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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem
07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR
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As Imagens Vampirescas: um estudo sobre a representatividade das narrativas de vampiro através das imagens no cinema.
Juliana Porto Chacon Humphreys1
O estudo que se apresenta tem como princípio básico tratar a imagem cinematográfica como unidade enunciativa que, a partir de sua materialidade, determina os movimentos e programas narrativos do objeto fílmico. Buscando extrapolar a ideia da imagem no cinema como simples suporte para a narrativa audiovisual, a imagem, neste estudo será compreendida como um relevante recurso de representação e de significação da obra narrada. O objetivo é destacar como a imagem, sendo uma estrutura da unidade enunciativa, colapsada na gramática cinematográfica das cenas centrais de cada uma das obras é, efetivamente, uma forma mais profunda e significativa do que a simples montagem das sequências e a apresentação dos diálogos do roteiro. Trata-se de buscar nos elementos e recursos das cenas os signos que, de forma latente, representam a narrativa que se manifesta na obra. O estudo conta com um corpus de análise composto por 5 filmes relevantes para a temática vampiresca no cinema dos séculos XX e XXI. Com uma temática amplamente conhecida, é possível aplicar as teorias semióticas e cinematográficas em análises estruturais e fenomenológicas dos signos presentes, seja na estrutura profunda ou superficial da obra, buscando revelar como estes se manifestam em cada uma das unidades em questão. Palavras-chave Imagem; Vampiro; Narrativa.
The Vampire Images: a study about the representativeness of vampire narratives through cinema images
This paper considers, on its regular basis, cinematic image as enunciative unit that grows from its materiality, defining the movements of the object and narrative film programs. In order to spread the idea of movie images as simple supporting for the audiovisual narrative, at this work, they will be treated as an important component of representation and meaning of narrative. The aim is to highlight that the function of the image is, effectively, deeper and more significant than the mere assembly of sequences and presentation of dialogues script, considering it is an enunciative unit structure, collapsed in the cinematic grammar of scenes on each film. The applied process consists in evidencing of elements and feature scenes, the signs which represent the narrative in a latently manifestation. The work has an analysis corpus of 5 relevant movies for the vampire theme in cinematography of the XX and XXI centuries. Counting with an extensive knowledge base, this theme, can be used to apply semiotic and cinematographic theories on structural and phenomenological analysis of the signs embeded either deep or superficial structures, revealing the way they are manifested in each of the units in question. Keywords Image; Vampire; Narrative.
1 Doutoranda em Comunicação e Semiótica – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. Bolsista Capes. Mestre em Comunicação e Cultura Midiática – Universidade Paulista – UNIP. Professora de Ensino Superior – Universidade Nove de Julho – UNINOVE. E-mail: [email protected]
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1. As Imagens Vampirescas no Cinema O desenvolvimento da figura do vampiro audiovisual se confunde com a própria história
do cinema. Desde os primórdios do desenvolvimento da tecnologia cinematográfica, as
produções sobre vampiros se fizeram recorrentes, acompanhando o desenvolvimento da
indústria do cinema ao redor do mundo. As primeiras produções envolvendo o mito do
vampiro são anteriores à própria estruturação do cinema como geradora de arte e
entretenimento, assim, é certo que os primeiros vampiros cinematográficos sofreram com a
falta de recursos e com uma linguagem pouco consistente que proporcionassem a essas
criaturas pioneiras uma sobrevida na história do cinema. Por isso, as obras e as imagens
vampirescas anteriores à 1922 acabaram caindo no esquecimento.
O ano de 1922 é importante para o tema, pois é nesta época que o primeiro vampiro
audiovisual relevante foi apresentado por F. W. Murnai no filme Nosferatu. Fruto do
expressionismo alemão, o Conde Orlok, vivido por Max Schreck, foi significativo, à medida
que formalizou a figura de Drácula para o cinema. Em decorrência do forte poder das imagens
produzidas pelo movimento expressionista, o Conde Orlok acabou afirmando uma tendência
estética que influenciou os vampiros baseados na figura de um Conde, tal qual pensou Bram
Stoker em seu romance Drácula.
Em 1927 o cinema hollywoodiano trouxe às telas um filme de Tod Browning (que mais
tarde dirigiria Bela Lugosi em Drácula de 1931), chamado London After Midnight. Estrelado
por Lon Chaney, o maior astro do cinema na época, o filme apresentava o primeiro vampiro
do cinema norte americano de uma forma muito intensa e com referências interessantes para a
figura do vampiro audiovisual. Mas, a descrença dos estúdios e dos profissionais nos temas
sobrenaturais, que não proporcionavam relação direta com as possibilidades do mundo real,
fizeram com que explicações racionais fossem agregadas à personagem, de forma que, ao
final da história, acabou-se revelando que o vampiro não passava de um detetive disfarçado,
em busca de um assassino. Essa decisão desmistificou a personagem e acabou enfraquecendo
a obra que, hoje em dia, é muito pouco referenciada, mesmo apresentando aspectos
importantes em relação à figura do vampiro.
No entanto, em 1931 Tod Browning conseguiu colocar em prática toda a sua verve para o
cinema de horror e, comandando Bela Lugosi, criou um dos principais filmes de vampiro de
todos os tempos. Baseado na figura do Conde Drácula, tal qual imaginou Bram Stoker em seu
romance de 1897, Browning e Lugosi estabeleceram não só os parâmetros técnicos e estéticos
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para a representação do vampiro cinematográfico como, também, deram início à rede
simbólica que permearia o tema vampiresco no cinema.
