pela orientação e paciência esses anos todos.

Agradeço a alguns colegas, como José Feres Sabino e Cassiano Terra Rodrigues,

Professor do Departamento de Filosofia da PUC- SP, que se valeram de suas experiências

para trocarmos algumas impressões. Marta Souza Santos esteve por perto do trabalho

desde o seu início, assim como Monica Costa Rodrigues, acompanhando-o com

curiosidade: agradeço ao carinho dos amigos.

Ao Grupo de estudos Foucault, agradeço as oportunidades que se fazem presentes

nas reuniões: uma grande família onde compartilhamos a dedicação ao estudo do filósofo

francês.

Devo agradecer ao Prof. Nelson Urssi, coordenador do curso de Publicidade e

Propaganda do Senac-SP, por várias licenças concedidas para que eu pudesse me dedicar

à esta tese.

O meu obrigada segue para a Profa. Breda Beban (in memorium), que me fez

descobrir que o cinema era uma fonte de conhecimento; para mim, o cinema virou fonte

para se pesquisar coisas mais profundas. No meu estudo, ele abre portas para a densidade

do mundo.

Aos meus futuros leitores, agradeço de antemão a atenção. Este trabalho versa

sobre o pensamento político, criativo e inovador de Michel Foucault. Tomara tenha

mantido seu frescor neste trabalho.

Agradeço mais uma vez à PUC pela possibilidade deste estudo se tornar possível.

Page 5: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

Resumo

O presente trabalho contempla o estudo das noções de “finitude” em Michel Foucault,

notadamente em As palavras e as coisas (1966), a partir da noção de “analítica da

finitude”. A modernidade é o território próprio para que a idéia de finitude seja explicitada

no pensamento do filósofo. A episteme moderna a priori histórico das ciências humanas,

é o seu solo.

Palavras-chave: Michel Foucault, finitude, analítica da finitude, ciências humanas, homem, modernidade.

Page 6: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

Abstract

This paper contemplates the study of the “finitude” notion in Michel Foucault, especially

in The Order of Things (1966), based on the “analytic of finitude” idea. Modernity is the

proper territory for the idea of finitude to be explained in the philosopher’s thought. The

modern episteme, a priori record of the human sciences, is its soil.

Key words: Michel Foucault, finitude, analytic of finitude, human sciences, man, modernity.

Page 7: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

Sumário

Introdução..............................................................................................................................1

Capítulo 1 - Uma abordagem de História da loucura na Idade Clássica.............................3

1.1 Primeiras considerações – De Doença mental e psicologia a História da loucura na

Idade Clássica............................................................................................................4

1.2 Visão geral de História da loucura na Idade Clássica: desrazão e loucura............. 6

1.2.1 Leprosários e navios...........................................................................................7

1.2.2 Hospitais gerais e o cartesianismo......................................................................8

1.2.3 Experiência moral e experiência científica: transição......................................10

1.2.4 A caminho do asilo...........................................................................................12

1.3 Ocorrências da noção de finitude em História da loucura na Idade Clássica........19

Capítulo 2 - Uma abordagem de As palavras e as coisas..................................................26

2.1 Primeiras considerações - O nascimento da clínica: no intervalo entre História da

loucura e As palavras e as coisas............................................................................. 27

2.2 Visão geral de As palavras e as coisas......................................................................29

2.2.1 Renascimento .....................................................................................................29

2.2.2 Idade Clássica.....................................................................................................33

Gramática geral...................................................................................................36

História natural...................................................................................................37

Análise das riquezas.............................................................................................37

2.2.3 Modernidade......................................................................................................39

Economia.............................................................................................................40

Biologia...............................................................................................................41

Filologia..............................................................................................................41

Capítulo 3 – Destaques dos Capítulos IX e X de As palavras e as coisas.........................43

3.1 Destaques do Capitulo IX – “O homem e seus duplos”............................................44

O retorno da linguagem.......................................................................................44

O “lugar do rei”..................................................................................................44

Page 8: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

A analítica da finitude..........................................................................................45

O empírico e o transcendental.............................................................................47

O “cogito” e o impensado...................................................................................47

O recuo e o retorno da origem.............................................................................49

O discurso e o ser do homem...............................................................................50

O sono antropológico...........................................................................................50

3.2 – Destaques do Capítulo X – “As Ciências Humanas”.............................................51

Considerações finais – Uma releitura específica: “A analítica da finitude” .....................54

Referências bibliográficas.................................................................................................. 59

Page 9: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

1

Introdução

O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault:

História da loucura na Idade Clássica, de 1961, e As Palavras e as coisas, uma arqueologia

das ciências humanas, de 1966. O objetivo é investigar as circunstâncias em que o autor

apresenta as noções, historicamente transformáveis, de “finitude” do homem.

Com efeito, a noção de “finitude” em Foucault vem acoplada aos seus usos históricos.

Assim, por exemplo, em História da loucura, investe-se na noção de “finitude” ligada ao

negativo; em As Palavras e as coisas, o conceito se apresenta de modo positivo. O sentido em

que aqui usamos os termos “negativo” e “positivo” será explicitado no decorrer do trabalho.

Por enquanto, importa observar que essas posições nas quais perfilam as noções de “finitude”

são, de toda maneira, histórico-filosóficas. A ênfase dada à noção corresponde ao período de

nossa modernidade, isto é, a partir do final do século XVIII, durante o século XIX, até o século

XX.

Apesar do estudo concentrar-se naqueles dois referidos livros, buscou-se, de maneira

breve, identificar antecedentes da “finitude” em Doença mental e psicologia, de 1962, e em O

Nascimento da clínica, de 1963. Assim, o trabalho sobre História da loucura é precedido por

uma síntese de Doença mental e psicologia, e o estudo sobre As Palavras e as coisas é

antecedido por uma abordagem de O Nascimento da clínica.

O primeiro capítulo oferece uma releitura de História da loucura na Idade clássica.

Começa com a breve consideração sobre Doença mental e psicologia, segue-se uma visão geral

de História da loucura, e por fim são levantadas ocorrências da noção de “finitude”, recolhidas

no contexto do livro.

O segundo capítulo, que se dedica a uma releitura de As Palavras e as coisas, começa

com a passagem sobre O Nascimento da clínica, apresentado a seguir, uma ampla visão de As

Palavras e as coisas, que percorre os períodos do Renascimento, da Idade clássica e da Idade

moderna.

O terceiro capítulo é um estudo particular dos capítulos IX e X de As Palavras e as

coisas. O capítulo nono deste livro, intitulado “O homem e seus duplos”, aloca e descreve na

modernidade a questão da finitude. O capítulo X, intitulado “As ciências humanas”, completa

o anterior, recolhendo as ocorrências da “finitude” no âmbito em que o homem é, ao mesmo

tempo, sujeito e objeto do conhecimento.

Page 10: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

2

Por fim, afunilando o caminho percorrido neste estudo, será destacado, do capítulo IX

de As Palavras e as coisas, o item que tem por título, precisamente, “A analítica da finitude” e,

a seu respeito, serão tecidas algumas considerações finais.

Page 11: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

3

Capítulo 1- Uma abordagem de História da loucura na Idade Clássica

Page 12: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

4

1.1 Primeiras considerações - De Doença mental e psicologia a História da loucura na Idade

Clássica

Em 1962, sob o título Maladie mentale et psychologie, é publicada uma versão

modificada de um livro de Foucault escrito oito anos antes, que se chamava Maladie mental et

personalité. A edição mais recente trata do orgânico e do psicológico na formação da patologia

mental e da relação de ambos com a cultura e com a temporalidade histórica. Os dois livros não

são trabalhos de Psicologia. Nesse encontro entre elementos distintos da composição da doença

mental, poderá haver a presença da não-historicidade. Explicando melhor, a cultura passa a

avançar sobre a História e, por isso, a Psicologia traça uma maneira de ver a História. O seu

devir é, segundo Foucault, a evolução da cultura, paralela à da História. No texto do autor de

1962 existe um bombardeamento do grau inicial da patologia, de sua semente (interior), para

que ela se transforme em História (exterior). Do contrário, ela se torna mito sem história:

Assim, nesses fenômenos patológicos, o doente é remetido para fora de

crenças arcaicas, quando o ser humano primitivo não encontrava, na

solidariedade com outrem, o critério da verdade, quando projetava os seus

desejos e os seus medos em fantasmagorias que teciam com o real as

meadas indissociáveis do sonho, da aparição e do mito (FOUCAULT,

2008, p. 32).

Lidar com esses elementos nos remete a uma questão primordial de As palavras e as

coisas, que é a relação entre empírico e transcendental, a ser explorada em capítulo posterior.

Ela estará totalmente vinculada à noção de finitude.

Foucault vai se concentrar, ao longo de suas investigações, na história sem origem e

sem finalidade (grifo nosso). O livro já antecipa a “necessidade de liberar a noção de doença

mental dos postulados abusivos que a impedem de aceder a um rigor científico”, segundo Pierre

Macherey (MACHEREY, 1985, p. 49).

Page 13: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

5

O filósofo já fala com clareza contra a questão da origem histórica da loucura:

Logo, as análises dos nossos psicólogos e sociólogos − que fazem do

doente um desviante e buscam a origem do mórbido no anormal - são,

acima de tudo, uma projeção de temas culturais (FOUCAULT, 2008, p.

76.)

Os especialistas não tardam a arriscar a origem (ou origens) da loucura, sob os pontos

de vista de disciplinas variadas. Essa origem já fora buscada na magia, no interior do cérebro,

antes mesmo da Psicologia. A loucura, de acordo com Maladie (1962), pode ser vista como

uma psicose ou como algo cultural, envolvido pela Antropologia. Já é tese desse livro, portanto,

que a doença só é tratada como doença no seio de uma cultura que a reconheça como tal − e

não fora dela (FOUCAULT, 2008, p. 73).

Foucault mobiliza toda a introdução à segunda parte de Maladie discorrendo sobre a

relação da loucura circundada pela cultura. Ele cita o livro Padrões de cultura (1934), de Ruth

Benedict, no qual se encontra a comparação do comportamento de tribos divergentes entre si.

Segundo Foucault, a autora escolherá “certas virtualidades que formam a constelação

antropológica do ser humano” (FOUCAULT, 2008, p. 74).Ainda de acordo com o estudo, os

Kwakiutl valorizarão a exaltação individual, ao passo que os Zuni a rejeitarão. Os Dobu serão

agressivos e os Pueblos não. Assim, Foucault mostra que cada cultura haverá de ter o seu perfil.

Se História da loucura traz registros dos usos da noção de finitude, no livro que o

antecede, Maladie mental et psychologie (1962), ela é apenas insinuada, sem marcação direta.

Não há menção direta a ela. Foucault, no entanto, parece relacionar grande parte dos temas que

estão diretamente ligados à finitude em História da loucura na Idade Clássica a Doença mental

e psicologia. São eles: doenças, patologias, queda, falha, sintomas e morte.

A nuance da noção de finitude é, assim, percebida em Maladie mental et psychologie

de forma não explicitada. É possível enxergar neste livro finitudes ocultas, que chamarei de

desmotivadas. O desmotivado lida com o negativo1 e o oculto, herdado do Renascimento, ou

seja: é o lidar com a finitude, agora nos moldes da Idade Clássica, quando perecer torna-se algo

1Philippe Sabot fala em finitude negativa, e a aproxima da antropologia, ao passo que a finitude positiva se refere às empiricidades, em Lire le mots et les choses de Michel Foucault, p. 126 e 127.

Page 14: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

6

sujo ou material. Se a cosmologia era valorizada no céu, a finitude desmotivada alcança o chão.

Diz respeito, sobretudo, a doenças, pecados, pestes e quedas. Um exemplo disso é o da angústia

que poderá remeter à noção de finitude. “Ela é quase um a priori da existência”, diz Foucault

(FOUCAULT, 2008, p.53).

Com a angústia, estamos no centro das significações patológicas. Sob todos os mecanismos de proteção que singularizam a doença revela-se a angústia, e cada tipo de doença define uma maneira específica de reagir a ela: o sujeito histérico recalca a sua angústia e oblitera-a ao encarná-la num sintoma corporal; o sujeito obcecado ritualiza em torno de um símbolo comportamentos que lhe permitem satisfazer os dois lados da sua ambivalência... (FOUCAULT, 2008, p. 50).

Como sugerimos, existe outra possibilidade de finitude, nesta mesma época, que remete

ao finito da existência humana, sem necessariamente tratar do definhamento do corpo. Recebe

aqui o nome de finitude motivada2.

1.2 Visão geral de História da loucura na Idade Clássica: desrazão e loucura

Embora o livro de 1962, Maladie mentale et psychologie, cerque a noção de loucura,

não está nele a concepção mais elaborada e nova que surge em História da loucura na Idade

Clássica. Este livro tratará da loucura sempre circunscrita na História: começa no Renascimento

(séc. XIV ao XVI), segue para a Idade Clássica (séc. XVII e XVIII), até chegar à modernidade

(XVIII/ XIX em diante). Neste percurso, Foucault se dedica mais à análise da Idade Clássica.

Buscaremos realizar aqui, uma visão geral de História da loucura.

Em um dos livros do estudioso de Foucault, Frédéric Gros, intitulado Foucault et la

folie, há um quadro interessante, na forma de esquema, que reflete, de um modo geral, a

recepção e a concepção da loucura em cada uma das épocas trabalhadas por Foucault. Dessa

forma, em relação às práticas sociais, enquanto a loucura “circula” no Renascimento, ela é

“enclausurada” na Idade Clássica e se transforma em “doença” na Idade Moderna. De acordo

2 Ver mais sobre finitude motivada adiante, ainda neste capítulo, na seção 1.3, página 19.

Page 15: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

7

com a mesma caracterização de Gros – a loucura, gerada por oposições – trará a oposição

“profano/ sagrado” na Renascença; na Idade Clássica, a oposição entre “razão e desrazão” e na

Idade Moderna, entre “normal e patológico”. Para citar mais uma categorização de Foucault et

la folie, no Renascimento, a loucura está em um “lugar de passagem”, na Idade Clássica, é

alocada nos “Hospitais gerais” e na Idade Moderna, nos “asilos psiquiátricos” (GROS, 1997,

p.43).

1.2.1 Leprosários e navios

No Renascimento são os leprosos que eram internados, e não propriamente como

“doentes”. “Com efeito, a lepra não era experimentada como ‘assunto médico’, a ser

‘suprimida’ e ‘curada’. Era, antes, uma espécie de testemunho do mal, ao mesmo tempo que de

sua expiação” (MUCHAIL, 2004, p. 40). O leprosário será lugar para recepcionar os loucos na

Idade Clássica. Isso acontecerá mais de um século depois. No cenário do Renascimento, a

loucura está associada a ciclos cósmicos, como o fim dos tempos, o homem devorado pelo

além, entre outras manifestações trágicas. A loucura, segundo Foucault, vive em solidão, mas

é gloriosa. Faz parte da imaginação ver monstros assombrando as mentes; a loucura está “solta”.

A evidência disso são as naus de loucos: são viagens com tripulação de loucos, realizadas em

embarcação (Narrenschiff). Essas travessias são também representadas na arte, tal como na

literatura de Brant e na pintura de Bosch. A literatura e a pintura falam dessa aventura inusitada

de levar o louco de um porto para outro.

Para ligar-se à loucura, a arte renascentista, de maneira geral, teria abandonado o

resquício do gótico (simétrico e vertical). Esse circuito se prolonga até mesmo com Cervantes

e Shakespeare, retrabalhando a questão do racional. Para ambos, a loucura está associada

diretamente à morte. A loucura, então, transforma-se em um estado mental irreversível. Não há

verdade ou razão que possa restaurar a cabeça do louco. Existe um dilaceramento total que

culmina na morte. A associação entre loucura e morte se dá a partir da segunda metade do

século XV, quando a primeira chega para substituir a outra em grau de importância. Fica claro

que a temática da loucura desloca a da morte. Segundo Foucault, ambas representam uma virada

no interior da mesma inquietude (FOUCAULT, 2005, p. 16), mas sem uma ruptura. Mesmo

como tema em declínio, há ainda de se temer, sempre, a morte. Seu papel chama para as formas

subterrâneas do existir. Já a loucura, traz à tona as fraquezas do homem e suas ilusões. Uma

Page 16: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

8

vez que a loucura na Renascença é vista como criadora de formas diversificadas de

transcendência e imaginário, ela expõe o que há de pior no homem.

