as “casas de brasileiros” – dois exemplos no vale do sousa

22
589 AS “CASAS DE BRASILEIROS” – DOIS EXEMPLOS NO VALE DO SOUSA Alda Neto Introdução À semelhança do norte do País, o Vale do Sousa foi, durante a segunda metade do século XIX e o primeiro quartel do século XX, ponto de partida e de chegada de inúmeros portugueses que faziam do Brasil o seu território de eleição, a sua árvore das patacas. No seu regresso, os brasileiros de torna-viagem modificaram a paisagem do nor- te de Portugal e, no nosso caso em particular, a de Paredes. Construíram escolas, auxiliaram os Hospitais da Misericórdia, patrocinaram bolsas de estudo e ajudaram os mais pobres e carenciados. Contudo, a sua afirmação perante a comunidade local não se traduziu só na filantropia, mas também na construção de casas por parte destes emigrantes em terras brasileiras. Figura n.º 1 Palacete da Granja na actualidade

Upload: catia-teixeira

Post on 01-Oct-2015

49 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

cs

TRANSCRIPT

  • 589

    AS CASAS DE BRASILEIROS DOIS EXEMPLOS NO VALE DO SOUSA

    Alda Neto

    Introduo semelhana do norte do Pas, o Vale do Sousa foi, durante a segunda metade

    do sculo XIX e o primeiro quartel do sculo XX, ponto de partida e de chegada de inmeros portugueses que faziam do Brasil o seu territrio de eleio, a sua rvore das patacas.

    No seu regresso, os brasileiros de torna-viagem modificaram a paisagem do nor-te de Portugal e, no nosso caso em particular, a de Paredes. Construram escolas, auxiliaram os Hospitais da Misericrdia, patrocinaram bolsas de estudo e ajudaram os mais pobres e carenciados. Contudo, a sua afirmao perante a comunidade local no se traduziu s na filantropia, mas tambm na construo de casas por parte destes emigrantes em terras brasileiras.

    Figura n. 1

    Palacete da Granja na actualidade

  • Alda Neto

    590

    Figura n. 2 Castrlia

    Casas como a Castrlia ou o Palacete da Granja demonstram uma vivncia do

    emigrante no s por terras brasileiras, como nas terras portuguesas onde estes indiv-duos, afinal, tinham as suas razes. A casa do brasileiro no concelho de Paredes , no fim de contas, a personificao do percurso pessoal e profissional em terras de Vera Cruz.

    Neste trabalho, estabeleceremos termos comparativos entre as casas, e associa-remos estes edifcios ao seu encomendador e ao seu percurso. importante referir que estas casas constituem um importante marco na histria da arte portuguesa, mas cada edificao constitui um caso particular.

    1. A Casa de Brasileiro: alguns exemplos na literatura portuguesa1 Autores como Camilo Castelo Branco ou Jlio Dinis catalogaram as casas dos

    brasileiros como objectos bizarros e perturbadores da ordem e simplicidade da pai-sagem nortenha. Assim, o norte do pas foi pontuado de casas que muitos consideram diferentes, mas que constituem o testemunho de vida do emigrante.

    As descries camilianas da Casa do Brasileiro inserem-se na paisagem rural do Minho e procuram exprimir, sobretudo, o novo-riquismo, bem como a incoerncia e o mau gosto artstico. Estas casas so descritas como exemplos de mau-gosto arqui-tectnico e decorativo que contriburam para a adulterao da paisagem minhota.

    Como se pode constatar, no foi s o brasileiro alvo das crticas literrias, mas tambm a prpria casa, cuja descrio tem de ser encarada como um mero exerccio

    1 CESAR, 1969: 89.

  • As casas de brasileiros dois exemplos no Vale do Sousa

    591

    literrio, uma vez que houve casas que, quer nas suas cores, quer nos materiais usa-dos ou na decorao, se assemelham de facto s descries literrias, enquanto so bastante diferentes e que foram menosprezadas por este fardo imposto.

    2. O que a Casa de Brasileiro? Como refere Paula Torres Peixoto, no artigo A Casa do Brasileiro2, entendem-

    se assim todas as construes que foram edificadas de raiz ou adquiridas e/ou trans-formadas para residncia destes portugueses. Assim, o nmero de construes est directamente associado ao retorno, com mais ou menos sucesso, dos portugueses que emigraram para o Brasil no sculo XIX. Consideramos que no existe um modelo-tipo de Casa de Brasileiro, mas pelo contrrio um conjunto de caractersticas comuns maior parte das casas construdas pelos emigrantes.

    Este modelo assenta na grande assimetria e variedade presentes no conjunto arquitectnico. necessrio salientar o grande nmero de elementos decorativos presentes nestas casas, que variam entre o azulejo de diferentes cores e as esttuas que rematam os telhados ou os portes. As fachadas so extremamente coloridas devido utilizao de azulejos policromos. O jardim, limitado por um gradeamento e fechado por portes de ferro forjado, assume uma grande importncia, uma vez que constitui uma tentativa de recriao do ambiente extico que encontrou no Brasil. Este mesmo jardim apresenta uma grande variedade de plantas e rvores importadas do Brasil, como o caso das palmeiras imperiais.

    Apesar de todas estas caractersticas estarem presentes na literatura portuguesa, importante referir que nem sempre as casas as apresentam de uma forma bastante visvel.

    Esta casa o reflexo de uma personagem que no se conseguiu enquadrar na sociedade brasileira, mas aps o seu regresso tambm no se conseguiu fazer aceitar na comunidade que o viu partir pobre e que agora regressa endinheirado. Neste regresso, traz consigo os modelos do estrangeiro, quer do Brasil quer dos outros pases por onde ter, eventualmente, passado e procura transp-los para a habitao que quer construir.

    A Casa de Brasileiro o espao de convvio social com os familiares, os amigos, os habitantes da aldeia e todos aqueles que entretanto o emigrante conheceu durante a sua estada no Brasil. o ponto de passagem e de convvio quer de personalidades histricas quer de pessoas annimas, e as casas de Paredes no so excepo.

    Como o arquitecto Jos Carlos Loureiro afirma: () Aquilo que ontem parecia sem valor, deturpado por vises crticas viciadas por premissas rgidas ou distorcidas,

    2 PEIXOTO, 1998: 118-123.

  • Alda Neto

    592

    surge amanh como smbolo do gosto de uma poca, como testemunho de uma tec-nologia at a de valor insuspeitado, representativa de valores sociais positivos ou negativos, mas de inegvel valor histrico e artstico3. Consideramos importante que as Casas dos Brasileiros comecem a ser encaradas como o testemunho de uma poca que contribuiu no s para introduzir novos materiais como para desenvolver um mercado de trabalho ao nvel dos ofcios e das indstrias a elas ligados, mas tambm novas prticas arquitectnicas e decorativas.

