arvore geneologica da familia sampaio

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TUDO COMEÇOU HÀ TANTO TEMPO,MAS AS RAIZES SÃO MAIS PROFUNDA, VEM DESDE OS PRIMÓRDIOS DA HUMANIDADE.AFINAL, SOMOS SOMOS UM ÚNICO RAMO...

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  • 1. RVORE GENEALGICAFAMLIA SEBASTIO FLORIANO DE CAMARGO SAMPAIO E MARIA MIQUELINA RIBEIRO DE SAMPAIO

2. Adolpho Jos Manzutti e Ilze Maria Pinheiro Sampaio Manzutti S-13 3. Casa de Ado Camargo Sampaio Famlia Antonio Souza Sampaio Antonio Jos Wilson Ilze Maria Maria Lucia Maria do CarmoFIGUEIRA - Sylvia, Paulo, Mariza, Amlia, Lourdes, Soninha e Afonso TOCO Amiga Sylvia Mariza Nilva - Nadir3 4. Procisso na Capela da Fazenda Pinheiro Antonio Sampaio, Wilson, Ilze, Maria Lucia, Maria Helena, Ben Dia de Festa de So Joaquim e Santa Ana Amlia, Luiz, Irani, Ernestina, Ivone, Maria Aparecida, Maria LuizaORAO DE UM PAIPeo a Deus, a Jesus e a Virgem Santssima que protejam a mim, minha esposa, filhos, noras, genros, netos, meus pais, 4 5. irmos, sogros e cunhados, meus tios e os de minha esposa, nossos afilhados, conhecidos, necessitados, a todos os familiares e descendentes para que sejam bastante felizes e protegidos de todos os males e maus fluidos, para que eles galguem o que tenham em mente, alcanando tudo aquilo que lhes trar felicidade e realizao. Peo que sejam protegidos na sade, no trabalho, nos estudos, nas viagens e no trnsito e que nunca percam a memria e a inteligncia. Que assim seja, Graas a Deus.5 6. AGRADEO A DEUS A VIDA QUE ME DEU Quando aqui chegamos, nossos pensamentos vagavam pelo infinito, no imaginvamos como seriam preenchidos os anos que viriam e o que estaria acontecendo hoje, e como seriam as nossas vidas. Hoje compreendemos que preciso lutar, temos tarefas a cumprir e que se soubermos venc-las de acordo com as leis da natureza e divinas, seremos felizes eternamente. Nada do que acontece de bom ou ruim, em nossas vidas por acaso. Em qualquer situao devemos estar sempre atentos, permanecendo firmes, sem nos vangloriar ou esmorecer, pois esses so os parmetros que nos guiam para o caminho do bem. Quando nascemos, iniciamos a luta pela sobrevivncia, um perodo muito importante e perigoso, no podemos perturbar e nem explorar nosso irmo, procurar sempre ajudar quem necessita e viver em comunho com todos. Desta maneira amenizaremos nossos sofrimentos e poderemos ter uma passagem feliz pela Terra e consequentemente uma recompensa no Cu. No devemos deixar nosso barco deriva e navegar sempre com muita f em Deus, em Jesus e na Virgem Santssima para que nos abenoem e nos ajudem a seguir o caminho do bem e 6 7. cumprir o que nos foi designado para nossa permanncia na Terra.PREFCIO A Nossa rvore Genealgica Meu pensamento sempre foi conhecer sobre a famlia, no se limitando minha, mas de todo grau de parentesco. Sempre pensei resgatar conhecimentos sobre nossos antepassados, saber suas origens e de como foram constitudas nossas famlias. Em 2001, j aposentado definitivamente, resolvi fazer as rvores genealgicas de nossas famlias, parei para pensar como ia iniciar e deparei-me com um alto grau de dificuldades. Infelizmente era um pouco tarde, pois os esteios das famlias 7 8. que podiam me fornecer com naturalidade esses dados desde a origem, j eram falecidos. Para obter os dados (das rvores) resolvi convocar o parentesco das quatro famlias: Manzutti e Santos, de minha parte, e Sampaio e Pinheiro, da parte de minha esposa Ilze. Distribui os questionrios para serem preenchidos e recebi os dados. Infelizmente poucos forneceram alguma historia sobre a famlia e os antepassados, limitando-se a fornecer dados de sua rvore, mas agradeo de corao a todos, por colaborarem. Das famlias Manzutti e Santos, consegui alm dos dados para a rvore algumas histrias vividas por alguns familiares. Das famlias, Sampaio e Pinheiro, alm dos dados da rvore Genealgica, acrescentei as histrias de Tibiri, Bartira e Joo Ramalho, e tambm transcrevi dados do livro Diogo Antonio Feij de Ricardo Gumbleton Daunt 1943. 8 9. Os dados das rvores Genealgicas foram fornecidos pelos parentes no perodo entre 2001 e 2011 e tive tambm a colaborao de meus filhos: Adolfo Jnior sua esposa Madelon, Alexandre Jos, Ana Aparecida e Ana Carmen; de meus netos Adolpho Neto e Rodrigo; tambm colaboraram meus primos Alcyr Azzoni e Emery do Carmo Granja; Paulo Roberto Moura Castro e Maria Sylvia Braga Castro; Valria Guimares; meu cunhado Carlos Jos Pinheiro Sampaio; meu afilhado Julio Sampaio Guimares; e tambm a tia Benedita de Souza Sampaio Parente (Sinh). Trata-se de um presente aos parentes. Anexo, uma mdia onde esta registrado o contedo impresso, para que seja fornecido aos familiares que tenham interesse. Estarei disposio, nos endereos abaixo.9 10. Adolpho Jos Manzutti & Ilze Maria Pinheiro Sampaio Manzutti So Paulo/Brotas SP - Dezembro de 2012Email [email protected] Fones: 014/3653-8561 e 011/3031-2335 Brotas SP Rua Guido Cor, 12 Jardim Parizi CEP. 17380-000 So Paulo SP Rua Brs Mendes, 63 Vila Madalena CEP. 05443-07010 11. CACIQUE TIIRI Cacique Tibiri foi o primeiro ndio a ser catequisado pelo padre Jos de Anchieta. Foi