Para Gros, “embarcar o louco é condená-lo a uma eterna circulação, a uma posição

irredutivelmente limiar” (GROS, 1997, p. 45). Está presente no Renascimento a ideia de o louco

ser o eterno prisioneiro. Ainda de acordo com Gros, o Renascimento faz do louco uma

experiência múltipla e contraditória: ele é um estrangeiro e ao mesmo tempo participa do mundo

da miséria (GROS, 1997, p. 48).

1.2.2 Hospitais gerais e o cartesianismo

É apenas no século XVII que as internações dos loucos se iniciam. Elas se dão nos

“hospitais gerais”. O Hospital Geral de Paris é fundado em 1656, chega a internar seis mil

pessoas: indigentes, vagabundos, mendigos, feiticeiros e outros.

Os “hospitais gerais” são instituições extremamente inovadoras para a época e operam

de forma semijurídica. São instituições mistas, controladas pelo rei e ao mesmo tempo pela

burguesia. Trabalham nos limites da lei, conferindo poderes à polícia e à justiça. O jurídico

participa até mesmo da definição de quem é louco ou não.

A partir do século XVII, a loucura tem esse novo e rigoroso enquadramento de ordem.

É possível internar alguém simplesmente “furioso” sem especificar se o indivíduo é um doente

ou um criminoso (ou nenhum dos dois casos).

O dito louco será tratado como um sujeito moral, antes mesmo de ser visto como um

objeto de piedade ou de estudo. Os profanos e os ociosos são os piores tipos e devem ser

punidos. Busca-se apenas virtudes nos homens, sobretudo nos pobres. Estar internado significa,

simultaneamente, ganhar uma recompensa, no caso dos bons e éticos (submissos e ligados a

Jesus Cristo), ou um castigo, no caso dos maus e sem ética (insubmissos). Ser “curado” nas

instituições mais importantes está mais relacionado com arrepender-se. Ao interno, cabe uma

reflexão crítica de seus atos. O tempo do internamento é, portanto, o tempo da conversão, o

tempo para que o castigo cumpra efeito. O interno deve sair puro da instituição. Todos os

internos clássicos devem trabalhar em prol dessa purificação.

O libertino da Idade Clássica é considerado um mau interno e se avizinha do pecado.

De acordo com Foucault, os libertinos são punidos porque colocam a razão como escrava do

desejo e servente do coração (FOUCAULT, 2005, p. 101). Por não serem religiosos ou não

acreditarem em Deus, sua violação à ordem é a mais aguda. Por não fazerem o uso convencional

Page 17: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

9

da razão e serem livres no pensamento e nos costumes, são tachados de loucos. No século

XVIII, pensar em erotismo, alquimia, ritos, profanações, magias e outros segredos, é solicitar

uma internação, pois tudo isso é considerado desvio grave. Outro exemplo do cotidiano do

Hospital Geral é a recepção de inúmeros casos de praticantes da feitiçaria e adivinhos. A

mágica, por exemplo, ilude, não oferece realidade. O mágico não pode estar na rua, pois ostenta

intenções maléficas. Não se sabe mais o que é profano e o que é sagrado. Remonta-se a um

mundo de ilusões e de falta de sentido. Existe um esvaziamento do significado do mundo. São

dois grupos, que poderiam despontar na Filosofia: os que se salvam (idealistas) e os que

triunfam no negativo, longe de Deus (materialistas). Um exemplo destes é Marquês de Sade.

Nas palavras de Foucault, os libertinos são submetidos a uma ordenação ética para serem

adequados à legislação da época. Os hospitais gerais os recebem, mas não são seus internos

preferidos: “um homem cuja audaciosa imoralidade o tornou demasiado célebre e cuja presença

neste hospício acarreta inconvenientes dos mais graves.” (FOUCAULT, 2005, p. 109).

Entre os muros do internamento encontravam-se misturados os doentes venéreos, devassos, "pretensas feiticeiras", alquimistas, libertinos — e também, vamos vê-lo, os insanos. Parentescos se formam, comunicações se estabelecem; e aos olhos daqueles para os quais a insanidade está se tornando um objeto, um campo quase homogêneo se vê assim delimitado (FOUCAULT, 2005, p. 105).

[...]

Esse desatino [desrazão] se vê ligado a todo um reajustamento ético onde o que está em jogo é o sentido da sexualidade, a divisão do amor, a profanação e os limites do sagrado, da pertinência da verdade à moral (FOUCAULT, 2005, p.106).

No contexto de Idade Clássica, a Igreja não trabalha mais enaltecendo a condição

desfavorável do pobre. Não há a glorificação de sua dor nem sua salvação. Obras, como os

jejuns e a autoflagelação, tornam-se ações profanas que não levam o homem a lugar nenhum,

Page 18: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

10

muito menos até Deus. As obras, portanto, não asseguram nenhum tipo de santidade. Ocorre

um estreitamento do caminho habitual à religião. De acordo com essa tese, a fé, e apenas ela, é

a única a enraizar em Deus. A pobreza se transforma em castigo sem reparação. O homem sem

recursos espirituais será lançado à dureza crua de seu cotidiano. Se esse cotidiano é a casa de

internação, será duríssima a sua realidade. A vida não sacralizada em um ambiente hostil é um

tormento para o pobre da Idade Clássica.

O internamento nas instituições da Idade Clássica é visto por Michel Foucault como

uma espécie de face prática da filosofia de Descartes. Para Descartes, a loucura está ao lado do

sonho e do erro. Mas, diferentemente do sonho e do erro, ela não faz parte do caminho que leva

à certeza da razão. Estar em dúvida é ser guiado pela luz, e não pelas trevas (como na loucura).

A consciência não se separa dela mesma e o homem deve suportar a dúvida, corajosamente, por

pouco tempo, somente até que seja evidente seu acesso à real verdade. Apesar do anti-lirismo

de Descartes em relação à desrazão e à loucura, “ela renasce, essa linguagem da loucura, mas

como uma explosão lírica: descoberta no homem que o interior é também o exterior [...]”

(FOUCAULT, 2005, p. 511). Aquilo que vemos atuar nessas casas de internamento será,

portanto, relacionado segundo Foucault fortemente à razão cartesiana.

Ao contrário do Renascimento, em que a experiência da loucura era, de certo modo,

positiva, no sentido de mística, inquietante e culpabilizante (GROS, 1997, p. 58), na Idade

Clássica esta experiência (da desrazão) é negativa.

1.2.3 Experiência moral e experiência científica: transição

No século XIX, a configuração será outra. Se na Idade Clássica a experiência da

loucura implicava necessariamente a experiência da verdade da razão (e a loucura era a

desrazão), no final do século XVIII isso muda. O homem, segundo Foucault, perde a sua

verdade, a verdade da própria essência. Isso está no “meio” onde vive o homem, nas explicações

econômicas e políticas, agora determinantes para a loucura. Essas experiências, então, afastam

o homem de si, pois a civilização é que terá desenvolvido a loucura no homem. No final do

século XVIII, a loucura serve para questionar o internamento clássico. A questão do jurídico

infiltrado na infra-estrutura do internamento permanece igual, já que os novos hospitais ainda

não priorizam a Medicina. De acordo com História da loucura na Idade Clássica, trata-se nada

mais que de um “remédio transitório e ineficaz, precaução social muito mal formulada pela

industrialização nascente” (FOUCAULT, 2005, p. 70).

Page 19: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

11

Na modernidade, o Hospital geral será substituído pelo asilo e vinculado à medicina.

A loucura também será punida no asilo idealizado por Pinel, pois ainda está aprisionada no

mundo da moral. O louco sabe que é vigiado, julgado e condenado. A medicina do século XIX

é novidade, em parte deriva de aspectos antigos da loucura no classicismo. Assim, por exemplo,

a medicina do século XIX retira do classicismo as análises dos personagens reais, como o do

“homem perturbador” e do “sujeito juridicamente incapaz”, para compor o objeto principal a

ser estudado pela medicina positivista: a doença mental. Sob a herança do século XVIII, de

onde surge, em geral, a ideia de uma grande reconciliação de conflitos, haverá uma

reorganização que também influenciará o campo da doença, fazendo conversar a loucura e suas

práticas.

Neste ponto, a leitura de Gros faz ver na configuração do final do século XVIII, uma

verdade antropológica em que a loucura se objetiva (GROS, 1997, p. 78). Assim, a loucura

“segundo Foucault, não é como no século passado, pensada como vertigem do erro, mas

insurreição de forças” (GROS, 1997, p. 84). Como escreve Foucault, “O Classicismo formava

uma experiência moral do desatino [desrazão] que serve, no fundo, de solo para nosso

conhecimento ‘científico’ da doença mental” (FOUCAULT, 2005, p.107).

Do ponto de vista “objetivo” ou “científico”, a loucura é pouco conhecida até a Idade

Moderna, quando se começa a cercá-la. O louco, que se esconde no interior do desarrazoado, é

visto como insensato na Idade Clássica, e depois como alienado na Modernidade. No começo

da Idade Clássica, o desarrazoado estava à margem da sociedade, sendo depois enquadrado no

mundo real e social. Passa a ser julgado e condenado pela própria sociedade. A Idade Clássica

instaura a experiência moral da desrazão, que vai anteceder, segundo Foucault, e como

dissemos, a explicação científica da loucura como doença mental. Na época da Psicologia e da

busca da verdade sobre o homem, a desrazão vai virar seu substrato; é quando, então, o

desarrazoado que caduca no século XVIII vai ceder a vez para o despropositado.

Não entendemos mais o desatino [desrazão], em nossos dias, a não ser em sua forma epitética: o Despropositado, cujo indício afeta o comportamento ou os propósitos e trai, aos olhos do profano, a presença da loucura e todo seu cortejo patológico; o despropositado é, para nós, apenas um dos modos de aparecimento da loucura (FOUCAULT, 2005, p.159).

Page 20: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

12

No final do século XVIII, a loucura e a desrazão se tornam autônomas. A desrazão atua

como um fascínio que produz imaginação, e a loucura como objeto de percepção. Será a

memória daquilo que foi a desrazão que servirá de vetor para a rica experiência da loucura vista

pela medicina no século XIX. Ser louco é fazer parte de uma massa indiscriminada e a medicina

positivista terá de enfrentar isso. Surge, nessa época, com Pinel, a ideia do louco humano.

O espírito clássico condenava na loucura uma certa cegueira para a verdade; a partir de Pinel, ver-se-á nela antes um élan oriundo das profundezas, que ultrapassa os limites jurídicos do indivíduo, ignora os marcos morais que lhe são fixados e tende para uma apoteose de si mesmo (FOUCAULT, 2005, p. 492).

1.2.4 A caminho do asilo

O tratamento da loucura nem sempre foi igual ao longo dos anos ou dos séculos. O que

se nota na mudança da Idade Clássica para a Modernidade é a maneira “científica” de se ver a

doença. A era do internamento nos moldes da Idade Clássica, não existe mais: “O que

desapareceu no decorrer do século XVIII, não é o rigor desumano com o qual se tratavam os

loucos, mas a evidência do internamento” (FOUCAULT, 2005, p. 417). Os loucos da

modernidade, internados, acabam ganhando tratamento diferenciado, uma “assistência pessoal”

(FOUCAULT, 2005, p.419), contra outra, universal. Agora o internamento serve: 1) para

concentrar o número de internos loucos, e não somente aqueles libertinos ou brigados com a

família; 2) para a Constituinte: os presos só serão aqueles previstos por lei; lei legalmente

aplicada; 3) para a vigência da Declaração dos direitos do Homem (1790).

Page 21: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

13

O problema da loucura não é mais encarado do ponto de vista da razão ou da ordem, mas do ponto de vista do direito do indivíduo livre; nenhuma coação, nem mesmo caridade alguma, pode atingi-las [as liberdades] (FOUCAULT, 2005, p. 435).

[...]

É uma estrutura que vai permitir a loucura a habitar o crime sem reduzi-lo e que ao mesmo tempo autorizará o homem razoável a julgar e dividir as loucuras segundo as novas formas da moral (FOUCAULT, 2005, p. 423).

É no século XIX que se muda a “atitude” frente à doença. Foucault está atento às

modificações. Trata-se do positivismo aceitar que cada louco é um louco, para quem será

designado o tratamento: ser louco é agora saber lidar com a liberdade. A medicina positiva

prescreve o surgimento da objetividade, ou concretude e cientificidade.

Dessa maneira, do louco da época moderna “tira-se as correntes”.

Portanto, o essencial do movimento que se desenvolve na segunda metade do século XVIII não é a reforma das instituições ou a renovação de seu espírito, mas esse resvalar espontâneo que determina e isola asilos especialmente destinados aos loucos (FOUCAULT, 2005, p 384).

“Tirar as correntes” de um louco é a metodologia de trabalhar os limites dos pacientes

frente a seus médicos e tratamentos. Falar sobre loucura no século XIX é lidar com a dupla

transgressão e limite, como forma de compensação entre uma e outro. Uma metáfora para como

se comportam limite e transgressão é uma gangorra: um sobe, outra desce e assim se equilibram.

A transgressão afirma o ser limitado (FOUCAULT, 1994, p. 33). Não existe um sem o outro.

Chega-se à conclusão de que em não se transgredindo o limite, não há participação em um jogo

que não deve ser o do ilimitado, mas sim, limitado. Dessa forma, podemos dizer que o louco

Page 22: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

14

sem o seu limite, não consegue conquistar sua melhoria no tratamento. “A transgressão leva o

limite até o limite do seu ser” (FOUCAULT, 1994, p. 32/ 33).

Colombier, médico da época, descreve o asilo como “um departamento unicamente

destinado aos pobres insensatos em cada depósito de mendicância, e que aí se instaure a

disposição de tratar indistintamente todos os gêneros de loucura” (COLOMBIER apud

FOUCAULT, 2005, p. 430). A equação individual do limite à transgressão é ajustada conforme

a demanda de médico e paciente. Para o médico Tenon, o louco deve ser “em geral deixado em

liberdade durante o dia: esta liberdade para quem não conhece o freio da razão, já é um remédio

que impede o alívio provocado por uma imaginação solta ou perdida” (TENON apud

FOUCAULT, 2005, p. 433). Limite e transgressão não trabalham igual à oposição entre branco

e preto, porém se entrelaçam.

Antes de Tuke e Pinel, dois nomes de destaque na medicina moderna, Cabanis também

se dedica à saúde metal, mudando a perspectiva do diagnóstico. “O que se deve providenciar

antes de mais nada é a liberdade e a segurança das pessoas; exercendo a beneficência, não se

deve violar as regras de justiça” (CABANIS apud FOUCAULT, 2005, p. 43). É unânime que

os médicos da área psiquiátrica vejam a loucura como devedora da liberdade. A cura está na

liberdade circunscrita dentro de um limite. Liberdade, portanto, controlada. Não se fala em

transgressão sozinha fora do limite.

Tuke e Pinel trabalham as novas diretrizes dentro do asilo:

Após Tuke e Pinel, a psiquiatria vai tornar-se uma medicina de um estilo particular: os mais obstinados em descobrir a origem da loucura nas causas orgânicas ou nas disposições hereditárias não escaparão a esse estilo (FOUCAULT, 2005, p. 500).

A prática médica era, antes, “ordem, autoridade e castigo”. Agora, ela se transforma

em “pai e juiz, família e lei” (FOUCAULT, 2005, p.498), um quadrilátero que esboça a

transgressão-limite, na relação personalizada entre médico e paciente. Agora o médico possui

mais força na palavra: está por trás da internação. O internamento leva à cura: “[Antes, a

loucura] espreitava e se [conservava] obscuramente até a morte” (FOUCAULT, 2005, p. 433).

Page 23: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

15

Nas novas diretrizes, “O par médico-doente mergulha ainda mais num mundo estranho”

(FOUCAULT, 2005, p. 500). O novo relacionamento é, aparentemente, “purificado de toda

cumplicidade e que pertence à esfera do olhar objetivo” (FOUCAULT, 2005, p. 423). Trata-se

do ver: o olhar dirigido para um objeto que é a loucura. Ele domina a loucura de modo profundo.

A loucura não é mais algo a temer, “[não se apresenta como dúvida do ceticismo]. Tornou-se

objeto” (FOUCAULT, 2005, p. 456).

Através desse desvio de sua libertação [da Idade Clássica] os loucos reencontram, mas desta vez na própria lei, esse estatuto animal no qual o internamento os alienara; tornam-se animais selvagens na própria época em que os médicos começam a reconhecer neles uma animalidade amena [...] Os hospitais para alienados ainda não existem [a não ser no começo do século XIX] (FOUCAULT, 2005, p. 420).

