as crônicas de valhalla nove mundos · aviso, uma amostra de poder, ou sei lá mais o que. só sei...

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As crônicas de Valhalla Nove Mundos Prólogo "A verdadeira coragem não é só medida pelos atos, mas também pela determinação do coração...”. Capítulo um Tempestade de verão O MUNDO PARECIA QUE IA DESABAR. E não falo isso por que o planeta Terra estava ameaçado por um deus nórdico maluco, não mesmo, falo de algo mais próximo de mim em certo momento. O Rio de Janeiro, a minha atual cidade-moradia, estava passando por uma calamidade sem igual, queria eu acreditar que isso nada tinha a ver com os acontecimentos de um mês atrás, quando parte da profecia das Nornas se cumpriu, eu queria acreditar que era só mais uma ocorrência climática que não havia sido prevista a tempo, mas algo no meu interior me dizia que Loki estava por trás de tudo, na verdade eu estava um pouco paranoico, devo admitir, sempre que eu via um acidente de carro em algum lugar, meus sentidos logo apontavam

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Page 1: As crônicas de Valhalla Nove Mundos · aviso, uma amostra de poder, ou sei lá mais o que. Só sei que o silencio de Thor não ajudava nenhum pouco; eu esperava que quando dormisse

As crônicas de Valhalla

Nove Mundos

Prólogo

"A verdadeira coragem não é só medida pelos atos, mas também pela determinação do

coração...”.

Capítulo um

Tempestade de verão

O MUNDO PARECIA QUE IA DESABAR. E não falo isso por que o planeta Terra estava

ameaçado por um deus nórdico maluco, não mesmo, falo de algo mais próximo de mim em

certo momento. O Rio de Janeiro, a minha atual cidade-moradia, estava passando por uma

calamidade sem igual, queria eu acreditar que isso nada tinha a ver com os acontecimentos de

um mês atrás, quando parte da profecia das Nornas se cumpriu, eu queria acreditar que era só

mais uma ocorrência climática que não havia sido prevista a tempo, mas algo no meu interior

me dizia que Loki estava por trás de tudo, na verdade eu estava um pouco paranoico, devo

admitir, sempre que eu via um acidente de carro em algum lugar, meus sentidos logo apontavam

Page 2: As crônicas de Valhalla Nove Mundos · aviso, uma amostra de poder, ou sei lá mais o que. Só sei que o silencio de Thor não ajudava nenhum pouco; eu esperava que quando dormisse

para o meu novo inimigo declarado, se bem que em certas situações, como esta em questão, eu

sentia mais do que um comichão interno, era quase como uma certeza: Loki está aprontando.

Mas talvez você não esteja entendendo muita coisa. Eu já me apressei, de novo pra variar.

Vou fazer uma breve retrospectiva caso você não saiba do que eu estou falando ou

simplesmente se esqueceu, embora eu considere difícil esquecer tudo aquilo que eu já passei nos

últimos tempos. O meu nome é Daniel, Daniel Wulsung de Almeida, tenho esse nome esquisito

no meio, pois sou sueco, e vim para o Brasil depois de muito tempo morando num país frio. Foi

difícil me aclimatizar ao lugar – e digo isso literalmente – pois o calor do Rio de Janeiro não era

para qualquer sueco suportar. Mas o mais difícil de suportar fora a revelação extraordinária que

eu tive no final do ano passado: sou descendente de um antigo herói nórdico e tenho que salvar

o mundo da ira de um deus maléfico. Tudo normal até aí. Descubro então que meus vizinhos

não são seres humanos; a doce Sra. Hilda, uma ricaça aqui da rua, era na verdade uma

Valquíria, uma guerreira dos deuses, e seu motorista, o Sr. Tomás, era o deus nórdico Thor, que

tinha como missão infernizar a minha vida com todas as tarefas que eu tinha que cumprir para

impedir que Loki dominasse ou destruísse o mundo. E falando nele – e essa é a melhor parte –

Loki, na verdade era Leonardo Vladesco, o diretor da minha escola, ele sempre deixara claro

que nunca gostara muito de mim, mas daí tentar me matar varias e varias vezes, confesso que

não esperava isso de ninguém. Enfim, durante um eclipse ocorrido no dia 31 de dezembro do

ano passado, Loki recuperou todo o seu poder e quase matou a Thor e a mim quando mandou o

seu filhinho, a serpente Iormungand, dar cabo de nós.

Talvez você já tenha compreendido a situação, então posso explicar a minha afirmação inicial.

O mês de janeiro passou quase todo sem uma única coisa sobrenatural ocorrendo, embora eu

quase não visse Thor, sabia que as coisas estavam bem, caso contrário ele me alertaria como já

fizera antes. Mas na última semana de janeiro, durante a noite de sexta-feira, uma ventania

começou inexplicavelmente, e logo em seguida começou a chover, uma tempestade na verdade.

Durante o verão, é comum esse tipo de chuva forte, ela sempre vem quando está muito quente,

refresca um pouquinho e depois tudo volta a ficar um forno, ainda mais quente do que antes,

devo acrescentar, e também digo que não sou muito fã do calor, mas isso não vem ao caso

agora. Embora as chuvas de verão fossem comuns naquela época do ano, esta em especial tinha

algo de diferente, e como eu já disse, começou do nada. Uma revoada de trovões enfurecidos

cortava os seus, e ao invés de refrescar, a chuva trazia consigo ainda mais calor, de modo que o

ar-condicionado do meu quarto não dava pra refrescar tanto. Cada trovão que cortava o céu

parecia ter luz para iluminar a cidade inteira, e se podia sentir a terra tremer toda vez que eles

castigavam o solo.

O pior aconteceu quando faltou luz. Ficamos no escuro, e muito pior, no calor, mas não foi tão

ruim, ficamos a luz de velas, no calor, meu pais ficou contando histórias da infância, no calor, e

minha mãe tentava nos abanar com um único leque. Isso tudo durou aproximadamente umas

quatro ou cinco horas; só as três da manhã é que a luz voltou, o meu ar tornou a ser ligado e

pude dormir. Mas ainda sim tive dificuldades para pegar no sono, o calor era de menos, pois eu

não conseguia tirar da minha mente que aquela tempestade era coisa de Loki, talvez fosse um

aviso, uma amostra de poder, ou sei lá mais o que. Só sei que o silencio de Thor não ajudava

nenhum pouco; eu esperava que quando dormisse naquela noite, ele talvez falasse comigo nos

meus sonhos, como fizera uma vez no ano passado, mas nada aconteceu; sonhei com muitas

coisas naquela noite, mas nenhum sinal de Thor. Vi-me caindo entre as nuvens enquanto uma

serpente gigantesca tentava me devorar, depois me vi em meio a uma festa onde todos usavam

roupas de gala, e por fim sonhei que estava com a minha namorada, Elizabeth; caminhávamos

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por uma floresta, o céu estava azul e as flores multicoloridas desabrochavam na medida em que

passávamos por elas. Elizabeth e eu ainda não éramos namorados oficiais, pois a avó dela era

meio que superprotetora, isso por que a mãe de Elizabeth fora abandonada pelo pai dela, o que a

deixou com o coração partido, então a avó não queria que a neta passasse pela mesma situação

que a filha passou, mas é claro que eu jamais faria isso com a minha princesa, mas não vem ao

caso agora.

Mas voltando as minhas teorias, eu não tive noticias de Thor, então só pude imaginar que Loki

estava aprontando, mas em contrapartida, se Thor não me veio falar nada, queria dizer que Loki

talvez não estivesse armando, mas ele já tinha ficado tempo quieto de mais, quase dois meses

sem aprontar uma, a não ser que Thor estivesse me escondendo algo, mas se estivesse, por que

ele faria isso? Cara, mas confusão! Eu precisava era de um bom descanso. Afinal eu nem sei

quantas foram às vezes e que eu quase perdi a vida no último mês. Fui atacado por cobras, quase

fui morto por anões assassinos, sem falar do Hagen, outro capanga de Loki, que quase me

matara várias vezes; também teve um pássaro maligno que quase me congelou, e sem falar do

próprio Loki e de seu filho, o homem-cobra. De qualquer forma, deu para notar que foi um fim

de ano bem atribulado, e ao invés de desfrutar do meu mais do que merecido descanso, fico aqui

atribuindo relâmpagos e acidentes cotidianos a Loki. Talvez esse seja o plano, me deixar

paranoico. Se Thor não me notificou é por que tudo estava em paz, mas é claro que eu estava

errado quanto a essa paz, não sabia, mas estava redondamente enganado, mas tudo há seu

tempo. Tive um ótimo mês, um mês quente, mas ainda sim bem tranquilo, mas inevitavelmente

essa paz ia acabar, afinal, na primeira semana de fevereiro iriam recomeçara as minhas aulas no

DAT, a escola em que eu passei por muitas e muitas coisas. Queria rever meus amigos, e

também saber como seriam as coisas depois da saída do Vladesco, afinal seria bom não estar em

uma escola onde, a qualquer momento, uma espécie de monstro iria surgir para te matar.

Em resumo, depois da tempestade veio a bonança, tive até que uma noite sono agradável, e já

que Thor não veio me amolar nos meus sonhos, eu tinha mais é que dar graças a Deus. Mas

mesmo dormindo, os meus sentidos continuavam atentos, caso algo acontecesse, embora eu

ache que não devesse dizer os “meus sentidos”, afinal, para ações extra-sensoriais eu contava

com a minha espada, Balmung, a mesma que pertencera a meu antepassado, o herói Siegfried.

Balmung me foi dada no ultimo mês por Thor, ela geralmente fica sob a forma de um anel

prateado no meu dedo, mas em situações de perigo, ela se transforma numa magnifica espada de

lâmina prata.

Já que minhas férias estavam quase no fim – e estou falando também das minhas férias dos

ataques de Loki – eu ia precisar de toda a percepção e força de Balmung. Aquela chuva tinha

sido apenas o começo; a tempestade verdadeira ou o olho do furacão, ainda estavam por vir.

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Capítulo dois

Regresso ao DAT

Apesar do toró da noite passada, o dia seguinte amanheceu com um sol tão forte quanto na

manhã anterior. Fui acordado pelo calor, isso por volta das seis da manhã, os raios dourados do

sol adentravam em meu quarto fazendo tudo reluzir, porém também deixava tudo mais quente,

se é que era possível.

Eu desci para ver se comia alguma coisa, mas minha mãe ainda estava dormindo, portanto

ainda não tinha preparado o café, e como eu não ia de jeito nenhum voltar para cama com o

calor que estava fazendo, me conformei com umas torradas com manteiga e um café que restou

do dia anterior. Enquanto comia, liguei a televisão e fiquei vendo o jornal da manhã, eu não

tinha o costume de vê-lo, mas, naquela manhã, isso aconteceu.

