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1 AS GREVES METALÚRGICAS DE 1978 EM SÃO PAULO: IMPACTOS NO CICLO DE GREVES A identificação de um ciclo de greves deve considerar o volume de paralisações em um determinado período de tempo, a quantidade de jornadas não trabalhadas, a média de dias parados, os setores e categorias envolvidos. A partir da análise destes dados, o cientista político Eduardo G. Noronha elaborou um dos modelos possíveis de periodização e classificação do ciclo de greves iniciado no Brasil com os metalúrgicos da Scania em São Bernardo do Campo em maio de 1978. O autor sugere a ocorrência de um grande ciclo entre 1978 e 1997 dividido em três fases: 1978-1984 início e expansão; 1985-1992 “explosão” e 1993-1997 resistência e declínio. A primeira fase, por sua vez, merece de Noronha ordenamento em três subfases: 1978-1979 momento inaugural, concentrado nos metalúrgicos do ABC e espalhando-se para outros municípios e estados envolvendo principalmente o setor privado. Nesta subfase teriam se definido “características da atuação sindical que marcaram esse período” (p. 128). Em seguida vem a subfase delimitada entre 1980 e 1982, que se distinguiria pela retração do movimento grevista em função da conjuntura política e econômica desfavorável e, por fim, os anos de 1983 e 1984, de retomada das greves com expansão para o setor público e um abrandamento da repressão depois da eleição de governadores de oposição à ditadura em 1982. O presente artigo propõe-se a contribuir com o debate sobre as características e o impacto do ciclo de greves iniciado em 1978 a partir do trabalho com fontes primárias e de uma perspectiva de microanálise: concentra-se nas paralisações levadas a efeito pelos metalúrgicos de São Paulo em maio, junho e outubro de 1978 e destaca aspectos qualitativos do fenômeno, tais como as formas de organização, as características específicas das paralisações em cada período do ano, as pautas e projetos dos sujeitos coletivos envolvidos. Busca-se, com isto, uma compreensão do papel do movimento operário na transição da ditadura para o regime democrático não apenas relacionando conjunturas com estatísticas de paralisações, mas procurando reconstituir a inextricável relação entre legislação antioperária, modelo econômico, regime fabril e ditadura, por um lado, e a luta por liberdades democráticas, mudanças nas condições de vida e reprodução das famílias de trabalhadores e transformações políticas e sociais, por outro. Houve um tempo em que as “greves econômicas” provocavam imediatas e inevitáveis ressonâncias políticas e os sujeitos sabiam, viviam e reagiam a esta condição em cada situação. Trata-se, portanto, de reconstituir, dentro de um ciclo de média duração (1978-1997), a ação dos sujeitos coletivos em conflito para desvendar como as

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AS GREVES METALÚRGICAS DE 1978 EM SÃO PAULO: IMPACTOS NO

CICLO DE GREVES

A identificação de um ciclo de greves deve considerar o volume de paralisações

em um determinado período de tempo, a quantidade de jornadas não trabalhadas, a

média de dias parados, os setores e categorias envolvidos. A partir da análise destes

dados, o cientista político Eduardo G. Noronha elaborou um dos modelos possíveis de

periodização e classificação do ciclo de greves iniciado no Brasil com os metalúrgicos

da Scania em São Bernardo do Campo em maio de 1978. O autor sugere a ocorrência de

um grande ciclo entre 1978 e 1997 dividido em três fases: 1978-1984 – início e

expansão; 1985-1992 – “explosão” e 1993-1997 – resistência e declínio. A primeira

fase, por sua vez, merece de Noronha ordenamento em três subfases: 1978-1979 –

momento inaugural, concentrado nos metalúrgicos do ABC e espalhando-se para outros

municípios e estados envolvendo principalmente o setor privado. Nesta subfase teriam

se definido “características da atuação sindical que marcaram esse período” (p. 128).

Em seguida vem a subfase delimitada entre 1980 e 1982, que se distinguiria pela

retração do movimento grevista em função da conjuntura política e econômica

desfavorável e, por fim, os anos de 1983 e 1984, de retomada das greves com expansão

para o setor público e um abrandamento da repressão depois da eleição de governadores

de oposição à ditadura em 1982.

O presente artigo propõe-se a contribuir com o debate sobre as características e

o impacto do ciclo de greves iniciado em 1978 a partir do trabalho com fontes primárias

e de uma perspectiva de microanálise: concentra-se nas paralisações levadas a efeito

pelos metalúrgicos de São Paulo em maio, junho e outubro de 1978 e destaca aspectos

qualitativos do fenômeno, tais como as formas de organização, as características

específicas das paralisações em cada período do ano, as pautas e projetos dos sujeitos

coletivos envolvidos. Busca-se, com isto, uma compreensão do papel do movimento

operário na transição da ditadura para o regime democrático não apenas relacionando

conjunturas com estatísticas de paralisações, mas procurando reconstituir a inextricável

relação entre legislação antioperária, modelo econômico, regime fabril e ditadura, por

um lado, e a luta por liberdades democráticas, mudanças nas condições de vida e

reprodução das famílias de trabalhadores e transformações políticas e sociais, por outro.

Houve um tempo em que as “greves econômicas” provocavam imediatas e

inevitáveis ressonâncias políticas e os sujeitos sabiam, viviam e reagiam a esta condição

em cada situação. Trata-se, portanto, de reconstituir, dentro de um ciclo de média

duração (1978-1997), a ação dos sujeitos coletivos em conflito para desvendar como as

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relações de forças vão se delineando no curso dos acontecimentos, condicionadas por

variáveis macroeconômicas e sociopolíticas.

Tomemos como exemplo a greve da empresa Toshiba, produtora de aparelhos

eletrônicos e semicondutores, situada, então, na Vila Arapua. Iniciou-se em 26 de maio

de 1978, uma sexta-feira, às 9 horas, depois do horário do café. Quase quinze dias,

portanto, após a greve inaugural da Scania. O impacto do movimento de São Bernardo e

Santo André no momento em que os operários e operárias da Toshiba cruzaram os

braços pode ser avaliado em duas dimensões mais visíveis: a da repercussão de uma

ação que testou, revelou e produziu uma nova relação de forças, mais favorável à luta

operária, e a do aprendizado prático de como realizar uma greve naquela conjuntura.

