as crônicas de valhalla nove mundos · aviso, uma amostra de poder, ou sei lá mais o que. só sei...
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As crônicas de Valhalla
Nove Mundos
Prólogo
"A verdadeira coragem não é só medida pelos atos, mas também pela determinação do
coração...”.
Capítulo um
Tempestade de verão
O MUNDO PARECIA QUE IA DESABAR. E não falo isso por que o planeta Terra estava
ameaçado por um deus nórdico maluco, não mesmo, falo de algo mais próximo de mim em
certo momento. O Rio de Janeiro, a minha atual cidade-moradia, estava passando por uma
calamidade sem igual, queria eu acreditar que isso nada tinha a ver com os acontecimentos de
um mês atrás, quando parte da profecia das Nornas se cumpriu, eu queria acreditar que era só
mais uma ocorrência climática que não havia sido prevista a tempo, mas algo no meu interior
me dizia que Loki estava por trás de tudo, na verdade eu estava um pouco paranoico, devo
admitir, sempre que eu via um acidente de carro em algum lugar, meus sentidos logo apontavam
para o meu novo inimigo declarado, se bem que em certas situações, como esta em questão, eu
sentia mais do que um comichão interno, era quase como uma certeza: Loki está aprontando.
Mas talvez você não esteja entendendo muita coisa. Eu já me apressei, de novo pra variar.
Vou fazer uma breve retrospectiva caso você não saiba do que eu estou falando ou
simplesmente se esqueceu, embora eu considere difícil esquecer tudo aquilo que eu já passei nos
últimos tempos. O meu nome é Daniel, Daniel Wulsung de Almeida, tenho esse nome esquisito
no meio, pois sou sueco, e vim para o Brasil depois de muito tempo morando num país frio. Foi
difícil me aclimatizar ao lugar – e digo isso literalmente – pois o calor do Rio de Janeiro não era
para qualquer sueco suportar. Mas o mais difícil de suportar fora a revelação extraordinária que
eu tive no final do ano passado: sou descendente de um antigo herói nórdico e tenho que salvar
o mundo da ira de um deus maléfico. Tudo normal até aí. Descubro então que meus vizinhos
não são seres humanos; a doce Sra. Hilda, uma ricaça aqui da rua, era na verdade uma
Valquíria, uma guerreira dos deuses, e seu motorista, o Sr. Tomás, era o deus nórdico Thor, que
tinha como missão infernizar a minha vida com todas as tarefas que eu tinha que cumprir para
impedir que Loki dominasse ou destruísse o mundo. E falando nele – e essa é a melhor parte –
Loki, na verdade era Leonardo Vladesco, o diretor da minha escola, ele sempre deixara claro
que nunca gostara muito de mim, mas daí tentar me matar varias e varias vezes, confesso que
não esperava isso de ninguém. Enfim, durante um eclipse ocorrido no dia 31 de dezembro do
ano passado, Loki recuperou todo o seu poder e quase matou a Thor e a mim quando mandou o
seu filhinho, a serpente Iormungand, dar cabo de nós.
Talvez você já tenha compreendido a situação, então posso explicar a minha afirmação inicial.
O mês de janeiro passou quase todo sem uma única coisa sobrenatural ocorrendo, embora eu
quase não visse Thor, sabia que as coisas estavam bem, caso contrário ele me alertaria como já
fizera antes. Mas na última semana de janeiro, durante a noite de sexta-feira, uma ventania
começou inexplicavelmente, e logo em seguida começou a chover, uma tempestade na verdade.
Durante o verão, é comum esse tipo de chuva forte, ela sempre vem quando está muito quente,
refresca um pouquinho e depois tudo volta a ficar um forno, ainda mais quente do que antes,
devo acrescentar, e também digo que não sou muito fã do calor, mas isso não vem ao caso
agora. Embora as chuvas de verão fossem comuns naquela época do ano, esta em especial tinha
algo de diferente, e como eu já disse, começou do nada. Uma revoada de trovões enfurecidos
cortava os seus, e ao invés de refrescar, a chuva trazia consigo ainda mais calor, de modo que o
ar-condicionado do meu quarto não dava pra refrescar tanto. Cada trovão que cortava o céu
parecia ter luz para iluminar a cidade inteira, e se podia sentir a terra tremer toda vez que eles
castigavam o solo.
O pior aconteceu quando faltou luz. Ficamos no escuro, e muito pior, no calor, mas não foi tão
ruim, ficamos a luz de velas, no calor, meu pais ficou contando histórias da infância, no calor, e
minha mãe tentava nos abanar com um único leque. Isso tudo durou aproximadamente umas
quatro ou cinco horas; só as três da manhã é que a luz voltou, o meu ar tornou a ser ligado e
pude dormir. Mas ainda sim tive dificuldades para pegar no sono, o calor era de menos, pois eu
não conseguia tirar da minha mente que aquela tempestade era coisa de Loki, talvez fosse um
aviso, uma amostra de poder, ou sei lá mais o que. Só sei que o silencio de Thor não ajudava
nenhum pouco; eu esperava que quando dormisse naquela noite, ele talvez falasse comigo nos
meus sonhos, como fizera uma vez no ano passado, mas nada aconteceu; sonhei com muitas
coisas naquela noite, mas nenhum sinal de Thor. Vi-me caindo entre as nuvens enquanto uma
serpente gigantesca tentava me devorar, depois me vi em meio a uma festa onde todos usavam
roupas de gala, e por fim sonhei que estava com a minha namorada, Elizabeth; caminhávamos
por uma floresta, o céu estava azul e as flores multicoloridas desabrochavam na medida em que
passávamos por elas. Elizabeth e eu ainda não éramos namorados oficiais, pois a avó dela era
meio que superprotetora, isso por que a mãe de Elizabeth fora abandonada pelo pai dela, o que a
deixou com o coração partido, então a avó não queria que a neta passasse pela mesma situação
que a filha passou, mas é claro que eu jamais faria isso com a minha princesa, mas não vem ao
caso agora.
Mas voltando as minhas teorias, eu não tive noticias de Thor, então só pude imaginar que Loki
estava aprontando, mas em contrapartida, se Thor não me veio falar nada, queria dizer que Loki
talvez não estivesse armando, mas ele já tinha ficado tempo quieto de mais, quase dois meses
sem aprontar uma, a não ser que Thor estivesse me escondendo algo, mas se estivesse, por que
ele faria isso? Cara, mas confusão! Eu precisava era de um bom descanso. Afinal eu nem sei
quantas foram às vezes e que eu quase perdi a vida no último mês. Fui atacado por cobras, quase
fui morto por anões assassinos, sem falar do Hagen, outro capanga de Loki, que quase me
matara várias vezes; também teve um pássaro maligno que quase me congelou, e sem falar do
próprio Loki e de seu filho, o homem-cobra. De qualquer forma, deu para notar que foi um fim
de ano bem atribulado, e ao invés de desfrutar do meu mais do que merecido descanso, fico aqui
atribuindo relâmpagos e acidentes cotidianos a Loki. Talvez esse seja o plano, me deixar
paranoico. Se Thor não me notificou é por que tudo estava em paz, mas é claro que eu estava
errado quanto a essa paz, não sabia, mas estava redondamente enganado, mas tudo há seu
tempo. Tive um ótimo mês, um mês quente, mas ainda sim bem tranquilo, mas inevitavelmente
essa paz ia acabar, afinal, na primeira semana de fevereiro iriam recomeçara as minhas aulas no
DAT, a escola em que eu passei por muitas e muitas coisas. Queria rever meus amigos, e
também saber como seriam as coisas depois da saída do Vladesco, afinal seria bom não estar em
uma escola onde, a qualquer momento, uma espécie de monstro iria surgir para te matar.
Em resumo, depois da tempestade veio a bonança, tive até que uma noite sono agradável, e já
que Thor não veio me amolar nos meus sonhos, eu tinha mais é que dar graças a Deus. Mas
mesmo dormindo, os meus sentidos continuavam atentos, caso algo acontecesse, embora eu
ache que não devesse dizer os “meus sentidos”, afinal, para ações extra-sensoriais eu contava
com a minha espada, Balmung, a mesma que pertencera a meu antepassado, o herói Siegfried.
Balmung me foi dada no ultimo mês por Thor, ela geralmente fica sob a forma de um anel
prateado no meu dedo, mas em situações de perigo, ela se transforma numa magnifica espada de
lâmina prata.
Já que minhas férias estavam quase no fim – e estou falando também das minhas férias dos
ataques de Loki – eu ia precisar de toda a percepção e força de Balmung. Aquela chuva tinha
sido apenas o começo; a tempestade verdadeira ou o olho do furacão, ainda estavam por vir.
Capítulo dois
Regresso ao DAT
Apesar do toró da noite passada, o dia seguinte amanheceu com um sol tão forte quanto na
manhã anterior. Fui acordado pelo calor, isso por volta das seis da manhã, os raios dourados do
sol adentravam em meu quarto fazendo tudo reluzir, porém também deixava tudo mais quente,
se é que era possível.
Eu desci para ver se comia alguma coisa, mas minha mãe ainda estava dormindo, portanto
ainda não tinha preparado o café, e como eu não ia de jeito nenhum voltar para cama com o
calor que estava fazendo, me conformei com umas torradas com manteiga e um café que restou
do dia anterior. Enquanto comia, liguei a televisão e fiquei vendo o jornal da manhã, eu não
tinha o costume de vê-lo, mas, naquela manhã, isso aconteceu.
“... após o escândalo, o deputado que desviou mais de trezentos milhões para uma conta no
exterior, foi apanhado e deposto, embora a câmara vá iniciar uma CPI a fim de apurar mais
fatos.”, dizia o âncora do jornal, concluindo uma noticia que havia começado antes de eu ligar a
tevê, embora eu já soubesse desse caso, pois fora noticiado no dia anterior.
“E agora um enfoque especial para a chuva que caiu na ultima noite sobre o Rio de Janeiro.”,
dizia o âncora. “Na noite passada, uma forte e inesperada chuva se abateu sobre a cidade,
deixando várias ruas alagadas e vários bairros das zonas norte e sul totalmente sem luz. Além
disso, temos noticias de desabamentos na Região Serrana, não houve mortos, mas vários feridos
e desabrigados; o mais estranho é que essa chuva não se estendeu a todo o Estado, a Baixada
Fluminense e a Região dos Lagos, por exemplo, não viram uma gota de chuva sequer na noite
passada. E tão estranhamente como veio a tempestade também se foi da mesma maneira
deixando um rastro de destruição.”
