as migraÇÕes e a constituiÇÃo das identidades …

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA CACILDO ALVES NASCIMENTO AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES GAÚCHAS, COXIM MS (1970 A 2012) CUIABÁ-MT 2013

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CACILDO ALVES NASCIMENTO

AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES

GAÚCHAS, COXIM – MS (1970 A 2012)

CUIABÁ-MT

2013

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CACILDO ALVES NASCIMENTO

AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES

GAÚCHAS, COXIM – MS (1970 A 2012)

Dissertação apresentada junto ao Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Ely Bergo de Carvalho.

CUIABÁ - MT

2013

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO PRÓ-REITORIA DE ENSINO DE PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - Cep: 78060900 - CUIABÁ/MT Tel: (65) 3615-8493 - Email: [email protected]

FOLHA DE APROVAÇÃO

TÍTULO: “AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES GAÚCHAS, COXIM – MS (1970 A 2012)”.

AUTOR: Mestrando CACILDO ALVES NASCIMENTO

Exame de qualificação em 09/11/2012

Defesa em 28/06/2013

Composição da Banca Examinadora:

Presidente Banca / Orientador: Doutor Ely Bergo de Carvalho Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Examinador Externo: Doutora Eunice S. Nodaria Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Examinadora Interna: Doutora Ana Maria Marques Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Examinador Suplente: Doutor Vitale Joanoni Neto Instituição: UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

CUIABÁ, 27/06/2013.

Page 5: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

DEDICATÓRIA

A todos os que se fizeram presente nas minhas

maiores alegrias e angústias que passei ao longo

deste quase dois anos e meio...

Dedico, especialmente, aos meus pais José e

Aldenora pelo dom da vida, a minha esposa Larissa

que sempre me apoiou nas decisões positivas que

tomei nessa trajetória, aos meus filhos Sophia e Davi

que tem alegrado os meus dias de preocupações.

Page 6: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

AGRADECIMENTOS

Após esta etapa da vida, é razoável que haja um grandioso número de

pessoas que contribuíram direta e indiretamente para o sucesso da pesquisa e que

merecem os meus agradecimentos. É sempre tão difícil agradecer, pois nem sempre

as palavras conseguem expressar o carinho e gratidão que sentimos ao chegar

neste estágio da dissertação.

Agradeço ao Criador pela vida e por ter permitido que concluísse mais uma

etapa da formação acadêmica e humana.

Agradeço aos meus pais José Felix Nascimento Neto e Aldenora Alves de

Souza, que compreenderam a minha ausência nesses dois anos. Também agradeço

a minha amada companheira, conselheira e amiga Larissa Escobar Bueno Beltrão

Alves, que de sua dedicação e espontaneidade tirei forças para continuar levando

esta pesquisa adiante.

Aos meus filhos, Sophia que esteve literalmente ao meu lado nesses dois

anos, sempre nos momentos de grande tensão e stress, pois vinha com um sorriso

meigo e desarmava toda aquela situação de desespero, e ao Davi que veio para

coroar esse trabalho e revigora o entusiasmo para continuar a batalha.

Agradeço ao meu orientador, Professor Doutor Ely Bergo de Carvalho, que

sem ele esse trabalho não seria capaz, pois a sua extrema competência teórica e

rigor metodológico deu sustentação para dar prosseguimento à pesquisa.

O meu agradecimento aos amigos Marques Sandro e Tiago de Jesus que me

apoiaram durante esses dois anos, amigos do tempo de graduação. Tiago foi com

quem já dividi república nos tempos de UFMS e nos tempos de UFMT, “dividimos

orientador”, como ele mesmo diz.

Ao Senhor Chico e a Dona Ana pela acolhida em Coxim, pois sempre

estiveram à disposição em minhas estadias, para realizar a pesquisa de campo.

O meu muito obrigado a Gisele Gutierrez que se dispôs a fazer as correções

ortográficas desde o pré-projeto, ainda quando estava tentando entrar no mestrado e

agora nessa fase de finalização.

A equipe da Escola FUNLEC Coxim, que sempre esteve apoiando esse

projeto desde a época do pré-projeto, a Prof.ª Rasane (in memoriam), a Prof.ª Sara,

as secretárias Marcela e a Neide, mesmo depois de ter deixado a escola não

Page 7: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

mediram esforços para me ajudar, telefonando e agendando entrevistas com

pessoas ligadas ao CTG Sentinela do Pantanal de Coxim.

Ao meu compadre Edward, o popular Jota Cabral que esteve sempre disposto

a ouvir histórias chatas em nossos churrascos e, claro, trazendo a cerveja para

espairecer o ambiente, meu muito obrigado!

À Dona Ana, minha sogra, pelo apoio e pela paciência, sem essa ajuda as

coisas poderiam ser bem mais difíceis, meu muito obrigado!

Agradeço a Professora Doutora Maria Neusa da UFMS, uma grande amiga,

sempre disposta a ler o meu trabalho e dar sua contribuição, além de ser uma

grande incentivadora, desde os tempos da graduação.

A todos os colegas de mestrado, pelo aprendizado contínuo em todos os

espaços de convivência, ao Júlio Cesar pelo empréstimo do equipamento de

gravação, e ao Charles, amigo que partilhamos várias discussões, meus

agradecimentos.

O meu muito obrigado aos Professores Thereza Martha e Marcus Cruz por

permitir que fizesse estágio de docência nas suas disciplinas, foi um momento ímpar

de aprendizagem.

Àqueles que se dispuseram a serem entrevistados por mim e que

contribuíram muito com o trabalho realizado.

A Valdomira (Val), secretária do PPGHIS pela sua presteza e bom humor,

sempre disposta a ajudar um mestrando desesperado.

Agradeço também ao Programa de Pós-Graduação em História da UFMT e

toda estrutura proporcionada durante meu curso, bem como, a CAPES por meio do

programa de bolsa de estudos, trouxe condições fundamentais para a elaboração

deste trabalho.

Como diz um provérbio grego “as coisas belas são difíceis”. Meu muito

obrigado a todos!

Page 8: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

Todo Dever de memória passa em

primeiro lugar pela restituição de nomes

próprios. Apagar o nome de uma pessoa

de sua memória é negar sua existência;

reencontrar o nome de uma vítima é

retirá-la do esquecimento, fazê-la

renascer e reconhecê-la conferindo-lhe

um rosto, uma identidade.

Candau (2011).

Page 9: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

RESUMO

NASCIMENTO, Cacildo Alves. As migrações e a constituição das identidades

gaúchas, Coxim – MS (1970 a 2012). 116 fls. Dissertação (Mestrado em História).

Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Universidade Federal de Mato Grosso,

Cuiabá, MT, 2013.

Este trabalho busca estudar e refletir sobre as identidades gaúchas em Coxim, Mato

Grosso do Sul, e como elas foram constituídas a partir das redes etnorregionais

gaúchas e dos movimentos migratórios da segunda metade do século XX, o recorte

cronológico é de 1970 a 2012. A metodologia utilizada é a de construção e

interpretação de fontes orais, realizando entrevistas com grupos de gaúchos

participantes do CTG Sentinela do Pantanal e, também, revisões bibliográficas e de

discussões acerca dos temas fronteira, identidade, etnicidade, migração e poder. Os

estudos sobre os fluxos migratórios na história recente do país apresentam um

quadro social e político que permite um melhor entendimento sobre a identidade, a

partir do processo migratório e das relações de poder. A investigação feita busca

compreender as práticas e representações que foram selecionadas pelo gaúcho,

como protagonista, aquele capaz de negociar sua identidade nesse espaço e

influenciar as relações socioculturais dos migrantes, sob o viés da apropriação e de

introduzir uma organização social própria e observação das possibilidades

relacionais com o outro.

Palavras-chave: Identidade. Migração. Gaúcha. Poder. Coxim.

Page 10: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

ABSTRACT

NASCIMENTO, Cacildo Alves. Migration and the formation of identities gaucho,

Coxim - MS (1970-2012). 116 fls. Dissertation (Master in History). Institute of

Humanities and Social Sciences. Universidade Federal Mato Grosso, Cuiabá, MT,

2013.

This work seeks to study and reflect on the identities gaúcha on Coxim, Mato Grosso

do Sul, and how they were formed from the ethno-regional networks gaucho and

migration of the second half of the twentieth century, the chronological cut is 1970-

2012. The methodology used is the construction and interpretation of oral sources,

conducting interviews with groups of participants gaúchos CTG Sentinela Pantanal

and literature review and discussions about the border issues, identity, ethnicity,

migration and power. Studies on migration flows in recent history have a social and

political framework which allows a better understanding of the identity from the

migratory process and relations power. The investigation by seeking to understand

the practices and representations that were selected by taking the gaucho as the

protagonist, who is able to negotiate their identity in that space and sociocultural

relations influence migrants under the bias of ownership and introduce a social

organization itself and observing the relational possibilities with each other.

Keywords: Identity - Migration - Gaúcho - power - Coxim.

Page 11: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Mapa ilustrativo da ocupação do atual Estado de Mato Grosso..... 38

Figura 2 - Rota das Monções de Porto Feliz (SP) - Coxim (MS) - Cuiabá

(MT).................................................................................................

44

Figura 3 - Mapa do Mato Grosso do Sul - Coxim em destaque....................... 48

Figura 4 - Imagem aérea da cidade de Coxim as margens do rio Taquari...... 49

Page 12: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Evolução populacional de Coxim entre os anos 1950 a 2010.... 50

Tabela 2 - População residente em Mato Grosso do Sul, por lugar de

nascimento, segundo a Unidade da Federação de residência –

Brasil – 2008...............................................................................

53

Tabela 3 - Composição da Imigração Interestadual – Estado de Mato

Grosso do Sul – 1970 a 1996......................................................

53

Tabela 4 - Composição da Imigração Interestadual segundo

Microrregiões Estado de Mato Grosso do Sul – 1970/1980 e

1981/1991 – ALTO TAQUARI.....................................................

54

Tabela 5 - Centro de Tradições Gaúchas por Unidade da Federação......... 66

Page 13: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BASA Banco da Amazônia

BR Rodovia Brasileira

CAND Colônia Agrícola Nacional de Dourados

CAN Colônias Agrícolas Nacionais

CAT Colônia Agrícola Taquari

CBTG Confederação Brasileira do Tradicionalismo Gaúcho

CPT Comissão Pastoral da Terra

CTG Centro de Tradição Gaúcha

CTN Centro de Tradições Nordestinas

DTC Departamento de Terras e Colonização

EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FBC Fundação Brasil Central

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INDECO Integração, desenvolvimento e Colonização

INIC Instituto Nacional de Imigração e Colonização

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

MS Mato Grosso do Sul

MT Mato Grosso

MTG Movimento do Tradicionalismo Gaúcho

PIB Produto Interno Bruto

PIN Programa de Integração Nacional

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

PRODECER Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o

Desenvolvimento dos Cerrados

POLOCENTRO Programa de Desenvolvimento dos Cerrados

PRODOESTE Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste

PRODEGRAN Programa de Desenvolvimento da Região da Grande Dourados

PRODEPAN Programa de Desenvolvimento do Pantanal

SINOP Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná

SMT Sul de Mato Grosso

SP São Paulo

Page 14: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

SOMECO Sociedade de Melhoramento e Colonização

SUDECO Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste

SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

TDR Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização

Page 15: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 16

2 MODERNIZAÇÃO, COLONIZAÇÃO E MIGRAÇÃO: A EXPANSÃO

DA FRONTEIRA AGRÍCOLA E COXIM.................................................

23

2.1 UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA COLONIZAÇÃO DIRIGIDA

NO BRASIL.............................................................................................

25

2.2 A COLONIZAÇÃO EM MATO GROSSO NO CONTEXTO DA

MARCHA PARA O OESTE.....................................................................

26

2.3 COLONIZAÇÃO E MIGRAÇÃO: A NOVA FRONTEIRA AGRÍCOLA

PÓS-1964................................................................................................

33

2.4 COXIM E AS MIGRAÇÕES.................................................................... 43

2.4.1 Formação de Coxim.............................................................................. 43

2.4.2 Consolidação do povoamento de Coxim e as elites locais.............. 45

2.4.3 Coxim no século XX: do fim da navegação à nova fronteira

agrícola...................................................................................................

47

3 O QUE SE LEVA NA ARCA DA MEMÓRIA: A INVENÇÃO DA

IDENTIDADE E TRADIÇÃO GAÚCHA EM COXIM...............................

55

3.1 A INVENÇÃO DO GAÚCHO................................................................... 57

3.2 MEMÓRIA E IDENTIDADE: O CTG........................................................ 63

3.3 A REDE ETNORREGIONAL GAÚCHA.................................................. 69

3.4 COXIM GAÚCHA?: A CONSTRUÇÃO DE UMA ELITE REGIONAL...... 77

4 MEMÓRIA, MIGRAÇÃO E IDENTIDADE: A NEGOCIAÇÃO DA

IDENTIDADE GAÚCHA EM COXIM......................................................

85

4.1 HISTÓRIA ORAL, IDENTIDADE E MEMÓRIA....................................... 85

4.2 NEGOCIAÇÃO DA IDENTIDADE........................................................... 88

4.3 A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE GAÚCHA EM COXIM................. 92

4.4 A IDENTIDADE GAÚCHA, CTG SENTINELA DO PANTANAL E O

ESTABLISHMENT..................................................................................

97

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 104

Page 16: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

REFERÊNCIAS....................................................................................... 107

Page 17: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

16

1 INTRODUÇÃO

Esta pesquisa busca investigar como as identidades gaúchas, a partir da

migração, ocorrida entre as décadas de 1970 e 2012, foram constituídas no

município de Coxim. Tal investigação surge da observação acerca dos traços

multiculturais da cidade dessa cidade. É possível notar, neste contexto, a

diversidade de sotaques, comportamentos e práticas culturais, entre elas, a

presença da cultura gaúcha se sobressai, como um grupo de certa relevância social,

econômica e cultural.

Pesquisar a construção da identidade gaúcha em Coxim tende a contribuir

com a temática identidade e migração na segunda metade do século e início do

século XXI. Sabendo da vasta produção acadêmica acerca do assunto, porém, a

produção referente à migração e a tal identidade em Mato Grosso do Sul é bem

reduzida. Isso se incluirá a rede etnorregional no contexto do projeto de

modernização brasileira, com ênfase ao processo de colonização e migração como

forças motrizes desta pesquisa. Outro aspecto relevante que se buscou evidenciar

são as relações de poder estabelecidas no processo de construção da identidade, a

partir do contato ou convivência de gaúchos com aqueles que já estavam

anteriormente morando no local.

A relevância social desta pesquisa está em tentar mostrar como a identidade

gaúcha foi construída no contexto da colonização e migração, ocorridas na segunda

metade do século XX. E, neste sentido, de que maneira se coloca em posição

“superior” aos demais, mesmo sendo minoria. Sendo assim, busca-se apontar a

relação entre os gaúchos e demais grupos, pois de maneira geral, as relações entre

os vários grupos que constituem a sociedade coxinense, parecem harmoniosas. Ao

realizar a pesquisa de campo, o grupo de referência investigativa, revela-se em

posição de superioridade. É importante ressaltar que “o culto às tradições gaúchas”,

nas décadas de 1980 e 1990, foram de grande expressividade, pois o CTG local,

Sentinela do Pantanal, congregava de certa forma, a elite ou, pelo menos, a nova

elite coxinense.

A pesquisa parte da ideia de que os reflexos dos movimentos migratórios na

sociedade local possibilitaram a constituição de várias identidades, entre eles, a

Page 18: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

17

gaúcha. Além de possibilitar a coesão desse grupo investigado, evidenciou-se uma

relação de poder entre os grupos existentes, repercutindo na afirmação de que a

identidade gaúcha em Coxim fosse constituída.

Com esse intuito, buscou-se observar a situação da identidade gaúcha não só

nos migrantes oriundos do Rio Grande do Sul, mas naqueles adeptos ou “adotados”

como gaúchos. Para tanto, as entrevistas e os dados oficiais do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE) ofereceram a possibilidade de traçar o perfil

socioidentitário do gaúcho, bem como o jogo de relação de poder entre os mesmos

e os demais grupos.

Quanto ao recorte cronológico, justifica-se por concluir que as décadas de

1970 a 1980 foram o momento de ápice do processo migratório aqui abordado.

Sendo que as análises das fontes orais obrigaram a fazer algumas considerações

para além do recorte principal, que é até 2012 entrando já no século XXI.

Neste momento, torna-se necessário situar o recorte espacial, para qualificar

a visualização do objeto de pesquisa.

A cidade de Coxim está localizada na região norte do Estado de Mato Grosso

do Sul, com 32.933 habitantes (IBGE, 2009), surgiu no século XVIII como ponto de

apoio aos monçoeiros que iam para a exploração das minas de Cuiabá/MT

(FERREIRA NETO, 2004, p. 150). Coxim é uma cidade marcada pela presença de

migrantes, pois inicialmente foram os paulistas que se aportaram por essas terras

nos tempos das monções, depois os goianos e mineiros, através da rota boiadeira,

que buscavam o gado bovino para o abate em Uberaba, Minas Gerais. Já na década

de 1950, segundo Spengler (1998), nasce a Colônia Agrícola Taquari (CAT), com a

forte presença de migrantes oriundos do nordeste brasileiro. Na década de 1970,

com a expansão da fronteira agrícola, principalmente com a modernização do

campo, Coxim entra em uma nova fase da migração, marcada notadamente pela

presença de sulistas, entre eles, os gaúchos.

Um exemplo da importância de tal fluxo migratório é dado pela importante

participação política dos gaúchos na região. Cita-se o gaúcho, ou melhor, sul-rio-

grandense eleito por duas vezes prefeito de Coxim, o Engenheiro Agrônomo Moacir

Kohl1 que é também empresário e migrante gaúcho, eleito pela primeira vez para a

1 Moacir Kohl, tem 59 anos (em 2013), é Engenheiro Agrônomo, Político, Empresário e produtor rural

em Coxim.

Page 19: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

18

gestão do período de 1993 a 1996 e segunda vez para a gestão de 2005 a 2008.

Também foi vice-governador de Mato Grosso do Sul.

Moacir Kohl chegou a Coxim na década de 1970, com a abertura da nova

fronteira agrícola. É esse o momento cronológico que a investigação se concentrará,

com a migração incentivada pelo governo federal, em que uma parcela de sul-rio-

grandenses migrou para colonizar a região centro-oeste, sobretudo, o Estado de

Mato Grosso e a Amazônia meridional e, também, com significativa presença em

Mato Grosso do Sul.

O Estado de Mato Grosso do Sul, ou melhor, o Sul de Mato Grosso foi foco de

migração em muitos momentos de sua história. Porém, o maior movimento

migratório, em termos absolutos, ocorre a partir da década de 1970, com os

governos militares. Nesse momento, era preciso diminuir os riscos de conflitos

sociais no sul do país, então, o governo federal disponibilizou terras às margens da

BR-163 para aqueles migrantes que haviam sido expropriados no processo de

industrialização e da modernização da agricultura na região sul (WEINGARTNER,

2005).

A maioria dos migrantes gaúchos veio com alguns recursos próprios,

venderam o que tinham no Rio Grande do Sul para comprar terras em Mato Grosso.

Outros também receberam terras do governo federal, e quase todos se dedicaram à

agricultura. A região de Mato Grosso foi sempre motivo de preocupação para a

soberania do Estado, nos debates dos dirigentes portugueses e, posteriormente, do

Estado nacional brasileiro. Preocupava-os a distância da região com o centro político

do território. A reocupação dessa região, por meio de uma colonização dirigida era

importante para o governo, pois, ora era uma válvula de escape para minimizar

problemas internos como os conflitos sociais, ora os problemas internacionais como

as delimitações da fronteira nacional, pois apresentava um suposto “vazio

demográfico” nessa região.

Uma questão importante refere-se ao quadro de migração em Mato Grosso

do Sul. De acordo com Martins (2000, p. 83), apresentava dados superiores à média

nacional que, na década de 1980, apresentava o seguinte dado, a taxa de migração

era de 36,08%, enquanto a taxa média nacional de migração era de apenas 15,29%.

Na mesma década, o município de Coxim apresentava dados migratórios bem mais

acentuados, isto é, 52,14%, e na década de 1990, de 44,42%.

Page 20: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

19

Muitos migrantes sulistas têm nos Centros de Tradições Gaúchas uma forma

de “manutenção da sua cultura”. Questiona-se até que ponto essa identidade é

mantida? Sabe-se que há uma interação entre o migrante e o habitante/sujeito local,

que também sofreu influências na sua identidade. Essa pesquisa enfatizará o

processo de construção, ou melhor, de reelaboração da identidade gaúcha que

perpassa por relações de poder. (HALL, 1997).

Bauman (2005) apresenta uma perspectiva útil de discussão, acerca da

identidade, certamente, isso enriquece bastante a pesquisa, principalmente pelo

recorte do trabalho de investigação ser um período contemporâneo. Para Bauman

(2005, p. 26), assim como para a maioria dos autores que tratam da questão, a

identidade é uma experiência humana e que se dá na fronteira entre o EU e o

OUTRO.

A identidade, conforme dito anteriormente, é algo que se dá na relação entre

indivíduos ou grupos sociais em dados espaços geográficos, portanto, é relacional,

assim como a etnicidade, conforme Poutignat e Streiff-Fernart (1998, p. 124), “a

etnicidade não se manifesta nas condições de isolamento, é, ao contrário, a

intensificação das interações características do mundo moderno e do universo

urbano que torna saliente as identidades étnicas”, pois,

[...] a etnicidade é uma forma de organização social, baseada na atribuição categorial que classifica as pessoas em funções de sua origem suposta, que se acha validada na interação social pela ativação de signos culturais socialmente diferenciadores. (POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998, p. 141).

Para Falcão (2007), a identidade se fortalece mesmo fora do espaço

geográfico de origem:

[...] aos espaços construídos historicamente onde foi se produzindo, a cada instante, a diferença cultural, não apenas pelo concurso de interferências específicas ou pelas combinatórias peculiares que ensejou, mas sobretudo por designar os pontos de inflexão tecidos em grades ou redes apoiadas, superpostas, tangenciadas e atravessadas por outras grades, num amálgama que se modifica a cada movimento em decorrência de relações assimétricas de poder (e não de mera imposição) instituídas pela contraposição hierárquica entre culturas hegemônicas e culturas subalternas (FALCÃO, 2007, p. 205).

Além de questões acerca de identidade tem-se, ainda, dentro do quadro

teórico que dá suporte à pesquisa, a conceituação de memória e identidade de

Page 21: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

20

Candau (2011), que mostra o papel fundamental da memória no processo de

construção da identidade, pois “apagar o nome de uma pessoa de sua memória é

negar sua existência; reencontrar o nome de uma vítima é retirá-la do esquecimento,

fazê-la renascer e reconhece-lhe conferindo-lhe um rosto, uma identidade”

(CANDAU, 2011, p. 68). Esse excerto deixa explícito o quanto à memória é

relevante no processo de construção da identidade.

Além de questões sobre a memória e identidade, discute-se, também, a

relação de poder, e dentre as fontes trabalhadas na fundamentação da pesquisa

estará, para discutir a relação de poder que é estabelecida entre os migrantes

gaúchos e a população autóctone2, a obra de Elias e Scotson (2000), intitulada “Os

Estabelecidos e os Outsiders”, que, apesar de não tratar de questões da migração,

trata da constituição de relações de poder, a partir do caso da relação entre pessoas

que estão há mais tempo em determinado local e outras que chegaram

recentemente em relação às primeiras. Essa relação é feita entre o migrante e a

população residente anteriormente.

Para o desenvolvimento da pesquisa e de questões sobre a relação de poder

no processo de construção da identidade gaúcha, a história oral foi fundamental.

Significa que no trabalho de entrevistas busca-se apresentar parte do elenco

participante do processo de construção de uma identidade e memória gaúcha em

Coxim. Utilizada, dessa forma, como aparato de comprovação de algumas

perspectivas sobre o processo identitário-migratório.

Em se tratando da utilização da metodologia da história oral, o embasamento

teórico pode ser encontrado em autores como Portelli (1997):

[...] as fontes orais históricas são fontes narrativas: daí a análise dos materiais da história oral deve se avaliar a partir de algumas categorias gerais desenvolvidas pelas teorias narrativas na literatura e no folclore [...] o único e precioso elemento que as fontes orais têm sobre o historiador e que nenhuma outra fonte possui em medida igual, é a subjetividade do expositor. [...] o trabalho histórico que se utiliza de fontes orais é infindável, dada à natureza das fontes; o trabalho histórico que exclui fontes orais (quando válidas) é incompleta [sic] por definição [...] a história oral não tem sujeito unificado; é contada de uma multiplicidade de ponto de vista, e a imparcialidade tradicionalmente reclamada pelos historiadores é substituída pela parcialidade do narrador. (PORTELLI, 1997, p. 29-39).

2 Nesse caso, quando se refere à população autóctone em Coxim, se está falando da população que

estava estabelecida anterior a década de 1960, incluindo os remanescentes das monções paulistas, indígenas e migrantes, oriundos de Minas Gerais e Goiás.

Page 22: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

21

Conforme o texto citado, muitas vezes, utilizam-se fontes orais, entende-se

que para utilizar esse instrumental, se deve ter o cuidado e sensibilidade na análise

dos materiais coletados.

Esse rigor com as entrevistas, sem fugir do foco, deve-se ao fato de lidar com

um elemento tão complexo e plural: a identidade. Principalmente, porque ocorreu

após o processo migratório e será preciso recorrer à memória dos migrantes

gaúchos.

Nas entrevistas realizadas com migrantes gaúchos, sobretudo, àqueles

ligados ao movimento tradicionalista e com os que não são originários do Rio

Grande do Sul, mas que adotam o tradicionalismo como parte da sua identidade,

nota-se que há uma interação cultural entre a população local e os migrantes e seus

descendentes. Observa-se que há um grande sentimento de preservação da cultura

de origem, sobretudo, por meio dos CTGs. Pois o migrante carrega consigo seus

referenciais socioculturais e, quase sempre, se reportando ao Rio Grande do Sul

como seu território de origem, sendo que esta origem torna-se “símbolo maior dentro

da cartografia das identidades étnicas possíveis no universo gaúcho”. (KAISER,

1999; ROCHA, 2006).

O presente trabalho está dividido em três capítulos os quais são intitulados:

O Capítulo 2 trata da Modernização, colonização e migração: a expansão da

fronteira agrícola e Coxim. Nesse capítulo, buscam-se discutir aspectos da

colonização dirigida fundamentalmente a partir da década de 1930, com os

movimentos migratórios internos como processo de colonização dos relativos

“espaços vazios”, buscando, também, um projeto de modernização no Brasil, que vai

de fato se consolidar a partir da década de 1960 com os governos militares. E,

nesse contexto de colonização, migração e modernização, busca-se situar Coxim,

como o espaço da pesquisa.

O Capítulo 3 abordará o que se leva na arca da memória: a migração e a

invenção da identidade gaúcha em Coxim. Buscou-se debater o processo de

formação do gaúcho quanto grupo etnicorregional, com destaque para a formação

histórica do gaúcho e a rede etnorregional formada, a partir dos movimentos

migratórios, o CTG como espaço de recriação da memória e da identidade gaúcha e

como esse grupo constitui-se como elite regional em Coxim.