De fato, após o sucesso de Drácula em 1931, o tema ganhou força no cinema, fomentando
não só o aparecimento de outros vampiros nas telas, mas também de outras criaturas de que
ajudaram a delinear o gênero horror na cultura cinematográfica.
Da primeira adaptação do romance de Bram Stoker para o cinema em 1922 até o dias
atuais, centenas de Dráculas e outros vampiros foram apresentados ao espectador e, de sua
figura formalmente mediatizada, surgem narrativas das mais diversas em todos os gêneros: do
horror à sátira, passando pelo romance e pela fantasia. Mas, de toda forma, a simbologia do
vampiro permanece amalgamada à personagem. São signos que acompanham os
acompanham, independente da natureza da narrativa em que estão desenvolvendo seus papéis
de actantes.
2. A Imagem Como Unidades Enunciativas A imagem é antes de tudo um suporte para o reconhecimento. Fundamentalmente, a
imagem é a materialização da própria percepção visual, isto é, o reconhecimento das formas
e contornos do mundo real, seja ele mental, natural ou cultural. Por sua vez, a imagem
cinematográfica congela o tempo e, através da manipulação instrumental ou tecnológica,
transmite sentidos e sensações que, em sua essência, representam e significam.
Para Jacques Aumont e Michel Marie, apesar dos diversos tipos de imagens existentes,
“notadamente, a imagem se dirige aos nossos diversos sentidos, o que corresponde a uma
certa sensação acompanhada de ideias”, (AUMONT, MARIE, 2003, p. 160). Ainda segundo
eles, a imagem pode ser um fenômeno natural ou intencional, mas que a priori a “imagem
cinematográfica se assemelha às imagens da pintura e da fotografia. Como essas imagens ela
possui uma dupla realidade perceptiva: bidimensional e tridimensional.” (AUMONT,
MARIE, 2003, p. 160).
A partir dessas premissas é possível compreender a imagem como uma unidade que,
assim como os textos, possui estruturas profundas e superficiais, que nos permitem percebê-
las, analisá-las e interpretá-las como formas naturais, mas imbuídas de essência sígnica, ou
seja, de caráter representativo. Segundo Lucia Santaella, “o substantivo abstrato
representação caracteriza também uma função sígnica ou um processo de utilização sígnica.”
(SANTAELLA, NÖTH, 2008, p. 17). Desta forma, é possível compreender que a função
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sígnica é o processo no qual um objeto é apresentado a um intérprete de um signo que, por
sua vez, atribuirá a essa representação um certo significado.
Santaella continua sua explanação sobre a função sígnica na imagem, citando alguns
trechos dos Collected Papers de Charles Sanders Pierce. Um deles é particularmente
interessante para o propósito deste estudo:
“Nesse contexto, Peirce define representar como ‘estar para, quer dizer, algo está numa relação tal com um outro que, para certos propósitos, ele é tratado por uma mente como se fosse aquele outro’ (CP 2.273). Como exemplos para esse processo ou até essa ‘ação’ de representar Pierce cita: ‘Uma palavra representa algo para a concepção na mente do ouvinte, um retrato representa a pessoa para quem ele dirige a concepção do reconhecimento, um cata-vento representa a direção do vento para a concepção daquele que o entende, um advogado representar seu cliente para o juiz e júri que ele influencia’(CP 1.554).” (SANTAELLA, NÖTH, 2008, p. 17)
Assim, especificamente no caso da imagem representativa, ou seja, aquela que segundo
Aumont pode ser manipulada intencionalmente e que produz um sentido através da
representação, podemos considerar as imagens cinematográficas como sendo signos icônicos,
pois, “imagens como semelhança de signos retratados pertencem à classe dos ícones.”
(SANTAELLA, NÖTH, 2008 p. 37).
Estando, portanto, estabelecido que as imagens são signos icônicos que representam algo
e que produzem sentido, à medida que são fenômenos intencionalmente provocados e
manipulados, fica claro, então, que cada um dos fotogramas de um filme, pode ser
considerado como uma unidade próxima da unidade de um quadro ou de uma fotografia. A
partir dos elementos essenciais de uma imagem: formas, cores, camadas e volumes, cada
fotograma é capaz de significar. No caso do cinema, os elementos da imagem se traduzem na
própria linguagem cinematográfica: os planos, os enquadramentos, as luzes, os movimentos
de câmera, as cores e todos os recursos que compõem a sintaxe da linguagem audiovisual.
A sintaxe da linguagem cinematográfica é o recurso primário para a produção de sentido
através da manipulação da imagem no cinema, disto fundamenta-se a noção da imagem como
unidade enunciativa, isto é uma unidade com autonomia representativa e com poder para
suscitar a percepção do espectador que, como interpretante de um signo, atribuirá um
significado para a imagem em questão.
Portanto, a imagem fílmica é uma correlata do enunciado, ou seja, um estado resultante
de um ato de linguagem. “Entende-se por enunciado toda grandeza dotada de sentido,
pertencente à cadeia falada ou ao texto escrito, anteriormente a qualquer análise linguística ou
lógica.” (GREIMÁS, COURTES, 2012, p. 168).