Depois disso eu desliguei a televisão e me concentrei no meu copo de café. Parecia até que eu
podia ver figuras disformes se movendo em meio ao liquido negro e olhando para mim; talvez o
que estivera pensando era verdade, e a tempestade era mesmo coisa de Loki, embora eu
esperasse que ele no mínimo matasse alguém, mas graças a Deus que isso não ocorreu. Mas
ainda sim ele podia ter falhado talvez um país tão quente quanto o Brasil enfraquecesse o poder
de um deus nórdico, quem sabe.
E eu achando que ia ter férias tranquilas. Ainda que tivesse um descanso da escola, o meu
inimigo não me daria folga, e agora ele começara a se mostrar. Eu já até podia imaginar Thor
surgindo do nada ou invadindo os meus sonhos a fim de me falar que mais uma luta se
aproximava, e mais monstros viriam, juntamente com mais problemas.
Eu esperei por três dias e nada, nenhuma noticia nem de Thor ou Hilda. Nenhum sonho, ou
aparição luminosa, nada. Eu começava a achar que tinha que ir até a mansão, então na tarde do
terceiro dia, eu fui até lá, entretanto, algo que eu nunca pude imaginar ocorreu. “Vende-se”, era
o que dizia a placa junto ao portão de entrada da grande mansão que ficava no topo de uma
ladeira, longe das demais casas.
“Isso é palhaçada”, pensei. Thor não iria embora sem avisar, e o mais estranho é que a casa
não parecia abandonada, o Mercedes – o que não significava nada, uma vez que nem Thor nem
Hilda precisavam daquele carro, e só o tinham mesmo para manter as aparências como humanos
– continuava estacionado na garagem aberta além do jardim. A porta da frente, tal como as
janelas, estava fechada, o que dava a casa um tom meio rígido. Mas tinha que ter uma
explicação, tinha que ter alguém naquela casa. A primeira coisa que pensei foi em ir até a casa
de Gui, meu velho amigo de batalha – embora eu nunca dissesse a ele que tenho essa estima
toda, isso por que não nos dávamos bem em um passado distante. Gui era um semideus, filho de
Frey, o deus do amor, e, portanto ele poderia ter mais contato com os deuses do que eu. Embora
Gui não se desse muito bem com o pai, nesse caso é pouco provável que ele tivesse contato com
algum outro deus. Mas mesmo se tivesse, Gui estava na França, com a mãe – é Gui é francês;
isso para vocês verem, a minha historia tem a presença dos deuses escandinavos que, só Deus
sabe por que, estão no Brasil, e também um semideus, filho de um deus viking, que é francês, de
fato acho que não tá faltando mais nada, mas deixo quaisquer opiniões que forem a cargo dos
meus excelentíssimos leitores.
Eu tinha então que ir ver Elizabeth, mas curiosamente a avó dela decidiu que elas também
viajariam e não retornariam até que as aulas recomeçassem. Eu me sentia meio abandonado,
sem ter para onde correr, absorto em minhas próprias e ideias e paranoias, e o fato de Thor ter
sumido e colocado à casa a venda, não ajudava em nada.
-Não vai comer filho? – Perguntou minha mãe durante o almoço, isso já na sexta-feira.
-Vou, vou sim mãe. –respondi meio que errante em minha mente. Mamãe me retribuiu com um
sorriso; ela era mais parecida comigo, mesma pele clara, mesmos olhos azuis, afinal ela era
100% sueca, diferente do meu pai que era 100% brasileiro.
-Mal tocou na comida Dan. – disse meu pai. Ele é geralmente calado, mas fala quando tem que
falar, é um pouco moreno, o que torna difícil que acreditem que somos parentes, e é meio calvo
também.
-Eu vou comer, só estava refletindo um pouco. Mas e o senhor pai, não devia estar na
faculdade?
-Hoje é sexta – respondeu meu pai, então me liguei, era a folga dele, papai dava aula de história
na Pontifícia Universidade Católica. – Graças a Deus não tenho turmas hoje, e eu que estava
imaginado que as coisas iam piorar nesse semestre quando me botaram para dar Idade Média
também.
-Mas que bom que no querrido. –Disse mamãe ainda com um pouco de seu sotaque sueco, que
mesmo depois de um tempão aqui no Brasil, ela não conseguia perder.
-É mesmo querida – concordou meu pai – só assim tenho tempo para escrever o meu livro.
-E sobre o que vai ser? – Perguntei depois de engolir um pedaço enorme de frango.
-Será sobre a influência do cristianismo na Escandinávia em meados do século V d.C.
“Mais vikings”, pensei.
-Puxa pai, que legal. – Eu disse, mas sem muita exaltação.
-Um assunto interessante, especialmente por que vai ser o meu primeiro trabalho sobre o
medievo.
-Tenho certeza de que será brilhante como aquele anterrior, mas como erra mesmo?
-As organizações entre os sátrapas persas. Claro que a antiguidade é a minha especialidade.
-Pai, eu te garanto que se o senhor não fosse historiador, eu juro que jamais saberia o que é um
sátrapa.
Meu pai riu juntamente com minha mãe. Era bom estar com a minha família, e por um breve
momento eles me fizeram esquecer o meu drama atual, a minha desventurada situação, e as
coisas poderiam piorar.
Naquela noite, depois de semanas sem mensagens dos deuses, eu recebi uma visita inesperada.
Depois do jantar eu subi para o meu quarto e quando pude perceber eu a vi, sentada ali na minha
cama; aparentemente uma doce e inocente garotinha, seus olhos verdes como esmeraldas eram o
que mais chamavam atenção, até mais do que a sua expressão meiga.
-Skuld! – Eu disse numa mistura de espanto e, por incrível que pareça, satisfação; afinal alguém
do mundo mítico se mostrou em fim, provando que eu ainda tinha alguma importância.
-Olá, descendente de Siegfried. – Saudou-me a deusa do futuro.
-O que faz aqui? O que houve? Por que Thor e Hilda sumiram?
-Você faz muitas perguntas – disse ela calma e bem tranquila, tanto que chegava a dar raiva –,
mas o Futuro não guarda as respostas que procura, pois só o Passado pode lhe dizer o que já
ocorreu.
-Então veio até aqui para me revelar o futuro?
-Sim.
-E isso vai me ajudar?
-Não vim discutir isso, se vai te ajudar ou não, isso não convém. Mas agora ouça a voz do
destino. A sua paz irá terminar de fato quando o monstro de levantar, então chegará a hora; terás
que viajar através do Espaço longínquo a fim de recuperar a relíquia que foi perdida...
-E?
-Não convém contar o resto... ainda.
-Claro, é sempre assim. Mas que viagem é essa? E quanto a essa relíquia?
Mas Skuld não estava mais ali. Eu achava que uma visita de alguém ligado a Asgard me
fizesse ficar melhor, mas claro, eu estava errado. Ainda mais pelo fato de ter sido a Skuld, uma
vez que no mês passado, ela me deu uma profecia no meu quarto mesmo, e depois eu quase fui
morto por um pássaro de gelo maldito. Pois é, eu nunca dou sorte com essa baixinha, ainda mais
por que ela só prevê desgraça. Segundo ela, os meus dias de paz acabariam quando um mostro
aparecesse, até aí tudo bem, mas quanto aquela historia de viagem e relíquia perdida, cara nessa
eu boiei legal.
Só me restava uma coisa agora: descansar e colocar as minhas ideias em ordem, e aproveitar o
meu ultimo fim de semana antes de as aulas começarem na segunda de manhã.
O fim de semana passou como um raio, e basicamente eu só fiz tentar falar com Elizabeth,
mas o celular dele nunca estava ligado, em minha paranoia eu podia jurar que a avó dela estava
por trás disso. Mas faltando meio minuto para a meia-noite, isso já no domingo, eu consegui
receber uma mensagem dela:
“Dan, cheguei hoje à tarde, mas vovó quase que me proibiu de sair de casa, por isso não pude ir
te ver. Estou cheia de saudades, e um pouco preocupada, ainda não tive noticias de Gui e parece
que ninguém das redondezas sabe o porquê do sumiço de Hilda, eu até ouvi dizer que há uma
placa de „Vende-se‟ no portão da mansão. Agente se fala amanhã na escola. Beijocas ”.
Essa mensagem me deixou bem animado, mas em contrapartida, também me deixou
terrivelmente ansioso. Eu estava com mais do que saudades dela, queria vê-la a qualquer custo,
e também contar um montão de coisas, e dentre essas coisas, a pequena aparição de Skuld dois
dias atrás. Mas eu teria muito tempo para isso, agora teria apenas que contar o tempo, até a hora
em que eu a veria outra vez.
Acordar cedo foi fácil, especialmente quando você não dorme muito bem devido ao
calor e ansiedade. Eu estava a apenas algumas horas de vê-la. Sim, o amor deixa um homem
muito bobo, admito.
Naquele dia eu praticamente fiz minha mãe levantar da cama para preparar o meu café.
Ovos mexidos com suco de manga, engoli tudo em menos de dez minutos e fui me aprontar;
perfumei-me e me penteei como um galã mexicano, tanto que em outros tempos eu diria que
estava ridículo, mas depois que comecei a ficar com Elizabeth eu fazia de tudo para melhorar a
minha aparência, embora eu soubesse que ela não se importava com isso.
A minha despedida também fio rápida, e minha mãe ainda sonolenta facilitou tudo.
Corri para a rua quase que aos saltos, nem ligava para o sol que não tinha a mínima intensão de
dar lugar a nuvens carregadas de chuva fria e aconchegante, não mesmo, a única coisa que
importava para mim era ver Elizabeth, e ter um pouco de alegria em meio há dias tão tensos,
pois acreditem esse não saber quando Loki resolveria destruir o mundo conseguiu acabar com as
minhas férias, de modo que Elizabeth, certamente daria um jeito nisso.
Enfim, cheguei a minha velha escola, e nunca senti tanto prazer em fazer o breve percurso da
minha casa até lá. Os portões de ferro estavam abertos e por eles entravam vários alunos, novos
e antigos. Pude ver um monte de gente conhecida, mas ainda não via Elizabeth. Resolvi ir então
para o pátio da entrada, este estava abarrotado de estudantes que trocavam ideias e contavam
uns para os outros sobre as férias que, com certeza foram melhores do que as minhas. Por fim
eu a avistei, seus cabelos castanhos claros eram como cobre reluzindo ao sol, e assim que me
viu sorriu, e eu retribuí.
Capítulo três
Uma aula de história
Tentei parecer não muito... carente? Acho que essa é a palavra. Mas não correu tão bem
quanto eu gostaria que tivesse sido eu quase que corri na direção dela, mas vendo por outro
angulo, é até que compreensível, eu não a vejo há semanas, sequer consegui falar com ela, então
acho mais do que normal eu estar tão eufórico.