convertido e batizado pelos jesutas Jos de Anchieta e Leonardo Nunes. Seu nome de batismo cristo foi Martim Affonso, em homenagem ao fundador de So Vicente. Sua data de nascimento calculada em 1440. Seus restos mortais11 12. encontram-se na cripta da Catedral da S, na cidade de So Paulo. "Maioral" ou "Vigilncia da Terra", na lngua Tupi, Cacique guaians ou tupi, (sendo) divergem nesse ponto as opinies dos historiadores. Chefe de uma parte da nao indgena estabelecida nos campos de Piratininga, com sede na aldeia de Inhampuambuu foi irmo de Piquerobi e de Caiubi, ndios que se salientaram durante a colonizao do Brasil, o primeiro como inimigo e o segundo como grande colaborador dos jesutas. Teve muitos filhos. Com a ndia Potira , teve talo, Ar, Pirij, Arat, Toru e Bartira. A ndia Bartira, viria a ser mulher de Joo Ramalho, de quem era grande amigo e a pedido do qual defendeu os portugueses quando chegaram a So Vicente. Em 1554, Tibiria acompanhou Manuel da Nbrega e Anchieta na obra da fundao de So Paulo, e estabeleceu-se no local onde hoje se encontra o mosteiro de So Bento, espalhando seus ndios pelas 12 13. imediaes. A atual rua de So Bento era por esse motivo chamada primitivamente Martim Affonso (seu nome de batismo). Graas sua influncia, os jesutas puderam agrupar as primeiras cabanas de nefitos nas proximidades do colgio. Tibiria deu aos jesutas a maior prova de fidelidade, a 9 de Julho de 1562 ( e no 10 como habitualmente se escreve), quando, levantando a bandeira e uma espada de pau pintada e enfeitada de diversas cores, repeliu com bravura o ataque vila de So Paulo, efetuado pelos ndios tupi, guaians e carijs, chefiados por seu sobrinho (filho de Piquerobi) Jagoanharo. TIBIRI Esse cacique indgena, chefe da nao Guaianaz, um dos chefes das tribos aliadas de So Paulo, prestou inmeros e relevantes servios colonizao paulista. sua boa ndole, energia e ao seu esforado concurso, deveu Martim Afonso de Sousa uma boa parte do progresso da capitania de 13 14. S. Vicente. Era irmo de Arari, chefe dos Tupis e Carijs, que, naquele memorvel dia 9 de junho de 1562, atacaram a vila de So Paulo, sendo derrotados, graas aos esforos dos jesutas e do Cacique Tibiri. Amigo dedicado de Martim Afonso tomou o cacique o seu nome ao ser batizado, quando convertido pelas prdicas de Anchieta e Leonardo Nunes. Faleceu a 25 de dezembro de 1562, com avanada idade, vtima de prolongada enfermidade. Aquele dia de natal foi de tristeza para os ndios. O cacique, desde cedinho, estava passando muito mal. O padre Anchieta, a seu lado, empenhava-se em suavizar-lhe os ltimos momentos. Havia muito tempo vinha ele sofrendo de cmaras de sangue. E com a avanada idade que atravessava aquilo mais lhe torturava os derradeiros estertores... A indiada, c fora, no se conformava, e chorava. Chorava aos gritos angustiados. E pela aldeia rolava um lamento surdo e inquietante. Os tambores l longe, ecoavam. Logo mais, a nova melanclica 14 15. caiu como um raio: Tibiri morrera! O Martim Afonso deixara de existir. Piratininga inteira vibrou: os ndios e os padres. tardinha, realizou-se o sepultamento com toda a pompa. Compareceu todo o mundo. Joo Ramalho e sua mulher Bartira, batizada com o nome de Isabel, seus numerosos filhos, seus netos, todos os seus descendentes, os jesutas, os indgenas chorando... Seu corpo foi levado para o colgio de So Paulo e ali sepultado. Hoje jaz na cripta da Catedral de So Paulo, ali no largo da S.15 16. BARTIRA Princesa Mbicy ou Bartira ou Isabel Dias ou Butira-Flor Os arautos reais trombeteavam pelas ruas e vielas de Lisboa, as alegrias Del-Rei, o Venturoso, e liam a carta histrica de Pero Vaz Caminha, contando as belezas e a fecundidade da terra recm-descoberta por Cabral (Que no era Cabral, e sim Pedro lvares Gouveia). Os que ouviam iam logo levar a notcia de casa em casa, e em pouco toda a Lusitnia sabia e comentava o auspicioso acontecimento. Os camponeses ficavam com inveja da terra ubrrima, na qual "em se plantando nela dar tudo". Sabiam que eram terras sem fim que eles saberiam aproveitar. E meditavam tristes, olhando as pequenas faixas de terra milenar e cansada, que tinham diante de si, terra por eles trabalhada com tanto sacrifcio e amor! Pelas suas cabeas cheias de sonhos e de 16 17. cobia passava a ideia: Ah! Se pudssemos l ir... Os rapazes ficavam encantados com as noticias das moas morenas, de corpos de cor de cobre, talhados em curvas sedutoras, as quais andavam nuas e belas, "to bem feitas e to redondas diz Caminha de uma delas "que a muitas mulheres de nossa terra vendo-lhes tais feies fizera vergonha". Os poetas e os artistas ficavam enamorados ao pensar nas paisagens constitudas de montanhas e selvas entremeadas pelas curvas prateadas dos rios e ribeires, nas florestas cerradas onde tinham animais estranhos e aves de linda plumagem; onde o pr do sol tingia o cu e as guas com revrberos de ouro, rubis e ametistas... Os banqueiros pensavam em numa certa madeira cor de brasa, e em outras especiarias de que era farta a terra; nas minas de ouro que certamente existiam; na fonte inesgotvel de riquezas de que era 17 18. prolfera a terra morena e