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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2206 AS MUDANÇAS REGULATÓRIAS DOS PORTOS BRASILEIROS E OS REBATIMENTOS AOS TRABALHADORES THIAGO PEREIRA DE BARROS 1 Resumo: Este artigo apresenta as mudanças recentes no mundo do trabalho portuário e suas implicações para os trabalhadores, sobretudo aosestivadores. A discussão do texto se dá a partir de um conjunto de leis que alteram a relação capital trabalho no cais do porto, como a Lei nº 8.630/93 e a Lei nº 12.815/13, tendo em vista o processo de interferência neoliberal que incide novas regulações ao trabalho portuário. Palavras-chave: modernização dos portos; estivadores; portos. Abstract: This paper presents the recent changes in the world of dock work and its implications for workers, especially the dockworkers. The discussion of the text is given from a set of laws that alter the relationship capital work on the docks, as Lei nº 8.630/93 and Lei nº 12.815/13, given the neoliberal interference process that focuses new regulations to work in ports. Key-words: modernization of ports; dockworkers; ports. 1 Introdução Este artigo faz parte de algumas discussões que estamos desenvolvendo no âmbito do mestrado em torno das mudanças inseridas no mundo do trabalho portuário avulso, mais precisamente aos estivadores do porto de Santos/SP. Sendo assim, como objetivo proposto para esse artigo, discutiremos as recentes mudanças na legislação que regula os portos no Brasil e seus rebatimentos aos trabalhadores portuários. A importância de se estudar as mudanças no mundo do trabalho desses sujeitos se dá devido às próprias transformações que nos últimos 40 anos vêm se processando no Brasil que de acordo com Lara (2010) são: privatizações, precarização das relações de trabalho, informalidade, destruição dos direitos sociais, recuo da responsabilidade estatal, refilantropização das políticas sociais dentro do receituário neoliberal. Essas mudanças no caso dos trabalhadores portuários tem seu marco com a Lei de Modernização dos Portos n.º 8.630/93, que inserem novos atores e mudanças na relação capital x trabalho(DIÉGUEZ, 2007). Entretanto, para melhor compreendermos as mudanças inseridas no cais do porto no Brasil, e em Santos especificamente, é necessário entendermos como se organizava a contratação de mão de obra no cais do porto antes da Lei de 1 Mestrando em Geografia pela FCT/ UNESP - Presidente Prudente. Bolsista FAPESP. Membro do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT)[email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2206

AS MUDANÇAS REGULATÓRIAS DOS PORTOS BRASILEIROS E OS REBATIMENTOS AOS TRABALHADORES

THIAGO PEREIRA DE BARROS1

Resumo: Este artigo apresenta as mudanças recentes no mundo do trabalho portuário e suas

implicações para os trabalhadores, sobretudo aosestivadores. A discussão do texto se dá a partir de um conjunto de leis que alteram a relação capital trabalho no cais do porto, como a Lei nº 8.630/93 e a Lei nº 12.815/13, tendo em vista o processo de interferência neoliberal que incide novas regulações ao trabalho portuário. Palavras-chave: modernização dos portos; estivadores; portos. Abstract: This paper presents the recent changes in the world of dock work and its implications for

workers, especially the dockworkers. The discussion of the text is given from a set of laws that alter the relationship capital work on the docks, as Lei nº 8.630/93 and Lei nº 12.815/13, given the neoliberal interference process that focuses new regulations to work in ports.

Key-words: modernization of ports; dockworkers; ports.

1 –Introdução

Este artigo faz parte de algumas discussões que estamos desenvolvendo no

âmbito do mestrado em torno das mudanças inseridas no mundo do trabalho

portuário avulso, mais precisamente aos estivadores do porto de Santos/SP. Sendo

assim, como objetivo proposto para esse artigo, discutiremos as recentes mudanças

na legislação que regula os portos no Brasil e seus rebatimentos aos trabalhadores

portuários.