O beijo foi a melhor parte, nossos lábios se tocando por agradáveis segundos. Depois ela fez o
inimaginável, e me deu uma moca.
-Ai! – eu disse, mas ela pareceu não se importou. – Que foi isso?
-Daniel Wulsung, como é que o senhor não me manda nem um oi durante as férias?
-Espera aí. Verdade seja dita, eu tentei falar com você, e além do, mas a culpa não é minha se a
sua avó te sequestrou e te escondeu do mundo todo. Tentei falar com você, mas o seu celular
estava sempre desligado.
-Vovó estava mantendo ele assim ao máximo, mas conseguia usá-lo de vez enquanto. E você
não conhece algo chamado torpedo não é? Podia ter me mandando mensagens que acabaria
vendo quando ligasse o celular.
-Confesso que não pensei muito nessa.
-E sei cabeça, é bem típico de você.
-Puxa, como tenho tanto pra te contar.
-Eu imagino, e também tenho. Mas Dan tem algo me preocupando.
-Creio que é o mesmo foco da minha preocupação.
-Ouvi a minha avó comentando que a Sra. Hilda, digo, Hilda, está vendendo a casa.
-É verdade que tem uma placa de venda lá, mas não faz nenhum sentido. Por que Thor e Hilda
sumiriam assim e sem nos avisar de nada?
-Parece que temos um mistério nas mãos.
-Pois é.
E para realçar ainda mais o mistério, eu ia contar a ela sobre a visita surpresa de Skuld, mas
antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, Caio veio em nossa direção. Ele era o típico Dom
Tenório, embora nunca conseguisse arrumar nenhuma donzela para si, embora, a fim de
contrarias tudo o que eu sempre pensei e via dele, o dito cujo me chega acompanhado de uma
garota que era (Elizabeth que me perdoe) incrivelmente linda. Ela era mais alta do que Caio,
tinha cabelos negros presos num rabo-de-cavalo, sua pele não era nem muito clara e nem muito
escura, e os olhos eram cor de mel.
-Tudo bem gente? –Disse Caio quando chegou, ele estava até de mãos dadas com garota.
-Tudo. –Eu disse, ainda meio perplexo.
-Oi Caio. –Disse Elizabeth com um estranho ar questionador. –Quem é essa? É sua amiga.
-Amiga? – Disse Caio com malicia. –Na verdade ela é bem mais do que isso. – Dan, Elizabeth,
quero que conheçam a minha namorada, Bela.
-Que ela é bonita agente vê. – Eu falei brincando, e Elizabeth pareceu se enrijecer, não sei por
que. – Mas qual é o nome dela.
-É esse. – ele disse. – O nome dela é Bela.
-Jezabela, na verdade. – disse a garota, a sua voz era forte muito sedutora, nem parecia pertencer
a uma adolescente. – É um prazer conhece-los, Caio me falou muito sobre vocês, estão
namorando a pouco tempo também, não é?
-É. – apressou-se Elizabeth em responder. – Mas diga, como e quando vocês se conheceram?
-Ahhh – Caio parecia que nem se lembrava, devia estar mais do que alegre por ter ganhado uma
garota daquelas. – Quando foi mesmo amor?
-Na festa de quinze anos da sua prima, meu lindo, não se lembra?
-Ah... sim, sim, isso mesmo. – disse Caio, agora parecendo retornar a realidade. – Você estava
tão linda.
-Obrigada – disse Bela acariciando a nuca de Caio bem lentamente, o que me deixou um tanto
desconfortável.
-Então... – disse Elizabeth, após pigarrear. – Foi amor à primeira vista?
-Digamos apenas que quando bati o olho em Caio, soube que ele era o homem perfeito para
mim.
-E que homem de sorte eu sou, não é Belinha?
-Sem dúvida meu fofo.
-Gente, nós vamos dar uma voltinha por aí, antes de o sinal tocar, agente se vê na aula. – Disse
Caio, já arrastando Bela com ele.
-Até mais. – Disse Bela dando uma piscadela.
-Até. – Eu disse enquanto os observava indo, bom pelo menos até Elizabeth bater em mim de
novo. – Ai! O que foi agora?
-E você ainda pergunta? Pensa que eu não vi você babando por zinha aí?
-Eu? Eu só estava sendo gentil.
-Não, você não estava sendo gentil, estava sendo homem mesmo.
-Mas...
-Mas nada.
-Não fica assim.
Mas ela ficou.
-Dê uma chance parra ele. – disse uma voz com um sotaque francês familiar.
-Gui! – Disse Elizabeth, que quase voou para abraçá-lo.
-Oi cara. – eu disse enquanto o cumprimentava. – Há quanto tempo.
-De fato, mas o suficiente parra descansar das aventurras que tivemos no último mês. – disse
Gui, que parecia não ter mudado muita coisa, os mesmos cabelos loiros, os mesmos olhos
verdes, a pele clara e é claro, as mesmas garotas babando a volta dele, mas isso jamais mudaria,
afinal, essa era a habilidade principal dele, esse carisma superpoderoso que herdara de seu pai,
Frey, o deus do amor, que fazia com que todos gostassem deles, os homens o olhavam com
admiração e as mulheres se apaixonavam.
-Achei que não fosse aparecer. – eu disse. –Não deu nem noticias.
-Não foi minha culpa, forram problemas no voo. Achei que Thor ia me trazer de volta, pelo
menos foi que ele me disse quando me transportou para França no inicio do ano.
-Ah, quanto a isso... – então a conversa que eu estava tendo com Elizabeth antes de Caio chegar
foi retomada; contei tudo para Gui e Elizabeth, desde as minhas suspeitas paranoicas até a visita
de Skuld e aquela profecia maluca.
-Entendo. – Disse Gui, enquanto fazia a sua velha cara de pensativo. – O mais estranho de tudo
é essa ideia de mostrar para todos que a mansão está à venda, é quase como se eles tivessem ido
mesmo, ou pode ser somente que tenham mudado de esconderijo.
-Mas sem me avisar? – retruquei – Thor não faria isso, além do mais, a mansão é perfeita, não
vejo o porquê de trocá-la por outro lugar.
-E desde quando da para entender a cabeça desses deuses? –Disse Elizabeth ainda com um
resquício de mal humor.
-Tem razão. – eu concordei.
-É claro que eu tenho razão.
-Vocês estão bem? – Perguntou Gui.
-Por que não pergunta pro Dan, ou para a garota por quem ele babou agora pouco.
-Eu já disse que não estava babando por ela! Além do mais, ela é a namorada do Caio, do meu
amigo. E eu só tenho olhos pra você, minha linda.
-Sei.
-Esperra um pouco. – disse Gui – Caio está namorrando?
-Está – respondeu Elizabeth – com uma garota nova, que ele inclusive conheceu antes das aulas
em uma festa.
-Milagres existem, não é? – Brincou Gui, mas isso não aliviou o clima de tensão, Elizabeth era
meio rancorosa de vez enquanto.
“Pedimos a todos os alunos que se dirijam ao auditório”. Disse a voz da secretária da diretoria
no alto falante.
-Melhor irmos então. – Eu disse, então Gui assentiu, e Elizabeth ficou de cara emburrada.
O auditório estava apinhado de gente, alunos de todas as series da manhã. Nós, Elizabeth, Gui
e eu ficamos na terceira fileira, bem na frente, Elizabeth fez questão, pois era bem longe de Caio
e Bela, que estavam lá no fundão.
Todos os professores estavam presentes, sentados em uma grande mesa na frente de todos os
alunos. No meio da mesma estava uma mulher que eu não via há muito tempo, ela era baixa,
tinha cabelos negros, usava óculos quadrados, tinha lábios carnudos e aparência severa, ela era a
proprietária do DAT, a senhora Diana Alvares Toledo, filha de Demétrio Alvares Toledo, o
fundador da escola, e curiosamente, as iniciais dela também davam dat.
-Bom dia para todos. – disse Dona Diana após tomar o microfone para si. – É de conhecimento
de todos vocês que o professor Leonardo Vladesco não estará mais conosco este ano a frente da
direção da escola, e sendo assim, eu mesma irei assumir o cargo de diretora. Dando-lhes
também as devidas boas-vindas, gostaria de lhes apresentar o novo professor de história do
ensino médio. Horácio Martins.
Um homem alto e de cabelos brancos vez uma breve saudação para nós, alunos. Ele usava um
terno preto e gravata salmão – roupas que eu até acharia válidas para um professor universitário,
mas que não caiam tão bem em um professor de ensino médio.
-Prosseguindo – disse Dona Diana – os processos disciplinares da escola continuarão os
mesmos. Espero que tenhamos o mais agradável dos anos, e é isso. A todos vocês, mais uma
vez eu digo: Bem-vindos ao DAT.
Recebemos os horários das aulas, e tínhamos história logo no primeiro tempo, uma boa
chance de conhecer o professor novo. Elizabeth, assim que saímos do auditório, me pegou pela
mão, e me arrastou até a sala tal como se eu fosse um troféu, o que foi desconfortante.
Sentamos lado a lado, nós três, isso na primeira fileira, e Caio ficou com Bela no canto
habitual da sala, o mesmo canto que outrora vivíamos excluídos de todos, mas até que
gostávamos, mas isso foi antes de eu saber que os deuses nórdicos existiam e que o mundo
dependia de mim para continuar girando. E me lembro de Marcus também, o meu amigo corvo
– não pensem que eu andava por aí falando com uma ave, embora eu já tenha feito isso com um
certo joão-de-barro, mas é outra história –, Marcus era um corvo de Odin, por isso podia
assumir a forma humana, ele era o meu amigo-protetor, digamos assim, mas desde que me
tornei capaz de me defender, ele foi chamado de volta a Asgard. Mas ganhei Gui e Elizabeth
como novos amigos, e ainda restava Caio, embora ele fosse ficar um pouco mais distante agora.
O professor Martins entrou em sala pouco depois de o sinal ter tocado. A sua elegância era
muito visível e tinha certo ar nobre; colocou a sua pasta preta sob a mesa e disse “Bom dia”.
Todos nós retribuímos. Então ele começou a escrever no quadro, escreveu uma única frase.
“Sapere Aude!”, era a frase do quadro.