    3. Existe um modelo de Casa de Brasileiro? Apesar de no existir um modelo tpico da casa de brasileiro, pois estas inserem-

    se em contextos socioeconmicos distintos e apresentam caractersticas diferentes, nossa opinio que existem caractersticas comuns que se reflectem nas variadas cons-trues por todo o norte de Portugal.

    De acordo com o arquitecto Jos Manuel Pedreirinho, uma das caractersticas que podemos considerar mais constantes daquilo que genericamente se refere como casas de emigrantes justamente o facto de estas no apresentarem caractersticas prprias4.

    De facto, as Casas de Brasileiros, por ns estudadas, so um conjunto de casas dispersas na paisagem do concelho de Paredes que se destacam pela sua diversidade formal e pelo modo como se afirmam na prpria paisagem. Assim, estas casas consti-tuem uma amlgama de edifcios de diferentes traas e materiais, com tratamentos e dimensionamentos distintos.

    Como j foi referido anteriormente, as casas reflectem a personalidade do brasi-leiro que ali habitou e que a mandou construir. Desta forma, a Castrlia e o Palacete da Granja constituem dois exemplos distintos deste concelho. Vejamos ento estes dois exemplos de Casas de Brasileiros, que reflectem os percursos bastante distintos de dois emigrantes.

    4. O Palacete da Granja casa do Visconde de Paredes O Palacete da Granja localiza-se na freguesia de Casteles de Cepeda, sede do

    concelho e ter sido mandado edificar por Joaquim Bernardo Mendes, Visconde de Paredes.

    Joaquim Bernardo Mendes nasceu na freguesia de Casteles de Cepeda em 1843. Os seus pais, Manuel Bernardo Mendes e Umbelina Rosa Mendes, eram importantes 3 LOUREIRO, 1988. 4 PEDREIRINHO, 1986: 96-100.

  • As casas de brasileiros dois exemplos no Vale do Sousa

    593

    proprietrios agrcolas nos concelhos de Paredes e de Penafiel. Emigrou bastante jovem para a cidade de So Salvador da Baa, onde aprendeu e desenvolveu a activi-dade comercial na loja do marido de Rosalina de Sousa Guimares5, tendo herdado o negcio aps a morte deste.

    Nesta cidade conheceu D. Deolinda Francisca Guimares Nolasco da Silva. Des-te casamento resultaram trs filhos: Rosalina Maria da Conceio Mendes, Antnio Anselmo da Silva Mendes e Joaquim Nolasco da Silva Mendes.

    Entretanto, D. Rosalina de Sousa Guimares adoeceu gravemente, facto que motivou o regresso antecipado a Portugal de Joaquim Bernardo Mendes. Regressou a Portugal acompanhado pela sua esposa e pela sua filha mais velha, juntamente com a cunhada e trs criadas (uma mulata e duas pretas).

    Este regresso ter-se- efectuado, provavelmente, no incio do ltimo quartel do sculo XIX, uma vez que surgem referncias presena deste emigrante em eventos organizados nos concelhos de Paredes e de Penafiel, neste perodo.

    Joaquim Bernardo Mendes deslocou-se ento para o concelho de Paredes onde se fixou definitivamente. Envolveu-se no governo do concelho de Paredes, tendo-se tornado Presidente da Cmara Municipal no incio do sculo XX.

    Na sede do concelho, comeou por habitar o primeiro andar onde funcionou a Assembleia de Paredes, no largo Nunlvares, enquanto se conclua a construo do prdio projectado no lugar do Souto, futuro Palacete da Granja, que ficou concludo na dcada de 1890. No lugar do Souto existia uma habitao que foi demolida entre-tanto para dar lugar a este palacete.

    Em 1894, Joaquim Bernardo Mendes empenhou-se, enquanto presidente da Comisso Responsvel, na trasladao dos restos mortais do Conselheiro Jos Gui-lherme Pacheco, um ilustre brasileiro que se fixou em Paredes.

    A 2 de Junho de 1895 recebeu o ttulo de Visconde de Paredes por decreto real. No ano seguinte, Paredes recebeu a visita do rei D. Carlos. O monarca visitou a

    sede do concelho, a caminho das Pedras Salgadas, onde se ia encontrar com a rainha D. Amlia. Paredes engalanou-se para receber o rei que chegou no dia de 12 de Junho. Na gare, o administrador, a cmara, juiz, delegado, escrives, algumas senhoras, os bombeiros voluntrios. Fora da estao, na rua que vai dar ao palacete do brazileiro sr. Joaquim Bernardo Mendes, muito povo. A rua embandeirada at ao palacete que muito bonito e em apparencia de opulento. () El rei pouco se demorou, seguindo logo para o palacete Mendes. As musicas seguiram at ao palacete Mendes, que a pequena distancia da estao. () O palacete estava ricamente adornado. Fica no

    5 Rosalina de Sousa Guimares, irm de Deolinda Francisca Guimares da Silva Mendes, era natural da freguesia de Nossa Senhora da Conceio da Praia, da cidade de So Salvador da Baa. Veio para Paredes juntamente com Joaquim Bernardo Mendes e a sua irm. Neste concelho destacou-se como grande bene-mrita e protectora dos mais pobres. Promoveu a construo da nova Igreja Matriz de Casteles de Cepeda.

  • Alda Neto

    594

    centro de um jardim, que me pareceu muito bonito. A entrada, at escadaria que d acesso ao palacete, tapetada de folhas de rosas, lanadas pela ranchada de aldes. El-rei subiu logo para o 1. andar, onde est a sala de visitas, ricamente mobilada. Ahi, foram-lhe apresentados o dono da casa e varias pessoas gradas. S. M. assomou a janela e foi muito cumprimentado pelo povo ()6.

    Desta forma, o Palacete da Granja apresentou-se como um espao condigno para se proceder a esta recepo. De acordo com a descrio presente na imprensa local, o interior do edifcio era ricamente mobilado.

    Joaquim Bernardo Mendes era um defensor da monarquia, como se pode com-provar pelas visitas que recebeu, entre elas os reis D. Carlos I e D. Manuel II e de elementos do Partido Regenerador.

    As notcias publicadas na imprensa sobre o Visconde de Paredes confundem-se com as publicadas sobre o Palacete da Granja. Inclusive a prpria imprensa chega a referir-se ao palacete como o Palacete Mendes ou a Casa do Visconde de Paredes. Desta forma, reiteramos a nossa opinio, as Casas de Brasileiro no podem ser vistas como conjuntos edificados isolados, mas como mais um elemento para o estudo do percurso do brasileiro.

    Em 1899, o jornal O Comrcio de Penafiel referiu a chegada do Dr. Alberto Navarro, estao de Paredes para almoar com o Visconde de Paredes e outros elementos do Partido Regenerador, como o Conselheiro Campos Henriques7. Este edifcio tornou-se num importante centro de convvio de polticos portugueses. Em 1904, o jornal O Comrcio de Penafiel escreve o seguinte: S. Exas dirigem-se agora para o palacete do sr. Visconde de Paredes. Vae servir-se o jantar, com a assistncia de bastantes convidados8.