A importância de se estudar as mudanças no mundo do trabalho desses

sujeitos se dá devido às próprias transformações que nos últimos 40 anos vêm se

processando no Brasil que de acordo com Lara (2010) são: privatizações,

precarização das relações de trabalho, informalidade, destruição dos direitos sociais,

recuo da responsabilidade estatal, refilantropização das políticas sociais dentro do

receituário neoliberal. Essas mudanças no caso dos trabalhadores portuários tem

seu marco com a Lei de Modernização dos Portos n.º 8.630/93, que inserem novos

atores e mudanças na relação capital x trabalho(DIÉGUEZ, 2007).

Entretanto, para melhor compreendermos as mudanças inseridas no cais do

porto no Brasil, e em Santos especificamente, é necessário entendermos como se

organizava a contratação de mão de obra no cais do porto antes da Lei de

1Mestrando em Geografia pela FCT/ UNESP - Presidente Prudente. Bolsista FAPESP. Membro do

Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT)[email protected]

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Modernização Portuária. Desta forma, dividimos o texto em duas partes. Primeiro

apresentamos alguns elementos históricos referentes a organização do trabalho no

cais do porto antes da lei de modernização dos portos de 1993.

Posteriormente apresentamos as mudanças recentes no universo do trabalho

no porto, através da influência do pensamento neoliberal que buscou a

modernização (privatização) dos portose a flexibilização da força de trabalho, dando

ênfase aos trabalhadores na estiva.

2- O controle da mão de obra avulsa nos portos

Na maioria dos portos do mundo, em meados do século XX, floresceu uma

política de contratação de mão de obra que criou um sistema ocasional de

trabalhoavulso. Esse sistema eracaracterizado por uma extrema flexibilidade na

contratação da força de trabalho, normalmente se dandopor produção e por fluxo de

movimentação de embarcações nos portos (SARTI, 1981). Ou seja, a principal

característica da contratação do trabalho avulso da épocaera a flexibilização

empreendida na contratação dos trabalhadores e a flutuação do mercado,

juntamente com um sistema de seleção dos trabalhadores que não possuia critério

definido sendo os contratantes, normalmente, armadores, comerciantes, donos de

trapiches, capatazes etc.,) escolhiam por afinidades os trabalhadores.

Este modelo de contratação ficou conhecido como shapeup (nos Estados

Unidos), freecall (na Inglaterra) ou “parede” no Brasil.Essa forma de contratação

criou e manteve um exército permanente de reserva, tendo um impacto de rebaixar

os níveis salariais dos trabalhadores portuários (DIÉGUEZ, 2007).

No Brasil o sistema de contratação comenta Arantes (2005), estava nas mãos

dos agenciadores que dominavam e ditavam as formas de seleção dos

trabalhadores avulsos. Assim na “parede” os operários estavam

[...]'nas mãos' dos encarregados, e sua possibilidade de trabalho depende da decisão de outro indivíduo. Essa situação, associada ao fato de não haver barreiras à entrada de quem quer que seja na competição, define o comportamento dos portuários avulsos em um ambiente onde a competição faz parte de suas vidas. (ARANTES, 2005, p.91)

Relação diferente se constituía dentro do ambiente de trabalho, no navio, o

ofício era caracterizado, segundo Arantes (2005), pela cooperação entre os

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trabalhadores em cada “terno”2, ali os homens interagiam diretamente de forma

personalizadaabandonando a lógica da competição que imperava na “parede”

assumindo a lógica do trabalho coletivo.Essa característica do trabalho dentro do

navio, principalmente para os trabalhadores na estiva compreende Gitahy (1992),

devido às próprias características do ofício que exigia (força física, destreza,

habilidade e conhecimento), o último sendo fruto de trocas entre os trabalhadores e

adquirido na prática (no dia-dia), ajudou a tecer elos de identidade e reconhecimento

entre os estivadores. Essa característica do trabalho na estiva, conforme menciona a

autora, proporcionou a esses operários por um lado, a constituição de um orgulho, e

por outro, fonte de identidade para a categoria.