“... após o escândalo, o deputado que desviou mais de trezentos milhões para uma conta no

exterior, foi apanhado e deposto, embora a câmara vá iniciar uma CPI a fim de apurar mais

fatos.”, dizia o âncora do jornal, concluindo uma noticia que havia começado antes de eu ligar a

tevê, embora eu já soubesse desse caso, pois fora noticiado no dia anterior.

“E agora um enfoque especial para a chuva que caiu na ultima noite sobre o Rio de Janeiro.”,

dizia o âncora. “Na noite passada, uma forte e inesperada chuva se abateu sobre a cidade,

deixando várias ruas alagadas e vários bairros das zonas norte e sul totalmente sem luz. Além

disso, temos noticias de desabamentos na Região Serrana, não houve mortos, mas vários feridos

e desabrigados; o mais estranho é que essa chuva não se estendeu a todo o Estado, a Baixada

Fluminense e a Região dos Lagos, por exemplo, não viram uma gota de chuva sequer na noite

passada. E tão estranhamente como veio a tempestade também se foi da mesma maneira

deixando um rastro de destruição.”

Depois disso eu desliguei a televisão e me concentrei no meu copo de café. Parecia até que eu

podia ver figuras disformes se movendo em meio ao liquido negro e olhando para mim; talvez o

que estivera pensando era verdade, e a tempestade era mesmo coisa de Loki, embora eu

esperasse que ele no mínimo matasse alguém, mas graças a Deus que isso não ocorreu. Mas

ainda sim ele podia ter falhado talvez um país tão quente quanto o Brasil enfraquecesse o poder

de um deus nórdico, quem sabe.

E eu achando que ia ter férias tranquilas. Ainda que tivesse um descanso da escola, o meu

inimigo não me daria folga, e agora ele começara a se mostrar. Eu já até podia imaginar Thor

surgindo do nada ou invadindo os meus sonhos a fim de me falar que mais uma luta se

aproximava, e mais monstros viriam, juntamente com mais problemas.

Eu esperei por três dias e nada, nenhuma noticia nem de Thor ou Hilda. Nenhum sonho, ou

aparição luminosa, nada. Eu começava a achar que tinha que ir até a mansão, então na tarde do

terceiro dia, eu fui até lá, entretanto, algo que eu nunca pude imaginar ocorreu. “Vende-se”, era

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o que dizia a placa junto ao portão de entrada da grande mansão que ficava no topo de uma

ladeira, longe das demais casas.

“Isso é palhaçada”, pensei. Thor não iria embora sem avisar, e o mais estranho é que a casa

não parecia abandonada, o Mercedes – o que não significava nada, uma vez que nem Thor nem

Hilda precisavam daquele carro, e só o tinham mesmo para manter as aparências como humanos

– continuava estacionado na garagem aberta além do jardim. A porta da frente, tal como as

janelas, estava fechada, o que dava a casa um tom meio rígido. Mas tinha que ter uma

explicação, tinha que ter alguém naquela casa. A primeira coisa que pensei foi em ir até a casa

de Gui, meu velho amigo de batalha – embora eu nunca dissesse a ele que tenho essa estima

toda, isso por que não nos dávamos bem em um passado distante. Gui era um semideus, filho de

Frey, o deus do amor, e, portanto ele poderia ter mais contato com os deuses do que eu. Embora

Gui não se desse muito bem com o pai, nesse caso é pouco provável que ele tivesse contato com

algum outro deus. Mas mesmo se tivesse, Gui estava na França, com a mãe – é Gui é francês;

isso para vocês verem, a minha historia tem a presença dos deuses escandinavos que, só Deus

sabe por que, estão no Brasil, e também um semideus, filho de um deus viking, que é francês, de

fato acho que não tá faltando mais nada, mas deixo quaisquer opiniões que forem a cargo dos

meus excelentíssimos leitores.

Eu tinha então que ir ver Elizabeth, mas curiosamente a avó dela decidiu que elas também

viajariam e não retornariam até que as aulas recomeçassem. Eu me sentia meio abandonado,

sem ter para onde correr, absorto em minhas próprias e ideias e paranoias, e o fato de Thor ter

sumido e colocado à casa a venda, não ajudava em nada.

-Não vai comer filho? – Perguntou minha mãe durante o almoço, isso já na sexta-feira.

-Vou, vou sim mãe. –respondi meio que errante em minha mente. Mamãe me retribuiu com um

sorriso; ela era mais parecida comigo, mesma pele clara, mesmos olhos azuis, afinal ela era

100% sueca, diferente do meu pai que era 100% brasileiro.

-Mal tocou na comida Dan. – disse meu pai. Ele é geralmente calado, mas fala quando tem que

falar, é um pouco moreno, o que torna difícil que acreditem que somos parentes, e é meio calvo

também.

-Eu vou comer, só estava refletindo um pouco. Mas e o senhor pai, não devia estar na

faculdade?

-Hoje é sexta – respondeu meu pai, então me liguei, era a folga dele, papai dava aula de história

na Pontifícia Universidade Católica. – Graças a Deus não tenho turmas hoje, e eu que estava

imaginado que as coisas iam piorar nesse semestre quando me botaram para dar Idade Média

também.

-Mas que bom que no querrido. –Disse mamãe ainda com um pouco de seu sotaque sueco, que

mesmo depois de um tempão aqui no Brasil, ela não conseguia perder.

-É mesmo querida – concordou meu pai – só assim tenho tempo para escrever o meu livro.

-E sobre o que vai ser? – Perguntei depois de engolir um pedaço enorme de frango.

-Será sobre a influência do cristianismo na Escandinávia em meados do século V d.C.

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“Mais vikings”, pensei.

-Puxa pai, que legal. – Eu disse, mas sem muita exaltação.

-Um assunto interessante, especialmente por que vai ser o meu primeiro trabalho sobre o

medievo.

-Tenho certeza de que será brilhante como aquele anterrior, mas como erra mesmo?

-As organizações entre os sátrapas persas. Claro que a antiguidade é a minha especialidade.

-Pai, eu te garanto que se o senhor não fosse historiador, eu juro que jamais saberia o que é um

sátrapa.

Meu pai riu juntamente com minha mãe. Era bom estar com a minha família, e por um breve

momento eles me fizeram esquecer o meu drama atual, a minha desventurada situação, e as

coisas poderiam piorar.

Naquela noite, depois de semanas sem mensagens dos deuses, eu recebi uma visita inesperada.

Depois do jantar eu subi para o meu quarto e quando pude perceber eu a vi, sentada ali na minha

cama; aparentemente uma doce e inocente garotinha, seus olhos verdes como esmeraldas eram o

que mais chamavam atenção, até mais do que a sua expressão meiga.

-Skuld! – Eu disse numa mistura de espanto e, por incrível que pareça, satisfação; afinal alguém

do mundo mítico se mostrou em fim, provando que eu ainda tinha alguma importância.

-Olá, descendente de Siegfried. – Saudou-me a deusa do futuro.

-O que faz aqui? O que houve? Por que Thor e Hilda sumiram?

-Você faz muitas perguntas – disse ela calma e bem tranquila, tanto que chegava a dar raiva –,

mas o Futuro não guarda as respostas que procura, pois só o Passado pode lhe dizer o que já

ocorreu.

-Então veio até aqui para me revelar o futuro?

-Sim.

-E isso vai me ajudar?

-Não vim discutir isso, se vai te ajudar ou não, isso não convém. Mas agora ouça a voz do

destino. A sua paz irá terminar de fato quando o monstro de levantar, então chegará a hora; terás

que viajar através do Espaço longínquo a fim de recuperar a relíquia que foi perdida...

-E?

-Não convém contar o resto... ainda.

-Claro, é sempre assim. Mas que viagem é essa? E quanto a essa relíquia?

Mas Skuld não estava mais ali. Eu achava que uma visita de alguém ligado a Asgard me

fizesse ficar melhor, mas claro, eu estava errado. Ainda mais pelo fato de ter sido a Skuld, uma

vez que no mês passado, ela me deu uma profecia no meu quarto mesmo, e depois eu quase fui

morto por um pássaro de gelo maldito. Pois é, eu nunca dou sorte com essa baixinha, ainda mais

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por que ela só prevê desgraça. Segundo ela, os meus dias de paz acabariam quando um mostro

aparecesse, até aí tudo bem, mas quanto aquela historia de viagem e relíquia perdida, cara nessa

eu boiei legal.

Só me restava uma coisa agora: descansar e colocar as minhas ideias em ordem, e aproveitar o

meu ultimo fim de semana antes de as aulas começarem na segunda de manhã.

O fim de semana passou como um raio, e basicamente eu só fiz tentar falar com Elizabeth,

mas o celular dele nunca estava ligado, em minha paranoia eu podia jurar que a avó dela estava

por trás disso. Mas faltando meio minuto para a meia-noite, isso já no domingo, eu consegui

receber uma mensagem dela:

“Dan, cheguei hoje à tarde, mas vovó quase que me proibiu de sair de casa, por isso não pude ir

te ver. Estou cheia de saudades, e um pouco preocupada, ainda não tive noticias de Gui e parece

que ninguém das redondezas sabe o porquê do sumiço de Hilda, eu até ouvi dizer que há uma

placa de „Vende-se‟ no portão da mansão. Agente se fala amanhã na escola. Beijocas ”.

Essa mensagem me deixou bem animado, mas em contrapartida, também me deixou

terrivelmente ansioso. Eu estava com mais do que saudades dela, queria vê-la a qualquer custo,

e também contar um montão de coisas, e dentre essas coisas, a pequena aparição de Skuld dois

dias atrás. Mas eu teria muito tempo para isso, agora teria apenas que contar o tempo, até a hora

em que eu a veria outra vez.

Acordar cedo foi fácil, especialmente quando você não dorme muito bem devido ao

calor e ansiedade. Eu estava a apenas algumas horas de vê-la. Sim, o amor deixa um homem

muito bobo, admito.

Naquele dia eu praticamente fiz minha mãe levantar da cama para preparar o meu café.

Ovos mexidos com suco de manga, engoli tudo em menos de dez minutos e fui me aprontar;

perfumei-me e me penteei como um galã mexicano, tanto que em outros tempos eu diria que

estava ridículo, mas depois que comecei a ficar com Elizabeth eu fazia de tudo para melhorar a

minha aparência, embora eu soubesse que ela não se importava com isso.

A minha despedida também fio rápida, e minha mãe ainda sonolenta facilitou tudo.

Corri para a rua quase que aos saltos, nem ligava para o sol que não tinha a mínima intensão de

dar lugar a nuvens carregadas de chuva fria e aconchegante, não mesmo, a única coisa que

importava para mim era ver Elizabeth, e ter um pouco de alegria em meio há dias tão tensos,

pois acreditem esse não saber quando Loki resolveria destruir o mundo conseguiu acabar com as

minhas férias, de modo que Elizabeth, certamente daria um jeito nisso.

