as estruturas econômicas, hilário franco júnior fichamento

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As estruturas econômicas, Hilário Franco Júnior  fichamento (até p. 49, p. 11 do arquivo pdf) 1. A limitação das fontes econômicas medievais não é mero incidente, mas fato que traduz o espírito da época, mais preso a imagens, palavras e gestos do que a números. 2. A historiografia especializada desenvolveu trabalhos baseados no qualitativo (indícios, tendências, características), que elucidam melhor a economia medieval do ponto de vista da própria época. Isso não impede, é claro, que diversos assuntos ainda permaneçam polêmicos e outros insuficientemente esclarecidos. 3. Os séculos IV-X podem ser considerados em bloco. Tal período pode ser caracterizado por uma escassez endêmica. Ou seja, uma pequena produtividade agrícola e artesanal, consequentemente, uma baixa disponibilidade de bens de consumo e a correspondente retração do comércio e, portanto, da economia monetária. 4. (Até o século X) O domínio não era caracterizado por seu tamanho, muito variável no tempo e no espaço, mas por sua estrutura de funcionamento. Esta girava em torno da divisão da área em duas partes. A primeira, chamada na época de terra indominicata (ou de reserva senhorial pelos historiadores), era explorada diretamente pelo senhor. Ali estavam sua casa, celeiros, estábulos, moinhos, oficinas artesanais, pastos, bosques e terra cultivável. 5. (Até o século X) A segunda parte era a terra mansionaria, ou seja, o conjunto de pequenas explorações camponesas, cada uma delas designada pelos textos a partir do século VII por mansus. 6. Cada manso era a menor unidade produtiva e fiscal do domínio. Dele uma família camponesa tirava sua subsistência, e por ter recebido tal concessão devia certas prestações ao senhor. Os mansi serviles, ocupados por escravos, deviam encargos mais pesados que os mansi ingenuiles, possuídos por camponeses livres. 6. (Até o século X) As pastagens e áreas florestais existentes na reserva senhorial eram, por direito costumeiro, de uso de toda a comunidade. Assim, o solo arável da reserva variava de 25% a 50% do conjunto das terras cultivadas do domínio. 7. Em geral, os mansi  tinham 15 hectares. Tanto num quanto noutro tipo de manso, os encargos em espécie e em dinheiro eram leves, implicando a entrega de alguns produtos (cereais, aves, ovos, lã etc.) e algumas moedas por ano. 8. Eram fundamentais as prestações em serviço, possíveis porque a capacidade de trabalho de cada manso era superior à que ele requeria, empregando-se assim o excedente na reserva. Como os detentores de mansos servis trabalhavam mais tempo na terra indominicata, e nesse período alimentavam-se ali, seus mansos podiam ser menores. 9. O senhor exigia a corveia, trabalho servil na reserva, em troca do manso por causa das dificuldades de obter mão-de-obra numa conjuntura de depressão demográfica ou pela impossibilidade de pagar trabalhadores com dinheiro. A prestação de serviço na reserva senhorial representava a própria essência do regime dominial.

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7/17/2019 As Estruturas Econômicas, Hilário Franco Júnior fichamento

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As estruturas econômicas, Hilário Franco Júnior – fichamento (até p. 49, p. 11 do arquivo pdf)

1. A limitação das fontes econômicas medievais não é mero incidente, mas fato que traduz o

espírito da época, mais preso a imagens, palavras e gestos do que a números.

2. A historiografia especializada desenvolveu trabalhos baseados no qualitativo (indícios,

tendências, características), que elucidam melhor a economia medieval do ponto de vista da

própria época. Isso não impede, é claro, que diversos assuntos ainda permaneçam polêmicos e

outros insuficientemente esclarecidos.

3. Os séculos IV-X podem ser considerados em bloco. Tal período pode ser caracterizado por

uma escassez endêmica. Ou seja, uma pequena produtividade agrícola e artesanal,

consequentemente, uma baixa disponibilidade de bens de consumo e a correspondente

retração do comércio e, portanto, da economia monetária.