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Apesar da restrição linguística exposta pela teoria greimasiana ao conceito de
enunciado puro, é desta mesma teoria que emerge a possibilidade de reconhecer nas imagens
as propriedades enunciativas, tal qual fazemos em um texto. O conceito de “enunciado
narrativo” (GREIMÁS, COURTÉS, 2012, p. 169), confere ao enunciado a qualidade de
transitividade, isto é, uma tal organização do discurso baseada na transformação, mais
especificamente, baseada no conceito de programa narrativo, ou seja, nada mais nada menos
do que o discurso em si, a história e o desenrolar de fatos.
Nesse sentido, a imagem é genuinamente um enunciado que representa cada um dos
fatos que caracterizam o desenrolar da história.
3. A Materialidade Fílmica e a Significação no Cinema A fenomenologia do cinema está calcada no poder da imagem. Por sua própria natureza,
em um produto cinematográfico, os recursos imagéticos e seus aspectos estéticos assumem,
naturalmente, maior relevância na percepção da obra como um todo.
Assim, a imagem reproduz o real, para em seguida, em segundo grau e eventualmente, afetar nossos sentimentos e, por fim, em terceiro grau e sempre facultativamente, adquirir uma significação ideológica e moral. Esse esquema corresponde ao papel da imagem tal como foi definido por Eisenstein, para quem a imagem nos conduz ao sentimento (ao movimento afetivo) e, deste, à ideia. (MARTIN, 2003, p.28).
Marcel Martin defende a ideia de que a materialidade fílmica é um poderoso agente de
significação não somente na estrutura de superfície da imagem, como também em sua
estrutura profunda. Percebendo a imagem como uma unidade em camadas, tal qual Jacques
Aumont, Martin compreende que a força expressiva do cinema está, justamente, na imagem e
na montagem fílmica, ou seja, em sua materialidade.
“(...) Toda imagem é mais ou menos simbólica: tal homem na tela pode, facilmente, representar a humanidade inteira. Mas sobretudo porque a generalização se opera na consciência do espectador, a quem as ideias são sugeridas com uma força singular e uma inequívoca precisão pelo choque das imagens entre si: é o que se chama de montagem ideológica.” (MARTIN, 2003, p. 23)
Encontra-se aqui, portanto, a primeira premissa deste trabalho, que diz respeito ao
processo de analisar uma imagem com uma base fenomenológica sem, no entanto,
negligenciar uma estruturação básica sobre a qual a história, como um todo, está montada.
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Em um estudo sobre a significação no cinema, Christian Metz discuti rigorosamente o
papel da imagem na narrativa e a contraposição do discurso imagético fenomenológico ao
discurso textual estruturado:
Outras narrações recorrem à imagem como veículo; tal como a narração cinematográfica. Ora, já tivemos a oportunidade de mostrar que cada imagem, longe de equivaler a um monema ou mesmo a uma palavra, corresponde mais exatamente a um enunciado completo (...). (METZ, 2006, p.39)
Ainda segundo Metz:
Sequência fechada, sequencia temporal, discurso: significa pois que a percepção da narração como real – isto é, como sendo realmente uma narração – tem como consequência imediata a de “irrealizar a coisa narrada”. (METZ, 2006, p.34).
Seguindo a ideia de Christian Metz, “irrealizar a coisa narrada” significa “esquecer” a
estrutura por trás da história, ou seja, seus artifícios narrativos. No caso do cinema, portanto,
“irrealizar a coisa narrada” é consumir as imagens, ser tocado pela materialidade fílmica que,
ao ser construída em favor da narrativa é capaz, por si só, de contar a história.
4. Drácula (1931) – O ícone do vampiro aristocrata no cinema
Apesar do pioneirismo de Nosferatu (1922), incontestavelmente, o filme Drácula
estrelado por Bela Lugosi determinou a postura do Conde Drácula no cinema.
Se no romance original de Bram Stoker Drácula é um Conde de uma terra longínqua que
de sua aristocracia decadente guarda apenas o título e seu castelo arruinado, em Drácula de
1931, Bela Lugosi traduz essa aristocracia antiquada em uma postura altiva, de maneiras
elegantes, um pouco exageradas mas, ainda assim, de acordo com a sociedade inglesa do final
do século XIX. Enfim, é do cinema que Drácula herda o charme misterioso dos nobres da
desconhecida Europa Oriental.
Em 1931 o poder de Drácula está sendo representado pela primeira vez no cinema. A
soberania da personagem ao longo de toda a trama precisava ser fortemente referenciada. Dá-
se então o início de um processo de representação que, ao delimitar um espaço para Drácula,
não só simboliza sua força (colocando-o sempre acima dos demais agentes), como também,
representa a constância da personagem que, até o último ato da narrativa, permanece
incólume às investidas de seus inimigos.
Vampiro: Conde Drácula - Bela Lugosi Direção: Tod Browning Direção de Fotografia: Karl Freund
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Assim, no nível do plano, o poder e a soberania da personagem estão representados pela
permanência constante de Drácula no quadrante superior da tela. A organização dos
elementos no enquadramento de forma pouco ortodoxa ou minimamente relacionada ao
mundo natural à qual se refere, demonstra a opção artística do diretor pelo simbolismo, ou
seja, pela construção de uma imagem que atribui significados, além do somente representar. O
simbolismo do posicionamento de Drácula traz à tona a força da personagem.