O primeiro aspecto surge em depoimentos como o do principal líder da parede

da Toshiba, Anísio Batista: “(...) as greves do ABC beneficiaram muito porque o

pessoal se entusiasmou bastante com as greves de lá. O pessoal achava que se tinha

greve no ABC podia ter na Toshiba também. Mas a greve foi organizada”.1 O

depoimento de Maria José Edviges sobre a paralisação na Philco, realizada também em

1978, reforça este “efeito demonstração” de aberturas e possibilidades: “(...) quando foi

1978, quando estouraram as greves em São Bernardo, para nós foi o estopim, é como

quem diz assim: lá eles fizeram, por que não nós? Nós podemos”.2

O aspecto do aprendizado pode ser apreendido na semelhança das formas de

organização das paralisações na Scania e Toshiba: ambas foram greves por fábrica,

iniciadas (e no caso da Toshiba finalizada) sem o envolvimento do sindicato e com os

operários e operárias de braços cruzados em frente às máquinas paradas. Sobre esta

tática, esclarece Anísio: “Nós decidimos que a greve nossa ia ser a greve de parado na

máquina, braços cruzados, cada um no seu posto, por tempo determinado por motivo de

salário. Porque uma greve de piquete igual antigamente a gente viu que os operários não

iam assumir”.3

A pauta de reivindicações da Toshiba, por sua vez, define o que importava

naquele momento: recuperação do valor dos salários, melhores condições de trabalho e

fim da repressão. Alcançar e manter estas conquistas impunha aos trabalhadores

organizar-se em coletivos maiores e opunha-os à política salarial em vigor, ao regime

fabril articulado pelo empresariado após 1964 e ao que restava da ditadura civil-militar.

1 “Depoimento de Anísio Leite para Márcia sobre a greve na Toshiba”. Centro de Memória Sindical.

Pasta Ca01 Metalúrgicos de São Paulo. ( O depoimento está transcrito em papel timbrado da Folha de São

Paulo. O sobrenome do depoente está registrado incorretamente) 2 Depoimento de Maria José Edviges a Murilo Leal em 13/1/18 3 “Depoimento de Anísio Leite para Márcia sobre a greve na Toshiba”. Centro de Memória Sindical.

Pasta Ca01 Metalúrgicos de São Paulo.

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Sobre a pauta, a reportagem da Folha de S. Paulo registra que, em documento

destinado à direção da empresa, os empregados

...pedem melhorias nas condições de trabalho, reclamam da falta de segurança no

serviço e solicitam que a empresa marque nova eleição para membros da CIPA.

Também reivindicam da firma a contratação de novo convênio médico, mais próximo

da empresa e o pagamento das horas paralisadas, bem como melhoria na qualidade das

refeições.4

A leitura do próprio documento chama a atenção para os valores morais,

relacionados à dignidade humana, contidos em algumas das reivindicações e,

implicitamente, para a urgência da reconquista do direito de organização e greve:

3. Queremos um refeitório com condições de espaço e higiene para que possamos tomar

nossas refeições com tranquilidade necessária e evitar a triste e desumana situação onde

muitos companheiros chegam a almoçar nos vestiários e por cima de peças ou caixas em

diversos locais

(...)

6. Não apresentaremos nenhuma comissão que nos represente sem que tenhamos a

garantia de que os participantes dela não serão atingidos por nenhuma punição e que só

sejam demitidos se julgados por falta grave.

7. Por fim, queremos que nenhum companheiro seja punido por participar do nosso

movimento (...)

São Paulo, junho de 1978, Zona Sul5

Naquele contexto, a reivindicação salarial adquiriu uma conotação de Justiça e

de “reparação” após anos de sofrimento, desvinculando-se de seu referente específico,

“corporativo”. Em uma das reuniões da comissão com os administradores, após

“demonstração” em lousa das dificuldades da multinacional japonesa, um operário

pediu a palavra e ousou contrapor-se: “Puxa, e se em vez de colocarmos na lousa os

problemas da fábrica nós colocássemos os problemas dos operários depois de catorze

anos de arrocho salarial?”6

Cabe, finalmente, analisar as formas de organização da greve da Toshiba, já que

aparecem traços semelhantes em outras paralisações dos metalúrgicos de São Paulo,

diferenciado-se, neste ponto, dos modos de atuação adotados no ABC.

Como mencionado no depoimento de Anísio Batista, as greves de maio de junho

se formaram dentro das fábricas, sem a intervenção de piquetes e, em São Paulo, sem a

4 “Na Toshiba, 600 continuam parados”. Folha de S. Paulo, 29 de maio de 1978, p. 26. 5 Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo

digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 6“Depoimento de Anísio Leite para Márcia sobre a greve na Toshiba”. Centro de Memória Sindical. Pasta

Ca01 Metalúrgicos de São Paulo.

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intervenção ativa do Sindicato. Exigiam e pressupunham, portanto, grupos ou comissões

de fábrica.

Isto aparece claramente no depoimento de Anísio:

O pessoal mais velho se organizou numa comissão de onze pessoas, representantes de

cinco seções entre as quais se encontravam as três mais importantes por congregarem

maior número de operários: a usinagem, a estamparia e o rolamento de motor.7

O testemunho faz menção a outras comissões, ou à dilatação e recomposição da

mesma, logo no primeiro dia do movimento. Com as máquinas paradas, Anísio foi

convocado pelo Departamento de Pessoal. Alegou que era novo de casa, “não sabia de

nada” e que deveriam chamar um grupo de representantes para negociar. Formou-se,

então, uma comissão com trinta membros. Como não cabiam todos no escritório,

resolveram reunir-se no refeitório, aonde se juntaram cerca de duzentos trabalhadores.

Representando a empresa estavam um advogado, um engenheiro e o gerente de

produção. “O advogado começou logo falando que a greve era ilegal. Mas o pessoal

começou então a levantar os problemas da fábrica e não parou mais. O advogado ficou

irritado, disse que não dava para discutir com tanta gente e foi embora”.8 Elegeu-se,

então, uma comissão com 18 integrantes, para negociar e redigir as reivindicações.

Como já comentado, o processo na Toshiba deu-se sem a intervenção direta do

Sindicato dos Metalúrgicos. Quando o Delegado Regional do Trabalho, Vinicius Ferraz

Torres, convocou uma mesa redonda entre representantes da empresa, do sindicato e dos

trabalhadores, frustrou-se com a ausência dos últimos. Joaquim dos Santos Andrade,

presidente da entidade de classe, negou-se, então, a discutir o aumento salarial “sem a

presença dos empregados da empresa”. Esclareceu à reportagem da Folha de S. Paulo

que “o sindicato não foi solicitado pelos trabalhadores para realizar a intermediação

com a direção da empresa”.9 Finalmente, a 2 de junho, após negociações diretas entre

patrões e empregados, um acordo foi fechado e as máquinas voltaram a funcionar e só

então a entidade foi chamada para homologar a avença na DRT. Ainda segundo a

reportagem da Folha: “O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Joaquim dos Santos

Andrade, nem mesmo sabia ontem, até o final da tarde, que a empresa já havia firmado

o acordo e que os operários tinham retornado ao trabalho”.10

Podemos agora sumariar alguns traços da greve da Toshiba, que, como veremos,

marcaram também o início do ciclo na categoria dos metalúrgicos de São Paulo nos

meses de maio e junho de 1978.