4. (Até o século X) O domínio não era caracterizado por seu tamanho, muito variável no tempo

e no espaço, mas por sua estrutura de funcionamento. Esta girava em torno da divisão da área

em duas partes. A primeira, chamada na época de terra indominicata (ou de reserva senhorial

pelos historiadores), era explorada diretamente pelo senhor. Ali estavam sua casa, celeiros,

estábulos, moinhos, oficinas artesanais, pastos, bosques e terra cultivável.

5. (Até o século X) A segunda parte era a terra mansionaria, ou seja, o conjunto de pequenas

explorações camponesas, cada uma delas designada pelos textos a partir do século VII por

mansus.

6. Cada manso era a menor unidade produtiva e fiscal do domínio. Dele uma família

camponesa tirava sua subsistência, e por ter recebido tal concessão devia certas prestações ao

senhor. Os mansi serviles, ocupados por escravos, deviam encargos mais pesados que os mansi

ingenuiles, possuídos por camponeses livres.

6. (Até o século X) As pastagens e áreas florestais existentes na reserva senhorial eram, por

direito costumeiro, de uso de toda a comunidade. Assim, o solo arável da reserva variava de

25% a 50% do conjunto das terras cultivadas do domínio.

7. Em geral, os mansi   tinham 15 hectares. Tanto num quanto noutro tipo de manso, os

encargos em espécie e em dinheiro eram leves, implicando a entrega de alguns produtos

(cereais, aves, ovos, lã etc.) e algumas moedas por ano.

8. Eram fundamentais as prestações em serviço, possíveis porque a capacidade de trabalho de

cada manso era superior à que ele requeria, empregando-se assim o excedente na reserva.

Como os detentores de mansos servis trabalhavam mais tempo na terra indominicata, e nesse

período alimentavam-se ali, seus mansos podiam ser menores.

9. O senhor exigia a corveia, trabalho servil na reserva, em troca do manso por causa das

dificuldades de obter mão-de-obra numa conjuntura de depressão demográfica ou pela

impossibilidade de pagar trabalhadores com dinheiro. A prestação de serviço na reserva

senhorial representava a própria essência do regime dominial.

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10. De uma forma geral, grandes propriedades pertenciam à Coroa, aos mais poderosos

nobres e principalmente à Igreja, porque, enquanto os domínios daqueles se fracionavam após

algumas gerações por meio de doações e partilhas sucessórias, os domínios eclesiásticos

ficavam indivisos, graças ao celibato.

11. Sobretudo a realeza perdia terras, já que com elas remunerava os serviços da aristocracia

laica e do clero.

12. As grandes riquezas fundiárias estavam dispersas por diferentes regiões, com os senhores

constantemente se deslocando para consumir in loco a produção do domínio, que apesar de

pequena era difícil de ser estocada ou transportada.

13. Tudo indica que a escravidão ainda era praticada em boa parte do Ocidente cristão,

especialmente na Inglaterra, Alemanha, Itália e Catalunha. Mas é inegável que se generalizava

então a figura dos servi casati , escravos estabelecidos e fixados num pedaço de terra. Dessa

forma a própria palavra servus  (escravo) passou a designar outra realidade jurídica,expressando aquela transformação socioeconômica — a do servo.

14. A produção dos domínios não apresentava grandes novidades em relação à agricultura da

Antiguidade. A terra era trabalhada quase sempre no sistema bienal ou trienal.

15. Esquema bienal: a terra fértil era dividida em duas partes, cultivando-se uma delas no

primeiro ano enquanto a outra ficava em pousio, invertendo-se no segundo ano e assim

sucessivamente.

16. Esquema trienal (desde o século VIII): ao se dividir a área cultivável em três partes, não só

se ampliava a extensão efetivamente produtiva (66% contra 50% no bienal) como ainda se

tinha a segurança de duas colheitas anuais.