“Os enquadramentos constituem o primeiro aspecto da participação criadora da câmera no registro que faz da realidade exterior para transformá-la em matéria artística. Trata-se aqui da composição do conteúdo da imagem, isto é, da maneira como o diretor decupa e eventualmente organiza o fragmento de realidade apresentado à objetiva, que assim, irá aparecer na tela.” (MARTIN, 2003, p. 35)
Divisão de Enquadramento – o poder de Drácula apresentado no quadrante superior
(1) (2) (3)
(4) (5) (6)
Nota-se que a organização dos elementos no quadro é tão intencionalmente simbólica que
mesmo quando a personagem está deitada em seu caixão (6), o enquadramento o mantém no
quadrante superior da imagem. Outra cena (4) é interessante pois, a despeito do que acontece
com todas as outras personagens na trama, Dr. Van Helsing, o oponente de Drácula, é
mantido no mesmo patamar da cena, representando através do enquadramento a força desse
homem, que possui conhecimento suficiente para liquidar a ação do Conde Drácula.
Outro aspecto do Drácula de Bela Lugosi é a concentração de seu poder na hipnose. É
dos olhos de Drácula que a trama flui pois, de hipnose em hipnose, o Conde ludibria, encanta
e derrota os homens ao longo de sua missão, avançando em seu programa narrativo. Salvo em
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algumas poucas cenas em que Drácula está mais próximo da sociedade e, portanto, restrito às
convenções do mundo real (como por exemplo quando está contracenando com Dr. Van
Helsing e Dr. Seward no sanatório), a face da personagem é insistentemente iluminada por um
misterioso feixe de luz, pouco relacionado à realidade, visto que é impossível determinar a
fonte dessa iluminação. Assim, a expressividade da imagem recai no sobrenatural em torno da
personalidade e nas ações da personagem são reforçados de forma muito intensa.
“A própria direção de luz pode apoiar a história, em virtude das conotações ligadas em certa tradição histórica aos conceitos de sombra e de luz (o reino das sombras em oposição ao conhecimento platoniano, por exemplo). Além da direção na qual ela cai, a própria quantidade de luz que cai sobre o sujeito pode enriquecer um retrato psicológico.” (JULLIER, MARIE, 2009, p. 39)
O Sobrenatural em Drácula – a luz como representação da hipnose
(1) (2)
Outra questão é a capa que se adequa à personagem perfeitamente. Lugosi faz desse
acessório uma extensão de seu ser, manejando-oa como quem maneja as asas de um morcego.
O figurino quando empregado com a função de traduzir a personalidade de uma personagem,
sai da condição de um elemento artístico para aderir à performance sígnica, tornando-se um
símbolo poderoso dos aspectos subjetivos da trana.
“Se quisermos considerar o cinema um olho indiscreto que gira ao redor do homem, captando suas atitudes, seus gestos, suas emoções, precisamos admitir que o vestuário é o que está mais próximo do indivíduo, embelezando-o ao esposar sua forma ou, ao contrário, distinguindo-o e confirmando sua personalidade.” (MARTIN, 2002, p. 69)
O Simbolismo da Vestimenta – a capa como uma extensão de Drácula
(1) (2)
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5. Sangue para Drácula (1974) - a afirmação da simbologia do vampiro através da sátira
Sangue para Drácula é uma sátira que busca no estilo neorrealista do cinema italiano a
referência estética para retratar a história do Conde Drácula que, nessa trama, precisa beber
sangue de mulheres virgens para conseguir sobreviver.
A sátira da obra encontra-se no ato de invocar a rede simbólica que se associa à
personagem Drácula para, então, ridicularizá-la através da elevação dos signos ao extremo de
sua capacidade de significação. Ao exagerar os significados dos símbolos inerentes ao tema, a
obra acaba reforçando-os, mesmo quando os apresenta de forma oposta à usual.
Nas imagens apresentadas, é possível perceber que a posição de Drácula no
enquadramento é jocosamente rebaixada. A personagem permanece, insistentemente,
flutuando entre os quadrantes inferiores e superiores, denotando sua condição de fragilidade e
a constante perda de sua condição de criatura forte a ser temida.
Nota-se que na imagem (3), na qual Drácula está prestes a atacar sua vítima, o paradigma
simbólico do monstro é quebrado de forma que o vampiro é colocado no quadro
desproporcionalmente menor do que sua vítima. Esta é uma forma de organização dos
elementos no enquadramento, definitivamente, oposta à organização associada à personagem,
principalmente, no momento do ataque iminente.
Por outro lado, na imagem (1), o vampiro assume seu posto de autossuficiência e poder,
preenchendo o enquadramento e dominando os quadrantes superiores. Essa é uma situação
efêmera que se apresenta logo em seguida de Drácula sugar o sangue de sua vítima. A
sequência dessa cena é complementada com a sátira à simbologia do vampiro, no momento
em que ele adoece com o sangue consumido, visto que a donzela não era exatamente a virgem
casta da qual ele precisava para sobreviver.
A Oposição à Simbologia de Drácula – o enfraquecimento da figura do vampiro
Vampiro: Conde Drácula – Udo Kier Direção: Paul Morrissey Direção de Fotografia: Luigi Kuveiller
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(1) (2) (3) (4)
6. O Conde Drácula (1970) – os elementos e as cores reafirmam a atmosfera de horror
Da série Drácula com Christopher Lee produzida pela Hammer, o filme O Conde Drácula
pode ser considerado o mais violento.
Ao longo da série, a personagem de Christopher Lee era muito mais caricata e expressiva
do que jamais se havia visto no cinema, mas no filme de 1970 a figurativização de Drácula
ficou mais intensa. Em meados de uma nova década, com menos restrições em relação ao
conteúdo das obras de horror e mais domínio do Technicolor, muito sangue se agregou ao
olhar de Drácula, aumentando as qualidades relacionadas ao demoníaco, inerente à
personagem.