7 Idem. 8 Idem. 9 “Greve na Toshiba ainda sem solução”. Folha de S. Paulo, 1 de junho de 1978, p. 19. 10 “Toshiba aceita 15%; trabalho é reiniciado”. Folha de S. Paulo, 3 de junho de 1978, p. 15.

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1. Tem início pouco depois das greves em São Bernardo e Santo André. Para se

compreender a lógica do ciclo (que não se expande sozinho, nem por

contágio) é importante considerar que no ABC reuniram-se pioneiramente e

com mais intensidade forças para uma luta que adquiriu um sentido de

“universalidade”. Outros setores da mesma classe entenderam que o teste do

ABC abrira possibilidades. Também é importante considerar que, após

quinze dias de noticiário e troca de experiências diretas sobre como se

fizeram as greves na Scania, Ford, Mercedes, Volkswagen, a tática dos

“braços cruzados e máquinas paradas” e da ação e negociação direta com os

patrões foi aprendida e incorporada pelas comissões de metalúrgicos de São

Paulo.

2. A reivindicação salarial de 20% de reajuste desprendeu-se de seu “referente”

socioeconômico imediato (“corporativo”, por assim dizer) para adquirir a

conotação de luta por Justiça após catorze anos de sofrimento (“arrocho”).11

3. A pauta de reivindicações articulou um conjunto de demandas que, no ciclo

de greves como um todo, também se desprenderá de seu “referente

corporativo” para transformar-se no eixo social e democrático da classe

trabalhadora na “abertura”. São questões concernentes a “condições de

trabalho” e “de vida”, como alimentação, convênio médico, segurança e

higiene e às liberdades democráticas da perspectiva dos interesses dos

trabalhadores – direito de greve, de organização no local de trabalho, contra

as represálias patronais. Estas conquistas implicavam na desmontagem do

regime de vigilância e controle militarizados e superexploração da força de

trabalho implementado pelo empresariado durante a ditadura.12

4. A forma organizativa das greves de maio e junho foi a comissão de fábrica,

responsável pela elaboração da estratégia de lutas, pelas negociações, pela

redação e divulgação da pauta de reivindicações. A composição e as

atribuições da comissão foram se alterando antes e depois do movimento,

sem formalidades. O vínculo básico parece ter sido o da consciência de

classe e confiança mútua de um grupo de trabalhadores reunidos por uma

liderança e dispostos a lutar. O sindicato, embora não fosse chamado a

envolver-se diretamente, foi uma referência institucional, seja quando

convocou uma assembleia para deliberar sobre o percentual de antecipação

salarial, seja na homologação do acordo.

11 Adapto aqui livremente ideia desenvolvida por Ernesto Laclau em A razão populista. São Paulo: Três

Estrelas, 2013. 12 Apresentei a interpretação do “novo regime fabril” no artigo “Um novo regime fabril: vigilância e

controle militarizados e superexploração da força de trabalho” In: IIEP/Conselho do Projeto memória da

OSM-SP. Investigação operária - Empresários, militares e pelegos contra os trabalhadores. São Paulo,

2014, p. 65

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5. A abertura de um canal de negociações direta com os patrões, empresa por

empresa, pegando de surpresa a FIESP e o governo foi característico das

greves naquele momento inicial.

Abrindo o foco da Toshiba para a categoria metalúrgica de São Paulo,

constatamos que, na avaliação da Oposição Sindical Metalúrgica, cerca de 120 mil

metalúrgicos, de um total de 135 a 200 fábricas, cruzaram os braços em maio e junho.13

Sobre essas greves, o jornal O Metalúrgico, veículo do Sindicato, informa números

diferentes: teriam sido realizadas 75 paralisações, envolvendo, por exemplo, empresas

do porte da Aliperti, da Siemens, Metal-Leve e Arno. É ressaltada a novidade: “Chegou

1978 e começamos um novo tipo de luta. Parávamos de braços cruzados, perante as

máquinas desligadas (...) Em algumas empresas, o trabalhador conseguiu reajuste de

salário a cada dois meses (...) em novembro de 1978, um acordo obrigava as empresas a

reajustar os salário em maio de 1979”.14

Está claro, portanto, que o ciclo iniciado no ABC estendeu-se em seguida a São

Paulo, envolvendo um grande número de fábricas. Algumas especificidades da “vertente

paulistana” do ciclo, nesses seus primórdios, podem ser entrevistas pela documentação e

depoimentos: a tática de entrar nas fábricas, se possível “bater o ponto”, e manter-se

diante das máquinas paradas; as negociações diretas entre patrões e empregados,

mediadas pelas comissões de fábrica e pela direção do sindicato; a “ocupação” das

fábricas, com realização de assembleias nos refeitórios e a organização de comissões

como recurso indispensável; a articulação, na organização do movimento, de sujeitos

com relações com a categoria e objetivos estratégicos díspares: direção sindical,

lideranças locais mais ou menos ligadas à Oposição Metalúrgica e a própria Oposição

como movimento.

Os balanços apresentados pela Oposição Sindical Metalúrgica permitem elaborar

uma compreensão mais apurada da dinâmica do movimento de maio e junho e também

conhecer os debates e interpretações formulados no calor dos acontecimentos por um

dos principais atores do ciclo.

Na tentativa de captar os “elementos de propagação” do “ciclo de greves de

maio-novembro de 1978”, a Oposição faz menção a ideia de um “renascimento do

movimento operário no Brasil”, portanto de uma restauração de algo que fora

13 Para o número de 120 mil grevistas de 200 fábricas conferir o panfleto “Metalúrgicos, nossa luta

continua”. Já a informação de 117 mil grevistas em 135 fábricas aparece no “Manuel do Sindicalista”,

produzido pela Oposição. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico

OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 14 O Metalúrgico n. 227, abril 1980. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta

Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978.

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interrompido e perdido. Tem-se a ideia de uma volta, reencontro ou religação com uma

legítima tradição do passado. A explicação para a irradiação nessa primeira fase

encontra-se na imagem de um “contágio local”, com “expansão geográfica a partir das

maiores fábricas de cada região”.15 Não se tratou, ao contrário do que se poderia supor,

de um movimento espontâneo, embora, para os membros da Oposição, “a propagação

do mesmo possa ser chamada de ‘natural’”, pois “as fábricas que deram os exemplos

iniciais, ou que vieram renovar o ‘fôlego’ do movimento, contavam com trabalho de

grupos internos, que preparavam a greve já há algum tempo...”. O documento apresenta

informação ainda mais específica: “Das primeiras dez fábricas que entraram em greve

em São Paulo, oito delas tinham trabalho da Oposição Sindical; das primeiras trinta

fábricas, a metade possuía militantes da Oposição Sindical trabalhando nelas (...)”.