17. O artesanato dos séculos IV-X estava concentrado nos domínios, que com sua tendência à

autossuficiência procurava produzir ali mesmo tudo que fosse possível. A mão-de-obra era

predominantemente escrava, vivendo na terra indominicata  daquilo que o senhor lhe

entregava, trabalhando nas oficinas com ferramentas e matérias-primas fornecidas por ele. A

partir do século VIII havia também um pequeno grupo de artesãos assalariados, que se

deslocavam de domínio em domínio.

18. O comércio era limitado, mas não paralisado. Se as dificuldades de produção, de um lado,

restringiam as trocas por gerar poucos excedentes, de outro lado tornavam necessário que

uma região com problemas temporários procurasse determinados produtos básicos em

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outras. Quando um domínio tinha um certo excedente, ele era comercializado, diante da

impossibilidade de se estocar.

19. Hilário Franco Júnior aponta a ocorrência de relações tanto entre os domínios de um

mesmo senhor quanto com o de outros proprietários. Para escoar essa produção, foram

criadas feiras como a de Saint-Denis, organizada no século VII para aquela abadia vender sua

produção de vinho e mel. Comprova a existência desse comércio o fato de os camponeses

deverem ao senhor certas taxas em dinheiro, o que pressupõe a venda regular de uma parte

da produção.

20. Das três funções atribuídas à moeda, apenas uma foi importante nos primeiros séculos

medievais.

21. Primeiramente, ela é instrumento de medida de valor, ou seja, um padrão para medir o

valor de bens e serviços adquiríveis, simplificando a relação pela qual determinada mercadoria

pode ser trocada por outra. Ora, esta primeira função pouco ocorria, com o preço de um bemsendo frequentemente expresso em outros bens ou serviços.

22. Em segundo lugar, a moeda é instrumento de troca, porque, não sendo ela própria

consumível, pode, graças à sua aceitabilidade geral, servir de intermediária entre bens que se

quer trocar. Esta função estava enfraquecida em virtude da escassez de bens, que tornava

desinteressante a cessão de uma mercadoria sem se saber se outra poderia ser proximamente

obtida.

23. Por fim, a moeda é instrumento de reserva de valor, já que sem perder as funções

anteriores pode ser guardada para a qualquer momento satisfazer certas necessidades. Este

papel da moeda foi acentuado nos séculos IV-X devido à pequena disponibilidade de bens. Em

suma, a moeda era rara porque os bens eram raros.

24. A Idade Média Central (XI-XIII) conheceu importantes mudanças nos elementos que tinham

caracterizado a fase anterior. Em primeiro lugar, a passagem da agricultura dominial para a

senhorial. Diante do incremento demográfico que se manifestava desde meados do século X,

os mansos da época carolíngia foram divididos em lotes bem menores, com cerca de 3 ou 4

hectares, as tenências.

25. Havia dois tipos básicos de tenências, ambas de concessão pouco onerosa para o

camponês, a censive e a champart .

26. Censive (mais comum e difundida): em troca do usufruto da terra o camponês devia uma

pequena renda fixa, o censo, pago em dinheiro ou em espécie.

27. Com o tempo, porém, o camponês passou a dispor de seu lote como se fosse o

proprietário. Daí o senhor ter começado a cobrar pela transferência hereditária, taxa

conhecida por mão-morta, geralmente o melhor animal que o camponês falecido tinha, para

permitir que o filho dele permanecesse na terra.

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28. Tenência champart  (de campi   pars, “parte da colheita”): a renda devida pelo camponês ao

senhor não era fixa, mas proporcional ao resultado da colheita. De maneira geral, a taxa era de

10% na triticultura, de 16% a 33% na viticultura e na criação.

29. Em algumas regiões, como na França central e oriental e na Itália, prevalecia uma variante,

a meação, na qual o senhor fornecia, além da terra, todo o material necessário para cultivá-la,

ficando por isso com uma parcela maior do resultado, variável de metade a dois terços.