A identidade construída por esses trabalhadores no ofício foi se

estabelecendo e sendo construída a partir de laços informais entre esses sujeitos

devido anatureza coletiva do processo que estimulou a produzir por esses

trabalhadores uma experiência diferente da “parede” (GITARY, 1992). Ainda pontua

a autora que não é de surpreender que foi entre os estivadores que se estabeleceu

um terreno fértil para a construção de uma solidariedade de classe entre a categoria,

e também com as outras categorias portuária, criando entidades sindicais na base

do closed shop para neutralizar o insuportável peso do mercado de trabalho e do

sistema ocasional de contratação (ARANTES, 2005).

Deste modo, foi na luta pelo controle da mão de obra que muitos dos

sindicatos dos estivadores de todo mundo buscou sanar as incertezas do mercado

de trabalho, assim como a precarização da mão de obra. Assim, os grupos que

conseguissem obter esse controle teriam o domínio de grande parte do poder dentro

do porto, podendo decidir quem trabalhava e de que forma/condições iriam

trabalhar. Além do controle de todo o processo de trabalho, outro importante fator

que representou o closed shop foi que os trabalhadores poderiam ver diminuir a

oferta de mão de obra, através de barreiras estabelecidas à entrada de novos

competidores(ARANTES, 2005).

O importante ao analisarmos o controle da força de trabalho no cais do porto

pelos trabalhadores avulsosé percebemos que na história, a conquista do closed

2Equipe de trabalho no porão dos navios.

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shop não representou um corporativismo ou exclusivismo realizados por lideranças

corruptas, como muitos autores pontuam. “Ao contrário, a experiência histórica tem

demonstrado que onde o controle de trabalhadores tem estado presente em algum

grau, uma democratização na distribuição do trabalho tem existido.” (GITAHY, 1992,

p.106).

No Brasil, como exemplo de democratização de acesso ao trabalho no porto

realizado a partir do controle da força de trabalho pelos próprios trabalhadores,

temos o caso dos estivadores de Santos (SARTI, 1981). Desde os primeiros anos do

século XX os estivadores da cidade lutaram pelo controle da mão de obra, porém só

a conquistaram nos anos 30. A conquista aponta Gonçalves e Nunes (2008) se deu

após uma “guerra” aberta entre os estivadores e a Companhia Docas de Santos

(CDS) que expandia seus domínios por todas as categorias portuárias e inclusive os

avulsos. Porém os trabalhadores resistiam e o conflito se acentuou ainda mais nos

anos 30 até a intervenção do governo na relação capital x trabalho.

Assim, com a política de colaboração de classesempreendida por Getúlio

Vargas, os trabalhadores na estiva conquistam o closed shop. Tal conquista se deu

através de diversas medidas utilizada pelo Estado para intervir na relação

conflituosa entre capital x trabalho, no caso do setor portuário uma das principais

intervenções foi à criação das Delegacias do Trabalho Marítimo (DTM) em 1933,

com a função de organizar a matrícula dos trabalhadores portuários

avulsos;fiscalizar o trabalho portuário e a escala rodízio nas entidades estivadoras e

sindicatos; quantificar o número de Trabalhadores Portuários Avulsos (TPA)

necessários; entre outras(BRASIL, 2001).

Após conquistaram o controle sobre a mão de obra, os estivadores foram ao

longo dos anos aprimorando o sistema de escalas, rodízios, e formas de inserção de

novos trabalhadores na categoria, chegando ao início dos anos 60 com a mais

democrática forma de organização do trabalho entre os estivadores no Brasil

(SARTI, 1981).