Page 23: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

22

Já o Capítulo 4, intitulado Memória, migração e identidade: a negociação da

identidade gaúcha em Coxim, concentra o estudo do processo de construção da

identidade gaúcha e como a memória é usada nesse processo. Buscaram-se

subsídios para essa identidade na constituição da rede etnorregional gaúcha, bem

como, no processo de territorialização – desterritorialização – territorialização do

gaúcho e a renegociação da identidade.

Page 24: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

23

2 MODERNIZAÇÃO, COLONIZAÇÃO E MIGRAÇÃO: A EXPANSÃO DA

FRONTEIRA AGRÍCOLA E COXIM

Historicamente, a colonização dirigida no Brasil foi utilizada como estratégia

oficial de povoamento, uma maneira organizada para indicar a ocupação dos

relativos “vazios demográficos” e, também, como forma de expansão capitalista em

novos territórios (SOUZA, 2008). Esse processo de colonização, nos últimos dois

séculos, atende ao projeto de modernização do Brasil. Para entender a forma como

o objeto desta pesquisa está inserido em tal processo, é necessário atentar para a

tríade: colonização; modernização; e migração.

No Brasil, segundo Custódio (2010), foi praticado três tipos de colonização de

terra: 1) a colonização espontânea, sendo aquela realizada pelos camponeses; 2) a

colonização dirigida ou oficial realizada pelo Estado; e 3) a colonização privada, que

é quando o Estado deixou a colonização a cargo de empresas particulares de

colonização, que também é uma forma de colonização dirigida.

O termo colonização possui diversas definições, porém, no período do regime

militar ela pode ser definida como:

[...] toda atividade oficial ou particular destinada a dar acesso à propriedade de terra e a promover seu aproveitamento econômico, mediante o exercício de atividade agrícola, pecuárias, através da divisão de lotes ou parcelas, dimensionadas de acordo com as regiões definidas da regulamentação do Estatuto da Terra, ou através de cooperativas de produção nela prevista (BECKER et al., 1990, p. 65 apud CUSTÓDIO, 2010, p. 108).

Existe também outra definição para o conceito de colonização, segundo

definição etimológica, a colonização é uma palavra que tem a mesma raiz que

outras duas palavras: cultura e culto, como explica o seguinte trecho:

[...] verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro e culturus [...] colo é a matriz de colônia enquanto espaço que se está ocupando, terra ou povo que se pode trabalhar e sujeitar. [...] a colonização é um projeto totalizante cujas forças motrizes poderão sempre buscar-se no nível do colo: ocupar um novo chão, explorar os seus bens, submeter os seus naturais (BOSI, 1992, p. 11 e 15).

Page 25: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

24

A partir da ideia de colonização de Bosi (1992), não se pode esquecer os

agentes desse processo que, segundo o autor, [...] “não são apenas suportes físicos

de operações econômicas” (BOSI, 1992, p. 15), mas os migrantes trazem consigo,

uma grande bagagem, seja ela cultural, tradicional e identitária. O processo de

colonização é acompanhado por um conjunto de práticas, técnicas, símbolos e

valores transmitidos às gerações seguintes, para a reprodução de um estado de

coexistência social (BOSI, 1992, p. 16).

Ainda segundo o autor supracitado, a colonização é um processo que não se

exaure no seu efeito modernizante de circunstancial impulsionador do capitalista,

[...] quando estimulado, aciona ou reinventa regimes arcaicos de trabalho, começando pelo extermínio ou a escravidão dos nativos nas áreas de maior interesse econômico. Quando é aguçado o móvel da exploração a curto prazo, implantam-se nas regiões colonizáveis estilos violentos de interação social. (BOSI, 1992, p. 20-21).

Esse modelo é recorrente no processo de colonização brasileira e se mostra

como um processo que deixa algumas categorias à margem (marginalizadas), como

exemplo, as populações indígenas e os sertanejos, em que se considera somente o

colonizador. Para Bosi (1992), a colonização é sempre um processo que coloca em

campos antagônicos o colonizador sobre o colonizado pelo domínio da natureza, no

qual ele chama de processo civilizatório. Neste sentido:

Acentua-se a função da produtividade que requer um domínio sistemático do homem sobre a matéria e sobre outros homens. Aculturar um povo se traduziria, afinal, em sujeitá-lo ou, no melhor dos casos, adaptá-lo tecnologicamente a um certo padrão tido como superior. (BOSI, 1992, p. 16).

Para o autor supracitado, a dominação ecológica e populacional é algo

inerente na colonização, denunciadas ao longo do processo de colonização do

Brasil. Sendo que todos os projetos de colonizador impuseram determinadas

situações, que acabaram destruindo ou expulsando determinados grupos sociais à

degradação ambiental e, isso continua sendo reatualizado, principalmente, nos

projetos expansionistas dos anos 70 e 80, “[...] em nada menos cruenta do que

foram as incursões militares e econômicas dos tempos coloniais” (BOSI, 1992, p.

27).

Page 26: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

25

2.1 UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA COLONIZAÇÃO DIRIGIDA NO

BRASIL

Tratando da questão colonização dirigida e da migração, no caso brasileiro, a

colonização dirigida é definitivamente vinculada ao trabalho livre, principalmente,

depois da promulgação da Lei de Terras e da Lei Eusébio de Queiros (SEYFERTH,

2002). Para o pensamento imigrantista do século XIX, os negros são relegados

como categorias que desqualificam o processo de colonização, consideravam

“inaptos para o trabalho livre na condição de pequenos trabalhadores rurais”.

(SEYFERTH, 2002, p. 120).

A colonização dirigida brasileira está estabelecida, segundo alguns princípios

que podem ser entendidos:

[...] na legislação imigratória, tendo a modernidade como parâmetro, e nela não cabe a escravidão. Para muitos imigrantistas, o tráfico era incompatível com a imigração, mas não a escravidão, fadada, necessariamente, ao desaparecimento na configuração do país moderno e capitalista. (SEYFERTH, 2002, p. 120).

O discurso imigrantista de modernização do país está assentado na escolha

do colono agricultor tido como eficiente, principalmente, o de origem alemã, depois

os italianos e essa prática vai perdurar até o Estado Novo (SEYFERTH, 2002, p.

137).

Assim, para Seyferth (2007), a colonização dirigida inicia com a chegada de

imigrantes europeus, inicialmente, os suíços e, em seguida, os alemães e italianos.

Também após o “Tratado de Colonização”, assinado por Dom João VI em 1818,

fixando, principalmente, no sul do país e depois com os movimentos migratórios

internos ocorridos no decorrer do século XX.

A política de colonização do Estado Novo, segundo Seyferth (2002), é

marcada pela orientação de utilizar elementos nacionais, possibilitando, assim, um

caldeamento étnico, evitando a aglomeração de determinados grupos étnicos,

assim, o Estado busca, nesse processo de colonização, além de povoar os relativos

“vazios demográficos”, integrar, em especial, as regiões centro-oeste e Amazônia

aos centros econômicos e financeiros do país (São Paulo e Rio de Janeiro).

Page 27: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

26

Nesse momento, a industrialização brasileira ganha mais atenção do governo,

considerando que há alterações econômicas na produção de bens de consumo e,

também, na de setores básicos. (PONCIANO, 2001). E, então, as regiões centro-

oeste e Amazônia precisam se modernizar para oferecer matéria-prima para as

regiões industrializadas. Essa política tem continuidade com os governos militares

pós-1964, porém, ocorre em ritmos mais acelerados e não tem a preocupação

voltada para questões identitárias, e sim, para a resolução de conflitos sociais.

A colonização e a (i)migração são dois processos que estão intimamente

ligados. No Brasil sempre voltado como condição tida como necessária para

construir uma nação moderna. E no “[...] caso brasileiro, o que se coloca em disputa

são projetos de nação, Estado e sociedade que se forjam no hibridismo que nos

caracteriza e que torna possível que o moderno e o atraso convivam juntos, nem

sempre sem conflitos” (DANIEL, 2011, p. 14).

2.2 A COLONIZAÇÃO EM MATO GROSSO NO CONTEXTO DA MARCHA PARA O

OESTE

A década de 1930 é, de certa forma, um marco na colonização brasileira.

Com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, esse processo colonizador passa por

uma reorientação.

Até 1930, a colonização era marcada pela forte presença de imigrantes

europeus e, a partir de então, a colonização passa a ser orientada pela migração

interna. Será o princípio de nacionalidade o que vai nortear essa nova política de

colonização, afirmado pela política varguista, que possui o objetivo de “promover a

heterogeneidade étnica, para evitar aglomerações de estrangeiros nos locais de

colonização” (ROCHA, 2006, p. 20). Então [...] “a partir de 1937 foram tomadas

medidas coercitivas visando a atingir as organizações comunitárias étnicas

produzidas pela imigração, em nome da tradição de assimilação e mestiçagem

demarcadoras da nacionalidade”. (SEYFERTH, 1999, p. 199). O Estado considerava

os indivíduos portadores de identidade étnica incompatível com pertencimento à

Page 28: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

27

nação, sob o entendimento de que, até a década de 1930, esses grupos não

estavam totalmente integrados à comunidade nacional. Isso, a partir de que:

As medidas efetivadas entre 1937 e 1945 vinham sendo preconizadas desde o século XIX, mas só um Estado autoritário poderia criar uma legislação impositiva da assimilação e do caldeamento e propor, por decreto, estudos científicos que dessem diretrizes eugênicas (raciais), sociais e culturais para erradicar as diferenças étnicas que faziam dos imigrantes cidadãos incompatíveis com a nação (SEYFERTH, 1999, p. 225).

Havia, também, outras preocupações do governo Vargas em querer expandir

a “fronteira” no sentido oeste, pela possibilidade de ordem geopolítica, isto é, a

mudança da capital do país era tema presente desde o período imperial, bem como

a nacionalização dos limites fronteiriços.

Nesse contexto político, em 1937, Getúlio Vargas anunciava o seu programa

de colonização, denominado Marcha para Oeste e convocava os brasileiros a

fazerem parte dessa saga de conquistar o oeste em busca de oportunidades e a de

descobrir um novo Brasil que, “outrora desbravado pelos bandeirantes, encontrava-

se esquecido” (TRUBILIANO; MARTINS JUNIOR, 2008, p. 02).

As dificuldades de ligação e as questões fronteiriças a oeste, principalmente,

Mato Grosso preocupavam o governo central, estabelecido no Rio de Janeiro até a

década de 1960. Sabe-se que uma das principais vias de acesso à capital federal,

até o início do século XX, era por meio da navegação pelo Rio Paraguai. Acesso que

facilitava a entrada de empresas e vários grupos de imigrantes estrangeiros na

região, principalmente, nas cidades de Ponta Porã, Corumbá e Cuiabá, tornando a

fronteira vulnerável.

O governo Vargas, preocupado com a proteção da fronteira, incentivou a

migração para essa região e a nacionalização da comunicação. Em 1943, criou-se a

Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), no também recém-criado Território

Federal de Ponta Porã3. (QUEIROZ, 2006).

3 O Território Federal de Ponta Porã foi um território federal brasileiro criado em 13 de

setembro de 1943, conforme o Decreto-Lei n.° 5 812, do governo de Getúlio Vargas. Após a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o governo decide desmembrar seis territórios estratégicos de fronteira do país para administrá-los diretamente: Amapá, Rio Branco, Guaporé, Ponta Porã, Iguaçu e o arquipélago de Fernando de Noronha. O Decreto-Lei n.° 5 812, que criou o Território Federal de Ponta Porã, estabeleceu que o mesmo fosse formado pelos municípios de Ponta Porã (onde foi instalada a capital) e mais seis outros: Porto Murtinho, Bela Vista, Dourados, Miranda, Nioaque e Maracaju. A capital foi transferida para Maracaju em 31 de maio de 1944 (Decreto-Lei n.° 6 550), voltando a Ponta Porã em virtude de Decreto de 17 de

Page 29: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

28

Nesse aspecto, o Sul de Mato Grosso (SMT) trazia, ainda, algumas

preocupações ao Governo Federal: ser uma região de fronteira com baixa densidade

demográfica e por possuir empreendimentos que ligava ao mercado platino. Além do

mais, a Companhia Mate Laranjeira, que contava com a forte presença de

trabalhadores paraguaios nos ervais, facilitava a disseminação do idioma guarani na

região. A partir do final da década de 1930, o Governo Federal passa a dificultar as

concessões para a Companhia Mate Laranjeira, a fim de “nacionalizar a fronteira”. E,

dessa maneira, para que a nacionalização acontecesse, o governo injetou grandes

quantidades de investimentos nessa área e, consequentemente, apresentou um

rápido crescimento demográfico e desenvolvimento, algo tipicamente presente nas

“frentes pioneiras” (QUEIROZ, 2006), incorporando e revigorando a região à

economia de mercado.

A política varguista buscou a integração regional do Brasil e, nesse sentido, a

política de colonização [...] “passou a ser tratada como uma questão que diz respeito

ao desenvolvimento nacional como todo e a ter como linha mestra a expansão das

relações capitalistas mediadas pela ação do Estado” (SOUZA, 2001, p. 47).

Pós-década de 1930, a industrialização brasileira ganha mais atenção do

governo, havendo alterações econômicas na produção de bens de consumo e,

também, na de setores básicos (PONCIANO, 2001). E juntamente com essa

proposta de modernização, vinham os projetos de colonização de regiões como

Amazônia, Mato Grosso e Goiás. Nesse sentido, a “Marcha para Oeste” era a

bandeira do governo para integrar as referidas regiões aos centros econômicos mais

avançados do país. Com isso provoca, nessas regiões, mudanças nas relações de

produção.

O projeto de modernização do Brasil, pós-década de 1930, é encampado pelo

governo por meio de políticas e projetos que buscavam desenvolver o interior do

país, principalmente no aspecto econômico. Tendo em vista uma maior integração

nacional ao explorar os potenciais e recursos que não poderiam ser desperdiçados,

entendidos como fundamentais para a garantia da prosperidade da nação, Vargas

definia da seguinte maneira:

junho de 1946. O território foi extinto em 18 de setembro de 1946 pela Constituição de 1946, e reincorporado ao então Estado de Mato Grosso. Atualmente a área do antigo território de Ponta Porã faz parte do Estado de Mato Grosso do Sul.

Page 30: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

29

O verdadeiro sentido de brasilidade é a marcha para oeste. No século XVIII, de lá jorrou a caudal de ouro que transbordou na Europa e fez da América o continente das cobiças e tentativas aventurosas. E lá teremos de ir buscar: os vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das estradas de terra, o metal com que forjara os instrumentos da nossa defesa e de nosso progresso industrial. (VARGAS, 1938, p. 124 apud GALVÃO, 2011, p. 01).

Preocupação do governo em expandir para oeste, com projetos de

colonização dos “espaços vazios”, estava ligada a expansão das relações

capitalistas de produção, pois a colonização era vista como um acréscimo do

mercado interno para indústria e:

Nessa perspectiva, o governo do Estado Novo procurou mostrar que a efetiva construção do país só se faria por meio da união entre governo e sociedade, do funcionamento perfeito entre o campo político e o econômico, o que facilitaria a implantação da política de colonização estadonovista que visava ao desbravamento de áreas vazias por migrantes, sobretudo por aqueles oriundos de regiões onde a grande concentração de mão-de-obra poderia manifestar tensões sociais e braços desocupados em demasia. (PONCIANO, 2001, p. 98).

Mas como Mato Grosso se situa nesse processo? É a partir de 1930 que

Mato Grosso entra em uma nova fase econômica. Nesse período, a prioridade passa

a ser a pequena propriedade na política de colonização, contrastando com os

latifúndios existentes, principalmente, os que estavam em mãos estrangeiras.

Entendia-se que a pequena propriedade era sinônimo de defesa e segurança

nacional (LENHARO, 1985 apud CASTRO et al., 2002, p. 61).

O território de Mato Grosso teve um dos primeiros momentos de ocupação

para atender esse projeto de colonização em 1943, com a Expedição

Roncador/Xingu. Essa expedição tinha como objetivo chegar a Santarém no Estado

do Pará, projeto este subordinado à Fundação Brasil Central (FBC), criada também

pelo governo federal com o intuito de colonizar a região centro-oeste. Esses dois

organismos criados pelo governo federal tinham algumas atribuições: a Expedição

Roncador/Xingu, a de entrar em contato com os poucos núcleos de populações não

índias que estava no interior do Brasil, denominados na época de “mancha branca”

(VILLAS BÔAS; VILLAS BÔAS, 2012, p. 34) e, também, de estabelecer canais de

comunicação pelo interior do Brasil até a Amazônia, [...] “além de povoar e explorar

as regiões do Brasil central (GALVÃO, 2011). A segunda instituição, a Fundação

Brasil Central, tinha a função de orientar e administrar os trabalhos da expedição,

Page 31: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

30

bem como implantar núcleos populacionais em locais ideais e estratégicos,

marcados pela expedição (VILLAS BÔAS; VILLAS BÔAS, 2012, p. 34). Inicialmente,

no atual município de Nova Xavantina (MT) às margens do Rio das Mortes, estão

instaladas cerca de 200 famílias vindas do Maranhão e Goiás. Porém, essa tentativa

fracassou, pois a região não representava o que chamavam de “espaço vazio”, já

que estava ocupada, além dos índios, por cerca de 30 mil garimpeiros e havia

conflitos com os indígenas, além do mais, o perfil do colono não atendia os objetivos

de colonização, que era produzir com “mentalidade empresarial”. (CASTRO et al.,

2002, p. 62).

Com “fracassos” como em Xavantina, houve uma redefinição da política de

colonização de Mato Grosso, isso ocorreu a partir de 1950 (CASTRO et al., 2002).

Merece destaque, ainda, sobre a Marcha para Oeste, no Estado Novo, em

território mato-grossense, a Colônia Nacional de Dourados (CAND), de 1943, região

sul do Estado, pois essa colônia marcou a expansão da atividade agrícola comercial

e favoreceu os grandes fluxos migratórios para a região.

A criação de Colônias Agrícolas Nacionais como a de Dourados atendia a

proposta do governo em colonizar e industrializar o país, pois esses dois aspectos

eram fundamentais para a modernização do Brasil (LENHARO, 1986, p. 23). O

processo de colonização, principalmente a colonização dirigida à industrialização, é

uma preocupação desde o século XVIII. Conforme já mencionado anteriormente, a

industrialização já é de um período mais recente, início do século XX. A crise do

café, levou Vargas a criar, em 1931, o Departamento Nacional de Povoamento, que

estava subordinado ao Ministério do Trabalho, e, em 1938, foi criada a Divisão de

Terra e Colonização que era ligada ao Ministério da Agricultura, responsável pela

implantação das Colônias Agrícolas Nacionais (CAN), via Decreto-Lei nº 3.059.

Segundo Ponciano (2001), o objetivo da política do Estado Novo por

intermédio do Decreto-Lei nº 3.059 de 1941, além de implantar as Colônias

Agrícolas, era também o de fixar o indivíduo no campo, por meio da pequena

propriedade voltada para a produção agrícola para atender demandas de mercado,

além de produzir para sua autossuficiência. Desse modo, as Colônias Agrícolas

Nacionais eram planejadas para serem potenciais cidades-industriais, em áreas

tidas como “vazias”.

Page 32: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

31

Para a fixação de indivíduos nas Colônias Agrícolas, os cidadãos deveriam

atender a alguns requisitos preestabelecidos, da seguinte maneira:

Somente poderiam receber os lotes de terras os cidadãos brasileiros acima de 18 anos „que não forem proprietários rurais e reconhecidamente pobres‟. Estrangeiros, só os de conhecimentos agrícolas qualificados. Ficava vedada a concessão de lotes a funcionários públicos federais, estaduais e municipais. Os lotes, de 20 a 50 hectares, mais as casas e outras benfeitorias seriam concedidos gratuitamente. Além disso, oferecia-se ao colono: trabalho a salário ou empreitada em obras ou serviços da colônia, pelo menos durante o primeiro ano; assistência médica e farmacêutica e serviços de enfermagem, até a emancipação da colônia; (LENHARO, 1986, p. 52).

A política varguista apoiou-se na ideia de que os brasileiros deveriam ocupar

os “espaços vazios”, para contribuir no processo de ocupação, principalmente, nas

áreas de fronteiras e favorecer para a transformação econômica de áreas atrasadas

economicamente. (LENHARO, 1986).

A política de colonização da Era Vargas foi oficializada em fevereiro de 1941

e a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), fundada em 1943, por meio do

Decreto-Lei nº 5.941. Nesse momento, começam as atividades fundiárias na região,

em terras da União, no Território Federal de Ponta Porã. Entretanto, segundo

registros, somente em 1948 os limites da CAND foram demarcados, pelo então

Presidente Eurico Gaspar Dutra. Considerando os mesmos registros, segundo

Ponciano (2001, p. 99), o governo Vargas não teve grandes sucessos na instalação

de trabalhadores na região Sul de Mato Grosso. A região era “inóspita”, os colonos

enfrentavam problemas como doenças, intempéries climáticas, acessibilidade ruim –

inexistência de rodovia, entre outros fatores que dificultava o trabalho de medição e

demarcação dos lotes pelo Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC).

A Colônia Agrícola Nacional de Dourados, a partir da década de 1950,

recebeu grandes levas de migrantes vindos de várias regiões do Brasil,

principalmente, da região nordeste que vinham em busca de terras férteis no Sul de

Mato Grosso. A CAND abrangia uma área, hoje denominada região da Grande

Dourados, composta pelos municípios de Dourados, Fátima do Sul, Vicentina, Jateí,

Douradina, Glória de Dourados e Deodápolis.

O considerável fluxo migratório para o Sul de Mato Grosso (SMT) alterou o

quadro demográfico, modificou as estruturas produtivas, consolidando a agricultura e

tornando a região mais dinâmica no contexto da economia nacional de mercado.

Page 33: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

32

Também houve mudanças no quadro sociocultural e nas relações entre os sujeitos

históricos, que se tornaram mais complexas (MENEZES, 2011, p. 04), pois

aumentaram os conflitos entre índios e não índios. Sendo que os indígenas não

foram considerados no processo de colonização, assim como os trabalhadores

ervateiros da Companhia Mate Laranjeira, mesmo não estando no seu auge, “[...]

assim, na região do SMT têm-se dois mundos distintos, formando um complexo

universo de vários elementos históricos (trabalhadores ervateiros, índios e novos

migrantes) que conviveram por algum tempo em um mesmo espaço”.

(FERNANDES, 2008 apud MENEZES, 2011, p. 04).

A partir da metade do século XX, o processo de colonização no Estado de

Mato Grosso passa por algumas mudanças, como já mencionado anteriormente,

principalmente, devido à redefinição da política de ocupação e de colonização que

visa a incorporação da fronteira agrícola da região à economia nacional. Durante as

décadas de 1950 e 1960, foram implantadas 29 colônias oficiais, as quais

receberam cerca de 68.920 habitantes. Mas a colonização oficial não foi capaz de

acompanhar o fluxo migratório e, menos ainda, a demanda de terra que era exigida

pela colonização não dirigida (CASTRO et al., 2002).

A década de 1950 foi marcada também pelas irregularidades na política de

vendas de terras, pois segundo o “Diagnóstico geral da situação fundiária do Estado

de Mato Grosso” (1979, p. 49 apud CASTRO et al., 2002, p. 63-64), explica que

A falta de discriminação das terras do Estado, a inexistência de cartas geográficas precisas [...] pelas quais pudesse o estado reconhecer suas terras, a falta de preparo e atualização permanente de plantas cadastrais das terras tituladas e pertencentes a particulares, a fim de controlar as vendas, bem como a falta de idoneidade dos profissionais que procederam às demarcações de áreas sem se afastarem de seus escritórios,

contribuíram para que o Estado expedisse títulos de terras inexistentes.

As irregularidades na política de vendas de terras levaram o governo estadual

a fechar o Departamento de Terras e Colonização (DTC), em 1966. Nesse momento,

o governo federal tomava medidas como abrir a Amazônia e o centro-oeste para os

grandes projetos de colonização e com incentivos subsídios fiscais (CASTRO et al.,

2002). Como se sabe, a partir da década de 1960, a região centro-oeste e Amazônia

passam a ter papéis mais efetivos nos projetos de modernização e industrialização

nacional, conforme discutido no item a seguir.

Page 34: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

33

2.3 COLONIZAÇÃO E MIGRAÇÃO: A NOVA FRONTEIRA AGRÍCOLA PÓS-1964

Busca-se abordar o processo migratório no contexto da Nova Fronteira

Agrícola, a partir do período que se delimita pós-década de 1960, principalmente

com a política dos governos militares que está alicerçada no tripé: Fronteira Política;

Fronteira Demográfica; e Fronteira do Capital (CUSTÓDIO, 2010).

Ainda, segundo Custódio (2010), a fronteira política refere-se ao povoamento

das áreas de abrangências dos limites fronteiriços do Brasil e seus vizinhos,

consideradas fronteiras mortas e, portanto, era preciso conquistar a região

Amazônica como forma de exercer o poder e a soberania brasileira nas faixas de

fronteiras. Quanto à fronteira demográfica refere-se ao processo de povoamento da

região Amazônica com “excedentes populacionais” da região nordeste e centro-sul

do Brasil. Sendo assim, para que esse projeto fosse colocado em prática, era

preciso à construção de algumas vias de acesso e ligação aos locais de

colonização, como as rodovias Belém-Brasília, Cuiabá-Santarém e Transamazônica.

Por último, tem-se a Fronteira do Capital que era transformar a região denominada

de Amazônia Legal como polo de atração a grandes investimentos nacionais e

internacionais, para atender projetos voltados para a agropecuária, mineração e

indústrias.

Essa ideia de abertura da fronteira agrícola pós-1960 está na política que visa

dar continuidade ao projeto modernizador do Brasil, combinando colonização e

industrialização, mas esse projeto ganha força e destaque com os governos militares

pós-1964.

A partir da década de 1960, o Brasil passa por mudanças profundas, não só

políticas, mas também econômicas e sociais, principalmente, diante do processo de

modernização do país.

Esse processo de modernização pós-1964 traz alguns aspectos que são

necessários observar, como a modernização da agricultura. Com a industrialização

tornava-se cada vez maior a exigência de transformar a agricultura tradicional em

Page 35: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

34

uma agricultura moderna, adequado diante da expansão industrial e a necessidade

de produção de matéria-prima4.

Segundo Teixeira (2009), o aumento da população urbana foi um dos fatores

que pressionou esse processo de modernização, mas que a modernização só não

era suficiente para suprir as necessidades vigentes de produção de alimentos. A

estrutura fundiária era um fator que não ajudava, pois, quem produzia em larga

escala, estava mais preocupado em atender ao mercado externo e à indústria,

garantido lucros maiores.

Nessa conjuntura, a colonização do centro-oeste e da Amazônia passa a ter

relevância no processo de modernização, sendo o “portão de escape para os

problemas fundiários dos agricultores familiares do sul do Brasil, onde ocorria a

modernização da agricultura”. (CARDOSO; MULLER, 1977 apud BARROZO, 2010,

p. 14).

Segundo Barrozo (2010), o governo oferecia, por meio de propagandas

oficiais, aos agricultores do sul, a possibilidade de adquirir lotes com 100 ou 200

hectares já com toda infraestrutura em núcleos do INCRA e, para os empresários,

oferecia grandes extensões de terras a preços baixos, crédito, juros baixos e

incentivos fiscais, por intermédio da Superintendência da Amazônia (SUDAM),

Banco da Amazônia (BASA) e Banco do Brasil.