graciosa, que Caminha tanto gabava. E perguntamos ns, seria por um desses motivos que de l abalou Joo Ramalho, de maneira quase desconhecida, afrontando a imensido dos mares, as tempestades os perigos, para se homiziar num cantinho desse paraso por tanto sonhado e desejado? Teria anseios de plantar, colher, enriquecer?...Vontade de conhecer as belas moas cor de bronze? Desejaria deliciar os olhos e a alma com a paisagem deslumbrante e encantadora desse mundo longnquo, ou teria nsias de aventura de qualquer espcie, em buscas das quais se atira de olhos fechados? Ou uma desiluso terrvel, uma dor, uma mgoa profunda, fizeram-no procurar esses riscos como se fosse um suicdio? Ningum sabe. Quando teria ele deixado Portugal, a terra amada? Tanto historiadores como pesquisadores esto em desacordo. Uns afirmam que saiu de Portugal em 1510; 18 19. outros afirmam que sara de Portugal em 1512; outros mencionam o ano de 1515, e ainda outros atestam ter ele chegado aqui em 1498. No importa quando tenha sado de Portugal, e porque o fez. Quem sabe mesmo se no teria sido impelido a essa aventura empurrado pelo medo de um castigo cometido por crime? No importa tambm. O fato certo e sabido que os primeiros exploradores vieram encontr-lo j unidos a mais linda ndia da tribo, a filha do Cacique Tibiri, falando e entendendo a linguagem dos ndios brasileiros da costa paulista. L estava ele, feliz, descivilisando medida que procurava civilizar os bugres; desdobrando-se os filhos, os primeiros mamelucos que a linda esposa Bartira, ofertava terra vermelha de So Paulo. Bartira ou Butira (Machado de Oliveira, dlhe o nome de Butira), nome bonito que significa "flor". Ela mesma representa na sua figura gentil de ndia guianaz, a 19 20. primeira flor humana transformada na primeira me crist, de paulistas cristos. Filha do Cacique Tibiri, a escolhida por Joo Ramalho, esse histrico portugus que foi Capito entre os seus compatriotas e, segundo Pedro Taques, o linhagista, teve o foro de Cavaleiro e foi mais tarde o fundador da vila de Santo Andr da Borba do Campo, foi Guarda-Mor e Alcaide-Mor da expedio contra os ndios Tupiniquins que, confederados com outras tribos, assaltaram a nascente povoao de So Paulo de Piratininga. Esse Joo Ramalho que se esqueceu de deixar gravada a sua histria, e, como se viu um dia, naqueles primeiros anos do sculo XVI, aportado s terras do Brasil. A linda Bartira casou-se com ele pelo cerimonial do ncola; o casamento foi abenoado por Deus, que lhes floriu a vida dando-lhes muitos filhos (Tiveram oito filhos, diz Alfredo Ellis Jr. em "Primeiros Troncos Paulistas"). 20 21. Quando Padre Manoel da Nbrega os conheceu, ambos avanados em anos e felizes, no se conformou com a ilegitimidade dessa unio fora da igreja. Precisavam da bno catlica, e fazendo Joo Ramalho confessar, soube que o mesmo era casado em Portugal, perante o altar do Senhor, e que ao partir para rumo desconhecido, deixara a esposa, a quem jamais dera notcias suas. O grande missionrio jesuta, para tranquilizar sua conscincia e cumprir sua misso, regularizando aquele casamento perante a Igreja, escreve uma longa carta datada de 31 de Agosto de 1553 aos jesutas em Portugal pedindo Companhia que investigue se viva ou morta a esposa de Ramalho, "QUE QUER SABER PARA PODER CASAR COM BARTIRA, E QUE H MAIS DE 40 ANOS VIVE NO BRASIL E TEM DELA MUITOS FILHOS E FILHAS". Nbrega batizou-a de Isabel Dias; batizou lhes os filhos e filhas, os primeiros 21 22. cristos de So Paulo, nascidos dessa me semibrbara e linda. Boa me, boa esposa, essa quase desconhecida Bartira, foi aos poucos adquirindo hbitos civilizados; viu a chegada de Martin Afonso de Souza em 1532, viu mais tarde a chegada de Ana Pimentel, fidalga, rica, trazendo da Metrpole uma civilizao palaciana; viu a fundao da Vila de Santo Andr da Borba do Campo, como j havia visto em 22 de Janeiro de 1532 a fundao de So Vicente no dia do santo homnimo; viu Braz Cubas construindo a Casa do Porto de Santos; viu a ereo do Hospital de Misericrdia fundado por Ana Pimentel; viu Anchieta atraindo a si os curumins e cunhatains, para ensinar-lhes noes de coisas e a rezar, adorar Deus e ela tambm vai aprendendo muitas coisas. Quando Joo Ramalho, aos 73 anos de idade, foi convidado para ser Prefeito de So Vicente, ela lembra-lhe a idade, e ele serenamente, numa carta ao Governador, recusa o alto cargo por "sentir-se velho e 22 23. cansado" e achar que o governo da cidade necessitava de uma pessoa moa, cheia de vida, de entusiasmo e de disposio para o trabalho. Essa a mulher que deve descerrar as cortinas do prtico da Histria da Mulher Paulista, pois que seu sangue vem passando de gerao em gerao pelas veias da gente de nossa terra, formando os bandeirantes que alargaram as fronteiras da Ptria, sangue que ainda hoje circula nas veias dos estadistas, dos agricultores, dos industriais, dos poetas, dos operrios, e da juventude gloriosa de So Paulo! Bartira - Flor, seu nome ficar nas paginas da Histria, como j est gravado no sangue heroico dos bandeirantes de todas as eras. Tirado do livro "A Mulher Paulista na Histria" Adalzira Bittencourt - 195423 24. JOO RAMALHO24 