    Em 1906, os jardins do Palacete foram palco de um baile de mscaras organizado pela Viscondessa de Paredes. Em 1909, o rei D. Manuel II visitou a sede do concelho de Paredes e o Palacete da Granja e o Visconde de Paredes.

    Em 1911, o Visconde de Paredes adoeceu gravemente, vindo a falecer a 16 de Maio do mesmo ano. O Palacete da Granja recebeu a populao do concelho de Paredes que aqui se deslocou para prestar a sua ltima homenagem ao Visconde de Paredes. A 26 de Maio de 1911, o peridico paredense O Povo publicou um artigo sobre o funeral do Visconde de Paredes, tendo destacado as personalidades que

    6 O Primeiro de Janeiro, n. 139. 7 O Conselheiro Campos Henriques nasceu em 1853, na cidade do Porto. Em 1875 licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Posteriormente, filiou-se no Partido Regenerador. Nos anos de 1892, 1897 e 1900 foi eleito deputado. Em 1893 foi nomeado para Governador Civil do Porto. Em 1894 foi nomeado Ministro das Obras Pblicas e, em 1900, foi-lhe atribuda a Pasta da Justia. Foi novamente Ministro da Justia no Ministrio da Acalmao. Aps a implantao da Repblica abandonou a vida poltica. Faleceu a 7 de Novembro de 1922. 8 O Comrcio de Penafiel, n. 2: 931.

  • As casas de brasileiros dois exemplos no Vale do Sousa

    595

    acompanharam o corpo desde o palacete at ao cemitrio. Entre as personalidades destacadas referimos os brasileiros Adriano Moreira de Castro e Victorino Coelho Pereira. () Ao palacete dos srs. Viscondes de Paredes, teem afludo muitas pes-soas a desanojar aquella familia tendo-se recebido ali tambem copioso numero de telegrammas e correspondncia postal de pezames. ()9.

    Em 1924, o Visconde de Paredes e o Palacete da Granja voltam a ser referidos na imprensa local da seguinte forma: () O seu primeiro beneficio nossa vila tradu-ziu-se na construo do seu palacete, o mais rico e lindo edifcio da regio, que na principal artria da povoao, est a indicar s vereaes paredenses, j no digo a riquesa, mas a elegncia e o bom gosto arquitectnico a que deviam obedecer as restantes construes na mesma rua10.

    Quanto actividade filantrpica de Joaquim Bernardo Mendes (Visconde de Paredes), esta confunde-se com a da sua cunhada, D. Rosalina de Sousa Guimares. Esta brasileira destacou-se pela sua intensa filantropia, na medida em que se empe-nhou intensamente no apoio aos mais carenciados e na dotao da sede do concelho de uma digna Igreja Matriz. Nesta ltima actividade contou com o apoio do brasilei-ro Visconde de Paredes e do Conselheiro Jos Guilherme Pacheco.

    A 16 de Maio de 1900 foi publicado um artigo no peridico O Comrcio de Penafiel onde o jornalista destacava a intensa actividade do Visconde de Paredes no sentido de concluir a Igreja Matriz.

    Na dcada de 1920, o brasileiro Tenente-Coronel Jos Ribeiro da Costa Jnior publicou um conjunto de artigos no jornal O Novo Paredense, intitulados Recordaes do Passado. Nestes artigos exalta os servios prestados pelos brasileiros ao concelho de Paredes e ao Vale do Sousa. Neste caso, destaca o Visconde de Paredes, como um paredense ilustre () benemrito daquela terra, em prol da qual trabalhou sempre enquanto vivo. Por isso, no pode ficar esquecido como tantos outros, (), que nos deixaram ainda a grata recordao dos seus feitos a favor dos interesses da terra11.

    O Palacete da Granja destacou-se no s pelas suas dimenses e motivos decora-tivos, como pela j referida intensa vida social que aqui ocorreu nos finais do sculo XIX, princpios do sculo XX. Este edifcio foi construdo junto da Avenida princi-pal de Paredes. De acordo, com notcias publicadas na imprensa, o Palacete da Gran-ja encontrava-se em construo, em 1883.

    O Palacete da Granja composto por um edifcio habitacional de grandes dimen-ses, dividido em trs corpos: um corpo principal e dois laterais, e por dois caraman-ches adossados aos muros da propriedade. Estes caramanches localizam-se nas extremidades da propriedade, encontrando-se voltados para a avenida principal,

    9 O Povo, n. 10. 10 O Novo Paredense, n. 37. 11 O Novo Paredense, n. 16.

  • Alda Neto

    596

    assumindo uma funo de espao de convvio. Os corpos laterais so simtricos, destacando-se por apresentarem quatro janelas, em cada um dos dois pisos. As jane-las do primeiro piso so janelas de sacada, na medida em que o primeiro tero apre-senta uma varanda em ferro forjado que se abre para o jardim, enquanto as janelas do segundo piso destacam-se por apresentarem sobre o peitoril uma grade com motivos florais e geomtricos. Quanto fachada posterior esta encontra-se ligeiramente alte-rada devido s obras dos finais do sculo XX. O corpo principal composto pela porta principal no primeiro piso e por uma janela com varanda em ferro forjado, no segundo piso. Esta varanda abre-se sobre a escadaria apoiada em cachorros em granito.

    O edifcio rematado por uma balaustrada em granito, destacando-se os jarres colocados nas extremidades do edifcio, bem como o fronto triangular que coroa o corpo principal. Neste fronto encontra-se uma escultura que representa uma flor, possivelmente.

    O Palacete encontra-se no centro de um jardim, cujas dimenses foram dimi-nuindo ao longo do sculo XX. No jardim existem duas grandes fontes, que aqui foram colocadas aquando da ltima obra de restauro na dcada de 1990.

    A entrada na propriedade realiza-se atravs de um porto em ferro forjado, com motivos geomtricos e florais. Uma escadaria em granito d acesso ao palacete que se desenvolve em dois pisos de tratamento semelhante.

    Quanto ao revestimento exterior do edifcio, este apresenta as fachadas principal e laterais, decoradas com azulejos amarelos e brancos, decorados com motivos flo-rais. Quanto fachada posterior, esta , actualmente, inteiramente rebocada.

    Apesar de este edifcio ter sido projectado para ser utilizado como habitao, sofreu alteraes de forma a adaptar-se a outras funes ao longo do sculo XX, nomeadamente a partir de 1930.

    Na dcada de 1930, comeam a circular artigos na imprensa que apelam utili-zao deste edifcio como sede dos Paos do Concelho. Assim, em 1932, o Presiden-te da Cmara, Dr. Toms Lopes Cardoso procede ao arrendamento do Palacete da Granja, propriedade da filha do Visconde de Paredes, D. Rosalina Mendes Portocar-rero. Inicialmente, seriam aqui instalados os servios camarrios, mas no ano seguin-te, o mesmo Presidente da Cmara props a mudana definitiva dos Paos do Concelho para este palacete, facto que se veio a concretizar.