Os projetos de colonização e desenvolvimento na região eram geridos e

subsidiados, em grande parte, pela Superintendência da Amazônia (SUDAM), que

“transformou a Amazônia em um expressivo cenário de investimentos de recursos

públicos e privados. Os projetos privados viabilizavam-se por meio de mecanismos

de renúncia tributária e concessão de empréstimos subsidiados” (CUSTÓDIO, 2010,

p. 107).

No contexto da política expansionista, da segunda metade do século XX, o

Estado de Mato Grosso integra a lógica da valorização política da Amazônia que,

segundo Rocha (2006), tinha respaldo na doutrina de segurança, integração e

desenvolvimento dos governos militares, sintetizada no slogan “integrar para não

entregar”.

4 Uma questão que cabe ressaltar é a pressão que a indústria de equipamentos e insumos agrícolas

fizeram para que se modernizasse o setor, sob a alegação que o atraso no setor agrícola seria um empecilho para o desenvolvimento econômico. Segundo Teixeira (2009), [...] “o argumento central para essa questão era que a exportação não aumentava satisfatoriamente, a agricultura não produzia alimentos e matérias-primas suficientes à demanda urbana – industrial”.

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35

A colonização de Mato Grosso, a partir da década de 1950, é marcada pela

presença de colonizadoras privadas, que vão configurar o controle do espaço rural

mato-grossense (TANNURE, 2003, p. 63 apud ROCHA, 2006; CASTRO et al., 2002,

p. 63), provocando algumas mudanças na forma e meios de utilização da terra. A

primeira mudança está relacionada a três fatores: 1) o perfil fundiário do Estado

assentado numa base latifundiária; 2) a escolha da cultura para essas áreas

preferencialmente a soja; e 3) o tipo de colono ideal para as novas áreas,

preferência pelo sulista.

Outra mudança é quanto à criação de mecanismos legais, como o Estatuto da

Terra, que regulamenta a ocupação do espaço rural e, como desdobramento, a

seleção daqueles produtores que teriam acessibilidade ao crédito por meio do

cooperativismo. O governo federal, segundo Rocha (2006), priorizou medidas que

visavam à interferência na agricultura. Isso por acreditar que as transformações no

campo poderiam levar ao desenvolvimento econômico e, com esse objetivo, o

Estatuto da Terra, promulgado em 30 de novembro de 1964, buscava controlar os

conflitos agrários. No fim da década de 1960, cita-se que:

[...] a ação do estado oscilou entre uma política de reforma agrária e de colonização, a partir dos anos de 1970 a última prevaleceu sobre a primeira e nesta direção, a parceria entre órgão público (via governo federal e estadual) e iniciativa privada (via colonizadoras) consolidou no começo dos anos 1970 um sistema de colonização que serviu aos objetivos do regime militar (ROCHA, 2006, p. 22).

Nesse contexto, o Estado de Mato Grosso dispunha de terras equivalentes às

áreas do Estado de São Paulo ou Paraná, situadas em áreas de transição entre a

região Amazônica e o Cerrado. Sendo assim, essa região no norte do Estado

passou a ser o escopo de colonização do Estado Brasileiro. Segundo Barrozo

(2010), Mato Grosso, pós-década de 1960, serviu como “portão de escape” para

solucionar problemas fundiários e, a partir da colonização dirigida, principalmente,

com a iniciativa privada, o Estado criou condições para a expansão e acumulação na

fronteira5, apoiando principalmente, os projetos de colonização privada.

5 A fronteira no Brasil, segundo Martins (2009), é caracterizada pela situação de conflito social. “A

fronteira é essencialmente o lugar da alteridade”. O conflito faz com que a fronteira seja a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro. O desencontro na fronteira é o desencontro de temporalidades históricas.

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36

Nessa perspectiva, vai se pautar o projeto colonizador de Mato Grosso, pós-

1960. Inicialmente, a responsabilidade pelos projetos de colonização era do

Departamento de Terras e Colonização (DTC) e, posteriormente, após a década de

1970, era do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). E,

assim, como era previsto pelo próprio Estatuto da Terra de 1960, a partir da década

de 1970, o INCRA disponibilizou áreas para a colonização privada na Amazônia, por

meio das cooperativas e empresas colonizadoras.

Ainda na década de 1970, o governo do General Médici criou o Programa de

Integração Nacional (PIN) e, a partir desse programa, iniciou-se a construção das

principais rodovias, que facilitaria o processo de colonização, como as Rodovias

Cuiabá Santarém e Transamazônica. Foi delimitada uma faixa de 10 km,

inicialmente e, em seguida, passou-se para 100 km de cada lado das rodovias,

visando o processo de colonização e reforma agrária. Sabe-se, pois, que a intenção

do governo era promover o assentamento de 100 mil famílias próximo a essas

rodovias no período de 10 anos (CASTRO, 2002, p. 66; SCHAEFER, 1985 apud

ROCHA, 2006, p. 23).

Inicialmente, a ocupação das margens das rodovias era coordenada pelo

INCRA e este órgão resistia à colonização espontânea, estimulando sempre a

colonização dirigida e estatal. A partir de 1974, a preferência do governo passou a

ser pela colonização privada, entendendo-a como possibilidade para um melhor

aproveitamento econômico da terra, elevando a produção agrícola nacional que

também atendia aos interesses do capital privado (IANNI, 1979 apud ROCHA,

2006).

Os projetos de colonização buscavam por fim questão da baixa densidade

populacional ao norte de Mato Grosso. Algo que chamava bastante atenção pode

ser observado no mapa a seguir (figura 1). Apesar de até fim da década de 1970, o

Estado6 não ter essa configuração territorial apresentada no referido mapa, é uma

boa ilustração do processo de ocupação, tanto demográfica quanto do capital em

Mato Grosso, que busca mostrar a real dimensão da ocupação no norte do Estado.

Na época, existiam somente os municípios de Aripuanã, Diamantino, Chapada dos

Guimarães e Barra do Garças. Esses municípios eram de grandes extensões de

6 As Unidades Federativas de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, era uma única unidade até 1977,

com a Lei Complementar nº 71 de outubro de 1977, o Presidente da República, Ernesto Geisel, criou o Estado de Mato Grosso do Sul, mas a instalação se deu no dia 1º de janeiro de 1979.

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terras povoadas por povos indígenas, populações extrativistas, agricultores

tradicionais e pequenos fazendeiros, até meados da década de 1960 (BARROZO,

2010, p. 15).

Os mapas constantes da Figura 01, a seguir, podem demonstrar com clareza

a criação de municípios, tanto no leste quanto no norte de Mato Grosso, como já

mencionado anteriormente. O norte foi povoado nas proximidades da BR-163 –

Cuiabá-Santarém, essa via de acesso, além de ser o principal corredor de entrada

de migrantes no Estado, foi também o de entrada do capital, pois vários empresários

se instalaram nessa região, por meio dos projetos de colonização. Enquanto na

região leste, denominado também de Vale do Araguaia, já contatada no período da

Marcha para Oeste, não houve grandes progressos de colonização. Somente na

década de 1970, a partir da entrada de colonos, vindos de outras regiões do Brasil e

a instalação dos mesmos às margens do que se tornaria a BR-158, foi que a região

passou a ser ocupada efetivamente por não índios, principalmente, nos [...] “núcleos

de colonização de Canarana, Água Boa, Querência, onde foram assentados

agricultores minifundiários do Rio Grande do Sul” (SCHWANTES, 1989 apud

BARROZO, 2010, p. 16-17).

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38

FIGURA 1 - Mapa ilustrativo da ocupação do atual Estado de Mato Grosso. FONTE: Barrozo (2005).

O processo de expansão da Nova Fronteira Agrícola que se dá a partir da

década de 1960 com os governos militares, como já mencionado, grandes avanços

ocorreram no início da década de 1970, pois o governo de Emílio Garrastazu Médici

implantou o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que tinha como meta fazer

grandes investimentos para o desenvolvimento do país. E, nesse sentido, pretendia

“criar e assegurar condições para um crescimento econômico acelerado. Consolidar

o sistema capitalista no país; aprofundar a integração da economia brasileira no

sistema capitalista internacional; transformar o Brasil em potência mundial”

(WEINGARTNER, 2005, p. 35), e nesse “pacote” foi incluído o incentivo de migração

para as regiões da Amazônia meridional e, também, para outras localidades, mesmo

que não tivessem projetos oficiais de colonização, mas que acabou sendo

subsidiado indiretamente pelo governo federal.

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Dentro da lógica do PND, o governo lançou, em 1972, o Programa de

Desenvolvimento do Centro-Oeste (PRODOESTE), que tinha como principal objetivo

o término e pavimentação da rodovia BR-163, trecho que liga Campo Grande a

Cuiabá. Essa obra possibilitaria o escoamento da produção do norte de Mato Grosso

com destinos aos portos do sudeste e sul, Santos e Paranaguá, respectivamente.

Nesse mesmo contexto, houve também o lançamento de outros programas, como o

Programa de Desenvolvimento da Região da Grande Dourados (PRODEGRAN), o

Programa de Desenvolvimento do Pantanal (PRODEPAN), o Programa de

Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO) e o Programa de Cooperação

Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER). Portanto, o

Estado de Mato Grosso e toda a região centro-oeste, possuía programas que

buscavam atender a todas as suas diversas microrregiões.

Com todos esses programas instituídos pelo governo federal, a fim de

promover o desenvolvimento e a integração do Brasil, houve a possibilidade dos

movimentos migratórios e do processo de constituição de novas identidades.

Os movimentos migratórios ocasionados pela abertura da Fronteira Agrícola

pós-1960, vão promover mudanças profundas, não só no norte de Mato Grosso,

como o surgimento de novos municípios, conforme fora apresentado anteriormente.

Mudanças percebidas, também, no Sul de Mato Grosso, apesar de não ser o grande

foco do processo de expansão, fazia parte de Mato Grosso, e a referida região

passou por alterações econômicas, socioculturais e ambientais e será, a partir disso,

que se direcionará o foco da pesquisa.

O Sul de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul, foi cenário de muitas

mudanças ocorridas no centro-oeste, pois até o início da década de 1970, a principal

atividade econômica do Sul de Mato Grosso era a pecuária extensiva, sendo 75% do

seu território ocupados por pastagens naturais ou plantados, todavia no final da

década de 1970 e início de 1980, esse percentual foi reduzido com o aumento das

lavouras, principalmente a de soja (TEIXEIRA, 2009).

A partir da década de 1980, a produção de soja ganhou destaque em Mato

Grosso do Sul, pois houve grandes investimentos na mecanização intensiva do

cultivo e na exploração de extensas áreas, pois nesse período aumentaram também

as pesquisas, principalmente, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(EMBRAPA), que visava melhorar a qualidade e produtividade, e segundo Teixeira

Page 41: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

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(2009), esse crescimento da soja deve-se, também, as isenções fiscais que atraíram

indústrias de beneficiamento.

Com todos esses incentivos governamentais para a ocupação econômica do

centro-oeste, também se intensificou o movimento migratório motivado, em parte,

pela propaganda. O governo pós-década de 1960 fazia “propaganda enganosa”7, de

que os camponeses vindos do sul poderiam adquirir lotes com 100 ou 200 hectares,

com infraestrutura, estrada, entre outras coisas, divulgando assim, sem risco de

contestação ou crítica, nem pela imprensa, além de órgãos públicos federais na

região sob o comando de militares de confiança. (BARROZO, 2010, p. 18-19).

Segundo Weingartner (2005), seduzidos por essas propagandas, muitos brasileiros

saíram de suas regiões rumo a esse eldorado, acreditando que a prosperidade

econômica estava próxima e, imbuídos do espírito de que o Estado os encorajava,

grupos migratórios acreditavam na potencialidade de desbravar essas novas áreas,

antes ocupadas por indígenas e agricultores tradicionais, pois era um ato de

brasilidade, e estavam a construir um Brasil melhor e, com essa perspectiva, é que

muitos migrantes vieram explorar o centro-oeste.

Vale ressaltar que em meio ao processo de expansão da Nova Fronteira

Agrícola pós-1960, o Sul de Mato Grosso foi também palco de colonização e

migração, com essa intenção:

[...] é possível citar empresas colonizadoras, como a Companhia Viação São Paulo - Mato Grosso, que atuou em Bataiporã, Anaurilândia e Bataguassu; a Companhia Moura Andrade, que loteou áreas nas altas bacias dos rios Samambaia, São Bento e Inhanduí-Guaçu e a Sociedade de Melhoramento e Colonização (SOMECO), que atuou em Ivinhema e Glória de Dourados, para destacar as mais expressivas (ABREU, 2001, p. 60).

No contexto das políticas desenvolvimentistas do Brasil da segunda metade

do século XX, o programa que mais atingiu o SMT, o atual Mato Grosso do Sul, foi o

PRODOESTE, pois o programa envolvia o SMT, Goiás e o Distrito Federal num

projeto de interligação rodoviária, além de erguer uma rede de silos, armazéns e

usinas de beneficiamento e frigoríficos, e obras de saneamento e recuperação de

terras (ABREU, 2001, p. 66).

7 O termo “propaganda enganosa” é usado para explicar as ações do governo em atrair migrantes

para essas regiões, pois era oferecida uma série de benefícios e estrutura para assentá-los, mas ao chegar às áreas destinadas à colonização, não era encontrado aquilo que foi propagado nas regiões sul e sudeste do país.

Page 42: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

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Foi por meio do PRODOESTE, no início da década de 1970, que o Estado de

Mato Grosso passou a ligar-se por pavimentação asfáltica, ao Estado de São Paulo,

interligando Campo Grande a malha rodoviária do Oeste Paulista, nos limites dos

municípios de Presidente Epitácio (SP) e Bataguassu (MS), também foi por meio

desse programa que Cuiabá passou a ter ligação por vias pavimentadas a todas as

capitais brasileiras. Como se pode afirmar que:

As vias de comunicação, sobretudo as rodovias, traçaram uma nova participação do Oeste brasileiro no cenário econômico nacional. Os núcleos urbanos expandiram-se em função das suas ligações com São Paulo embora permanecessem sem conexão interna na própria região. Nesse sentido, é possível destacar no início dos anos de 1970, quando Campo Grande e Cuiabá, no espaço mato-grossense, como centros coletores e distribuidores dos produtos que demandavam aos mercados paulistas, principalmente (ABREU, 2001, p. 69).

No atual Mato Grosso do Sul, as mudanças espaciais vieram acompanhadas

das mudanças nas matrizes econômicas, conforme mencionado anteriormente,

segundo Abreu (2001). A pecuária não era mais a principal atividade econômica, já

que passava a concorrer com a introdução da policultura, por meio da produção de

feijão, amendoim e milho, nas áreas de mata; e de soja, milho e arroz, em áreas de

campos e cerrados. Mesmo a criação de gado de forma extensiva passava por

melhoramento genético e estudos de pastagens para um melhor aproveitamento.

Segundo Abreu (2001), a ocupação do centro-oeste foi parte de uma política

de racionalização da economia como forma de atender as demandas capitalistas, na

perspectiva da acumulação e valorização do capital em nível interno e externo. E,

para tanto, era necessário estabelecer algumas prioridades, como a integração da

região ao restante do país, as migrações internas e a criação dos corredores de

exportação.

Com os avanços da fronteira agrícola, as características demográficas do

centro-oeste foram se transformando ao longo desse período, pois 20% do total de

migrantes do país se dirigiam para o centro-oeste (IBGE, 1970), pois a migração era

induzida, sobretudo para o Estado de Mato Grosso, onde tinha o INCRA como

grande articulador dos assentamentos dessas famílias às margens das rodovias.

Segundo Abreu (2001), o principal grupo de migrantes que vinha era de sulistas,

nesse caso, se inclui os gaúchos (sul-rio-grandenses).

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Dentre esses grupos de migrantes, estão os gaúchos, mesmo não sendo

maioria numérica, mas o seu estereótipo sobrepôs aos demais migrantes sulistas.

Há um entendimento generalista em Mato Grosso, que paranaense e catarinense

são denominados de “gaúchos”. Uma possibilidade interpretativa para esse

entendimento se dá pelo fato de que a população do oeste de Santa Catarina e

sudoeste do Paraná descendem, em sua maioria, de sul-rio-grandenses e por eles

terem afinidade com os elementos culturais gaúchos. Segundo Carvalho (2012), isso

não é o suficiente e “não explica por que tal população minoritária passou a

identificar uma população bem maior, originaria de outros Estados”.

As migrações para Mato Grosso, nas décadas de 1970 e 1980, tiveram maior

crescimento, apesar de ter crescido na década de 1990 acima da média nacional,

porém, com um ritmo menos acelerado. Segundo dados do IBGE de 1970, a

população de Mato Grosso era de 612.887 habitantes e, na década de 1980, chegou

a 1.138.691 habitantes, tendo um crescimento em 525.804 habitantes. Embora se

leve em conta, neste caso, o crescimento vegetativo, grande parte dessa população

era oriunda de outras regiões do Brasil, que vieram por meio dos incentivos da

política de migração, fomentados pelo governo.

Esse processo de colonização está arraigado na ideia de dominação, não só

da natureza, mas também, do próprio ser humano em um projeto civilizador, e na

lógica de trazer a civilidade a esse novo espaço econômico. Segundo Rocha (2006),

o principal grupo de migrantes privilegiados são os colonos do sul, devido a sua

experiência no processo de colonização no sul do Brasil e, também, a sua bagagem

cultural, principalmente, ligada ao trabalho e a sua capacidade em transformar as

suas atividades realmente lucrativas. A partir da lógica da reprodução social de

grupos de migrantes gaúchos em outros locais, bem como em Coxim, pretende-se

buscar o escopo, para compreender o processo de construção da identidade gaúcha

do migrante, que adote tal identidade, dado as relações de poder estabelecidas, a

partir do processo de migração.

Isso posto, faz-se necessário descrever algumas características sócio-

históricas do espaço específico da pesquisa, o município de Coxim-MS. Pois inserir

a migração do final do século XX em Coxim, no projeto de modernização e de

colonização, que é um contexto fundamental para entender a reelaboração da

identidade gaúcha.

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43

2.4 COXIM E AS MIGRAÇÕES

As pessoas que visitam e observam a cidade de Coxim, logo percebem que

um de seus traços característicos é a multiplicidade cultural. Tal diversidade é fruto,

principalmente, da migração interna nacional. Por isso, a importância de traçar de

forma restrita a migração para Coxim, para entender o processo de "desconstrução

e construção" da identidade dos migrantes na sociedade local, em especial a

migração gaúcha.

2.4.1 Formação de Coxim

A cidade de Coxim é uma cidade advinda da corrida do ouro para as minas de

Cuiabá, pois a cidade estava na rota das monções paulistas que saíam de

Araritaguaba, atualmente Porto Feliz (SP) para a Vila Real de Bom Jesus de Cuiabá.

Coxim é uma das cidades mais antigas de Mato Grosso do Sul, a mais antiga

da região norte do Estado, porém, não se sabe com exatidão a data que se deu o

início do povoamento de origem europeia na localidade, onde hoje está a cidade de

Coxim. Dados levantados, principalmente por memorialistas, dão conta de que não

há uma data precisa de quando monções iniciaram a passagem pelo rio Taquari, na

confluência do rio Coxim, onde hoje é a sede do município. Segundo Guimarães

(1998, p. 15), a data provável do povoamento foi a partir do ano de 1725, época dos

ataques dos índios Paiaguás aos faiscadores do ouro. Estes últimos navegavam

para as minas de Cuiabá descendo o rio Taquari.

Pode-se observar, no mapa (Figura 2) a seguir, onde está localizado o

município de Coxim na rota das monções paulistas (FERREIRA NETO, 2004).

Segundo Guimarães (1998), Coxim foi um entreposto importante das monções, pois

nessa localidade encerravam os perigos que os rios apresentavam aos monçoeiros

com suas cachoeiras, corredeiras, pedras e saltos.

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44

O local onde hoje está Coxim foi ponto de convergência de monçoeiros que

iam para Cuiabá, ou para os que vinham pelo rio Taquari e, também, daqueles que

utilizavam o caminho por terra.

Figura 2 - Rota das Monções de Porto Feliz (SP) - Coxim (MS) - Cuiabá (MT) Fonte: FERREIRA NETO (2004, p. 84).

O primeiro núcleo urbano que deu origem a cidade de Coxim nasceu às

margens do rio Taquari, a duas léguas abaixo da foz do rio Coxim, com um

conglomerado de casas cobertas de palhas que era denominado de Belliago, em

1727. No período da corrida do ouro em Cuiabá, o Arraial do Belliago se tornou

importante ponto de parada para os viajantes, pois era um local em que se

protegiam dos índios cavaleiros (Guaicurus) e dos índios canoeiros (Paiaguás).

Segundo Ferreira Neto (2004), os espanhóis trouxeram para a planície

pantaneira o cavalo e, a partir disso, os índios Guaicurus passaram a aprisionar e

domesticar cavalos, colocando-os a seu serviço e, também, como instrumento de

guerra. Já os Paiaguás eram senhores das águas do rio Paraguai e passaram a

atacar as monções, provocando perdas do ouro que era para ser levado para a

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45

Coroa Portuguesa. E quem estimulava esse tipo de saque eram os espanhóis, que

depois compravam o ouro dos índios canoeiros.

Os conflitos ligados à população nativa indígena foram fundamentais para a

formação de Coxim. “Em 1758, Belliago foi atacado e incendiado pelos guaicurus,

sendo grande parte dos seus habitantes mortos, além de terem seus ranchos

incendiados. O Sertanista Domingos Gomes Belliago foi uma dessas vítimas”.

(FERREIRA NETO, 2004, p. 99).

A partir de 1850, a região do atual município de Coxim entra em uma nova

fase, a da criação, às margens direita do rio Piquiri, de um destacamento militar que

tinha como “objetivo de tentar consolidar uma base de colonização na região”

(FERREIRA NETO, 2004, p. 101), mas esse núcleo de povoamento não deu certo,

devido à insalubridade do local, pois foram registrados vários casos de malária e

beribéri. Isso levou a fundação de um novo núcleo de povoamento, agora à margem

direita do Rio Taquari, datado em 1862, com a denominação de “Núcleo Colonial do

Taquari, transformado em freguesia, com o nome de São José de Herculânea – hoje

cidade de Coxim”. (GUIMARÃES, 1998, p. 23).

2.4.2 Consolidação do povoamento de Coxim e as elites locais

Coxim foi ponto de apoio à “rota boiadeira”, pois o gado criado no pantanal

era levado para comercialização em Uberaba, Minas Gerais. Isso fez com que

alguns migrantes viessem se estabelecer na região, principalmente, mineiros e

goianos, vindos do Sertão dos Garcias, fixando-se na região nordeste do Estado de

Mato Grosso do Sul.

No início do século XX, Coxim contava com muitos migrantes devido as

fazendas de gado na região e o garimpo no rio Jauru, principalmente, pessoas de

origem nordestina. Nesse período, foi instalada em Coxim, uma empresa de

mineração por nome Coxim Gold Dredging Co., mas mesmo com grandes

investimentos não obteve sucesso (GUIMARÃES, 1998, p. 29). Nesse período, a

economia da região estava baseada na criação de gado e na exploração do látex da

mangabeira e o comércio era totalmente dependente de Corumbá.

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46

Segundo obras memorialistas, o final do século XIX e início do XX foram

marcados pela formação dos “clãs” na elite coxinense. Especificamente eram três

clãs, que estão representados pelos senhores Antônio Luiz da Silva Albuquerque,

conhecido também por Totó Albuquerque, Pedro Mendes Fontoura, apelidado de

Pedro Peró e por Pedro Severo dos Santos.

Totó de Albuquerque nasceu em Cuiabá, em 1838, era de família influente e

foi Tenente da Guarda Nacional, por influência do tio se tornou comerciante e sócio

de Manoel Cavassa, comerciante importante de Corumbá que havia sido preso

pelas forças paraguaias. Em pouco tempo, Totó desmembrou a sociedade

comercial, comprou a parte do seu sócio, tornando-se um dos maiores comerciantes

de Corumbá e o mais importante de Coxim.

[...] usando a influência dos Albuquerque de Cuiabá [...] tornou-se poderoso na região, ostentando uma posição financeira de destaque e exercendo várias outras funções como: prefeito, juiz de paz, vereador, e delegado, além de comerciante e pecuarista. (FERREIRA NETO, 2004, p. 128).

Totó de Albuquerque faleceu em Coxim em 1901, com 63 anos, e não deixou

herdeiros diretos, pois não teve filhos. Seus herdeiros foram os irmãos e a sua

esposa Anna Damásia. Registrou alguns sobrinhos, filhos de sua irmã Amélia, com o

nome de Albuquerque, para dar continuidade ao tronco da família Albuquerque.

O segundo clã foi formado por Pedro Mendes Fontoura, o Pedro Peró, filho de

José Pantaleão Fontoura que nasceu no Rio Grande Sul, e que participou da

Revolução Farroupilha. Com a rendição dos revolucionários, Fontoura partiu para a

região do Triângulo Mineiro, mais especificamente Uberabinha, atual Uberlândia.

Passou na região de Coxim, com o seu primo João Lopes Fontoura e observaram

que havia pastagens abundantes na região.

Segundo Ferreira Neto (2004), os primos Fontoura trabalharam muito no

triângulo mineiro para comprar suas terras na região de Coxim, mas quando

efetivaram a compra das propriedades, José Pantaleão veio a falecer, deixando três

filhos, fruto do seu casamento com Eugênia Cândida Mendes. Seus filhos foram

Pedro Mendes Fontoura, o Pedro Peró, Emília Mendes Fontoura e Francisca

Mendes Fontoura. Pedro Peró foi o destaque da família, casando-se duas vezes,

mas tendo ficado viúvo da primeira esposa e com a segunda teve doze filhos.

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Pedro Peró foi vice-Intendente no triênio 1915 a 1918, juntamente com

membros da família Albuquerque. Peró, com sua mãe, eram os donos da balsa que

fazia a travessia do rio Taquari, foi um exímio negociante de gado, que lhe rendeu

grande parte do patrimônio deixado para os seus herdeiros.

Pedro Severo dos Santos foi responsável pela formação do terceiro clã, era

natural do Maranhão, chegou às minas de Cuiabá por volta de 1895 e encontrou

Rondon que estava na empreitada de instalar a linha de telégrafo. Pedro integrou-se

ao grupo de Rondon inicialmente como barbeiro, em seguida, passou para

fornecedor de postes para a linha. E, segundo Ferreira Neto (2004), chegou a Coxim

em 1902 junto com o telégrafo. Deixou a comitiva e, com o dinheiro da venda de

postes, montou um comércio, evitou confrontar com os comerciantes já

estabelecidos, implantando um sistema diferente de atendimento, o atendimento

noturno. Em pouco tempo Pedro Severo adquiriu várias propriedades rurais dos

Albuquerque.

É importante mencionar essas três famílias, pois deram origem a outras

famílias tradicionais em Coxim, como os Ferreira, os Rocha, os Santana, os Garcia,

os Lopes Fontoura, os Mourão, os Bandeira e os Spengler. As famílias Albuquerque,

Fontoura e Severo, de certa forma, representam a “gênese” da formação da elite

tradicional de Coxim, pois constituíram e constituem uma rede muito grande na

região, mas aos poucos essas famílias foram perdendo espaço, representação do

exercício de poder, com a chegada de outros migrantes, principalmente de sulistas,

esses, de certa forma, mudaram as características econômicas e políticas na região.