30. Não só os lotes camponeses viram sua área diminuir na Idade Média Central (XI-XIII). A

reserva senhorial também se viu reduzida em razão de vários fatores.

31. a) o progresso das técnicas agrícolas permitia ao senhor obter maior produção com menos

terra; b) os rendimentos senhoriais vinham então bem mais do exercício dos direitos de ban 

(julgar, punir, tributar) do que da exploração direta do solo; c) na nova ordem social que se

implantava desde fins do século X — o feudalismo — para estabelecer relações de vassalagem

o senhor cedia terras sob forma de feudo.

32. Não se deve, portanto, confundir senhorio e feudo, ainda que frequentemente tenham

estado juntos.

33. O senhorio era a base econômica do feudo; já o feudo era a manifestação político-militar

do senhorio. O senhorio era um território que dava a seu detentor poderes econômicos

(senhorio fundiário) ou jurídico-fiscais (senhorio banal), muitas vezes ambos ao mesmo tempo.

34. O feudo era uma cessão de direitos, geralmente, mas não necessariamente sobre um

senhorio. Havia regiões senhorializadas e não feudalizadas (como a Sardenha), mas não

existiam regiões feudalizadas sem ser senhorializadas.

35. Das rendas do senhorio vive toda a sociedade feudal, do não livre ao senhor feudal. O que

o senhor feudal retira em serviços e em dinheiro de seu vassalo, ele próprio senhor rural, não

se concebia sem o suporte da terra, a qual é, frequentemente, a uma só vez senhorio rural e

feudo.

36. O regime de mão-de-obra também se modificou em relação ao da agricultura dominial. A

escravidão praticamente desapareceu no norte europeu, sobrevivendo apenas em algumas

regiões mediterrânicas. O segmento de trabalho assalariado expandiu-se, em especial no

século XII, graças ao barateamento da mão-de-obra resultante do aumento populacional. Oservo tornou-se o principal tipo de trabalhador.

37. Em muitas regiões difundiu-se a prática de transformar a obrigação de serviços em

pagamento monetário, com o qual o senhor contratava assalariados, cujo trabalho rendia o

dobro do servil.

38. De forma geral, que rendimentos o senhor extraía de seus camponeses?

a) No senhorio fundiário, principalmente a corveia, trabalho gratuito, geralmente três dias por

semana, fosse para o cultivo da reserva, fosse para serviços de construção, manutenção,

transporte etc. Havia também, como vimos, o censo e a mão-morta, e ainda, em certos tipos

de tenência camponesa, um porcentual da produção.

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b) No senhorio banal, as chamadas banalidades: taxas pelo uso do moinho, do lagar e do

forno, monopólios do senhor; albergagem ou requisição de alojamento; taxa pelo uso dos

bosques, anteriormente direito camponês; multas e taxas judiciárias diversas; talha, surgida

em fins do século XI, pela qual o senhor em troca de proteção militar cobrava quando e quanto

necessitasse, arbitrariedade abolida na segunda metade do século XII, com a regulamentação

de sua periodicidade e montante.

39. A partir do século X, a produção cresceu em virtude de uma maior quantidade de mão-de-

obra (incremento demográfico) trabalhando sobre uma área mais extensa (desbravamento de

florestas e terrenos baldios). Mas também graças à difusão de diferentes técnicas: sistema

trienal, charrua, força motriz animal, adubo mineral, moinho de água, moinho de vento.

40. Mesmo assim, a produtividade continuou pequena para os padrões atuais. Calculou-se o

rendimento médio da sementeira (ou seja, o número de grãos obtidos para cada semente

plantada) em 5,5 para o centeio, 4 para o trigo, 3,5 para a cevada e 3 para a aveia).

41. Uma segunda transformação importante ocorrida nos séculos XI-XIII foi possibilitada pela

existência de um excedente agrícola, o revigoramento do comércio. Este passou a

desempenhar um papel central na vida do Ocidente, com repercussão muito além da esfera

econômica.