    Desta forma o interior do edifcio foi alterado devido s sucessivas ocupaes que o Palacete teve aps 1932. Nesta data, o Palacete de Granja perdeu a sua verda-deira funo para se tornar num dos espaos que receberia a Cmara Municipal. Pos-teriormente, seria utilizado como escola. Viria a ser ocupado pelo Colgio Antero de Quental, que transferiu para ali toda a actividade docente, at mudana para a fre-guesia de Baltar, concelho de Paredes, uma vez que a Cmara Municipal no dispu-nha de instalaes prprias. Para aqui instalar o Liceu foram necessrias grandes

  • As casas de brasileiros dois exemplos no Vale do Sousa

    597

    obras de adaptao, todas elas custeadas pela Cmara. A escola de Paredes funcionou vrias dcadas neste edifcio, at sua mudana definitiva para as novas instalaes em meados da dcada de 1980. Mais uma vez, o Palacete ficou abandonado ao seu destino, at que a Escola Preparatria Teixeira de Vasconcelos mudou para este espao uma parte das suas instalaes. A ocupao foi de curta durao, pois esta tambm se mudou para o complexo educativo de Paredes. Uma vez mais, o Palacete da Granja ficou votado ao abandono, na medida em que, apesar de todos os esforos levados a cabo pela Santa Casa da Misericrdia, nem as autoridades governamentais nem as autoridades locais apresentaram qualquer soluo.

    Com o objectivo de preservar e valorizar este edifcio, o provedor da Misericr-dia de Paredes, Ablio Seabra, adquiriu este imvel e ofereceu-o Santa Casa da Misericrdia de Paredes que, posteriormente, o alugou por um perodo de longa durao Cmara Municipal. A Cmara Municipal, entretanto, iniciou obras de recuperao e adaptao do imvel. Estas obras foram lideradas pelo arquitecto Car-los Santos, que elaborou um projecto para um espao cultural. As obras iniciaram-se em 1994, tendo-se concludo em 1997.

    Figura n. 3

    O Palacete da Granja na dcada de 1980 (Arquivo Particular)

    A 16 de Maio de 1997, procedeu-se inaugurao de um novo Palacete da Gran-

    ja, desta vez convertido em espao cultural. Desde ento tornou-se num espao de intenso movimento cultural, recuperando de alguma forma o fulgor de outros tempos. Coincidindo com a abertura do Encontrartes 97, que decorre de amanh a 28 de Junho, a Cmara Municipal inaugura, no primeiro dia da iniciativa, a Casa da Cultura do concelho, instalada no recuperado Palacete da Granja ()12.

    12 Novas do Vale do Sousa, 1997.

  • Alda Neto

    598

    Quanto ao processo de recuperao, gostaramos de referir que todo o interior foi demolido devido ao processo de abandono e degradao a que este edifcio esteve votado. No entanto, todo o exterior foi mantido, conseguindo conservar as caracters-ticas e materiais do edifcio original.

    De acordo com elementos recolhidos em arquivos particulares, o Palacete da Granja possua uma clarabia que iluminava a escadaria que fazia a ligao entre o primeiro e o segundo pisos. Nesta clarabia destacavam-se figuras infantis em alto relevo, devidamente enquadradas por motivos geomtricos e florais. A escadaria que fazia a ligao entre os dois pisos era antecedida por um arco de volta perfeita, em silharia pseudo-isodoma.

    Figura n. 4

    A clarabia existente no Palacete da Granja (Arquivo Particular)

    Nas paredes do segundo piso encontravam-se pequenos escudos em estuque com

    a mesma representao floral do tmpano exterior, possvel elemento do braso do Visconde de Paredes.

    Os tectos das diferentes divises eram em estuque com representaes florais, no entanto todas estas decoraes desapareceram aquando das obras de adaptao a Casa da Cultura.

    Este edifcio continua a destacar-se na paisagem concelhia sobretudo pela sua imponncia e, tambm, por ser o nico registo material do percurso de um importan-te brasileiro de torna-viagem.

  • As casas de brasileiros dois exemplos no Vale do Sousa

    599

    5. A Castrlia espelho do percurso de Adriano Moreira de Castro

    A Castrlia localiza-se na freguesia de Louredo, concelho de Paredes, e foi

    mandada construir por Adriano Moreira de Castro. Adriano Moreira de Castro nasceu em 1858, no lugar de Sobradelo, na freguesia

    de Louredo, concelho de Paredes. Emigrou, em 1872, para o Brasil, com 14 anos de idade. Desembarcou na cidade de Belm do Par, tornando-se um importante comer-ciante nesta cidade.

    No incio do sculo XX [1901], regressou a Louredo. Em 1912 foi eleito Presi-dente da Comisso Municipal Administrativa do Concelho de Paredes, vindo a pedir a exonerao do cargo nesse mesmo ano.

    Entre 1912 e 1918, procedeu ao financiamento da construo de uma escola na freguesia de Louredo. Esta doao encontra-se documentada na acta da sesso da Cmara, no dia 28 de Novembro de 1912. Em 1918, a escola foi inaugurada com a presena de importantes personalidades da poca, entre elas D. Antnio Augusto de Castro Meireles13 e Jos Coimbra Pacheco, proprietrio da Estncia de Louredo. O Ministro da Instruo, Dr. Alfredo Magalhes, foi convidado para a inaugurao, mas acabou por no estar presente. Como se pode verificar, a instruo constituiu uma preocupao deste brasileiro, aspecto bastante visvel na construo e prepara-o da escola de Louredo quer em termos materiais quer em termos pecunirios. Assim, instituiu bolsas de estudo e prmios para os melhores alunos da escola. O empenho e trabalho em prol da instruo foram reconhecidos em 1936, pelo Presi-dente da Repblica, General scar Carmona. A 7 de Abril deste ano foi-lhe conferi-do o ttulo de Cavaleiro da Ordem da Instruo Pblica.

    Adriano Moreira de Castro foi um constante impulsionador da imprensa regional e nacional, destacando-se pela demonstrao dos seus ideais polticos e pelos vrios textos

    13 D. Antnio Augusto de Castro Meireles, filho de Raimundo Duarte Meireles e Delfina Moreira de Castro, irm de Adriano Moreira de Castro, nasceu a 15 de Agosto de 1885 em So Vicente de Boim, concelho de Lousada e faleceu a 29 de Maro de 1942, na cidade do Porto. Estudou no Colgio de Nossa Senhora do Carmo, em Penafiel, ingressando, posteriormente, no Seminrio do Porto. A 22 de Abril de 1908 foi ordenado padre. Em 1912 concluiu os cursos de Teologia e Direito na Universidade de Coim-bra, dedicando-se ao exerccio de ambas as carreiras no Porto. Foi nomeado bispo de Angra de Heros-mo a 29 de Junho de 1924, tendo a permanecido at 1929. Nesta diocese privilegiou a educao catlica e a organizao poltica dos catlicos no arquiplago dos Aores. Procurou aumentar a influncia polti-ca e social da Igreja durante a Primeira Repblica portuguesa. Tornou-se uma presena constante na imprensa diria atravs da aquisio pela Diocese dos jornais A Unio (Angra do Herosmo) e a Demo-cracia (cidade da Horta). Aquando do terramoto da Horta, em 31 de Agosto de 1926, empenhou-se na busca de recursos para auxiliar as famlias sinistradas. Com este objectivo, deslocou-se at comunidade aoriana na costa leste dos Estados Unidos da Amrica buscando a apoios econmicos para as popula-es atingidas. Em 1929, substituiu D. Antnio Barbosa Leo, como bispo da cidade do Porto, permane-cendo a at 1942, data em que viria a falecer.