2.4.3 Coxim no século XX: do fim da navegação à nova fronteira agrícola

O município de Coxim está localizado na região norte de Mato Grosso do Sul,

a 250 km da capital, Campo Grande, conforme pode ser conferido no mapa e

imagem a seguir (Figuras 3 e 4). Com extensão territorial de 6.409,232 km² às

margens da rodovia BR-163, trecho que liga Campo Grande a Cuiabá, a sua

população é de 32.159 habitantes (IBGE, 2010). Coxim tem como limites os

municípios de Corumbá, Sonora, Pedro Gomes, Alcinópolis, Camapuã, São Gabriel

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do Oeste e Rio Verde de Mato Grosso. O município de Coxim apresenta solos

variados, está em dois biomas, cerrado e pantanal – sendo a região do pantanal

com solos heteromórficos diversos e na região de cerrado apresenta solos litólicos e

luvissolos de baixa fertilidade natural e em outras regiões apresenta a

predominância de podzólicos e latossolos.

Coxim é o maior município da região norte do Estado de Mato Grosso do Sul,

já foi conhecido nacionalmente como a capital do peixe, devido seus rios piscosos.

O município tem o 17º maior Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, estimado em R$

400 milhões (IBGE, 2008), e possui um dos maiores rebanhos bovinos de Mato

Grosso do Sul. Quanto à área dedicada à agricultura, parte é destinada à agricultura

familiar, e outra, a maior parte do seu território, é ocupada por grandes

propriedades.

Figura 3 - Mapa do Mato Grosso do Sul - Coxim em destaque. Fonte: IBGE (2008)

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Figura 4 - Imagem aérea da cidade de Coxim as margens do rio Taquari. Fonte: Prefeitura Municipal de Coxim (2012).

Historicamente, Coxim sempre foi ponto de passagem, tanto de mercadorias

quanto de pessoas migrando. Os “tempos áureos” economicamente foram com a

navegação fluvial na rota Corumbá-Coxim. No período da navegação, que se

localiza até as duas primeiras décadas do século XX, a região recebeu muitos

migrantes. E, no contexto da época, era um centro comercial de certa importância,

devido principalmente pela sua ligação com Corumbá, um grande polo comercial

também pela ligação com o Estado de Goiás, por meio dos carros de bois que

vinham buscar sal e outras mercadorias, vindas via Corumbá. Segundo Spengler

(1998), a década de 1940 não foi nada boa para Coxim, devido a acontecimentos

nacionais e internacionais, a região acabou passando por períodos críticos de

estagnação econômica e de comunicação com cidades como Cuiabá e Campo

Grande, pois nesse período a navegação estava quase extinta.

Porém, o “ressurgimento” de Coxim aconteceu na década de 1950, período

em que seus administradores, juntamente com algumas políticas federais,

Page 51: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

50

principalmente ligadas ao Ministério da Agricultura (SILVEIRA, 1995), buscavam

transformar o município em uma região produtora no setor agrícola, incentivando a

pequena propriedade. Nesse período, inicia-se o boom da migração para Coxim,

que tem o seu auge nas décadas de 1970 e 1980, conforme a Tabela 1 a seguir,

pois muitos vieram para a Colônia Taquari, a primeira colônia agrícola na região, em

que os migrantes eram [...] “representados pela quase totalidade de nordestinos,

notadamente pernambucanos”. (SPENGLER, 1998, p. 64).

Tabela 1- Evolução populacional de Coxim entre os anos 1950 a 2010

Ano População

1950 8.613

1960 12.537

1970 18.537

1980 27.627

1991 33.431

1996 32.6398

2000 30.866

2010 32.159 Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000, 2010 e Contagem da População de 1996.

O sucesso da Colônia Taquari colocou Coxim novamente na rota produtiva do

Estado e a cidade sofreu várias transformações importantes, pois o comércio antigo

revigorava e outros surgiam, fazendo circular muito dinheiro na cidade e

aumentando o poder aquisitivo da população. Isso fez com que fossem implantadas

algumas agências bancárias, entre elas a do Banco do Brasil, principal responsável

pelos financiamentos agrícolas de pequenos a grandes produtores.

O Banco do Brasil foi o órgão do Estado responsável por financiar a

agricultura na região e no ritmo do desenvolvimento da agricultura, principalmente,

com o novo modelo econômico e pela forma de aproveitamento dos campos e

cerrados, por intermédio da mecanização. Coxim vai passar, mais uma vez, por

transformações profundas. As transformações ocorreram em todos os setores:

8 O município de Coxim, por ser o mais antigo município da região norte de Mato Grosso do Sul (O

distrito foi criado em 6 de novembro de 1872 pela Lei n.° 1 e o Município, em 11 de abril de 1898, pela Resolução n.° 202), sofreu ao longo da história vários desmembramentos formando outros municípios ou parte deles, e isso fez com que houvesse decréscimos da população do município, principalmente na década de 1990, com a criação do município de Alcinópolis. Os municípios que foram desmembrados do município de Coxim foram: Rio Verde de Mato Grosso (1954); Pedro Gomes (1965); Costa Rica (1980); São Gabriel do Oeste (1981); Sonora (1989); Alcinópolis (1993); e Figueirão (2005).

Page 52: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

51

econômico; político; social; e cultural. A partir da década de 1970, o período em que

está o recorte temporal deste estudo, é representado por uma forte corrente

migratória vinda de diversas regiões do país, (SPENGLER, 1998, p. 65). Na referida

década, o município de Coxim teve um expressivo crescimento no seu contingente

populacional, pois saltou de 18.537 para quase 28 mil habitantes.

Na década de 1970, como já foi mencionado, o Brasil estava passando uma

explosão de investimentos e crescimento nessa região, o crescimento econômico

estava vinculado, principalmente, com a expansão da fronteira agrícola em Mato

Grosso. Para melhor visualizar tal fato, nesta época, o Brasil chegou à década de

1980, como o segundo maior exportador de alimentos e o atual Mato Grosso do Sul

também seguiu o mesmo ritmo. A área plantada em 1975 era de apenas 14,5% do

seu território e, na década posterior, mais especificamente em 1985, já era de 62,3%

de áreas plantadas (TEIXEIRA, 2009). Coxim acompanhou essa tendência e

continuou a ampliar a sua área de agricultura.

Esse período foi muito importante para o desenvolvimento econômico do

município de Coxim, pois os investimentos dos governos militares chegavam à

região, como a primeira usina hidrelétrica da região – a “Usina do Salto” – e a

implantação da “usina dieselétrica de Coxim”, subsidiada com recursos da SUDECO.

(FERREIRA NETO, 2004). Essas duas obras foram essenciais para alavancar o

desenvolvimento econômico de Coxim.

Observa-se que Coxim, na década de 1970, passou a ser um ponto de

convergência migratória, pois vieram muitos migrantes. Estes acabaram ficando em

Coxim e desenvolvendo a agricultura em áreas que antes estava ocupada pela

pecuária ou áreas de cerrados livres de atividades econômicas. Isso ocorreu devido

a sua localização geográfica: o município está entre Campo Grande e Cuiabá ou

entre a região centro-sul e a Amazônia Legal. Algumas vezes, os migrantes tinham

outro destino, mas acabaram ficando na região e isso foi detectado nas entrevistas

realizadas com migrantes estabelecidos em Coxim: “a princípio o destino era Rio

Verde de Goiás ou Cristalina, mas chegando a Coxim se encantaram, não sei a

princípio no que, por que no início era bem precário a coisa aqui e ficou por aqui

mesmo” (ANDRADE, 2012). Assim também, outros entrevistados estavam com

destino ao norte de Mato Grosso, região que era o principal foco dos projetos de

colonização.

Page 53: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

52

É importante ressaltar que a razão de muitos migrantes se estabelecerem em

Coxim estava ligada a agricultura, sendo que, nesse período, consolidava-se a

concentração fundiária na região, com incentivos do governo e, também, devido ao

preço da terra. Aliado a exploração da agricultura está a mecanização das lavouras.

A agricultura mecanizada foi iniciada com o plantio de arroz e depois a soja, que se

tornou a principal cultura na região, apesar da pecuária ser significativa, pois Coxim

sempre teve um dos maiores rebanhos bovinos do Estado, com 473.077 cabeças

(IBGE, 2010), já a área do plantio de soja representa uma área pequena, que

corresponde a 10.908 hectares (ressaltando que esses dados são do ano de 2010).

Entre as décadas de 1970 a 2000, o município de Coxim perdeu parte considerável

de seu território, pois houve emancipação de Pedro Gomes, Sonora, Alcinópolis e

Figueirão. A principal área de plantio de soja está localizada atualmente no

município de Sonora, com 57.000 hectares (IBGE, 2010), quase seis vezes mais do

que a área de soja no município de Coxim.

Cabe ressaltar que Mato Grosso do Sul, assim como Mato Grosso, também

recebeu grande número de migrantes de outros Estados, principalmente oriundos de

São Paulo, pois historicamente a região esteve muito ligada aos paulistas, mesmo

antes da divisão do Estado. Pode-se observar a seguir, nas Tabelas 3 e 4, que nas

últimas três décadas do século XX houve um predomínio de paulistas e o grupo de

paranaenses e mato-grossenses foram os que mais cresceram, enquanto a Tabela 2

traz números já consolidados do processo de migração.

Page 54: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

53

Tabela 2 - População residente em Mato Grosso do Sul, por lugar de nascimento, segundo a Unidade da Federação de residência – Brasil – 2008.

Unidade da Federação População (1000 pessoas)

01 São Paulo 246

02 Paraná 127

03 Minas Gerais 53

04 Rio Grande do Sul 35

05 Bahia 31

06 Mato Grosso 31

07 Pernambuco 24

08 Alagoas 21

09 Goiás 20

10 Ceará 18

Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por amostra de domicílio, v. 29, 2008.

Os municípios que mais receberam migrantes em Mato Grosso do Sul foram

Campo Grande e Dourados9, mas em geral os municípios sul-mato-grossenses

apresentaram taxas positivas, e o mesmo quadro é apresentado no município de

Coxim, localizado na microrregião Alto Taquari, pois o município apresenta o

seguinte dado: nos anos de 1980, a população migrante era de 52,14%; já em 1991,

a população de migrantes passou para 44,42% da população local (MARTINS, 2000,

p. 170). E as taxas médias da entrada de migrantes eram de 4,61% entre os anos de

1986 a 1991 e de 1,78% entre os anos de 1996 a 1997.

É possível observar que nas Tabelas 3 e 4, a seguir, que a região onde está

Coxim não segue a mesma lógica quanto ao recebimento de migrantes, enquanto o

maior grupo são os paulistas no Estado; na região de Coxim (Alto Taquari), o maior

grupo são de paranaenses.

Tabela 3 - Composição da Imigração Interestadual – Estado de Mato Grosso do Sul – 1970 a 1996. Unidade da Federação 1970/1980 1981/1991 1991/1996

São Paulo 43% 29% 30%

Mato Grosso 17% 29% 26%

Rondônia/Goiás 17% 13% 8%

Paraná 9% 14% 17%

Rio Grande do Sul 1% 3% 3%

Outros 13% 12% 16% Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1980, 1991 e Contagem da População de 1996 apud NEPO/UNICAMP 1999.

9 Os municípios Campo Grande e Dourados, aqui são considerados já municípios do novo Estado –

Mato Grosso do Sul.

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54

Tabela 4 – Composição da Imigração Interestadual segundo Microrregiões Estado de Mato Grosso do Sul – 1970/1980 e 1981/1991 – ALTO TAQUARI.

Unidade da Federação 1970/1980 1981/1991

Paraná 31% 25%

São Paulo 18% 18%

Rio Grande do Sul/Santa Catarina 13% 20%

Pernambuco/Ceará/Bahia 11% 7%

Goiás 10% 2%

Mato Grosso 9% 18%

Outros 8% 10%

Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1980 e 1991 apud NEPO/UNICAMP, 1999.

Ao observar a Tabela 3, é possível perceber que o predomínio de migrantes

paranaenses para a microrregião, onde está situado o município de Coxim, com

ênfase nos períodos de 1970/1980, permanece no período seguinte, situado de

1981/1991. O que chama a atenção é o aumento de 7% de migrantes oriundos do

Rio Grande do Sul e Santa Catarina para a região, pois os demais grupos

decresceram ou mantiveram o mesmo percentual, com exceção de Mato Grosso e o

grupo sem denominação (outros).

Diante dos fatos apresentados, há evidências de que Coxim passou por

vários processos migratórios ao longo de sua história e isso influenciou diretamente

na formação sociocultural da população local, com indícios de que existe uma

mistura de culturas, provenientes de diferentes lugares do país, vindas em diversos

períodos. Esse fenômeno é muito significativo. E, partir dessa multiplicidade cultural,

buscar-se-á, nos próximos capítulos, tratar mais especificamente da construção da

identidade gaúcha em Coxim.

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55

3 O QUE SE LEVA NA ARCA DA MEMÓRIA: A INVENÇÃO DA IDENTIDADE E

TRADIÇÃO GAÚCHA EM COXIM

Ao se discutir a formação etno-histórica do gaúcho é preciso se ater a

questões da relação entre migração e identidades10, sendo que, no caso de

identidade, constituirá a investigação histórico-científica em dois planos, o da

construção da identidade regional gaúcha e da etnorregional gaúcha. Para

fundamentar a questão, buscaram-se elementos da historiografia que trata dos

temas.

A identidade gaúcha, ou melhor, identidades gaúchas são aquelas articuladas

a partir dos Centros de Tradições Gaúchas (CTG). Dado a centralidade de tal

instituição é preciso esclarecer alguns pontos de como essa entidade foi estruturada.

De acordo com Oliven (1999a, p. 52-53 apud ROCHA, 2006, p. 69), o termo

“gaúcho”, do ponto de vista histórico, está ligado a um tipo humano, habitante do Rio

Grande do Sul. No século XVIII, era um termo de conotação pejorativa, pois eram

mencionados como guasco ou gaudério sinônimo de malandro, ladrão, vagabundos

vadio etc. Com o passar do tempo, essa conotação mudou, sobretudo, nos períodos

pós-conflitos – Revolução Farroupilha (1835-1845), Guerra do Paraguai (1865-1870)

e Revolução Federalista (1893-1895). Então, gradativamente, o termo gaúcho foi

deixando a sua conotação pejorativa para uma conotação heroica, na qual

valorizava, a sua bravura, força e virilidade.

O conflito foi um dos elementos que, tradicionalmente, esteve associado à

identidade gaúcha, sobretudo, o “gaúcho primitivo”, mas há outros elementos, como

a prática de atividades ligada à área rural, mais especificamente, as estâncias de

gado na região do pampa ou campanha, sendo que esse gaúcho se dividiu em duas

categorias analíticas: o gaúcho peão e o gaúcho estancieiro, a isto, explica-se que:

[...] tanto o “gaucho peão” quanto o gaúcho “estancieiro” estão associados ao universo da Campanha sendo diferenciados pela sua condição social. O “gaúcho peão” era o responsável pela lida no campo, na captura do gado, mestre em domar os animais xucros e, em épocas de conflitos era

10

Usa-se identidades no plural e não no singular, pois se parte da perspectiva de Bauman (2005, p. 22), acerca de que a identidade deve ser pensada no plural, pois “atualmente, é mais fácil esconder essa verdade do que no início da era moderna. A fragilidade e a condição eternamente provisória das identidades estão mais explícitas na atual modernidade líquida.

Page 57: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

56

convocado a empunhar armas e lutar pelos interesses do “gaúcho estancieiro”, seu patrão e dono das estâncias. (ROCHA, 2006, p. 70).

É válido lembrar que o “gaúcho primitivo”, segundo Rocha (2006), serve de

inspiração para o movimento tradicionalista e para a invenção da identidade gaúcha.

É preciso esclarecer alguns pontos acerca da invenção da identidade gaúcha.

Primeiro, é uma construção relacional que se deu ao longo do processo histórico de

formação do Rio Grande do Sul. Segundo, é a identidade que se estás discutindo,

sendo aquela que emerge na década de 1940 para, entre outras coisas, atender a

demandas ideológicas/sociais de uma elite. Segundo Kaiser (1999, p. 71), o

isolamento político e econômico de [...] “frações da classe dominante do Rio Grande

do Sul encontram na retomada das raízes culturais gaúchas um apoio extremamente

conveniente para manterem sua influência junto ao poder regional”.

Vários autores partilham da perspectiva analítica de que o tradicionalismo é

uma ideologia “[...] destinada a submeter às camadas populares, rurais e urbanas,

aos seus princípios, que enfatizam a harmonia social, o bem coletivo, a cooperação

com o Estado, o respeito à lei, etc.” (JACKS, 1998, p. 37). Portanto, segundo a

citada autora, o tradicionalismo é instrumento de dominação da elite sul-rio-

grandense. Isso representa dizer que:

Desta diferença de associados resulta a diferença de atuação interna e externa do CTG no que se refere às promoções sociais e culturais. Ainda nesta segmentação de público, foram fundados CTGs por negros, devido à existência de preconceito racial que barra a sua entrada nos Centros frequentados por brancos, em cidades como Caçapava do Sul, Bagé e Santana do Livramento, todas na região da Campanha. (JACKS, 1998, p. 37).

Portanto, a estrutura organizacional do Movimento Tradicionalista Gaúcho

(MTG), quanto do CTG, mantém uma hierarquia social dentro do movimento, ao criar

CTGs para classes menos abastadas, pelos menos no Rio Grande do Sul, mas essa

hierarquia mantém-se na própria estrutura interna dos CTGs.

Page 58: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

57

3.1 A INVENÇÃO DO GAÚCHO

É preciso compreender a migração, no contexto da identidade etnorregional

gaúcha, compreender não pelo simples fato de transposição demográfica, mas todo

o contexto em que este movimento está inserido. Para entender a complexidade da

identidade etnorregional gaúcha, em que está centrada esta discussão, é preciso

remeter ao processo de construção e ocupação do Rio Grande do Sul. Essa região

foi ponto de conflito entre as coroas portuguesas e espanholas, mas com o fim da

missão jesuítica, os portugueses dominaram definitivamente a região, tornando-a

como ponto estratégico para conservação do domínio luso no Prata, no fim do

século XVII e início do XVIII, sendo que a “Coroa começou a distribui sesmarias aos

tropeiros e militares que se afazendaram, criando assim as estâncias de gado”

(FERREIRA; CORSO, 2008, p. 4).

A disputa entre portugueses e espanhóis fez com que a Coroa Portuguesa

elevasse a região, onde hoje é o atual Estado do Rio Grande do Sul, à condição de

Capitania de São Pedro, em 1760. Segundo Oliven (1992 apud FERREIRA;

CORSO, 2008, p. 5), essa região que, inicialmente, pertencia à América Espanhola

esteve, por quase dois séculos, isolado do resto do Brasil, pois o escoamento da sua

produção era feita por Buenos Aires ou Sacramento. A importância econômica foi

dada a partir do século XVII, devido a seu mercado de mineração e ao rebanho que

também ganha conotação em nível nacional.

O Rio Grande do Sul tem as suas particularidades, principalmente, devido as

suas características geográficas e o seu processo de ocupação. O fator que

favorece essa consolidação da identidade etnorregional gaúcha, refere-se ao seu

povoamento, pois foi colonizado, entre outros, por açorianos, alemães e italianos.

Esses grupos atendiam claramente os objetivos dos governantes que, inicialmente,

no século XVIII, era formar uma ação geopolítica para garantir o território e,

posteriormente, já no século XIX, com o objetivo de branquear a raça e, também,

devido o Brasil estar à beira da abolição da escravidão, poder-se-ia realizar a

apropriação do conhecimento e o trabalho relacionado a atividades rurais.

(NADALIN, 2001 apud FERREIRA; CORSO, 2008, p. 5).

Page 59: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

58

Conforme mencionado anteriormente, a identidade regional gaúcha, segundo

Kaiser (1999) e Rocha (2006), foi estabelecida a partir do “discurso da diferença”

baseado na ênfase das particularidades do Rio Grande do Sul. E, assim, pode ser

compreendida a partir da trilogia analítica: fronteira; conflitos; e colonização.

Primeiramente, conforme mencionado, a região do Rio Grande do Sul esteve,

por longo tempo, isolada do restante do território que hoje é o Brasil, bem como a

sua inserção no território brasileiro foi um tanto tardia, pois [...] “são diversas

singularidades que, reunidas, dão suporte para a construção de um poderoso

sistema de práticas e representações que adquirem força na imagem de um tipo

humano positivo, capaz de grandes feitos: o homem da fronteira”. (KAISER, 1999, p.

39).

O segundo elemento está relacionado aos conflitos que fazem parte do

imaginário social do gaúcho. Essa representação pode ser vista e está expressa na

bandeira do Rio Grande do Sul, entre as faixas verde e amarela, a faixa vermelha,

que representa o sangue dos gaúchos derramado em inúmeras batalhas, guerras e

revoluções em que esteve envolvido (OLIVEN, 1992 apud KAISER, 1999, p. 40) e,

por isso, o autor afirma que “politicamente o gaúcho é um produto da guerra”.

O terceiro elemento está ligado ao processo de colonização organizada pelos

portugueses. O processo migratório e colonizador do Rio Grande do Sul resultou no

recorrente discurso da diferença e o amálgama étnico, sendo que alguns elementos

diacríticos são bastante pertinentes na formação da identidade regional gaúcha

como “[...] a presença do elemento espanhol na formação do tipo regional e, mais

recente, as correntes imigratórias de colonização europeia, especialmente alemã e

italiana, estas últimas compartilhadas, em parte, com Santa Catarina e Paraná”

(KAISER, 1999, p. 47).

Após discutir elementos do processo de formação do Rio Grande do Sul, bem

como mencionar o processo de construção do “gaúcho típico”, passa-se a expor a

construção do “gaúcho atual” ou gaúcho moderno. Mas quem é esse gaúcho atual?

Para Rocha (2006, p. 71), “o gaúcho atual é o gentílico utilizado para designar as

pessoas nascidas no Rio Grande do Sul, portador de uma miscigenação étnica

decorrente do processo de colonização do Estado fundamentado na imigração

europeia”.

Page 60: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

59

Até agora se procurou mostrar como essa identidade gaúcha está pautada

em diferentes elementos da história do Rio Grande de Sul. Entretanto, sabe-se que

não é tarefa fácil, pois esse processo não ocorreu tão simples, para chegar a essa

representação identitária presente atualmente é preciso passar por outros caminhos,

como o do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) e a criação dos Centros de

Tradições Gaúchas (CTG). O tradicionalismo gaúcho é a instituição que dá

sustentação, de certa forma, a identidade gaúcha e a ressignificação da palavra

gaúcho.

Segundo Kaiser (1999), a versão que se conhece da identidade gaúcha é

resultado do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) que se iniciou na década de

1940 do século XX. Óbvio que não se trata de algo monolítico, também há que se

levar em conta que a identidade não é algo sólido, é um processo em constante

estado de construção (BAUMAN, 2005).

Bauman (2005, p. 26) aponta que a identidade é uma experiência humana e

que se dá na fronteira entre o EU e o OUTRO. A identidade é revelada como algo a

ser inventado e não descoberto; alvo de um esforço; “um objetivo” construído, pois o

campo de batalha é o lar natural da identidade (BAUMAN, 2005, p. 83), assim,

sempre se pode observar que as identidades se constroem em campos de

oposições.

Bauman (2005) aponta diversas situações em que é possível perceber a

liquidez do mundo moderno, pois, com o advento da globalização e a massificação

dos meios de comunicação, a identidade se tornou algo muito volúvel. Em todo o

tempo é capaz de se ter uma identidade nova e isso é uma das principais

características do mundo moderno e líquido. Para o autor, as inseguranças e

incertezas, trazidas pela modernidade líquida são as principais responsáveis pelas

transformações contemporâneas das identidades. E quando o autor se refere a

identidades no plural é porque concebe que estas não são perenes, mas

diversificadas frente a várias situações sociais.

Ao se falar de “gaúcho atual” ou gaúcho moderno, não se pode esquecer os

três elementos que são inspiradores e constituidores da identidade gaúcha que são:

fronteira, conflitos e colonização, pois a formação do gaúcho se dá a partir da

dialética entre o moderno e o tradicional, entre o velho e novo, entre o passado e o

presente. É latente, na construção da identidade gaúcha, a evocação do passado

Page 61: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

60

para construir a identidade do gaúcho moderno, pois a materialidade desse sujeito

se constitui da “invenção da tradição”, que se baseia em um

[...] conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras, tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam insuflar certos valores e normas através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado (HOBSBAWM; RANGER, 1997, p. 9).

Ainda nessa perspectiva, da formação do gaúcho atual, nota-se que essa

identidade se baseia na eficiência da tradição como meio de legitimar uma prática

social, pois “o fortalecimento do tipo social „gaúcho‟ se vale de um discurso étnico

regional como diacrítico fundamental na construção da identidade” (KAISER, 1999,

p. 31), sustentado pela invenção de uma tradição, a partir do momento em que a

tradição do “gaúcho típico” tornou-se obsoleta, ou seja, a tradição é inventada, em

geral, a partir de práticas tradicionais que já não são mais tradicionais.

(HOBSBAWM; RANGER, 1997).

Segundo Rocha (2006), a compreensão da invenção do tradicionalismo

gaúcho, está constituída a partir de três instituições que são: Parthenon Literário, o

Grêmio Gaúcho de Porto Alegre e o Centro de Tradições Gaúchas, pois essas

instituições foram os principais elementos difusores do tradicionalismo, sendo que o

Centro de Tradição Gaúcha (CTG) foi o principal veículo de difusão do

tradicionalismo em outros Estados brasileiros e no exterior eficiente em tal propósito.

Segundo dados do sítio da Confederação Brasileira Tradição Gaúcha (CBTG, 2012)

existem, atualmente, CTGs espalhados por todas as unidades da federação e

também em vários países do mundo.

Quando se menciona identidade etnorregional gaúcha (KAISER, 1999) é

possível falar também do MTG e CTGs fora do Rio Grande do Sul como instituições

que dão suporte a “rede etnorregional,”11 que, segundo Haesbaert (1998), forma-se

a partir da migração gaúcha para outros Estados ou países, ou a chamada “rede

social”, que de acordo com Fazito (2002), são as estruturas dos movimentos

migratórios. Nessa discussão cabe uma ressalva acerca da identidade etnorregional

gaúcha, pois para Kaiser (1999), essa identidade se refere àquela que está fora do

Rio Grande do Sul, enquanto que a identidade regional gaúcha é aquela situada

dentro do Estado.

11

Discute-se esse tema no item: A rede etnorregional gaúcha.

Page 62: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

61

A identidade etnorregional gaúcha é, em parte, consequência do processo

migratório e da difusão do tradicionalismo. Esses dois fatores são primordiais para o

surgimento de muitos estudos sobre a questão, como pode ser observado no

trabalho de Haesbaert (1998), que trata dos gaúchos no nordeste brasileiro,

propondo uma análise do fluxo migratório sulista para o interior do Brasil, em

especial para o sul da Bahia e Piauí. E, também, de como foram formadas as redes

de migração gaúchas, assim como a identidade gaúcha fora do Rio Grande do Sul.