A título de exemplos, destaquemos duas casas de internamento do início do período

moderno e algumas de suas características. São elas: Bicêtre e Retiro. Bicêtre é uma espécie de

Hospital geral-, que assim funcionava na Idade Clássica. O local foi transformado em asilo e

tem supervisão de Pinel.

Ele é o símbolo da liberdade: libertando os violentos e introduzindo-os num mundo

calmo das virtudes tradicionais (FOUCAULT, 2005, p. 475). O que significa cura para Pinel é

“sua estabilização num tipo social moralmente reconhecido e aprovado” (FOUCAULT, 2005,

p. 474).

Tuke trabalha na reclusão do Retiro, uma espécie de casa cercada por natureza, por

onde circulam os doentes. Costuma fazer a mediação entre as ordens da razão e da loucura.

“Após várias conversas do gênero, o doente em geral ficava em melhores condições durante

vários dias” (TUKE apud FOUCAULT, 2005, p.479).

Ambos vão falar então em nome do que circula na época: a “liberdade”. Agora, vê-se

que todo louco que for louco recebe tratamento, e está “sob vigilância”, a despeito de sua

condição financeira. Os médicos beneficiam-nos com os atendimentos e as internações

gratuitas (FOUCAULT, 2005, p. 430).

Em Bicêtre, a casa é toda modificada, possui enfermaria própria e equipada, e janelas

sem grade. Estuda-se a transição do internamento no passado ao que é no século XIX. Tirar as

Page 24: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

16

correntes é recuperar a razão. “Libertado de suas correntes, está agora acorrentado pela virtude

do silêncio, pela falta e pela vergonha” (FOUCAULT, 2005, p. 490).

A cela, as correntes, o espetáculo contínuo, os sarcasmos constituíam o delírio do doente uma espécie de elemento de sua liberdade (FOUCAULT, 2005, p.490).

Na rotina do Retiro, é esperado que o louco purifique-se do seu estado de violência

para que atinja outro estado de docilidade mesmo internado. O asilo, por exemplo, tem janelas

sem grade. Oferece passeios ao ar livre. Se o tratamento for adequado, o louco pode sair curado

do tipo de habitação do Retiro:

Nas terras vizinhas, pratica-se a agricultura e a criação; o jardim produz frutos e legumes em abundância: ao mesmo tempo oferece a muitos doentes um lugar agradável para a recreação e para no trabalho (FOUCAULT, 2005, p. 467).

Nos domínios do Retiro, os internos trabalham na colheita como se tivessem sido

submetidos a um “tratamento moral”: Tuke pretende encontrar os signos mais profundos e

menos visíveis da loucura. “A loucura só existe como ser visto” (FOUCAULT, 2005, p. 482).

Os pacientes do Retiro são tidos também como crianças, uma vez que a loucura é considerada

um estado “infantil”. “Tudo é organizado no Retiro”, pois os alienados devem ser diminuídos,

curados (FOUCAULT, 2005, p. 483).

Uma das principais características destas casas de internamento é o que podemos

chamar de “transparência”. A preocupação dos médicos é com a objetividade científica: “O

estatuto de objeto será imposto desde logo a todo individuo reconhecido como alienado”

(FOUCAULT, 2005, p. 457). A objetividade no asilo traz consigo o valor terapêutico. Sua

questão é mais eficaz que aquela do tratamento da desrazão na era clássica: a desrazão vai se

Page 25: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

17

transformar em conteúdo psicológico (FOUCAULT, 2005, p. 445). Ela não é mais coletiva,

cada louco com o seu problema. A liberdade da qual se fala no século XIX, inclusive em Freud,

fomenta o olhar objetivo que desde o início é transparente. A liberdade existe para o diagnóstico

e tratamento singulares. “Libertado, o louco se vê em pé de igualdade consigo mesmo”

(FOUCAULT, 2005, p 508).

[...] outra estrutura estabelece entre a loucura e quem a reconhece, vigia e julga, um novo relacionamento, neutralizado, aparentemente purificado de toda cumplicidade, e que pertence à esfera do olhar objetivo (FOUCAULT, 2005, p 423).

Desta maneira, o conhecimento objetivo pretende ser “inteiramente transparente”

(FOUCAULT, 2005, p. 457), dentro da medicina.

Outra característica importante dos asilos é a preocupação com a “liberdade”.

No século XIX, a liberdade poderá servir de organização para a vida do louco, e não

ao contrário, para desorganizá-la. É a vida do recluso:

Esquirol a Janet, como Reil e Freud ou de Tuke a Jackson, a loucura do século XIX, incansavelmente, relatará as peripécias da liberdade. A noite do louco moderno não é mais a noite onírica em que se levanta e chameja a falsa verdade das imagens; é a noite que traz consigo desejos impossíveis e a selvageria de um querer, o menos livre da natureza (FOUCAULT, 2005, p. 508).

Mesmo que “o primeiro remédio é oferecer ao louco [...] certa liberdade [...]” (TENON

apud FOUCAULT, 2005, p 432), as dúvidas coexistem no tratamento:

Page 26: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

18

É o tatear desajeitado na direção de uma definição da loucura que toda uma sociedade procura novamente exorcizar, na época em que seus velhos companheiros - pobreza, libertinagem, doença -recaíram no domínio privado (FOUCAULT, 2005, p. 425).

Tuke e Pinel fizeram construir a história da loucura dentro da medicina psiquiátrica do

asilo. Naturalmente isso afeta o estudo de Freud:

Freud acaba por herdar a medicina feita no asilo e torna concreta a sabedoria médico- paciente. “Trouxe para ele [médico], sobre essa presença única, oculta atrás do doente e acima dele, numa ausência que é presença total, todos os poderes que estavam divididos na existência coletiva do asilo” (FOUCAULT, 2005, p 502).

Freud desmistificou o tratamento da loucura e o que era problema dentro da medicina

do asilo foi reconhecido:

Freud fez deslizar na direção do médico todas as estruturas que Pinel e Tuke haviam organizado no internamento. Ele de fato libertou o doente dessa existência asilar na qual o tinham alienado seus “libertadores”. Mas não o libertou daquilo que havia de essencial nesta existência; agrupou os poderes dela, ampliou-os ao máximo, ligando-os nas mãos dos médicos. Criou a situação psicanalítica, onde, por um curto-circuito genial, a alienação torna-se desalienante porque, no médico, ela se torna sujeito (FOUCAULT, 2005, p 503).

Page 27: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

19

1.3 Ocorrências da noção de finitude em História da loucura na Idade Clássica

As ocorrências da noção de finitude em História da loucura na Idade Clássica se dão,

principalmente, no contexto da Idade Clássica, ainda que remetam às outras épocas

contempladas no livro, isto é, à Idade Média, ao Renascimento e à Modernidade. Há, algumas

vezes, o deslocamento cronológico para o futuro ou para o passado, associando a noção de

finitude aos demais períodos históricos. Mas isso quase sempre ocorre para explicar a própria

Idade Clássica. Não se trata de uma casualidade o fato da finitude ser privilegiada em tal

contexto histórico. Foucault a associa com frequência às questões típicas da filosofia cartesiana.

As ocorrências da noção de finitude na Idade Clássica apresentam-se como

“negativas”. Isso porque a época se delineia, circunscrita pela filosofia de Descartes, como uma

ontologia do infinito, compreendendo a mathesis universalis, isto é, propondo uma ciência geral

sobre a ordem e a medida.

Faremos um levantamento da noção de finitude tal como aparece no interior de História

da loucura na Idade Clássica, com o objetivo de contextualizar seus usos.

Retomemos aquelas duas possibilidades de uso de finitude, como propusemos

anteriormente (item 1.1). Na primeira possibilidade, a finitude está ligada a ideias afirmativas

que não remetem a obscurantismos (finitude motivada). A outra se vincula à sombra, às doenças

e às pestes, favorecendo uma interpretação menos solene sobre ela (finitude desmotivada). A

primeira incidência da palavra finitude, em História da loucura mostra uma rejeição “maléfica”

da finitude à loucura. É o que chamamos de finitude desmotivada. Ela associa-se à sombra, ao

noturno e à loucura; não à luz, que representaria uma saída espiritual. O tema principal é: o

homem que não conhece Deus vive em uma ilusão sombria. Ele também não conhece a verdade

e é, portanto, ignorante. Viver só na aparência jamais trará a verdade e a luz. Eis a passagem

onde o sentido de finitude faz parte daquilo que é desprezado, a aparência, a sombra e a não-

verdade:

O espírito do homem, em sua finitude, não é tanto uma fagulhada grande luz quanto um fragmento de sombra. A verdade parcial e transitória da aparência não está aberta para sua inteligência limitada; sua loucura descobre apenas o avesso das coisas, seu lado noturno, a imediata contradição de sua verdade. Elevando-se até Deus, o homem não deve apenas superar a si mesmo, mas sim desgarrar-se completamente de sua

Page 28: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

20

essencial fraqueza, dominar de um salto a oposição entre as coisas do mundo e sua essência divina, pois o que transparece da verdade na aparência não é o reflexo dela, mas sua cruel contradição (FOUCAULT, 2005, p. 30).

A segunda ocorrência da noção de finitude em História da loucura na Idade Clássica

refere-se ao Renascimento, no período da Reforma Protestante. Diz respeito ao ato de tornar as

obras da Igreja profanas, um dos pilares da Reforma. Isso quer dizer que há a valorização da fé

em detrimento das obras recorrentes na Igreja. Não haverá mais a salvação do homem pelas

obras. A negação delas por parte de Lutero e Calvino será tão necessária quanto negar os atos

demasiadamente “humanos” dentro da Igreja. Objetiva-se a valorização daquilo que só virá de

Deus. A noção de finitude surge então associada a essa nova ideia do antigo sagrado e do novo

profano. A finitude representa a queda, o material, o humano: despenca do divino e nada mais

tem de Deus.

Foucault utiliza esse exemplo da Reforma no Renascimento para justificar a presença

do mesmo tipo de fé que se alastrará pela Idade Clássica e toma conta dos pobres nas casas de

internamento. Assim, as novas regras para a Igreja de Lutero e Calvino permanecem na Europa

do século XVII.

Conhece-se essa recusa das obras em Lutero, cuja proclamação deveria ressoar bem longe no pensamento protestante: “Não, as obras não são necessárias. Não, elas de nada servem para a santidade”. Mas essa recusa concerne apenas ao sentido das obras com relação à Deus e à salvação; como todo ato humano, elas carregam os signos da finitude e os estigmas da queda. Sob esse aspecto não passam de pecados e máculas. Mas ao nível humano, elas têm um sentido: se têm eficácia em relação à salvação, têm valor de indicação e de testemunho da fé: “A fé não apenas não nos torna negligentes com as boas obras como também é a raiz com que estas são produzidas”. Donde esta tendência, comum a todos os movimentos da Reforma, de transformar os bens da Igreja em obras profanas (FOUCAULT, 2005, p. 57).

A terceira presença da finitude em História da loucura na Idade Clássica remete

diretamente à filosofia de Descartes, especialmente em torno da ideia do gênio maligno. Esse

Page 29: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

21

personagem é o responsável por desencadear desvios no homem, seja pelas imagens que

aparecem nos sonhos ou pelos erros dos sentidos. Isso quer dizer: o gênio maligno afasta o

homem da razão e do conhecer-se a si. Para ilustrar esse exemplo, transcrevemos um trecho do

pensamento de Descartes, em Meditações metafísicas (1641), no qual o autor fala que conhecer-

se a si é afastar o que ilude:

Agora fecharei os olhos, taparei os ouvidos, distrairei todos os meus sentidos, até apagarei de meu pensamento todas as imagens das coisas corporais, ou, pelo menos, porque é difícil fazer isso, eu as reputarei como vãs e falsas; e assim, entretendo-me somente comigo mesmo, e considerando meu interior, tratarei de tornar-me pouco a pouco mais conhecido e mais familiar a mim mesmo. Sou uma coisa que pensa... (DESCARTES, 2005, p. 57).

Foucault compreende o papel do gênio maligno como semelhante à própria desrazão

clássica, ou seja, como a condição oposta ao conhecimento verdadeiro. Como o gênio maligno,

a desrazão faz o homem desandar e desconhecer-se. Assim, a noção de finitude é usada para

justificar o poder do gênio maligno (desrazão) nesse contexto da Idade Clássica (que Foucault

opõe ao contexto contemporâneo de Nietzsche e Freud):

Se o homem contemporâneo, a partir de Nietzsche e Freud, encontra no fundo de si mesmo o ponto de contestação de toda verdade, podendo ler, o que ele agora sabe de si mesmo, os indícios de fragilidade através dos quais o desatino [desrazão] é uma ameaça, o homem do século XVII, pelo contrário, descobre, na presença imediata de seu pensamento em si mesmo, a certeza na qual se enuncia a razão em sua forma primeira. Mas isso não significa que o homem clássico estava, com sua experiência da verdade, mais afastado do desatino [desrazão] que nós. É verdade que o Cogito é um começo absoluto; mas não se deve esquecer que o gênio maligno lhe é anterior. E o gênio maligno não é o símbolo no qual são resumidos e levados para o sistema todos os perigos desses eventos psicológicos que são as imagens dos sonhos e os erros dos sentidos. Entre Deus e o homem, o gênio maligno tem um sentido absoluto: em todo seu rigor, ele é a possibilidade do desatino [desrazão] e a totalidade de seus poderes. É mais que a refração da finitude humana: ele designa o perigo que, bem além do homem, poderia impedi-lo de modo definitivo de chegar à verdade: o

Page 30: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

22

obstáculo maior, não de tal espírito, mas de tal razão...(FOUCAULT, 2005, p. 160).

A finitude mencionada pela quarta vez está inserida no contexto da ciência, um dos

temas importantes para a Idade Clássica. Dessa vez, o entorno é a Medicina e a maneira como

são agrupadas as doenças na Idade Clássica. Isso, levando-se em conta a herança do

Renascimento e o que permanece ou muda no classicismo. Foucault nos apresenta duas

situações reais de como as doenças são enxergadas no século XVII: uma negativa e outra

positiva. Se a primeira considera a doença como negação, será preciso esquecer a presença de

elementos aterrorizadores, como as substâncias morbíficas (o sopro do mal), que desaparecem

no final do século XVII, e também abstrair certa metafísica do mal para positivar a doença. A

palavra finitude surge associada a essa negatividade e ao mal, pois na visão religiosa não há o

perecer de tal maneira. Do outro lado, há a maneira positiva de ver a doença. Está relacionada

à capacidade de enxergar o real, o positivo e o pleno. É preciso ver os sintomas positivos da

doença. A verdade vem à superfície, não havendo nada mais de oculto como ocorria antes. O

conhecimento dos fatos é o caminho certo e necessário. O mundo da loucura, entretanto, não

sai tão cedo do campo do negativo, pois, embora a tendência da época seja ultrapassá-lo, sua

obscuridade perdura até o século XIX.

Dado que, para o pensamento clássico, o mal tende a não mais se definir a não ser de um modo negativo (pela finitude, pela limitação, pela falha), a noção geral de doença vê-se presa de uma dupla tentação: só ser considerada, ela também, a título de negação(e é com efeito a tendência para suprimir noções como as de "substâncias morbíficas"), mas destacar-se de uma metafísica do mal, doravante estéril se se quiser compreender a doença no que ela tem de real, de positivo, de pleno (e é a tendência para excluir do pensamento médico noções como as de "doenças por falhas" ou "por privação") (FOUCAULT, 2005, p. 188).

Naquilo que definimos como “finitude desmotivada” destaca-se esta relação direta

entre finitude e doença. Ambas são colocadas no mesmo patamar das “coisas ruins”, das falhas,

daquilo que não superou o passado.

Page 31: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

23

Nesse mesmo contexto, surge mais uma menção à finitude, como forma de adaptação

do antigo ao novo, e o enaltecimento deste. Se antes da Idade Clássica supunha-se que Deus

mandava as doenças aos homens para puni-los, agora Ele ordena as patologias, na medida em

que as organiza e as distribui de acordo com sua sabedoria divina. Resulta disso a verdade sobre

a patologia. O método para isso consiste em transferir o que outrora era desordem da doença

para a ordem presente na classificação da vegetação. As doenças serão sistematizadas, assim

como as plantas o são: pela ordem da razão. Em analogia às plantas, Foucault diz que as doenças

são tidas como vegetações racionais. A patologia é, assim, sempre enquadrada na ordem da

razão e da sabedoria divina. A punição pela doença está no passado. A finitude, a desordem e

o pecado remetem às épocas anteriores à Idade Clássica.