Enfim, cheguei a minha velha escola, e nunca senti tanto prazer em fazer o breve percurso da

minha casa até lá. Os portões de ferro estavam abertos e por eles entravam vários alunos, novos

e antigos. Pude ver um monte de gente conhecida, mas ainda não via Elizabeth. Resolvi ir então

para o pátio da entrada, este estava abarrotado de estudantes que trocavam ideias e contavam

uns para os outros sobre as férias que, com certeza foram melhores do que as minhas. Por fim

eu a avistei, seus cabelos castanhos claros eram como cobre reluzindo ao sol, e assim que me

viu sorriu, e eu retribuí.

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Capítulo três

Uma aula de história

Tentei parecer não muito... carente? Acho que essa é a palavra. Mas não correu tão bem

quanto eu gostaria que tivesse sido eu quase que corri na direção dela, mas vendo por outro

angulo, é até que compreensível, eu não a vejo há semanas, sequer consegui falar com ela, então

acho mais do que normal eu estar tão eufórico.

O beijo foi a melhor parte, nossos lábios se tocando por agradáveis segundos. Depois ela fez o

inimaginável, e me deu uma moca.

-Ai! – eu disse, mas ela pareceu não se importou. – Que foi isso?

-Daniel Wulsung, como é que o senhor não me manda nem um oi durante as férias?

-Espera aí. Verdade seja dita, eu tentei falar com você, e além do, mas a culpa não é minha se a

sua avó te sequestrou e te escondeu do mundo todo. Tentei falar com você, mas o seu celular

estava sempre desligado.

-Vovó estava mantendo ele assim ao máximo, mas conseguia usá-lo de vez enquanto. E você

não conhece algo chamado torpedo não é? Podia ter me mandando mensagens que acabaria

vendo quando ligasse o celular.

-Confesso que não pensei muito nessa.

-E sei cabeça, é bem típico de você.

-Puxa, como tenho tanto pra te contar.

-Eu imagino, e também tenho. Mas Dan tem algo me preocupando.

-Creio que é o mesmo foco da minha preocupação.

-Ouvi a minha avó comentando que a Sra. Hilda, digo, Hilda, está vendendo a casa.

-É verdade que tem uma placa de venda lá, mas não faz nenhum sentido. Por que Thor e Hilda

sumiriam assim e sem nos avisar de nada?

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-Parece que temos um mistério nas mãos.

-Pois é.

E para realçar ainda mais o mistério, eu ia contar a ela sobre a visita surpresa de Skuld, mas

antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, Caio veio em nossa direção. Ele era o típico Dom

Tenório, embora nunca conseguisse arrumar nenhuma donzela para si, embora, a fim de

contrarias tudo o que eu sempre pensei e via dele, o dito cujo me chega acompanhado de uma

garota que era (Elizabeth que me perdoe) incrivelmente linda. Ela era mais alta do que Caio,

tinha cabelos negros presos num rabo-de-cavalo, sua pele não era nem muito clara e nem muito

escura, e os olhos eram cor de mel.

-Tudo bem gente? –Disse Caio quando chegou, ele estava até de mãos dadas com garota.

-Tudo. –Eu disse, ainda meio perplexo.

-Oi Caio. –Disse Elizabeth com um estranho ar questionador. –Quem é essa? É sua amiga.

-Amiga? – Disse Caio com malicia. –Na verdade ela é bem mais do que isso. – Dan, Elizabeth,

quero que conheçam a minha namorada, Bela.

-Que ela é bonita agente vê. – Eu falei brincando, e Elizabeth pareceu se enrijecer, não sei por

que. – Mas qual é o nome dela.

-É esse. – ele disse. – O nome dela é Bela.

-Jezabela, na verdade. – disse a garota, a sua voz era forte muito sedutora, nem parecia pertencer

a uma adolescente. – É um prazer conhece-los, Caio me falou muito sobre vocês, estão

namorando a pouco tempo também, não é?

-É. – apressou-se Elizabeth em responder. – Mas diga, como e quando vocês se conheceram?

-Ahhh – Caio parecia que nem se lembrava, devia estar mais do que alegre por ter ganhado uma

garota daquelas. – Quando foi mesmo amor?

-Na festa de quinze anos da sua prima, meu lindo, não se lembra?

-Ah... sim, sim, isso mesmo. – disse Caio, agora parecendo retornar a realidade. – Você estava

tão linda.

-Obrigada – disse Bela acariciando a nuca de Caio bem lentamente, o que me deixou um tanto

desconfortável.

-Então... – disse Elizabeth, após pigarrear. – Foi amor à primeira vista?

-Digamos apenas que quando bati o olho em Caio, soube que ele era o homem perfeito para

mim.

-E que homem de sorte eu sou, não é Belinha?

-Sem dúvida meu fofo.

-Gente, nós vamos dar uma voltinha por aí, antes de o sinal tocar, agente se vê na aula. – Disse

Caio, já arrastando Bela com ele.

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-Até mais. – Disse Bela dando uma piscadela.

-Até. – Eu disse enquanto os observava indo, bom pelo menos até Elizabeth bater em mim de

novo. – Ai! O que foi agora?

-E você ainda pergunta? Pensa que eu não vi você babando por zinha aí?

-Eu? Eu só estava sendo gentil.

-Não, você não estava sendo gentil, estava sendo homem mesmo.

-Mas...

-Mas nada.

-Não fica assim.

Mas ela ficou.

-Dê uma chance parra ele. – disse uma voz com um sotaque francês familiar.

-Gui! – Disse Elizabeth, que quase voou para abraçá-lo.

-Oi cara. – eu disse enquanto o cumprimentava. – Há quanto tempo.

-De fato, mas o suficiente parra descansar das aventurras que tivemos no último mês. – disse

Gui, que parecia não ter mudado muita coisa, os mesmos cabelos loiros, os mesmos olhos

verdes, a pele clara e é claro, as mesmas garotas babando a volta dele, mas isso jamais mudaria,

afinal, essa era a habilidade principal dele, esse carisma superpoderoso que herdara de seu pai,

Frey, o deus do amor, que fazia com que todos gostassem deles, os homens o olhavam com

admiração e as mulheres se apaixonavam.

-Achei que não fosse aparecer. – eu disse. –Não deu nem noticias.

-Não foi minha culpa, forram problemas no voo. Achei que Thor ia me trazer de volta, pelo

menos foi que ele me disse quando me transportou para França no inicio do ano.

-Ah, quanto a isso... – então a conversa que eu estava tendo com Elizabeth antes de Caio chegar

foi retomada; contei tudo para Gui e Elizabeth, desde as minhas suspeitas paranoicas até a visita

de Skuld e aquela profecia maluca.

-Entendo. – Disse Gui, enquanto fazia a sua velha cara de pensativo. – O mais estranho de tudo

é essa ideia de mostrar para todos que a mansão está à venda, é quase como se eles tivessem ido

mesmo, ou pode ser somente que tenham mudado de esconderijo.

-Mas sem me avisar? – retruquei – Thor não faria isso, além do mais, a mansão é perfeita, não

vejo o porquê de trocá-la por outro lugar.

-E desde quando da para entender a cabeça desses deuses? –Disse Elizabeth ainda com um

resquício de mal humor.

-Tem razão. – eu concordei.

-É claro que eu tenho razão.

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-Vocês estão bem? – Perguntou Gui.

-Por que não pergunta pro Dan, ou para a garota por quem ele babou agora pouco.

-Eu já disse que não estava babando por ela! Além do mais, ela é a namorada do Caio, do meu

amigo. E eu só tenho olhos pra você, minha linda.

-Sei.

-Esperra um pouco. – disse Gui – Caio está namorrando?

-Está – respondeu Elizabeth – com uma garota nova, que ele inclusive conheceu antes das aulas

em uma festa.

-Milagres existem, não é? – Brincou Gui, mas isso não aliviou o clima de tensão, Elizabeth era

meio rancorosa de vez enquanto.

“Pedimos a todos os alunos que se dirijam ao auditório”. Disse a voz da secretária da diretoria

no alto falante.

-Melhor irmos então. – Eu disse, então Gui assentiu, e Elizabeth ficou de cara emburrada.

O auditório estava apinhado de gente, alunos de todas as series da manhã. Nós, Elizabeth, Gui

e eu ficamos na terceira fileira, bem na frente, Elizabeth fez questão, pois era bem longe de Caio

e Bela, que estavam lá no fundão.

Todos os professores estavam presentes, sentados em uma grande mesa na frente de todos os

alunos. No meio da mesma estava uma mulher que eu não via há muito tempo, ela era baixa,

tinha cabelos negros, usava óculos quadrados, tinha lábios carnudos e aparência severa, ela era a

proprietária do DAT, a senhora Diana Alvares Toledo, filha de Demétrio Alvares Toledo, o

fundador da escola, e curiosamente, as iniciais dela também davam dat.

-Bom dia para todos. – disse Dona Diana após tomar o microfone para si. – É de conhecimento

de todos vocês que o professor Leonardo Vladesco não estará mais conosco este ano a frente da

direção da escola, e sendo assim, eu mesma irei assumir o cargo de diretora. Dando-lhes

também as devidas boas-vindas, gostaria de lhes apresentar o novo professor de história do

ensino médio. Horácio Martins.

Um homem alto e de cabelos brancos vez uma breve saudação para nós, alunos. Ele usava um

terno preto e gravata salmão – roupas que eu até acharia válidas para um professor universitário,

mas que não caiam tão bem em um professor de ensino médio.

-Prosseguindo – disse Dona Diana – os processos disciplinares da escola continuarão os

mesmos. Espero que tenhamos o mais agradável dos anos, e é isso. A todos vocês, mais uma

vez eu digo: Bem-vindos ao DAT.

Recebemos os horários das aulas, e tínhamos história logo no primeiro tempo, uma boa

chance de conhecer o professor novo. Elizabeth, assim que saímos do auditório, me pegou pela

mão, e me arrastou até a sala tal como se eu fosse um troféu, o que foi desconfortante.

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Sentamos lado a lado, nós três, isso na primeira fileira, e Caio ficou com Bela no canto

habitual da sala, o mesmo canto que outrora vivíamos excluídos de todos, mas até que

gostávamos, mas isso foi antes de eu saber que os deuses nórdicos existiam e que o mundo

dependia de mim para continuar girando. E me lembro de Marcus também, o meu amigo corvo

– não pensem que eu andava por aí falando com uma ave, embora eu já tenha feito isso com um

certo joão-de-barro, mas é outra história –, Marcus era um corvo de Odin, por isso podia

assumir a forma humana, ele era o meu amigo-protetor, digamos assim, mas desde que me

tornei capaz de me defender, ele foi chamado de volta a Asgard. Mas ganhei Gui e Elizabeth

como novos amigos, e ainda restava Caio, embora ele fosse ficar um pouco mais distante agora.