-Bom – disse o professor com uma voz grave como a de um locutor de rádio – acho que não
preciso me prolongar com apresentações, uma vez que a diretora já o fez, mas só ressaltando, o
meu nome é Horácio Martins e serei o seu professor de história a partir de hoje. Bom, o curso de
vocês foi um tanto incrementado este ano; devido às mudanças nas ultimas provas públicas, a
diretora achou por bem impor o conteúdo de Idade Média no curriculum escolar de vocês, isso
irá prepará-los para as provas que virão a fazer posteriormente.
-Professor? – disse uma garota atrás de Elizabeth.
-Sim?
-O que é essa frase estranha no quadro?
-Ah sim – disse o professor Martins que aparentemente se esquecera de comentar sobre a
estranha frase.
-É latim, não é? – perguntou Gui.
-Sim, sim, muito bem meu jovem. – disse o professor Martins. – É uma expressão em latim que
quer dizer o seguinte: Ouse saber! Eu sempre colocarei essa frase no quadro a cada aula minha,
isso porque quero estimula-los a sempre buscarem conhecimento e nunca se contentarem com
saberes médios; todos aqui tem potencial, basta apenas querer usá-lo. Além do mais, quero
mostrar a vocês que a história não é um mero acumulo de dados, antes uma forma de
compreensão do homem em diferentes épocas e lugares. E falando nisso, tenho uma boa notícia.
Abriu um novo museu na Cinelândia, e estão fazendo uma exposição sobre vikings; a diretora
me deu permissão para levá-los lá nesse sábado, eu gostaria que todos pudessem ir, pois vou
pedir um trabalho sobre o papel dos vikings na Idade Média.
Vikings, é? É só comigo ou a vida de todo mundo também é cheia de coincidências bizarras?
Mas enfim, depois dessas notificações, o professor iniciou aula falando sobre a transição da
antiguidade para o medievo. Ele tinha um domínio incrível sobre a matéria, lembrava um pouco
meu pai, quando dava uma aula sobre espartanos, aquela fora a única aula de meu pai que eu já
assistira.
Ficamos um bom tempo entretidos com a aula do professor Martins, e até que não era uma
aula chata, factual e comum, ele conseguia despertar um interesse em nós que, bom, até as
garotas paravam de olhar para Gui e prestavam atenção na aula, no mínimo o cara tinha que ser
muito bom para isso acontecer. E ao fim da aula, por incrível que pareça, muitas pessoas quase
que imploraram para o professor Martins ficar, mas ele prometeu que na quinta-feira daria mais
uma dose de saber para nós, afinal era essa a proposta dele não é, ousar saber, e do jeito que ele
dava aula, acho pouco provável que alguém não vá querer se aventurar e se aprofundar cada vez
mais nas páginas da história, que agora nos fora mostrada de outra forma.
Capítulo quatro
O Museu
Comparado á aula do professor Martins, o resto do dia fora muito chato. Tivemos espanhol, e
geografia, e o último tempo de biologia, saímos da escola quase uma da tarde, todos nós
morrendo de fome, mas enquanto os outros iam para suas casas para almoçarem sossegados,
Elizabeth, Gui e eu decidimos ir direto a fonte das nossas recentes preocupações: A mansão.
Diante do portão da frente ainda se encontrava a placa que dizia “Vende-se”. Aliás, tudo
estava como eu já tinha visto; o carro estava na garagem, às janelas fechadas, e um certo... clima
no ar.
-Desde quando está assim? – perguntou Gui depois de uma fracassada tentativa em que ele
tocou o interfone e ninguém respondeu.
-Desde quando eu percebi. – respondi – Isso foi depois do toró de semana passada, apesar de
que mesmo antes eu não estava tendo muito contato com eles, aliás, a última vez que eu vi Thor
foi dois dias depois do ano novo, quando ele apareceu me alarmando como sempre, disse que eu
devia estar preparado e que Iormungand era o só o início, e que Loki tinha subordinados bem
piores.
-E de fato tem. – disse Gui.
-Pior que uma cobra gigante? – colocou Elizabeth, e muito bem colocado, até por que Gui não
lutou contra o escamoso, eu sim.
-Iormungand era o filho do meio. – disse Gui.
-Como assim? – Perguntei. – Quantos filhos ele tem.
-Já falamos sobre isso. – disse Gui, com seu habitual revirar de olhos. – Mas recapitulando, são
três filhos, mais conhecidos como As três Monstruosidades. O pior deles é, certamente, o mais
velho, o Lobo Fenrir.
-Um lobo irmão de uma cobra? – Eu disse em vista do evidente contraste.
-Por isso são monstruosidades. –Disse Gui, mais uma vez como se fosse óbvio.
-Tá bom, mas não falemos disso agora. – disse Elizabeth. – Temos que ver o que vamos fazer
quanto aos nossos amigos da mansão.
-Na verdade é bem simples o que devemos fazer. –disse Gui.
-É? – perguntei. – Então me diz por que ainda não captei.
-Não podemos fazer nada, pelo menos até Loki dar o primeiro passo.
-Como?
-Pense Dan, a própria Skuld já lhe deu a resposta. Ela disse a você que chegaria um momento
em que a paz acabaria não é?
-Isso, quando um monstro se levantar.
-Então só podemos esperar e desfrutar a paz.
-Espera um pouco – falou Elizabeth – é para gente ficar parado e esperar um ataque iminente
para só então fazer alguma coisa, é isso?
-Se você pensar bem é o que nós sempre fazemos – falou Gui – é sempre Loki quem dá o
primeiro passo e nós só revidamos.
-Podíamos variar pelo menos uma vez. –eu disse.
-Gui e seu pai... – mas Elizabeth se conteve, já que Gui não tinha a melhor das relações com seu
pai.
-Tudo bem. – disse ele, aparentemente sem nenhum rancor ou desestabilidade emocional. – Meu
pai, como vocês sabem, aparece quando quer. Esteve com a minha mãe pouco antes de eu
chegar à França, mas não ficou para me receber, ou seja, duvido muito que ele vá aparecer
agora.
-Então o jeito é esperar?
-Sim Dan, e que Die ajude.
-Esperar então...
A mansão deserta, Loki em silencio e a única coisa ao nosso alcance era poder esperar que
alguma criatura maligna tentasse nos matar, que ótimo plano esse. Eu já estava jurando para
mim mesmo, que assim que encontrasse com Thor eu iria fazê-lo engolir aquele martelo.
Mais uma vez eu estava no escuro, sem notícias, mas pelo menos agora eu tinha a Elizabeth,
ela disse que tinha me perdoado por aquilo que eu nem fiz, o incidente com a namorada do
Caio, mas enfim, estávamos bem agora, apesar de que só podíamos nos ver na escola. Mas no
que diz respeito ao resto da situação, bom as coisas ainda eram complicadas, ficar sem notícias
era chato, era estranho mas, eu meio que queria que algo acontecesse como se eu quisesse que
ação e adrenalina, um pensamento egoísta e maluco admito, mas ficar com as minhas teorias
doidas.
Na quinta, após o intervalo, pelo menos pude me distrair, já que era a aula do professor
Martins. Ele falou sobre coisas; povos germânicos e a sua chegada aos limites do Império
Romano, os contatos entre as duas culturas, coisas que se fossem dadas por outra pessoas seriam
um porre, mas claro que o Martins tinha O dom.
-Antes de dispensá-los, tenho uma ultima coisa a tratar – disse o professor Martins já no fim dos
melhores três tempos do dia. – Vou entregar a vocês as autorizações para o passeio de sábado.
Gostaria muito que todos vocês pudessem ir, e para os que puderem, estejam aqui amanhã às
dez da manhã. Tivemos realmente muita sorte, pois essa exposição ainda não está aberta ao
público, mas quando o curador soube que era para a nossa escola ele decidiu abrir uma exceção,
e olhem que eu nem sabia que o DAT era tão conhecido. Mas enfim, tivemos muita sorte
mesmo.
Pelo menos em algo estávamos com sorte. O professor Martins distribuiu as autorizações e
depois nos dispensou, mas quando eu ia saindo ele me chamou.
-Pode me dar um minuto? –perguntou ele.
-Sim. – eu respondi, indicando para Gui e Elizabeth para que me esperassem lá fora.
-Eu não havia notado no primeiro dia, mas você é que é o filho do Almeida, não é?
-Ah, sim. Como o senhor sabe?
-Conheço o seu pai antes mesmo de ele ir para a Suécia. Nós nos formamos na mesma
faculdade, e inclusive fui eu quem conseguiu trabalho para ele na Universidade atual.
-Então o senhor foi o responsável pela nossa mudança par o Brasil?
-Pode-se dizer que sim.
(Não sei se agradeço ou bato nele).
-Puxa vida professor, papai nunca me falou disso.
-Acho que também não havia necessidade, afinal você nunca me conheceu. Bom Daniel era só
isso que eu tinha para falar, espero que possa ir ao museu no sábado.
-Estarei lá.
-Ótimo. E se você tiver metade do talento do seu pai, já me adianto em dizer que fara grandes
coisas nessa disciplina.
-Não sei se seria um bom historiador.
-Bobagem, qualquer um pode ser um bom historiador, basta ter gosto para coisa e se dedicar, e
se foi criado da forma como eu acho que foi, tenho certeza que seu pai encheu a sua cabeça com
as histórias dele.
-O senhor é um especialista em antiga como meu pai?
-Não, não. Sou medievalista, embora a antiguidade me fascine um pouco.
-A mim também.
-Então já tem um pouco do seu pai.
-É, mas como o senhor mesmo insinuou, é a influência.
-De fato. – disse ele após me dar um tapinha no ombro. – É melhor ir agora, seus amigos devem
estar esperando.
-Sim senhor. E até sábado.
-Até.
Saber que o Martins fora o responsável por aquele telefonema que trouxe meu pai, minha mãe
e eu para o Brasil, teria me deixado com muita raiva até um certo tempo, mas com exceção de
Loki e um possível fim do mundo, o soldo até que foi positivo, bom, pelo menos a minha
Elizabeth compensava toda uma horda de monstros.
Elizabeth e Gui estavam me esperando no portão; de relance pude ver Caio e Bela se beijando
a sombra de uma arvore do outro lado da rua, mas não quis dar muita atenção, especialmente
por que não queria que uma certa pessoinha ficasse enraivecida de novo.
-O que o Martins queria? – perguntou Elizabeth assim que me juntei a ela e a Gui.
-Me contar que fora ele o autor da minha vinda para o Brasil.
-Como? – perguntou Gui, que pareceu mais do que interessado.
-Foi ele quem arrumou o emprego do meu pai aqui no Rio. – expliquei. – ou seja, é graças a ele
que eu estou aqui. É estranho, mas é graças ao Martins que eu me envolvi nessa guerra
mitológica.