O Sindicato dos Estivadores de Santos, fundado em 1930,controlava a mão

de obra (distribuindo os trabalhadores para as atividades laborais e estabelecendo a

forma de rodízio entre os estivadores); e três órgãos eram responsáveis pela a

atuação da estiva, o Transporte (fiscalização da estiva), Marinha (realizavam a

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matrícula dos operários na categoria) e Trabalho, tendo o Estado exercendo seu

controle e decidindo a remuneração dos operários e a Entidade Estivadora,

representante dos empresários, (SARTI, 1981).

Esse sistema vai perdurar quase sem nenhuma alteração até os anos 80.

Entretanto, com a crise de acumulação do capital dos anos 70 e a inserção de novas

tecnologias na movimentação de cargas aos poucos se insere novas mudanças no

cais do porto, principalmente em relação à contratação da mão de obra e a gestão

dos portos. O que pretendemos apresentar a seguir.

3- A modernização dos portos e os impactos aos trabalhadores na estiva

O processo de modernização portuária está relacionado com os próprios

obstáculos de acumulação do capital dos anos 70, e as mudanças inseridas nesse

universo buscou diminuir a rigidez que se apresentava devido o próprio modelo de

acumulação de capital, o fordismo (HARVEY, 1999). Neste sentido, o processo de

modernização portuária buscou novas formas de contratação e gestão portuária a

fim de diminuir a presença do Estado na relação capital trabalho e na gestão dos

portos.

Para Diégues (2007) esse processo se iniciou com a reconstrução das

economias nacionais europeias no Pós-Segunda Guerra, e posteriormente nos

últimos anos da década de 60, com o avanço do pensamento neoliberal e o

processo de mundialização do capital. Desta forma, segundo a autora, as mudanças

inseridas na movimentação de cargas trouxeram inovações como a unitização das

cargas, os contêineres, os navios porta contêineres, entre outras.O caso de maior

sucesso na Europa é o holandês com o porto de Rotterdam, considerado o maior e

melhor porto do mundo, Rotterdam considerado o tipo ideal de porto aberto ao

mercado (DIÉGUEZ, 2007).

A modernização dos portos nos países europeus impactaram diretamente os

trabalhadores nos portos, ou seja, o processo ocorreu com o desligamento massivo

da mão de obra no porto (OLIVEIRA, 2000). Como exemplo, o autor apresenta

dados entre os anos de 1970 e 1982 dos portos europeus de Amberes e Liverpool

que reduziram a mão de obra em 38,9% e 78,8% respectivamente, e em Antuérpia

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onde o número de trabalhadores na estiva caiu entre os anos de 1960 a 1980 de

14.000 para pouco mais de 9.000 e em Amsterdã de 5.046 para 2.235.

Em relação ao Brasil, o neoliberalismo tornou-se um receituário oficial a partir

da chegada de Collor ao poder. E os primeiros movimentos nessa direção e com o

desmantelamento de empresas públicas de diversos ramos, inclusive ligadas ao

setor portuário, e em sequência a sua privatização através do Programa Nacional de

Desestatização (PND), criado pela Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990 (DIÉGUEZ,

2007).

No ano de 1993, após meses correndo o processo de privatização, as

empresas COSIPA e Ultrafértil foram entregues à iniciativa privada, lembrando que

as duas empresas possuem terminais privativos no porto e a COSIPA empregava

cerca de 40% dos estivadores.

Nesta mesma direção comenta Gonçalves; Nunes (2008) que outra lei teve

um papel decisivo na privatização do sistema portuário, a Lei nº 8.029/90 autorizou o

Poder Executivo a dissolver entidades da administração pública federal, vide por

exemplo, a extinção da Empresa de Portos do Brasil (PORTOBRÁS), que era a

então entidade responsável pelo sistema portuário brasileiro, e se iniciou o processo

concorrencial entre os portos nacionais.

Os reflexos em Santos desse processo de modernização foi a demissão em

massa de mais de 5 mil trabalhadores ligados a CODESP, entre eles trabalhadores

da capatazia (doqueiros) que desde a incorporação dessa atividade pelas

Companhia Docas de Santos, no início da primeira década do século passado,

faziam parte do quadro de funcionários da empresa (GONÇALVES; NUNES, 2008).