Outrora, a doença era permitida por Deus; ele a mandava mesmo aos homens a título de punição. Mas eis que agora ele organiza suas formas, divide, ele mesmo, as variedades. Doravante haverá um Deus das doenças, o mesmo que aquele que protege as espécies e, de acordo com a memória médica, nunca se viu morrer esse jardineiro cultivador do mal... Se é fato que do lado do homem a doença é signo de desordem, de finitude, de pecado, do lado de Deus, que as criou, isto é, do lado da verdade delas, as doenças são uma vegetação racional. E o pensamento médico deve dar-se por ocupação escapar a essas categorias patéticas da punição para a atingiras categorias, realmente patológicas, através das quais a doença descobre sua verdade eterna (FOUCAULT, 2005, p. 191).

Na Idade Clássica, a loucura e a paixão são convidadas a penetrar no mundo da razão.

O comprometimento das duas, que já fazem parceria por toda a História da filosofia, é revisto

nessa época. O determinismo das paixões é uma liberdade ofertada à loucura para que esta entre

no campo da racionalidade. Vistas como habitantes do lugar em que os espíritos circulam, em

que há mudanças de humor, tristeza, melancolia e, nos casos extremos, morte, é preciso, para a

sobrevivência da paixão e da loucura na Idade Clássica, que elas se atualizem.

O uso da noção de finitude está atrelado à da filosofia de Descartes, ligada que está à

racionalidade. Assim, a sexta ocorrência da finitude situa-se na loucura e nas imediações dos

termos coadjuvantes “corpo” e “alma”. O corpo e a alma são os suportes principais da loucura,

uma doença do corpo e da alma, portanto. Na filosofia de Descartes, a relação entre corpo (os

Page 32: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

24

órgãos que percebem o real) e a alma (mais nobre que o corpo) se aprofunda e se torna mais

metafórica, abrindo-se para o infinito:

É verdade que bem antes da era clássica, e durante uma longa sequência de séculos da qual sem dúvida ainda não saímos, paixão e loucura foram mantidas próximas uma da outra. Mas deixemos com o Classicismo sua originalidade. Os moralistas da tradição greco-latina tinham achado justo que a loucura fosse o castigo da paixão; e a fim de terem mais certeza disso, gostavam de fazer da paixão uma loucura provisória e atenuada. Mas a reflexão clássica soube definir entre paixão e loucura um relacionamento que não é da ordem do voto pio, de uma ameaça pedagógica ou de uma síntese moral; ela rompe, mesmo, com a tradição na medida em que inverte os termos do encadeamento; fundamenta as quimeras da loucura na natureza da paixão; vê que o determinismo das paixões não passa de uma liberdade oferecida à loucura para penetrar no mundo da razão; e que se a união, não posta em questão, entre a alma e o corpo, manifesta na paixão a finitude do homem, ela ao mesmo tempo abre esse mesmo homem para o movimento infinito que o perde (FOUCAULT, 2005, p. 228).

O uso da finitude é também “desmotivado” nesse trecho, ao relacionar-se com o

corpóreo. O corpo, na filosofia de Descartes, não é aquilo de mais valoroso:

Não sou esse conjunto de membros, a que chamam o corpo humano; não sou um ar leve e penetrante, espalhado em todos esses membros; não sou um vento, um sopro, um vapor, nem nada de tudo o que posso fingir e imaginar, já que supus que tudo isso nada era e que, sem mudar essa suposição, noto que não deixo de estar certo de que sou alguma coisa (DESCARTES, 2005, p. 46).

De modo geral, a finitude neste contexto, não aparece em exemplos “afirmativos”, que

estamos denominando “finitude motivada”.

Outra ocorrência da noção de finitude diz respeito ao parentesco entre finitude e morte.

Este parentesco nem sempre é explicitado em História da loucura na Idade Clássica. As duas

são, em princípio, objetos da literatura pela qual se interessa Foucault (nesse caso, a de Diderot).

Page 33: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

25

Existe uma diferença entre o grupo da finitude e da morte histórica e o da finitude e da

morte literária. Na literatura, por exemplo, parece difícil distinguir quando se trata de uma ou

de outra, porque, diferente de como se apresentam na vida real do homem, finitude e a morte

podem aparecer (mais) camufladas ou exageradas, ou demasiadamente místicas. A finitude e a

morte se prestam a um pronto recomeço. Morre-se, mas se tem outra vida, permitindo uma

envergadura para o desconhecido. A finitude literária torna-se circular, como evoca Foucault

no texto sobre Hölderlin. É o ir e vir da possibilidade de um gato com sete vidas:

[...] figura espacial e negadora do tempo, segundo a qual os deuses manifestam sua vinda e seu alçar vôo, e os homens seu retorno ao solo natal da finitude (FOUCAULT, 2010, p. 200).

No caso da finitude e da morte histórica, é possível enxergar tudo como se fosse

limitado por um grande ponto final de concretude. Aparece o saber científico ao lado do

histórico. É possível até mesmo em um momento histórico/filosófico ver o resquício do

anterior. Na Idade Clássica, por exemplo, se conserva alguns elementos do extinto

Renascimento. A Modernidade incorpora características da Idade Clássica. A finitude unida à

história se define como o questionamento da natureza trágica e fantasmagórica da morte, uma

possível herança do Renascimento.

Como a morte, a finitude pode ser interpretada como algo positivo, substituição de uma

coisa por outra; ou negativo, a ameaça de uma doença. Tudo no plano do concreto. De qualquer

jeito, posiciona-se pelo lado da História, o anti-idealismo, o anti-universalismo o anti-

humanismo e o anti-metafísico. Foucault assopra para o lado da finitude e a ela associa a ideia

de singularidade, outra vinculada à história. O fim não é, definitivamente, o hegeliano. No

capitulo a seguir, veremos o trabalho filosófico, histórico e empírico de Foucault, mobilizado

pelo positivismo científico, do século XIX.

Se a finitude está inserida no contexto de conceitos particulares à Idade Clássica em

História da loucura (como desrazão, razão, loucura, verdade, corpo, alma etc.), irá adquirir

novas conexões em As palavras e as coisas (1966), pertinentes principalmente à modernidade

e seus saberes.

Page 34: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

26

Capitulo 2: Uma abordagem de As palavras e as coisas

Page 35: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

27

2.1 Primeiras considerações –O nascimento da clínica: no intervalo entre História da

loucura e As palavras e as coisas

O nascimento da clínica (1963), livro publicado entre História da loucura na Idade

Clássica e As palavras e as coisas apresenta uma justificativa interessante sobre o olhar médico

referente à mudança do eixo histórico e filosófico, na passagem da Idade Clássica à Idade

Moderna.

O livro se direciona à descrição e compreensão da medicina “positiva” ou “científica”

que, após o classicismo vai desenvolver-se na Europa dos fins do século XVIII e início do

século XIX. O que importa, então, é o exame do olhar que rompe com o classicismo. Não é por

acaso que o livro tem como subtítulo “Uma arqueologia do olhar médico”. Na medicina da

modernidade, será possível perceber o que antes era invisível ao olhar médico. Agora, o olhar

médico tem o privilégio de examinar a profundidade. Voltada para a doença, a peste, a falha, a

queda- e a finitude-, a medicina do século XIX valoriza os temas obscuros e densos e dá ênfase

a eles. Essas temáticas opostas ao “ver a luz” vem à tona na medicina. É a observação do

obscuro como origem, logo, como limite de investigação. Tem como preocupação criar um

fundo estável, visível e legível para a morte:

No final do século XVIII, ver consiste em deixar a experiência em sua maior opacidade corpórea; o sólido, o obscuro, a densidade das coisas encerradas em si próprias têm poderes de verdade que não provêm da luz, mas da lentidão do olhar que os percorre, contorna e, pouco a pouco, os penetra, conferindo-lhes apenas a sua própria clareza. A permanência da verdade no núcleo sombrio das coisas está, paradoxalmente, ligada a este poder soberano do olhar empírico que transforma sua noite em dia (FOUCAULT, 2004, p. X).

No classicismo, o olhar representava uma maneira concreta e clara de enxergar as

coisas3. Será possível perceber agora o que era antes invisível ao olhar médico. Ele se

transformará em objeto de atenção e virá à claridade do olhar.

3Ver, na Idade Clássica, é retirar-se das trevas e do obscuro. Ter os olhos somente virados para a luz (emanada do divino): “[...] a luz, anterior a todo olhar, era o elemento da idealidade, o interminável lugar de origem em que as

Page 36: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

28

Podemos pensar a finitude do homem como adequação da medicina positiva na Europa

da virada de século. É sobre isso que trata a conclusão de O nascimento da clínica. Vincula-se

à Antropologia nascente, ferramenta para a compreensão do homem moderno.

Essa experiência que inaugura o século XVIII e de que ainda não escapamos, está ligada a um esclarecimento das formas da finitude, de que a morte é, sem dúvida, a mais ameaçadora, mas também a mais plena (FOUCAULT, 2004, p. 218).

[...]

É que a medicina oferece ao homem moderno a face obstinada e tranqüilizante de sua finitude; nela a morte é reafirmada, mas, ao mesmo tempo, conjurada; e se ela anuncia sem trégua ao homem o limite que ele traz em si, fala-lhe também desse mundo técnico, que é a forma armada, positiva e plena de sua finitude (FOUCAULT, 2004, p.218).

A finitude do começo do século XIX terá como encargo “simultaneamente o papel

crítico de limite e o papel fundador de origem” (FOUCAULT, 2004, p. 218). A Medicina do

século XIX passa a devolver ao homem a sua própria finitude, agora vista com mais

tranquilidade, e menos terror. Implanta-se a ideia da existência concreta do homem, tomada

como sua ‘essência’ e que assim também se torna tema da especulação filosófica. Por estar

atrelada à visão de profundidade, a noção moderna de finitude abre-se para o discurso científico

e racional para o qual esta medicina trouxe suporte.

A noção de finitude do homem, de forma sistemática, estará no livro seguinte As

palavras e as coisas.

A passagem da análise de História da loucura na Idade Clássica (1961) para As

palavras e as coisas (1966), intermediada por O nascimento da clínica, não deve ser vista como

brusca. Enquanto História da loucura fala de uma experiência trágica, dispersiva, As palavras

coisas eram adequadas à sua essência e a forma segundo a qual estas a ela se reuniam por meio da geometria dos corpos; atingida sua perfeição, o ato de ver se reabsorvia na figura sem curva nem duração da luz” (FOUCAULT, 2004, p. X).

Page 37: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

29

e as coisas trará uma experiência de outra ordem. Quando Raymond Bellour questiona Foucault

em entrevista, sobre a articulação de As palavras e as coisas e História da Loucura

(BELLOUR, 1978, p. 14), o pensador responde que a obra de 1961 é uma história da divisão,

a história de um corte que toda a sociedade é obrigada a fazer em determinado ponto de sua

trajetória. Já As palavras e as coisas, de acordo com Foucault, é a história da ordem. Foucault

conclui que História da loucura é a história da diferença (interior, que nos limita), enquanto As

palavras e as coisas é a história do mesmo, da identidade (saberes verdadeiros, inteligíveis). O

Nascimento da clínica é um livro intermediário, por assim dizer, que inclui a relação com o

modo da percepção (moderna) da finitude.

O livro As palavras e as coisas recua para o Renascimento para chegar à modernidade.

Nele, as passagens do século XVI para o XVII (do Renascimento para a Idade Clássica) e desta

(Idade Clássica) para o final do século XVIII e começo do século XIX (Modernidade) são os

momentos históricos contemplados por Foucault. O autor se detém na Idade Clássica,

mostrando que a investigação é marcada pelo incipiente pensamento do homem, já antecedendo

a ideia do empírico e do transcendental kantianos. Ai é importante o pensamento de Kant, que

faz uma espécie de fusão entre o racionalismo e o empirismo. Isso também implica colocar em

questão a noção clássica de Deus, uma presença ligada a certezas e arvorada essencialmente no

trabalho serviente do homem a Deus e à natureza. Alcança-se então, no momento seguinte, a

análise da modernidade, em que Deus, na crítica kantiana, será uma suposição teórica (Lebrun,

2002, p. 180). Isso permite quebrar a metafísica cartesiana e favorecer o surgimento do homem

com temporalidade definida. Essa mudança de concepção do homem aparece, muito

particularmente, no capítulo “O homem e seus duplos”, no qual se compreende que o homem

do século XVII se torna distante daquele que estará à mercê de sua finitude no final do século

XVIII e começo do XIX. Foucault enxerga nesse novo personagem o homem que somos até

hoje.

2.2 Visão geral de As palavras e as coisas

2.2.1 Renascimento

Michel Foucault começa o percurso histórico de As palavras e as coisas com a curta,

porém aprofundada, análise dos discursos da Europa renascentista (século XVI e começo do

Page 38: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

30

XVII). Isso se dá de maneira preparatória para abordar a Idade Clássica e, em seguida, a

modernidade. O Renascimento nos diz que a tarefa dos saberes é decifrar os signos que

trabalham as semelhanças e as afinidades entre as coisas, estabelecendo, assim, similitudes.

Estas são, de maneira geral, turvas4. Assemelham-se, portanto, ao oculto, para designá-lo. As

semelhanças se reúnem com as coisas (in)visíveis dentro e fora do mundo. Assim, os signos

são capazes de movimentar algo grandioso como o céu, os astros, os rios e as tempestades. No

século XVI, e até meados do XVII, a forma mágica, como a própria Astrologia, é intrínseca à

aquisição e produção de conhecimento.

Por toda parte há somente o mesmo jogo, o do signo e do similar, e é por isso que a natureza e o verbo podem se entrecruzar ao infinito, formando, para quem sabe ler, como que um grande texto único (FOUCAULT, 2014, p. 47).

No Renascimento, a linguagem deve habitar e se infiltrar no mesmo espaço das plantas,

das pedras e dos animais. Há o trânsito entre a realidade e o mistério. À época, a semelhança é

primordial para a construção do saber ocidental renascentista. Vamos entendê-la antes de seguir

à Idade Clássica.

O mundo enrolava-se sobre si mesmo: a terra repetindo o céu, os rostos mirando-se nas estrelas e a erva envolvendo nas suas hastes os segredos que serviam ao homem (FOUCAULT, 2014, p. 23).

São quatro as formas de similitude descritas por Foucault: conveniência, emulação,

analogia e simpatia. Quando o autor as analisa, utiliza uma linguagem adequada à época, algo

que se assemelha ao julgamento do século XVI. A semelhança, na forma das similitudes é, sem

4 Diferentemente do diálogo claro e transparente trabalhado posteriormente na Idade Clássica, a era das representações, como veremos adiante.

Page 39: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

31

dúvida, uma forma do universal. Trabalha o entrelaçamento da linguagem com as coisas,

especialmente no ambiente da escrita. Reflete-se a possibilidade de o próprio Deus ter colocado

a palavra escrita no mundo e estabelecer o seu uso. Na conveniência, ocorre o movimento

encontrado das coisas. Os nomes são depositados sobre aquilo que designam.

É esta é a primeira forma (a conveniência), que impõe vizinhanças e liga o mundo numa

grande corrente. Diz Foucault:

(...) há tantos peixes na água quanto sobre a terra animais ou objetos produzidos pela natureza ou pelos homens (...) na água e sobre a superfície da terra, tantos seres quantos os há no céu e aos quais correspondem...” (FOUCAULT, 2014, p. 25).

Diferentemente da conveniência, a emulação é uma similitude sem contato. A atuação

das coisas é à distância. Como num reflexo de espelho, as coisas dispersas se encontram e se

correspondem. “A boca é Vênus, pois que por ela passam os beijos e as palavras de amor; o

nariz dá a minúscula imagem do cetro de Júpiter e do caduceu de Mercúrio” (FOUCAULT,

2014, p. 26). As ligações por emulação criam círculos “concêntricos, refletidos e rivais”

(FOUCAULT, 2014, p. 29). Como na conveniência, a emulação aumenta a proximidade do

mundo, colocando-o todo em diálogo.