A Oposição fortaleceu sua concepção de movimento sindical vigorosamente

enraizado nos locais de trabalho nessas greves. Avaliou que as conquistas salariais

obtidas em São Paulo, em comparação com o ABC, teriam sido maiores: “Nas greves

de São Paulo, negociadas pelas Comissões de Fábrica, os resultados organizativos e

mesmo econômicos foram maiores. O aumento médio foi de 12,5%, enquanto no ABC

a média foi de 11%. Como as ‘antecipações’ foram de 13% no ABC e de 10% em São

Paulo, a diferença econômica foi pequena, mas o saldo político foi maior em São Paulo

(...)”. Mesmo assim, a Oposição reconheceria que o funcionamento das comissões fora

intermitente: “As comissões de fábrica eleitas durante as greves não tiveram

continuidade, salvo exceções, depois de encerrados os movimentos (...) Na maioria dos

casos as comissões funcionaram como comandos de greve nas fábricas portanto de

existência temporária”. Sua força não estava na existência contínua, na

institucionalidade, mas em sua função organizativa e expressiva dos anseios e

tendências do movimento de trabalhadores no chão da fábrica, no local de produção.

Sua força estava na plasticidade e proximidade com o cotidiano de exploração e

resistência nos locais de trabalho.

Por isso, pode-se cogitar que a dinâmica do ciclo de greves em São Paulo tenha

apresentado uma articulação mais complicada do que no ABC. Em São Paulo

encontrava-se uma categoria relativamente dispersa em pequenas, médias e grandes

indústrias espalhadas por um grande território, mais difícil, portanto de organizar e

manter organizada. Por isto, o papel do Sindicato, como instituição reconhecida pelo

patronato e pelo Estado, tinha peso fundamental na formação da própria categoria como

classe e como sujeito coletivo. O Sindicato sofrera intervenção em abril de 1964 e a

equipe de interventores, homens de confiança da ditadura civil/militar, se mantinham à

15 Todas as citações a seguir foram extraídas do documento Boletim da Oposição Sindical Metalúrgica.

Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo

digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978.

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frente da entidade em 1978, quando, aliás, houve uma segunda intervenção, com o

reconhecimento do resultado de eleições de junho que haviam sido anuladas por

fraude.16 O empenho de sua diretoria na organização de greves, de comissões de fábrica,

no confronto com a patronal para a conquista das reivindicações, na mobilização da

categoria, mostrou-se sempre moderado e ambíguo. A Oposição Sindical conduziu o

movimento nas grandes fábricas, desempenhou algumas funções que no ABC foram

exercidas pela direção sindical, mas nas greves gerais de 1978 e 1979 revelaram-se os

limites de suas possibilidades de ação.

Essa “articulação complicada” do movimento se manifesta na experiência e na

percepção dos próprios sujeitos individuais, como se pode perceber no depoimento de

um(a) grevista da Philco não identificado(a), registrado no acervo do Centro de

Memória Sindical. No terceiro dia de greve, as negociações vinham sendo

encaminhadas na DRT com a presença de uma gigantesca comissão formada por

noventa operários (que, em votação, opuseram-se por unanimidade à redução de seus

membros para quinze, proposta pelo delegado Vinícius Ferraz Torres), do delegado, do

advogado da Philco e do presidente e vice do Sindicato. A direção da empresa propôs,

então, que o sindicato saísse da negociação. Um dos membros da comissão concordou,

mas, após votação, a proposta foi rejeitada. Segundo o(a) depoente:

Os companheiros não querem que o sindicato saia, porque isso dá uma base legal para a

gente, percebe? Ajuda a sustentar a nossa greve, etc. e tal e porque é um troço que tá

ligado ao governo e a gente tem um respaldo legal caso aconteça alguma coisa na firma,

a gente pode se reunir no sindicato, etc. e tal, se não eles também vão fechar as portas

para a gente.17

A Assembleia Geral, realizada em 14 de abril de 1978, quando deliberou-se por

uma campanha pela antecipação salarial de 21% a partir de 1º de maio, é mencionada

tanto no depoimento de Anísio Batista quando em boletim da Oposição sindical como

uma referência para o convencimento e a organização da luta. Pode-se cogitar também

que a linguagem empregada por Joaquim dos Santos Andrade, favorável às greves do

ABC, tenha contribuído para a criação de uma atmosfera propícia à greve em uma parte

da categoria mais próxima às posições do sindicato. No dia 18 de maio, data do

julgamento do dissídio dos metalúrgicos do ABC pelo Tribunal Regional do Trabalho,

Joaquim declarava à Folha de S. Paulo que “se houver paralisação em qualquer fábrica

em São Paulo sua atitude será a mesma dos dirigentes de São Bernardo, apoiando o

16 O episódio é relatado no capítulo “O sindicato, a oposição e as eleições”. In: IIEP/Conselho do Projeto

memória da OSM-SP. Investigação operária - Empresários, militares e pelegos contra os trabalhadores.

São Paulo, 2014, p. 73 e também no documentário “Braços Cruzados, Máquinas Paradas” (São Paulo,

1979). Direção: Sérgio Toledo Segall e Roberto Gervitz, 1979. 17 Depoimentos, Pasta 43. Entrevista: Philco. Matéria: greve. Papel timbrado da Folha de S. Paulo. s/d.

Centro de Memória Sindical. Caixa Ca01K- Metal SP.

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movimento. ‘Ninguém aguenta mais a situação salarial’, justifica”.18 Alguns dias

depois, a 23 de maio, declarada ilegal a greve do ABC, o Presidente dos Metalúrgicos

de São Paulo opinava que “o problema não é a lei, o problema é a fome; o problema não

são os direitos e deveres, o problema são os catorze anos de arrocho salarial”. Ao ser

indagado se a greve poderia chegar a São Paulo, disse: “Acho que pode porque os

problemas dos metalúrgicos de São Paulo são os mesmos do ABCD”. E finalizou: “O

Lula é meu amigo, tenho mantido contato com ele, mas não tenho nada a ensinar ao

Lula. Tenho hipotecado a minha solidariedade ao Lula. Os metalúrgicos de São Paulo

estão solidários aos metalúrgicos do ABCD”.19

Com data-base em 17 de novembro, a campanha salarial dos metalúrgicos, em

pleno momento expansivo do ciclo inicial das greves, não podia deixar de ser vibrante,

mobilizadora e criativa. Foi conduzida conjuntamente pelos sindicatos de São Paulo,

Osasco e Guarulhos, por terem a mesma data-base; aproveitou a recente experiência das

greves de maio e junho e consolidou as organizações de fábrica, articulando-as por

regiões; concentrou, depois de catorze anos de dispersão e resistência molecular, a

categoria em grandes assembleias de vinte e trinta mil operários na rua do Carmo,

culminou com uma greve geral com duração de três dia.