-Não é por causa do Martins. – disse Gui. – É o Destino agindo através de várias coisas e
pessoas, mas falando nele, acho que não vou poder ir ao museu com vocês.
-Por que não? – perguntou Elizabeth.
-Eu não tenho quem assine a minha autorização. Já esqueceram que a minha família mora do
outro lado do Atlântico?
-Aí fica complicado. – eu disse – Mas não creio que haja alguma coisa nessa exposição que
você ainda não saiba; afinal você é especialista em mitos nórdicos.
-É talvez eu seja.
-Então nos vemos amanhã? – eu disse mais para Gui, pois queria ficar uns momentos a mais e a
sós com Elizabeth.
-Até então. –disse Gui, que rapidamente entendeu o meu recado, então se despediu e se foi.
Elizabeth e eu ficamos um pouco juntos, como nunca ficamos a semana inteira, e pela
primeira vez tínhamos um tempo para nós, como dois adolescentes, como dois amigos, como
dois namorados...
Tive sonhos estranhos naquela noite. A princípio eu estava com Elizabeth admirando o pôr-do-
sol, até aí tudo bem, mas depois eu me vi num lugar totalmente estranho. Era mal iluminado e
cheirava a mofo, estava repleto de cacarecos que iam desde jarros antigos a estatuas de gente
que já morreu há séculos, em resumo eu estava no que parecia ser um antiquário velho e
malcheiroso.
A minha visão estava um pouco turva, mas ainda podia distinguir as coisas. Vi a luz fraca de
um lampião e fui em direção dela, então ouvi vozes, e eram até que familiares.
-Nesta segunda? Tem certeza? – Perguntou uma voz de homem, ele parecia ansioso.
-Absoluta. – disse outra voz de homem. – Só os deuses sabem o quanto foi difícil encontrá-lo,
mas enfim já o estão trazendo para cá.
-Ótimo. – disse o primeiro homem. – O senhor Loki ficará muito satisfeito, mas ainda vai faltar
a outra face da moeda.
-Sim – concordou o segundo homem – e como não sabemos para onde foi mandado, será difícil
recuperá-lo.
-Especialmente com os deuses vigiando cada entrada e saída e Midgard.
-Mas o senhor Loki é astuto, e garanto que encontrará uma maneira, pode apostar nisso Hagen.
-Assim espero. – disse o primeiro homem, que agora eu sabia que era Hagen, o assassino de
meu antepassado Siegfried, e que também quase me matara várias vezes no último mês. – E
quanto ao outro?
-Os gêmeos disseram que vão ficar com ele por enquanto, pelo menos até o senhor Loki decidir
o que fazer.
-Eu francamente não entendo o porquê de deixá-lo vivo, por que os gêmeos não o matam logo?
-Por que o senhor Loki tem planos para ele.
-E por que você sabe de mais coisas do que eu Dvalinn?
-Uma coisinha ou outra Hagen, só isso, além do mais eu estou com o senhor Loki há mais
tempo, e já conheço o seus métodos.
-Mas ele confia em mim!
-Sim, sem dúvida. Você é o único humano que ele libertou do Submundo, isso por que terá um
papel muito importante a cumprir.
-Sim, eu matarei o garoto.
-Tudo há seu tempo Hagen, tudo há seu tempo.
A luz do lampião foi ficando cada vez mais fraca então tudo ficou escuro, até que outra luz
surgiu, era quente e queimava o meu rosto. Quando acordei vi que a luz do sol entrava pela
minha janela, o meio despertador matinal de verão, então me levantei, e fui me preparar para
mais um dia de aula.
Já na escola, contei a Gui e a Elizabeth o sonho que tive, e após eles me avaliarem por
segundos intermináveis, finalmente Gui falou algo.
-Você sabe que isso não foi um sonho, não é?
-Já aconteceu antes. – disse Elizabeth.
-Sim. – confirmei. – isso é coisa das Nornas, de Verdandi, acho. Parecia uma cena que estava
acontecendo naquele momento, enquanto eu dormia.
-O mais importante agora é saber o que vai chegar nessa segunda-feira. – disse Gui.
-Talvez seja alguma arma nova que Dvalinn fez para Loki – eu chutei – afinal, ele não é o
mestre dos ferreiros dele?
-Acho que não é isso. – disse Gui. – Você falou que Dvalinn disse que teve dificuldade em
encontrar a tal coisa, então não deve ser algo que ele fez. E você também mencionou algo sobre
uma segunda face da moeda, é isso?
-Sim, foi o que eu ouvi Hagen falar, acho que era sobre outra coisa que eles precisam, mas que
não fazem ideia de onde está.
-E quanto aos tais gêmeos? – disse Elizabeth. – Onde eles entrariam nisso tudo?
-Pelo que pude entender esses tais gêmeos estão com alguém – eu disse –, e esse alguém, se
dependesse de Hagen, já estaria morto há tempos, mas parece que Loki tem planos para esse
alguém.
-Então eles têm um refém. –disse Elizabeth.
-Sim – eu falei – Thor me disse uma vez que Loki gostava de fazer reféns, só nos resta saber
quem é.
-Já temos muita coisa para pensar, e mais essa agora, sem falar da profecia de Skuld. –lembrou
Elizabeth.
-Eu vou aproveitar que não vou ao Museu amanhã e vou investigar umas coisas, dentre elas a
súbita saída de Thor e Hilda da vizinhança.
-E o que você vai fazer? –perguntou Elizabeth.
-Ainda não sei, mas se tenho que começar por algum lugar, certamente será a mansão. Nem
mesmo que eu tenha que invadi-la.
-Thor não havia colocado uma proteção sobre a casa? –lembrei.
-Sim, mas só para os inimigos. –disse Gui. –Até por que, nós sempre entramos e saímos de lá
normalmente.
-Então vai invadir a casa de Thor?
-Sim, Dan, se for preciso.
Esse plano não era dos melhores, mas se Gui conseguisse entrar na mansão e descobrir algo
valeria mais do que a pena. Até por que não podíamos fazer mais nada.
Como se já não bastasse à ansiedade e a insegurança com tudo o que estava acontecendo
ultimamente, os quatro tempos seguidos de química quase que arrancaram as nossas peles e
mentes, e logo depois, mais três tempos de matemática. Sem dúvida nenhuma, a sexta-feira era
o dia mais chato e exaustivo da semana.
Depois de um dia chato na escola e uma tarde quente, anoite até que não foi das piores.
Choveu um pouco depois do jantar, desta vez deu para refrescar, e conta disso eu até fui dormir
mais cedo. E como se já não tivesse sido suficiente na noite anterior, eu tive outro sonho-visão.
O lugar que eu via era um cais, haviam muitos homens uniformizados, levando equipamentos
e caixas enormes para dentro de um grande navio. O clima era tão gélido que eu tive certeza de
que não era o Brasil, havia até neve, algum país do Hemisfério Norte, pois ainda era inverno lá.
Uma última caixa de madeira do tamanho de uma geladeira estava sendo embarcada do navio.
-Essa última não vai com as outras – disse um dos homens – ela tem outro destino.
-E para onde vai? –Perguntou outro homem, que, aliás, falava em sueco, na verdade todos eram
suecos, eu estava vendo a minha terra natal.
-Rio de Janeiro, Brasil. – respondeu o primeiro homem. –Tem que estar lá até segunda.
Segunda? Seria isso a que Hagen e Dvalinn estavam se referindo? Mas o que estava naquela
caixa? Fosse o que fosse eu ainda não saberia, pois mais uma vez o meu sonho mudou.
Eu estava em uma espécie de floresta enevoada, as arvores pareciam mortas, uma cena típica
de um filme de terror. Eu via uma gruta à frente que parecia até a boca de uma fera. Foi só eu
olhar para a entrada que num passe de mágica eu me vi dentro da caverna. Era muito úmida e o
chão estava encharcado de água fria, mais para o fundo eu podia ouvir sons de luta; uma espada
golpeando algo, rugidos de fera e gritos humanos.
-VOCE MATOU O MEU FILHO! – Vociferava uma voz de mulher.
-Você será a próxima, bruxa! – Gritou uma voz de homem, e após um último grito de mulher,
tudo ficou em silêncio.
Depois de um tempo, segundos talvez, ouvi passos na água, alguém vinha vindo do lugar de
onde antes podia se ouvir uma luta feroz, mas quem ganhara? Aparentemente era uma mãe
querendo vingar a morte de seu filho, apesar de eu ser contra a vingança, esse é um pensamento
até que aceitável na mente de uma mãe desesperada e sem qualquer instrução.
Um homem estava se aproximando, e ao que parecia fora a mãe quem levara a pior, mas o
homem não estava tão bem assim, suas roupas de couro e pele de animal estavam rasgadas, ele
tinha sinais de arranhões e outros ferimentos de alguém que lutou contra um urso ou uma fera
pior; o guerreiro cambaleava um pouco, parecia que ia cair morto a qualquer momento, mas
permaneceu firme. Ele passou por mim, mas sequer me reparou, como se eu não existisse, e de
fato não existia, ali. Pude olhar rapidamente para o rosto dele, estava com um grande corte na
bochecha que sangrava muito, mas apesar disso pude ver que ele era jovem, seus olhos verdes
se destacavam em meio ao rosto ensanguentado; os seus cabelos negros estavam com respingos
de sangue e ele parecia mancar também. Ele saiu da caverna e eu o segui, lá fora, um homem
ruivo, alto e robusto o aguardava, estava com dois cavalos, um devia ser dele e o outro do
guerreiro ferido.
-Beowulf! – disse o homem ruivo em espanto assim que o guerreiro saiu da caverna, então ele
correu em sua direção e o segurou antes que ele caísse. – O que aconteceu? Você a matou?
-Está morta. – respondeu Beowulf com uma voz fraca. – Hrotgar pode festejar novamente, a sua
maldição acabou.
-Grande Odin... não, Grande Beowulf, o matador de monstros!
Beowulf deu um sorriso e depois o sonho se desfez como uma névoa ao vento, então acordei
com o barulho do meu despertador. A manhã do passeio havia chegado, era sábado e não estava
tão quente como de costume; fui me arrumar, tomei café – tive que comer mais torradas, meu
pais não tinham o hábito de acordar cedo aos sábados – então fui para o ponto de encontro: a
escola.
Cheguei ao DAT em cima da hora, o professor Martins estava lá, já colocando os alunos para
dentro do ónibus. Martin estava elegante como de costume, usava um terno cinza e gravata azul
claro.
-Ah, Daniel que bom que veio, achei que ia perder essa oportunidade. – disse ele assim que
cheguei a porta do ónibus, aparentemente eles já estavam quase saindo.