Em O Conde Drácula, Christopher Lee se afasta de vez da figura aristocrata imortalizada
por Bela Lugosi e oprimi a faceta sensual do vampiro, característica que na década de 1970
dominará a aura da personagem. Num movimento que vem sendo construído ao longo da
série, o Drácula de Christopher Lee para a Hammer se aproxima da bestialidade nata de uma
criatura das trevas, uma figura tipicamente de horror.
“No contexto da narrativa de horror, os monstros são identificados como impuros e imundos. São coisas pútridas ou em desintegração, ou vêm de lugares lamacentos, ou são feitos de carne morta ou podre, ou de resíduo químico, ou estão associados a animais nocivos, doenças ou coisas rastejantes. Não só são muito perigosos como também provocam arrepios. As personagens as veem não só com medo, mas também com nojo, com misto de terror e repulsa.” (CARROLL, 1999, p. 39)
Num processo claramente caracterizado por evolução de limites, Roy Ward Baker e os
estúdios Hammer testaram os parâmetros da audiência para suportar o terror explícito em
cada um dos filmes anteriores da série. Se no primeiro filme em 1957 a tendência do terror
subentendido foi mantido, em O Conde Drácula os ataques do Conde tornaram-se um
elemento preponderante na produção, assim como a forte conotação sexual fez-se presente em
cada uma das investidas de Drácula em suas vítimas.
Vampiro: Conde Drácula - Christopher Lee Direção: Roy Ward Baker Direção de Fotografia: Moray Grant
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Pela primeira vez, em O Conde Drácula, as cenas são tomadas por pessoas
ensanguentadas em cenários de horror explícito. Drácula morde suas vítimas em frente as
câmeras (algo que havia sido timidamente iniciado em produções anteriores da série), mas
agora com muito mais frequência e associado a um olhar demoníaco, de pura maldade.
Com uma audiência já preparada para os elementos de terror, Drácula agrega ao seu
repertório outras formas de matar e mutilar os humanos, entre elas facadas, com as quais mata
uma de suas vampiras, e ferro quente, com o qual tortura seu assistente. Trata-se de um
vampiro ensandecido que, frequentemente, perde as estribeiras e se torna uma personagem
louca de terror explícito.
Os Elementos de Cena – a representação do terror explícito
(1) (2) (3) (4)
Além dos elementos de terror explícito, o filme também apresenta o terror iminente,
conseguido através do recurso da antecipação, que “pode ser uma condição necessária do
suspense narrativo”, (CARROLL, 199, p. 196), muito comum nos filmes de terror.
A antecipação consiste em adiantar para a audiência o horror que está por vir. No caso de
O Conde Drácula, a utilização das cores na composição dos quadros são a forma simbólica de
demonstrar o perigo ao qual as personagens serão expostas no decorrer da trama, ao terem
suas performances narrativas sobrepostas à performance da personagem originário do perigo,
ou seja, a figura de horror.
“Embora a cor seja uma qualidade natural dos seres e das coisas que aparecem na tela, é legítimo analisá-la à parte (...) Por outro lado, a percepção das cores é menos de natureza física do que psicológica. Segundo Antonioni, a cor não existe de maneira absoluta. (...) Pode-se dizer que a cor é uma relação entre o objeto e o estado psicológico do observador, no sentido de que ambos se sugestionam reciprocamente.”(MARTIN, 2003, p. 69)
Cientes, portanto, de que a cor é um elemento de sugestão com poder de significação
muito maior do que a simples relação com o mundo natural, é possível relacionar como as
cores são empregadas na obra para antecipar a situação de terror iminente, relativa às
personagens.
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ANTECIPAÇÃO Terror iminente
SITUAÇÃO Terror explícito
ANTECIPAÇÃO Terror iminente
SITUAÇÃO Terror explícito
O vermelho que cerca a personagem na decoração do quarto.
O sangue vermelho que cobre a figura da personagem.
O vermelho dos figurinos, da decoração da festa e das velas no bolo. As personagens estrão envolvidas pelo vermelho sangue até sua chegada ao castelo do Conde.
A heroína sendo atacada por Drácula. Quase desfalecida, seu vestido perde a força do tom e, nesse momento é rosa. As cores claras e o colo aparente são signos das vítimas femininas de Drácula, virgens puras e belas que são condenadas à vida eterna.
7. Drácula de Bram Stoker (1992) - a figura do vampiro como elemento determinante dos movimentos narrativos
Esse é um filme importante no sentido de que traz para a história de Drácula o aporte das
grandes produções e insere o vampiro no gênero romance, destacando-o de sua pecha de
horror.
Trata-se de um vampiro com múltiplas faces: o nobre e excêntrico ancião, o misterioso e
atraente príncipe e o demoníaco monstro. É um Drácula poderoso que está imbuído de sua
missão contra os homens em virtude da traição que lhe tirou sua amada Elisabeta.
Antigo homem de Deus esse Drácula é vingativo e impiedoso, mas não consegue vencer
o forte amor que sente por Mina, a reencarnação de sua amada. O incontrolável furor maléfico
desse Drácula é minimizado pelo amor extremo que o fez vencer a morte e atravessar oceanos
de tempo. Esse sentimento é o que lhe guia para o caminho da derrota e é dele que Drácula
recebe a redenção de sua alma.