  • Alda Neto

    600

    que redigiu quer para o jornal A Behetria de Louredo, quer para o Almanaque Luso--Brasileiro, editado por Parceria A. M. Pereira subordinados temtica da emigrao.

    Este brasileiro traduziu o seu regresso no constante auxlio aos mais necessita-dos, com constantes doaes Santa Casa da Misericrdia de Paredes e aos mais desfavorecidos da sua aldeia.

    A sua filantropia estendia-se s festas populares, quer em Paredes quer em Pena-fiel. Veja-se o exemplo da Festa em honra de So Sebastio (Louredo Paredes) ou a Festa de Nossa Senhora da Sade (Bustelo Penafiel) cujas despesas foram supor-tadas integralmente por este emigrante.

    Do ponto de vista ideolgico, Adriano Moreira de Castro era um fervoroso defen-sor dos ideais republicanos, tendo inclusive patrocinado a realizao de vrios comcios no concelho de Paredes e, nomeadamente, na sua vivenda Castrlia, como por exemplo a 29 de Abril de 1911: Em Louredo da serra, concelho de Paredes, effectuou-se no domingo um comcio de propaganda eleitoral. O comcio realisou-se numa propriedade do nosso amigo sr. Adriano Moreira de Castro, digno vice-presidente da Cmara14. Os ideais republicanos estavam presentes nas suas obras, como podemos constatar pela inscrio (j desaparecida) colocada na frontaria da escola de Louredo: Depois do po, a educao a primeira necessidade do povo. Na prpria Castrlia, a adeso aos ideais republicanos apresentou-se de forma visvel. Na fachada voltada a sul, foi colocado um suporte para a colocao de uma bandeira. Actualmente, o mastro j no existe, mas ainda possvel encontrar vestgios do local onde este seria colocado. No arquivo par-ticular da Castrlia, encontra-se a bandeira que constitui a juno das bandeiras de Portugal e do Brasil. Esta bandeira, semelhana da bandeira republicana portuguesa, composta por duas partes: uma vermelha e outra verde. A parte central ocupada pelo globo, semelhante ao existente na bandeira brasileira, com a frase: Ptria e Liberdade.

    A sua adeso aos ideais republicanos manifestou-se na decorao da sua habita-o, pois a diviso designada por Sala da Msica exibe no seu tecto o hino francs A Marselhesa, ligeiramente adaptado e intitulado A Marselhesa Paredense.

    Como se pode ver, a Castrlia constituiu simultaneamente o ponto de encontro de republicanos, intelectuais e dos mais necessitados. Esta casa foi palco de recepo de ilustres personagens como o bispo D. Antnio Augusto de Castro Meireles, Jos Coimbra Pacheco e Lenidas de Castro Melo, importante milionrio brasileiro.

    Em 1911, o peridico paredense A Redeno publicou um artigo alusivo Cas-trlia. Neste artigo dada a notcia da criao de uma composio musical, uma valsa, em honra da Castrlia, pelo msico lvaro Teixeira Lopes.

    semelhana desta publicao, Adriano Moreira de Castro encomendou, em 1909, uma coleco de trs postais, que fez distribuir pelos seus familiares e amigos.

    14 O Comrcio de Penafiel, n. 3: 653

  • As casas de brasileiros dois exemplos no Vale do Sousa

    601

    Nestes postais, visvel a grandiosidade da edificao, bem como o prprio emigran-te que se fez fotografar na sacada do primeiro piso.

    A Castrlia foi construda pelo emigrante junto da casa dos seus pais, composta por um nico piso. Ter-se- comeado a construir no incio do sculo XX e ter fica-do concluda por volta de 1909, data que se encontra assinalada no porto principal.

    Desde 1910, surgem referncias a esta habitao na imprensa. A Castrlia sempre referenciada com eptetos como linda, luxuosa, belssima e apalaada. Em 1922, o peridico A Behetria de Louredo refere-se a esta da seguinte forma: linda e apalaada vivenda da Castrlia, que um folgar de olhos pelas belezas que encerra15. Como se pode verificar, esta casa causava imensa curiosidade na imprensa da poca.

    A designao atribuda s Casas de Brasileiros est igualmente relacionada com a homenagem que o brasileiro procura prestar mulher que, no lugar de origem, aguardou a sua chegada em viagens e que cuidou da sua descendncia e, tambm com o lugar em que a casa construda. Neste caso a designao atribuda constitui uma juno do apelido do Brasileiro Castro e do nome Castlia. De acordo com a mitologia grega, Castlia era uma donzela de Delfos que foi perseguida por Apolo, junto do santurio, e atirou-se a uma fonte, qual foi dado, posteriormente, o seu nome16. Desta forma, consideramos que a Castrlia seria um espao onde a msica, a cultura e a poltica se cruzariam sob a proteco do seu patrono.

    O conjunto edificado composto pelo edifcio de habitao e por um grupo de construes anexas como a garagem, o celeiro, pequenos espaos de apoio activi-dade agrcola e o mirante. Na extremidade sul da propriedade existe um mirante, cuja balaustrada se abre para o adro da Igreja Matriz de So Cristvo de Louredo.

    O edifcio de habitao composto por quatro pisos. Na cave localizam-se a adega, a garagem e os espaos de apoio actividade agrcola. Anteriormente, existia uma pequena central a gs que era usada para iluminar e aquecer toda a casa.

    Todo o conjunto edificado cercado por um muro, cuja entrada feita atravs de um porto em ferro forjado com a inscrio Castrlia e a data de 1909. O porto principal abre-se para um ptio e para a fachada principal. Esta fachada apresenta, no primeiro andar, uma varanda rematada por uma balaustrada, sobre as quais se encon-tram duas esttuas colocadas nas extremidades, representando a figura do Comrcio, como o deus Hermes, e uma figura feminina alegrica da Indstria.

    Na fachada lateral, existe um jardim romntico, com uma gruta, cuja entrada est adossada entrada da sala de jantar.

    Ao contrrio da maioria das Casas de Brasileiros, cujo exterior revestido a azu-lejos, a Castrlia toda rebocada e, actualmente, est pintada de cor cinzenta, apesar

    15 A Behetria de Louredo, n. 2, 22 de Janeiro de 1922. 16 GRIMAL, 1992: 78.

  • Alda Neto

    602

    de inicialmente o edifcio ser todo branco. As molduras das janelas e das portas so em granito, no exterior, alternando com a madeira do interior.