O professor Martins entrou em sala pouco depois de o sinal ter tocado. A sua elegância era

muito visível e tinha certo ar nobre; colocou a sua pasta preta sob a mesa e disse “Bom dia”.

Todos nós retribuímos. Então ele começou a escrever no quadro, escreveu uma única frase.

“Sapere Aude!”, era a frase do quadro.

-Bom – disse o professor com uma voz grave como a de um locutor de rádio – acho que não

preciso me prolongar com apresentações, uma vez que a diretora já o fez, mas só ressaltando, o

meu nome é Horácio Martins e serei o seu professor de história a partir de hoje. Bom, o curso de

vocês foi um tanto incrementado este ano; devido às mudanças nas ultimas provas públicas, a

diretora achou por bem impor o conteúdo de Idade Média no curriculum escolar de vocês, isso

irá prepará-los para as provas que virão a fazer posteriormente.

-Professor? – disse uma garota atrás de Elizabeth.

-Sim?

-O que é essa frase estranha no quadro?

-Ah sim – disse o professor Martins que aparentemente se esquecera de comentar sobre a

estranha frase.

-É latim, não é? – perguntou Gui.

-Sim, sim, muito bem meu jovem. – disse o professor Martins. – É uma expressão em latim que

quer dizer o seguinte: Ouse saber! Eu sempre colocarei essa frase no quadro a cada aula minha,

isso porque quero estimula-los a sempre buscarem conhecimento e nunca se contentarem com

saberes médios; todos aqui tem potencial, basta apenas querer usá-lo. Além do mais, quero

mostrar a vocês que a história não é um mero acumulo de dados, antes uma forma de

compreensão do homem em diferentes épocas e lugares. E falando nisso, tenho uma boa notícia.

Abriu um novo museu na Cinelândia, e estão fazendo uma exposição sobre vikings; a diretora

me deu permissão para levá-los lá nesse sábado, eu gostaria que todos pudessem ir, pois vou

pedir um trabalho sobre o papel dos vikings na Idade Média.

Vikings, é? É só comigo ou a vida de todo mundo também é cheia de coincidências bizarras?

Mas enfim, depois dessas notificações, o professor iniciou aula falando sobre a transição da

antiguidade para o medievo. Ele tinha um domínio incrível sobre a matéria, lembrava um pouco

meu pai, quando dava uma aula sobre espartanos, aquela fora a única aula de meu pai que eu já

assistira.

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Ficamos um bom tempo entretidos com a aula do professor Martins, e até que não era uma

aula chata, factual e comum, ele conseguia despertar um interesse em nós que, bom, até as

garotas paravam de olhar para Gui e prestavam atenção na aula, no mínimo o cara tinha que ser

muito bom para isso acontecer. E ao fim da aula, por incrível que pareça, muitas pessoas quase

que imploraram para o professor Martins ficar, mas ele prometeu que na quinta-feira daria mais

uma dose de saber para nós, afinal era essa a proposta dele não é, ousar saber, e do jeito que ele

dava aula, acho pouco provável que alguém não vá querer se aventurar e se aprofundar cada vez

mais nas páginas da história, que agora nos fora mostrada de outra forma.

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Capítulo quatro

O Museu

Comparado á aula do professor Martins, o resto do dia fora muito chato. Tivemos espanhol, e

geografia, e o último tempo de biologia, saímos da escola quase uma da tarde, todos nós

morrendo de fome, mas enquanto os outros iam para suas casas para almoçarem sossegados,

Elizabeth, Gui e eu decidimos ir direto a fonte das nossas recentes preocupações: A mansão.

Diante do portão da frente ainda se encontrava a placa que dizia “Vende-se”. Aliás, tudo

estava como eu já tinha visto; o carro estava na garagem, às janelas fechadas, e um certo... clima

no ar.

-Desde quando está assim? – perguntou Gui depois de uma fracassada tentativa em que ele

tocou o interfone e ninguém respondeu.

-Desde quando eu percebi. – respondi – Isso foi depois do toró de semana passada, apesar de

que mesmo antes eu não estava tendo muito contato com eles, aliás, a última vez que eu vi Thor

foi dois dias depois do ano novo, quando ele apareceu me alarmando como sempre, disse que eu

devia estar preparado e que Iormungand era o só o início, e que Loki tinha subordinados bem

piores.

-E de fato tem. – disse Gui.

-Pior que uma cobra gigante? – colocou Elizabeth, e muito bem colocado, até por que Gui não

lutou contra o escamoso, eu sim.

-Iormungand era o filho do meio. – disse Gui.

-Como assim? – Perguntei. – Quantos filhos ele tem.

-Já falamos sobre isso. – disse Gui, com seu habitual revirar de olhos. – Mas recapitulando, são

três filhos, mais conhecidos como As três Monstruosidades. O pior deles é, certamente, o mais

velho, o Lobo Fenrir.

-Um lobo irmão de uma cobra? – Eu disse em vista do evidente contraste.

-Por isso são monstruosidades. –Disse Gui, mais uma vez como se fosse óbvio.

-Tá bom, mas não falemos disso agora. – disse Elizabeth. – Temos que ver o que vamos fazer

quanto aos nossos amigos da mansão.

-Na verdade é bem simples o que devemos fazer. –disse Gui.

-É? – perguntei. – Então me diz por que ainda não captei.

-Não podemos fazer nada, pelo menos até Loki dar o primeiro passo.

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-Como?

-Pense Dan, a própria Skuld já lhe deu a resposta. Ela disse a você que chegaria um momento

em que a paz acabaria não é?

-Isso, quando um monstro se levantar.

-Então só podemos esperar e desfrutar a paz.

-Espera um pouco – falou Elizabeth – é para gente ficar parado e esperar um ataque iminente

para só então fazer alguma coisa, é isso?

-Se você pensar bem é o que nós sempre fazemos – falou Gui – é sempre Loki quem dá o

primeiro passo e nós só revidamos.

-Podíamos variar pelo menos uma vez. –eu disse.

-Gui e seu pai... – mas Elizabeth se conteve, já que Gui não tinha a melhor das relações com seu

pai.

-Tudo bem. – disse ele, aparentemente sem nenhum rancor ou desestabilidade emocional. – Meu

pai, como vocês sabem, aparece quando quer. Esteve com a minha mãe pouco antes de eu

chegar à França, mas não ficou para me receber, ou seja, duvido muito que ele vá aparecer

agora.

-Então o jeito é esperar?

-Sim Dan, e que Die ajude.

-Esperar então...

A mansão deserta, Loki em silencio e a única coisa ao nosso alcance era poder esperar que

alguma criatura maligna tentasse nos matar, que ótimo plano esse. Eu já estava jurando para

mim mesmo, que assim que encontrasse com Thor eu iria fazê-lo engolir aquele martelo.

Mais uma vez eu estava no escuro, sem notícias, mas pelo menos agora eu tinha a Elizabeth,

ela disse que tinha me perdoado por aquilo que eu nem fiz, o incidente com a namorada do

Caio, mas enfim, estávamos bem agora, apesar de que só podíamos nos ver na escola. Mas no

que diz respeito ao resto da situação, bom as coisas ainda eram complicadas, ficar sem notícias

era chato, era estranho mas, eu meio que queria que algo acontecesse como se eu quisesse que

ação e adrenalina, um pensamento egoísta e maluco admito, mas ficar com as minhas teorias

doidas.

Na quinta, após o intervalo, pelo menos pude me distrair, já que era a aula do professor

Martins. Ele falou sobre coisas; povos germânicos e a sua chegada aos limites do Império

Romano, os contatos entre as duas culturas, coisas que se fossem dadas por outra pessoas seriam

um porre, mas claro que o Martins tinha O dom.

-Antes de dispensá-los, tenho uma ultima coisa a tratar – disse o professor Martins já no fim dos

melhores três tempos do dia. – Vou entregar a vocês as autorizações para o passeio de sábado.

Gostaria muito que todos vocês pudessem ir, e para os que puderem, estejam aqui amanhã às

dez da manhã. Tivemos realmente muita sorte, pois essa exposição ainda não está aberta ao

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público, mas quando o curador soube que era para a nossa escola ele decidiu abrir uma exceção,

e olhem que eu nem sabia que o DAT era tão conhecido. Mas enfim, tivemos muita sorte

mesmo.

Pelo menos em algo estávamos com sorte. O professor Martins distribuiu as autorizações e

depois nos dispensou, mas quando eu ia saindo ele me chamou.

-Pode me dar um minuto? –perguntou ele.

-Sim. – eu respondi, indicando para Gui e Elizabeth para que me esperassem lá fora.

-Eu não havia notado no primeiro dia, mas você é que é o filho do Almeida, não é?

-Ah, sim. Como o senhor sabe?

-Conheço o seu pai antes mesmo de ele ir para a Suécia. Nós nos formamos na mesma

faculdade, e inclusive fui eu quem conseguiu trabalho para ele na Universidade atual.

-Então o senhor foi o responsável pela nossa mudança par o Brasil?

-Pode-se dizer que sim.

(Não sei se agradeço ou bato nele).

-Puxa vida professor, papai nunca me falou disso.

-Acho que também não havia necessidade, afinal você nunca me conheceu. Bom Daniel era só

isso que eu tinha para falar, espero que possa ir ao museu no sábado.

-Estarei lá.

-Ótimo. E se você tiver metade do talento do seu pai, já me adianto em dizer que fara grandes

coisas nessa disciplina.

-Não sei se seria um bom historiador.

-Bobagem, qualquer um pode ser um bom historiador, basta ter gosto para coisa e se dedicar, e

se foi criado da forma como eu acho que foi, tenho certeza que seu pai encheu a sua cabeça com

as histórias dele.

-O senhor é um especialista em antiga como meu pai?

-Não, não. Sou medievalista, embora a antiguidade me fascine um pouco.

-A mim também.

-Então já tem um pouco do seu pai.

-É, mas como o senhor mesmo insinuou, é a influência.

-De fato. – disse ele após me dar um tapinha no ombro. – É melhor ir agora, seus amigos devem

estar esperando.

-Sim senhor. E até sábado.

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-Até.

Saber que o Martins fora o responsável por aquele telefonema que trouxe meu pai, minha mãe

e eu para o Brasil, teria me deixado com muita raiva até um certo tempo, mas com exceção de

Loki e um possível fim do mundo, o soldo até que foi positivo, bom, pelo menos a minha

Elizabeth compensava toda uma horda de monstros.