Gary Oldman consegue elevar a sensualidade de Drácula a um grau visto até aquele
momento somente na personagem encarnada por Frank Lagella nos anos 1970, numa versão
teatralizada de Drácula para o cinema. O vampiro de Gary Oldman é extremamente sensual,
mas seu sex appeal está em grande parte relacionado ao imenso amor que sente por Mina, a
reencarnação de sua princesa.
Vampiro: Conde Drácula - Gary Oldman Direção: Francis Ford Coppola Direção de Fotografia: Michael Ballhaus
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De fato, há muito da estrutura narrativa do filme no que concerne ao texto publicado por
Bram Stoker em 1897, mas alguns pontos cruciais, principalmente no nível discursivo, foram
modificados, atendendo assim, aos objetivos de uma superprodução que deve alcançar o
grande público e, por outro lado, aprimorando a narrativa de acordo com o suporte a que se
destina, no caso o audiovisual.
É válido destacar que uma característica importante dos filmes de vampiro é a
permutabilidade, termo cunhado por Vladimir Propp em sua Morfologia do Conto
Maravilhoso. A permutabilidade trata da possibilidade de algumas características dos contos
serem transportadas de uma história para outra. Para Propp essa é uma particularidade do
conto popular, mas ao emprestarmos esse conceito para as histórias no cinema, não haverá
como negar que ao longo do século XX inúmeras características dos vampiros e das histórias
protagonizadas por eles foram sendo reforçadas pelas produções cinematográficas, graças à
permutabilidade desses tópicos, criando signos fortemente representativos dos vampiros
audiovisuais.
O filme Drácula de Bram Stoker se apoiou fortemente na rede simbólica da figura dos
vampiros cinematográficos para dar corpo à personagem Drácula. Mesmo com uma roupagem
mais sofisticada em termos de maquiagem, figurinos e cenários, todos os elementos clássicos
foram empregados na obra: os dentes afiados, os olhos vermelhos, as capas funestas, os
caixões, os lobos e o velho castelo no alto da colina; todos prontos para suscitar o significado
da personagem a partir do repertório audiovisual.
O filme é narrado de forma indireta, com características de narração epistolar, ou seja,
ocorre principalmente a partir da leitura dos diários das personagens principais. Esse é um dos
aspectos mais importantes trazidos do texto original, pois ao narrar uma história embasada em
documentos e testemunhos anteriores aos fatos, temos a sensação maior de algo verdadeiro.
Segundo Robert Stam essa é uma característica determinante para o realismo ilusionista que
“apresenta seus personagens como pessoas reais e sua sequência de palavras como fato
substanciado.” (STAM, 2008, p.18).
Vimos, então, que a adaptação de Coppola apresenta uma conjunção importante com o
texto original, ou seja, a narrativa indireta. Para Ana Maria Balogh, que trata da questão das
conjunções e disjunções na transmutação segundo a ótica greimasiana, “toda análise deve
começar pelas conjunções, ou seja, pelas semelhanças, de forma a possibilitar o
reconhecimento inicial de um texto adaptado.” (BALOGH, 2005, p. 55).
Apesar de o plano narrativo permanecer inalterado nos dois textos, mantendo-se assim a
gênese performática dos personagens principais, bem como a espacialidade e a temporalidade
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da narrativa, algumas alterações relevantes transformaram a essência da motivação da
personagem Drácula. Com essa importante alteração o filme apresenta-se como um romance
no qual Drácula trava sua batalha contra Jonathan Harker e Abraham Van Helsing com o
intuito de chegar até Mina, um amor que sobreviveu à maldição das trevas e ao passar do
tempo. Ao atribuir à Drácula uma razão amorosa para sua performance de terror na narrativa,
uma série de disjunções passam a permear a transmutação, à medida em que Drácula
incorpora uma faceta de bondade, beleza e sensualidade que, muitas vezes, dilui a gravidade
de suas ações.
No entanto, considera-se a disjunção mais importante entre os dois discursos a
delimitação dos movimentos narrativos a partir da figura de Drácula na obra audiovisual. Por
exemplo, no livro o tempo que permeia o desenrolar dos fatos na história é marcado pelas
datas nos diários dos personagens. Já no filme, existem algumas situações nas quais as datas
são destacadas, mas os diferentes momentos da narrativa são marcados, prioritariamente,
pelas metamorfoses da figura de Drácula. Sendo assim, as mudanças da personagem acabam
por determinar as instâncias narrativas, marcando a passagem do tempo em decorrência dos
fatos.
Para fundamentar a afirmação aqui exposta de que os aspectos estéticos da figura de
Drácula são determinantes para a condução da narrativa fílmica, destacamos algumas imagens
da personagem título que, dentre tantas outras, demonstram passagens importantes na história.
As Metamorfoses de Drácula e as Transformações na Trama
(1)
(2)
(3)
(4)
Todas as imagens acima se referem a situações nas quais a aparência de Drácula é
apresentada pela primeira vez ao espectador, sendo assim, marcando os distintos momentos
da narrativa e desencadeando os fatos determinantes da trama:
• Imagem (1) Jonathan Harker chega ao castelo do conde e encontra-se com Drácula
pela primeira vez. Desse encontro Harker se tornará prisioneiro, conheceremos o amor
de Drácula por Mina e acompanharemos a partida do Conde para Londres. Todos
esses são movimentos constituintes do plano narrativo.
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• Imagem (2) Faz um retorno ao início da narrativa, na qual Drácula ainda era um
devotado cavaleiro a serviço da igreja. Nessa instância narrativa, Drácula perde sua
amada, se revolta e se auto condena à eternidade.