25. Quando Martim Afonso de Sousa aportou em So Vicente, pelas alturas de 1532, foi recebido, com surpresa sua, por dois patrcios que aqui j se encontravam havia longo tempo: Antonio Rodrigues e Joo Ramalho. Do primeiro muito pouco se conhece. Apenas que se casara com uma filha de Piquerobi, o cacique de So Miguel de Ururai, com quem teve muitos filhos. Quanto ao segundo, a fama era das piores. "Judeu degredado para uns; simples nufrago casual para outros; precursor de Colombo na Amrica, segundo frei Gaspar da Madre de Deus; filho da casa real, d-lo Pedro Taques; uma e nica pessoa, pelo menos, iniciado nos rudimentos da Cabala, para Horcio de Carvalho", Joo Ramalho foi uma autntica figura de novela. Deixara crescer a barba descuidada. Vivendo no mato, no meio da indiada, pouco ligava indumentria. Era truculento, desptico, dominado pelos modos desabridos. Em consequncia, no havia quem no o temesse. Um dia, andejando sempre, 25 26. galgou a Paranapiacaba, e veio bater nas margens de Guapituba, onde conheceu o cacique Tibiri, com quem fez boa amizade. O aventureiro apreciou o lugar. Resolveu ficar. Aquilo por ali estava cheio de "ndias passivas e ofertantes, que andavam nuas e no sabiam se negar a ningum". Uma, porm, no meio de tantas, mexeu-lhe com o corao. Chamava-se Bartira. Alm de bonita, Bartira sendo filha do cacique Tibiri, era um bom partido. Joo Ramalho no vacilou. Abandonou as demais e ficou com ela. Tornou-a predileta. O chefe da tribo gostou. Ter um branco como genro era uma incomensurvel honraria para a famlia... O ncleo de Santo Andr, assim chamado em memria do padroeiro da vila, foi atraindo outros forasteiros. A seleo no poderia ser das maiores. Apareceu gente de toda a espcie: bons e maus, estes em maior nmero do que aqueles. Quem era Ramalho 26 27. Quando Martin Afonso de Sousa aportou a So Vicente, pelas alturas de 1532, foi recebido, para sua surpresa, por dois patrcios que aqui j se encontravam, havia longo tempo: Antnio Rodrigues e Joo Ramalho. De Antnio Rodrigues, muito pouco se conhece. Apenas que se casara com uma filha de Piquerobi, o cacique de So Miguel de Urura, e teve muitos filhos. E sobre Joo Ramalho? "Judeu degredado, para uns; simples nufrago casual, para outros; precursor de Colombo na Amrica, segundo frei Gaspar da Madre de Deus; filho da casa Real, di-lo Pedro Taques; uma e nica pessoa com o bacharel de Canania, na opinio de Cndido Mendes; boal e rude analfabeto; personagem pelo menos iniciado nos rudimentos da Cabala, para Horcio de Carvalho." Na verdade, Joo Ramalho foi uma autntica figura de novela. Deixara crescer a barba descuidada. Vivendo no mato, no meio da indiada, pouco ligava indumentria. Era truculento, desptico, 27 28. dominando pelos modos desabridos. Em consequncia, no havia quem no o temesse. Alm, muito alm daquelas serras. Um dia, andejando sempre, galgou a serra de Paranapiacaba [subida de Santos ao planalto paulista] e veio bater nas margens de Guapituba, onde conheceu o cacique Tibiri, com quem fez boa amizade. O aventureiro apreciou o lugar. Resolveu ficar. Aquilo ali estava cheio de "ndias mansas, daquelas ndias passivas e ofertantes, que andavam nuas e no sabiam se negar a ningum". Uma delas, no meio de tantas, lhe mexeu com o corao. Chamava-se Bartira. Alm de bonita, Bartira vinha a ser a filha do cacique Tibiri. Era um bom partido. Joo Ramalho no vacilou. Abandonou as demais e ficou com ela. Tornou-a predileta. O chefe da tribo gostou. Ter um branco como genro era uma grande honraria... O ncleo de Santo Andr 28 29. O ncleo de Santo Andr, assim chamado em memria ao padroeiro da vila, foi atraindo outros forasteiros. A seleo no podia ser das maiores. Apareceu gente de toda espcie: bons e maus, estes ltimos em maior nmero do que aqueles. Tendo brotado na beira do serto, ficou conhecido como Santo Andr da Borda do Campo. Como seria, naqueles tempos primitivos, Santo Andr da Borda do Campo? Naturalmente, tinha um aspecto selvagem. A terra era selvagem, os casebres de taipa-de-mo, cobertos de sap, selvagens; as mulheres mestias, mal enrodilhadas em panos de algodo, de fisionomias endurecidas pelos trabalhos incessantes, seriam, tambm, selvagens. "E os homens, na sua rudeza incomparvel, barbudos e desataviados, possivelmente vestidos de pele, por toda parte alando o perfil de lince, seriam, entre todos os seres, entre as prprias feras, os mais temerosos e os mais selvagens." 