-Desculpe senhor, dormi mais do que a cama.
-Tudo bem, chegou a tempo, pode entrar.
Então entrei no ónibus, ele estava cheio, parecia que toda a turma estava lá, todos menos Gui,
fiquei imaginando se ele já tinha ido até a mansão. Avistei Elizabeth logo na frente, também vi
Caio lá no fundão, ele estava com Bela, ambos pareciam dois cachorros prestes a namorar, que
bom que Elizabeth quis sentar na frente – como se tivesse sido por acaso.
-Que demora hein. – disse ela quando me sentei ao seu lado.
-Não me dá nem bom-dia?
-Desculpa. Bom dia. – disse ela e depois me beijou. –Dormiu demais, não foi?
-Um pouco. As Nornas de novo.
-Outro sonho?
-Sim, dois.
-Como foi?
Contei para ela os dois sonhos, mas a atenção dela se voltou mais para o primeiro.
-Essa caixa então é o que eles estão esperando para esta segunda-feira?
-Possivelmente, senão aos Nornas não teriam me mostrado. E seja o que for, vem lá da Suécia.
-Deve então ser mesmo uma arma.
-Talvez, mas seja o que for é grande e Loki quer muito. Mas o que me intriga mais é o segundo
sonho.
-Ah o do cara de nome engraçado.
-Beowulf.
-Esse. Eu acho que já ouvi o nome em algum lugar.
-Eu também, mas não consigo me lembrar.
-Por que as Nornas te enviariam um sonho assim?
-Já aconteceu antes, isso foi uma visão do passado. Certa vez eu vi Hagen matando Siegfried, e
pelas roupas e ambiente, o que eu vi com certeza aconteceu durante a era viking.
-Então só resta mesmo saber o porquê de te mandarem isso.
-Da última vez foi por que Hagen estava perto, só fico imaginando agora o que esse Beowulf
tem a ver comigo.
Não pude pensar muito, afinal a Cinelândia não fica tão longe assim. Chegamos ao museu
bem rápido. O ónibus estacionou em frente ao museu, então o professor nos disse para
descermos e esperar na frente, então assim fizemos.
O museu era um grande casarão velho antigo, com portas que pareciam ser feitas de bronze,
haviam duas estátuas de leões na frente, como se fosse guardiãs do lugar, e eram assustadoras,
parecia até que ganhariam vida a qualquer momento.
-A sua atenção, por favor. – disse o professor Martins, e no mesmo instante todos olharam para
ele. – Existem algumas regras básicas que devem ser seguidas, a mais importante é que vocês
não toquem em nada, embora o museu ainda seja novo e não hajam tantas peças a mostra, terão
que ter o mesmo cuidado que teriam se estivessem no Louvre. Fui claro?
-Sim, senhor. – Dissemos todos em uníssono.
Martins foi na frente, seguido por uma multidão de alunos. Passamos pelos portões de bronze
e marchamos rumo ao hall, o lugar cheirava a velho, a mofo, podia-se ver certas infiltrações nas
paredes, o chão pelo menos estava encerado bem lustroso, haviam algumas peças em exposição
logo de cara; vasos antigos, aparentemente gregos, algumas armas antigas, machados, lanças e
espadas.
Ninguém veio nos receber, não havia nenhuma recepcionista, aliás, não havia uma viva alma
ali, e só completando, era muito quente lá dentro, atribua isso ao mofo e fica algo insuportável.
-Estranho – disse o professor Martins mais para si mesmo do que para qualquer outro. – O
curador tinha dito que...
-Professor. – saudou uma voz ao fundo da sala, vindo do nada.
-Doutor Lobo! –disse Martins. –Achei que não apareceria.
Então o tal de doutor Lobo veio em nossa direção, ele usava um terno preto e gravada laranja,
tinha óculos redondos que refletiam a luz, o que tornava difícil de ver os seus olhos; a sua pele
era muito pálida e os cabelos vermelhos, muito vermelhos mesmo, e também um pouco
despenteados, no todo ele era uma figura excêntrica.
-Eu jamais deixaria alunos com sede de conhecimento na mão. – disse Lobo, que agora mais de
perto parecia ser bem jovem, pelo menos não é alguém que eu imaginaria como curador de um
museu.
-Então está tudo certo? – perguntou Martins. – Eu não vi nenhum guia.
-É que ainda não contratamos ninguém para essa função. –respondeu o doutor Lobo. – Como
você sabe, somos uma equipe pequena e nova, muito nova, ainda estamos buscando
funcionários. Mas não precisa se preocupar, pois eu mesmo irei guiá-los, afinal, os vikings são a
minha especialidade.
Então todos seguimos o curador até uma ampla sala, esta já não cheirava tão mal, embora
ainda continuasse muito quente. A sala era ornamentada com várias peças escandinavas que iam
desde armas a instrumentos musicais. Haviam várias peles de animais envoltas em manequins
trajando roupas de guerra viking e bem mais para frente, uma espécie de galeria de quadros,
com algumas representações épicas. Próximo aos quadros havia uma estátua de uns seis metros
de altura, representando o deus Odin.
-Todos aqui, por favor. –disse o curador indicando um ponto em que nós ficaríamos a sua frente
e ele de costas para os quadros.
Ele passou uns vinte minutos falando sobre a construção da cultura viking, as migrações, os
encontros com os romanos, saques e outras coisas que deram sono em todo mundo, depois da
aula do Martins qualquer outra aula de história era monótona.
Alguém só demonstrou certo interesse depois que a palavra mitologia fora mencionada.
-Este é Odin – disse o curador indicando a estátua a nossa frente –, ele é a divindade chefe do
panteão nórdico, algumas das pinturas atrás de mim representam outros dos deuses nórdicos,
alguns deles são filhos de Odin, tais como Balder, o deus da beleza. – ele indicou uma pintura
de um homem com aspecto angelical e longos cabelos loiros. – E também temos Thor, o deus
do trovão. – então vimos outra pintura, a de um homem prateado com um elmo com asas e
segurando um martelo que emanava faíscas enquanto seus cabelos ruivos estavam espalhados
pela figura.
-Até que está parecido. – eu falei meio que sem perceber.
-Parecido? – disse alguém atrás de mim, então virei-me e vi que era Bela, Caio parecia que não
ouvira. – E por acaso você o conhece pessoalmente?
-Eu? Claro que não, por que acha isso?
-Relaxa to só brincando contigo, não leve as coisas a sério.
-Ah sim, desculpe. – então senti alguém segurando bem forte a minha mão.
-Algum problema? – perguntou Elizabeth, ela estava com aquela cara.
-Nenhum – respondeu Bela com um risinho, nisso voltou a se agarrar com Caio.
Elizabeth ficou me olhando cara feia, mas francamente eu não sabia de onde vinha tanto ciúme,
e por que ela era tão implicante com a Bela. Eu só tinha olhos para ela, então por que ser tão
ciumenta?
-... Miolnir era, depois da lança de Odin, a arma mais poderosa de todas, e não havia
praticamente nada que ela não pudesse destruir. – dizia o curador. – Thor é um dos deuses
nórdicos mais famosos de toda a mitologia escandinava...
O curador continuou o seu discurso, falou sobre outros deuses e deusas nórdicos, alguns eu até
conhecia pessoalmente. Enfim, ele se voltou para o maior quadro da galeria, este parecia retratar
uma guerra, na verdade era um caos total. Deuses e deusas lutando contra monstros alados e
terrestres, pude reconhecer a odiosa serpente que envolvia a maior parte do quadro, na tentativa
de devorar o céu, era Iormungand, a serpente de Midgard. Aparentemente os deuses estavam
sendo massacrados e os monstros saindo vitoriosos. No topo do quadro, próximo a cabeça de
Iormungand, estavam o sol e a lua quase que lado a lado, e ambos pareciam estar sendo
devorados cada um por um lobo; Odin também estava péssimo, e também parecia estar sendo
comido por outro lobo, só que esse era muito maior e bem mais assustador, tinha o pelo negro e
os olhos escarlates, era assustador.
-Essa pintura –recomeçou o curador –é uma representação do que os nórdicos chamavam de
Ragnarok, ou seja, o fim de todas as coisas, quando até os deuses desapareceriam.
-Com licença – disse uma garota ao fundo. – aquele cachorrão esta comendo alguém?
O curador não respondeu de imediato, mas olhou para a pintura e depois sorriu par nós todos.
-Não é um cachorro – disse o curador gentilmente – trata-se apenas da morte de Odin, ou como
alguns chamam, “O dia da Vingança do Lobo Fenrir”. Na verdade, este seria um dos
acontecimentos do Ragnarok, o deus Odin seria devorado pelo Lobo Fenrir, que o filho mais
velho do deus Loki, que fora banido do mundo dos deuses e por isso reuniu todo o mal consigo
a fim de destruir toda a existência. Essa era a forma que os vikings deram a sua ideia de
apocalipse; e assim como Fenrir devoraria Odin, o sol e a lua também tem os seus próprios
algozes, os lobos gêmeos, filhos de Fenrir, Skóll, o devorador do sol e Hati, o devorador da lua.
Uma ideologia interessante, uma vez que se o sol ilumina o dia e a lua a noite, se os dois
sumirem o mundo inteiro mergulhará no frio e na escuridão.
Foi só então que a minha ficha caiu, Hagen falou alguma coisa sobre gêmeos, então será que
seriam os mesmos... ?
O doutor Lobo continuou a falar por mais um tempo enquanto o calor nos consumia, e eu só
matutando coisas e mais coisas, que na verdade não faziam diferença nenhuma pensar agora.
Olhei para o lado e vi que Elizabeth não parecia bem, estava suando frio.
-Você tá bem? –perguntei, embora fosse óbvio que ela não estava.
-Acho que não. – respondeu ela, a voz fraca. – Deve ser o calor.
Ver Elizabeth mal consegui me tirar de qualquer pensamento nebuloso. Chamei pelo professor
e na mesma hora todos olharam para mim.
-Ela está mal senhor. –eu disse e no mesmo instante, Martins veio para perto e colocou a mão na
testa dela.
-É verdade, ela não parece nada bem. –disse o professor.
-Não estou tão mal, é só esse calor. –dizia ela, a voz ainda muito fraca.
-A minha sala é mais fresca do que aqui –disse o curador –e também tenho alguns antitérmicos
e analgésicos, se for o caso.
-Elizabeth? – disse Martins.
-Tudo bem professor, acho que um comprimido basta. – respondeu ela.
-Deixe-me levá-la. –falou o curador.