Os trabalhadores da capatazia, de acordo com a lei passaram após o fim do vínculo

com a CODESP, a serem trabalhadores avulsos, juntamente com os estivadores e

os trabalhadores conferentes entre outros. Vale dizer que,

Os avulsos diferem dos trabalhadores na Docas por sua alocação na estrutura do trabalho portuário. Os primeiros são encarregados do trabalho em bordo, responsáveis pelo embarque e desembarque das cargas, arrumação das mesmas nos porões, conferencia das cargas que entram e saem dos navios, conserto das cargas no interior dos navios, etc. Os trabalhadores da Docas localizam-se no cais, em terra firme. A eles cabe deslocar as cargas dos armazéns as zonas de embarque, assim como o processo inverso; conferir as cargas que saem dos armazéns ao cais e vice versa; operar guindaste colocar as cargas dentro do navio para serem arrumadas pelos estivadores, etc. (DIÉGUEZ, 2007, p.11)

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Neste contexto, o marco da modernização dos portos no país foi a publicação

da Lei nº 8.630 (Lei de Modernização dos Portos) no dia 25 de fevereiro de 1993,

que dispõe sobre o regime jurídico de exploração dos portos organizados e das

instalações portuárias. Entre outros pontos a lei determinou

[...] a quase totalidade da legislação portuária vigente até então (ast. 75 e art. 76) substituindo-a por novos elementos e reconceituando outras já existentes, tais como: Porto Organizado, Operador Portuário, Área do Porto Organizado, Instalações Portuárias de uso Privativo (art. 1º) e Autoridade Portuária ou Administração do Porto (art. 3º), Trabalho Portuário (art. 26), OGMO, CAP. A Lei dos Portos modificou a forma de exploração portuária, autorizando a „privatização dos terminais públicos‟ e a movimentação de carga de terceiros em terminais privativos, o chamado terminal de uso privativo misto, o que até então não se permitia. Vários argumentos conjugados concluíram que a „privatização‟ do setor portuário brasileiro era o remédio para seus males (altos custos, baixa produtividade, burocracia, etc.). (OLIVEIRA, 2000, p.36)

Os reflexos desta lei para os trabalhadores incluem a quebra do monopólio do

sindical quanto à distribuição da mão de obra no porto e determina a constituição em

cada porto organizado de um Órgão de Gestão de Mão de Obra (Ogmo) por parte

dos operadores portuários (DIÉGUEZ, 2007). Segundo a autora a Lei determina que

os operadores portuários são pessoas jurídicas pré-qualificadas para a execução de

atividades na área do porto organizado, ou seja, este seria o empresário que

investe na infraestrutura e superestrutura do porto carregando ou descarregando

navios. “Conclui-se que o órgão gestor de mão-de-obra, conhecido como OGMO, é

um órgão a serviço pleno dos operadores portuários.” (DIÉGUEZ, 2007, p.36).

O processo de Modernização dos Portos no Brasil no decorrer dos anos 90

afetou principalmente a relação capital-trabalho, infringindo aos trabalhadores novas

relações de trabalho e a perda de direitos e conquistas trabalhistas (GONÇALVES;

NUNES, 2008). Portanto, o que se caracterizou foi um conjunto de privatizações de

empresas públicas, e concomitantemente a reestruturação do mercado de trabalho

no cais do porto. Promovendo, entre outras medidas o rebaixamento de níveis

salariais e o contingente global de trabalhadores portuários.

Após a década neoliberal nos anos 2000, mais precisamente a partir de 2003,

verificamos o maciço investimento na infraestrutura portuária brasileira que vem

justamente de investimentos realizados pelo Estado, seja na construção de novos

terminais, no incremento de investimentos na infraestrutura, ou em outras frentes.