A analogia é a terceira relação de similitude. Um exemplo é a relação dos astros com

o céu. Seria a planta um animal de pé? Uma associação como esta caberia perfeitamente em um

caso de analogia. Trata-se de um campo universal de irradiações, que permite relações em todas

as direções. Falamos de algo que se utiliza, simultaneamente, da necessidade do espaço, mas

também dos ajustes a serem feitos nesse espaço para que se dê a convivência entre conveniência

e emulação. As duas, juntas, compõem a analogia. Entretanto é distinta das outras, pois coloca

o homem no centro de sua unidade (cf GUTTING, 1989, p. 141 e 142). Ele está em proporção

com o céu, os animais, as plantas, a terra etc.

Erguido entre as faces do mundo, tem relação com o firmamento (seu rosto está para seu corpo como a face do céu está para o éter; seu pulso bate-lhe

Page 40: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

32

nas veias como os astros circulam segundo suas vias próprias; as sete aberturas formam no seu rosto o que são os sete planetas do céu)” (FOUCAULT, 2014, p. 30).

A simpatia é mais uma forma de similitude observada no século XVI. Ela “atua em

estado livre nas profundezas do mundo” (FOUCAULT, 1966/2014, p. 32). Assim, por exemplo,

o pesado é atraído pelo solo, e o leve, atraído pelo ar. Age nas entranhas do mundo, tornando

as coisas idênticas umas às outras. As assimilações rompem com individualidades.

Concomitantemente, sua gêmea, a antipatia, opera no mesmo espaço. Ao contrário da primeira,

torna as coisas isoladas. Ambas se encontram, havendo a preservação e a singularidade saudável

de cada parte.

Foucault conclui que as quatro similitudes no Renascimento nos anunciam “de que

modo o mundo deve se dobrar sobre si mesmo, se duplicar, se refletir ou se encadear para que

as coisas possam assemelhar-se” (FOUCAULT, 2014, p. 35). Além das similitudes, outras

coisas constatadas no Renascimento têm suas particularidades. É exemplo disso, a relação com

o dinheiro: o metal, ainda que semelhante aos astros (FOUCAULT, 2014, p. 237), e sendo uma

marca de similitude, chega a ser endereçado à riqueza do imaginário do cosmos. 5

Na época do pensamento de Descartes, isto é, na Idade Clássica, será destruída a

primazia das semelhanças. Ela, no entanto, a semelhança, ainda poderá influenciar a Idade

Clássica. Exemplo disso é a forma da imaginação6 da era anterior. Para Descartes, terá valor à

parte e poderá surgir como fantasma (gênio maligno). A subjetividade cartesiana deve ser

entendida como um estágio metodológico em que duvidar é primordial, pois a verdade não vem

fácil dos astros. Ela é precisa e deve ser dada como científica. A imaginação, ainda, ajudará a

configuração do empirismo clássico.

O que existe na passagem do Renascimento para a Idade Clássica é uma recolocação da

imaginação em favor do empírico. Sem ela, não se pode “olhá-la [semelhança] como fazendo

5 No Renascimento, é preciso que o “valor da moeda seja regulado pela massa metálica que a contém” (FOUCAULT, 2014, p. 232), ao passo que no classicismo não é o ouro, como suporte, que apenas conta, mas sua via de circulação e capacidade de representar.

6Em As palavras e as coisas, Foucault associa as ideias de semelhança e imaginação, uma circunscrita na outra, outrora no Renascimento, às noções de Natureza e Natureza humana, no quadro da Idade Clássica. Isso pressupõe atenção às ciências empíricas clássicas. É fundamental para a construção destas ciências empíricas, estar dentro do ambiente guarnecido pela Natureza, o mesmo em que operam a semelhança e a imaginação. “Natureza e natureza humana permitem [...] o ajustamento da semelhança e da imaginação, que funda e tornam possíveis todas as ciências empíricas da ordem” (FOUCAULT, 2014, p. 98).

Page 41: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

33

parte da filosofia” (HOBBES apud FOUCAULT, 2014, p. 93). Dessa forma, em termos de

signos, move-se da semelhança para a representação. É preciso chegar à ordem. Passa-se do

“conhecimento” voltado à imaginação do Renascimento para a ordem reintegrada à imaginação.

Isso porque o conhecimento na Idade Clássica será baseado no olhar da análise e da ciência.

Haverá, assim, outro lugar para o conhecimento. A imaginação, foco do conhecimento do

Renascimento, vai representar o “erro” para Descartes. A “nova” imaginação clássica atende à

correlação entre a alma e o corpo. Foucault fala de finitude: à maneira como aparece na era de

Descartes, associada à queda e ao erro. O filósofo aborda a negatividade e a positividade à

serviço da imaginação ligada à semelhança e a imaginação ligada à representação. Assim, na

análise da natureza, existe a semelhança antes da ordenação; na analítica da imaginação está o

tempo, a análise da impressão, a reminiscência. É sobre isso que fala o item “A imaginação da

semelhança”: a recolocação e readaptação da imaginação na passagem do Renascimento para a

Idade Clássica.

Enquanto no século XVI a semelhança era a relação fundamental do ser consigo mesmo e a dobradura do mundo, na idade clássica ela é a mais simples forma sob a qual aparece o que se deve conhecer e que está mais afastado do próprio conhecimento (FOUCAULT, 2014, p 94).

2.2.2 Idade Clássica

Avançando na análise histórica, Foucault detém-se na Idade Clássica. Antes, porém,

remete-nos ao herói de Cervantes, D. Quixote que, entre o Renascimento e a Idade Clássica,

por um lado, vive nas formas de Semelhança (renascentistas), enquanto por outro, anuncia o

futuro das relações (clássicas) de identidade e diferença. A Idade clássica estabelece uma nova

rede de relações, uma nova malha entre os saberes. Não predominará mais a Semelhança e seus

signos, mas o sistema baseado na identidade e na diferença.

Page 42: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

34

Podemos, se não tivermos na cabeça senão conceitos prontos, dizer que o século XVII marca o desaparecimento das velhas crenças supersticiosas ou mágicas e a entrada, enfim, da natureza da ordem científica (FOUCAULT, 2014, p. 75).

Esse sistema pressupõe pensar a localização de signos, fundamental para o discurso

clássico. O signo é o próprio ser, dirá Foucault. Ao contrário da semelhança, o signo não é uma

figura (do mundo) ou que lide com o secreto (FOUCAULT, 2014, p. 80). É constituído pelo

ato de conhecimento (FOUCAULT, 2014, p. 81). A este discurso que tem por unidade o signo,

condicionou-se chamar “racionalismo”. Pensar o “racionalismo” é considerar o aparato da

medida e da ordem ao lidar com o mundo. A medida será a forma calculável da identidade e da

diferença (FOUCAULT, 2014, p. 73). A ordem será o conjunto dos saberes empíricos como

saberes da identidade e da diferença (FOUCAULT, 2014, p. 79). O método estará presente,

principalmente, no trabalho de Descartes. “A medida permite analisar o semelhante

[renascentista] segundo a forma calculável da identidade e da diferença [clássico]”

(DESCARTES, 1628, p. 182 apud FOUCAULT, 2014, p. 73). Isso se dá por meio da construção

de novos saberes empíricos. Ou seja, essa nova configuração racional do mundo, baseada na

medida e na ordem, remete à ordem científica do mundo, e não mais à ordenação cosmológica

dele. Por esse olhar racional, tudo deverá ser comprovado para ter espaço na filosofia.

[...] toda semelhança será submetida à prova da comparação, isto é, só será admitida quando for encontrada, pela medida, a unidade comum, ou mais radicalmente, pela ordem, a identidade e a série das diferenças” (FOUCAULT, 2014, p. 75).

O conhecimento se transforma agora em análise. Esta, por sua vez, torna-se

universalidade. Desfaz-se, inclusive, a prévia linguagem de Deus – símbolo da natureza, laços

obscuros, enigmas e impressões com base nas intuições. A regra agora é fazer a linguagem

significar probabilidades e certezas. Constrói-se a ideia da clareza e transparência. Tudo vira

signo.

Page 43: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

35

Em Malebranche e Berkeley, o signo gerido por Deus é a superposição sagaz e diligente de dois conhecimentos. Já não há aí a divinatio – inserção do conhecimento no espaço enigmático, aberto e sagrado dos signos; mas um conhecimento conciso e concentrado em si mesmo: a centralização de uma longa sequência de juízos na figura rápida do signo [...] (FOUCAULT, 2014, p. 82).

O signo, na Idade Clássica, tem como especificação ganhar espaço dentro do

conhecimento: ele se constitui pelo próprio conhecer. Nesse momento, remete ao infinito, onde

se criam as representações (desses signos) que se multiplicam. O signo representa o

representado e segue na multiplicidade de associações, sem fim. “É a representatividade da

representação enquanto ela é representável” (FOUCAULT, 2014, p. 89). Todas as associações

se baseiam no sistema das identidades e das diferenças.

A Idade Clássica é, portanto, a Idade da Representação. Tudo, assim, cabe no

racionalismo (ordem e medida), coroado pela teoria que daí surge, a máthêsis universalis. Sua

função é imprimir um método algébrico nas análises, constituindo-se a ordem evidente para as

coisas. As noções de realidade e exatidão, frisamos, são intrínsecas a esse conceito da máthêsis.

Paralelo à máthêsis universalis, está outro conceito, o da taxinomia, operando no

ordenamento dos novos domínios empíricos (ou empiricidades) surgidos na Idade Clássica. São

eles: a Gramática Geral, a História Natural e a Análise das Riquezas. A Gramática na Idade

Clássica estuda formas com que a representação funciona no discurso; a História Natural estuda

espécies de animais e vegetais da natureza; da mesma forma, a circulação da moeda será

representada no metal. Pode-se dizer que a Gramática Geral, a História Natural e a Análise das

Riquezas têm em comum pertencer ao domínio da representação. Por exemplo, uma aplicação

no campo da linguagem: a linguagem representa o pensamento como o pensamento representa

a si.

Page 44: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

36

Gramática geral

A linguagem não é algo externo ao pensamento, mas é misturada nele. Pensar a análise

do pensamento será representar como sequência de signos verbais (discurso). Foucault se

pergunta: “Como pode o discurso enunciar todo o conteúdo de uma representação?”

(FOUCAULT, 2014, p. 135) e responde, em seguida: “Porque ele é feito de palavras que

nomeiam7, parte por parte, o que é dado à representação” (FOUCAULT, 2014, p.135)8. A

crítica, um método de análise da linguagem na Idade Clássica, vem substituir o comentário

renascentista. Pergunta-se a partir daí: a linguagem é transparente ou opaca? Resposta:

transparente. Ou, a linguagem diz o que realmente representa? Resposta, sim em se tratando de

Idade Clássica. A linguagem representa todas as representações. É natural, linear e universal.

Foucault nos oferece o exemplo de uma Enciclopédia que aglomera grande quantidade de

conhecimento (FOUCAULT, 2014, p.119).

Outra maneira de apreender o que a Idade Clássica nos oferece é a relação entre o

externo (histórico) e o interno (contínuo), ainda no domínio da linguagem. Nada mais é que

marcar as transformações do comportamento interno e estrutural, e do externo e cultural. Um

exemplo é pensar a ligação das línguas sem uma ruptura, desde sua origem. Isso, na Idade

Clássica, revela-se nas representações. Cada língua define a sua especificidade no interior do

discurso. E, sabemos, linguagem (discurso) e pensamento movem-se continuamente. Assim,

levando em conta a instauração de qualquer novidade dentro da língua, o registro é o do interno,

porém perfilado dentro da História:

É que as línguas evoluem por efeito das migrações, das vitórias e das derrotas, das modas, das trocas; não, porém, por força de uma historicidade que por si mesmas (FOUCAULT, 2014, p. 126).

7 Em As palavras e as coisas, Foucault define o que é nomear no contexto da Idade Clássica,: “Pode-se dizer que é o Nome que organiza todo o discurso clássico; falar ou escrever não é dizer as coisas ou se exprimir, não é jogar com a linguagem, é encaminhar-se em direção ao ato soberano de nomeação, é ir, através da linguagem, até o lugar onde as coisas e as palavras se ligam em sua essência comum, e que permite dar-lhes um nome [...]” (FOUCAULT, 1966/2014, p. 166). Acrescenta: “A tarefa fundamental do ‘discurso’ clássico consiste em atribuir um nome às coisas e com esse nome nomear o seu ser.” (FOUCAULT, 1966/2014, p. 169). 8 Idem, p. 135.

Page 45: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

37

História natural

No caso da História natural, lidaremos com a interioridade e a exterioridade por meio

da observação da Natureza, como ação imperativa do tempo cronológico. O conhecimento abre-

se para o externo. Surgem as formas de intempéries destrutivas, aglutinadoras e degradantes,

que dificultam a operacionalização de qualquer “evolucionismo” (interno). Nada se move de

dentro para fora, senão no sentido oposto. Cronos atua na exterioridade das coisas. Mas, embora

isso aconteça, e independentemente disso, a taxinomia ainda prevê a congregação das

representações no espaço interno e contínuo, pois é por meio do interno que se vê os objetos

interessantes às ciências da natureza.

É preciso que a história natural encontre o meio de contornar a dúvida radical que a ameaça assim como a qualquer linguagem, dúvida essa que Hume fazia incidir sobre a necessidade da repetição da experiência (FOUCAULT, 2014, p. 201).

No estudo da História natural, por exemplo, deve prevalecer o elemento da

continuidade, a manutenção das espécies no tempo (e a semelhança de uma com a outra). Isso

se estabelece em uma relação das classificações. As coisas e as palavras, ou seja, o que a

linguagem vai dizer sobre as coisas, estão entrecruzadas.

Análise das riquezas

Para concluirmos o ciclo que aborda as empiricidades trabalhadas por Foucault, na

Idade Clássica, elabora-se a análise das riquezas. Ao contrário da História natural, na Análise

das riquezas, o tempo age, sobretudo, no interior das representações. É o tempo que consegue

alterar as representações das riquezas.

Page 46: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

38

Diferente das outras duas formas de saber empíricas, a Análise das riquezas estará

ligada a instituições. “Uma reforma da moeda, um uso bancário, uma prática comercial podem

bem racionalizar, se desenvolver, se manter ou desaparecer segundo formas próprias”

(FOUCAULT, 2014, p. 230).

A Análise das riquezas começa com a grande valorização dos signos monetários, no

começo do século XVII. A troca cria valor. Ela os torna úteis e “sem ela, seriam de utilidade

fraca ou talvez nula” (FOUCAULT, 2014, p. 275). O valor do objeto torna-se um valor de troca.

Outra forma de valor vindo da troca é o de apreciação: organiza nas utilidades uma relação que

duplica (Representação).

A moeda representa muitas coisas, muda de mão para mão, de dono provisório para

dono provisório, passa do empregador para o empregado, do consumidor ao agricultor. Ela pode

valer tudo: um prato de comida, um trabalho, um objeto. Quanto mais depressa circula, mais

representa. O valor dela é uma forte representação. Dutot, um estudioso da época, dirá que o

equilíbrio entre uma nação forte e uma nação fraca é saber balancear as áreas do país com muito

dinheiro e muita concentração de mão-de-obra, com outras áreas pobres e sem mão-de-obra. O

que vale é uma composição desses dois movimentos (FOUCAULT, 2014, p. 259/260).

No item “Trocar” de As palavras e as coisas serão apresentadas duas correntes de

pensamento (representação) que coexistem na Idade Clássica, a dos fisiocratas e a dos

utilitaristas. Os primeiros, segundo Foucault, representam os proprietários fundiários, e os

outros, comerciantes e empresários. As duas correntes partilham alguns pensamentos: toda

riqueza nasce da terra e o seu valor está na troca; a moeda representa riquezas. Os fisiocratas

defendem o aumento dos preços agrícolas, mas não o aumento do salário dos trabalhadores na

terra. Com suas atitudes, os fisiocratas prescrevem uma série de medidas que possam

desvalorizar a produção dos utilitaristas, pois almejam que estes mantenham os preços justos.

Por sua vez, para os utilitaristas, o valor das coisas está conjugado com sua utilidade. Por isso,

não se pode distanciar preço de utilidade. Por ter essa característica de ser útil e individual, a

mercadoria é vista singularmente, como única. Diante disso, o supérfluo, por sua vez, não tem

utilidade numa relação de troca utilitarista e, assim, ele poderá conferir mais valor ao que o

compra do que ao que o vende (o supérfluo). Trocar pode ser, então, aumentar os valores da

mercadoria, valorizando novas utilidades para novas necessidades. O que não servia passa a

servir de um lado e de outro com a troca. Para os utilitaristas, as necessidades e os desejos criam

a lei.