Na perspectiva de que os movimentos migratórios são também uma condição

para a formação da identidade etnorregional gaúcha, é que Haesbaert (1998) aponta

o conceito, mesmo que metaforicamente, de “diáspora”12, para explicar o processo

migratório e os seus vínculos com a identidade de origem. Esse processo, cujas

bases históricas e geográficas estão na região de Campanha no Rio Grande do Sul,

responsável pela formação da “rede regional”, tendo como consequência a

construção de uma identidade gaúcha, explicitando um claro destaque em relação a

outras identidades regionais. Existem elementos fundamentais que consolidam a

rede e articulam entre determinados pontos ou de valor estratégico em seus

microterritórios – como o CTG, os programas de rádio e TV entre outros – sendo

eles, segundo Haesbaert (1998, p. 68), “[...] agentes aglutinadores e/ou

fomentadores dos laços de identificação que mantêm coeso os grupos”.

Para explicar o que é rede regional, Haesbaert (1998) aponta o conceito de

“des-re-territorialização”, pois os elementos da rede regional são fundamentais para

consolidar a identidade gaúcha em outros territórios. Os estereótipos como sendo os

descendentes de alemães e italianos, além de serem luteranos e participar do CTG

(Centro de Tradição Gaúcha), os distinguem das populações autóctones, no caso do

estudo de Haesbaert (1998), mas, há também, outro elemento diacrítico da

identidade gaúcha que é a sua relação com o trabalho e, consequentemente, com o

sucesso econômico. (ROCHA, 2006; CARVALHO, 2012).

O processo migratório gaúcho para outras regiões brasileiras como Santa

Catarina, Paraná, centro-oeste e norte do Brasil e, mesmo para países sul-

americanos como Paraguai e Bolívia, deram-se em um contexto de expansão do

12

Haesbaert (1998, p. 55) usa de forma metafórica o conceito de diáspora para “[...] os fluxos migratórios e seus vínculos com uma identidade cultural cujas bases históricas e geográficas (o espaço apropriado simbolicamente para sua construção, a estância latifundiária da “Campanha” gaúcha) [...]”.

Page 63: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

62

capitalismo e investimento do Estado brasileiro, com a modernização do setor

agrícola, por meio de financiamentos públicos, principalmente no período pós-1964.

A principal discussão que permeia os fatos apontados está ligada a questão

do território e rede regional, pois para Haesbaert (1998), o território está ligado às

questões de relação de poder e podem ser configurados em espaços contínuos ou

fragmentados e o seu controle pode ser amplo ou restrito. As redes regionais são

constituintes do território, pois são os laços mantidos por um determinado grupo com

a sua região de origem e fora dela e para que possam se manter coesas é preciso

algumas instituições sejam parceiras, como CTG, Igreja, cooperativas, entre outras.

Um exemplo de rede regional de migração gaúcha é o trabalho sobre Lucas

do Rio Verde no Estado de Mato Grosso, realizado por Rocha (2006), que busca

mostrar como as práticas culturais gaúchas foram impressas nesse novo território

tão distante do Rio Grande do Sul – que é a proposta de re-territorialização, estudo

desenvolvido por Haesbaert (1995 apud ROCHA, 2006, p. 11), onde os migrantes

gaúchos criam novos territórios.

Rocha (2006) busca mostrar em seu trabalho, parte do processo de

construção do tradicionalismo gaúcho, conforme já citado, bem como a construção

da rede social estabelecida pelos migrantes gaúchos, até chegar a Mato Grosso e,

também, o processo de ocupação ou construção de uma nova territorialidade que se

deu por intermédio do processo de colonização da Amazônia Legal. A isso, pode-se

acrescentar que:

[...] a rede regional gaúcha, tal como se apresenta em Lucas do Rio Verde é, ao mesmo tempo, um território no sentido tradicional expresso na sua horizontalidade, extensões formadas de pontos que se agregam sem descontinuidade numa lógica aerolar (SANTOS, 2004, p. 284): é uma rede reticular percebida nas ligações e conexões materiais e imateriais dos fluxos de intercâmbio, circulação, cooperação e de controle que unem espaços fragmentados como é o caso dos múltiplos elos entre “gaúchos” de Lucas com a sua região de origem, o sul do país. (ROCHA, 2006, p. 140).

Até o momento, buscou-se fazer um apanhado de alguns elementos que

constituem a identidade gaúcha na historiografia etnorregional, tratando de como a

identidade e a tradição gaúcha foram construídas em outras regiões do Brasil. É

importante ter ciência de que todos os elementos não foram elencados,

considerando os mais diversos trabalhos e perspectivas a respeito da construção da

Page 64: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

63

rede etnorregional gaúcha, pois, em cada localidade, as identidades gaúchas

guardam suas especificidades.

Dessa forma, os elementos, que apontaram a construção da identidade

gaúcha, serão fundamentais para o entendimento do processo de constituição da

identidade etnorregional gaúcha, no município de Coxim.

3.2 MEMÓRIA E IDENTIDADE: O CTG

Anteriormente, buscou-se mostrar a construção histórica do gaúcho e para

isso fez-se necessário abordar mais detidamente elementos fundamentais na

construção da identidade gaúcha como o Centro de Tradição Gaúcha (CTG) e o

Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). Essas instituições estão no contexto que

se pode considerar como as inventoras da tradição e das identidades gaúchas, a

partir de elementos históricos e sociais do Rio Grande do Sul.

Como já citado, a figura do gaúcho foi construída ao longo do processo de

ocupação e construção do território sul-rio-grandense e incorporou várias

significações para chegar à denominação de gentílico aos nascidos no Rio Grande

do Sul. O termo gaúcho, no sentido de identidade, passou por um processo de

construção relacionado a “personalidade dos indivíduos” e outro “com o espaço

físico que ocupam” (FIALHO, 2005 apud ROCHA, 2006, p. 69). Vale ressaltar que a

ressignificação do termo gaúcho “através do qual um tipo social que era considerado

desviado e marginal foi apropriado, reelaborado e adquiriu um novo significado

positivo, sendo transformado em símbolo de identidade regional” (OLIVEN, 1999, p.

73 apud ROCHA, 2006, p. 70).

Segundo Rocha (2006), a identidade gaúcha perpassa pela inspiração do

movimento tradicionalista que está alicerçada em dois tipos sociais, sendo o primeiro

no passado heroico do gaúcho, também denominado de “gaúcho primitivo”, e o

segundo no “gaúcho atual”, que é um tipo social, associado ao gentílico do Rio

Grande do Sul, fruto da miscigenação étnica.

A invenção do tradicionalismo gaúcho, conforme discutido anteriormente,

recorre a três instituições que foram, de certa forma, as mantenedoras do

Page 65: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

64

tradicionalismo gaúcho, como o Parthenon Literário que foi fundado em 1868 por

intelectuais que exaltavam as temáticas regionais, sobretudo, as qualidades do

gaúcho (JACKS, 1998).

A segunda instituição é o Grêmio Gaúcho de Porto Alegre que, para Rocha

(2006), é a precursora do tradicionalismo gaúcho no Rio Grande do Sul. Fundada

por pessoas que buscavam cultuar e manter as suas tradições, mas também, não

excluía os costumes presentes, pois há dois aspectos nessa instituição que devem

ser levados em conta, segundo Oliven (1999 apud ROCHA, 2006), o fato de os

fundadores não serem pessoas detentoras de terras e capital e pelas diretrizes

dessa instituição, que era o antagonismo entre o passado e o presente ou entre o

tradicional e o moderno. Este último aspecto é que vai dar sustentação a

constituição, da terceira instituição, o Centro de Tradições Gaúchas.

O enfoque maior da discussão é para o CTG que, posteriormente, foram

aglutinados no Movimento Tradicionalista Gaúcho. A versão desse movimento que

se conhece atualmente – ou pelo menos mais recentemente – teve o seu início,

segundo Kaiser (1999), em meados da década de 1940 do século XX, na cidade de

Porto Alegre, no Colégio Júlio de Castilhos, a partir da iniciativa dos alunos

secundaristas ao criar um Departamento de Tradições Gaúchas no grêmio estudantil

da escola.

Paralelamente, ao movimento em que estavam fazendo os alunos do Colégio

Júlio de Castilhos, liderados por Carlos Paixão Cortês e Barbosa Lessa, havia

também outro grupo liderado por Hélio Moro e Glaucus Saraiva que tinha ligações

com um grupo de escoteiros com praticamente o mesmo objetivo. Em 03 de janeiro

de 1948 foi realizada a primeira reunião formal para a fundação do primeiro CTG

denominado: 35 – Centro de Tradições Gaúchas, mas a fundação, efetivamente,

deu-se em 24 de abril do mesmo ano, sob o lema “em qualquer chão sempre

gaúcho” (KAISER, 1999, p. 67-68).

O primeiro CTG fundado em 1948 tinha lá as suas particularidades, pois os

seus idealizadores eram estudantes ligados ao meio rural, “[...] eram filhos de

pequenos proprietários rurais de áreas pastoris onde predominava latifúndio ou de

estancieiros em processo de descenso social” (OLIVEN, 1991, p. 42 apud ROCHA,

2006, p. 73).

Page 66: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

65

A “invenção do tradicionalismo” gaúcho é pautada na memória e nas práticas

de relação de poder de uma elite regional, pois é perceptível na estruturação do

próprio CTG, tanto é que desde o primeiro, 35 CTG foi criado como símbolo de

orgulho, isto é:

[...] em homenagem à Revolução de 1835, foi estruturado com bases idênticas às que hierarquizam a estância, propriedade rural de grande extensão, ou seja, com patrão, capataz, sota-capataz, agregados, posteiros, correspondendo aos títulos de presidente, vice-presidente, secretário, tesoureiro e diretor. Os conselhos consultivos ou deliberativos foram chamados de Conselho de Vaqueanos e os departamentos de Invernadas. (JACKS, 1998, p. 33).

A organização do tradicionalismo gaúcho está estruturada da seguinte forma,

os CTGs são integrantes do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), fundado em

1961, o MTG é um movimento com representações administrativas regionais que

coordena os polos sociais e culturais denominados CTGs. A administração regional,

que é o MTG, está ligada a uma instância nacional que é a Confederação Brasileira

de Tradicionalismo Gaúcho (CBTG).

O CTG, atualmente, é uma instituição presente em todos os Estados

brasileiros, conforme se pode observar nas Tabelas a seguir, e em várias partes do

mundo como Estados Unidos da América, em vários países da Europa e no Japão.

Esses CTGs são guiados, segundo Rocha (2006), pelos mesmos princípios e lema

do 35 CTG, que são os princípios cívicos, filosóficos, associativos, éticos e

recreativos, tendo em seu núcleo básico, as seguintes significações:

1) o ritual do mate, como escola da cordialidade; 2) a invernada campeira através da recuperação do cavalo em prática desportivas; 3) a invernada artística, que através da dança tradicionalista transmite as noções básicas de sociabilidade sendo dividida entre mirim, juvenil e adulta; e (4) o fandango, baile tradicional gaúcho que promove o encontro de gerações. (LESSA, 1998; OLIVEN, 1991 apud ROCHA, 2006, p. 76).

O tradicionalismo, representado pelo CTG, é um agente de convergência da

identidade gaúcha “inventada” e assimilada por todos aqueles sujeitos que tenham o

sentimento de pertença ao tradicionalismo, mesmo que não sejam nascidos no Rio

Grande do Sul ou descendentes de gaúchos. (ROCHA, 2006, p. 76). E essa ideia é

bastante importante para o caso que se está discutindo acerca da identidade gaúcha

em Coxim, pois nem todos os indivíduos que participam do CTG Sentinela do

Page 67: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

66

Pantanal são nascidos no Rio Grande do Sul ou têm suas origens no referido

Estado, mas são “adeptos” dos princípios do tradicionalismo gaúchos.

CENTRO DE TRADIÇÕES

GAÚCHAS NO BRASIL (1993 e 1994)

CENTRO DE TRADIÇÕES

GAÚCHAS NO BRASIL (2011 e 2012)

Unidades da Federação Nº por UF Nº por UF

Rio Grande do Sul 1. 616 1.768

Santa Catarina 254 586

Paraná 222 255

Mato Grosso do Sul 15 19

Mato Grosso 63 23

Goiás 07 11

Distrito Federal 02 04

São Paulo 51 28

Rio de Janeiro 01 07

Espírito Santo -- 01

Minas Gerais 01 02

Rondônia 05 33

Acre -- 01

Amazonas 02 03

Roraima -- 01

Pará 01 ----

Tocantins 02 01

Maranhão 01 01

Rio Grande do Norte 01 01

Pernambuco 01 02

Bahia 03 05

Paraíba 01 -------

Fontes: CBTG - Confederação Brasileira de Tradição Gaúcha e MTG - Movimento Tradicionalista Gaúcho no Brasil. Anos de 1993 e 1994. In: HAESBAERT. Rogério. A noção de rede regional: reflexões a partir da migração “gaúcha” no Brasil. Território, v. 3, n. 4, p. 55-71, jan./jun. 1998. Disponível em: <ftp://146.164.23.131/terr/N_04/04_5_haesbaert.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2010. E dados de 2012. Disponível no site da CBTG - Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha. Disponível em: <http://www.cbtg.com.br/_sitio/ctgs/mapa.php>. Acesso em: 16 jun 2012.

É através da referência de pertença que se busca a definição de grupo étnico,

que é usado na perspectiva barthiana para o gaúcho que se tem em Coxim. Isso

significa que “um grupo étnico é uma das formas de organização social em

populações, cujo membro se identifica e são identificados como tais pelos outros”

(BARTH, 1976 apud VILLAR, 2004). Pensando como grupo étnico, a partir dessa

ideia, os mesmos só podem ser caracterizados pela diferença que eles percebem

Tabela 5 – Centro de Tradições Gaúchas por Unidade da Federação

Page 68: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

67

entre si e com os outros grupos no qual interagem. Sendo assim, a identidade étnica

passa a ser definida em termos de adstrição para exemplificar a situação: é gaúcho

aquele que se considera gaúcho e que é considerado pelos outros do grupo como

tal e, acrescenta-se, o reconhecimento por outros grupos também. Portanto,

compartilhar uma cultura é uma consequência da etnicidade e não a sua explicação.

(BARTH apud VILLAR, 2004, p. 171).

A partir da perspectiva barthiana de identidade étnica, não se pode deixar de

apontar que a mesma também pode ser pensada como uma invenção, assim como

a tradição13.

Essa visão de “tradição inventada” vai ao encontro com o que se tem

postulado acerca da construção do tradicionalismo gaúcho e, consequentemente, do

processo de construção da identidade gaúcha.

Em depoimentos realizados por pessoas ligadas ao tradicionalismo em

Coxim, foi possível fazer essa observação como: “ah, ele adorava, se sentia o

gaúcho, se vestia com a pilcha, com a bota e tudo, colocava a bombacha, [...] até

hoje acho que ele tem, está guardada, o lenço, a bombacha ele ainda guarda, [...]”

(ANDRADE, 2012). Nesse relato, a depoente retrata o caso do seu marido que é sul-

mato-grossense, mas ao conhecer o tradicionalismo por intermédio de sua família,

passou a “adotar” a identidade gaúcha e também foi “adotado” pelo grupo de

gaúchos, mesmo não tendo suas raízes ligadas ao Rio Grande do Sul.

Acredita-se que é possível observar, até o momento da discussão proposta,

que o CTG é um espaço de recriação da memória e da identidade, pois é possível

dizer que ele não é somente o espaço de recriação, mas de invenção do próprio

gaúcho, por isso seja necessário que se debata um pouco mais sobre a memória e

identidade.

Primeiramente, são necessárias algumas inferências acerca da memória.

Para Pollak (1992), a memória é um fenômeno que está ligado ao íntimo individual,

ressalta a ideia de Maurice Halbwachs de que a memória deve ser entendida como

um fenômeno social que sofre mudanças constantemente, que pode ser socialmente

interpretado a partir dos “quadros sociais” (POLLAK, 1992, p. 02).

13

Tradição “que muitas vezes se inventem tradições não porque os velhos costumes não estejam mais disponíveis nem sejam viáveis, mas porque eles deliberadamente não são usados, nem adaptados” (HOBSBAWM, 2008, p. 16).

Page 69: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

68

Nessa discussão acerca de como a memória é constituída, Pollak (1992)

aponta alguns aspectos que são relevantes como os “acontecimentos vividos

pessoalmente” e “acontecimentos vividos por tabela”, que são aqueles vivenciados

pelo grupo ao qual a pessoa julga pertencer. Esses acontecimentos podem levar a

uma “memória herdada”, que é aquela em que o indivíduo não participou, mas

devido à socialização, seja ela histórica ou política, leva-o à identificação, como se

fosse vivida por ele.

Aspectos como esses são indispensáveis, no processo de compreensão do

discurso do gaúcho que ocupa a região de fronteira, pois a memória, nesse caso,

torna-se um fator aglutinador de uma identidade, sobretudo, relacionado a aspectos

de como era a região quando eles chegaram sobre as suas regiões de origem, pois

sabe-se que nem todos chegaram no mesmo período, muitos vivenciam esses fatos

por tabela ou por meio da memória dos outros.

No caso em estudo, o lugar formador do gaúcho está ligado ao movimento

tradicionalista, mais especificamente a sua representação no CTG e às práticas de

atividades do “típico gaúcho”, que não são as dos gaúchos que se tem em Mato

Grosso ou Mato Grosso do Sul. Muitos desses nem sequer nasceram no Estado do

Rio Grande do Sul e, em grande parte, são descendentes de alemães, italianos etc.

A manutenção de vários elementos da identidade gaúcha, adquire feições

diferentes, de acordo com o espaço que se relaciona (HAESBAERT, 1998), pois a

identidade é relacional. Então, tem-se o gaúcho, o elemento social que busca

constituir uma identidade por meio das memórias dos “gaúchos típicos”, ou melhor,

do estereótipo de um gaúcho idealizado, tendo como referência de lugar, o Estado

do Rio Grande do Sul e as suas práticas sociais.

Na perspectiva de Pollak (1992), sobre o processo de construção da

memória, há uma ligação com o processo de construção ou reconhecimento de uma

identidade. O sentido de identidade que Pollak (1992) apresenta diz muitas coisas,

pois se constitui com:

[...] o sentido da imagem de si, para si e para os outros. Isto é, a imagem que uma pessoa adquire ao longo da vida referente a ela própria, a imagem que ela constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na sua própria representação, mas também para ser percebida da maneira como quer ser percebida pelos outros. (POLLAK, 1992, p. 05).

Page 70: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

69

Observando a citação acima pode-se buscar associar essa noção de

identidade ao gaúcho, pois no processo de construção da sua identidade, os

mesmos buscam essa “imagem de si para si e para os outros”, acredita-se que os

CTGs desempenham bem essa função.

Ainda, nessa discussão, de que a identidade é a imagem de si para si e para

os outros, há um elemento que está fora da realidade do indivíduo, que é o outro,

nesse sentido, cita-se que:

Ninguém pode construir uma auto-imagem [sic] isenta de mudança, de negociação, de transformação em função dos outros. A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por meio da negociação direta com outros. (POLLAK, 1992, p. 05).

Ao se tratar de terceiros é necessária certa negociação, pois sem essa

negociação é impossível construir uma imagem de si, já que o outro é a referência.

Pode-se inferir que “a identidade e a memória são fenômenos negociáveis, porém

não deve ser entendido como essências do indivíduo ou do grupo”. (POLLAK, 1992,

p. 05).

Portanto, o que se tem buscado mostrar, nessa discussão, é que o CTG é um

espaço de recriação e invenção ou de reavivamento da identidade gaúcha fora dos

“pagos”, pois os seus integrantes buscam construir uma memória e identidade de si

e para si e para os outros. Nessa perspectiva, é evidente que a identidade é

relacional, pois segundo Oliveira (2006), o “Outro” tem um papel fundamental na

configuração da identidade. Posto isso, buscar-se-á discutir de forma mais

acentuada essa questão a seguir, sendo a identidade gaúcha construída ou

reinventada a partir da relação entre o migrante gaúcho e os outros grupos em dado

espaço geográfico.

3.3 A REDE ETNORREGIONAL GAÚCHA

Após ser discutida a formação etno-histórica regional do gaúcho e do CTG,

seu espaço privilegiado, mas não o único de recriação e invenção da memória e da

Page 71: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

70

identidade. Busca-se, então, discutir a relação da identidade gaúcha com o projeto

de colonização do período de 1964 a 2012 e, consequentemente, a migração para a

cidade de Coxim na formação da rede etnorregional gaúcha.

No Brasil, após a segunda metade do século XX, o processo migratório

interno foi intensificado por ações do governo, principalmente, para algumas regiões

como o centro-oeste do país, esse movimento migratório se situa no contexto de

expansão da Fronteira Agrícola e modernização da agricultura no Brasil.

A partir da década de 1960, período dos governos militares, surge um novo

projeto de colonização do centro-oeste e da Amazônia. O tom da política era

“integrar para não entregar” e, nesse contexto, o gaúcho tem um papel fundamental,

isto é, nesse processo de colonização das fronteiras agrícolas brasileiras. Esse

processo teve início um pouco antes, nos anos de 1950, com a construção de

Brasília, no Planalto Central em que vários projetos de colonização foram

implantados no Estado de Mato Grosso (ABREU, 2003).

O processo de colonização, nesse período, tentou solucionar vários

problemas brasileiros, para melhor explicar o processo, cita-se que:

[...] representaria uma válvula de escape, na medida em que tinha como um dos objetivos, absorverem os excedentes demográficos das áreas rurais mais valorizadas do Sul e Sudeste do país. Ao mesmo tempo, contribuía para preservar a antiga estrutura agrária nacional e esvaziar a discussão em torno da reforma agrária, ao conduzir os trabalhadores rurais sem-terras e/ou expropriados para as terras de ninguém [sic.]. (ABREU, 2003, p. 279).

Essa colonização atendia a um projeto da classe política brasileira da época.

Representa manter a desigualdade da estrutura fundiária regional e nacional e

conter a exaltação dos conflitos sociais em dadas regiões. Dessa forma, buscou-se

garantir uma legião de trabalhadores formados por pessoas como ex-colonos e ex-

agricultores para as empresas colonizadoras que se instalavam na região, com

incentivo do governo e megaprojetos de exploração do centro-oeste.

Alguns fatores são apontados para tal movimento migratório, como conflitos

agrários na região sul do Brasil (SOUZA, 2001, p. 30; BARROZO, 2010) e a

expansão capitalista efetiva no Estado de Mato Grosso e região da Amazônia Legal.

Na década de 1970, segundo Castro et al. (2002), os conflitos agrários e os

movimentos sociais no campo no Rio Grande do Sul se avolumavam, sobretudo,

intermediado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que exigiam reforma agrária

Page 72: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

71

no próprio Rio Grande do Sul. Os agricultores sem-terras estavam sendo vítimas da

modernização da agricultura e concentração de terras (ROCHA, 2006).

Esses conflitos agrários na região sul, aliados a outras causas, tornaram um

dos fatores de expulsão de vários pequenos agricultores, é bom que se evidencie

que esses conflitos não ocorreram somente na região sul ou, mais especificamente,

no Rio Grande do Sul, mas em outras regiões do Brasil. Porém, fatores ocorridos no

Estado do Rio Grande do Sul estão ligados ao processo migratório e a construção

da identidade gaúcha que se está discutindo.

Nas entrevistas realizadas foi possível perceber que muitos migrantes vieram

para Coxim, em busca de novas oportunidades, pois o Rio Grande do Sul passava

por conflitos sociais no campo, modernização da agricultura e falta de espaço para a

reprodução do seu modo de vida e, também, havia o incentivo do governo para vir

para o centro-oeste e Amazônia Legal.

Esse movimento migratório para a região centro-oeste modificou as

características demográficas e econômicas da região e isso é sentido ao longo dos

anos, segundo Lisboa:

[...] fator associado às migrações no Brasil é a variação quanto aos aspectos naturais e a heterogeneidade da economia brasileira, associada a herança histórica de ocupação do território brasileiro, o que contribui para a concentração da população no espaço. As desigualdades econômicas espaciais impulsionam significativamente a população a buscar locais com maior desenvolvimento, desenvolvendo o interesse dos migrantes pelas áreas e setores mais dinâmicos. (LISBOA, 2008, p. 88).

Esse fato é recorrente no movimento migratório nordeste/sudeste e também

no chamado êxodo rural, que nesse momento, há uma grande concentração

populacional nas grandes cidades brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro, já o

movimento migratório pós-1960 ocorre numa dinâmica diferente, sobretudo, na

década de 1980. Nesse período, o movimento migratório passa por uma

reorientação, devido, principalmente, ao deslocamento da economia brasileira,

momento em que as cidades médias passam a serem alvos dos migrantes e por

terem um crescimento econômico atrativo (LISBOA, 2008).

Segundo Lisboa (2008), o fator principal que levou as pessoas a migrarem no

Brasil foi os fatores econômicos e uma melhor ascensão social, também, há outras

causas, segundo a autora, que não podem ser negligenciadas, como as “culturais,

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72

paisagísticas, familiares, psicológicas, pessoais etc.” (LISBOA, 2008, p. 89), porém

são fatores difíceis de determinar.

Na “arca da memória”, os migrantes gaúchos levam certa mitologia, que os

exalta e os favorece no processo migratório. Nesse sentido:

São muito conhecidas a ‟tradição (i) migrante„ que muitos sulistas dizem ‟levar no sangue„ („europeu„, ou seja, de descendentes de italianos e alemães) e características que, interna e/ou externamente difundidas, fazem deste migrante um ‟pioneiro„, um „desbravador„ e até mesmo um ‟novo bandeirante„ que tem expandido nas ultimas décadas parte da ‟modernização„ (agrícola basicamente) do interior brasileiro. (HAESBAERT, 1998, p. 56).

Segundo o autor supracitado, essa ideia se tornou um mito e funciona como

elemento diacrítico da identidade gaúcha em relação às populações autóctones, pois

em muitos casos podem levar a segregação socioespacial, como é caso abordado

por ele de bairros gaúchos em Barreiras na Bahia, Balsas no Estado do Maranhão

(HAESBAERT, 1998, p. 56), Chapada dos Gaúchos e Buritis em Minas Gerais

(KAISER, 1999), e Sorriso em Mato Grosso (CUSTÓDIO, 2010). As relações entre

esses grupos geram situações típicas de fronteiras, que são os conflitos, pois em

alguns casos, até mesmo a proposta para emancipação de regiões de Mato Grosso

e Bahia são alimentadas por ideias de distinção identitárias.

A presença de gaúchos fora do Rio Grande do Sul intensificou nas últimas

décadas do século XX. Esse processo migratório ganhou dimensão transnacional e

visibilidade nacional e é chamado de “diáspora gaúcha”, que começou no final do

século XIX, “[...] quando os primeiros colonos partiram do Rio Grande do Sul rumo

ao centro-oeste do país em busca de terras. A maioria saiu das regiões coloniais,

onde não havia grandes propriedades e, com o crescimento das famílias, as terras

se tornavam insuficientes” (KAISER, 1999, p. 51). Amplia-se, a partir de então, os

conflitos agrários na região, pois o “incremento populacional registrado nas colônias

mais antigas, aliado à escassez crescente de terras cultiváveis, propiciaram o

surgimento de inúmeros conflitos no campo” (SOUZA, 2001, p. 30), provocando a

“diaspora gaúcha”, ou melhor, o “êxodo gaúcho” em direção ao centro-oeste, e

nesse contexto, Mato Grosso. (BARROZO, 2010, p. 14).