-Certo, mas eu vou junto. – disse Martins antes mesmo que eu pudesse falar esta mesma frase. –
Daniel, eu sei que você gostaria de acompanhá-la, mas talvez seja melhor ficar aqui com os
outros; garanta que ninguém toque em nada.
Ele me deu um tapinha no ombro e saiu com Elizabeth e o doutor Lobo em direção a um
corredor à direita. Nem preciso dizer que ninguém ficou comportado, mas eu era quem estava
super preocupado, só pelo fato de saber que a minha namorada estava mal e eu fora proibido de
ficar com ela.
O ambiente até que deu uma aliviada, não estava mais tão quente, parece até que foi só a
Elizabeth sair. O pessoal ficou espalhado pelo museu, ou vendo as peças de perto ou fofocando
por aí. Caio e Bela se afastaram dos demais, entraram por um corredor e eu os perdi de vista, e
acho que seria bem desagradável se eles levassem alguma advertência por fazerem o que não
devem, então fui atrás deles. Eu me perdi (muito óbvio). Entrei por alguns corredores e nada de
encontrá-los, então pensei ter ouvido alguns ruídos numa sala no final do corredor, então fui até
lá. Ao entrar na sala notei que estava absurdamente frio, tanto que o chão começava a gelar,
literalmente, como naquela vez em que aquele pássaro de gelo quase me transformou em picolé.
Uma névoa se formou na minha frente e por fim o chão explodiu em cacos de gelo, eu até cai
para trás. Quando me levantei vi a criatura mais feia que já vira na vida. Ele devia ter uns três
metros de altura; peludo em todo o corpo, uma enorme camada de pelos negros revestia-lhe o
corpo com exceção da face; seu rosto era uma mistura de animal com homem, era algo horrível,
e os olhos eram amarelos, as íris pareciam meias-luas.
-Estava demorando. – eu disse e logo retirei o meu anel do dedo e assim que o fiz, ele se
transformou em Balmung, a minha espada prateada. – Você deve ser o monstro que eu estava
esperando, não é?
Mas a criatura não respondeu, só ficou rosnando como um leão faminto, mostrando as suas
presas e garras douradas, até que resolveu avançar; correu em minha direção como um raio
negro e por pouco não me atinge, saltei para o lado e cravei Balmung na perna esquerda dele.
No mesmo instante o mostro se revoltou e explodiu em fúria, e deu um golpe tão forte em mim
que tanto eu quanto Balmung fomos arremessados para o outro lado da sala. O bichão veio
correndo de novo, mantendo a mesma velocidade de antes, o ferimento que eu dei não fora tão
profundo assim. Eu tinha que ir para o ataque, e podia sentir que Balmung queria o mesmo (sim,
minha espada tem mente própria).
Esquivei da primeira patada e consegui fazer um corte no braço do bicho, o sangue negro dele
espirrou no chão, mas a segunda patada me acertou em cheio, voei contra a parede de novo, e
desta vez fiquei quase inconsciente, beirando entre a realidade e a... não-realidade? Enfim, ainda
conseguia ouvir sons distantes, e nisso pude ouvir barulhos de estalos, gritos de animal e depois
alguém me chamando.
-Que foi? – eu disse quando senti que a minha cabeça doía menos.
-Mon Die! Olhe só parra você!
-Gui? – perguntei embora aquela voz e sotaque fossem inconfundíveis.
-Sim, sou eu, vim assim que pude. Cadê a Elizabeth?
-Ela se sentiu mal e o Martins a levou para tomar um comprimido. Mas e você? O que está
fazendo aqui?
-Em primeiro lugar, salvando a sua vida, e em segundo, vim buscar vocês dois.
-Como assim? Cadê o feioso?
-Fugiu, simplesmente desapareceu. Esse devia ser o monstro do qual Skuld estava falando.
-Sem dúvida. – eu disse, recolhendo minha espada e a colocando no meu dedo. – Agora a nossa
paz vai acabar né?
-Se a profecia estiver certa, sim.
-Mas por que exatamente você veio aqui? Não ia à mansão?
-Eu fui.
-E então?
-Estava vazia.
-Como?
-Dan, as coisas são bem piores do que imaginávamos.
-O que houve?
-Vou deixar Hilda explicar quando voltarmos à mansão, mas agora precisamos pegar Elizabeth
e sair logo desse lugar.
Capítulo Cinco
O deus desaparecido
Voltamos para a sala de mitologia nórdica o mais rápido que pudemos. Todos ainda estavam
lá, e por sorte, Martins estava retornando naquele exato momento com Elizabeth e o curador.
-Ela está ali. – eu disse para Gui, então ele começou a ir na direção deles, mas eu o impedi.
-O que foi?
-Temos que pensar em algo. – respondi – Não podemos tirar Elizabeth assim daqui, e muito
menos se ela estiver passando mal. Estamos em um passeio escolar, o Martins não vai permitir.
-Dan, é uma questão de extrema urgência, e até parece que nunca fizemos nada inusitado.
-E será que você poderia me dizer qual é essa urgência?
-Agora não! Vamos a Elizabeth.
Claramente ele não me escutou e muito menos me disse o que estava errado. Mas de qualquer
forma eu iria descobrir. Gui chegou perto de onde Elizabeth estava; eu achei que ele ia mostrar
o arco e ameaçar o Martins, mas não era algo que o filho do deus do amor faria.
-Bonju professeur. – saudou Gui gentilmente.
-Gui? – disse Martins – Achei que você não poderia vir hoje.
-Só vim para pegar Elizabeth –respondeu Gui, a sua voz soava persuasiva – o senhor deve ter
percebido que ela não está bem.
-Sim, mas ela já está melhor, não é?
-Sim, senhor. –respondeu ela. –Gui, Dan, o que houve?
-Venha conosco – disse Gui – você ainda não parece muito bem, talvez a nossa amiga lá da
mansão possa te ajudar. Dan e eu estávamos indo para lá agora mesmo.
-A mansão? –disse Elizabeth, já formulando tudo na mente. –Talvez vocês tenham razão, eu
ainda não estou totalmente boa, é melhor eu ir com vocês.
-Um momento. –disse Martins aumentando razoavelmente a voz. –Daniel e Elizabeth estão sob
a minha responsabilidade, e não poderão sair, Gui, eu sinto muito.
-Vamos lá, professeur, eles têm que vir comigo, não haverá problema, não é?
-Acho que não –disse Martins, vencido pelo carisma persuasivo de Gui. –É, não haverá
problema nenhum, com certeza não.
Estávamos prestes a sair quando...
-Vai deixá-los ir assim professor? –disse o curador, e no mesmo instante Martins pareceu sair
do transe.
-Sair? Não, de jeito nenhum. – falou Martins.
-Mas o senhor acabou de dizer que sim –tornou a dizer Gui com a mesma persuasão de antes –
vamos lá, deixe.
-Está bem, podem ir. –disse Martins, mais uma vez cedendo a habilidade de Gui.
-Mercy.
Saímos dali quase que correndo, antes que o curador pudesse abrir a boca e estragasse tudo de
novo, e por falar nele, eu quase que podia sentir o seu olhar nos acompanhando, a sensação era
como se um atiçador em brasa tocasse a minha pele, antes de sair dei uma olhada para trás e
podia jurar que o doutor Lobo nos fitava com olhos que pareciam fogo puro.
Levamos menos de meia hora para voltar para Urca, e no caminho eu perguntei a Elizabeth o
que exatamente aconteceu com ela, e ele me disse que simplesmente começou a se sentir mal,
mas assim que chegou ao escritório do doutor Lobo, o mal-estar passou.
-Assim do nada? –perguntei quando já subíamos a ladeira que dava para mansão. –O seu mal-
estar simplesmente passou?
-É, já disse que sim. –respondeu ela. –Mas por que ainda isso Dan? Temos coisas mais urgentes.
-Eu quase fui morto por um monstrengo e você tá me dando bronca?
-Não é isso –disse ela –é só que realmente temos coisas importantes, e aliás, quando que não
somos atacados por monstrengos?
-Eu sei, mas você poderia ao menos ter ficado preocupada comigo.
-Quem disse que eu não fiquei? Aposto que deve ter sido a sua amiguinha Bela.
-De novo com isso?
-Eu já disse mais de mil vezes que não tenho interesse por essa garota!
-Querem parar vocês dois! – vociferou Gui, e na mesma hora paramos. Estávamos diante do
portão da frente da mansão, ele estava aberto, não havia placa de “vende-se” e a casa parecia
mais viva.
Cruzamos o jardim e entramos na casa, a porta estava aberta, o hall de entrada estava vazio,
então Gui nos guiou para a sala da lareira, coisa incomum nas casas brasileiras, mas a mansão
fora construída no estilo europeu. A sala da lareira estava normal, as poltronas estavam
dispostas no centro próximas a uma mesa de mogno, a lareira estava apagada e o mais
importante, havia alguém sentado numa das poltronas, ele sorriu assim que entramos, era
homem alto, pele quase tão clara quanto a minha, e cabelos castanhos e olhos azuis, eu nunca o
tinha visto antes.
-Bom dia – disse o homem com um sotaque que eu tinha certeza ser dinamarquês. – Acho que é
assim que se diz nesse país, não é?
-Quem é você? – perguntei.
-Me desculpem, eu ainda não me apresentei a você, descendente de Siegfried e nem a essa
jovem encantadora. Muito prazer, eu sou Viggo Von Wegner, recém-chegado do Norte.
Demorei alguns segundos antes de falar novamente, tentei intender certas coisas. Gui chega
todo eufórico lá no museu (tá ele salvou a minha vida, coisa e tal), diz que estamos com uma
emergência nas mãos, até aí tudo certo, mas quem é o sujeito cuja cara já não me agradou logo
de início? E por que ele me lembrava Gui meio que vagamente?
-Desculpe – eu disse ao homem – mas quem é mesmo o senhor?
-Não precisa de tanta formalidade – disse ele – pode me chamar de Vig.
-Tá... Vig, mas quem é exatamente você? –Perguntei novamente; não sabia o porquê, mas
estava muito desconfiado.
-Ele é outro semideus. – disse uma voz vinda detrás de nós.
Ela se aproximou de nós com a sua bengala, usava casaco de pele, parecia exausta, seus
cabelos cor de bronze estavam com mais fios brancos do que nunca, ao que parecia, a sua
aparência humana estava desgastada, ela vinha acompanhada por um garoto negro, usando calça
jeans e camisa branca.
-Hilda, Marcus. – eu disse ao vê-los; logo fui em sua direção e notei que os dois pareciam
cansados. – O que está acontecendo?
-Eles estão exaustos da viagem. – disse Viggo.