Page 47: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

39

Na Idade Clássica, tudo se transforma em enunciado límpido:

[...] é a possibilidade de ver o que se poderá dizer, mas que não se poderia dizer depois, nem ver à distância, se as coisas e as palavras, distintas umas das outras, não se comunicassem, desde o início, numa representação. (FOUCAULT, 2014, p.178).

Na Idade Clássica não há espaço para o incerto e, quando o há, devemos reduzi-lo.

Exige-se a garantia de medida e ordem. Continuidade e transparência: o ser que se manifesta e

se mostra pela presença da representação.

2.2.3 Modernidade

O grande acontecimento filosófico da Idade Moderna é o homem. A dissolução

histórica do discurso clássico torna possível o foco de atenção no homem e não na linguagem.

É o desgaste do pensamento de Descartes (medida e ordem). A pergunta pela identidade

tradicional clássica do homem era: “quem sou eu?” (CASTELO BRANCO, 2012/2013, p.

74/75). A resposta clássica foi: “sou um sujeito único, mas universal e não histórico? ” Isso se

transforma com Kant, no pensamento da modernidade. Nesse caso a resposta é: “Quem somos

nós, neste momento preciso da história?” (CASTELO BRANCO, 2012/2013, p. 72). É o

homem, e não mais o discurso, que aparece como saber da modernidade. A relação é

estabelecida entre o sujeito que conhece e o objeto do conhecimento. O homem a partir de agora

é pensado dentro de uma perspectiva kantiana, isto é, como ser empírico-transcendental. Isso

pressupõe deixar o “quadro” clássico como matriz de todas as relações (representativas) e

adotar correlações derivadas da ciência. Ainda, na nova configuração histórico-filosófica,

pressupõe-se pensar em uma dimensão de exterioridade (história), e não mais da interioridade

(representação). É, portanto, pelo caminho da exterioridade que surge a ideia do homem finito,

desbancando o homem metafísico clássico.

Page 48: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

40

Pretendendo reconstituir a unidade perdida da linguagem, estar-se-ia indo até o fim de um pensamento que é o do século XIX, ou não se estaria indo em direção a formas que já são incompatíveis com ele? A dispersão da linguagem está ligada, com efeito, de um modo fundamental, a esse acontecimento arqueológico que se pode designar pelo desaparecimento do Discurso (FOUCAULT, 1966/2014, p. 423).

O capítulo VIII de As palavras e as coisas mostra a mutação da ciência no século XIX.

Aquilo que era Análise da riqueza transforma-se em Economia. O que antes era História natural

passa a ser Biologia e, por fim, a Gramática geral dá lugar à Filologia. Para estas disciplinas

hoje se encontrarem onde estão, tiveram que racionalizar seus conceitos por meio do repensar

da razão clássica. Como ponto em comum, as novas empiricidades mobilizam a História.

A História funciona ante as determinações antropológicas como uma espécie de grande mecanismo compensador (FOUCAULT, 1966/2014, p. 357).

Economia

Ricardo é o exemplo para Foucault falar da Economia recente (século XIX). Parte da

ideia de que todo valor tem sua origem e é fruto do trabalho. Antes, o valor estava no signo

(Representação). Na passagem da visão antiga para a nova, o “valor” se beneficia com a

Antropologia do começo do século XIX (FOUCAULT, 2014, p.353). É o momento em que a

vida encontra a morte (FOUCAULT, 2014, p.353). Através do viés histórico embutido na

história do homem moderno, a História será trabalho, produção, acumulação e crescimento dos

custos reais. O homem moderno é então aquele que “passa, usa e perde sua vida escapando da

iminência da morte” (FOUCAULT, 2014, p. 353).

Page 49: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

41

De maneira geral, pode-se dizer que Foucault pretende estudar as formas de constituição do indivíduo moderno. Quando se fala em formas de objetivação e formas de subjetivação, é sempre em relação à constituição do indivíduo. Da mesma forma que pensar nos processos de subjetivação também é pensar em aspectos dessa constituição. (FONSECA, 2011, p 28)

Biologia

Foucault remete a Curvier, como exemplo no campo da Biologia. Seu trabalho foi, de

maneira geral, avançar no sentido de libertar a antiga teoria da taxionomia, para haver novos

planos de organização (FOUCAULT, 2014, p. 362). Curvier pensa nas espécies vivas, a partir

daquilo que ocultam. A classificação vem da profundidade da vida e do olhar. Para isso, duas

técnicas. A primeira técnica é a anatomia comparada, o espaço interior e o seu limite. A segunda

técnica “rompeu a suposta continuidade do tempo”. Ela indica pela superficialidade, o caminho

para o corpo adentro (FOUCAULT, 2014, p. 372/ 373). Os órgãos passam a existir como

enunciados: se dispersam nas suas independências como órgãos: “É o fragmento que compõe a

parte. É erro crer que tudo é importante num órgão importante’” (FOUCAULT, 2014, p. 363).

O que se vê é a fração. Parte-se então de um “longínquo da vida” para a imersão externa da

classificação (FOUCAULT, 2014, p.369). “O ser vivo é pensado, logo de início, com as

condições que lhe permitem ter uma história” (FOUCAULT, 2014, p. 380), em partes.

Filologia

A Filologia de Bopp é o terceiro e último passo proposto por Foucault, para averiguar

o empírico no começo do século XIX. É também pela filologia que se estabelece a historicidade

na linguagem. Bopp decompõe a língua internamente para chegar à linguagem em sua essência.

É no século XIX que existe a análise como conjunto de sons liberados pelas letras. É também

a partir do estudo da Filologia que se vê mutações da língua oral. Mais uma vez, não se trata de

Representação, pois

Page 50: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

42

Compreende-se que a nova filologia, tendo agora para caracterizar as línguas esses critérios de organização interior, haja abandonado as classificações hierárquicas que o século XVIII praticava: admitia-se então que havia línguas mais importantes que outras porque nelas a análise das representações era mais precisa ou mais fina (FOUCAULT, 2014, p. 393).

A linguagem descobre desde cedo, e sem intermediários, a sua historicidade. Mesmo

“interna”, é a forma de interioridade da Filologia que internaliza a História. Conhecer a

linguagem é aplicar o saber a um domínio de objetividade (FOUCAULT, 2014, p. 410).

O homem do século XIX é um ser histórico:

[...] pois que evidencia que não somente ele ‘tem’ em torno de si a História, mas que ele mesmo é, em sua historicidade própria, aquilo pelo que se delineia uma história da vida humana, uma história da economia, uma história das linguagens (FOUCAULT, 2014, p.512)

Na Idade Moderna, a História e os saberes empíricos das ciências serão matrizes para

todas as ciências do homem. O capítulo X de As palavras e as coisas também lida com a

História, mas mais com o empírico da ciência dentro de um espaço epistemológico, gerido pela

objetividade.

Page 51: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

43

Capítulo 3 – Destaques dos Capítulos IX e X de As palavras e as coisas

Page 52: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

44

Uma vez refeito o percurso geral de As palavras e as coisas, delimitamos agora, deste

percurso geral, os capítulos finais, pois é no contexto destes capítulos que se desdobra,

explicitamente, o tema da finitude. Assim, na delimitação destes capítulos serão feitos alguns

destaques em direção ao tema da finitude9.

3.1 Destaques do Capitulo IX – “O homem e seus duplos”

Para a seleção destes destaques, seguiremos a ordem dos itens (e de seus respectivos

subtítulos) que organizam a composição deste capítulo.

O retorno da linguagem

No final da Idade Clássica (era das Representações) ocorre a dispersão do discurso que

segue até o final do século XIX e início do século XX. É então que a questão da linguagem

retorna. Mas retorna de forma transformada, como objeto de conhecimento empírico, ao lado

do trabalho e da vida. Os seres vivos serão então assunto da Biologia e o trabalho será assunto

da Economia. Do mesmo modo, a linguagem será objeto da Filologia. Portanto, na

Modernidade, a linguagem enquanto representação e discurso, não é mais prioritária na cena do

saber.

O “lugar do rei”

Neste item, Foucault retoma a análise do quadro Las meninas, de Velásquez, que fora

apresentado no primeiro Capítulo de As palavras e as coisas.

De maneira geral, Foucault situa o quadro na inauguração da época das Representações

(Idade Clássica). Porém, nele também encontra como que indícios da Modernidade.

9 César Candiotto, em “Foucault, Kant e o lugar simbólico da Crítica da razão pura em As palavras e as coisas”, acusa a existência de três tipos de finitude: a finitude negativa (perfeição de Deus), a finitude positiva (na qual há apenas a ideia do transcendental kantiano), e a finitude antropólogica (pensada a partir dos conceitos empíricos para a direção do sujeito constituinte).

Page 53: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

45

Naquela primeira ocorrência da análise, isto é, no início do livro, um dos aspectos

realçados por Foucault, é a “ausência” dos modelos do pintor. Ou melhor, os modelos – que

são o rei e a rainha da Espanha – estão presentes no quadro mas refletidos em um espelho. O

quadro, portanto, representa esta representação (refletida) dos modelos. Além disto, o quadro

também faz ver o espaço onde estariam presentes os modelos reais. Mas, este espaço, também

representado, está vazio.

No capítulo IX, ao retomar a análise do quadro de Velásquez, Foucault quer mostrar

que aquele espaço, antes vazio, será ocupado na Modernidade, pelo homem real, empírico. Na

Modernidade, “o lugar do rei” é agora, o lugar não mais da representação, mas o lugar do

homem real e concreto.

É neste sentido que, segundo Foucault, Las Meninas é quase um grande anúncio do

porvir histórico da Modernidade: Talvez haja, neste quadro de Velásquez, como que a

representação da representação clássica e a definição do espaço que ela abre” (FOUCAULT,

2014, p. 20).

O homem, na Modernidade, ocupa o lugar antes “vazio” no quadro de Velásquez. Ele

é agora o indivíduo correto e real, que vive, trabalha e fala, estudado pela Biologia, pela

Economia, pela Filologia. Logo, objeto do conhecimento empírico. É neste contexto que ele

pode aparecer como ser finito.

Antes do final do século XVIII, o homem não existia. Não mais que a potência da vida, a fecundidade do trabalho ou a expessura histórica da linguagem. É uma criatura muito recente que a demiurgia do saber fabricou com suas mãos há menos de 200 anos (FOUCAULT, 2014, p. 425).

A analítica da finitude

A nova concepção de sujeito compreende o homem, pois como aquele que vive,

trabalha e fala, de acordo com a novas leis da Biologia, da Economia, da Filologia. Neste

contexto, a finitude desponta no interior destas três formas de empiricidades. Elas se colocam

como a priori para a experiência da finitude. Despontando no contexto das empiriciadades, a

finitude do homem é como que uma “descoberta” da reflexão filosófica da Modernidade.

Page 54: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

46

Extraídas deste item do Capítulo IX, selecionamos três passagens que podem ser

esclarecedoras e transcrevemos a seguir:

[...] do coração mesmo da empiricidade, indica-se a obrigação de ascender, ou se quiser, de descer até uma analítica da finitude, em que o ser do homem poderá fundar, na possibilidade delas, todas as formas que lhe indicam que ele não é infinito (FOUCAULT, 1966/2014, p.434, grifo nosso).

Enquanto esses conteúdos empíricos estivessem alojados no espaço da representação, uma metafísica do infinito era não somente possível, mas exigida [...] (FOUCAULT, 2014, p. 436).

Se é verdade, ao nível dos diferentes saberes, que a finitude é sempre designada a partir do homem concreto e das formas empíricas que se podem atribuir à sua existência, ao nível arqueológico, que descobre o a priori histórico e geral de cada um dos saberes, o homem moderno- esse homem determinável em sua experiência [...] só é possível a título de figura da finitude (FOUCAULT, 2014, p. 438).

Observe-se também que no ítem “A analítica da finitide”, é recorrente o uso do termo

“positividade”. Ele pode ser entendido como algo que rompe com o “negativo” da Idade

Clássica. Mas também carrega a questão da exterioridade, que faz todo sentido quando se trata

da finitude. A positividade pode, ainda, estar ligada à ciência. É cabível, portanto, ver a

positividade no domínio dos saberes empíricos. Assim, pode-se dizer que a finitude do positivo

surge na espacialidade do corpo (vida), na abertura para o desejo (trabalho) e no tempo da fala

(linguagem).

Podemos dizer, de modo geral, que, embora o Capítulo IX esteja organizado por itens,

todos eles acabam desaguando na questão do empírico e, com ele, na questão da finitude.

A partir deste item, “A analítica da finitide”, Foucault trabalha então com pares de

conceitos, estabelecidos como formas de sustentação da própria finitude. São eles: “O empírico

e o transcendental”; “O cogito e o impensado”; “O retorno e o recuo da linguagem”; “O discurso

Page 55: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

47

e o ser do homem”. Por último, concluindo o Capítulo IX e abrindo-o para o Capítulo X, aborda

o item intitulado “O sono antropológico”.

O empírico e o transcendental

A ligação entre o empírico e o transcendental é uma novidade da modernidade. O

empírico remete agora ao transcendental (a priori), como condição de possibilidade da

experiência.

A aproximação recente não é da ordem da conciliação tardia: ao nível das configurações arqueológicas, eles eram necessários, uns com os outros- e uns aos outros- desde a constituição do postulado antropológico, isto é, desde o momento em que o homem apareceu como duplo empírico- transcendental (FOUCAULT, 2014, p.443).

O encontro entre o empírico e o transcendental vincula-se à analítica da finitude: “agora

que o lugar da análise não é mais a representação, mas o homem em sua finitude, trata-se de

trazer à luz as condições do conhecimento a partir dos conteúdos empíricos que nele são dados”

(FOUCAULT, 2014, p. 439).

Depois do “cogito” cartesiano – infinito e transcendental – é no pensamento de Kant

que a Modernidade encontra as fundamentações filosóficas para a concepção do homem como

sujeito ao mesmo tempo empírico e transcendental. Empírico, enquanto objeto de

conhecimento, ele próprio. Transcendental enquanto sujeito e condição de possibilidade de todo

conhecimento.

O “cogito” e o impensado

O Cogito de Descartes não é igual ao Cogito moderno. O primeiro trabalha questões

como o erro, a ilusão, as formas de racionalidade, enquanto o cogito moderno fala daquilo que

Page 56: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

48

não é simplesmente pensado, e foge, portanto, da racionalidade clássica. Escapar da

racionalidade clássica é também associar o sujeito ao duo empírico-transcendental. Segundo

Foucault, ele “é também o lugar do desconhecimento” (FOUCAULT, 2014, p. 445).

Posso dizer tanto que sou quanto que não sou tudo isso; o cogito não conduz a uma afirmação de ser, mas abre justamente para toda uma série de interrogações em que o ser está em questão [...] (FOUCAULT, 2014, p. 448).

Para estabelecer uma relação com o cogito moderno, Foucault cita os trabalhos de

Bataille, Artaud, Nietzsche, entre outros. Enquanto em Descartes o “cogito” enquanto “eu

penso” é simultaneamente a sua realidade ontológica (“eu sou”), no cogito moderno, o eu penso

difere do eu sou.

Aos poucos, o pensamento moderno também se distancia do sujeito kantiano, em

direção a questões sobre “o que é o ser do homem”:

Que é o ser do homem, e como pode ocorrer que esse ser, que se poderia tão facilmente caracterizar pelo fato de que ele tem ‘pensamento’ e que talvez seja o único a possuí-lo, tenha uma relação indelével e fundamental com o impensado? Instaura-se uma forma de reflexão, bastante afastada do cartesianismo e da análise kantiana, em que está em questão, pela primeira vez, o ser do homem, nessa dimensão segundo a qual o pensamento se dirige ao impensado e com ele se articula (FOUCAULT, 2014, p. 448).

O impensado no cogito moderno surge lateralmente vinculado a todas essas questões:

O impensado (qualquer que seja o nome que se lhe dê) não está alojado no homem como uma natureza encarquilhada ou uma história que nele se houvesse estratificado, mas é, em relação ao homem, o Outro [...] (FOUCAULT, 2014, p. 450).

Page 57: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

49

O recuo e o retorno da origem

Na mesma disposição com a qual Foucault leva a questão da modernidade adiante,

pensar “o recuo e o retorno da origem” é também considerar o empírico:

Vê-se quanto esse tempo fundamental – esse tempo a partir do qual o tempo pode ser dado à experiência- é diferente daquele que vigorava na filosofia da representação: o tempo então dispersava a representação, pois que lhe impunha a forma de uma sucessão linear (FOUCAULT, 2014, p. 462).