29 30. Mas no tardou que o pequenino arraial viesse a receber o ttulo honroso de vila, passando o seu fundador a ser apontado com o ttulo mais honroso ainda "Alcaide Mor e Guarda Mor do Campo"... Um Alemo Assustado Foi nesse tempo que, por ali, apareceu o viajante alemo Ulrico Schmidel, que andava correndo mundo. Tinha um tipo esquisito. Sofria de delrio ambulatrio. De Assuno, viera a ter em So Vicente. De So Vicente foi andando. E andando, andando sempre, quando viu, estava no meio de gente branca. Era ali Santo Andr. Cedamos-lhe a palavra: Afinal, chegamos a uma aldeia habitada por cristos, cujo chefe se chamava Joo Reinvelle (sic). Felizmente, para ns, andava ausente, pois o arraial tinha-me cara de ser um covil de bandidos. Partira Reinvelle (Ramalho) para ir com outros cristos que habitavam uma 30 31. povoao chamada Vicenda (So Vicente), a fim de, com eles, concluir um tratado. "Apenas lhe vimos o filho, que nos recebeu bem, embora nos inspirasse muito mais desconfiana do que os prprios ndios. Deixando este lugar, rendemos graas ao cu por dele havermos podido sair sos e salvos." "Apesar de tudo, Joo Ramalho era o homem mais poderoso da regio, mais do que o prprio soberano: havia guerreado e pacificado a provncia, reunindo cinco mil ndios enquanto o rei de Portugal s reuniria dois mil". Ramalho excomungado No ano de 1553, Santo Andr da Borda do Campo viveu o ponto mais alto de sua vida florescente. Ento, surgiram os primeiros jesutas: Manuel da Nbrega e Leonardo Nunes. O segundo ficou horrorizado com o que presenciava: a mancebia dos portugueses com as ndias e o cativeiro dos ndios. 31 32. Aquilo lhe pareceu pior que Sodoma e Gomorra. E no teve dvidas em excomungar Joo Ramalho. Joo Ramalho achou ruim... E comeou a luta, uma luta de vida e morte. A mulher de Ramalho decidiu a questo Uma manh, a coisa tomou aspecto muito srio. O padre, tendo ido dizer missa na igrejinha do povoado, viu entre os presentes Joo Ramalho e mandou expulslo do templo. Foi conta. Saiu um sarilho de todos os diabos. Os filhos de Joo Ramalho [que no eram poucos] resolveram tomar um desforo. L apareceram armados de trabuco, dispostos a matar o jesuta corajoso. E foram entrando... Na frente, Andr, o mais velho. Depois, os outros: Vitrio, Antonio, Marcos, Joo... Em casa, ficaram apenas as meninas: Joana, Margarida, e Antnia... Quando Bartira soube de que planejavam os filhos, foi atrs, e meteu-se 32 33. no meio, desarmou-os, f-los retroceder... Foi gua na fervura. Desistiram do seu intento. E s assim escapou com vida o padre Leonardo Nunes. Um dia depois do outro A coisa era desse feitio, naqueles ureos tempos, na primitiva Santo Andr da Borda do Campo. Tudo se resolvia a trabuco. No princpio, Joo Ramalho deu aos padres muita dor de cabea, e por um triz no quebrou a pau a dita cuja de Leonardo Nunes, o padre intrujo. Com os anos, tudo foi mudando. O belicoso Joo Ramalho j no era o mesmo das primitivas eras. Foi perdendo aquela arrogncia, aquele jeito distorcido... Os filhos, sim, os mamelucos da sua numerosa descendncia, aqueles primeiros e desenvoltos paulistas, tornaram-se o terror das cercanias. E deram trabalho medonho... Foi um tempo quente. O fim da vila na borda do campo 33 34. J nessa poca, So Paulo de Piratininga progredia, absorvendo completamente a vila que ficara atrs. Mem de S determinara que Santo Andr se extinguisse e todos se mudassem para So Paulo. O prprio Joo Ramalho acabou por concordar. E, para content-lo, nomearamno capito-mor de So Paulo. Era uma maneira jeitosa de atra-lo. Mas ele, a tempo, descobriu o golpe. Desiludido, no desejou ficar por aqui. Resolveu abandonar o Planalto e ir morar longe. E foi habitar uma cabana rstica no vale do Paraba. Hospedou-se em casa de Lus Martins. Estava velho e cansado. Apesar de tudo, embora com setenta anos, no tinha uma c [cabelos brancos] na cabea nem no rosto, e costumava andar nove lguas a p antes de jantar... Ramalho vereador 34 35. Um dia, naqueles 15 de fevereiro de 1564, um grupo pacfico de homens foi procur-lo na sua casinhola. Joo Ramalho recebeu-os com certo embarao. Que queriam dele? Mandou-os entrar. No havia banco para tanta gente... Ficaram de p, e de p falaram. Era uma comisso do Conselho Paulista. Vieram comunicar-lhe que a gente de Piratininga o havia elegido para vereador de sua Cmara. hora do troco Ramalho ouviu tudo com a maior ateno. Seu olhar parecia andar por muito longe, distante mesmo... Lembrava-se, talvez, das ingratides de que fora vtima. Recordava-se das humilhaes sofridas. E no mesmo instante, mal sopitando a revolta tardia, alou o rosto, e achou que chegara o momento azado para a desafronta. Solene, pausado, com um tom superior, retorquiu, altivo: "No aceito. Vivo bem no meu exlio. Pra que voltar? Alm disso, estou velho: sou 35 36. um homem que j passou dos setenta anos... Digam ao Conselho que Joo Ramalho declina da honraria, e prefere ficar onde se encontra: prefere acabarem seus dias entre os contrrios do Paraba, na terra dos ndios..." E deu-lhes as costas. Um a um, foram saindo. O velho dominador tinha razo: "no nasceu para vereador de um msero burgo, aquele que sempre foi um rei da floresta. Morre Martim Afonso Tibiri (o cacique) Naquele dia 25 de dezembro de 1562, sofreram os ndios um rude golpe. A notcia espalhara-se rapidamente. O cacique Tibiri estava passando muito mal. O padre Anchieta, ao seu lado, empenhava-se em suavizar-lhe os ltimos momentos. Havia muito, vinha ele sofrendo as cmaras de sangue. E com a avanada idade que atravessava aquilo mais lhe torturava os derradeiros estertores. A indiada, c fora, no se conformava e chorava. Chorava aos gritos angustiados. E 36 37. pela aldeia rolava aquele lamento surdo e inquietante. Os tambores, l longe, ecoavam. Logo mais, a nova melanclica caiu como um raio. Tibiri morrera! O Martin Afonso [nome cristo que ele adotara] deixara de