Segundo Kaiser (1999), os principais protagonistas da migração gaúcha são

os descendentes de europeus, que haviam adotado a identidade gaúcha para se

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73

identificarem como brasileiros, e também é preciso explicitar em que contexto essa

“diáspora” se liga. Somado a isto:

É importante observar que a migração dos gaúchos quase sempre esteve ligada à expansão agrícola. Na maior parte das vezes, gaúchos buscam terras preferencialmente em grandes extensões, e boas oportunidades de negócio. Este é um dos diacríticos do discurso da diferença na diáspora – eles contrapõem-se a migrantes de outras regiões do país, que teriam como objetivo do deslocamento a busca de emprego, a inserção no mercado de trabalho. (KAISER, 1999, p. 52).

Esses migrantes correspondem a um projeto civilizador do Brasil, no início da

colonização, para o Rio Grande do Sul, o tipo ideal de colono era o europeu e,

posteriormente, no processo de expansão da fronteira agrícola brasileira para o

oeste catarinense e paranaense e no centro-oeste e sul da Amazônia, são os

sulistas, o colono ideal, (GUIMARÃES NETO, 2002) em grande parte os

descendentes de alemães, italianos e eslavos, entre outros.

No Rio Grande do Sul do século XIX, os imigrantes europeus tiveram o papel

de tentar modernizar a agricultura, principalmente, no que se refere a produção de

alimentos e, para isso, tiveram que adequar às suas condições técnicas à nova

terra, que eram áreas de florestas e relevo irregular. Ora, também, quando migraram

para o centro-oeste se depararam com situações parecidas, com um ambiente

diferente no qual esperavam que fossem agentes de modernização.

No contexto da diáspora gaúcha, a lógica se assemelha em relação aos

demais processos de colonização. O colonizador justifica sua condição com uma

autorepresentação de superioridade: “os gaúchos se veem como empreendedores

que levam a civilização e o desenvolvimento onde se instalam, criando empregos e

novas oportunidades.” (KAISER, 1999, p. 51) Segundo Carvalho (2012), isso é um

elemento recorrente nos processos de colonização e, também, muito presente no

discurso dos colonizadores e na disputa pela terra, por exemplo, no caso gaúcho,

autorrepresentam-se como trabalhadores, enquanto se referem ao Outro como

preguiçosos. Acrescenta-se a isso, pelo seguinte trecho:

De tal forma, os membros do establishment têm reforçado um controle social para manter sobre si uma dada conduta, voltada para o trabalho; e para os outsiders (ELIAS; SCOTSON, 2000), a deslegitimação e a superioridade de poder econômico dos estabelecidos forçavam em direção a adoção de uma dada ética do trabalho. (CARVALHO, 2012, p. 23).

Page 75: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

74

Essa perspectiva de discurso está presente no gaúcho, principalmente

àquelas ligadas ao CTG, como se pode conferir nos trechos a seguir:

[...] então nos 1970, 1980 a terra aqui pra cima era mais acessível, então quem tinha um sítio no sul, vendia, chegava aqui e comprava uma quantidade maior de terra e veio fazer a vida, veio criar os filhos, veio procurar uma vida melhor, veio trabalhar, então o gaúcho arregaçou as mangas, veio trabalhar, ele veio fazer a vida [...] (MIRANDA, 2012). [...] não se pode é deixar de frisar é que com a chegada do gaúcho a evolução foi grande, o gaúcho veio aqui, o gaúcho começou a abrir fronteira, abrir áreas [...] o pessoal ficava muito de olho, até muita gente fala assim: esses gaúchos querem ser os tais. É que na verdade o povo, o povo daqui de Coxim tem muita mistura, é nordestino, é baiano, é paranaense e eles quando viram os gaúchos chegarem aqui, [...] e sai às 04 horas da manhã para ir a fazenda e voltar para trabalhar às 08 horas, isso aí era inadmissível os caras fazerem isso, os caras são loucos, então sempre nossa meta foi vê o dia de amanhã, e depois enxergar mais longe [...] (CENTENARO, 2012).

As pessoas citadas são ligadas ao tradicionalismo gaúcho, porém, a primeira

é paulista de Itápolis e foi casado com descendente de gaúcho, já o segundo é

gaúcho de São José do Ouro e ambos migraram para Coxim na década de 1980 e,

assim como Rocha (2006) e Carvalho (2012), destacam acerca da ascese do

trabalho como elemento diacrítico do gaúcho, no processo migratório em relação

aos demais, pois “[...] ele é um modernizador que carrega entre seus valores a

crença e a atitude do teor do trabalho e estas características exacerbadas na sua

auto-definição [sic] faz dele um „posseiro-empreendedor‟” (ZART, 1998, p. 212 apud

ROCHA, 2006, p. 36). E, nessa perspectiva, também referenda que o trabalho é um

dos elementos diferenciadores do gaúcho em Coxim. Sendo que:

[...] independente de serem patrões ou empregados, a adoção do trabalho como uma característica para demarcar a fronteira entre o Nós e o Outro contribui para impelir tanto aos gaúchos como aos Outros em direção de uma ascese do trabalho, na qual tempo é dinheiro, e trabalho é igual a produção de riqueza pecuniária. (CARVALHO, 2012, p. 125-126).

Essa ideia que Carvalho (2012) expõe, em seu trabalho, como um dos

elementos diacríticos da identidade gaúcha, também é presente no caso de Coxim,

é presente no discurso de gaúchos que chegaram no período pós-1964, estes

buscam demonstrar suas habilidades como empreendedores e como elemento

modernizante e civilizador, conforme pode-se observar a seguir:

Page 76: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

75

[...] com a nossa chegada começou melhorar muita coisa, aí o gaúcho começou a fazer, começou a adquirir capital e botar coragem nas coisas, fazer isso, fazer aquilo e muita gente começou a se espelhar no gaúcho e o gaúcho passou a ser um incentivo para eles e não só a região de Coxim, mas se nós pegarmos todo Mato Grosso do Sul, Maracaju hoje é gaúcho, Chapadão do Sul é gaúcho, São Gabriel (do Oeste) é região de gaúcho, quer dizer tudo foi alavancado em função que veio gente de fora com uma visão diferente da deles. (CENTENARO, 2012).

Acompanhada a essa ideia de que o gaúcho é um indivíduo trabalhador, entra

a questão da ocupação, modernização e expansão capitalista no Cerrado e

Amazônia. Sabendo que os gaúchos não foram os únicos sulistas, existem

paranaenses e catarinenses denominados, muitas vezes, genericamente, de

gaúchos, principalmente, pelos autóctones. Como no caso estudado por Haesbaert

(1998, p. 57), “muitos capitalistas de outros Estados como São Paulo e Minas, e

mesmo do próprio nordeste, também atuam na difusão dessa modernização, alguns

tão “pioneiro” (ou “invasores” como diziam muitos baianos) quanto os “gaúchos”.

Ainda segundo o autor supracitado, os motivos que levaram a “diáspora

gaúcha” não foram motivos relacionados a questões políticas e culturais, como é

comum em alguns casos (judeus, ciganos entre outros), mas por questões

econômicas, pois o migrante gaúcho é movido pela lógica de acumulação de capital.

O gaúcho carrega consigo o estereótipo, o mito do “imigrante” europeu que é a

dominação e propagação de inovações em novos espaços. Mas Haesbaert (1998)

faz uma ressalva, de que esse movimento migratório ou diáspora gaúcha não é

simplesmente uma grande “rede do capital” em escalas regionais, nacional e global,

que podem explicar a ordenação da sociedade e do território no qual os migrantes

reproduzem suas representações sociais, culturais, políticas e econômicas, mas é

uma rede etnorregional.

Essa diáspora ajuda na manutenção da identidade gaúcha e, segundo

Haesbaert (1998), é um complicador das relações sociais e muitos gaúchos se veem

diferentes do restante dos brasileiros, conforme já mencionado. Isso valida à

perspectiva acerca da herança cultural revivida, por meio do CTG, fazendo com que

muitos se julguem “o povo mais tradicionalista do Brasil” (HAESBAERT, 1998, p. 58).

Fato que se pode verificar nos estudos realizados em Coxim, como a seguir: “[...]

eles tem muito arraigado essa questão cultural, trouxe também, não ia deixar de

formar o CTG, isso é inerente do gaúcho, [...] então eles dizem que gaúcho é estado

de espírito” (MIRANDA, 2012).

Page 77: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

76

Para Kaiser (1999, p. 98),

[...] os gaúchos fora do Rio Grande do Sul formam uma rede etnorregional transnacional, cujo vértice é a região conhecida como pampa gaúcha. Essa rede é visível por meio de um regionalismo militante, que reforça a afirmação de identidade e o culto a tradição.

As redes etnorregionais, nesse caso, são os laços mantidos pelo grupo com a

sua região de origem e fora dela; e para que elas se mantenham coesas é preciso

que algumas instituições desempenhem essa função como o CTG, Igreja,

cooperativas, entre outras.

Vale fazer uma ressalva, Coxim não é uma cidade que tem o predomínio da

cultura gaúcha como é apontado em algumas cidades como Sapezal, Lucas do Rio

Verde, São Gabriel do Oeste, Chapadão do Sul, mas a rede social formada pelos

migrantes gaúchos, com o apoio do CTG, criou uma visibilidade para identidade

gaúcha na cidade. Esse grupo étnico recebeu adesão, não apenas de sul-rio-

grandenses e descendentes, mas de outros grupos como paulistas, paranaenses,

mato-grossenses, sul-mato-grossenses e nordestinos. A identidade gaúcha em

Coxim não está somente associada ao acúmulo de capital, mas a suas

possibilidades, como em Mato Grosso, a identidade gaúcha está associada ao

establishment14, mesmo que não com total exclusividade.

Dessa forma, o projeto de modernização e expansão capitalista no interior do

Brasil e, mais especificamente, no centro-oeste brasileiro foi atendido a contento,

tendo sua realização na migração e colonização, pois, segundo o discurso gaúcho

corrente na região, é que os gaúchos acordaram a potência que estava adormecida,

que é Mato Grosso (CARVALHO, 2012), e isso vale também para Mato Grosso do

Sul.

No entanto, foi possível mostrar, pelos menos em parte, como Coxim está

inserida na lógica da formação da rede etnorregional gaúcha. Este município é um

ponto a que se liga diversos pontos dessa grande rede e reforça as identidades,

que são construções sociais formuladas a partir da diferença, mas indispensável

como ponto de referência, a partir da vivência do cotidiano.

14

Sobre o conceito de establishment ver: ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os Outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

Page 78: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

77

3.4 COXIM GAÚCHA?: A CONSTRUÇÃO DE UMA ELITE REGIONAL

Após discutir sobre a rede etnorregional gaúcha, buscar-se-á apresentar a

identidade gaúcha a partir da autorrepresentação da elite gaúcha coxinense e dos

gaúchos que migraram no período pós-década de 1970. Esse momento representa

o da abertura da fronteira agrícola por parte dos governos militares, no qual se

buscou estabelecer um projeto de colonização e modernização da região.

Os gaúchos que migraram para Coxim, na sua grande maioria, são pessoas

ligadas a atividades agrárias e suas cidades de origens são cidades de pequeno

porte. Esse processo de diáspora é percebido em entrevistas com migrantes

gaúchos, realizadas no ano de 2009, pois quando interrogados acerca dos motivos

que os trouxeram a Coxim, respondem que vieram “motivados pelas oportunidades

de trabalho, pois Coxim na época era terra de oportunidades” (VIEIRA, 2009). E

também em outro momento desse estudo, já em 2012, podem-se observar

respostas semelhantes como: “Meu pai já estava aqui, meu pai veio com os irmãos,

todos procurando uma vida melhor, veio pra trabalhar mesmo, nós viemos trabalhar

mesmo, porque Mato Grosso era a busca” (MIRANDA, 2012).

Por conseguinte, é possível perceber que a intenção do migrante gaúcho é

buscar uma melhor condição de vida, ter trabalho, preservar e/ou reproduzir o seu

modo de viver em outra região, como é caso de Coxim. E, de uma forma geral, a

região centro-oeste e Amazônia. Portanto, um dos fatores estruturais da migração

gaúcha era a necessidade de sobrevivência, uma vez que no Rio Grande do Sul, o

espaço físico, estava se reduzindo paulatinamente, ao contrário dos “sertões” ou

florestas mais ao norte do país, que ainda tinham terras “livres”, para o

desenvolvimento de projetos de colonização, sendo que o governo não levava em

consideração as áreas habitadas por povos indígenas e populações extrativistas.

Ao tratar de questões identitárias, a partir de movimentos migratórios

associados à Nova Fronteira Agrícola das décadas de 1970 e 1980, buscou-se

estabelecer a relação da identidade do migrante com aqueles que já estavam

fixados em Coxim. Também, busca-se analisar, com base em Elias (2000), alguns

comportamentos sociais desse grupo de migrante que se tornou established,

enquanto que os autóctones que se pode denominá-los outsiders, pois:

Page 79: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

78

As categorias estabelecidas e outsiders se definem na relação que as nega e que as constitui como identidades sociais. Os indivíduos que fazem parte de ambas estão, ao mesmo tempo, separados e unidos por um laço tenso e desigual de interdependência. [...] Superioridade social e moral, autopercepção e reconhecimento, pertencimento e exclusão são elementos dessa dimensão da vida social que o par estabelecidos-outsiders ilumina exemplarmente: as relações de poder. (NEIBURG apud ELIAS; SCOTSON, 2000, p. 08).

O processo de formação da identidade coxinense e a identidade do migrante

perpassam por relações de poder, que se expressam na análise das entrevistas com

os migrantes, realizadas nesse trabalho. Boa parte dos entrevistados entende que:

“O estado deve muito a migração, pois a migração trouxe a modernização da

agricultura. Pecuária, pecuária é mais ligada aos paulistas” (KOHL, 2009). Outro

entrevistado assevera:

[...] o gaúcho contribuiu com a pecuária, a agricultura e a abertura de empresas e também a modernização do campo de modo geral, pois muitas coisas não existiam aqui e com a chegada dos gaúchos passaram a existir como empresas que vende máquinas agrícolas e o próprio setor secundário. (VIEIRA

15, 2009).

Esse sentimento de dívida/cobrança extrapola, muitas vezes, para outro de

superioridade em relação a outros elementos componentes do amálgama social

coxinense, isto é:

Os gaúchos que vieram para cá vieram com capital, são especializados na agricultura, pois na minha geração tem 66 netos só 2 não são formados, com nível superior, eu sou agrônomo, meu irmão, [...] é agrônomo, tem outros que são também, outros são veterinários, médicos, dentistas, etc. já os nordestinos são retirantes, não tinham capital, são a maioria analfabeto ou semi-analfabetos [sic], vivem da exploração da terra, pois enquanto a terra tá dando alguma coisa estão lá, como retirada da madeira, são extrativistas (KOHL, 2009).

O elemento nordestino aparece carregado de estereótipos e estigmatizado,

em oposição à “superioridade” dos forasteiros gaúchos. Segundo Elias (2000), essas

relações de poder e de sentimento de superioridade se expressam não apenas por

questões materiais. Em geral, o grupo que se coloca numa posição de superioridade

atribui a seus membros características humanas superiores; portanto, exclui todos

os membros do outro grupo do contato social não profissional com seus próprios

15

O Sr. Dorvalino Vieira é migrante gaúcho, tem como atividade econômica a agropecuária e chegou à cidade de Coxim em 1980.

Page 80: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

79

membros. O tabu em torno desses contatos é mantido por meio de controle social

como fofoca elogiosa [praise gossip], no caso dos que observavam, e a ameaça de

fofoca depreciativa [blame gossip] contra os suspeitos de transgressão (ELIAS;

SCOTSON, 2000, p. 20).

Não se afirma, contudo, que essa relação tenha se dado em termos tão

nevrálgicos de separação, como na análise de Elias e Scotson (2000) de uma aldeia

inglesa. Porém, não restam dúvidas de que o binômio estabelecido/outsiders pode

ser percebido no âmbito das relações sociais dos migrantes gaúchos com os

elementos ditos “coxinenses” (pantaneiros/nativos, nordestinos e descendentes).

Entretanto, na análise de Elias e Scotson (2000), os estabelecidos fincavam

bases de poder na questão da antiguidade, em outras palavras, eram “os que

chegaram primeiro ou sempre estiveram ali”. Em Coxim, essa relação se dá de

forma inversa, os migrantes sul-rio-grandenses, ou pelo menos aqueles que são

ricos, tornaram-se parte do establishment local, assim os migrantes gaúchos

imbuídos de valores simbólicos ditos superiores (origem étnica, origem geográfica) e

alicerçado por uma rede regional que se formou ao longo do processo migratório, se

colocaram em posição de superioridade em relação aos demais, como se pode

observar a seguir no trecho da entrevista:

Essas colônias aí, Paredes, São Romão, Cearense, Planalto eram de nordestinos e quando elas param de dar alguma coisa eles vieram todos para a cidade e aí surgiu o Grilo. Em 1981 fiz muitos ProAgro [seguro agrícola], pois nessas colônias tinham plantações de algodão, o algodão só em falar em frio ele já cai. Mas os gaúchos têm mais tradição agrícola e modernizou a agricultura e os nordestinos não; então essas colônias voltaram a ser fazendas novamente. (KOHL, 2009).

As respostas dos migrantes vão, em geral, ao encontro das assertivas de

Elias e Scotson (2000), pois é possível notar sempre um tom de superioridade na

fala dos entrevistados em relação ao migrante nordestino. Os atributos que os

distinguem positivamente em suas autorrepresentações aparecem invariavelmente:

poder econômico; formação acadêmica; origem sulina; e se acrescentaria também, a

disponibilidade para o trabalho e acumulação de capital.

É explícito, considerando as afirmações de Elias e Scotson (2000) e das

entrevistas, como se dá a relação entre esses dois grupos na cidade de Coxim: os

detentores de melhores condições econômicas e formação acadêmica que se

sobrepõem ao restante, usando de generalizações para com o outro. Isso se dá,

Page 81: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

80

sobretudo, no aspecto social, conforme se pode perceber, quando imputam – quase

como algo inato – aos nordestinos, o fato de não conseguiram cultivar a terra e

virem à cidade formar as regiões periféricas, chamadas popularmente de grilos ou

mesmo quando relaciona a população autóctone como descansada e que não pensa

na acumulação do capital como eles.

O establishment reforça o seu controle a partir das estruturas de coesão de

grupo. A superioridade se solidifica, por meio da coesão do grupo social, pois em

Coxim o grupo social visivelmente mais coeso é dos gaúchos; esses tem um próprio

código de relacionamento que se materializa no CTG (Centro de Tradições

Gaúchas), onde se reúnem para cultivar os costumes do tradicionalismo, um centro

de convivência cultural, e porque não, de manutenção de sua distinção social.

Quanto maior o grau de coesão, mais tendência tem o grupo em se colocar

em posição superior (ELIAS, 2000). Portanto, aqueles que aqui estavam antes dos

gaúchos (maioria), quanto àqueles que chegaram à mesma época, vindos de outras

regiões, não possuem o mesmo grau de coesão social do que os sulistas ou o seu

poderio econômico não é tão expressivo em relação aos demais.

Os gaúchos estabelecidos em Coxim, provavelmente se tornaram coesos a

partir de questões como a origem geográfica, bem como as suas atividades

econômicas desenvolvidas pós-migração. Esses aspectos mencionados podem ter

contribuído sim, para a coesão do grupo, mas também, deve ser considerada o

papel da rede regional que é concretizada no CTG e no movimento tradicionalista.

Essa coesão do grupo social pode ser notada nas entrevistas, quando se trata

do assunto do CTG. Sobre sua fundação:

Surgiu da necessidade de se ter um local de encontro em Coxim, e em 1988 em uma reunião na Área de Lazer do 47 BI reuniram vários segmentos da sociedade e foi fundado o CTB (Centro Brasileiro de Tradições) que iria abranger toda a sociedade, porém no fim fundamos o CTG, devido aos interesses dos demais segmentos que não deram prosseguimento a proposta inicial. (KOHL, 2009).

Tradicionalmente, os clubes sociais em cidades pequenas reúnem a “boa

sociedade”, o establishment local. Essa tentativa de criar uma agremiação que reúna

“os coxinenses” em geral, em torno de um “tradicionalismo” genérico, fracassa. A

coesão dos imigrantes sul-rio-grandenses e a existência previam uma rede mais

ampla, os CTGs e o tradicionalismo gaúcho, levaram a criação de uma organização

Page 82: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

81

com uma identidade específica, a gaúcha, em torno da qual os demais, em grande

parte, acabariam por se reunir.

Os autóctones, entre eles nordestinos, que tem um fluxo migratório anterior,

possuem um estilo de vida em comum e se conhecem há mais de duas décadas, se

sentem de forma semelhante ao estudo de Elias e Scotson (2000) que:

[...] o afluxo de recém-chegados a seu bairro [...] como uma ameaça a seu estilo de vida já estabelecido, embora os recém-chegados fossem seus compatriotas. Para o grupo nuclear da parte antiga de Winston Parva, o sentimento do status de cada um e da inclusão na coletividade estava ligado à vida e às tradições comunitárias (ELIAS; SCOTSON, 2000, p. 25).

Pode ser que os autóctones ou nordestinos mais antigos tiveram essa reação

no momento da proposição de fundação do “Centro de Tradições Brasileiras”, que

nunca saiu do papel, pois é possível observar, a partir da perspectiva do gaúcho,

que os demais, de certa forma, se fechavam aos recém-chegados, com isso

protegendo sua identidade grupal (ELIAS; SCOTSON, 2000).

Os “estabelecidos” em Coxim afirmam que “[...] o CTG se descaracterizou

muito a partir da introdução de outras culturas, pois hoje já não se realiza os bailes

sociais do CTG [sic]” (KERN16, 2009). Nota-se a repulsa do grupo que se manteve

coeso em aceitar a cultura do outro; no exemplo de Elias e Scotson (2000), a cidade

de nome fictício, Winstom Parva, o grupo coeso e “moralmente superior” via a

introdução do outro em seus espaços como elemento descaracterizador e

ameaçador da própria sobrevivência da identidade.

O que deve ficar claro é que o migrante gaúcho se tornou “estabelecido” por

meio de sua coesão grupal e de sua superioridade econômica. Sobrepôs-se aos

demais segmentos da sociedade coxinense, mesmo sendo minoria numericamente.

As suas tradições são mais visíveis e a construção local da identidade gaúcha foi

realizada a partir do momento em que é configurado um ponto de encontro para o

cultivo e invenção dos hábitos e tradições em comum, o CTG Sentinela do Pantanal.

Ao entrevistar os migrantes gaúchos foi possível notar a sua identificação com

o local, porém, algumas ressalvas, já que os costumes e o meio social são

diferentes, mas “o melhor local de se viver é o lugar que se ganha dinheiro, que cria

seus filhos, onde se vive” (VIEIRA, 2009).

16

Carmo Kern é gaúcho, chegou em Coxim na década de 1980 e desenvolve como atividade econômica o comércio na cidade de Coxim.

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82

O gaúcho é um migrante que carrega os valores culturais consigo, em parte

graças a essa posição de establishment, que tem um papel fundamental na

construção da identidade etnorregional gaúcha nas regiões de fronteira e tendo

como principal instrumento o CTG, que é:

[...] antes de tudo uma ‟instância simbólica‟ [...] que procura integrar ao indivíduo (seja migrante ou não) uma agremiação com as mesmas características do grupo local que ele perdeu ou teme perder: o pago. [...] existe um poder simbólico que legitima a „integração fictícia da sociedade' através de um arsenal ideológico produzido pelas classes dominantes ou hegemônicas. (ROCHA, 2006, p. 80).

Esse símbolo para os gaúchos migrantes é muito forte, pois eles se unem por

intermédio do CTG para matar a saudade, pois a criação de um local de convivência

cultural facilita que os gaúchos se adaptem a qualquer região, pois segundo Kaiser

(1999, p. 31),

Os gaúchos formam um grupo social que se vale do discurso étnico regional [sic] como diacrítico fundamental na construção de sua identidade. [...] E é através do culto a valores éticos, morais e práticas sociais consideradas seletas e o estabelecimento de tradições que justifiquem e glorifiquem as características étnico-regionais [sic] da cultura que os gaúchos geram e mantêm o sentido de sua identidade.

Todavia, apesar da coesão do grupo, o “gaúcho” é um grupo identitário

relativamente aberto. Afinal não ter nascido no Rio Grande do Sul que é o que define

ser um gaúcho, como revela o seguinte comentário:

[...] sentimento de pertencimento ao gauchismo está vinculado ao conhecimento e domínio da cultura gaúcha. Não apenas o fato de ter nascido no Rio Grande do Sul ou andar pilchado que torna um indivíduo ‟gaúcho‟. Nesse sentido acredito que ser gaúcho é um estado de espírito. (ROCHA, 2006, p. 79).

As identidades surgem em contextos concretos de interação (KAISER, 1999,

p. 33), pois a identidade é algo que se dá nas relações sociais entre um determinado

grupo e os demais grupos em dados espaços. Não há como descartar a ideologia

que o migrante carrega consigo e tenta reproduzir no novo espaço em que se

estabelece. Isso é visível na fala das pessoas que se entrevistou. Acrescenta-se,

assim, que:

Page 84: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

83

Os CTGs surgiram no Rio Grande do Sul, para preservar a tradição e os costumes. Pois é um local onde se aprende a respeitar os mais velhos, a dançar é um centro de convivência cultural. [...] foi um movimento cultural contra a revolução americana e o objetivo era resgatar os costumes gaúchos, quem cultuava essa cultura eram os grossos, e o gaúcho em contraposição a cultura de massificação norte americana resgata os costumes e a cultura gaúcha através dos CTGs, e a partir de 1970 surgem a gurizada, uma nova geração que continua com esses objetivos (KOHL, 2009).

Por conseguinte, ao final dessa discussão, é bem perceptível a constatação

do estabelecimento do migrante gaúcho, de tal forma que a elite local passou a girar

em torno de tal identidade. Mesmo que se coloque como um grupo minoritário de

migrantes, manteve, entre outras questões, o que Elias e Scotson (2000) afirmam, a

coesão de grupo. Isso também fez com que se reproduzisse uma dada identidade

gaúcha, mesmo longe de seu espaço geográfico original, houve a construção de

certos elementos culturais diacríticos, a partir da relação com o outro.

Por que esses migrantes gaúchos não deixam de praticar as suas

diferenciações identitárias ou as reinventam? Na tentativa de explicar de maneira

mais coerente essa questão, buscaram-se subsídios nas teorias sociológicas das

migrações. Entendendo o conceito de migração como um fato social, em que os

seus atores migram em geral em grupos familiares e articulados em rede de

interações sociais que facilita a sua interação ao novo espaço geográfico (DUHRAM,

1984 apud BRITO, 2009, p. 11). E no caso das migrações gaúchas, as redes de

interações sociais podem ser chamadas de redes etnorregionais gaúchas que foram

se formando ao longo do processo de modernização, colonização e expansão da

fronteira agrícola, na segunda metade do século XX.