    No rs-do-cho localiza-se a cozinha, que foi profundamente alterada. Para alm deste espao, existem a Sala de Jantar, a Sala da Msica, a Sala da Geogra-fia/Biblioteca e o Quarto do Bispo. Neste piso, existe um vestbulo que permite aceder escadaria principal, em madeira, que conduz aos pisos superiores, onde se localizam os quartos.

    No piso do rs-do-cho situam-se trs portas, abrindo-se a porta central para uma escadaria e corrimo em madeira para o primeiro piso. A porta central de madeira e vidro, tendo apresentado anteriormente motivos florais pintados. As portas laterais eram utilizadas para aceder a dois espaos distintos, a cozinha e a casa dos pais do brasileiro. As janelas do rs-do-cho, semelhana das existentes nos pisos superio-res, so em madeira e ferro forjado.

    Na fachada sul abre-se uma varanda, para a qual confluem as janelas de sacada da Sala da Msica e do Escritrio/Biblioteca. Sobre a sacada destas janelas existe uma estrutura em ferro forjado. De acordo com testemunhos familiares, esta estrutura seria utilizada para a colocao de uma cobertura em momentos de calor.

    A casa destaca-se no seu enquadramento espacial, uma vez que se localiza junto da estrada municipal, aberta na dcada de 1920, confrontando uma das extremidades com o cemitrio paroquial. A habitao encontra-se rodeada de terrenos agrcolas.

    Os elementos referidos anteriormente, como sendo aqueles que traduzem a iden-tidade da Casa de Brasileiro, no podem ser identificados na Castrlia, uma vez que esta casa, como tantas outras, reflecte a personalidade e o percurso do seu propriet-rio. Por outro lado, esta casa constitui um exemplo bastante particular na medida em que o interior constitui uma representao das terras paraenses que o brasileiro tanto gostava e admirava.

    A Castrlia destacou-se, simultaneamente, pelas suas dimenses e caractersticas arquitectnicas, que se aproximam mais das inovaes da Europa do que das caracte-rsticas importadas do Brasil. As suas grandiosas dimenses e o seu telhado demasia-do inclinado permitem-lhe afirmar-se na paisagem. A inclinao do telhado constitui uma influncia das inovaes arquitectnicas da Europa, fazendo recordar os cha-lets. Este tipo de construo representa as mudanas introduzidas no nosso territrio pelos arquitectos, engenheiros, cengrafos ou botnicos europeus ou mesmo pelas viagens realizadas pelos brasileiros no continente europeu.

    De acordo com a Monografia de Paredes17, os principais materiais usados na construo e decorao da casa eram provenientes de terras brasileiras como o caso das madeiras (pau-brasil e pau-cetim) ou de alguns objectos decorativos (estaturia).

    17 BARREIRO, 1924: 414.

  • As casas de brasileiros dois exemplos no Vale do Sousa

    603

    Embora a famlia no fosse muito numerosa (apenas uma filha do primeiro casamento), a casa possua divises bastante espaosas: sete quartos, trs quartos para os empregados, quatro instalaes sanitrias, uma cozinha e trs salas.

    Aps a entrada pela porta principal, o visitante depara-se com um trio de dimen-ses modestas, mas decorado com elementos identificativos do emigrante. De acordo com testemunhos orais, para este espao tero sido concebidas e encomendadas quatro cadeiras em pau-brasil e couro. Estas cadeiras permanecem, actualmente, no interior do edifcio. As cadeiras que aqui estariam tm uma particularidade: o nome da habitao encontra-se inscrito no espaldar em pele. Esta inscrio foi colocada sobre uma esfera armilar, smbolo do rei D. Manuel e elemento colocado no centro da bandeira portu-guesa, adoptada em 1910, aquando da implantao da Repblica. A esfera armilar encontra-se cercada por uma moldura com motivos vegetais. Na parte inferior do espaldar encontram-se duas figuras masculinas semi-nuas, possivelmente ndios brasileiros.

    Quanto s zonas de acesso (corredores e escadaria), no rs-do-cho, o pavimento encontra-se em bom estado de conservao. O tecto decorado com motivos florais, em alto-relevo, em estuque. No primeiro andar, as escadas de acesso tinham pinturas a imitar uma tapearia. As paredes da escadaria principal foram decoradas com pin-tura a fresco a imitar o mrmore. No segundo piso, o pavimento encontra-se em mui-to mau estado de conservao devido ao abandono da casa nos finais do sculo XX.

    Relativamente aos quartos, estes so de dimenses modestas. No primeiro piso localiza-se o Quarto do Bispo, designao dada devido

    constante permanncia de D. Antnio Augusto de Castro Meireles em casa do seu tio, que lhe ter suportado parte dos estudos. Este quarto ter sido preparado para receb-lo sempre que visitasse a freguesia de Louredo, apesar de considerarmos que esta diviso teria sido uma pequena sala de visitas.

    Duas portas que apresentam nas almofadas pequenos ramos de flores pintadas abrem-se para o corredor, apresentando-nos a maior diviso da habitao a Sala de Jantar. Esta sala caracteriza-se pelas variadas pinturas murais que revestem as pare-des, na sua totalidade. Estas pinturas so da autoria de C. Carvalho, possivelmente de origem brasileira. O tecto em estuque e esto representados motivos florais e ani-mais, em alto-relevo. O pavimento da sala de jantar foi executado com pau-brasil e pau-cetim, madeiras importadas do Brasil pelo emigrante. No centro do pavimento, encontra-se o monograma de Adriano Moreira de Castro AMC.

  • Alda Neto

    604

    Figura n. 5

    A Sala de Jantar na Castrlia

    As paredes desta diviso esto divididas em cenas diferentes que, na sua maioria,

    representam paisagens alusivas ao Brasil, nomeadamente ao Estado do Par. Na pri-meira metade da parede esto representados pequenos quadros com cenas campes-tres, citadinas e martimas. Estes pequenos painis constituem uma banda que circunda toda a diviso, funcionando como um elemento divisrio. No primeiro tero da parede, o pintor concebeu uma pintura que se assemelha a madeira. Dentre as sete cenas representadas destacamos as seguintes:

    x uma praa com uma fonte ao centro a jorrar gua. Esta praa est rodeada por palmeiras e outras rvores. Junto da fonte existe um candeeiro em ferro forjado, com um grande globo branco. A fonte em granito e apresenta sereias esculpidas. composta por trs taas de tamanho diferentes, com a representao de motivos geomtricos. Na base, na parte interior da taa de maiores dimenses, esto representados seres marinhos com as bocas aber-tas. A fonte representada na Castrlia constitui a reproduo de uma fonte existente na cidade de Belm do Par intitulada de Fonte das Sereias;

    x uma alameda de palmeiras, com edifcios em estilo neoclssico. De acordo com informaes orais recolhidas, esta cena uma recriao da avenida Campos Henriques existente na cidade de Belm do Par;

    x uma torre em runas, composta por uma janela em arco quebrado no rs-do-cho e, no primeiro andar uma janela que se abre para uma varanda. No mesmo andar existe uma outra varanda, cuja abertura encontra-se coberta por vegetao que emerge do interior da torre. Para alm da torre na cena, existe uma vegetao e uma rvore, cujos ramos se inclinam sobre a torre.