existir. Piratininga inteira vibrou. Os ndios e os padres. Desaparecia um dos seus melhores amigos. tardinha, realizou-se o sepultamento. Um sepultamento com toda a pompa. Compareceu todo o mundo. Joo Ramalho e sua mulher, Bartira, batizada com o nome de Isabel, seus numerosos filhos, seus netos, todos os seus descendentes, os jesutas, os indgenas, chorando... Seu corpo foi levado para o colgio So Paulo e ali sepultado. Era uma deferncia das maiores. O reprter Padre Anchieta O padre Anchieta, em carta escrita a 16 de abril de 1563, contava, ento, o que acontecera: "Foi enterrado na nossa igreja, com muita honra, acompanhando-o todos 37 38. os cristos portugueses com a cera de sua confraria. "Ficou toda a capitania com grande sentimento de sua morte pela falta que sentem, porque este era o que sustentava todos os outros, conhecendo-se-lhes muitos obrigados pelo trabalho que tomou em defender a terra, mais que todos, acho que nos devemos ns os da companhia e por isso determinou dar-lhe em conta no s de benfeitor, mas ainda de fundador e conservador da Casa de Piratininga e de nossas vidas. "Fez testamento e faleceu com grandes sinais de piedade e f, recomendando sua mulher e filhos que no deixassem de honrar sempre a verdadeira religio que abraaram." Quem mais sentira a morte de Tibiri fora seu genro, aquele barbaudo e intrpido Joo Ramalho. Regressara, depois do enterro, ao seu retiro s margens rumorejantes do Paraba. Parecia que a vida perdera para ele a razo de ser, seu 38 39. encanto maior. Talvez a idade avanada, talvez os dissabores enormes... E meditou muito longamente sobre a morte. O vale da sombra da morte O velho Joo Ramalho tratou de preparar-se para enfrentar o momento fatal que haveria de vir, mais dias, menos dias. Mandou chamar sua presena o tabelio Loureno Vaz, naqueles trs de maio de 1580. Conversaram os dois longamente. Soube-se apenas que, no mesmo dia, o funcionrio regressava casa do ex-rei do Planalto, armado de enorme livro e com a sua pena de pato. Acompanhavam-no o juiz ordinrio Pedro Dias e quatro testemunhas. Vinham solenes e carrancudos. E Joo Ramalho ditou seu testamento. O documento famoso ficou transcrito nas notas do tabelio da Vila de So Paulo. Narrava toda a sua vida, uma vida novelesca e cheia de altos e baixos. Frei Gaspar da Madre de Deus revelou mais tarde que possua uma cpia do documento 39 40. original, mas o certo que pouqussimas pessoas manusearam o testamento to discutido. Capistrano de Abreu [historiador, contemporneo de Rocha Pombo], escrevendo a respeito, deu sua opinio valiosa: "fora de dvida est que Joo Ramalho foi um dos colonos mais antigos; preferiu o planalto beira-mar, fez-se respeitado pelos indgenas, entre os quais granjeou numerosa prole. "Os hbitos, adquiridos em decnios de vida solta, incompatibilizaram-no com os jesutas, de cujas crnicas saiu mal notado. Muito deu que falar o seu testamento, do qual sonsamente deduziu frei Gaspar da Madre de Deus que fora ele o verdadeiro descobridor da Amrica; o documento no foi visto s por frei Gaspar, mas at agora no reapareceu." Paulistas de quatrocentos anos40 41. Joo Ramalho morreu tempos depois. Deixou uma descendncia colossal, gerando os primeiros paulistas: 1) Beatriz Dias, que foi casada com Lopo Dias, natural de Portugal; 2) Francisco Ramalho Tamarutaca, que foi casado trs vezes, sendo a primeira e terceira com Francisca e Justina, ndias; 3) Antnio de Macedo, casado; 4) Vitorino Ramalho, casado, que foi assassinado pelos ndios Tupiniquins, nas imediaes da Vila de So Paulo; 5) JOANA RAMALHO, casada com Jorge Ferreira, que foi, em 1556, loco tenente do donatrio da Capitania de Santo Amaro, pertencente a Martim Afonso, filho de Pedro Lopes de Souza. E outros mais... Um lugar perdido no tempo Santo Andr - j asseverou Teodoro Sampaio [historiador, contemporneo de Rocha Pombo] - como um ninho de escravismo e toca de turbulncia, 41 42. desapareceu sem deixar vestgios, como se, de vez, a arrasara um brao exterminador. Nas margens do Guapituba, que flui para Piratininga, cerca de uma lgua na atual vila de So Bernardo, o viajante debalde procura um trecho de velho muro que lhe recorde este baluarte do alcaidemor da Borda do Campo. Como se fora edificada na areia movedia, onde um sopro de desolao tudo subvertera e apagara, nem mesmo a tradio mameluca se salvou na memria dos raros habitadores destas paragens. que as cidades tambm se apagam na vida, como se apagam na iniquidade dos homens. (Fernando Correia da Silva - Sertanejo, pioneiro, 1493(?) (1580)). Quando Tudo Aconteceu.. 1493 (?): Nascimento de Joo Ramalho, em Vouzela, distrito de Viseu. 