A primeira assembleia geral da campanha foi realizada em 6 de outubro, a partir

das 19 horas, na sede do Sindicato, rua do Carmo 171. A avaliação do número de

presentes varia conforme a fonte: segundo o Sindicato, eram 6 mil,20segundo o Jornal

da Greve, organizado pela Oposição com recortes de jornais sem identificação, teriam

sido 5 mil,21 de acordo com a Folha de S. Paulo, estariam presentes 2 mil

metalúrgicos.22Não era ainda uma assembleia massiva, mas disparou um processo de

mobilização e, cerca de quinze dias depois, em plena greve, mais de trinta mil

metalúrgicos compareceriam a uma assembleia decisiva. A dispersão da categoria

certamente dificultava que a base dos metalúrgicos de São Paulo se manifestasse tão

massivamente quanto a do ABC. Esta comparação é conhecida, mas cabe lembrar

novamente que, de acordo com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São

Paulo, em 1978 a categoria reunia cerca de 250 mil trabalhadores, dos quais 66 mil

estavam filiados à entidade. Estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e

18 “TRT julga hoje dissídio dos metalúrgicos”. Folha de S. Paulo, 18 de maio de 1978, p. 22. 19 “Problema não é a lei, mas fome e arrocho”. Folha de S. Paulo, 23 de maio de 1978, p. 20. 20 “Reunião de Bairros-Campanha Salarial de 1978”[Panfleto com timbre do Sindicato dos Metalúrgicos

de São Paulo]. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV

– Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 21 “Jornal da Greve” Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico

OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 22 “Assembleia metalúrgica decide por ‘70% ou greve’”. Folha de S. Paulo, 7/10/78. Centro de Memória

Sindical, Caixa Ca01 K – Metal SP – Recortes de jornais 77-89 – Saúde do Trabalhador – Pasta Ca01

Metalúrgicos de SP – Recortes de Jornais 1977-1981.b

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Estudos Socioeconômicos (DIEESE), realizado oito anos depois, registra uma categoria

de 359.377 trabalhadores, chamando a atenção para o fato de que 63,44% das empresas

contavam com 10 ou menos operários e apenas 0,30% delas com mais de mil

trabalhadores. Não temos estudos sobre a quantidade de operários por empresas, mas

nas grandes, como a Philco, trabalhavam cerca de 8 mil metalúrgicos. O operariado

estava distribuído nos vários setores da metalurgia: 41,9% no setor mecânico; 25,4% no

de material elétrico; 17,6% no setor de material de transporte; 8,7% na metalurgia e

6,4% em “diversos”.23Tratava-se de uma estrutura industrial muito diferente da

encontrada em São Bernardo do Campo, que, apenas na Volkswagen (38 mil),

Mercedes (19.500) e Ford (11 mil), todas montadoras, concentrava 68.500

trabalhadores.

A segunda assembleia da campanha salarial ocorreu no dia 20 de outubro, reuniu

8 mil operários e aprovou uma pauta de 23 reivindicações, com destaque para o índice

de aumento salarial de 70%, a escala móvel de salários com reajuste trimestrais e

estabilidade para as comissões de fábrica. A Oposição apostava em seu recurso mais

valioso, a inserção nas fábricas, a força do levante operário, por isto propôs e aprovou

em assembleia a formação de uma comissão de salários aberta, que acolheu quase uma

centena de participantes. Foram também alugados pelo sindicato seis salões espalhados

pelos bairros para a realização de reuniões que chegavam a contar com a presença de

400 trabalhadores.24 O Sindicato convocava os metalúrgicos para estas reuniões com

um panfleto padrão, modificando apenas o nome da empresa à qual se dirigia:

Reunião de Bairros – Campanha Salarial de 1978

(...) A Assembleia Geral da categoria realizada na semana passada, que contou com a

presença de mais de 6.000 trabalhadores aprovou o percentual de aumento de 70% (...)

Vamos conhecer e discutir todo o elenco de reivindicações e como conquistá-lo. Unidos

e organizados conquistaremos melhores salários.

REUNIÃO DE BAIRROS

Convocamos os companheiros desta empresa para a reunião que será realizada no dia 12

de outubro (quinta-feira) às 18h30 no Salão Arco Íris, na Avenida Interlagos 1606

(esquina com a Av. N.Sra. do Sabará).25

23 “Sub-seção do DIEESE no Sindicato dos Metalúrgicos de S. Paulo”. entro de Memória Sindical. Caixa

01 J – Metal SP - Greves décadas de 1970-1980 – Comissões de Fábrica 1978-1983” 24 “Jornal da Greve” Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico

OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 25 [Panfleto Sindicato dos metalúrgicos de S. Paulo]. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e

Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978.

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Nesta assembleia, a Diretoria do Sindicato e a Comissão de Salários informaram

que, em reunião de negociações no dia anterior, a pauta fora rejeitada em sua maioria

pelos patrões: ao invés de 70% de reajuste, eram oferecidos 50%; no lugar do piso

salarial de Cr$ 4.680,00, a oferta de Cr$ 2.169,00. Nada de reajuste trimestral e nem de

estabilidade para as comissões de fábrica.26 A assembleia de 27 de outubro, uma sexta-

feira, era, então, decisiva. O Boletim sindical de convocatória já estabelecia um

indicativo de greve, orientava os trabalhadores a se organizarem e procurava afirmar a

exclusiva legitimidade da diretoria do Sindicato e da comissão de salários como

representantes da categoria:

A intransigência dos patrões mais uma vez ficou provada pois nossas reivindicações

foram rejeitadas em sua maioria.

Está marcada nova reunião com os empregadores e se não formos atendidos em nosso

pedido até a realização desta assembleia, será marcado o dia e a hora da deflagração

da greve.

Os companheiros de Guarulhos e Osasco estão firmes com a mesma disposição.

Alerta companheiros integrantes das comissões de empresa: não negociem, não

discutam e não façam acordos separados, pois a luta é de toda a categoria, conforme

decisão da assembleia anterior.

(...)

Não aceitem orientação de pessoas ou grupos estranhos aos sindicatos, pois os

comandos da campanha estão concentrados na diretoria dos três sindicatos,

assessorados pelas respectivas comissões de salários.27

A assembleia do dia 27 foi massiva, presentes cerca de vinte mil metalúrgicos e

deliberou pela greve a partir da segunda-feira, 30 de outubro. A tática de entrar nas

fábricas, bater os cartões e permanecer parados foi aprovada. Na segunda-feira, cerca de

250 mil metalúrgicos de São Paulo, Osasco e Guarulhos pararam. A FIESP, pega de

surpresa em maio, agora se mostrava ativa, orientando o empresariado a não fazer

acordos diretos, a aplicar suspensão disciplinar, a suspender as refeições, vales,

conduções e outras vantagens aos grevistas, e, em caso de greve geral, fechar os portões

da fábrica.28 Muitos empresários seguiram à risca as recomendações: a FORD, a

Forjaço, a Cobrasma, a Induslet, por exemplo, suspenderam os grevistas por dois dias.29

26 “Equipe de metalúrgicos de S. Paulo”. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas).

Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 27 “Boletim do Sindicato dos Metalúrgicos”. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e

Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 28 “Jornal da Greve” 29 Idem

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O dia 31 de outubro, terça-feira, segundo dia da greve geral, foi decisivo.