• Imagem (3) Fase da história na qual Drácula ao chegar a Londres investirá em seu
encontro com Mina para finalizar o contrato estabelecido pelo plano narrativo, ou seja,
efetivar a condição de Mina como sua eterna amada. É a partir dessa instância que
outra personagem central será introduzida à história: Abraham Van Helsing.
• Imagem (4) Introdução à fase final da narrativa na qual herói e anti-herói se enfrentam
diretamente em batalhas que levarão ao desfecho da história. Drácula se despe de sua
sensualidade e assume sua faceta monstruosa. Dessa monstruosidade Drácula se
encaminha para a condição de desistir de seus planos, pondo fim à sua condenação
com a ajuda da amada.
Ao estabelecer um sistema de apresentação da figura de Drácula em momentos diferentes,
o diretor busca educar o espectador para a percepção de que ocorrerá uma alteração no
percurso da narrativa. Além disso, a centralização de Drácula nos planos determina, no nível
do discurso, o controle de Drácula sobre os fatos que desenrolam a história.
Duas características fundamentais da imagem resultam de sua natureza de reprodução
objetiva do real. “Primeiro, ela e uma representação unívoca: por seu realismo instintivo,
capta apenas aspectos precisos e determinados – únicos no espaço e no tempo – da
realidade.” (MARTIN, 2003, p.23)
Trata-se, portanto de capitular a história utilizando os recursos da materialidade fílmica,
fazendo com que a relação do espectador com a história ocorra instintivamente através da
imagem.
8. Crepúsculo (2008) – a posição dos elementos do casal como representação de um
estado imutável na narrativa
Há uma tendência por parte dos estudiosos e intelectuais a renegar, pelo menos em
primeira instância, produtos com uma veia popular, principalmente em termos de literatura,
como é o caso da série Crepúsculo. Em contrapartida, a comoção midiática em torno da série,
seja em livro ou em cinema, faz com que Crepúsculo se estabeleça como um importante
Vampiro: Edward Cullin - Robert Pattinson Direção: Catherine Hardwicke Direção de Fotografia: Elliot Davis
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produto, no sentido de que despertou em uma nova faixa de público o interesse pelos
vampiros, reaquecendo o tema e o mercado em torno dele.
Apesar da postura excludente em relação aos produtos com apelo popular ser uma
postura tradicional, esse pode ser um hábito perigoso ao descartar, indiscriminadamente,
materiais que podem representar valioso objeto de estudo.
Para Terry Eagleton, “Não existe uma essência da literatura.” (EAGLETON, 2006, p.
13). Portanto, ela deve ser definida levando em consideração a relação do receptor com
determinado texto e determinado assunto, partindo do pressuposto que os interesses e a busca
por conhecimento encaminham os textos e elevam sua importância através dos tempos. Não
há como ignorar o fato de que para os leitores em formação da segunda década do século
XXI, a saga Crepúsculo representa um assunto relevante, fator de grande interesse e
satisfação pessoal.
A narrativa de Crepúsculo apresenta dois grandes apelos importantes: a aproximação do
sobrenatural ao cotidiano e o deslocamento da figura de horror. Um paradigma importante é
quebrado pela série, no qual a figura de repulsão é justamente a figura de aproximação e a
artimanha para tal quebra de status quo é a readequação dos signos relativos ao vampiro,
promovendo sua resignificação.
O sangue, o tempo, o caixão, os símbolos religiosos e a maldade inerente ao vampiro são
transformados, permitindo o descolamento da figura de horror para uma atmosfera romântica.
A fusão dessa figura passa, portanto, a ser um elemento de atração dentro do escopo narrativo,
à medida que mistura características, deixando para o objeto do horror – o vampiro – um
pequeno espaço para sua essência ameaçadora e impura e um grande espaço, em primeiro
plano, para suas escolhas amorosas e pacíficas.
Nota-se que, apesar de pequena, a porção monstruosa do atraente vampiro permanece lá,
nas bordas de sua história, nas esquinas de sua personalidade: “a principal marca de uma
figura de fusão é a mistura de categorias normalmente separadas ou conflitantes num
indivíduo integral, espaço-temporalmente unificado.” (CARROLL, 1999, p. 65)
Certamente o corpo do texto apresenta algo mais do que palavras simples, sentenças
concisas e diálogos melosos. O atributo da obra que se destaca é o argumento central da
narrativa e a aprazível constância com que os fatos da trama se desenrolam.
Dentre a simplicidade e a linearidade dos fatos da trama, Crepúsculo apresenta uma
característica típica dos romances que é a imutabilidade da condição de casal. A questão do
amor a qualquer custo é muito simpática ao público a quem se destina a narrativa e o interesse
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pela trama mantem-se, via de regra, a partir dos fatos que atuam em torno desse amor, isto é,
desse casal.
Na transmutação do primeiro volume do livro para o cinema, a imutabilidade da condição
do casal é fortemente delimitada pela lateralidade descentralizada nos planos que constituem
o filme que, ao privilegiar o desequilíbrio das massas, apresenta cenas que contém insistentes
espaços vazios nos lugares que deveriam estar ocupados por um dos integrantes do casal. Essa
forma de lateralidade é chamada de equilíbrio maneirista e em Crepúsculo é competentemente
empregada no simbolismo da força que os une. “O desequilíbrio maneirista é a segunda
maneira de descentralizar e consiste em usar o desequilíbrio das massas – por exemplo, por
um protagonista ele próprio ‘desequilibrado’ ou em estado de grande privação.” (JULLIER,
MARIE, 2009, p. 25)
Em oposição ao desequilíbrio das massas, a união do casal é simbolizada pelo equilíbrio
dos elementos que, ao serem centralizados em perfeita simetria não só denotam a
cumplicidade existente entre ele como, ao preencherem o quadro com suas figuras,
representam a autossuficiência das duas criaturas no mundo com o qual eles interagem na
trama.
