as bruxas existem

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As bruxas Adila Trubat 1º Seminário sobre Paganismo da UWB As bruxas existem? Na dúvida, a resposta pode ser: Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem. A frase é um dito popular cuja forma galeza, originalmente seria «eu non creo nas meigas, mais habelas hainas» . (Baroja 1961). A resposta correta é: Elas existem sim, inclusive no Brasil. Certamente a palavra bruxa remete a uma série de estereótipos, como o da velha, de chapéu pontudo, com uma verruga no nariz. Nada mais distante da realidade. Hoje são bruxas e bruxos. São médicos advogados, assistentes sociais, professores, pais, mães, filhos, filhas e netos. Alguns se reúnem em grupos, outros são solitários, outros ainda cultuam seus deuses apenas dentro das suas famílias. São pessoas comuns que professam uma religião ancestral. Sim, bruxaria é uma religião com plenos direitos institucionais em países como os EUA. É um erro encarar a bruxaria como apenas uma forma curiosa de fé. Calcula-se que cerca de 100 mil foram torturados durante a inquisição na Europa (entre 1450 e 1750 aproximadamente) em nome dessa fé. Isso não é trivial (Russel, 1993). Existe uma miríade de formas de professar e praticar a bruxaria, entretanto temos muito em comum:

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breves considerações sobre bruxas no Brasil

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Page 1: As Bruxas Existem

As bruxas

Adila Trubat

1º Seminário sobre Paganismo da UWB

As bruxas existem?

Na dúvida, a resposta pode ser: Eu não acredito em bruxas, mas que elas

existem, existem.

A frase é um dito popular cuja forma galeza, originalmente seria «eu non creo

nas meigas, mais habelas hainas». (Baroja 1961).

A resposta correta é: Elas existem sim, inclusive no Brasil.

Certamente a palavra bruxa remete a uma série de estereótipos, como o da velha,

de chapéu pontudo, com uma verruga no nariz. Nada mais distante da realidade. Hoje

são bruxas e bruxos. São médicos advogados, assistentes sociais, professores, pais,

mães, filhos, filhas e netos. Alguns se reúnem em grupos, outros são solitários, outros

ainda cultuam seus deuses apenas dentro das suas famílias. São pessoas comuns que

professam uma religião ancestral.

Sim, bruxaria é uma religião com plenos direitos institucionais em países como

os EUA.

É um erro encarar a bruxaria como apenas uma forma curiosa de fé. Calcula-se

que cerca de 100 mil foram torturados durante a inquisição na Europa (entre 1450 e

1750 aproximadamente) em nome dessa fé. Isso não é trivial (Russel, 1993).

Existe uma miríade de formas de professar e praticar a bruxaria, entretanto

temos muito em comum:

Nem sempre somos dotados de percepções especiais. Não adoramos Satanás

(uma criação cristã). Somos pagãos, politeístas, o que não significa ser anti-cristão. Não

praticamos missas negras e não voamos em vassouras.

Estamos ligados à natureza e às maneiras como a natureza se manifesta ao longo

da vida. Estudamos a relação do homem com o universo que o cerca.

A ciência não nos é contraditória, nem desafio. Esta analisa, trabalha e explica as

interações entre a matéria, aquela foca seus estudos nas energias sutis do universo. Em

muitos pontos as duas se complementam. O poder do bruxo advém de sua compreensão

dos relacionamentos ocultos entre todos os elementos do cosmos.

Bruxaria não se baseia em superstições. Russel, em seu livro História da

Bruxaria define “superstição como uma crença que não está fundamentada em uma

visão de mundo coerente”. Definição esta que distancia os dois conceitos.

Page 2: As Bruxas Existem

A perseguição às bruxas não se restringiu à inquisição. Ela começou muito

antes. O cristianismo, onde chegou, demonizou deuses, seus sacerdotes e sacerdotisas,

ocupou lugares sagrados de culto das bruxas com igrejas, transformou as mais cultuadas

deusas em santas ou em demônios. O útero, antes sagrado nas crenças pagãs se

transformou em fonte de dor e danação. A inquisição foi o cume da condenação do

saber feminino (Priori, 2014).

Priori cita

“Sendo a mulher um agente de Satã, toda a sexualidade

feminina podia prestar-se a feitiçaria. Seu corpo, ungido

pelo mal, se tornava o território de intenções malignas.

Cada pequena parte seria representativa desse conjunto

diabólico, noturno e obscuro”.

Bruxos e bruxas brasileiras são herdeiros sanguíneos e/ou espirituais daqueles

bruxos vindos da Europa para o Novo Continente. Registros indicam chegadas na

Bahia, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (Araújo, 2007; Pieronni, 1991)

Mesmo em novas terras, a inquisição chegou ao Brasil buscando com mais

ênfase os cristãos-novos, que aqui retomavam suas práticas judaicas, do que os

praticantes da bruxaria.