1512 (?): Sua viagem para o Brasil. - 1514 (?): aceite pela tribo tupiniquim chefiada pelo cacique Tibiri, o qual lhe d como 42 43. esposa a sua filha Bartira. - 1532: Ajuda Martim Afonso de Sousa a fundar a vila de So Vicente (no litoral do atual Estado de So Paulo). - 1553: Funda e nomeado Alcaide-mor da vila de Santo Andr da Borda do Campo, no planalto de Piratininga. - 1554: Ajuda o jesuta Padre Manuel da Nbrega a levantar a povoao de So Paulo de Piratininga. - 1560: Mem de S, Governador - geral do Brasil, extingue a vila de Santo Andr e promove So Paulo a vila. - 1562: Joo Ramalho, com a ajuda de Tibiri, comanda a defesa de So Paulo contra o ataque da chamada "confederao dos tamoios". - 1564: Recusa o cargo de vereador da vila de So Paulo e retira-se para o vale do Paraba. - 1580: Morre Joo Ramalho em So Paulo. Confisso Vossa Reverendssima insiste ouvir-me em confisso? Compreendo e agradeo o cuidado. J fiz 87 anos, amanh vou apagar-me e quereis que eu v sem mcula 43 44. presena do Criador. Porm, nesta passagem, mais temo por vs do que por mim. Explico-me e perdoai-me o doesto: sois muito verde, novio recm-chegado. Sem prvia vivncia das terras do Brasil, no conseguireis entender os volteios da minha vida. Ireis ficar escandalizado como escandalizado ficou em tempos o Padre Manuel da Nbrega, o fundador desta vila de S. Paulo. Chegou mesmo a pregar que petra scandali era toda a minha vida. Mais tarde corrigiu a opinio, mas que o disse l isso disse, e quase me excomungou. No, Padre, Ramalho a minha alcunha por causa da minha barba que foi sempre ramalhuda. Maldonado que o apelido do meu pai. Nome de cristo novo achais que sim? Antes de vs, j outros disseram o mesmo e at disseram que a rubrica ou gatafunho com que assino os documentos um kaf, letra hebraica. Portanto, para eles, marrano fugido ou degredado para o Brasil serei eu. Outros opinam que eu sou apenas um nufrago que 44 45. deu costa. Nada disso eu desminto ou confirmo. Padre: mais vale cair no mar fundo do que rolar nas bocas do mundo... Contra correntes adversas, no vale a pena resistir-lhes. No se perca o flego, deixar que nos arrastem. S quando comeam a enlanguescer que, num repelo, delas podemos nos safar. E eu safei-me, como estais vendo, pois venho aqui a morrer de velho. Padre foi por entre duas guas que atravessei a vida. A Ilha do Paraso Em Vouzela, onde nasci, despeo-me de Catarina, a minha esposa, e parto para Lisboa. O motivo? Padre: essa matria que no vem ao caso. Pecados, se os cometi, foram aqui e no em Portugal, e pecados o que eu devo confessar. Abalo de Vouzela, corao apertadinho... Suponho, e bem, que nunca mais tornarei a ver a Catarina, pois o meu destino o Brasil to distante. Mas, ao chegar a Lisboa, logo me animo. No s por causa das novas da expedio de Fernando Noronha que, esse 45 46. sim! Veramente cristo-novo e mercador, o que no obstou que El-Rei D. Manuel, o Venturoso, lhe tivesse arrendado as terras de Vera Cruz desde 1502 a 1505 para o abate e recolha de pau-brasil, ento muito procurado para a tingidura de panos. E foram 20 mil quintais que renderam cinco por um. Pensei que o nome do pau-brasil lhe viesse da cor de brasa, mas um marinheiro breto, com quem fiz amizade, conta-me que na sua terra, e na sua lngua, corre a antiga lenda que O'brazil o nome verdadeiro da Ilha do Paraso, e que tinham sido os afortunados portugueses a descobrila, e por isso est ele em Lisboa na esperana de poder ser engajado numa viagem ao Paraso. Arribo a esta costa do Brasil em 1511, talvez em 12, ou 13, no sei ao certo, com tantos anos em cima do lombo a memria j me vai falhando. Bem acolhido sou por Antnio Rodrigues, o degredado portugus a quem todos chamam, ou chamavam, o "bacharel de Canania", e que h muito 46 47. tempo vive entre os ndios tupiniquins da beira da praia. Apadrinha-me e logo me parece que demandei veramente o Paraso, pois, ao acolherem-me, os ndios comeam por me dar mulher nova, escorreita e muito limpa, e eu estou na casa dos 20 anos, deslumbramento... NUDEZ E MALCIA o que eu temia: Vossa Reverendssima j comea a benzer-se e a apostrofar-me por ter cado eu em pecado mortal, que o da fornicao e luxria. Segui o ditado em Roma s romano e confesso que, entre os ndios, ndio fui. Para 47 48. eles, pecado recusar o que a natureza prazerosa manda colher. Vossa Reverendssima escandaliza-se com a nudez das mulheres nativas e desvia os olhos para no mirar aquilo a que chama suas vergonhas. Mas se malcia existe no ser nelas, pois com inocncia revelam os corpos que Deus lhes deu, tal como vs mostrais a nudez das vossas mos. E mais vos digo que assim desnudas so elas mais discretas e modestas do que as ataviadas damas do Pao e nem sequer estou a compar-las com as marafonas que, vestidas da cabea aos ps, andam em requebros pelas ruas de Lisboa. Quanto ao relacionamento que estas ndias tm com os homens, procedem elas com a mesma naturalidade e prazer com que se refrescam e matam a sede com a gua de coco. Uma coisa de comum tm as nativas com as reinis: a vaidade. Mas enquanto as de l gastam os dias a escolher tecidos, brocados e roupas com que pensam adornarem-se, estas daqui passam o tempo 48 49. a fazer cocares com penas de aves e a fantasiar desenhos e motivos com que iro pintar os corpos umas das outras. So elas tambm que pintam, com mo firme, a geometria que se espalha sobre os corpos de rapazes e guerreiros. Tintas preparadas com barro, resinas e sumos de frutas. Portanto pinturas que duram apenas at ao prximo banho. Porque estes ndios so muito asseados, chegam a tomar um, dois, ou mesmo trs banhos por dia. So muito diferentes dos portugueses, que fedem como os porcos que trouxeram