  • As casas de brasileiros dois exemplos no Vale do Sousa

    605

    Em primeiro plano, esto representadas umas pedras a simular a entrada de uma gruta. Esta torre em runas existe, de facto, na cidade de Belm do Par.

    Figura n. 6

    Uma das pinturas murais na Sala de Jantar

    Quanto ao tecto em estuque da sala de jantar, nele encontram-se representaes

    em alto-relevo. Estas representaes apresentam animais ligados caa, nomeada-mente aves e frutos exticos como o anans ou o chuchu. O tecto emoldurado por um friso de motivos florais e ao centro um crculo com frutos variados. Nos penden-tes do tecto encontramos animais de caa emparelhados. Consideramos que estas alegorias apresentadas ao longo da sala de jantar constituem uma demonstrao da importncia da cidade do Par no percurso do emigrante. Estes frescos assemelham-se a autnticos bilhetes-postais do Par perpetuados nas paredes desta sala.

    A prpria organizao e decorao das divises da edificao procura retratar esta tentativa dos brasileiros em se aproximarem dos ideais burgueses, ideais que procuram conjugar com os conhecimentos e influncias que trazem do Brasil. Desta-camos ainda o ambiente burgus que este brasileiro procurou recriar quer atravs dos objectos introduzidos, quer mesmo na decorao parietal das divises.

    Na Sala da Msica, o popular e o erudito encontram-se representados em simul-tneo. O pavimento semelhante ao da Sala de Jantar. Nas paredes da Sala da Msi-ca esto representadas seis cenas, onde figuras infantis populares tocam instrumentos de corda. Para alm das pinturas murais, foram colocados dois espelhos, decorados com motivos florais, que ladeavam um e outro lado da porta principal. As pinturas a fresco representam figuras infantis vestidas com trajes populares, dentre as quais destacamos as seguintes:

  • Alda Neto

    606

    x uma figura feminina vestida minhota a tocar harpa. A personagem apresen-ta uma saia e camisa brancas. A menina tem umas botas pretas caladas e um leno rosa amarrado na cabea. A perna direita est apoiada sobre uma almo-fada da mesma cor do leno. O rosto est voltado para o espectador, numa clara atitude de convite audio daquilo que est a tocar. Esta pintura est assinada com a seguinte inscrio M. C., 1919 (presumivelmente, pois a data est ligeiramente apagada);

    x um jovem rapaz a tocar violino. Esta personagem est vestida com uns cal-es castanhos e uma camisa branca;

    x sobre os ombros traz uma capa castanha semelhante s usadas pelos pastores e sobre a cabea um chapu de feltro com uma pena rosa. Este chapu asseme-lha-se quele que se encontra representada no Escritrio. Do lado direito tem pendurado um garrafo. O p esquerdo est apoiado sobre uma pedra. Esta pintura est assinada pelo mesmo pintor da sala de jantar Costa Carvalho.

    O tecto da Sala da Msica tambm est decorado com instrumentos musicais rea-lizados em estuque. Os instrumentos musicais representados esto enquadrados por ramos de flores suportados por mos. Todos os instrumentos representados esto colocados sobre uma pauta musical. Nesta pauta musical est inscrita a melodia de A Marselhesa, que neste caso recebe o ttulo de Marseleza Paredense.

    O escritrio, tambm chamado de Biblioteca ou Sala da Geografia, possui dimenses mais reduzidas que as referidas anteriormente. Esta sala destaca-se pela representao do globo, no centro do tecto, e nas extremidades os smbolos iconogr-ficos do deus Hermes: o caduceu e o ptaso. O globo representado em alto-relevo poder estar relacionado com a Maonaria, na medida em que este objecto representa o conhecimento ilimitado e a prpria universalidade desta associao18. Nas extremi-dades encontram-se os smbolos do deus Hermes: o ptaso, chapu de abas largas a quem foi acrescentada um par de asas pequenas e, o caduceu, espcie de ceptro com duas serpentes entrelaadas.

    Como podemos constatar, o interior da Castrlia suplanta o exterior devido riqueza iconogrfica presente nos espaos de convvio e, sobretudo, a articulao que pudemos encontrar entre o Brasil, mais concretamente, Belm do Par, e o meio rural da freguesia de Louredo. Desta forma, o brasileiro procurou homenagear as duas terras, a de origem e a de adopo. No entanto, traduziu no interior e nos textos que escreveu a educao que adquiriu por iniciativa prpria. Por outro lado, considera-mos importante referir que esta casa teve como principal funo a habitao, vindo a ser adquirida pelos familiares do caseiro que ali habitou e conviveu com o brasileiro.

    18 MARQUES, 1986: 515-516.

  • As casas de brasileiros dois exemplos no Vale do Sousa

    607

    Na nossa opinio, a Castrlia e o seu proprietrio tornam-se difceis de separar, na medida em que esta era constantemente citada na imprensa local e nacional como espao de habitao e de convvio, sobretudo pelos intensos banquetes e festas que a se realizavam. Esta Casa de Brasileiro foi, inclusive, citada num artigo publicado no jornal O Novo Paredense como um exemplo do trabalho desenvolvido pelo emi-grante no seu concelho: No concelho de Paredes esto bem patentes as produes resultantes do dinheiro dos brazileiros, por exemplo temos: na sede do concelho, o palcio dos Viscondes de Paredes, a Igreja Nova, (), em Louredo, a Castrlia e a sua mola19. Este palacete foi ainda sistematicamente citado em obras da poca, como a Monografia de Paredes, onde o seu autor, Dr. Jos do Barreiro, refere o seguinte: O capitalista, regressado do Brazil, snr. Adriano Moreira de Castro, edifi-cou a um palacete para sua habitao, a que poz o nome de Castralia, para o que mandou vir ricas madeiras do Brazil (). Panorama encantador/ Desde a Castrlia estrada./ Quantas belezas encerra/ Esta nossa terra amada!20.

    Por fim gostaramos de destacar um importante elemento arquitectnico Miran-te que foi construdo numa extremidade da propriedade, prximo da Igreja Paro-quial, e que se assemelha s casas de fresco. Este espao quadrangular apresenta na fachada principal dois arcos de volta perfeita separados por uma coluna. Sobre estes arcos est uma balaustrada que corre ao longo de todo o mirante, tendo sido colocado no centro o monograma do brasileiro AMC. De acordo com informaes orais, este espao seria usado pelo emigrante para assistir a cerimnias pblicas, como procisses, uma vez que este se encontra voltado para a Igreja Paroquial. nossa opinio que este espao foi construdo pelo emigrante como forma de afirmao do seu poder econmi-co sobre a restante freguesia, pois assemelha-se a uma espcie de tribuna.