Compareceram 30 mil metalúrgicos a uma assembleia realizada na rua do Carmo. A

proposta patronal oferecia três percentuais de reajustes escalonados por faixas salariais

(58%, 54% e 50%), com desconto dos percentuais conquistados nas greves de maio e

junho; piso de Cr$ 2.520,00; compensação das horas paradas no prazo de 60 dias e

acordo de não realização de greves por um ano.30Para a aprovação do acordo e o

encerramento da greve parece ter sido decisiva uma manobra da direção do Sindicato.

Alegando haver elementos estranhos à categoria infiltrados na assembleia, a Diretoria

recusou-se a deliberar por aclamação pela aprovação ou rejeição da proposta patronal e

continuidade da greve, transferindo esta decisão para outra assembleia a ser realizada no

dia seguinte, em recinto fechado, por meio de votação secreta e com a presença apenas

dos sindicalizados. Na assembleia do dia 1 de novembro, com o comparecimento de

cerca de 6 mil metalúrgicos, a convenção coletiva foi aprovada e a greve encerrada.

A Oposição denunciou o que considerou uma traição da direção do Sindicato e

resolveu dar um passo ousado: propôs a retomada da greve a partir do dia 6 de

novembro por 70% de aumento linear, sem desconto das antecipações conquistadas em

maio e junho, com pagamento das horas paradas durante a greve, piso salarial de Cr$

4.680.00, reajustes trimestrais e reconhecimento das comissões de fábrica com

estabilidade para seus membros e abaixo assinado pela destituição da Diretoria do

Sindicato.31Aparentemente, os trabalhadores de algumas fábricas como Caterpillar,

Borroughs, APIS e Fundição Brasil aderiram à greve do dia 6 de novembro, mas faltava

à oposição força para substituir o Sindicato nesta função.

Na condução da greve geral evidencia-se novamente a articulação complicada da

categoria. Por um lado, a Diretoria do Sindicato assumiu as pautas e bandeiras

defendidas pela Oposição. Neste sentido, em reunião realizada em 30 de novembro de

1978 pelo “Setor Mooca da Oposição Metalúrgica”, após debater a questão “O que a

Diretoria do Sindicato queria com a proposta de mobilização e de greve geral esse

ano?”, concluiu-se: “A Diretoria precisava apagar sua imagem suja das eleições

sindicais. Quis ganhar nome de ser de briga”; “A Diretoria assumiu todas as bandeiras

da Oposição. Era o jeito de reconquistar a confiança da massa”; “Depois que a massa

assumiu a brincadeira dos pelegos aí a Diretoria do Sindicato sentou e bolou junto com

a DRT, FIESP, SNI, CIA todo um plano geral para furar a greve e com isso reafirmar

30 [Convenção coletiva. Papel timbrado do Sindicato] e “Nota à imprensa – Metalúrgicos grevistas do

Setor Sudeste”. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV

– Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 31 “Nota à imprensa – Metalúrgicos grevistas do Setor Sudeste”. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações,

Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-

greves 1978.

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um saco de ideias reacionárias no meio da massa”.32 Por outro lado, A Oposição

reconhecia não ter força para dirigir a greve sem o Sindicato, como fica evidente no

Relatório da primeira discussão de avaliação da campanha salarial:

A maior parte da categoria aderiu à greve porque a ordem vinha do sindicato. Isto

mostra o potencial de força que é o nosso sindicato. A greve pode ser chamada de greve

paternalista. O sindicato era o grande pai. A Oposição sindical não tinha organização

suficiente nas fábricas para sustentar a greve além do sindicato. A Oposição Sindical

não conseguiu ser direção da greve.33

Como conclusão, cabe talvez nos dedicarmos novamente à análise de uma das

dimensões mais importantes para a atualidade do ciclo de greves iniciado em 1978: seu

papel na transição para o regime constitucional democrático vigente. Levaremos a cabo

esta análise atendo-nos ao que foi apresentado até aqui: as greves de maio/junho de

outubro de 1978.

É pertinente considerar, como argumenta Noronha, que as análises mais

conhecidas tendem a subestimar, em ciclos de greve oriundos de processos de transição

política de ditaduras para democracias, a influência dos conflitos políticos e agendas

próprias desses contextos. O autor argumenta que

A excepcionalidade do caso brasileiro quanto ao volume de conflitos entre meados de

1980 e início dos 1990 resulta, em primeiro lugar, da própria existência de um processo

de transição política para a democracia. Tal processo implicou mobilização da opinião

pública e incentivos à ação coletiva.34

O que talvez mereça mais debate e precisão seja a ideia de que o ciclo de greves

brasileiro representou, no processo de transição, uma “(...) forte demanda de inclusão

social (e não só política), numa economia moderna, herdeira do modelo

desenvolvimentista, então em crise (...)”,35 descartando-se, assim, as conotações

disruptivas, antissistêmicas do movimento. Em síntese, pode-se dizer que as greves

foram beneficiadas por um processo de distensão que tornava impraticável uma

repressão como a desferida sobre Osasco em 1968 e, menos, um novo fechamento com

algo equivalente ao AI-5. Por sua vez, o movimento operário alterou os termos e

relações do encaminhamento da abertura, pondo em questão, a um só tempo, a

legislação repressiva, os limites da legalidade, o papel do empresariado no processo de

32 “Setor Mooca da Oposição Metalúrgica – 30/11/78 – Campanha Salarial de 1978”. Acervo IIEP

(Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo digital para

consulta/campanhas salariais-greves 1978. 33 Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo

digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 34 NORONHA, Eduardo G. “Ciclo de greves, transição política e estabilização: Brasil, 1978-2007”. Lua

Nova, São Paulo, 76, 2009, p. 159. 35 Idem, p.162

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abertura e os sujeitos políticos reconhecidos como legítimos. A natureza do modelo

econômico e os limites da legitimidade política foram postos em questão de baixo para

cima por um sujeito coletivo, o movimento proletário e popular, não para se chegar a

um regime de maior inclusão, mas para abrir terreno para o novo, que foi sendo

delimitado e instituído por uma série de lutas por um longo período. Este sujeito

coletivo era portador de um “princípio de universalidade” tão legítimo quanto aquele

que predominou na transição política, resultando na instauração de uma democracia

liberal e de um modelo econômico mais “moderno”. Por sua vez, a própria agenda

burguesa da transição democrática foi também capturando e estabelecendo algumas

balizas para a ação política e sindical dos sujeitos. Vejamos como, a nosso ver, se deu

esse processo.