Por outro lado, as bruxas encontraram aqui no Brasil um ambiente místico, que

convivia com as práticas xamânicas indígenas e a feitiçaria africana. Este tempero fez

com que a inquisição buscasse outro tipo de bruxa, algo diferente daquela europeia, mas

com a mesma carga de crime (Duarte, 2003).

Durante as três Visitações do Santo Ofício no Brasil, por conta da inquisição,

foram registradas práticas de orações e benzeduras para curar e proteger do mal, para

atração sexual ou para obter favores de alguém. Estas práticas estavam de tal forma

arraigadas na cultura brasileira (sem médicos), que não houve Tribunal do Santo ofício

no Brasil para julgar bruxas, contudo foram inúmeros os casos de blasfêmia, heresia,

adivinhação e curandeirismo (Duarte, 2003).

Embora as bruxas brasileiras tenham escapado do Santo Ofício, algumas não

escaparam da perseguição da lei brasileira. O artigo 157 do código Penal do Brasil de

1890 dizia que era crime:

“Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de

talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de

ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis e ou

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incuráveis, enfim para fascinar e subjugar a credulidade

pública”.

A punição era multa e detenção de 1 a 6 meses, que perdurou até, mesmo

quando, no ande 1891, o Brasil se declarasse um país laico. De 1891 a 1900 cerca de

trinta pessoas foram processadas com base nos artigos 156, 157 e 158 do Código Penal,

sob as acusações em sua maioria de curandeirismo, cartomancia e espiritismo. As

descrições das acusações foram muito diversificadas: distribuição de líquidos em vidros,

receituário de ervas para banhos e beberagens, dar saúde por meio de orações,

distribuição de poções de águas bentas de sete igrejas, aplicações homeopáticas por

meio da mediunidade, dentre outras.

O resultado das “perícias” nas áreas desse tipo de crime, resultaram em um

acervo exposto no Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro até a década de 1970. Este

acervo misturava itens de religiões de matriz africana e de bruxaria em um mesmo

conjunto. Todos os objetos estariam ligados à magia negra e eram expostos como

objetos de malefícios. Em 2005 a coleção de magia negra estava fechada.

Segundo Yvone Maggie, este fechamento e desaparecimento pode ter uma explicação:

“Também é possível especular que o sumiço da coleção

do Museu da Polícia tenha algo a ver com a força

crescente das religiões evangélicas no Rio de Janeiro,

inimigas mortais da feitiçaria, que têm crentes em todas

as esferas da sociedade, até na policial.”

A vinda da religião Wicca para o Brasil, fundada por Gardner em meados de

1950, acendeu a curiosidade sobre a bruxaria no Brasil. A Wicca trouxe elementos da

bruxaria praticada por várias tradições, especialmente as europeias, contribuindo para o

interesse quanto as práticas, filosofias, e resultados nas vidas das bruxas.

Cabe aqui uma distinção: NEM TODOS OS BRUXOS SÃO WICCANOS, MAS

TODO WICCANO É BRUXO.

Existem bruxos que praticam tradições herdadas daquelas que aqui chegaram,

degredadas pelo crime de professar uma fé ancestral. Existem bruxas que deixaram

germinar dentro de si a magia que todo ser humano carrega, existem aquelas que

decidem aderir a grupos e outras são solitárias.

Hoje somos um leque de diversidades, e nosso maior desafio é descobrir nosso

rosto, nossa forma, nossos números e nossos rumos, para solidificar caminhos futuros

que se reabrem a nossa frente.

Page 4: As Bruxas Existem

Também são grandes desafios da bruxaria:

Ver reconhecidos os direitos e espaços de culto.

Legitimar as tradições familiares da bruxaria.

Estabelecer um diálogo respeitoso por parte do Estado, que garanta espaços,

especialmente na educação e segurança pública.

Divulgar de forma fidedigna os conceitos e normas das diversas tradições da bruxaria.

Referências bibliográficas

ARAÚJO, S.A. Paradoxos da modernidade: a crença em bruxas e bruxarias em

Porto Alegre. 2007.

Disponível em:

http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/10780/000600999.pdf

Acessado em setembro 2015

BAROJA, J.C. Las Brujas y Su Mundo, 1961

DUARTE, J. A Formação da Religiosidade Brasileira. In: www.mitoemagia.com.br,

2003.

MAGGIE, Y. O arsenal da macumba: Os objetos de feitiçaria recolhidos pela

polícia ao longo do século XX formaram grandes coleções de magia e mostram

como a sociedade se relaciona com as suas crenças, Revista de História da Biblioteca

Nacional, setembro, 2007, Rio de Janeiro

PIERONNI, G. Vadios, heréticos e bruxos: degredados portugueses no Brasil-

Colônia, 1996.

Disponível em:

Acessado em setembro 2015

PRIORI, M.D.. Feitiços de amor. 2014

Disponível em: http://historiahoje.com/?p=4576

Acessado em: setembro de 2015

Page 5: As Bruxas Existem

RUSSELL, J. B. História da Feitiçaria. Rio de Janeiro: Campus, 1993.