Posicionamento Equilibrado do Casal – o estado imutável da trama
(1)
(2)
(3)
(4)
(5)
(6)
Ao contrário da autossuficiência do casal, encontra-se o rigoroso estado de privação ao
qual as personagens são submetidos quando estão sem a companhia de seu parceiro. Nota-se
que além do desequilíbrio acentuado das massas, que resulta em um desconfortável vazio no
enquadramento das cenas, a posição do elemento faltante do casal também é mantida, ou seja,
não há a possibilidade de substituição para a criatura faltante.
Na imagem (1) em que Edward Cullen chega ao refeitório para a sequência na qual
conhecerá sua futura parceira Bella, ele apresenta o registro de um ser solitário e incompleto,
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mas o espaço ocupado por ele nesse momento não é o espaço destinado a ele na condição de
casal. O vampiro apaixonado só passará a permanecer no lado direito dos enquadramentos
após contracenar com Bella. Tem-se mais uma vez um sentido na posição das personagens, ou
seja, Edward muda seu posicionamento a partir do amor que sente pela menina e do espaço
que abre em seu estado para que ela o ocupe.
Na imagem (5) o espaço vazio ao lado de Bella será preenchido em breve por Edward,
que se aproxima em segundo plano. Na sequência dessa cena, quando Edward ocupar seu
lugar no enquadramento, o casal preencherá o plano e assumirá sua condição de
autossuficiência, novamente.
Marcação do espaço de Edward Cullen (o vampiro mocinho) e Bella (a menina que esconde um segredo)
(1)
(2)
(3)
(4) (5) (6)
9. Considerações finais
A partir da introdução de alguns dos aspectos da materialidade fílmica, ou seja, dos
elementos que compõem as imagens cinematográficas em uma obra, é possível perceber que a
imagem como um signo icônico em si é capaz de representar em camadas, partindo de sua
estrutura superficial, que contém a sintaxe da linguagem cinematográfica, até chegar aos
meandros da estrutura profunda da obra, que carrega as representações mais simbólicas do
filme.
É das características estruturais da imagem que emerge e se fortalece toda a rede
simbólica em torno dos vampiros audiovisuais.
O estudo procurou introduzir algumas possibilidades interpretativas dos elementos de
cena, com o intuito de extrapolar a ideia de que a imagem no cinema é apenas um simples
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suporte para a narrativa audiovisual, sendo que nesse caso é importante compreender o papel
relevante que ela desempenha na representação e significação da obra narrada.
É das múltiplas camadas de significação da imagem que o filme pode ser transformar em
uma experiência multissensorial, capaz de aguçar nossa percepção, à medida em que ativa
todos os sentidos, em prol da intepretação da obra.
10. Referências Bibliográficas
AUMONT, Jacques. MARIE, Michel. Dicionário Teórica e Crítico de Cinema. 2º ed.
Campinas: Papirus, 2003.
BALOGH, Ana Maria. Conjunções – Disjunções - Transmutações: da literatura ao cinema e
à TV. São Paulo: AnnaBlume, 2005.
CARROLL, Noël. A Filosofia do Horror ou Paradoxos do Coração. Campinas: Papirus,
1999.
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. S.Paulo: Martins Fontes, 2006.
GREIMÁS, A.J. COUTÉS, J. Dicionário de Semiótica. 2º ed. São Paulo: Contexto, 2012.
JULLIER, Laurent. MARIE, Michel. Lenda as Imagens do Cinema. São Paulo: SENAC,
2009.
KLINGER, Leslie S. The New Annotated Dracula. New York: W.W. Norton & Company Inc,
2008.
MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2003.
METZ, Christian. A significação no Cinema. São Paulo: Perspectiva, 2006.
PROPP, V. Ia. Morfologia do Conto Maravilhoso. R. de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
RIGBY, Jonathan. American Gothic: sixty years of horror cinema. Richmond: R & H Ltd,
2007.
SANTAELLA, Lucia. NÖTH, Winfried. A Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo:
iluminuras, 2008.
STAM, Robert. A Literatura Através do Cinema: realismo, magia e a arte da adaptação.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
TODOROV, Tzvetan. As estruturas Narrativas. São Paulo: Perspectiva, 2004.
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11. Referências Filmográficas
CREPÚSCULO. Direção: Catherine Hardwicke. Estados Unidos: Summit Entertainment,
2008. DVD (120 min.). son., cor.
DRÁCULA. Direção: Tod Browning. Estados Unidos: Universal Pictures, 1931. DVD (74
min.). son., P&B.
DRÁCULA de Bram Stoker. Direção: Francis Ford Coppola. Estados Unidos: Columbia
Pictures. DVD (128 min.). son., cor.
O CONDE Drácula. Direção: Roy Ward Baker. Inglaterra: Hammer Films, 1970. DVD (95
min.). son., cor.
SANGUE para Drácula. Direção: Paul Morissey. Itália/França: Compagnia Cinematografica
Champion S.P.A, 1974. DVD (106 min.). son., cor.