Como já vimos, foi frequente no discurso do movimento operário naquele

momento, a postulação da condição de vanguarda de um renascimento de um

movimento interrompido em 1964. Eis aqui outro exemplo desta argumentação:

“Metalúrgico, sindicalize-se! Nos últimos anos a classe operária tem tomado conta dos

noticiários de rádios, jornais e televisão. Nossa luta acordou o Brasil. Muitos sindicatos

que até alguns anos atrás só serviam para oferecer médico e festinhas começam a voltar

a ser órgãos de luta da nossa classe”.36 Em uma cartilha preparatória da campanha

salarial de 1979, elaborada pela Oposição Sindical, a postulação da classe trabalhadora

como “nação”, desde as greves de maio de 1978, é apresentada com muita clareza:

É preciso lembrar que o movimento que nasceu em São Paulo em maio do ano passado

continua crescendo e se ampliando.

Todo o mundo seguiu o nosso exemplo: construção civil, motoristas, professores,

bancários, médicos, funcionários públicos e muitas outras categorias se mobilizaram em

busca de melhores condições de vida e de trabalho.

(...)

A luta uniu não só os metalúrgicos, mas todo o povo brasileiro, em defesa do legítimo

direito da classe trabalhadora: o direito de greve e a liberdade sindical.

E hoje o movimento se espalha por todo o Brasil: Minas, Rio, Bahia, Rio Grande do

Sul, Brasília. Em todas as grandes cidades industriais cresceu a união e a luta da classe

trabalhadora.37

No decorrer da greve de 1979, a articulação operária e popular, fábrica-bairro, se

fortaleceu e a pauta de reivindicações incluiu mais abertamente do que em 1978

36 “Metalúrgico, sindicalize-se”. Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas

salariais-greves 1978. 37 Cartilha da Oposição Sindical Metalúrgica. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e

Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978.

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reivindicações por creche, ônibus, moradia, além de salários, representando, portanto,

um potencial de articulação política mais “universal”.

Em alguns panfletos da Oposição, certamente veiculando o discurso de uma

vanguarda de esquerda, mas talvez não inteiramente estranho à percepção e

compreensão da classe, vincula-se explicitamente o governo da ditadura aos patrões: “O

governo dos patrões só se preocupa em controlar o aumento do salário dos trabalhadores

e faz vistas grossas ao aumento dos preços e do lucro dos patrões”.38 Nesta perspectiva,

o nó a ser desatado não era o da ditadura e do arrocho, mas de todo um regime de defesa

de interesses de classe.

O sujeito coletivo operário/popular/democrático reunido na greve de 1978 pode

ser localizado no ato público realizado no salão paroquial Santo Antônio, em Osasco,

durante a greve de outubro de 1978, em solidariedade ao movimento. De acordo com a

reportagem publicada no “Jornal da Greve”, compareceram “representantes da Igreja

Católica, da Oposição Sindical dos metalúrgicos de Osasco e de São Paulo, da Pastoral

dos Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, Convergência Socialista, DCE

Livre da USP, Sindicato dos Operários da Construção Civil, Comitê Brasileiro pela

Anistia e Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Osasco”. Além da defesa do

direito de greve, os oradores pediram anistia, liberdades democráticas e sindicais,

readmissão dos operários afastados por motivos políticos ou sindicais. Denunciaram

prisões de vários membros do Movimento Custo de Vida na região de Osasco quando

distribuíam convites no bairro do Novo Osasco.39

Os contornos políticos e institucionais da transição democrática foram sendo

definidos na luta, no confronto e na negociação. Enquanto o empresariado e os setores

“aberturistas” do governo reconheciam a legitimidade das greves visando afrouxar os

constrangimentos da legislação à liberdade de negociação e ação do empresariado ou

então ampliar e fortalecer o quadro institucional da abertura, a aposta do movimento

operário e popular era na possibilidade de romper estes limites.

A primeira dimensão aparece nas declarações feitas aos jornais três dias após a

greve da Scania, por Mario Granero, presidente da Anfavea, avaliando que as

paralisações “não comprometem as aberturas democráticas” e que “dentro da ordem e

da lei o diálogo fortalece as instituições”.40Por sua vez o coronel Rubem Ludwig, porta

voz oficial do governo, pontificava pouco depois dizendo que a greve era “sinal dos

38 “Comunicado à categoria”. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta

Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 39 “Jornal da Greve”. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico

OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 40 “Ford pára: reunião geral hoje na Scania”. Folha de São Paulo, 16/5/78, p. 23.

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tempos” e que o movimento dos trabalhadores estava previsto na legislação “onde todos

esses direitos são reconhecidos”.41

Na coluna Opinião, do mesmo jornal, no artigo Um lance de dados, assinado por

GMB (possivelmente o intelectual e professor Gildo Marçal Brandão, ligado ao PCB)

registra-se uma avaliação bem mais audaciosa do sentido do movimento iniciado no

ABC. Segundo GMB “(...) duas ordens de acontecimentos que estão se processando no

País, pela sua importância para o futuro político da Nação, prendem imediatamente as

expectativas”, referindo-se à candidatura da oposição à presidência da República (que

veio a definir-se pelo nome do general Euler Bentes Monteiro) e às greves do ABC, por

ser o primeiro movimento com tal magnitude na década e por transbordar “os estreitos

espaços institucionais vigentes”. Segue-se critica os temerosos de que tudo

representasse uma “ampla orquestração destinada a favorecer o caos ou obstaculizar as

reformas”, concluindo: “Enfim, os dados estão lançados e o resultado não está dado por

antecipação”.42

O debate tem continuidade poucos dias depois na mesma coluna Opinião, da

Folha de S. Paulo, com a publicação do artigo “O pão e o aço”, assinado por autor(a)

com as iniciais A.D., da sucursal do Rio de Janeiro, que advertia:

“Habeas corpus” sem direito de greve, desenvolvimento sem distribuição imediata dos

seus frutos, progresso para as elites bem comportadas são nuances de autoritarismo,

variações sobre o tema da opressão.

(...)

A aspiração que varre o país de ponta a ponta de participar politicamente não é

subjetiva, vaga e impalpável. As massas querem decidir seus destinos em função das

suas necessidades, da sua fome, da sua desproteção. Reformas sociais justas, equitativas

e duradouras só podem ser corporificadas em regimes democráticos.43

Está claro, assim, que, para alguns argutos analistas da imprensa liberal da

época, o ciclo de greves, desde seus primeiros momentos, articulava-se estreitamente ao

processo da transição, com o mesmo potencial de incidência política que a candidatura

do MDB à sucessão do ditador Ernesto Geisel, introduzindo explicitamente uma pauta

de reformas sociais na agenda da transição política.

Mas a moeda sempre tem dois lados e o projeto de condução da transição dentro

dos limites definidos pelo ímpeto aberturista da ditadura e pelos interesses da oposição

liberal-democrática teve forte repercussão e apoio no movimento operário e na própria

41 “TRT julga hoje dissídio dos metalúrgicos”. Folha de S. Paulo, 18/5/78, p. 22. 42 GMB, “Um lance de dados”. Folha de S. Paulo, 19/5/78, p. 2. 43 A.D. “O pão e o aço”, Folha de S. Paulo, 28/5/78, p. 2.