    19 O Novo Paredense, n. 57. 20 BARREIRO, 1924.

  • Alda Neto

    608

    Figura n. 7

    Mirante

    Como j foi referido anteriormente, os brasileiros de torna-viagem destacaram-se

    no s pelas atitudes filantrpicas, mas tambm pela sua procura de afirmao sobre uma sociedade que os rejeitou e aceitou os novos-ricos. Desta forma, Adriano Morei-ra de Castro afirmou-se sobre todos aqueles que o viram partir.

    Consideraes finais Como j foi referido anteriormente, as casas dos emigrantes Brasileiros so

    indissociveis do perfil social destes indivduos, da sua origem, da sua trajectria e das suas ambies. Desta forma, deveremos encarar as crticas realizadas aos pro-prietrios e aos seus conjuntos edificados como algo que era considerado como um desvio ordem pr-estabelecida, neste caso a ordem esttica, construtiva e urbansti-ca. Enquanto em alguns casos a obra e o autor se identificam, neste caso a obra con-funde-se com o seu autor, de forma negativa. Esta classificao negativa em torno dos brasileiros, baseia-se na casa e surge para definir a situao em torno dos actores e detractores, ou seja, as relaes sociais que se tornam mais ou menos tensas entre os emigrantes e as comunidades de origem.

    No entanto, a opinio acerca dos Brasileiros de Torna-viagem e as Casas de Brasi-leiros continua a ser aquela que foi veiculada pela literatura nos finais do sculo XIX.

    Consideramos que no existe uma Casa de Brasileiro enquanto modelo da resi-dncia destes emigrantes. No norte do pas, e mais concretamente no Vale do Sousa,

  • As casas de brasileiros dois exemplos no Vale do Sousa

    609

    existe uma multiplicidade de casas de diferentes traos e materiais. No entanto, como j foi referido anteriormente, existem caractersticas comuns que predominam nos diversos conjuntos edificados.

    Cada casa um caso, uma vez que estes espaos reflectem, por vezes, a assimila-o da paisagem arquitectnica brasileira e europeia, mas tambm espelham o per-curso do seu encomendador.

    Assim, torna-se difcil definir um modelo da Casa de Brasileiro, devido s especi-ficidades regionais em que estas se inserem, variedade de materiais e aos percursos pessoais e profissionais dos brasileiros. No Vale do Sousa, encontramos uma multipli-cidade de casas com diferentes traos, como aquelas duas que aqui apresentamos.

    A singularidade do porte, do destaque, do ornato e da cor de vrias Casas de Brasi-leiros no norte do pas torna difcil catalogar/fazer um inventrio e, sobretudo, criar tipologias. No entanto, consideramos que urgente fazer um inventrio destas casas, de forma a evitar que estas se percam na memria dos tempos. Nunca nos podemos esquecer que se nos finais do sculo XIX, a literatura se encarregou de caricaturar e, sobretudo, ridicularizar estas casas, a nossa sociedade actual tem levado a cabo um processo semelhante com as casas dos emigrantes que se encontram em Frana, na Sua ou noutros pases europeus. Por isso, extremamente importante que o pas se torne receptivo a todas as inovaes introduzidas na arquitectura. As casas dos emi-grantes so o reflexo do percurso do emigrante quer em terras de origem quer em terras de trabalho.

    As Casas de Brasileiros na regio do Vale do Sousa, e mais concretamente no concelho de Paredes, caracterizaram-se pela introduo de novas dinmicas sociais, totalmente desconhecidas da comunidade. O concelho de Paredes tornou-se um importante ponto de passagem de polticos, brasileiros, cidados annimos que se sentiam atrados pela agitao nestes dois ncleos: Casteles de Cepeda e Louredo. importante referir que as Casas de Brasileiro passaram despercebidas na paisagem arquitectnica do concelho do Paredes, destacando-se apenas pelas referncias cita-das na imprensa. No entanto, estas referncias nunca foram entendidas como depre-ciativas quer do emigrante quer da construo.

    Do ponto de vista construtivo, criou-se um mercado de trabalho ligado aos ofcios e construo civil, nomeadamente atravs da utilizao de novos materiais como o azulejo, a telha, o ferro. Assim criou-se uma nova dinmica desencadeada por esta clientela em vrios sectores construtivos. O azulejo que os portugueses levaram ao conhecimento do Mundo, em painis de interiores, especialmente ao Brasil e que o brasileiro trouxe de volta ptria j adaptado ao revestimento de fachadas21.

    21 LOUREIRO, 1988.

  • Alda Neto

    610

    Actualmente, as Casas de Brasileiros tm sido alvo de interesse, uma vez que os seus proprietrios desapareceram, os critrios estticos alteraram-se e a percepo da casa transformou-se. Assim, estas casas tm vindo a ser recuperadas sobretudo pelos organismos oficiais e utilizadas como espaos culturais ou espaos habitacionais em alguns casos.

    A salvaguarda destas casas poder passar pela tentativa de uma maior valoriza-o destes exemplos arquitectnicos e, tambm, pela sua transformao em ambien-tes culturais.

    Fontes e Bibliografia Bibliografia

    BARREIRO, Jos do, 1924 Monografia de Paredes. Porto: Tipografia Barros e Costa.

    CASTELO BRANCO, Camilo, 1982-1994 Obras Completas. Porto: Lello & Irmo.

    CSAR, Guilhermino, 1969 O Brasileiro na Fico Portuguesa O Direito e o Avesso de uma Personagem. Lisboa. Parceria M. Pereira.

    GRIMAL, Pierre, 1992 Dicionrio da Mitologia Grega e Romana. Lisboa: Difel.

    JNIOR, Jos Ribeiro da Costa, 1947 A rvore das Patacas: romance com uma descrio da vida no Rio de Janeiro h 50 anos. Lisboa: s/ed.

    LOUREIRO, Jos Carlos, 1988 A Casa de Brasileiro, in Jornal Arquitectos, 67, AAP/CDN.

    MARQUES, A. H. de Oliveira, 1986 Dicionrio de Maonaria Portuguesa, vol. I. Lisboa: Editorial Delta.

    PEDREIRINHO, Jos Manuel, 1986 Arquivos de Arquitectura: As Casas dos Emigrantes Brasileiros. Histria, n. 98, ano IX.

    PEIXOTO, Maria Paula Brito de Torres, 1998 A Casa do Brasileiro, in Os Brasileiros da Emigrao. Vila Nova de Famalico.

    VALRIO, Nuno, 1998 A imagem do Brasileiro na obra literria de Jlio Dinis. Lisboa: Gabinete de Histria Econmica e Social.

    VILLANOVA, Roselyne de; LEITE, Carolina; RAPOSO, Isabel, 1995 Casas de Sonhos. Lisboa: Edies Salamandra.