Elizabeth e Gui estavam me esperando no portão; de relance pude ver Caio e Bela se beijando

a sombra de uma arvore do outro lado da rua, mas não quis dar muita atenção, especialmente

por que não queria que uma certa pessoinha ficasse enraivecida de novo.

-O que o Martins queria? – perguntou Elizabeth assim que me juntei a ela e a Gui.

-Me contar que fora ele o autor da minha vinda para o Brasil.

-Como? – perguntou Gui, que pareceu mais do que interessado.

-Foi ele quem arrumou o emprego do meu pai aqui no Rio. – expliquei. – ou seja, é graças a ele

que eu estou aqui. É estranho, mas é graças ao Martins que eu me envolvi nessa guerra

mitológica.

-Não é por causa do Martins. – disse Gui. – É o Destino agindo através de várias coisas e

pessoas, mas falando nele, acho que não vou poder ir ao museu com vocês.

-Por que não? – perguntou Elizabeth.

-Eu não tenho quem assine a minha autorização. Já esqueceram que a minha família mora do

outro lado do Atlântico?

-Aí fica complicado. – eu disse – Mas não creio que haja alguma coisa nessa exposição que

você ainda não saiba; afinal você é especialista em mitos nórdicos.

-É talvez eu seja.

-Então nos vemos amanhã? – eu disse mais para Gui, pois queria ficar uns momentos a mais e a

sós com Elizabeth.

-Até então. –disse Gui, que rapidamente entendeu o meu recado, então se despediu e se foi.

Elizabeth e eu ficamos um pouco juntos, como nunca ficamos a semana inteira, e pela

primeira vez tínhamos um tempo para nós, como dois adolescentes, como dois amigos, como

dois namorados...

Tive sonhos estranhos naquela noite. A princípio eu estava com Elizabeth admirando o pôr-do-

sol, até aí tudo bem, mas depois eu me vi num lugar totalmente estranho. Era mal iluminado e

cheirava a mofo, estava repleto de cacarecos que iam desde jarros antigos a estatuas de gente

que já morreu há séculos, em resumo eu estava no que parecia ser um antiquário velho e

malcheiroso.

A minha visão estava um pouco turva, mas ainda podia distinguir as coisas. Vi a luz fraca de

um lampião e fui em direção dela, então ouvi vozes, e eram até que familiares.

-Nesta segunda? Tem certeza? – Perguntou uma voz de homem, ele parecia ansioso.

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-Absoluta. – disse outra voz de homem. – Só os deuses sabem o quanto foi difícil encontrá-lo,

mas enfim já o estão trazendo para cá.

-Ótimo. – disse o primeiro homem. – O senhor Loki ficará muito satisfeito, mas ainda vai faltar

a outra face da moeda.

-Sim – concordou o segundo homem – e como não sabemos para onde foi mandado, será difícil

recuperá-lo.

-Especialmente com os deuses vigiando cada entrada e saída e Midgard.

-Mas o senhor Loki é astuto, e garanto que encontrará uma maneira, pode apostar nisso Hagen.

-Assim espero. – disse o primeiro homem, que agora eu sabia que era Hagen, o assassino de

meu antepassado Siegfried, e que também quase me matara várias vezes no último mês. – E

quanto ao outro?

-Os gêmeos disseram que vão ficar com ele por enquanto, pelo menos até o senhor Loki decidir

o que fazer.

-Eu francamente não entendo o porquê de deixá-lo vivo, por que os gêmeos não o matam logo?

-Por que o senhor Loki tem planos para ele.

-E por que você sabe de mais coisas do que eu Dvalinn?

-Uma coisinha ou outra Hagen, só isso, além do mais eu estou com o senhor Loki há mais

tempo, e já conheço o seus métodos.

-Mas ele confia em mim!

-Sim, sem dúvida. Você é o único humano que ele libertou do Submundo, isso por que terá um

papel muito importante a cumprir.

-Sim, eu matarei o garoto.

-Tudo há seu tempo Hagen, tudo há seu tempo.

A luz do lampião foi ficando cada vez mais fraca então tudo ficou escuro, até que outra luz

surgiu, era quente e queimava o meu rosto. Quando acordei vi que a luz do sol entrava pela

minha janela, o meio despertador matinal de verão, então me levantei, e fui me preparar para

mais um dia de aula.

Já na escola, contei a Gui e a Elizabeth o sonho que tive, e após eles me avaliarem por

segundos intermináveis, finalmente Gui falou algo.

-Você sabe que isso não foi um sonho, não é?

-Já aconteceu antes. – disse Elizabeth.

-Sim. – confirmei. – isso é coisa das Nornas, de Verdandi, acho. Parecia uma cena que estava

acontecendo naquele momento, enquanto eu dormia.

-O mais importante agora é saber o que vai chegar nessa segunda-feira. – disse Gui.

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-Talvez seja alguma arma nova que Dvalinn fez para Loki – eu chutei – afinal, ele não é o

mestre dos ferreiros dele?

-Acho que não é isso. – disse Gui. – Você falou que Dvalinn disse que teve dificuldade em

encontrar a tal coisa, então não deve ser algo que ele fez. E você também mencionou algo sobre

uma segunda face da moeda, é isso?

-Sim, foi o que eu ouvi Hagen falar, acho que era sobre outra coisa que eles precisam, mas que

não fazem ideia de onde está.

-E quanto aos tais gêmeos? – disse Elizabeth. – Onde eles entrariam nisso tudo?

-Pelo que pude entender esses tais gêmeos estão com alguém – eu disse –, e esse alguém, se

dependesse de Hagen, já estaria morto há tempos, mas parece que Loki tem planos para esse

alguém.

-Então eles têm um refém. –disse Elizabeth.

-Sim – eu falei – Thor me disse uma vez que Loki gostava de fazer reféns, só nos resta saber

quem é.

-Já temos muita coisa para pensar, e mais essa agora, sem falar da profecia de Skuld. –lembrou

Elizabeth.

-Eu vou aproveitar que não vou ao Museu amanhã e vou investigar umas coisas, dentre elas a

súbita saída de Thor e Hilda da vizinhança.

-E o que você vai fazer? –perguntou Elizabeth.

-Ainda não sei, mas se tenho que começar por algum lugar, certamente será a mansão. Nem

mesmo que eu tenha que invadi-la.

-Thor não havia colocado uma proteção sobre a casa? –lembrei.

-Sim, mas só para os inimigos. –disse Gui. –Até por que, nós sempre entramos e saímos de lá

normalmente.

-Então vai invadir a casa de Thor?

-Sim, Dan, se for preciso.

Esse plano não era dos melhores, mas se Gui conseguisse entrar na mansão e descobrir algo

valeria mais do que a pena. Até por que não podíamos fazer mais nada.

Como se já não bastasse à ansiedade e a insegurança com tudo o que estava acontecendo

ultimamente, os quatro tempos seguidos de química quase que arrancaram as nossas peles e

mentes, e logo depois, mais três tempos de matemática. Sem dúvida nenhuma, a sexta-feira era

o dia mais chato e exaustivo da semana.

Depois de um dia chato na escola e uma tarde quente, anoite até que não foi das piores.

Choveu um pouco depois do jantar, desta vez deu para refrescar, e conta disso eu até fui dormir

mais cedo. E como se já não tivesse sido suficiente na noite anterior, eu tive outro sonho-visão.

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O lugar que eu via era um cais, haviam muitos homens uniformizados, levando equipamentos

e caixas enormes para dentro de um grande navio. O clima era tão gélido que eu tive certeza de

que não era o Brasil, havia até neve, algum país do Hemisfério Norte, pois ainda era inverno lá.

Uma última caixa de madeira do tamanho de uma geladeira estava sendo embarcada do navio.

-Essa última não vai com as outras – disse um dos homens – ela tem outro destino.

-E para onde vai? –Perguntou outro homem, que, aliás, falava em sueco, na verdade todos eram

suecos, eu estava vendo a minha terra natal.

-Rio de Janeiro, Brasil. – respondeu o primeiro homem. –Tem que estar lá até segunda.

Segunda? Seria isso a que Hagen e Dvalinn estavam se referindo? Mas o que estava naquela

caixa? Fosse o que fosse eu ainda não saberia, pois mais uma vez o meu sonho mudou.

Eu estava em uma espécie de floresta enevoada, as arvores pareciam mortas, uma cena típica

de um filme de terror. Eu via uma gruta à frente que parecia até a boca de uma fera. Foi só eu

olhar para a entrada que num passe de mágica eu me vi dentro da caverna. Era muito úmida e o

chão estava encharcado de água fria, mais para o fundo eu podia ouvir sons de luta; uma espada

golpeando algo, rugidos de fera e gritos humanos.

-VOCE MATOU O MEU FILHO! – Vociferava uma voz de mulher.

-Você será a próxima, bruxa! – Gritou uma voz de homem, e após um último grito de mulher,

tudo ficou em silêncio.

Depois de um tempo, segundos talvez, ouvi passos na água, alguém vinha vindo do lugar de

onde antes podia se ouvir uma luta feroz, mas quem ganhara? Aparentemente era uma mãe

querendo vingar a morte de seu filho, apesar de eu ser contra a vingança, esse é um pensamento

até que aceitável na mente de uma mãe desesperada e sem qualquer instrução.

Um homem estava se aproximando, e ao que parecia fora a mãe quem levara a pior, mas o

homem não estava tão bem assim, suas roupas de couro e pele de animal estavam rasgadas, ele

tinha sinais de arranhões e outros ferimentos de alguém que lutou contra um urso ou uma fera

pior; o guerreiro cambaleava um pouco, parecia que ia cair morto a qualquer momento, mas

permaneceu firme. Ele passou por mim, mas sequer me reparou, como se eu não existisse, e de

fato não existia, ali. Pude olhar rapidamente para o rosto dele, estava com um grande corte na

bochecha que sangrava muito, mas apesar disso pude ver que ele era jovem, seus olhos verdes

se destacavam em meio ao rosto ensanguentado; os seus cabelos negros estavam com respingos

de sangue e ele parecia mancar também. Ele saiu da caverna e eu o segui, lá fora, um homem

ruivo, alto e robusto o aguardava, estava com dois cavalos, um devia ser dele e o outro do

guerreiro ferido.

-Beowulf! – disse o homem ruivo em espanto assim que o guerreiro saiu da caverna, então ele

correu em sua direção e o segurou antes que ele caísse. – O que aconteceu? Você a matou?

-Está morta. – respondeu Beowulf com uma voz fraca. – Hrotgar pode festejar novamente, a sua

maldição acabou.

-Grande Odin... não, Grande Beowulf, o matador de monstros!

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Beowulf deu um sorriso e depois o sonho se desfez como uma névoa ao vento, então acordei

com o barulho do meu despertador. A manhã do passeio havia chegado, era sábado e não estava

tão quente como de costume; fui me arrumar, tomei café – tive que comer mais torradas, meu

pais não tinham o hábito de acordar cedo aos sábados – então fui para o ponto de encontro: a

escola.