Portanto, essa discussão buscou apresentar a identidade gaúcha em Coxim,

bem como sua invenção. Buscou-se, sobretudo, reconhecer o valor de conhecer a

identidade de um grupo social da população pelo processo migratório e, também, as

transformações sociais e identitárias ocorridas ao longo do tempo analisado, e de

como esses migrantes se relacionam com os demais grupos, pois “[...] do ponto de

vista do desenvolvimento capitalista ou da modernização da sociedade, a migração

é parte da cultura brasileira, como caminho para a mobilidade social do indivíduo”.

(BRITO, 2009, p. 10). E, no caso dos migrantes gaúchos, tornaram-se a “elite

econômica” de Coxim, pois a identidade gaúcha em Coxim está associada e é

compreendida como parte da constituição do processo de colonização/migração da

Page 85: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

84

metade do século XX, e está ligada intimamente a expressão de elite econômica nas

regiões de fronteiras agrícolas do Brasil.

Page 86: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

85

4 MEMÓRIA, MIGRAÇÃO E IDENTIDADE: A NEGOCIAÇÃO DA IDENTIDADE

GAÚCHA EM COXIM

Neste capítulo busca-se esclarecer alguns elementos constitutivos de como a

identidade gaúcha foi constituída em Coxim. Para isso foi necessário fazer uma

discussão acerca de questões metodológicas quanto ao uso da História Oral. A

interpretação da identidade gaúcha em Coxim, desenvolvida nesta pesquisa, está

pautada em tal metodologia.

4.1 HISTÓRIA ORAL, IDENTIDADE E MEMÓRIA

Alguns elementos de metodologia do trabalho devem ser explicitados,

especificamente, a metodologia da História Oral. Isto porque (ou recurso que) dá

sustentação para as entrevistas que se realizou com o grupo de gaúchos ligados ao

CTG Sentinela do Pantanal e sócios que não tem a “origem gaúcha”.

A partir de várias leituras sobre a história oral, é que houve o entendimento

sobre essa metodologia usada em vários campos do conhecimento. Nota-se que

não há consenso geral entre os principais teóricos quanto a sua aplicação, pois

segundo Alberti (1997,p. 206), “[...] qualquer pessoa que queira entender um pouco

de história oral não escapa às discussões de ordem teórico-metodológica e ao

reconhecimento de que são várias as correntes e possibilidades dentro daquele

campo”.

A História Oral é um recurso utilizado, muitas vezes, para “criar” fontes

históricas quando não há. Quando, também, para elucidar uma tese, mas sua

abordagem deve partir de objetivos precisos da pesquisa que se está realizando e

esse é o procedimento entendido na perspectiva de Freitas (2002) e também na de

Bom Meihy (2000).

Alguns teóricos consideram que o uso da história oral e da memória pode

revelar possibilidades acerca da experiência social de determinados grupos ou

indivíduos, muitas vezes, negligenciados e abandonados pelos cientistas sociais.

Para Freitas (2002), o papel do pesquisador é fundamental na história oral, já que

Page 87: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

86

sem a sua mediação não existiria nenhum depoimento, mas cabe ressaltar que, a

partir da “[...] metodologia da História Oral produz-se uma documentação

diferenciada e alternativa à história, realizada exclusivamente com fontes escritas”.

(FREITAS, 2002, p. 28). Porém, não foi à única fonte ou recurso de uma pesquisa,

pois o uso do maior número de material pode enriquecer muito a pesquisa

(ALBERTI, 1997, p. 12).

Outro ponto importante na história oral é quanto à subjetividade, pois ela está

presente também nos depoimentos, pois este representa uma visão parcial do fato.

Há uma discussão, na história oral, quanto ao “peso” dos depoimentos, já que

uma entrevista pode não ser a opinião da maioria ou representar a memória da

coletividade, porém, alguns autores abordam essa questão de maneira contrária. A

memória individual não é fechada completamente, pois quando o indivíduo busca

um determinado fato passado, ele precisa reportar às lembranças dos outros, busca

“referências que existem fora dele e que são fixadas pela sociedade”.

(HALBAWCHS, 1990 apud PEREIRA, 1991, p. 114).

A crítica à História Oral talvez seja em relação à própria memória, pois a

memória muitas vezes pode ser falha e distorcer, “já que os homens reconstituem o

passado com o que eles sabem do presente” (DUVIGNAUD, 1990 apud PEREIRA,

1991, p. 114).

Nessa perspectiva, de que a memória é falha, às vezes ela pode ser

reveladora, segundo Pollack (1992) e Alberti (1997), no momento que há certas

distorções nos depoimentos, isso não significa que seja um dado negativo, mas

cabe ao entrevistador refletir e buscar explicações para tal.

Pollak (1992) levanta a questão acerca das distorções e gestão da memória,

pois uma história de vida pode apresentar pontos sólidos como pontos não sólidos e

a partir daí é que se identifica o “verdadeiro” ou, pelos menos, se aproxima dele,

apesar de não existirem verdades absolutas. Como foram levantados problemas de

interpretação, é necessário, que esse cuidado e observação, deva-se ter ao analisar

o processo de constituição das identidades. Isso é sentido quanto ao uso da

entrevista como fonte. Segundo Pollak (1992, p. 15), é preciso dar a devida

importância e observar o emprego dos pronomes pessoais nas entrevistas, pois são

os indicadores linguísticos que servem para aproximar ou distanciar os fatos ou

pessoas. Segundo o autor, essa possibilidade é “um indicador muito fidedigno do

Page 88: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

87

grau de domínio da realidade” e aponta pontos sólidos ou não da construção da

memória.

Mesmo tendo as suas distorções, a memória é mais uma fonte para se

averiguar o porquê de dados eventos, isto se deve ao fato de que:

[...] „peculiaridades da história oral„ podem ser mais uma fonte do que um problema. Ouvindo os mitos, as fantasias, os erros e as contradições da memória, e prestando atenção às sutilezas da língua e da forma narrativa, podemos entender melhor os significados subjetivos da experiência histórica (THOMSON, 2002, p. 355).

Por exemplo, para entender algumas questões como o silêncio dos gaúchos,

quando procurados para falar acerca do CTG e identidade gaúcha em Coxim, pode

ser um indício de como algumas questões, como conflitos sociais, podem estar por

trás da não revelação da memória e do silenciamento dos próprios integrantes do

grupo.

Discutindo memória e identidade, busca-se mostrar que a memória é

estruturada na identidade do grupo e a identidade do grupo é estruturada na

memória. (FENTRESS; WICKHAM, 1994).

Segundo Fentress e Wickham (1994), parte da memória é fato social, pois

parte dela são recordações privadas e pessoais. Isso leva a pensar na divisão da

memória em social e pessoal. A memória em si e por si tem o caráter subjetivo, mas,

quando estruturada pela linguagem e que são compartilhadas por uma coletividade,

torna-se uma memória social. A memória é parte integrante do ser, pois se é aquilo

que se recorda, podendo identificar seja individualmente ou coletivamente, pois

segundo os autores, isso está estruturado nas memórias.

Para o tema memória tem-se, também, o entendimento a partir da perspectiva

de Candau (2011), que discute o processo de transformação da memória individual

em memória coletiva e, consequentemente, a identidade.

O objetivo principal da obra do citado autor é analisar as formas de

passagem “[...] de formas individuais a formas coletivas da memória e identidade”.

(CANDAU, 2011, p. 11).

O autor apresenta algumas ideias que estariam presentes “ad nauseam” em

várias publicações relacionadas aos temas memória e/ou identidade. Estes

conceitos de memória e identidade são fundamentais nas ciências humanas, pois,

segundo o próprio autor, existe, de certa forma, consenso de que a identidade é uma

Page 89: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

88

construção social, constante e redefinida em uma relação com o outro (CANDAU,

2011, p. 09).

Candau (2011) dedica parte da sua obra ao mapeamento de conceitos e

questões ontológicas acerca da memória. O autor estabelece a abordagem da

memória em três níveis: sendo o primeiro denominado de memória de baixo nível ou

protomemória, composta pelo saber e pela experiência mais profundos. O segundo

nível é a memória de alto nível ou memória de lembranças (ou de reconhecimento),

que incorpora vivências, saberes, crenças, sentimentos e sensações; e o terceiro

nível é a metamemória que é a representação que o indivíduo faz da sua memória, é

a ligação entre o indivíduo e o seu passado.

O citado autor discute as diferentes formas de construção e reconstrução da

memória e identidade mostrando o papel fundamental da memória no processo de

construção da identidade. A memória é fundamental no processo de construção da

identidade, mas para ela existir é necessário estar em relacionamento com o outro,

pois, segundo Candau (2011), o trabalho da memória é sempre coletivo, assim como

é impossível dissociar “[...] os efeitos ligados às representações da identidade

individual daqueles relacionados às representações da identidade coletiva”.

(CANDAU, 2011, p. 77).

Portanto, esta pesquisa parte de tais parâmetros acerca de memória e

identidade e da metodologia da História Oral para entender a identidade gaúcha em

Coxim.

4.2 NEGOCIAÇÃO DA IDENTIDADE

As migrações internas no Brasil ocorridas na segunda metade do século XX,

são compreendidas pelos deslocamentos inter-regionais e intrarregionais que

aconteceram, possivelmente, a partir da necessidade de melhores condições

socioeconômicas e familiares. E, nesse contexto, o migrante se configurou como

agente transformador de determinados espaços sociais, pois eles são capazes de

evidenciar as características da identidade local e pela sua condição de migrantes

são, muitas vezes, obrigados a negociar sua identidade. Nesse sentido:

Page 90: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

89

As migrações redesenham o perfil das cidades e afetam as concepções de pertencimento, alteridade e identidade, mas a juventude é possivelmente mais capaz de dialogar com a identidade tradicional e migrante por estar permeada pelos valores da modernidade ou do mundo hodierno, o que provavelmente acontece em menor incidência com as gerações mais velhas (ALMEIDA 2010, p. 150).

Situação como essa é bem visível, quando se fala da identidade gaúcha em

Coxim, pelo fato de que, quando perguntado para os migrantes oriundos do Rio

Grande do Sul ou aqueles que são participantes do CTG Sentinela do Pantanal: a

que eles atribuem o declínio do CTG na cidade? Os migrantes atribuem, de certa

forma, ao que se chama de negociação da identidade que os seus filhos fizeram

com a população local, muitas vezes porque seus filhos foram crescendo e

adquirindo hábitos ou misturando com os da população já existente ou, até mesmo,

saindo da cidade, como se pode conferir em trechos das entrevistas a seguir:

[...] chimarrão os meninos já não gostam, os meus filhos já não tomam muito, eles gostam do tereré sul-mato-grossense (ANDRADE

17, 2012).

[...] tinha grupos de danças, mirim, adulto, e eram contratados professores de dança para dá aula para gurizada, então Coxim chegou a sediar um encontro nacional, sediou um FEGMS, também que é o estadual e era muito forte mesmo. Agora o problema é o seguinte, a gurizada se não tiver o incentivo dos pais vão abandonando, então hoje a gurizada mais jovem não cultua mais e os mais velhos devido à ocupação, infelizmente (MARQUES

18, 2012).

Portanto, a segunda geração de gaúchos ou do que seriam gaúchos optaram

por uma negociação da sua identidade, acabaram se integrando aos hábitos da

sociedade local. Mesmo porque a cidade não oferece estrutura em formação e é por

esse motivo que muitos deixaram a cidade para estudar na capital Campo Grande

ou em outros centros. Alguns casaram com pessoas da cidade ou que vieram de

outro lugar e não tinha ligação com a identidade gaúcha, pois a cidade de Coxim

recebeu migrantes de várias partes do Brasil.

Os “migrantes são novos agentes sociais que, na medida em que se

mobilizam ao ‟lugar de destino', apropriam-se e integram o território ao longo do

17

Neide Salete Cervieri de Andrade é filha de gaúchos nasceu em Santa Catarina, chegou em Coxim em 1975, é bacharel em turismo e pós-graduada (lato sensu) em Educação a Distância e trabalha na Fundação Educacional de Coxim. 18

Maurílio Macir Martins Marques ou simplesmente Maurílio Santiago é natural de Santiago no Rio Grande do Sul é formado em jornalismo, locutor de rádio, empresário e chegou em Coxim em 1989.

Page 91: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

90

tempo” (ALMEIDA, 2010, p. 154). Os migrantes gaúchos ao se consolidarem

socialmente e economicamente interferiram nas relações sociais até então

estabelecidas. Em muitos casos, essa relação pode ser de difícil inserção –

outsiders –, mas em Coxim, a situação foi um tanto diferente, não foi

necessariamente preciso da afirmação geracional para que se tornassem

estabelecidos, conforme foi discutido nos capítulos anteriores. Muitos migrantes

atribuem esse fato a hospitalidade da população com os migrantes, pois nenhum

dos entrevistados se queixou da recepção ao chegar a Coxim, ao contrário,

elogiaram bastante a forma que a população os acolheu.

Ao longo do tempo os gaúchos negociaram com a identidade local, pois

mantiveram as suas tradições e foram acrescentado elementos da cultura local,

conforme o relato de uma entrevistada quando faz referência ao churrasco:

O churrasco daqui é diferente do Rio Grande do Sul, o churrasco do Rio Grande do Sul tem acompanhamento de saladas, maionese, mandioca, cuca, aqui o churrasco é a carne, a mandioca, o arroz, o empamonado e o vinagrete, não é dessa forma que é o churrasco lá, então eu noto hoje que tem uma interação muito boa e que cada tradição contribui para o desenvolvimento de Coxim, eu acho que não existe essa rivalidade de que eu sou isso, ou sou aquilo, eu vejo que há uma convivência muito boa, lógico que cada qual procura preservar a sua tradição. (CARLING MARTINS

19, 2012).

Assim como é citado por Nodari (2009, p. 107) de que o processo de

pertencimento gerou uma dupla lealdade aos teutos que migraram para o oeste

catarinense, pode-se usar esse exemplo para comparar ao caso de Coxim em

relação gaúcho. A renegociação da identidade gaúcha fez com que surgisse uma

nova redefinição para a identidade gaúcha. A redefinição dessa identidade gaúcha é

sentida, sobretudo, na segunda geração de gaúchos (filhos dos migrantes oriundo

do Rio Grande do Sul), pois como afirma um entrevistado: “A minha filha até os 12,

13 anos não aceitava que era coxinense, falava que ela queria ser gaúcha e nós

insistíamos que não, que ela era coxinense, por ela, dizia que era matucha, mato-

grossense com gaúcha, hoje ela ri, ela fala que ela é pantaneira” (CARLING

MARTINS, 2012).

Ao analisar esse trecho da entrevista é possível remeter à discussão, tanto

acerca da identidade regional quanto da questão etnicidade, tratado por Nodari

19

Inez Carling Martins chegou em Coxim em 1987, é gaúcha de Campina das Missões no Rio Grande do Sul, é professora da rede pública e particular de Coxim.

Page 92: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

91

(2009). A etnicidade significa que o indivíduo pertence e é reconhecido pelos outros

como integrante de um grupo étnico. Isso transforma em conceito-chave na análise

de integração do migrante e de seus descendentes. No caso da filha de gaúcho

citada, ser gaúcho não é um “estado de espírito”, mas uma identidade regional que

rivaliza e é excludente com outras, como a de pantaneiro.

Os grupos étnicos não se definem simplesmente por elementos culturais ou

tradicionais, mas como grupo de interesses, pois a etnicidade serve, nesses casos,

como meio de mobilização de determinadas populações, sobretudo, quando se

refere a questões de posições socioeconômicas na sociedade como um todo

(NODARI, 2009, p. 108).

No relato de Carling Martins (2012), a sua filha passa por essa situação, pois,

inicialmente, queria ser gaúcha e com o passar do tempo ela aceitou ser “matucha”

que é parte do resultado da renegociação da identidade gaúcha com a identidade

local. Enquanto que, atualmente, ela se reconhece como de identidade pantaneira20

que é uma identidade que passou por várias renegociações e que parte da

sociedade sul-mato-grossense se intitula como sendo dessa identidade pantaneira,

que possui um forte clamor popular no Estado de Mato Grosso do Sul. Essas

negociações podem ser entendidas:

Os limites dos grupos étnicos, por exemplo, precisam ser repetidamente negociados, e os símbolos ou tradições étnicas precisam ser repetidamente reinterpretados. O conceito de invenção permite o aparecimento, a metamorfose, o desaparecimento e o reaparecimento das etnicidades (CONSEN et al., 1992, p. 5 apud NODARI, 2009, p. 109).

A renegociação da identidade gaúcha, principalmente, dos mais jovens ou

dos filhos de migrantes sul-rio-grandenses depende dos espaços ou territórios, os

quais frequentam, pois “[...] inserem-se nos espaços citadinos, negociam sua

identidade outsider com a identidade dos estabelecidos” (ALMEIDA, 2010, p. 158).

De acordo com o que foi relatado na pesquisa de campo e nas observações

acerca da identidade gaúcha, os mais jovens renegociaram a sua identidade em

20

“[...] termo sujeito pantaneiro, este se refere a homens e mulheres que vivem na região do Pantanal, que tenham nascido ou não nesse espaço ou, ainda que já o tenham deixado, ainda mantêm algum tipo de vínculo com ele” (DELAMO; EDDINE; URT, 2012, p. 112). Existe também no Estado de Mato Grosso uma corrente de intelectuais, políticos, artistas e outros seguimentos sociais que buscam o reconhecimento e adesão, tanto dentro, quanto fora do Estado para que os indivíduos sul-mato-grossenses sejam reconhecidos como pantaneiros. Houve também no passado uma movimentação para que o Estado se chamasse Estado do Pantanal.

Page 93: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

92

detrimento da identidade gaúcha e a favor da identidade sul-mato-grossense –

pantaneira. Esta renegociação da identidade remete a projetos de vida e aos

campos de possibilidades como casamentos, negócios e política.

Esses indivíduos que renegociaram a sua identidade vivem, de certa forma,

um papel duplo, pois, conforme já mencionado anteriormente, de acordo com a

necessidade, é acionada as suas identidades, seja ela pantaneira ou gaúcha. Essa

dupla etnicidade possibilita uma maior adaptabilidade e solidariedade (dos filhos de

migrantes sul-rio-grandenses) aos grupos locais e aos grupos migrantes. Dessa

forma, seria um exemplo de como nesses tempos, para setores cada vez mais

amplos da sociedade, a identidade é líquida (BAUMAN, 2005).

4.3 A CONSTITUIÇÃO DA IDENTIDADE GAÚCHA EM COXIM

[...] o gaúcho é hospitaleiro e ainda mais longe da querência, uma que faz com que inclusive que se reúne, existe até uma piada que um gaúcho sozinho não é nada, dois começa uma roda de chimarrão, três gaúchos fundam um CTG e quatro quebra o Banco do Brasil. (MARQUES, 2012).

Para entender a identidade gaúcha em Coxim é fundamental compreender a

rede de migração gaúcha e o papel da identidade gaúcha, como fez Haesbaert

(1998) ou, em outras palavras, o que Kaiser (1999) menciona, pois se denomina de

“rede étnico-regional transnacional, cujo vértice é a região conhecida como pampa

gaúcho”. (KAISER, 1999, p. 98). O conceito de rede é fundamental para que se

entenda a constituição da identidade gaúcha em Coxim, pois não foram as

migrações, o fator principal para que ela acontecesse, mas as redes que foram

estabelecidas a partir dela.

A rede possui uma característica muito importante que é a de nunca conseguir preencher de forma contínua o espaço geográfico. Uma rede que se tornasse uma malha tão compacta a ponto de preencher todo um espaço deixaria de ser rede. É por isso que o uso do termo se disseminou com tanta rapidez nos últimos anos, num mundo em que a lógica ‟tradicional„ dos domínios territoriais (que BERQUE, 1985, denominou de lógica ‟areolar„) é cada vez mais suplantada por uma nova lógica ‟reticular„, onde uma espécie de ‟territorialidade pós-moderna„ é pautada pela fragmentação e sobreposição de territórios (HAESBAERT, 1998, p. 63).

Page 94: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

93

As redes sociais no processo migratório ocupam certa relevância como a

construção de base sólida de segurança, confiança, apoio e sociabilidade e, ainda,

informações. A rede social de familiares e conhecidos é a principal fonte de

informação para os novos egressos, assim como o grupo de espectadores que

permanece nos espaços por onde a trajetória perpassa, pois, percebe-se que:

O conceito de redes enfatiza que essas duas esferas entram em contato e se concretizam no interior de uma trama de relações pessoais, através das quais fluem as informações sobre trabalho disponível. São as relações pessoais que determinam quem partirá e tomará tal trabalho. A informação não é concebida como um bem livre: os indivíduos compartilham e dispõem de informações limitadas, sempre dependentes de sua rede de relações (TRUZZI, 2008:210 apud DESCONSI, 2011, p. 183).

Portanto, as redes reforçam a constituição de identidades étnicas, a partir da

relação que se tem com diversos outros grupos, pois, segundo Kaiser (1999), as

pessoas mantêm seus vínculos com os lugares de origem e suas tradições, mas

sem a pretensão de retorno, como é o caso de um entrevistado:

Quando eu me mudei pra cá, eu disse pra minha família lá no Paraná, eu disse pra minha mulher que eu estava escolhendo um lugar onde eu deixaria meus ossos e pelo menos até agora a ideia fixa ainda é essa, porque eu não pretendo me mudar daqui, não pretendo sair, pretendo continuar aqui até terminar. (MESSIAS

21, 2012)

Para Fazito (2002), as redes sociais são instituições invisíveis, no qual o

migrante se contextualiza, pois elas influenciam os grupos ou indivíduos a se

adequar a sistemas específicos, sobretudo, em uma análise relacional no processo

migratório. A abordagem sistêmica das redes sociais, no contexto migratório, torna

essas redes em conexão do sistema migratório, combinado com a possível análise

estrutural dos locais de expulsão e atração. Não cabe aqui efetuar toda essa análise

do processo migratório, basta indicar a existência da rede, como expresso no

excerto a seguir:

Eu tinha um irmão aqui, tenho até hoje que mora, e ele havia me feito um convite pra vir trabalhar com ele, pois ele tinha uma revenda, e me chamou atenção e em 1978 eu vim conhecer o Mato Grosso do Sul, vim até Rio Brilhante e Campo Grande e em 1980 eu vim a Coxim, olhei

21

Irajá Pereira Messias é natural de Ivair no Paraná, é advogado criminalista e chegou em Coxim em 1980, é sócio remido do CTG Sentinela do Pantanal de Coxim.

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94

Coxim, cidade feia e em 1984 resolvi largar mão de ser bancário e vim enfrentar uma vida diferente, daí vim parar aqui (CENTENARO

22, 2012).

A partir do trecho da entrevista, observa-se a rede que foi estabelecida, pois,

inicialmente, veio o irmão para, em seguida, vir para Coxim, mesmo sendo uma

cidade “feia” que não oferecia nada na época. O contato que esse migrante tinha foi

por meio do irmão e isso possibilitou a sua vinda para Coxim. Outro fator importante,

nesse processo de constituição das redes, é a aplicação da mesma.

As Redes Sociais e a sua aplicação é possível por intermédio de dois

caminhos, sendo o primeiro que os fluxos migratórios acontecem entre duas ou mais

regiões e a relação dos indivíduos com a região. O segundo caminho é o da

interação entre os migrantes, não migrante e “instituições”. Este último é aquele que

constitui as redes sociais, pois a rede é um instrumento de avaliação das estruturas

e a sua relação com os atores (FAZITO, 2002, p. 14).

O autor supracitado coloca que rede social na migração é diferente de rede

migratória, pois a primeira está ligada ao conteúdo da rede social e suas relações

sociais, já a segunda é um tipo de rede social.

Segundo Tilly (1990 apud FAZITO, 2002), as categorias são moldadas no

destino, mas pode ser que não seja somente no destino, mas no processo de

estabelecimento em determinados espaços, e, principalmente, a partir da relação

com o outro, por isso, é importante saber sobre a necessidade da rede, como que é

estabelecida antes, durante e depois do processo migratório, conforme se observa

em relatos dos migrantes em Coxim:

Eu até me dei muito bem, pois a gente tem um pouco de facilidade em ter amizade [...] eu gostava muito de jogar futebol, cheguei aqui, já comecei a jogar futebol, então você começa a ter entrosamentos um pouco mais assíduos, e nos tínhamos uma turma de gaúchos que morávamos aqui, apesar de poucos, mas praticamente todos os finais de semana, se iam no almoço estava todo mundo, era bem maior o convívio dessa turma, o entrosamento, do que hoje, hoje cada um vive pra si, uns saíram, outros ficaram, cada um na sua casa, uma coisa bem diferente, naquela época não, todos os fins de semana você ia no restaurante, tava toda a gauchada lá, então... dias de semana vinham esses produtores que moravam em Sonora, moravam na fazenda, pessoal vinham pra cá, ah... vamos almoçar todo mundo junto e nisso a gente se ia almoçar lá e se reunia 10, 20 pessoas lá no próprio dia de semana, então essas coisas foram facilitando o convívio e estamos aí até hoje (CENTENARO, 2012).

22

Ademir Centenaro e natural de São José do Ouro no Rio Grande do Sul, é comerciante e pecuarista e chegou em Coxim em 1984.

Page 96: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

95

Nota-se que a rede aqui foi construída após a chegada desse migrante e que

é composta por uma elite fazendeira. Percebe-se que o ponto de convergência

desse grupo está em um determinado espaço geográfico, idealmente, ao Rio

Grande do Sul e na prática a espaços de sociabilidade ou atrelado a algumas

atividades sociais como o futebol e o ato de ir ao restaurante nos fins de semana.

Mantendo a relação de entendimento, afirma-se que:

1) Rede social consiste no conjunto de pessoas, organizações ou instituições sociais que estão conectadas por algum tipo de relação. Uma rede social, em virtude do processo em torno do qual ela se organiza, pode abrigar várias redes sociais; 2) Rede pessoal representa, então, um tipo de rede social retida que se funda em relações sociais de amizade, parentesco etc. (SOARES, 2002, p. 12).

Em Coxim, a rede social dos gaúchos é marcada pela amizade e pelo

entrelaçamento de algumas famílias e o CTG, pois inicialmente o migrante gaúcho

tem como ponto de convergência o Estado do Rio Grande do Sul e, aos poucos,

outros elementos vão integrando essa rede, que é o espaço de representação,

nesse caso, a instituição CTG, pois junto com os migrantes também se deslocam as

suas relações, ou parte delas (DESCONSI, 2011, p. 180).

O migrante sul-rio-grandense carrega consigo o “mito Gaúcho” como homem

da fronteira, pois o discurso do gaúcho, os conflitos e revoluções, a formação étnica

do gaúcho e diáspora e o seu relacionamento com os outros são pontos que

agregam e ajudam a formar a sua rede social, não somente a social, mas uma rede

etnorregional gaúcha, conforme indica o seguinte autor:

Os gaúchos fora do Rio Grande do Sul partilham um conjunto de práticas e representações expressas no „ser gaúcho‟. Este sistema é baseado em valores de pertencimento comuns fincados no tipo regional de homem da fronteira e em costumes e valores ligados à região da Campanha. Ou seja: quando constroem uma identidade social em comparação com a população local de seus novos locais de moradia, é recorrente o uso do passado rural do Rio Grande do Sul e da figura mítica do gaúcho como diacrítico para estabelecer distinções. (KAISER, 1999, p. 60).