Neste século XIX, o século das empiricidades modernas, estas acabam aderindo às suas

próprias historicidades:

Estamos postos, agora, diante de um Faktum que escapara do pensamento clássico: a saber, que o ser humano somente se pode pôr como sujeito e como indivíduo porque já está “aprisionado” num elemento estranho, investido do que lhe é Outro [externo] (LEBRUN, 1985, p. 10).

Assim, pensar a finitude do homem na época Moderna é achá-la determinada por

positividades exteriores. Averiguar o conjunto dessas positividades é oscilar entre o que torna

a experiência possível e o que é a própria experiência. Nesse contexto, o pensamento moderno

elabora o tempo como sucessão, porém não linear, como a clássica. É a descoberta do tempo

histórico e do homem nele:

Como o ser do homem se acha determinado por positividades que lhes são exteriores e que o ligam à espessura das coisas, e como em troca, é o ser

Page 58: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

50

finito que dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade positiva [...] a análise da reduplicação empírico-transcendental mostra como se correspondem, numa oscilação indefinida, o que é dado na experiência e o que torna a experiência possível (FOUCAULT, 2014, p. 464).

O discurso e o ser do homem

A Modernidade diz sempre a respeito às “positividades”. Elas cumprem um aspecto de

“exterioridade” e estão relacionadas com o empírico. É na dimensão desta exterioridade

(positiva) que o homem se acha finito (FOUCAULT, 2014, p. 467).

O pensamento no século XIX, não atribui o conhecimento apenas ao interior da

representação, no interior da representação e, portanto, ao privilégio do discurso. Agora, trata-

se de analisar o modo de ser do homem em suas empiricidades.

Alguma coisa como uma analítica do modo de ser do homem só se tornou possível uma vez dissociada, transferida e a análise do discurso representativo (FOUCAULT, 2014, p. 467).

O sono antropológico

A “descoberta” moderna do modo de ser do homem e de sua finitude conduz a uma

espécie de “antropologização” de todo conhecimento. A essa disposição, Foucault se refere com

a expressão “sono antropológico”, nascida desde a Antropologia de Kant. É por isso que,

segundo Foucault, o “sono antropológico” é como uma dobra entre o empírico e o

transcendental oriundos do pensamento kantiano.

É por isto também que qualquer porvir que ultrapasse os limites da nossa Modernidade,

deverá ser também um despertar do “sono antropológico”.

Page 59: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

51

3.2 – Destaques do Capítulo X – “As Ciências Humanas”

O Capítulo X de As palavras e as coisas apresenta ocorrências da noção de finitude,

circunscritas no domínio das ciências humanas. Entendamos, primeiramente um pouco sobre o

surgimento das ciências humanas.

[...] desde que existem seres humanos e que vivem em sociedade, o homem, isolado ou em grupo, se tenha tornado objeto da ciência – isso não pode ser considerado nem tratado como um fenômeno de opinião: é um acontecimento na ordem do saber. (FOUCAULT, 2014, p. 477).

Para Foucault, o surgimento das ciências humanas é pois um “acontecimento” moderno

na ordem do saber. Elas surgem a partir do retraimento da máthesis clássica, retraimento que

abre a possibilidade de que o homem se torne objeto de saberes. O desenvolvimento das ciências

humanas tem assim relação direta com o conhecimento empírico e com as positividades

constituídas pelo trabalho, a vida, a linguagem (a Economia, a Biologia, a Filologia):

Quando, abandonando o espaço da representação, os seres vivos alojaram-se na profundeza específica da vida, as riquezas no surto progressivo das formas de produção, as palavras no devir das linguagens. Nessas condições, era necessário que o conhecimento do homem surgisse, com seu escopo científico. (FOUCAULT, 2014, p. 477).

A partir da Modernidade, pois, as ciências humanas revelariam o mundo a partir de

fresta da “antropologização” (oriunda, como dissemos, do pensamento kantiano). Mas o

sucesso da Antropologia é acompanhado pelos perigos do seu esvaziamento? nas formas dos

“psicologismos” ou dos “sociologismos”, por exemplo. Foucault dirá que elas não são

propriamente “ciências”, mas “outros” saberes:

Page 60: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

52

[...] seu desenvolvimento [sociologia e psicologia] tem a particularidade de que por mais que pretendam ter um ‘alcance’ quase universal, nem por isso se aproximam de um conceito geral do homem: em nenhum momento elas tendem a delimitar o que nele poderia haver de específico, de irredutível, de uniformemente válido em toda parte onde ele é dado à experiência (FOUCAULT, 2014, p. 252).

Por outro lado, Foucault dá um tratamento particular à História, depois à Etnologia e à

Psicanálise.

Com efeito, ela [a História] talvez não tenha lugar entre as ciências humanas nem ao lado delas: é provável que entretenha com elas uma relação estranha, indefinida, indelével e mais fundamental do que o seria uma relação de vizinhança num espaço comum (FOUCAULT, 2014, p. 508).

Quanto à Etnologia e à Psicanálise, Foucault considera que elas trabalham nos limites

da exterioridade humana e no âmbito do inconsciente. Ele as chama de “contraciências”.

O privilégio da etnologia e da psicanálise, a razão de seu profundo parentesco e de sua simetria- não devem, pois, serem buscados numa certa preocupação que uma e outra teriam em penetrar o profundo enigma, a parte mais secreta natureza humana; de fato, o que se espelha no espaço de seus discursos é muito mais o a priori histórico de todas as ciências humanas- as grandes cesuras, os sulcos, as partilhas que, na epistême ocidental, desenharam o perfil do homem e os dispuseram para um saber possível (FOUCAULT, 1914, p. 524).

Page 61: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

53

Capítulo X de As palavras e as coisas recolhe ocorrências da finitude no âmbito das

ciências humanas. Com efeito, as ciências humanas situam-se no espaço intermediário entre,

por um lado, as positividades empíricas (a Economia, a Biologia, a Filologia) e, por outro, a

dimensão da finitude, que é a concretude descoberta pela reflexão filosófica.

[...] as dificuldades mais fundamentais, as que permitem melhor definir o que são, em sua essência, as ciências humanas, alojam-se do lado das outras duas dimensões do saber: aquela em que se desenrola a analítica da finitude e aquela ao longo da qual se repartem as ciências empíricas que tomam por objeto a linguagem, a vida e o trabalho (FOUCAULT, 2014, p. 485).

Page 62: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

54

Considerações finais –uma releitura específica: “A analítica da finitude”.

Page 63: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

55

Embora os capítulos IX e X de As Palavras e as coisas estejam organizados por itens

(cuja síntese buscamos apresentar no capítulo anterior deste estudo), podemos dizer que todos

eles acabam desaguando na questão do empírico, e com ele, na questão da finitude. Dentre estes

itens, destacamos aquele que trata especificamente da analítica da finitude, incluído no capítulo

IX. A partir deste item, algumas considerações finais.

1. Observemos primeiramente que, se na Idade clássica a finitude não apresentava vínculo

algum com os saberes positivos, na Idade moderna estabelece-se a relação estreita entre o

científico e a finitude. Se a finitude clássica (vista em História da loucura, por exemplo)

remetia à interioridade e à falha, a finitude moderna (vista principalmente em As Palavras

e as coisas) volta-se à aproximação com uma exterioridade histórico-científica, atrelada

que está ao desenvolvimento das ciências antropológicas.

Mas aquilo que a analítica da finitude requer na interioridade ou ao menos na dependência profunda de um ser que não deve sua finitude senão a si mesmo, as ciências humanas a desenvolvem na exterioridade do conhecimento (FOUCAULT, 2014, p. 489).

2. É então a finitude que vai desdobrar aquilo que o homem experimenta nos domínios do

trabalho, da vida e da linguagem. A finitude atravessa esses domínios positivos,

aprofundando-os em sua radicalidade. Por isto, observamos em segundo lugar que, no

item em pauta, é recorrente o uso do termo positividade. Ele pode ser entendido,

certamente, como algo que rompe com o “negativo” da Idade clássica. Mas também, e

principalmente, carrega consigo a questão da exterioridade, questão que faz todo sentido

quando se trata da finitude. É em cadeia com este sentido que a positividade está ligada

à ciência, sendo cabível, portanto, encontra-la no domínio dos saberes empíricos.

Assim, pode-se dizer que a finitude do positivo surge na espacialidade do corpo (vida),

na abertura para o desejo (trabalho) e no tempo da fala (linguagem).

Page 64: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

56

A cultura moderna pode pensar o homem porque ela pensa o finito a partir dele próprio. Compreende-se, nessas condições, que o pensamento clássico e todos os que o procederam tenham podido falar do espírito e do corpo, do ser humano, de seu lugar tão limitado no universo, de todos os limites que medem seu conhecimento ou sua liberdade, mas que nenhum dentre eles jamais conheceu o homem tal como é dado ao saber moderno (FOUCAULT, 2014, p. 438).

3. É neste vasto espaço em que tem lugar as ciências humanas e em que se realça a

positividade empírica, que a analítica da finitude surge em sua feição filosófica. É neste

espaço e neste momento que, segundo Foucault, a finitude se transforma, realmente, em

conceito filosófico. Este conceito é o conteúdo filosófico que preenche a atravessa, no

ser do homem, o trabalho, a vida e a linguagem e, consequentemente, seus saberes

correlatos.

Anunciada na positividade, a finitude do homem se perfila sob a forma paradoxal do indefinido; ela indica, mais do que o rigor do limite, a monotonia do caminhar, que sem dúvida, não tem limite [...]. No entanto, todos esses conteúdos, com o que encobrem e com o que também deixam apontarem direção aos confins do tempo [...] só se oferecem à tarefa de um conhecimento possível, se ligados inteiramente à finitude (FOUCAULT, 2014, p. 433).

4. Sobre a configuração do mundo moderno do século XIX, Foucault vincula a noção de

finitude à história, envolvendo este nicho de finitude como algo, sem dúvida, empírico:

por exemplo, que leva ao trabalho, à produção, à acumulação e ao crescimento dos

custos reais. É na historicidade humana, isto é, na experiência vivida da temporalidade,

e é na proeminência da história, que a modernidade fornece as condições de

desenvolvimento de tendências filosóficas importantes como são a fenomenologia e o

marxismo.

Page 65: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

57

A finitude com sua verdade se dá no tempo; e, desde logo, o tempo é finito (FOUCAULT, 2014, p. 362).

5. No âmbito dos desenvolvimentos filosóficos da modernidade, a noção de finitude

conduz à recusa da metafísica (metafísica do infinito e do transcendental). Neste âmbito,

Foucault escreve que a metafísica “pode e deve ser dispensada” (FOUCAULT, 2014, p.

469). No mesmo contexto da existência concreta do homem a modernidade tende a

afastar qualquer resquício de metafísica ou a limpar quaisquer resíduos metafísicos que

possam contaminar a finitude. Isto significará, por um lado, declarar fim à verdade

cartesiana do homem, portanto, da infinitude e, por outro lado, encontrar a “reviravolta

kantiana”.

A partir de Kant acontece uma reviravolta, quer dizer: não é a partir do infinito ou da verdade que se vai colocar o problema do homem como uma espécie de problema de sombra projetada; a partir de Kant, o infinito não é mais dado, não há senão a finitude, e é nesse sentido que a crítica kantiana leva consigo a possibilidade – ou o perigo de uma antropologia (FOUCAULT, 1965, p. 229).

6. No mesmo contexto de recusa da metafísica são abalados os universais, entre eles os

humanismos. A este respeito, uma passagem de Paul Veyne, historiador e estudioso de

Foucault, é esclarecedora.

Se entendermos, por humanismo, o fato de nos interessarmos pela verdade da história enquanto ela comporta obras belas e por essas obras belas enquanto elas ensinam o bem, então a história não é seguramente um humanismo, porque nos perturba os transcendentais; ela também não o é, se se entende por humanismo a convicção de que a história teria para nós um valor particular porque nos fala dos homens, quer dizer, de nós próprios (VEYNE, 1979, p. 59).

Page 66: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

58

7. Finalmente, uma consideração de caráter mais geral. Podemos afirmar que a finitude

trabalhada por Foucault estende-se, em nossa modernidade, no caminho da experiência,

experiência que é antropológica. No presente estudo, desdobramos este caminho em

dois: o momento de História da loucura e o momento de As Palavras e as coisas. A

questão relacionada ao primeiro momento aproxima-se da finitude circunscrita muito

explicitamente na filosofia de Descartes, ou melhor dizendo, rejeitada por Descartes e

tida como “impureza”, uma noção, portanto, “negativa” de finitude. No outro momento,

uma vez desvinculada da filosofia da Idade clássica, a finitude apresenta-se, por assim

dizer, como uma descoberta “positiva” da nossa modernidade. Philippe Sabot, em um

estudo sobre As Palavras e as coisas, faz referência ao que denomina de “finitude

negativa” e “positividade da finitude antropológica”, em uma passagem cujo título é

precisamente “As duas faces da finitude” (cf. SABOT, 2006, p. 126-129).

Isto significa, como dissemos no início deste trabalho, que abordadas de

maneira histórico-filosófica, as noções de finitude se transformam. Compreende-se,

pois, que no final do livro As Palavras e as coisas, Foucault anuncie que outras

transformações virão sucedendo o espaço da nossa modernidade. Por isto, aquilo que

ele diz acerca da passagem de um período histórico a outro pode-se também dizer do

nosso próprio período: “o espaço do saber ocidental acha-se agora prestes a balançar...”

(FOUCAULT, 1966, p. 345).

Page 67: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

59

Referências bibliográficas

Page 68: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

60

Bibliografia principal

BELLOUR, R. Le livre des autres. Paris: 10/18, 1978.

CASTELO BRANCO, G. La présence de Descartes et de Kant dans l´oeuvre de Foucault.

Rue Descartes, Paris, v.85/86, n. 75, p. 72-80, 2012/2013.

CANDIOTTO, C. Foucault, Kant e o lugar simbólico da Crítica da Razão Pura em As

Palavras e as coisas. In: Kant e-Prints, Campinas, Série 2, v.4, p.185-200, 2009.

DESCARTES, R. Meditações metafísicas. Tradução de Maria Ermantina Galvão. 2. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2005.

FONSECA, M.A. Michel Foucault e a constituição do sujeito. 3. ed. São Paulo: Educ, 2011.

FOUCAULT, M. Preface à la transgression (En hommage a Georges Bataille). Dits et Écrits

I, Paris: Gallimard, 2001. p. 261-277.

______. Prefácio à transgressão. Ditos e escritos III. São Paulo: Forense Universitária, 2001.

p. 28-46.

______. O Nascimento da clínica. Tradução Roberto Machado. 6. ed. São Paulo: Forense

Universitária, 2004.

______. História da Loucura na idade clássica. Tradução de José Teixeira Coelho. 8. ed. São

Paulo: Perspectiva, 2005.

______. As Palavras e as coisas. Tradução Salma Tannus Muchail. 9. ed. São Paulo: Martins

Fontes, 2007.

______. Doença mental e psicologia. Tradução de Helder Viçoso. Lisboa: Edições Texto &

Grafia, 2008.

______. As Palavras e as coisas. Tradução Salma Tannus Muchail. 9. ed. 3. reimpressão. São

Paulo: Ed. Martins Fontes, 2014.

GROS, F. Foucault et la folie. Paris: PUF, 1997.

GUTTING, G. Michel Foucault´s archaeology of science reason. New York: Cambridge

University Press, 1989.

LEBRUN, G. Transgredir a finitude. Tradução de Renato Janine Ribeiro. In: RIBEIRO, R.J.

(Org.). Recordar Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 9-23.

______. Kant e o fim da metafísica. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

MUCHAIL, S.T. O Mesmo e o outro - Faces da história da loucura. In: ______ Foucault,

simplesmente. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p.37-48.

SABOT, P. Lire Les mots et les choses de Michel Foucault, Paris: PUF, 2006.

Page 69: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

61

Bibliografia complementar

AGAMBEN, G. Homo Sacer - o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique

Burigo. Belo Horizonte: editora UFMH, 2007. Edição

ALTHUSSER, L. A filosofia da Ciência de Georges Canguilhem. In: CANGUILHEM, G.

O Normal e o patológico. 6. ed. Tradução de Maria Thereza de Carvalho. 2006. p. 257-

293.

______ . A polêmica sobre o humanismo. Tradução Jorge Semprum e Michel Simon. Porto:

Editorial Presença, 1967.