Cheguei ao DAT em cima da hora, o professor Martins estava lá, já colocando os alunos para

dentro do ónibus. Martin estava elegante como de costume, usava um terno cinza e gravata azul

claro.

-Ah, Daniel que bom que veio, achei que ia perder essa oportunidade. – disse ele assim que

cheguei a porta do ónibus, aparentemente eles já estavam quase saindo.

-Desculpe senhor, dormi mais do que a cama.

-Tudo bem, chegou a tempo, pode entrar.

Então entrei no ónibus, ele estava cheio, parecia que toda a turma estava lá, todos menos Gui,

fiquei imaginando se ele já tinha ido até a mansão. Avistei Elizabeth logo na frente, também vi

Caio lá no fundão, ele estava com Bela, ambos pareciam dois cachorros prestes a namorar, que

bom que Elizabeth quis sentar na frente – como se tivesse sido por acaso.

-Que demora hein. – disse ela quando me sentei ao seu lado.

-Não me dá nem bom-dia?

-Desculpa. Bom dia. – disse ela e depois me beijou. –Dormiu demais, não foi?

-Um pouco. As Nornas de novo.

-Outro sonho?

-Sim, dois.

-Como foi?

Contei para ela os dois sonhos, mas a atenção dela se voltou mais para o primeiro.

-Essa caixa então é o que eles estão esperando para esta segunda-feira?

-Possivelmente, senão aos Nornas não teriam me mostrado. E seja o que for, vem lá da Suécia.

-Deve então ser mesmo uma arma.

-Talvez, mas seja o que for é grande e Loki quer muito. Mas o que me intriga mais é o segundo

sonho.

-Ah o do cara de nome engraçado.

-Beowulf.

-Esse. Eu acho que já ouvi o nome em algum lugar.

-Eu também, mas não consigo me lembrar.

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-Por que as Nornas te enviariam um sonho assim?

-Já aconteceu antes, isso foi uma visão do passado. Certa vez eu vi Hagen matando Siegfried, e

pelas roupas e ambiente, o que eu vi com certeza aconteceu durante a era viking.

-Então só resta mesmo saber o porquê de te mandarem isso.

-Da última vez foi por que Hagen estava perto, só fico imaginando agora o que esse Beowulf

tem a ver comigo.

Não pude pensar muito, afinal a Cinelândia não fica tão longe assim. Chegamos ao museu

bem rápido. O ónibus estacionou em frente ao museu, então o professor nos disse para

descermos e esperar na frente, então assim fizemos.

O museu era um grande casarão velho antigo, com portas que pareciam ser feitas de bronze,

haviam duas estátuas de leões na frente, como se fosse guardiãs do lugar, e eram assustadoras,

parecia até que ganhariam vida a qualquer momento.

-A sua atenção, por favor. – disse o professor Martins, e no mesmo instante todos olharam para

ele. – Existem algumas regras básicas que devem ser seguidas, a mais importante é que vocês

não toquem em nada, embora o museu ainda seja novo e não hajam tantas peças a mostra, terão

que ter o mesmo cuidado que teriam se estivessem no Louvre. Fui claro?

-Sim, senhor. – Dissemos todos em uníssono.

Martins foi na frente, seguido por uma multidão de alunos. Passamos pelos portões de bronze

e marchamos rumo ao hall, o lugar cheirava a velho, a mofo, podia-se ver certas infiltrações nas

paredes, o chão pelo menos estava encerado bem lustroso, haviam algumas peças em exposição

logo de cara; vasos antigos, aparentemente gregos, algumas armas antigas, machados, lanças e

espadas.

Ninguém veio nos receber, não havia nenhuma recepcionista, aliás, não havia uma viva alma

ali, e só completando, era muito quente lá dentro, atribua isso ao mofo e fica algo insuportável.

-Estranho – disse o professor Martins mais para si mesmo do que para qualquer outro. – O

curador tinha dito que...

-Professor. – saudou uma voz ao fundo da sala, vindo do nada.

-Doutor Lobo! –disse Martins. –Achei que não apareceria.

Então o tal de doutor Lobo veio em nossa direção, ele usava um terno preto e gravada laranja,

tinha óculos redondos que refletiam a luz, o que tornava difícil de ver os seus olhos; a sua pele

era muito pálida e os cabelos vermelhos, muito vermelhos mesmo, e também um pouco

despenteados, no todo ele era uma figura excêntrica.

-Eu jamais deixaria alunos com sede de conhecimento na mão. – disse Lobo, que agora mais de

perto parecia ser bem jovem, pelo menos não é alguém que eu imaginaria como curador de um

museu.

-Então está tudo certo? – perguntou Martins. – Eu não vi nenhum guia.

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-É que ainda não contratamos ninguém para essa função. –respondeu o doutor Lobo. – Como

você sabe, somos uma equipe pequena e nova, muito nova, ainda estamos buscando

funcionários. Mas não precisa se preocupar, pois eu mesmo irei guiá-los, afinal, os vikings são a

minha especialidade.

Então todos seguimos o curador até uma ampla sala, esta já não cheirava tão mal, embora

ainda continuasse muito quente. A sala era ornamentada com várias peças escandinavas que iam

desde armas a instrumentos musicais. Haviam várias peles de animais envoltas em manequins

trajando roupas de guerra viking e bem mais para frente, uma espécie de galeria de quadros,

com algumas representações épicas. Próximo aos quadros havia uma estátua de uns seis metros

de altura, representando o deus Odin.

-Todos aqui, por favor. –disse o curador indicando um ponto em que nós ficaríamos a sua frente

e ele de costas para os quadros.

Ele passou uns vinte minutos falando sobre a construção da cultura viking, as migrações, os

encontros com os romanos, saques e outras coisas que deram sono em todo mundo, depois da

aula do Martins qualquer outra aula de história era monótona.

Alguém só demonstrou certo interesse depois que a palavra mitologia fora mencionada.

-Este é Odin – disse o curador indicando a estátua a nossa frente –, ele é a divindade chefe do

panteão nórdico, algumas das pinturas atrás de mim representam outros dos deuses nórdicos,

alguns deles são filhos de Odin, tais como Balder, o deus da beleza. – ele indicou uma pintura

de um homem com aspecto angelical e longos cabelos loiros. – E também temos Thor, o deus

do trovão. – então vimos outra pintura, a de um homem prateado com um elmo com asas e

segurando um martelo que emanava faíscas enquanto seus cabelos ruivos estavam espalhados

pela figura.

-Até que está parecido. – eu falei meio que sem perceber.

-Parecido? – disse alguém atrás de mim, então virei-me e vi que era Bela, Caio parecia que não

ouvira. – E por acaso você o conhece pessoalmente?

-Eu? Claro que não, por que acha isso?

-Relaxa to só brincando contigo, não leve as coisas a sério.

-Ah sim, desculpe. – então senti alguém segurando bem forte a minha mão.

-Algum problema? – perguntou Elizabeth, ela estava com aquela cara.

-Nenhum – respondeu Bela com um risinho, nisso voltou a se agarrar com Caio.

Elizabeth ficou me olhando cara feia, mas francamente eu não sabia de onde vinha tanto ciúme,

e por que ela era tão implicante com a Bela. Eu só tinha olhos para ela, então por que ser tão

ciumenta?

-... Miolnir era, depois da lança de Odin, a arma mais poderosa de todas, e não havia

praticamente nada que ela não pudesse destruir. – dizia o curador. – Thor é um dos deuses

nórdicos mais famosos de toda a mitologia escandinava...

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O curador continuou o seu discurso, falou sobre outros deuses e deusas nórdicos, alguns eu até

conhecia pessoalmente. Enfim, ele se voltou para o maior quadro da galeria, este parecia retratar

uma guerra, na verdade era um caos total. Deuses e deusas lutando contra monstros alados e

terrestres, pude reconhecer a odiosa serpente que envolvia a maior parte do quadro, na tentativa

de devorar o céu, era Iormungand, a serpente de Midgard. Aparentemente os deuses estavam

sendo massacrados e os monstros saindo vitoriosos. No topo do quadro, próximo a cabeça de

Iormungand, estavam o sol e a lua quase que lado a lado, e ambos pareciam estar sendo

devorados cada um por um lobo; Odin também estava péssimo, e também parecia estar sendo

comido por outro lobo, só que esse era muito maior e bem mais assustador, tinha o pelo negro e

os olhos escarlates, era assustador.

-Essa pintura –recomeçou o curador –é uma representação do que os nórdicos chamavam de

Ragnarok, ou seja, o fim de todas as coisas, quando até os deuses desapareceriam.

-Com licença – disse uma garota ao fundo. – aquele cachorrão esta comendo alguém?

O curador não respondeu de imediato, mas olhou para a pintura e depois sorriu par nós todos.

-Não é um cachorro – disse o curador gentilmente – trata-se apenas da morte de Odin, ou como

alguns chamam, “O dia da Vingança do Lobo Fenrir”. Na verdade, este seria um dos

acontecimentos do Ragnarok, o deus Odin seria devorado pelo Lobo Fenrir, que o filho mais

velho do deus Loki, que fora banido do mundo dos deuses e por isso reuniu todo o mal consigo

a fim de destruir toda a existência. Essa era a forma que os vikings deram a sua ideia de

apocalipse; e assim como Fenrir devoraria Odin, o sol e a lua também tem os seus próprios

algozes, os lobos gêmeos, filhos de Fenrir, Skóll, o devorador do sol e Hati, o devorador da lua.

Uma ideologia interessante, uma vez que se o sol ilumina o dia e a lua a noite, se os dois

sumirem o mundo inteiro mergulhará no frio e na escuridão.

Foi só então que a minha ficha caiu, Hagen falou alguma coisa sobre gêmeos, então será que

seriam os mesmos... ?

O doutor Lobo continuou a falar por mais um tempo enquanto o calor nos consumia, e eu só

matutando coisas e mais coisas, que na verdade não faziam diferença nenhuma pensar agora.

Olhei para o lado e vi que Elizabeth não parecia bem, estava suando frio.

-Você tá bem? –perguntei, embora fosse óbvio que ela não estava.

-Acho que não. – respondeu ela, a voz fraca. – Deve ser o calor.

Ver Elizabeth mal consegui me tirar de qualquer pensamento nebuloso. Chamei pelo professor

e na mesma hora todos olharam para mim.

-Ela está mal senhor. –eu disse e no mesmo instante, Martins veio para perto e colocou a mão na

testa dela.

-É verdade, ela não parece nada bem. –disse o professor.

-Não estou tão mal, é só esse calor. –dizia ela, a voz ainda muito fraca.