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Oposição Sindical Metalúrgica. O dilema pode ser vislumbrado no já citado panfleto, do

Setor Mooca da Oposição Sindical Metalúrgica, em que é divulgado o resumo de cinco

reuniões realizadas entre os dias 9 e 30 de novembro de 1978, com a participação de

operários(as) de onze fábricas. À indagação sobre “o que a Oposição fez, qual seu

comportamento?”, registra-se as respostas: “A Oposição se dividiu em cima da greve. A

Greve Geral é um lance muito grande que exige de tomar posições claras. Houve quem

apostou tudo na greve. Houve quem não quis assumir. Houve quem, na prática, se

colocou contra a Greve Geral e assumiu a proposta dos pelegos. Houve quem pensava

que se a greve continuasse poderia pôr em risco as eleições de 15 de novembro”.44

Crítica semelhante foi apresentada no relatório da primeira discussão de

avaliação da Campanha Salarial, feita pela Oposição:

Entre as eleições de junho [refere-se às eleições para a direção do Sindicato dos

Metalúrgicos de São Paulo – Nota M.L.] e a campanha salarial, uma parcela da O.S.

(principalmente cartolas) se desviaram do trabalho diretamente operário para dedicar-se

à campanha política das eleições de novembro. Isto fez com que durante as assembleias

da campanha salarial muitos oradores se preocuparam mais em dar o recado político e

deixar em segundo plano a campanha salarial45

Os limites e alcances da transição democrática e a natureza do novo regime que

se definiria com os resultados das lutas sofriam, portanto, forte pressão política com a

entrada em cena dos operários e operárias com suas greves . A ação proletária, por sua

vez, não poderia, como no período “populista”, representar-se politicamente dentro do

estreito sistema bipartidário imposto pelo AI-2 e imediatamente disparou articulações

para a organização de um partido que representasse a classe trabalhadora, atestando,

desta forma, a potência de articulação política e o “princípio de universalidade” contido

nas greves. Em entrevista ao repórter Sergio Sister, da revista VEJA, publicada em 15

de novembro de 1978, duas semanas após o encerramento da greve geral metalúrgica,

Joaquim dos Santos Andrade era apresentado como “(...) um dirigente sindical

conservador, anticomunista, que se prepara para voos mais altos com a criação de um

partido político”. Ao ser indagado se “um partido dos trabalhadores estaria em seus

planos no quadro da abertura política”, respondeu: “(...) está em meus planos a

formação de um partido político, pois sou contra o bipartidarismo”.46 Um ano depois,

44 “Setor Mooca da Oposição Sindical metalúrgica – 30/11/78”. Acervo IIEP (Intercâmbio, Informações,

Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-

greves 1978. 45 “Relatório da Primeira discussão de avaliação da campanha salarial”. Acervo IIEP (Intercâmbio,

Informações, Estudos e Pesquisas). Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas

salariais-greves 1978.

46 SISTER, Sérgio. “Entrevista: Joaquim dos Santos Andrade – ‘Sou da meia-esquerda’”. Revista Veja,

15/11/1978. Pasta Ca01 Metalúrgicos de S.P. – Documentos 1932-1981”. Centro de Memória Sindical.

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em entrevista ao Jornal da Tarde, ao ser questionado o que iria fazer depois que saísse

do sindicato, Joaquim reiterava:

Bom, eu sou defensor e vou procurar trabalhar e dar tudo o que a gente tiver para dar,

no sentido de ver os trabalhadores com seu próprio partido, com seu próprio barco para

deixar de andar em canoa alheia e pagar pedágio alto e caro. Eu não vejo no MDB

condições de se dizer partido operário.47

Menos de um mês antes desta entrevista, um grupo, certamente de oposição a

Joaquim, distribuía um panfleto na assembleia metalúrgica de 24 de agosto com as

seguintes palavras de ordem: “Todo poder de decisão para as assembleias gerais”, “Pela

criação de um comando de greve representativo nas fábricas”, “Por um sindicato livre e

independente!” e assinava: “Metalúrgico Independente (M.I.) – Grupo de metalúrgicos

que luta por um Partido dos Trabalhadores sem patrões”.48

Para os metalúrgicos de São Paulo, portanto, o ano de 1978 foi vertiginoso.

Pulverizados em cerca de onze mil empresas espalhadas pelos quatro cantos da cidade,

pressionados pelo arrocho salarial e pelo tacão de um regime fabril repressivo e

militarizado, produzindo todos os tipos de artefatos metalúrgicos, começaram a

movimentar-se nos locais de trabalho poucos dias depois do abalo provocado pelas

greves do ABC. A seleção brasileira de futebol acabava de disputar a Copa do Mundo

na Argentina, mas por um momento, a paixão pela luta parece ter ofuscado a paixão

pelo esporte.49 Formaram-se comissões de fábrica, o discurso patronal foi confrontado

pela razão proletária, canais de organização esclerosados foram reativados. Falava-se

em renascimento. Ocupar as fábricas, transformar os refeitórios e pátios em locais de

debate e assembleia, juntar-se a trinta mil companheiros de jornada em uma assembleia

no meio da rua, conquistar melhores salários e condições de trabalho podia ser uma

experiência transformadora, mas o inimigo parecia ter mil cabeças, mil disfarces. Era

preciso juntar-se para entender tudo o que estava acontecendo e poder continuar. Veio a

traição, vieram as demissões, vieram as represálias. Mas alguma coisa havia mudado e

quando os dirigentes começaram a falar em partido políticos e a imprensa a dar às

greves atenção equivalente a conferida às articulações do MDB para a sucessão

presidencial, muitos perceberam que era muito grande o que estava em jogo.

47 FILLAGE, Miguel Ângelo; NASSIF, Luís. “A Oposição me chama de pelego. Pode chamar. Jornal da

Tarde, 29/9/79. Pasta Ca01 Metalúrgicos de S.P. – Documentos 1932-1981”. Centro de Memória

Sindical. 48 Pasta Histórico OSM/CPV – Acervo digital para consulta/campanhas salariais-greves 1978. 49 Reunião promovida pelo Instituto Pedroso Horta, do MDB, em Vitória, Espírito Santo, para discutir

política salarial e liberdade sindical em 17 de maio de 1978, coincidindo com o amistoso entre Brasil e

Tchecoslováquia às vésperas da Copa do Mundo, reuniu público de 800 pessoas, arrancando do deputado

Alceu Collares o comentário satisfeito de que o Futebol não mais afastava as pessoas da política,

merecendo aplausos. “Trabalhadores têm maior consciência”. Folha de S. Paulo, 19/5/78, p 20.

Page 19: AS GREVES METALÚRGICAS DE 1978 EM SÃO PAULO: … · Pasta Ca01 Metalúrgicos de São Paulo. ( O depoimento está transcrito em papel timbrado da Folha de São ... Por fim, queremos

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