AUGÉ, M. Não-lugares. Introdução a uma antropologia da super modernidade. Tradução de

Maria Lúcia Pereira. 3. ed. São Paulo: Papirus Editora, 2003.

BACHELARD, G. O novo espírito científico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.

______ . Epistemologia. Tradução de Eduardo Portela. Lisboa: Edições 70, 2006

BALAN, B. et al. Entrétiens sur Michel Foucault. La pensée, Paris, v.137, p. 3-37, février

1968.

BALIBAR, É. et al. L'anthropologie philosophique et l'anthropologie historique en débat.

Rue Descartes, Paris, v. 85/86, n. 75, p. 81-101, 2012/2013.

BOURDIEU, P. Contrafogos - táticas para enfrentar a invasão neoliberal.Tradução deLucy

Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

______ . Contrafogos 2. Tradução de André Teles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

______ . Sobre o Estado. Cursos no Collège de France (1989-92). Tradução Rosa Freire

d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

CANDIOTTO, C. Michel Foucault e o problema da antropologia. Revista Filosófica,

Valparaíso ,v. 29, p. 183-197, 2006.

______. Notas sobre a arqueologia de Foucault em As palavras e as coisas. Revista de

Filosofia Aurora, Curitiba, v. 21, n. 28, p.13-28, 2009.

______ ; SOUSA, P. (Orgs). Foucault e o cristianismo. São Paulo: Autêntica, 2012.

CANGUILHEM, G. Mort de l´homme ou épuisement du cogito? Critique, Paris, Revue

génerale des publications françaises et étrangeres, v. 24, n. 242, p. 599-618, 1967.

CANGUILHEM, G. The death of man, or, exhaustion of the cogito? In: GUTTING, G. (ed.),

The Cambridge Companion to Foucault. Londres: Cambridge University Press, 2006. p.

74-94.

CARRETTE, J. R. Foucault and religion. London/ New York: Routledge, 2008.

Page 70: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

62

CASTELO BRANCO, G. Kant- Foucault e a analítica da finitude. Kant e-prints. Campinas.

Série 2, v. 6, n. 2, p. 1-13, jul-dez, 2011.

CASTRO, E. Vocabulário de Foucault, um percurso pelos seus temas, conceitos, autores.

Minas Gerais: Autêntica, 2009.

CHARTIER, R. A história e a leitura do tempo. Tradução de Cristina Antunes. 2. ed. Rio de

Janeiro: Autêntica, 2009.

CHAUÍ, M. (Org). Os Pensadores.Immanuel Kant textos selecionados. Tradução de Tania

Maria Bernkopf. São Paulo: Abril, 1980.

CAYGILL, H. Dicionário Kant. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,

2000.

COTTIER, G. La mort de l´homme, une lecture de Michel Foucault. Revue Thomiste, Paris, v.

86, p. 269-282, 1986.

COTTINGHAM, J. Dicionário Descartes. Tradução de Helena Martins. Rio da Janeiro: Jorge

Zahar, 1995.

CLASTRES, P. A sociedade contra o Estado. Tradução Theo Santiago. São Paulo: Cosac

Naify, 2012.

DELEUZE, G. A filosofia crítica de Kant. Lisboa: Edições 70, 2000.

______. Empirismo e subjetividade - ensaio sobre a natureza humana segundo Hume.

Tradução de Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: ed. 34, 2001.

______; GUATARI, F. O que é a filosofia. Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso

Muñoz. 2. ed. São Paulo: ed. 34, 2004.

DREYFUS, H; RABINOW. P. Michel Foucault, uma trajetória filosófica para além do

estruturalismo e da hermenêutica. Tradução de Vera Porto Carrero. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 1995.

DUNHAM, J. et al. Idealism- the history of a philosophy. Ithaca: McGill-Queen’s University

press, 2011.

ERIBON, D. Michel Foucault, uma biografia. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo:

Companhia das Letras, 1990.

FONSECA, M.A.; MUCHAIL, S.T. Apresentação da tradução brasileira In: MICHEL

FOUCAULT.Gênese e estrutura da antropologia de Kant. São Paulo: Edições Loyola,

2011. p. 11-13

______; ______La thèse complementaire dans la trajectoire de Foucault. Rue Descartes,

Paris, v.85/86, n. 75, p. 21-33, 2012/3.

Page 71: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

63

FOUCAULT, M.Nascimento da Biopolítica. Ditos e escritos VII. Vera Lucia Avellar Ribeiro

(Org.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1979. p.459-471.

______. Vigiar e Punir, história da violência nas prisões. Tradução de Raquel Ramalhete. 16.

ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.

______.Raymod Roussel. Tradução de Manoel de Barros da Motta e Vera Lucia Avellar

Ribeiro. São Paulo: Forense Universitária, 1999.

______. Archéologie d´une passion. Dits et Écrits II, 1976-1988. Paris: Gallimard, 2001.

p.1418-1427.

______. Foucault étudie la raison d’État. Dits et Écrits II, 1976-1988. Paris: Gallimard, 2001.

p.856-860.

______. L´age d´or de la lettre de cachet. Dits et Écrits II, 1976-1988. Paris: Gallimard,

2001. p. 1170-1.

______. L’homme est-il mort? Dits et Écrits I, p.568-572. Paris: Gallimard, 2001.

______. La folie n´éxiste que dans une societé. Dits et Écrits I, p.195-197. Paris: Gallimard,

2001.

______. La philosophie structuraliste permet diganostiquer c’est ‘aujourd’hui. Dits et ÉcritsI

. Paris: Gallimard, 2001. p. 608-612.

______. La vie des hommes infames. Dits et Écrits II . Paris: Gallimard, 2001.p.237-253.

______. Les rapports de povoir passent à l´interieure de corps. Dits et Écrits, II, 1976-1988,

Paris: Gallimard, 2001. p.228-236.

______. Nietzsche, Freud, Marx. Dits et Écrits I. Paris: Gallimard, 2001. p.592-607.

______. Os anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

______. Philosophie et psychologie. Dits et Écrits I.Paris: Gallimard, 2001. p.466-476.

______. Qu’est-ce que les lumières? Dits et Écrits II. Paris:Gallimard, 2001. p.1381-1396.

______. História da sexualidade. Vol. 1 - A vontade de saber. Tradução de Maria T. da Costa

Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 15.ed. Rio de Janeiro: Graal, 2003.

______. Microfísica do poder. Tradução de Roberto Machado. 18.ed. São Paulo:Graal. 2003.

______. A Hermenêutica do sujeito. Tradução de Salma Tannus Muchail e Márcio Alves da

Fonseca. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

______. Em Defesa da sociedade. Tradução de Maria Ermantino Galvão 4. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 2005.

______. (org). The Cambridge companion to Foucault. Cambridge: Cambridge University

Press, 2005.

Page 72: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

64

______. História da sexualidade .Vol. 3 - O cuidado de si. Tradução de Maria T. da Costa

Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 2007.

______.Isso não é um cachimbo. Tradução Jorge Coli. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

______. Jean Hippolite. 1907-1968. Ditos e escritos II. Tradução de Elisa Monteiro.2. ed. Rio

de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p.153-159.

______. Nietzsche, a genealogia, a história. Ditos e escritos II. Tradução de Elisa Monteiro. 2.

ed. São Paulo: Forense Universitária, 2008. p. 260-281.

______. Theatrum philosophicum.Ditos e escritos II. Tradução Elisa Monteiro. 2. ed. São

Paulo: Forense Universitária, 2008.p. 230-254.

______. História da sexualidade. Vol. 2 - O uso dos prazeres. Tradução de Maria T. da Costa

Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 2009.

______. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7.ed. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 2010.

______. A função política do intelectual. Ditos e escritos VII. Tradução de Vera Lucia Avellar

Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.p. 213-218.

______. A pesquisa científica e a Psicologia. Ditos e escritos VII. Vera Lucia Avellar Ribeiro

(Org.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. p. 115-137.

______. Entrevista com Michel Foucault. Ditos e escritos VII. Tradução de Vera Lucia

Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. p. 70-74.

______. Gênese e estrutura da antropologia de Kant. Tradução Salma Tannus Muchail e

Márcio Alves da Fonseca.São Paulo: Edições Loyola, 2011.

______. Michel Foucault, As palavras e as coisas. Ditos e escritos VII. Tradução de Vera

Lucia Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.p.138-144.

______. Nascimento da biopolítica. Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes.

2010.

______. O governo de si e dos outros. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

______. Os desvios religiosos e o saber médico. Ditos e escritos VII. Tradução de Vera Lucia

Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. p.271-283.

______. O corpo utópico. In: ______ O corpo utópico, as heterotopias. Tradução Salma

Tannus Muchail . São Paulo: n1 edições, 2013. p. 7-16.

______. As Palavras e as coisas. Tradução Antonio Ramos Rosa. Lisboa: Edições 70, 2014.

HAN, B. Foucault´s critical project - between the transcendental and the historical. Tradução

de Edward Pile. California: Stanford University Press, 2002.

Page 73: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

65

______. Analythique de la finitude et histoire de la subjectivité. In: GUOLLAUME LE

BLANC e JEAN TERREL (Orgs.). Foucault au Collège de France: un

intinéraire.Pessac: Presses Universitaires de Bordeaux, 2003. p. 165-204.

HOBBES, T. Diálogo entre um filósofo e um jurista.São Paulo: Landy, 2004.

HOLLIER, D. Le Collège de Sociologie (1937-1939). Paris: Gallimard, 1995.

HUME, D. An inquiry concerning human understanding. The Empiricist. London: Anchor

Books, 1974.

______. Obras sobre religião (1744-1750). Tradução de Pedro Galvão. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbekian, 2005.

______.A arte de escrever ensaio (1741-1777). Tradução de Marcio Suzuki e Pedro Pimenta.

São Paulo: Iluminuras, 2008.

KANT, I. Os Progressos da metafísica. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1985.

______.Lógica. Tradução de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

1992.

______.Fundamentação da metafísica dos costumes Tradução de Paulo Quintela. Lisboa:

Edições 70, 2007.

______. Prólogo à primeira edição. In: ______ A religião nos limites da simples razão.

Tradução de Artur Morão . Lisboa: Edições 70, 2008. p. 11-19.

______ Prólogo à segunda edição. In: ______. A religião nos limites da simples razão.

Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2008.p. 11-19.

______.Antropologia do ponto de vista programático. Tradução de Célia Aparecida Martins.

São Paulo: Iluminuras, 2009.

______. Crítica da razão prática. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2011.

KOJÈVE, A. Nota sobre a eternidade, o tempo e o conceito. Sexta, sétima e oitava

conferências. In: ______ Introdução à leitura de Hegel. Tradução de Estela dos Santos

Abreu. Rio de Janeiro: UERJ, 2002. p. 319-418

LE BLANC, G. L´Esprit des sciences humaines. Paris: Librairie philosophique J. Vrin, 2005.

LEBRUN, G. Note sur la phénoménologie dans Les mots e les choses. In: ______ Michel

Foucault philosophe. Paris: Éditions du Seuil, 1989. p. 33-53.

______. Entrevista para o jornal Folha de S. Paulo (caderno “Folhetim”). [14 de abril, 1985].

Entrevista concedida a Renato Janine Ribeiro.

(http://almanaque.folha.uol.com.br/entrevista_filosofia_folhetim.htm)

LÉVI-STRAUSS, C.O pensamento selvagem. Tradução de Tânia Pellegrini. Campinas:

Papirus editora, 1989.

Page 74: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

66

______; ERIBON, D. De perto e de longe. Tradução de Lea Mello. São Paulo: Cosac Naify,

2005.

LÉVINAS, E.Entre nós - ensaios sobre a alteridade. Tradução de Pergentino Stefano Pivatto.

5. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2010.

______. Humanismo do outro homem. Tradução de Pergentino Stefano Pivatto. 4. ed.

Petrópolis: Editora Vozes,2012.

LOPARIC, Z. As duas metafísicas de Kant. Kant e-Prints,Campinas, v.2, n. 5, 2003.

MACHADO, R. Ciência e saber, a trajetória da arqueologia de Foucault. Rio de Janeiro:

Graal, 1997.

MACHEREY, P. Nas origens da História da loucura: uma retificação e seus limites.

Tradução de Renato Janine Ribeiro. In: RIBEIRO, R.J. (Org.). Recordar Foucault. São

Paulo: Brasiliense, 1985. p. 47-71.

MERCHIOR, J.G.; ROUANET, S.P. Entrevista com Michel Foucault. In: ______ O homem

e o discurso - a arqueologia de Michel Foucault. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2008.

p.

MORAES, E.R. O jardim secreto - notas sobre Bataille e Foucault. Tempo social: Revista de

Sociologia USP. São Paulo, v.7 (1-2), p. 21-29, outubro de 1995.

______. O corpo impossível. São Paulo: Iluminuras, 2002.

MUCHAIL, S.T.Foucault, o mestre do cuidado. São Paulo: Edições Loyola, 2011.

______ ; FONSECA, M.A. Apresentação da tradução brasileira. In: Gênese e estrutura da

antropologia de Kant. São Paulo: Edições Loyola, 2011. p. 11-13.

NIETZSCHE, F. A genealogia da moral. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo:

Companhia das Letras. 2006.

PELBART, P.P. Da clausura do fora ao fora da clausura- loucura e desrazão. São Paulo:

Brasiliense, 1989.

PIMENTA, P. P. A imaginação crítica – Hume no século das luzes. São Paulo: Pensamento

Brasileiro. 2012.

PORTOCARRERO, V. Filosofia, história e sociologia I: abordagens contemporâneas.

PORTOCARRERO V. (Org.). Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 1994. http://books.scielo.org

RAGO, M. O efeito - Foucault na historiografia brasileira. Tempo social. Rev. Sociol. USP,

São Paulo: v.71, n.1-2, p. 67-82, outubro de 1995.

______ ; VEIGA-NETO A. (Orgs). Figuras de Foucault. Belo Horizointe: Autêntica, 2008.

RIBEIRO, R.J. Apresentação. In: Recordar Foucault. São Paulo: Brasiliense: 1985. p. 7-8.

______ (Org). Recordar Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1985.

Page 75: As noções de finitude em Michel Foucault Sendacz... · 1 Introdução O presente estudo debruça-se principalmente sobre dois livros de Michel Foucault: História da loucura na

67

______. A última razão dos reis, ensaios sobre filosofia política. São Paulo: Companhia das

Letras, 2002.

______. Foucault, um pensador político. Revista Cult, São Paulo, v. 81, 2004. Disponível em

<revistacult.uol.com.br>

______. A sociedade contra o social. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

______. O entusiasmo, o teatro e a revolução. In: NOVAES, A. (Org.) Tempo e História. São

Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 309-328.

ROUDINESCO, E. & PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio

de Janeiro: Zahar, 1998.

SABOT, P. De Kojève a Foucault - la mort de l´homme et la querelle de l´humanisme .

Archives de Philosophie, v. 72, p. 523-540, 2009/3. Disponível em

<http://www.cairn.info/revue-archives-de-philosophie-2009-3-page-523.htm>

SANT´ANNA, D.B. Corpos de passagem - ensaios sobre a subjetividade contemporânea.

São Paulo: Estação Liberdade, 2001.

______. (Org.). Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 2005.

SARTRE, J.P. O existencialismo é o humanismo. Tradução de Virgílio Ferreira. Lisboa:

Editorial Presença.

SILVA, F. L. Descartes, a metafísica da modernidade. São Paulo: Editora Moderna, 1996.

TERNES, J. Michel Foucault e o nascimento da modernidade. Tempo Social, Revista de

sociologia da USP, v. 7, p. 45-52, São Paulo, 1995.

______. Michel Foucault e a Idade do Homem. Goiânia: UFG/ UCG, 2009.

TERRA, R. Foucault leitor de Kant: da antropologia à ontologia presente. In: Passagens –

Estudos sobre a filosofia de Kant. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. p. 161-178.

VERGEZ, A. David Hume. Lisboa: Edições 70, 1984.

VEYNE, P. Un archéologue sceptique. In : ERIBON, D. L´infréquentable Michel Foucault:

Renouveaux de la pensée critique. Actes du Colloque Centre Georges Pompidou,21-22

junho 2000. Paris:Epel, 2001. p. 19-59.

______. Como se escreve a história. Tradução de Antonio José da Silva. Lisboa: Edições 70,

2008.

______. Foucault, seu pensamento, sua pessoa. Tradução de Marcelo Jacques de Morais. Rio

de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

WAHL, J. Note critique. Revue de Métaphysique et de Morale, v. 74, n. 2, 1969.