-A minha sala é mais fresca do que aqui –disse o curador –e também tenho alguns antitérmicos

e analgésicos, se for o caso.

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-Elizabeth? – disse Martins.

-Tudo bem professor, acho que um comprimido basta. – respondeu ela.

-Deixe-me levá-la. –falou o curador.

-Certo, mas eu vou junto. – disse Martins antes mesmo que eu pudesse falar esta mesma frase. –

Daniel, eu sei que você gostaria de acompanhá-la, mas talvez seja melhor ficar aqui com os

outros; garanta que ninguém toque em nada.

Ele me deu um tapinha no ombro e saiu com Elizabeth e o doutor Lobo em direção a um

corredor à direita. Nem preciso dizer que ninguém ficou comportado, mas eu era quem estava

super preocupado, só pelo fato de saber que a minha namorada estava mal e eu fora proibido de

ficar com ela.

O ambiente até que deu uma aliviada, não estava mais tão quente, parece até que foi só a

Elizabeth sair. O pessoal ficou espalhado pelo museu, ou vendo as peças de perto ou fofocando

por aí. Caio e Bela se afastaram dos demais, entraram por um corredor e eu os perdi de vista, e

acho que seria bem desagradável se eles levassem alguma advertência por fazerem o que não

devem, então fui atrás deles. Eu me perdi (muito óbvio). Entrei por alguns corredores e nada de

encontrá-los, então pensei ter ouvido alguns ruídos numa sala no final do corredor, então fui até

lá. Ao entrar na sala notei que estava absurdamente frio, tanto que o chão começava a gelar,

literalmente, como naquela vez em que aquele pássaro de gelo quase me transformou em picolé.

Uma névoa se formou na minha frente e por fim o chão explodiu em cacos de gelo, eu até cai

para trás. Quando me levantei vi a criatura mais feia que já vira na vida. Ele devia ter uns três

metros de altura; peludo em todo o corpo, uma enorme camada de pelos negros revestia-lhe o

corpo com exceção da face; seu rosto era uma mistura de animal com homem, era algo horrível,

e os olhos eram amarelos, as íris pareciam meias-luas.

-Estava demorando. – eu disse e logo retirei o meu anel do dedo e assim que o fiz, ele se

transformou em Balmung, a minha espada prateada. – Você deve ser o monstro que eu estava

esperando, não é?

Mas a criatura não respondeu, só ficou rosnando como um leão faminto, mostrando as suas

presas e garras douradas, até que resolveu avançar; correu em minha direção como um raio

negro e por pouco não me atinge, saltei para o lado e cravei Balmung na perna esquerda dele.

No mesmo instante o mostro se revoltou e explodiu em fúria, e deu um golpe tão forte em mim

que tanto eu quanto Balmung fomos arremessados para o outro lado da sala. O bichão veio

correndo de novo, mantendo a mesma velocidade de antes, o ferimento que eu dei não fora tão

profundo assim. Eu tinha que ir para o ataque, e podia sentir que Balmung queria o mesmo (sim,

minha espada tem mente própria).

Esquivei da primeira patada e consegui fazer um corte no braço do bicho, o sangue negro dele

espirrou no chão, mas a segunda patada me acertou em cheio, voei contra a parede de novo, e

desta vez fiquei quase inconsciente, beirando entre a realidade e a... não-realidade? Enfim, ainda

conseguia ouvir sons distantes, e nisso pude ouvir barulhos de estalos, gritos de animal e depois

alguém me chamando.

-Que foi? – eu disse quando senti que a minha cabeça doía menos.

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-Mon Die! Olhe só parra você!

-Gui? – perguntei embora aquela voz e sotaque fossem inconfundíveis.

-Sim, sou eu, vim assim que pude. Cadê a Elizabeth?

-Ela se sentiu mal e o Martins a levou para tomar um comprimido. Mas e você? O que está

fazendo aqui?

-Em primeiro lugar, salvando a sua vida, e em segundo, vim buscar vocês dois.

-Como assim? Cadê o feioso?

-Fugiu, simplesmente desapareceu. Esse devia ser o monstro do qual Skuld estava falando.

-Sem dúvida. – eu disse, recolhendo minha espada e a colocando no meu dedo. – Agora a nossa

paz vai acabar né?

-Se a profecia estiver certa, sim.

-Mas por que exatamente você veio aqui? Não ia à mansão?

-Eu fui.

-E então?

-Estava vazia.

-Como?

-Dan, as coisas são bem piores do que imaginávamos.

-O que houve?

-Vou deixar Hilda explicar quando voltarmos à mansão, mas agora precisamos pegar Elizabeth

e sair logo desse lugar.

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Capítulo Cinco

O deus desaparecido

Voltamos para a sala de mitologia nórdica o mais rápido que pudemos. Todos ainda estavam

lá, e por sorte, Martins estava retornando naquele exato momento com Elizabeth e o curador.

-Ela está ali. – eu disse para Gui, então ele começou a ir na direção deles, mas eu o impedi.

-O que foi?

-Temos que pensar em algo. – respondi – Não podemos tirar Elizabeth assim daqui, e muito

menos se ela estiver passando mal. Estamos em um passeio escolar, o Martins não vai permitir.

-Dan, é uma questão de extrema urgência, e até parece que nunca fizemos nada inusitado.

-E será que você poderia me dizer qual é essa urgência?

-Agora não! Vamos a Elizabeth.

Claramente ele não me escutou e muito menos me disse o que estava errado. Mas de qualquer

forma eu iria descobrir. Gui chegou perto de onde Elizabeth estava; eu achei que ele ia mostrar

o arco e ameaçar o Martins, mas não era algo que o filho do deus do amor faria.

-Bonju professeur. – saudou Gui gentilmente.

-Gui? – disse Martins – Achei que você não poderia vir hoje.

-Só vim para pegar Elizabeth –respondeu Gui, a sua voz soava persuasiva – o senhor deve ter

percebido que ela não está bem.

-Sim, mas ela já está melhor, não é?

-Sim, senhor. –respondeu ela. –Gui, Dan, o que houve?

-Venha conosco – disse Gui – você ainda não parece muito bem, talvez a nossa amiga lá da

mansão possa te ajudar. Dan e eu estávamos indo para lá agora mesmo.

-A mansão? –disse Elizabeth, já formulando tudo na mente. –Talvez vocês tenham razão, eu

ainda não estou totalmente boa, é melhor eu ir com vocês.

-Um momento. –disse Martins aumentando razoavelmente a voz. –Daniel e Elizabeth estão sob

a minha responsabilidade, e não poderão sair, Gui, eu sinto muito.

-Vamos lá, professeur, eles têm que vir comigo, não haverá problema, não é?

-Acho que não –disse Martins, vencido pelo carisma persuasivo de Gui. –É, não haverá

problema nenhum, com certeza não.

Estávamos prestes a sair quando...

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-Vai deixá-los ir assim professor? –disse o curador, e no mesmo instante Martins pareceu sair

do transe.

-Sair? Não, de jeito nenhum. – falou Martins.

-Mas o senhor acabou de dizer que sim –tornou a dizer Gui com a mesma persuasão de antes –

vamos lá, deixe.

-Está bem, podem ir. –disse Martins, mais uma vez cedendo a habilidade de Gui.

-Mercy.

Saímos dali quase que correndo, antes que o curador pudesse abrir a boca e estragasse tudo de

novo, e por falar nele, eu quase que podia sentir o seu olhar nos acompanhando, a sensação era

como se um atiçador em brasa tocasse a minha pele, antes de sair dei uma olhada para trás e

podia jurar que o doutor Lobo nos fitava com olhos que pareciam fogo puro.

Levamos menos de meia hora para voltar para Urca, e no caminho eu perguntei a Elizabeth o

que exatamente aconteceu com ela, e ele me disse que simplesmente começou a se sentir mal,

mas assim que chegou ao escritório do doutor Lobo, o mal-estar passou.

-Assim do nada? –perguntei quando já subíamos a ladeira que dava para mansão. –O seu mal-

estar simplesmente passou?

-É, já disse que sim. –respondeu ela. –Mas por que ainda isso Dan? Temos coisas mais urgentes.

-Eu quase fui morto por um monstrengo e você tá me dando bronca?

-Não é isso –disse ela –é só que realmente temos coisas importantes, e aliás, quando que não

somos atacados por monstrengos?

-Eu sei, mas você poderia ao menos ter ficado preocupada comigo.

-Quem disse que eu não fiquei? Aposto que deve ter sido a sua amiguinha Bela.

-De novo com isso?

-Eu já disse mais de mil vezes que não tenho interesse por essa garota!

-Querem parar vocês dois! – vociferou Gui, e na mesma hora paramos. Estávamos diante do

portão da frente da mansão, ele estava aberto, não havia placa de “vende-se” e a casa parecia

mais viva.

Cruzamos o jardim e entramos na casa, a porta estava aberta, o hall de entrada estava vazio,

então Gui nos guiou para a sala da lareira, coisa incomum nas casas brasileiras, mas a mansão

fora construída no estilo europeu. A sala da lareira estava normal, as poltronas estavam

dispostas no centro próximas a uma mesa de mogno, a lareira estava apagada e o mais

importante, havia alguém sentado numa das poltronas, ele sorriu assim que entramos, era

homem alto, pele quase tão clara quanto a minha, e cabelos castanhos e olhos azuis, eu nunca o

tinha visto antes.

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-Bom dia – disse o homem com um sotaque que eu tinha certeza ser dinamarquês. – Acho que é

assim que se diz nesse país, não é?

-Quem é você? – perguntei.

-Me desculpem, eu ainda não me apresentei a você, descendente de Siegfried e nem a essa

jovem encantadora. Muito prazer, eu sou Viggo Von Wegner, recém-chegado do Norte.

Demorei alguns segundos antes de falar novamente, tentei intender certas coisas. Gui chega

todo eufórico lá no museu (tá ele salvou a minha vida, coisa e tal), diz que estamos com uma

emergência nas mãos, até aí tudo certo, mas quem é o sujeito cuja cara já não me agradou logo

de início? E por que ele me lembrava Gui meio que vagamente?

-Desculpe – eu disse ao homem – mas quem é mesmo o senhor?

-Não precisa de tanta formalidade – disse ele – pode me chamar de Vig.

-Tá... Vig, mas quem é exatamente você? –Perguntei novamente; não sabia o porquê, mas

estava muito desconfiado.

-Ele é outro semideus. – disse uma voz vinda detrás de nós.

Ela se aproximou de nós com a sua bengala, usava casaco de pele, parecia exausta, seus

cabelos cor de bronze estavam com mais fios brancos do que nunca, ao que parecia, a sua

aparência humana estava desgastada, ela vinha acompanhada por um garoto negro, usando calça

jeans e camisa branca.