-Que viagem? – perguntou Elizabeth.
-Percorrermos mais mundos do que minhas forças aguentaram. – disse Hilda. – E tudo para
nada, não o encontramos e nem ao martelo.
-Que martelo? – perguntei. – O Miolnir? Cadê o Thor?
-Dan – disse Hilda calmamente, mas ainda sim se podia ver um ar de preocupação nela – Thor
está desaparecido.
Levei cinco segundos para computar isso.
-Como? Thor sumido? Que história é essa?
-Achamos que foi ele Dan. – disse Marcus. – O deus decaído.
-Loki! –eu disse, mas sem entender a situação. –Estão dizendo que Loki sumiu com Thor?
-É o que parece. –disse Viggo – Já faz uma semana que ninguém sabe do deus do trovão.
-Hilda – eu disse, ignorando totalmente a Viggo –explica isso melhor.
Ela se sentou numa das poltronas com a ajuda de Marcus, e só depois olhou para cada um de
nós.
-Ele esteve aqui, na semana passada –disse Hilda –, ele, o deus do fogo.
-Loki apareceu aqui? –eu falei quase que em berro.
-Deixe-a falar Dan. –disse Elizabeth.
-Desculpe Hilda, prossiga.
-O deus do fogo veio do nada e apareceu aqui no portão, devido a barreira, ele não podia entrar,
mas sabia que o senhor Thor não iria deixar que ele fugisse outra vez. Loki queria isso, usou a si
próprio como isca. Então ele fugi para as nuvens e o senhor Thor o seguiu, e ambos travaram
uma luta nos céus, os dois assumiram as suas formas divinas e lutaram; os céus e a terra
sentiram os abalos da luta dos dois naquela noite.
-Espera um pouco – eu disse – quer dizer que aquela tempestade da semana passada foi...
-Sim Dan – disse Hilda confirmando algo que eu somente suspeitava – aquela chuva tão
violenta é o resultado da luta de dois deuses.
-Eu sabia que tinha o dedo de Loki nisso. – eu disse, provando para mim mesmo e para os
outros que eu não era tão paranoico assim. – Mas o que houve depois.
-Não sei. – respondeu Hilda. – A chuva simplesmente parou, e o senhor Thor não retornou e
ninguém em Asgard sabe dele. Passei os últimos dias procurando, mas nada encontrei.
-Por que você falou do martelo Hilda? – perguntou Elizabeth.
-O Miolnir é a maior arma de Thor – explicou Hilda – mas também é o seu ponto fraco, uma
vez tirado dele, o deus trovão perderia a sua força, se tornando um alvo fácil. Se o deus decaído
o derrotou, com certeza foi por que tirou o martelo de Thor.
-Relaxe Hilda. – disse Viggo – Eu não creio que Loki tenha obtido o martelo, senão já teria feito
questão de mostrar o seu novo poder.
-É, você tem razão Vig – disse Hilda –, aliás, que bom que pode vir para cá assim tão de pressa.
-Um chamado de Asgard é sempre uma urgência, e como um filho dos deuses é meu dever
honrar esse chamado.
-Você é mesmo um semideus? – perguntei.
-Sim – respondeu Viggo – e parente de Gui também, primos, na verdade.
-Primos? – duvidei.
-Sim Dan – disse Gui – Vig é filho da irmã do meu pai.
-Vou me apresentar mais formalmente – disse Viggo – sou Viggo Von Wegner, filho de Freya,
a deusa do amor. E estou a seu inteiro dispor, Daniel Wulsung, descendente de Siegfried.
-Me chame de Dan mesmo que tá muito bom, Vig.
-Como desejar, Dan.
Hilda deu um suspiro de exaustão, então me voltei para ela.
-Você parece muito fraca, o que ouve? – perguntei.
-Viajar entre os Nove Mundos não é coisa para se fazer a cada dia, pelo menos não para uma
Valquíria. – respondeu ela dando um sorriso forçado e fraco.
-Nove Mundos? – disse Elizabeth.
-Sim – disse Viggo – é como o Universo está dividido; Nove Mundos, sendo um deles Midgard,
o reino humano em que estamos agora.
-Procuramos o senhor Thor por quase todos os mundos. – disse Marcus – mas se nem os deuses
conseguiram encontrá-lo, não seríamos nós a fazê-lo.
-Eu vou achá-lo! – eu disse num súbito ímpeto de coragem, ignorando totalmente que quase
morri a menos de uma hora
-Dan, acho que a situação é bem mais complexa – disse Elizabeth – não podemos faze nada sem
um plano.
-Mas...
-Ela está certa Dan – disse Gui – se Thor sumiu, assim como Miolnir, temos mesmo que bolar
um plano eficaz e meticuloso, muito meticuloso.
-Tá, isso eu entendo – eu disse – mas temos que ser rápidos, antes que ele o encontre.
-Está falando do martelo? – perguntou Elizabeth.
-Sim e do meu sonho também.
-Que sonho? – perguntou Hilda, então toda a atenção se voltou para mim na sala.
-Tive umas visões, na verdade, coisa das Nornas. Vi Hagen e Dvalinn conversando, falavam
sobre algo que ainda precisava ser encontrado, e acho que é o Miolnir.
-Como pode ter tanta certeza? – perguntou Viggo.
-Skuld. – eu disse – Ela me falou de uma relíquia que devia ser recuperada, e acho que está
claro agora que é o Miolnir, mas... Também temos que encontrar o Thor e, também tem o Loki,
precisamos saber o que ele... Ah já estou confuso.
-E confundindo a todos nós no processo. – disse Gui.
-Eu não sei quanto ao plano –eu disse –mas sei quanto à ação. Thor está em apuros, e eu vou
ajudá-lo, acho que devo isso a ele, depois dos apuros que ele já nos livrou, devemos isso a ele. –
então me virei para meus amigos. –Vocês estão comigo?
-Sim – respondeu Elizabeth, depois segurou a minha mão.
-Você não tem um plano, nem sequer sabe por onde começar – disse Gui –, o que é bem típico
de você Dan. Claro que eu estou você, afinal, querendo ou não, você é o nosso líder.
-Eu também estou com você amigo. – disse Marcus, devo dizer que para a minha surpresa.
Eu e meus amigos ficamos num grupo, olhando para Hilda, que permanecia exausta e
pensativa na poltrona, e olhando para Viggo, que tinha uma expressão de sarcasmo e seriedade.
-Vocês não podem agir assim – disse Viggo – é loucura fazer qualquer coisa nessa situação sem
pensar antes, seria como dar um tiro no escuro. Foi essa atitude que levou Thor a situação em
que ele está agora. Foi essa mesma cabeça dura que o levou a um confronto desnecessário com
Loki.
-Você não conhece Thor – eu disse – ele não é como a mitologia diz, não é um deus bárbaro e
arruaceiro, talvez seja um pouco egoísta e me tire dos nervos de vez em quando, mas ainda sim
ele é um guerreiro honrado. Ele percebeu a presença de Loki aqui e iniciou a luta apenas para
tentar acabar com a guerra logo no inicio, ele tentou impedir que pessoas inocentes fossem
pegas no fogo cruzado. O que você chama de precipitação e “cabeça dura”, eu chamo de
coragem.
Fez-se um silencio por alguns minutos. Até que Viggo sorriu e me fitou com, sei lá, espanto.
-Você é –começou ele –um rapaz interessante, é de fato um Homem de Thor. É bem leal a ele.
-Apenas sei reconhecer valor e honra quando vejo. –eu disse, nisso percebi que Gui segurou um
riso.
-Hilda –chamou Viggo –você fez bem em me chamar, e acho que vou gostar de trabalhar com
senhor Wulsung. Mas qual será o procedimento agora?
-Bom –disse Hilda como se despertasse de um devaneio –vou ir a Asgard, notificarei a nossa
situação, e dependendo das ordens, veremos o que pode ser feito.
-Muito bem. – disse Viggo – Vocês já estão dispensados.
-Virou o líder agora. – eu disse. A frase simplesmente saltou da minha boca, juro.
-Dan! – repreendeu-me Elizabeth. – Que modos são esses?
-Desculpe. – falei por fim, e Viggo sorriu.
-Vão e descansem – disse ele – foi o que eu quis dizer. Teremos dias bem atribulados pela
frente.
-O que foi aquilo? – perguntou Elizabeth quando passávamos pela minha casa naquele dia, só
nós três, Marcus ficara de ir a Asgard com Hilda.
-Não sei – respondi –só não fui com a cara dele. É mesmo seu primo Gui?
-Segundo Hilda e ele mesmo, sim. –respondeu Gui. –Eu nunca conheci a minha tia Freya, mas
assim como meu pai, é bem possível que ela tenha burlado as ordens de Odin de não criar
semideuses. Mas Dan tem algo mais nisso tudo.
-Como assim? – quis saber.
-Acho que você realmente se tornou um “Homem de Thor”. –disse Gui.
-Não estou te entendendo.
-Você defendeu Thor muito bem, e não tiro a sua razão, mas o fato de Vig ter assumido um
papel que antes era de Thor, bom, acho que isso te frustrou um pouco, não foi?
-Não vou negar que não gostei muito disso, mas tem outro motivo.
-E qual é? – perguntou Elizabeth.
-Eu simplesmente não fui com a cara dele, só isso.
-Ainda acho que isso é só por que ele está meio que no lugar do Thor. – disse Gui.
-Vamos achá-lo Dan. – disse Elizabeth com uma voz consoladora.
-Eu sei – eu disse – afinal nós já fomos até o céu, lutamos contra monstros e vilões dos mais
variados. Achar um deus cabeça dura e pavio curto vai ser bem fácil.
Elizabeth e eu rimos, mas Gui fez a cara séria de sempre.
-E o seu sonho? – disse Gui como uma flechada ao alvo. Senti que ele queria falar sobre isso há
algum tempo.
-Meu sonho... bom, acho que tem certas coisas que ainda tenho que pensar.
-Você disse que Skuld falou sobre uma relíquia perdida, não foi? – perguntou Elizabeth.
-Sim. – respondi. – E tenho certeza que era o Miolnir, e depois do sonho que tive com Hagen e
Dvalinn, me atreveria a dizer que Loki está procurando o martelo.
-E por que ele iria querer o martelo? –perguntou Elizabeth.
-O martelo Miolnir não é uma simples arma –explicou Gui –o seu poder é basicamente
ilimitado, uma vez que gera trovões e se alimenta dos próprios. Quem tiver essa arma terá um
poder tremendo, em outras palavras, Loki não pode consegui-lo.
-E não irá. – eu disse. – Vou fazer de tudo para que ele não consiga.
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