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Muitos desses investimentos proporcionados se devem pelo Plano de Aceleração do

Crescimento (PAC) criado em 2007, no segundo mandato do governo Luiz Inácio

Lula da Silva (BRASIL, 2007a). É também, durante o governo do presidente Lula

que se inicia uma nova etapa de medidas em relação à modernização dos portos

brasileiros, inclusive através da criação de novos marcosregulatórios e de leis que

inserem outros elementos de disputa nos portos brasileiros, intensificando a

privatização dos portos públicos, as áreas dentro dos portos organizados, entre

outros (BRASIL, 2013).

Para Gonçalves (2012) no final do século XX e início do século XXI alguns

países da América Latina, inclusive o Brasil adotaram um Modelo Periférico Liberal

(MPL). As características principais desse modelo são liberalização, privatização e

desregulamentação, subordinação e vulnerabilidade externa estrutural e,

principalmente a dominância do capital financeiro. Desta forma, comenta o autor,

este novo modelo adota pelo país é

[...] estruturado a partir da liberalização das relações econômicas internacionais nas esferas comercial, produtiva, tecnológica e

monetário‑financeira; da implementação de reformas no âmbito do Estado

(em especial na área da Previdência Social) e da privatização de empresas estatais, que implicam a reconfiguração da intervenção estatal na economia e na sociedade; e de um processo de desregulação do mercado de trabalho, que reforça a exploração da força de trabalho. O modelo é periférico porque é uma forma específica de realização da doutrina neoliberal e da sua política econômica em um país que ocupa posição subalterna no sistema econômico internacional, ou seja, um país que não tem influência na arena internacional, ao mesmo tempo em que se caracteriza por significativa vulnerabilidade externa estrutural nas suas relações econômicas internacionais. E, por fim, o modelo tem o capital financeiro e a lógica financeira como dominantes em sua dinâmica macroeconômica. (GONÇALVES, 2012, p.662)

Esta nova conjuntura, portanto, é denominado por Gonçalves (2012) como o

novo desenvolvimentismo, entretanto muito diferente de sua variante desenvolvida

pelo nacional-desenvolvimentismo. Acrescenta o autor que uma das principais

diferenças está relacionada à questão do motor do desenvolvimento e crescimento

econômico adotado, pois no “[...] nacional‑desenvolvimentismo o motor é a

absorção interna (consumo, investimento e gasto público), enquanto no novo

desenvolvimento o motor do crescimento é a exportação (export‑ledgrowth)”

(GONÇALVES, 2012, p. 657-658).

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É nesse cenário que o Brasil está inserido, com as políticas de

desenvolvimento orientadas na estratégia do novo desenvolvimentista, implantadas

pelo governo Lula e seguida por sua sucessora Dilma Rousseff, ambos do Partido

dos Trabalhadores (PT).Aqui podemos colocar como exemplo, o conjunto de

mudanças que o governo vem inserindo no setor portuário, para alavancar o

processo de modernização portuária, como a criação da Secretaria de Portos da

Presidência da República (SEP/PR) oriunda de Medida Provisória nº 369 de 07 de

maio de 2007, convertida em Lei nº 11.518, de 5 de setembro de 2007. A SEP tem

como área de atuação a formulação de políticas e diretrizes para o desenvolvimento

e o fomento do setor de portos, especialmente, no processo de desenvolvimento de

políticas e projetos voltados à infraestrutura e a superestrutura portuária (BRASIL,

2007b).

Outra medida foi a promulgação da Lei nº 12.815 de 5 de junho de 2013. Essa

lei dispõe sobre a exploração dos portos pela União, como também das instalações

portuárias e das atividades desempenhadas pelos operadores portuários. Este novo

marco, também altera e revoga um conjunto de leis que até então regulamentavam a

atividade portuária no país, inclusive a própria Lei de Modernização dos Portos (Lei

nº 8.630/93).