Portanto, a partir de observações feitas nas entrevistas realizadas com

migrantes, que são reconhecidos e se reconhecem como gaúchos e do

entendimento do que são as redes sociais e a rede etnorregional, pode-se afirmar

que os gaúchos, em Coxim, são um grupo que conseguiu estabelecer uma rede

social e se porta como um grupo étnico, sendo que os elementos diacríticos da

Page 97: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

96

formação da identidade gaúcha em Coxim, não fogem daquilo que tem apontado em

outros estudos já realizados. Como exemplo desses elementos diacríticos, retoma-

ser a discussão sobre o “trabalho”.

Como já se argumentou, o trabalho é um elemento tomado como

diferenciador entre o gaúcho e os demais, “pois dos vários elementos diacríticos

para a identidade gaúcha, que marcam a fronteira entre Nós e o Outro, o trabalho é

um elemento central” (CARVALHO, 2012, p. 126). A questão do trabalho é um

elemento que está presente em várias pesquisas acerca da identidade gaúcha fora

do Rio Grande do Sul, pois pesquisas como a de Rocha (2006) realizadas na cidade

mato-grossense de Lucas do Rio Verde, mostra esse elemento de identidade

gaúcha como empreendedores e são legitimados pelos seus pares. A pesquisa de

Carvalho (2012) também aponta para a mesma questão:

Que, enquanto grupo étnico, recebe adesões não apenas de sul-rio-grandenses e seus descendentes, mas de outros grupos. Apesar de nem todos os gaúchos serem fazendeiros, bem pelo contrário, a identidade gaúcha no Estado de Mato Grosso é associada ao establishment. Mas, independente de serem patrões ou empregados, a adoção do trabalho como uma característica para demarcar a fronteira entre o Nós e o Outro contribui para impelir tanto aos gaúchos como aos Outros em direção de uma ascese do trabalho, na qual tempo é dinheiro, e trabalho é igual a produção de riqueza pecuniária (CARVALHO, 2012, p. 125).

Gaúcho é o grupo que se autorrepresenta como trabalhadores e, em grande

parte, os demais como preguiçosos como se pode observar, a seguir, na entrevista

com um migrante sul-rio-grandense:

O que não se pode é deixar de frisar é que com a chegada do gaúcho a evolução foi grande, o gaúcho veio aqui, o gaúcho começou a abrir fronteira, abrir áreas e onde o pessoal ficava muito de olho [...] eles quando viram os gaúchos chegarem aqui, um gaúcho sair às 04 horas da manhã para ir à fazenda pra voltar e trabalhar as 08 horas isso aí era inadmissível, os caras fazer isso, os caras são loucos, então sempre nossa meta foi vê o dia de amanhã, depois, enxergar mais longe... a mentalidade do pessoal daqui, a deles é viver hoje, o que interessa é o hoje, se ganhar mil reais hoje e gastar mil reais hoje tá de bom tamanho, e para nós gaúcho é diferente, sabemos se ganharmos mil hoje, amanhã ou depois, podemos ficar três dias que não vamos ganhar e nós vamos manter isso aí, porque futuramente vai fazer falta pra nós, então essas disparidades é que tem muito aqui, com a nossa chegada começou coalhar muita coisa, aí o gaúcho começou a fazer, começou a adquirir capital e botar coragem nas coisas, fazer isso, fazer aquilo e muita gente começou a se espelhar no gaúcho, que viram que no gaúcho passou a ser um incentivo para eles e não só a região de Coxim, mas se nós pegarmos todo Mato Grosso do Sul, Maracaju hoje é gaúcho, Chapadão do Sul é gaúcho, São Gabriel (do Oeste) é região

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97

de gaúcho, quer dizer tudo foi alavancado em função que veio gente de fora com uma visão diferente da deles (CENTENARO, 2012).

A associação de trabalho e gaúcho é algo muito presente e relevante na

identidade gaúcha em Coxim, pois as entrevistas levam a essa conclusão: de que o

trabalho é um elemento diacrítico da identidade gaúcha. O que, segundo Carvalho

(2012), é uma forma de deslegitimar o Outro na tentativa de implantar uma lógica

produtivista, típica da sociedade industrial. Essa ideia é também exposta por Kaiser

conforme se pode observar:

Os gaúchos se veem como empreendedores que levam a civilização e o desenvolvimento onde se instalam, criando empregos e novas oportunidades. Sua presença em regiões fora do Rio Grande do Sul intensificou-se nas últimas décadas. Ganhou dimensão transnacional e visibilidade nacional. Recentes reportagens publicadas na imprensa brasileira registram a presença gaúcha em quase todos os Estados brasileiros, seja pela sua participação social e econômica, seja pela criação de CTGs em outras localidades no Brasil e exterior, como nos Estados Unidos, Japão e América do Sul (KAISER, 1999, p. 51).

O trabalho é o elemento no qual está alicerçado a identidade gaúcha,

principalmente, o trabalho ligado à agricultura, “[...] e onde existir um chapadão e

terras agricultáveis pode ter certeza que lá vai ter um gaúcho” (MARQUES, 2012). O

trabalho é um elemento delimitador da fronteira entre o Gaúcho e o Outro.

Para tanto, buscou-se mostrar como a identidade gaúcha está estabelecida

em Coxim, sem a pretensão aqui de fazer um inventário de elementos diacríticos. No

item a seguir, buscar-se-á retomar alguns elementos da negociação da identidade

gaúcha em Coxim, agora a partir do CTG Sentinela do Pantanal.

4.4 A IDENTIDADE GAÚCHA, CTG SENTINELA DO PANTANAL E O

ESTABLISHMENT

A identidade gaúcha em Coxim foi permanentemente renegociada. O CTG

que simbolizava a expressão máxima dessa identidade é um bom lugar para

perceber isso. Como já citado, antes da fundação do CTG Sentinela do Pantanal,

em 30 de outubro de 1988,houve a proposta de criação de um Centro de Tradições

Page 99: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

98

Brasileira, portanto, com uma proposta mais ampla e não vinculada diretamente a

identidade gaúcha.

Ao analisar a questão, como já argumentado, pode-se buscar algumas

explicações para a identidade gaúcha em Coxim. O fato de ter sido fundada uma

instituição abrangente, mas, no entanto, não se consolidou, já que, segundo o

entrevistado a seguir, o grupo denominado genericamente de gaúchos estava mais

organizado e isso pode associar a ideia, principalmente, de uma rede etnorregional

consolidada. Outra possibilidade de não ter consolidado a ideia inicial do Centro

Brasileiro de Tradições Brasileiras é a relação desse grupo com os demais, que

apesar de ser lembrada como harmoniosa, implicava em confrontos.

Entre alguns exemplos de uma situação de confronto, relatada por muitos

participantes do CTG Sentinela do Pantanal, relaciona-se a sua inauguração. Neste

momento, os dirigentes haviam se organizado para que o idealizador do CTG em

Coxim pudesse arrematar a primeira dança do salão, mas, em meio ao leilão,

apareceu um participante do baile, um advogado nordestino e arrematou a dança.

No entanto, quando chegou ao final do baile, o participante que arrematou a dança

tinha que acertar o pagamento, mas não teve dinheiro para bancar tal dança. Então,

reuniram-se vários sócios do CTG e alguns amigos do advogado para resolverem a

situação. No desfecho, os amigos e sócios do advogado fizeram uma “vaquinha”

para pagar o débito da primeira dança do salão do CTG de Coxim.

Outro exemplo de como o confronto com o Outro é constituidor da identidade

é o próprio nome do CTG, como apresentado no relato que segue:

[...] o nome do CTG de Coxim de CTG Sentinela do Pantanal, devido o gaúcho ser acusado de destruir, sobretudo os de São Gabriel do Oeste, o nome tenta conscientizar a gurizada a respeitar o pantanal, as questões ambientais, por isso o nome Sentinela do Pantanal (KOHL, 2009).

Esclarece-se que:

[...] os gaúchos não são os gafanhotos das florestas, [...] as identidades étnicas não são os fatores que explicam a relação que se tem com a natureza, mas os fatores a serem explicados, de como distintas configurações sociais constroem identidades étnicas e relações diferenciadas com a natureza. (CARVALHO, 2012, p. 126).

Isso aponta que nem todos concordavam ou aceitavam, como positiva, as

características atribuídas ao gaúcho, como colonizador ideal.

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99

O gaúcho é um elemento que está associado ao processo de expansão da

fronteira agrícola brasileira e do desenvolvimento do agronegócio, conforme se

buscou evidenciar em vários pontos da discussão proposta é que, nesse processo,

procurou-se, inicialmente, na figura do gaúcho, o colonizador ideal, a essa afirmação

acrescenta-se que:

O fluxo migratório que se estendeu, das regiões sulinas para outros estados, desde o final do século XIX, pode ser assim sintetizado: o fluxo inicia dentro do Rio Grande do Sul, das denominadas “colônias velhas” para as “colônias novas”. Depois, o deslocamento alcança, nas três primeiras décadas do século XX, o Oeste de Santa Catarina; e desde a década de 1940, atinge o Sudoeste do Paraná. [...] Contudo, na década de 1970, o fluxo migratório ultrapassa os limites da região Sul, deslocando-se diretamente para as regiões Norte e Centro-Oeste, principalmente para os estados que constituem a Amazônia Ocidental: Mato Grosso, Tocantins, Rondônia e Acre (TAVARES DOS SANTOS, 1993, p. 74-75 apud KAISER, 1999, p. 90).

Segundo Kaiser (1999), esses colonos são elementos resultantes do

processo de Territorialização-Desterritorialização-Reterritorialização (TDR), pois

esses “[...] gaúchos fora do Rio Grande do Sul se autodenominam „colonos‟,

construindo uma identidade social que recorre a um componente étnico vinculado à

colonização europeia na região sul do Brasil” (KAISER, 1999, p. 90).

Na análise da entrevista com outro gaúcho, foi possível observar aspectos já

mencionados por outro entrevistado, bem como alguns aspectos que mostravam a

importância e relevância do grupo e da identidade gaúcha, conforme se percebe

pelo que segue:

O CTG Sentinela do Pantanal foi criado em 1988, surgiu de uma reunião dos gaúchos, [...] e foram umas reuniões e vamos construir o CTG e no embalo saiu, acho que saiu um dos maiores CTG [...] até na época quando foi inaugurar esse CTG vieram os Monarcas e os Garotos de Ouro, eles até falaram que ainda que se tivesse 04 CTGs no nível do nosso em nível de Brasil seria muito. Hoje as coisas mudaram bastante, porque o CTG vai com o passar do tempo, aquela época era época das “vacas gordas” tudo era fácil pra fazer, se fosse fazer hoje não se faria 20% do que foi feito, trouxe boas lembranças e tudo, mas hoje já está difícil administrar, porque sobraram os caudilhos, os mais velhos, e os mais novos não está muito ligados nesse sentido, nós tivemos aí bocha como um dos grandes esportes de destaque aqui no Mato Grosso do Sul, hoje nós temos o laço que é na verdade o que está em evidência hoje no CTG, tivemos um futebol society, danças tradicionais aqui foi muito forte, os meus filhos dançaram e se criaram lá dentro, acho que foi uma das melhores coisa que o CTG teve foi as escolas de danças, mas hoje já está muito dificultoso para você conseguir manter uma estrutura, é muito grande e tem pouca gente que possa tocar aquilo lá. Hoje o pessoal, nós apesar de ser sulista, mas com o

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100

pessoal daqui hoje, hoje o pessoal é mais ligado a violada, mais ligado a outras coisas, além disso, vem muitas exigências, é corpo de bombeiro que exige isso, exige aquilo e tudo isso são gastos altíssimos, então começa a dificultar a promoção do CTG e hoje o nosso aqui tá vivendo mais a nível de aluguel, mas de promoções não estão conseguindo a não ser a campeira que nos disputamos uma fase de laço pela federação estadual de Mato Grosso do Sul, agora dia 18, 19 e 20 nós vamos ter um evento aqui, sempre foi uma das maiores festas do Estado, entre as 08 últimas nós temos 05 que nós somos a melhor festa [...] (CENTENARO, 2012)

O que se pode analisar, a partir dessa entrevista, é que o entrevistado faz

comparações entre o CTG no século XX, quando foi fundado, e o do momento atual,

primeiras décadas do século XXI. Também, no trecho da entrevista, aparece a

importância da instituição CTG na memória individual e na memória para o grupo

revela-se pelo comentário corrente na cidade acerca do CTG, não só dos sócios,

mas de outros grupos sociais. A memória é um elemento constituinte da identidade,

tanto individual como coletiva, na medida em que ela é também um fator

extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma

pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si (CANDU, 2011).

Por intermédio da memória do gaúcho, pode-se observar o quão forte foi esta

identidade, principalmente, quando se remete ao CTG, do século XX. Essa

instituição simbolizava o ápice da representação da identidade gaúcha, conforme foi

analisado, pois não só agregava os migrantes sul-rio-grandenses, paranaenses e

catarinenses, chamados genericamente de gaúchos, mas toda a elite local. Quando

perguntados, aos participantes, a respeito de como foi à recepção ao CTG Sentinela

do Pantanal, responderam quase de forma unânime:

Nossa, foi muito bem, no início eles foram bem recepcionado, até teve muita participação, o pessoal até inclusive tinha muita gente daqui que se pilchava, usava aquele traje [...], porque no começo do CTG eles estipularam que era obrigatório o uso da pilcha, o traje, mas com o tempo, [...] foi a mistura de costumes e tudo, acabou caindo um pouco a tradição, diminuiu bastante, então os últimos bailes, até inclusive que eu participei já não iam mais pilchado eram tudo normal, bailão mesmo (ANDRADE, 2012).

O discurso dos gaúchos é carregado de saudosismo em relação ao CTG, pois

foi uma instituição de grande relevância social, reconhecida não só pelos sul-rio-

grandenses, mas pelos demais grupos sociais. No fim da década de 1980 e durante

a década de 1990, evidenciava todo um glamour e clamor, sendo que ali estava a

“boa sociedade” coxinense.

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101

O que foi possível observar durante as entrevistas e a convivência em Coxim

é que, possivelmente, os gaúchos de Coxim se dividem em dois grupos, sendo o

primeiro formado por pessoas que tem algum tipo de ligação com o Estado do Rio

Grande do Sul. São filhos ou netos de pessoas que migraram do Rio Grande do Sul

para os Estados de Santa Catarina ou Paraná e que recorrem a elementos culturais

da identidade gaúcha fundamentada no tradicionalismo para se estabelecer,

enquanto grupo hegemônico na cidade. Já o segundo grupo de gaúcho não tem, em

sua maioria, ligação com o Rio Grande do Sul, apenas relações sociais com os

migrantes oriundo da região. Esses se aproveitaram do contexto social da época

para se estabelecer. É o caso dos paulistas, mineiros e nordestinos de maneira

geral. Outra possível razão do vínculo desse último grupo é para se reafirmar como

integrantes da elite local, pois ser gaúcho era sinônimo de status, a exemplo disso é

o caso citado por uma entrevistada em relação ao seu marido que diz: “ah, (ele)

adorava, se sentia o gaúcho, se vestia com a pilcha, com a bota tudo, colocava a

bombacha, tinha, até hoje acho que ele tem e tá guardado, o lenço, a bombacha ele

ainda guarda, gostava muito” (ANDRADE, 2012).

Muitos migrantes enxergaram em elementos da identidade gaúcha, a

possibilidade de aceitação, ascensão e estabelecimento social, conforme pode ser

inferido em trechos das entrevistas a seguir:

[...] um povo que aprendi a respeitar pela tradição, pela cultura, pelo respeito aos pais, e eles tinham um slogan muito bonito na época ‟um povo sem tradição morre a cada geração„ porque cada geração adquire, perde um pouco da tradição, você sabe que a história do Rio Grande do Sul foi feita de muito sangue, muita tradição ele tem esse orgulho de ter mantido a terra, então eles diz que gaúcho é estado de espírito [...] (grifo nosso) (MIRANDA, 2012).

O CTG Sentinela do Pantanal, além de ser um espaço de sociabilidade, foi

também o local onde, de certa forma, despertou a identidade ou que alguns

migrantes sul-rio-grandenses passaram a adotar a identidade gaúcha,

[...] eu já fui conhecer o CTG com uma idade bem avançada, depois dos 15 anos, se eu falar em CTG, aí vai ter um baile com os Serranos era um evento que tinha na cidade, aí que a gente começou a gostar de tradicionalismo de um par de coisas, eu mesmo adoro música, sou um sanfoneiro aí (risos) de pequeno porte, gosto demais da música gaúcha, gosto de qualquer tipo de música, mas principalmente da música gaúcha (CENTENARO, 2012).

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102

No trecho da entrevista, foi possível perceber que o migrante sul-rio-

grandense assumiu a sua identidade de gaúcho, mas não nasceu tradicionalista, já,

nos trechos a seguir, foi possível observar a importância do CTG enquanto espaço

de sociabilidade.

[...] o CTG é uma instituição aberta a todos os públicos, sempre teve um trabalho social que é o de ensinar a gurizada a dançar, respeitar, preservar os costumes gaúchos, mas a maioria dos sócios não são gaúchos em Coxim, e para associar ao CTG o cidadão tem que adquirir um título de 60 salários mínimos. (grifo nosso) (VIEIRA, 2009).

O CTG, além de ser um local de encontros sociais e culturais, é também um

local da elite, considerando que esses valores correspondem, em 2013, a R$

40.680,00 (Reais), um valor altíssimo para a maioria da população coxinense, então,

o CTG é um espaço aberto a todos, mas seletivo.

Então, buscou-se historicizar os relatos colhidos durante a pesquisa acerca

do papel do CTG na identidade gaúcha em Coxim, pois é uma instituição que teve

relevância para a construção de tal identidade, mas que chega ao século XXI

cambaleando, segundo depoimentos dos seus próprios sócios, como se observa no

relato abaixo:

[...] depende dos patrões, pois alguns são mais agressivos outros menos, e o CTG descaracterizou muito a partir da introdução de outras culturas, pois hoje já não se realiza os bailes sociais do CTG, devido ao custo de trazer um grupo gaúcho para esses bailes, porém, mantêm atividades como a bocha, futebol, canastra e o tiro de laço. [...] a situação financeira do clube, pois é o único clube em Coxim que as pessoas se reúnem nos fins de semana, é o único em atividade constante apesar das dificuldades, pois o CTG de Coxim já foi campeão brasileiro, campeão estadual de bocha e campeã de tiro de laço comprido. (KERN, 2009).

Alguns fatores são apontados como possibilidades para a crise do CTG

Sentinela do Pantanal em Coxim, como o surgimento de novos espaços de

sociabilidade da elite coxinense. Atualmente, existe o Centro de Tradições

Nordestinas (CTN), as famílias mudaram com os filhos para cidades maiores ou,

outro fator pode ser a divisão territorial do município de Coxim. Conforme dito

anteriormente, algumas áreas de intensa atividade agrícola, juntamente com os

fazendeiros proprietários das terras, deixaram de pertencer ao município, em virtude

da formação de novos municípios.

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103

De qualquer forma, independente das causas dessa redução de ênfase da

identidade gaúcha em Coxim, o que se pode enfatizar, a partir desta pesquisa, é que

a identidade gaúcha em Coxim foi constituída a partir do momento de euforia da

expansão da fronteira agrícola pós-década de 1960. Nesse período, o migrante

precisava de elementos que os fizessem diferentes em relação aos demais, o que foi

potencializado com a adesão de parte da elite e classe média local e, ainda, com a

rede etnorregional gaúcha, associada ao processo de modernização e colonização.

As entrevistas citadas, durante a discussão, corroboram com a ideia da

presença gaúcha em Coxim pela via do trabalho, comércio, empresas, agricultura e

laços de parentescos. Nesse sentido, costurados pelos conceitos de identidade e

memória, a qual chama-se de rede etnicorregional gaúcha. Em vários momentos da

investigação, foi possível observar que a identidade gaúcha foi renegociada em

Coxim, ou que ela também foi usada para determinar um grupo dominante da

sociedade local.

Faz-se necessário mencionar acerca da migração e identidade gaúcha em

Coxim, que os depoimentos de seus descendentes não foram contemplados,

mesmo que representem um recurso que pode trazer bons frutos para pesquisas

futuras. Porém, houve um silenciamento por parte de um número considerável de

pessoas ligadas a tal identidade.

Portanto, a identidade gaúcha em Coxim existe, mas com roupagem bem

diferente daquilo que é visto em outras cidades ditas “gaúchas”, principalmente, do

Estado de Mato Grosso e mesmo do Mato Grosso do Sul. A identidade gaúcha em

Coxim parece ser mais uma representação de poder de um dado grupo social e

econômico, que de um grupo ligado a uma dada região, nesse caso, o Rio Grande

do Sul, pelo recorte temporal, com maior evidência, nas décadas de 1980 e 1990.

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104

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar a constituição da identidade gaúcha em Coxim, a partir do

movimento migratório e do processo de colonização da segunda metade do século

XX foi, sem dúvida, um exercício árduo. Isso por considerar a tarefa exploratória de

observar os movimentos de renegociação de tal identidade, tendo em vista a relação

entre os grupos de migrantes e os grupos ali estabelecidos. Esta relação, aqui

compreendida, a partir da configuração de um projeto de colonização e

modernização da nação. A isto se pode afirmar:

Este projeto de colonização pressupõe a domesticação do outro – e da natureza, como já vimos. Esta domesticação não é pacífica: a colonização da fronteira agrícola brasileira é uma guerra, talvez a continuidade das guerras travadas pelos ancestrais dos gaúchos desde os tempos do Império e da República Velha. [...] Para enfrentar esta guerra, os gaúchos exacerbam sua identidade e seus diacríticos em relação ao outro – o sertanejo, o nordestino [...]. (KAISER, 1999, p. 145).

Notou-se, durante a pesquisa, que os gaúchos buscaram ao longo do

processo de migração e estabelecimento em Coxim, evidenciar os seus elementos

diacríticos da identidade gaúcha, principalmente, àqueles relacionados à questão da

memória, origem, cultura, trabalho e civilidade.

Buscando entender como se configurou a identidade gaúcha no Município de

Coxim e a sua relação com o processo migratório e de colonização, reporta-se aos

elementos que se estabeleceram nas estruturas nacionais do Brasil contemporâneo.

E, para entender como fixa o processo de “ocupação” das fronteiras brasileiras,

necessário foi compreender como o Estado-Nação atuou sobre a questão territorial

do país, sobretudo, nas questões fronteiriças e na expansão capitalista.

Relevante, também, realizar a análise da política de ocupação e povoamento

que se fizeram presentes na formação territorial e identitária do centro-oeste

brasileiro ao considerar necessária a observação sobre a maneira como o poder

político atuou nesse processo de ocupação e formação da identidade nacional.

Incluir, também, a necessária percepção das diferentes formas que o governo

federal brasileiro se fez presente, no que se refere à questão agrária brasileira,

atuando por meio de várias políticas de incentivos. E de como essas políticas se

Page 106: AS MIGRAÇÕES E A CONSTITUIÇÃO DAS IDENTIDADES …

105

aplicaram no sentido de modificar a estrutura social e acelerar e fortalecer o

desenvolvimento do capitalismo nos rincões deste país.

Dessa maneira, foi possível uma discussão a partir do ponto de vista histórico

e sociológico de identidade. Na análise sobre os migrantes gaúchos ficou evidente

que, a despeito da mobilidade geográfica, há uma manutenção de elementos

culturais, sobretudo, por intermédio dos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs).

Elementos que sustentam uma unidade grupal, mesmo longe de seu espaço

geográfico de origem. Esta escolha não se trata de uma permanência por inércia, a

identidade é algo relacional e metamórfico, o “Outro” é fundamental para

constituição dessa identidade. Será o “outro” que funciona como elemento capaz de

acionar a outros, determinados elementos que remetam a identidade desse gaúcho,

independente da origem geográfica, mas, certamente, do posicionamento social

perante a sociedade local.

A cidade de Coxim apresenta um grande número de migrantes, entre eles, os

gaúchos e nordestinos, porém, são os gaúchos que mais se destacam. Os gaúchos,

mesmo um grupo numericamente pequeno, formam um dos grupos que tem muita

força política, econômica e cultural dentro da sociedade coxinense – parte da elite,

conforme discutido anteriormente.

Tendo observado acerca da colonização e migração, a discussão sobre

identidade foi fundamental para a concretização desta pesquisa. A identidade

gaúcha foi marcada pelo contraste cultural nas relações com os demais grupos,

sendo a identidade gaúcha (re)constituída nas redes regionais gaúchas e

consolidada no Centro de Tradições Gaúchas (CTG), instituição organizativa e

militante do tradicionalismo.

Em alguns aspectos a identidade gaúcha chegou ao centro do establishment

coxinense.

Para entender tal fenômeno, o caminho escolhido, para além do conceito

abstrato de identidade, foi sua especificação, a partir do

[...] conceito de identidade em sua formulação mais abstrata, como nas matemáticas ou na lógica, não é objeto de experiência e, assim, tem status estritamente teórico, como mera relação, tal não significa que o termo devidamente adjetivado – como identidade étnica – deixe de expressar um conceito dotado de claro referencial empírico. (OLIVEIRA, 2006, p. 27).

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106

Todavia, a perspectiva acerca da identidade, conforme Bauman (2005), foi

também fundamental para o embasamento das discussões da identidade gaúcha em

Coxim. A ideia de pertencimento a determinadas identidades não são definitivas e

nem sólidas, mas são metamórficas, negociáveis e revogáveis. E que, ainda,

depende do indivíduo e da sua relação com os demais, pois se buscou evidenciar

que a identidade não é o simples fato de escolher tal identidade, mas é o

reconhecimento do grupo que você está escolhendo e dos demais grupos

participantes nesse processo de construção identitária. Tudo depende do caminho

que percorrem e do modo como agem, uma vez que “as identidades flutuam no ar,

algumas das próprias escolhas, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas à

volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as primeiras em relação

às últimas”. (BAUMAN, 2005, p. 19).

No decorrer da pesquisa, foi necessário, em alguns momentos, adjetivar o

conceito de identidade para entender a construção da identidade estudada – para

identidade étnica (POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998, p. 86).

Etnicidade é um conceito difícil de uma definição exata, apesar das várias

teorias acerca do assunto, mas o importante é que a relação entre o “Nós” e os

Outros está sempre em destaque e que vários grupos étnicos se formam a partir dos

interesses individuais, que sozinhos não são capazes de atingi-los (POUTIGNAT;

STREIFF-FERNART, 1998, p. 100). Essa foi uma das realidades encontradas

durante a pesquisa, o grupo conhecido como gaúcho em Coxim é composto, em

grande parte, não por migrantes sul-rio-grandenses, mas por indivíduos que se

reuniram em torno de alguns elementos diacríticos da identidade gaúcha, sobretudo,

aquela divulgada e pregada pelo tradicionalismo.

Portanto, a identidade gaúcha em Coxim foi constituída a partir das relações

entre gaúchos e os demais grupos e, também, pelos interesses de um grupo social

que, em grande parte, não tinham a mesma origem geográfica (Rio Grande do Sul),

mas os mesmos interesses individuais o fizeram coesos para atingir um determinado

objetivo, sobretudo, através da rede gaúcha – esse grupo tornou-se o establishment

(ELIAS; SCOTSON, 2000) da cidade de Coxim.

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107

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