-Hilda, Marcus. – eu disse ao vê-los; logo fui em sua direção e notei que os dois pareciam

cansados. – O que está acontecendo?

-Eles estão exaustos da viagem. – disse Viggo.

-Que viagem? – perguntou Elizabeth.

-Percorrermos mais mundos do que minhas forças aguentaram. – disse Hilda. – E tudo para

nada, não o encontramos e nem ao martelo.

-Que martelo? – perguntei. – O Miolnir? Cadê o Thor?

-Dan – disse Hilda calmamente, mas ainda sim se podia ver um ar de preocupação nela – Thor

está desaparecido.

Levei cinco segundos para computar isso.

-Como? Thor sumido? Que história é essa?

-Achamos que foi ele Dan. – disse Marcus. – O deus decaído.

-Loki! –eu disse, mas sem entender a situação. –Estão dizendo que Loki sumiu com Thor?

-É o que parece. –disse Viggo – Já faz uma semana que ninguém sabe do deus do trovão.

-Hilda – eu disse, ignorando totalmente a Viggo –explica isso melhor.

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Ela se sentou numa das poltronas com a ajuda de Marcus, e só depois olhou para cada um de

nós.

-Ele esteve aqui, na semana passada –disse Hilda –, ele, o deus do fogo.

-Loki apareceu aqui? –eu falei quase que em berro.

-Deixe-a falar Dan. –disse Elizabeth.

-Desculpe Hilda, prossiga.

-O deus do fogo veio do nada e apareceu aqui no portão, devido a barreira, ele não podia entrar,

mas sabia que o senhor Thor não iria deixar que ele fugisse outra vez. Loki queria isso, usou a si

próprio como isca. Então ele fugi para as nuvens e o senhor Thor o seguiu, e ambos travaram

uma luta nos céus, os dois assumiram as suas formas divinas e lutaram; os céus e a terra

sentiram os abalos da luta dos dois naquela noite.

-Espera um pouco – eu disse – quer dizer que aquela tempestade da semana passada foi...

-Sim Dan – disse Hilda confirmando algo que eu somente suspeitava – aquela chuva tão

violenta é o resultado da luta de dois deuses.

-Eu sabia que tinha o dedo de Loki nisso. – eu disse, provando para mim mesmo e para os

outros que eu não era tão paranoico assim. – Mas o que houve depois.

-Não sei. – respondeu Hilda. – A chuva simplesmente parou, e o senhor Thor não retornou e

ninguém em Asgard sabe dele. Passei os últimos dias procurando, mas nada encontrei.

-Por que você falou do martelo Hilda? – perguntou Elizabeth.

-O Miolnir é a maior arma de Thor – explicou Hilda – mas também é o seu ponto fraco, uma

vez tirado dele, o deus trovão perderia a sua força, se tornando um alvo fácil. Se o deus decaído

o derrotou, com certeza foi por que tirou o martelo de Thor.

-Relaxe Hilda. – disse Viggo – Eu não creio que Loki tenha obtido o martelo, senão já teria feito

questão de mostrar o seu novo poder.

-É, você tem razão Vig – disse Hilda –, aliás, que bom que pode vir para cá assim tão de pressa.

-Um chamado de Asgard é sempre uma urgência, e como um filho dos deuses é meu dever

honrar esse chamado.

-Você é mesmo um semideus? – perguntei.

-Sim – respondeu Viggo – e parente de Gui também, primos, na verdade.

-Primos? – duvidei.

-Sim Dan – disse Gui – Vig é filho da irmã do meu pai.

-Vou me apresentar mais formalmente – disse Viggo – sou Viggo Von Wegner, filho de Freya,

a deusa do amor. E estou a seu inteiro dispor, Daniel Wulsung, descendente de Siegfried.

-Me chame de Dan mesmo que tá muito bom, Vig.

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-Como desejar, Dan.

Hilda deu um suspiro de exaustão, então me voltei para ela.

-Você parece muito fraca, o que ouve? – perguntei.

-Viajar entre os Nove Mundos não é coisa para se fazer a cada dia, pelo menos não para uma

Valquíria. – respondeu ela dando um sorriso forçado e fraco.

-Nove Mundos? – disse Elizabeth.

-Sim – disse Viggo – é como o Universo está dividido; Nove Mundos, sendo um deles Midgard,

o reino humano em que estamos agora.

-Procuramos o senhor Thor por quase todos os mundos. – disse Marcus – mas se nem os deuses

conseguiram encontrá-lo, não seríamos nós a fazê-lo.

-Eu vou achá-lo! – eu disse num súbito ímpeto de coragem, ignorando totalmente que quase

morri a menos de uma hora

-Dan, acho que a situação é bem mais complexa – disse Elizabeth – não podemos faze nada sem

um plano.

-Mas...

-Ela está certa Dan – disse Gui – se Thor sumiu, assim como Miolnir, temos mesmo que bolar

um plano eficaz e meticuloso, muito meticuloso.

-Tá, isso eu entendo – eu disse – mas temos que ser rápidos, antes que ele o encontre.

-Está falando do martelo? – perguntou Elizabeth.

-Sim e do meu sonho também.

-Que sonho? – perguntou Hilda, então toda a atenção se voltou para mim na sala.

-Tive umas visões, na verdade, coisa das Nornas. Vi Hagen e Dvalinn conversando, falavam

sobre algo que ainda precisava ser encontrado, e acho que é o Miolnir.

-Como pode ter tanta certeza? – perguntou Viggo.

-Skuld. – eu disse – Ela me falou de uma relíquia que devia ser recuperada, e acho que está

claro agora que é o Miolnir, mas... Também temos que encontrar o Thor e, também tem o Loki,

precisamos saber o que ele... Ah já estou confuso.

-E confundindo a todos nós no processo. – disse Gui.

-Eu não sei quanto ao plano –eu disse –mas sei quanto à ação. Thor está em apuros, e eu vou

ajudá-lo, acho que devo isso a ele, depois dos apuros que ele já nos livrou, devemos isso a ele. –

então me virei para meus amigos. –Vocês estão comigo?

-Sim – respondeu Elizabeth, depois segurou a minha mão.

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-Você não tem um plano, nem sequer sabe por onde começar – disse Gui –, o que é bem típico

de você Dan. Claro que eu estou você, afinal, querendo ou não, você é o nosso líder.

-Eu também estou com você amigo. – disse Marcus, devo dizer que para a minha surpresa.

Eu e meus amigos ficamos num grupo, olhando para Hilda, que permanecia exausta e

pensativa na poltrona, e olhando para Viggo, que tinha uma expressão de sarcasmo e seriedade.

-Vocês não podem agir assim – disse Viggo – é loucura fazer qualquer coisa nessa situação sem

pensar antes, seria como dar um tiro no escuro. Foi essa atitude que levou Thor a situação em

que ele está agora. Foi essa mesma cabeça dura que o levou a um confronto desnecessário com

Loki.

-Você não conhece Thor – eu disse – ele não é como a mitologia diz, não é um deus bárbaro e

arruaceiro, talvez seja um pouco egoísta e me tire dos nervos de vez em quando, mas ainda sim

ele é um guerreiro honrado. Ele percebeu a presença de Loki aqui e iniciou a luta apenas para

tentar acabar com a guerra logo no inicio, ele tentou impedir que pessoas inocentes fossem

pegas no fogo cruzado. O que você chama de precipitação e “cabeça dura”, eu chamo de

coragem.

Fez-se um silencio por alguns minutos. Até que Viggo sorriu e me fitou com, sei lá, espanto.

-Você é –começou ele –um rapaz interessante, é de fato um Homem de Thor. É bem leal a ele.

-Apenas sei reconhecer valor e honra quando vejo. –eu disse, nisso percebi que Gui segurou um

riso.

-Hilda –chamou Viggo –você fez bem em me chamar, e acho que vou gostar de trabalhar com

senhor Wulsung. Mas qual será o procedimento agora?

-Bom –disse Hilda como se despertasse de um devaneio –vou ir a Asgard, notificarei a nossa

situação, e dependendo das ordens, veremos o que pode ser feito.

-Muito bem. – disse Viggo – Vocês já estão dispensados.

-Virou o líder agora. – eu disse. A frase simplesmente saltou da minha boca, juro.

-Dan! – repreendeu-me Elizabeth. – Que modos são esses?

-Desculpe. – falei por fim, e Viggo sorriu.

-Vão e descansem – disse ele – foi o que eu quis dizer. Teremos dias bem atribulados pela

frente.

-O que foi aquilo? – perguntou Elizabeth quando passávamos pela minha casa naquele dia, só

nós três, Marcus ficara de ir a Asgard com Hilda.

-Não sei – respondi –só não fui com a cara dele. É mesmo seu primo Gui?

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-Segundo Hilda e ele mesmo, sim. –respondeu Gui. –Eu nunca conheci a minha tia Freya, mas

assim como meu pai, é bem possível que ela tenha burlado as ordens de Odin de não criar

semideuses. Mas Dan tem algo mais nisso tudo.

-Como assim? – quis saber.

-Acho que você realmente se tornou um “Homem de Thor”. –disse Gui.

-Não estou te entendendo.

-Você defendeu Thor muito bem, e não tiro a sua razão, mas o fato de Vig ter assumido um

papel que antes era de Thor, bom, acho que isso te frustrou um pouco, não foi?

-Não vou negar que não gostei muito disso, mas tem outro motivo.

-E qual é? – perguntou Elizabeth.

-Eu simplesmente não fui com a cara dele, só isso.

-Ainda acho que isso é só por que ele está meio que no lugar do Thor. – disse Gui.

-Vamos achá-lo Dan. – disse Elizabeth com uma voz consoladora.

-Eu sei – eu disse – afinal nós já fomos até o céu, lutamos contra monstros e vilões dos mais

variados. Achar um deus cabeça dura e pavio curto vai ser bem fácil.

Elizabeth e eu rimos, mas Gui fez a cara séria de sempre.

-E o seu sonho? – disse Gui como uma flechada ao alvo. Senti que ele queria falar sobre isso há

algum tempo.

-Meu sonho... bom, acho que tem certas coisas que ainda tenho que pensar.

-Você disse que Skuld falou sobre uma relíquia perdida, não foi? – perguntou Elizabeth.

-Sim. – respondi. – E tenho certeza que era o Miolnir, e depois do sonho que tive com Hagen e

Dvalinn, me atreveria a dizer que Loki está procurando o martelo.

-E por que ele iria querer o martelo? –perguntou Elizabeth.

-O martelo Miolnir não é uma simples arma –explicou Gui –o seu poder é basicamente

ilimitado, uma vez que gera trovões e se alimenta dos próprios. Quem tiver essa arma terá um

poder tremendo, em outras palavras, Loki não pode consegui-lo.

-E não irá. – eu disse. – Vou fazer de tudo para que ele não consiga.

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