Assim vale mencionarmos rapidamente alguns elementos deste novo marco

regulatório sobre os portos no país. A nova Lei nº 12.815 de 2013, tem como foco

determinar as medidas para instalação de unidades portuárias fora do porto

organizado e princípios flexíveis para incentivar a privatização de áreas portuárias

no país (CARVALHO, 2012). Contudo, essa Lei traz também novos elementos em

relação aos trabalhadores portuários avulsos. Como exemplo, em seu Art. 39 a

continuidade da função do Ogmo como administrador da prestação de serviços dos

trabalhadores portuários avulsos nos portos organizados, além disso, o

cadastramento e registro dos trabalhadores, assim como o pagamento dos encargos

trabalhistas e previdenciários (BRASIL, 2013).

Os operadores portuários devem recorrer aos trabalhadores portuários

cadastrados no sistema do Ogmo, inclusive no caso de contratação por vínculo

empregatício, sendo que ficou estabelecido em lei a prioridade da oferta de emprego

com vínculo primeiro aos trabalhadores cadastrados no Ogmo e, caso as vagas não

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sejam totalmente preenchidas, os operadores podem contratar trabalhadores de fora

do setor portuário (BRASIL, 2013).

As principais mudanças contidas nesta lei atual em relação a anterior de

1993, quanto às questões sobre os trabalhadores, são: a garantia de oferta

primeiramente para os trabalhadores cadastrados no Ogmo, a isonomia entre os

trabalhadores portuários na escala de trabalho, o princípio da restrição do trabalho

aos trabalhadores fora do setor portuário e, a multifuncionalidade (a possibilidade de

um estivador realizar o trabalho de um conferente, e vice versa, sem

necessariamente receber nenhuma compensação financeira por isso). No entanto,

existem algumas problemáticas referentes a essas novas medidas aos

trabalhadores avulsos.

Conforme apontado por uma das lideranças sindicais dos estivadores

entrevistadas em março de 2015, um desses problemas se refere à permanência do

trabalho avulso, devido o fato dos operadores portuários terem a preferência de

realizar contratações por vínculo empregatício, ainda que na lei garanta ambas as

formas de contração: por vínculo e a forma avulsa, ela também não estipula um

tetonem para um nem para outro, o que na prática favorece a preferência pelo

vínculo, já que os operadores remuneram de forma diferenciada esses trabalhadores

(pagam menos do que aos avulsos acarretando inclusive no crescente aumento por

esse tipo de contração).

Outro ponto relevante e criticamente apontado pelo entrevistado é a

multifuncionalidade e a formação da polivalência entre os trabalhadores avulsos,

demonstrando um quadro de precariedade do trabalho inserido pelas novas formas

de gestão do trabalho advindas com o toyotismo.

4 – Considerações finais

As mudanças recentes no mundo do trabalho portuário referente aos marcos

regulatório como a Lei de Modernização dos Portos (Lei nº 8.630/93) e a Lei nº

12.815/13 vem retirando direitos conquistados pelos trabalhadores avulsos ao longo

dos anos. Essas inseriram dentro dos portos nacionais a lógica neoliberal de gestão

e controle da força de trabalho, buscando nesse atual momento do modo capitalista

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de produção a flexibilização do mercado de trabalho. Além disso teve-se o fim de

conquistas trabalhistas como o closed shop, e se iniciou o trabalho por vínculo, a

multifuncionalidade, o trabalho polivalente, a retração dos níveis salariais e outras

medidas negativas aos trabalhadores.

Desta forma, apresentamos algumas dessas mudanças advindas com esses

marcos regulatórios e suas implicações aos trabalhadores avulsos. Ou seja, vimos

que há processos conflitivos, de um lado possui uma forma de contratação histórica

de trabalho, sobretudo os estivadores que mantém uma maior participação nas

decisões e na organização do trabalho e, por outro o capital buscando flexibilizar as

relações de trabalho.

Referências bibliográficas

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