do Reino. Potira e Tibiri Vinda do planalto de Piratininga, um dia baixou praia, Potira, cujo nome quer dizer flor. No sei por que os portugueses insistem em cham-la de Bartira, j que o seu nome verdadeiro Potira... ndia jovem, quase uma menina, esbelta, verdadeira flor de manac. Boto os olhos nela e quedo logo embeiado. Afaga-me as barbas, ri-se do meu enleamento e vai-se 49 50. embora. Resolvo segui-la. Por veredas que descubro ou invento por entre o mato grosso da encosta ngreme, trepo pela serra de Paranapiacaba acima. Aquela a que ides chamando Serra do Mar. Potira filha de Tibiri, cacique de Inhapuambuu, a principal taba ou aldeamento dos campos de Piratininga. Tambm o cacique parece gostar de mim. Espanta-se com a minha barba ramalhuda e diverte-se com a minha forma de falar a sua lngua. Adopta-me e d-me Potira em casamento. Antes de construir a minha oca, ficamos provisoriamente a viver na maloca, ou palhoa colectiva, do meu sogro. Promiscuidade? Saiba Vossa Reverendssima que homem nascido numa maloca no pode casar ou ter conjuno carnal com mulher nascida na mesma maloca e todos aceitam voluntariamente esta lei. Portanto, promiscuidade no , mas outra forma de vida muito diferente daquela a que os portugueses esto acostumados. Na maloca de Tibiri vivem, entre 50 51. homens, mulheres e crianas, umas duzentas pessoas. Est dividido em vrias seces, em vrios lares, e em cada lar um homem com as suas mulheres e os seus filhos. Entre os moradores da maloca no h segredos e o que pertence a um pertence a todos. E o mesmo altrusmo estende-se aos moradores das seis malocas vizinhas, e aos dos outros aldeamentos mais frente porque, por casamentos cruzados das mulheres de um grupo, ou maloca, ou taba, com homens de outro grupo, de outra maloca, de outra taba, todos eles so parentes, e assim todas as tribos de uma mesma nao que ocupa um territrio por vezes maior do que o de Portugal vive em amizade e harmonia. Sim, Padre, confesso que mulheres tive e tenho muitas, pois todos os caciques queriam e querem ser meus parentes. Mas a esposa principal Potira. Respeitada pelas demais, na minha maloca a sua rede fica sempre armada junto minha. De Potira e das outras tenho muitos filhos e filhas. Os 51 52. meus meninos mestios... Ou caribocas, como dizem os ndios; ou mamelucos, como dizem os portugueses; mas esta palavra rabe que perdeu o rumo, porque significa pajem, escravo ou criado e os meus filhos nunca foram nem meus pajens, nem meus escravos, nem meus criados, embora outros caribocas, que no os meus, tenham sido tudo isso para outrem que no eu. Os meus caribocas andam por a desde as praias de S. Vicente, Bertioga e Itanhaen at aos campos de Piratininga, a dar-me fora e prestgio, pois casaram e tiveram filhos e netos que, por sua vez, tambm se casaram, e por isso me tornaram parente de quase todos os tupiniquins. De mim algum disse (e no mentiu) que, se necessrio, num s dia eu poderia reunir minha volta 50 mil homens. E reuni, no foram precisos tantos, mas uma vez eu reuni largos milhares e por isso o Padre Manuel da Nbrega me ficou muito agradecido. O caso aconteceu l pelos idos de 1562, depois eu conto. 52 53. Se tudo isto pecado, ento, Padre, eu pecador me confesso. Mas bater no peito eu c no bato, nem fao acto de contrio. No podeis, por isso, absolver-me, nem darme a extrema uno? Sossegai, pois, na Sua omniscincia, saber Deus Nosso Senhor entender e perdoar os volteios da minha vida... Padre, o que fiz nesta vida, nesta vida eu no renego. E na outra, a ver vamos... Fundao de So Vicente Joo Ramalho ajuda Martim Afonso de Sousa a fundar a vila de So Vicente. E, entretanto, o que est a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tbua Cronolgica Padre: em 1532, tenho eu uns 40 anos, ouo a nova que vrias canoas grandes (assim os ndios chamam s naus) com homens brancos a bordo, tinham fundeado junto praia. E que Antnio Rodrigues, o "bacharel de Canania", em vo tentava interpor-se entre ndios e brancos, guerra vista. Com os meus 53 54. homens deso a serra, chego praia. Comanda a expedio Martim Afonso de Sousa, a quem El-Rei D. Joo III concedera donataria com cem milhas de costa e todas as terras que houvesse dentro, limitadas a norte e a sul por duas paralelas ao Equador. Se, por um lado, eu sou respeitado chefe tupiniquim, por outro, portugus continuo ainda a ser. A nadar assim por entre duas guas, s a paz poder sossegar o meu tormento e trato de promov-la. Em tupi, discurso para os ndios e, em portugus, para os lusos. Digo-lhes que os brancos ocupem o litoral, mas que deixem os ndios continuar nas suas fainas de pesca. Que uns no molestem os outros. Que iniciem o escambo do que uns tm a mais e outros a menos, e todos alcanaro seus proveitos. E assim se faz. Martim Afonso de Sousa e os seus do seis anzis e dois cunhas por 80 patos, e duas cunhas grandes mais 20 punes e quatro tesouras por dois antas, e cinco cunhas mais cinco anzis por cinco cargas de milho, e 100 54 55. facas por 200 rolas, e 15 cunhas mais 15 anzis mdios por 15 veados, e 40 cunhas mais 12 tesouras e 52 anzis por 52 cabaas de mel em favo, e dois tesouras mais 25 punes e 24 anzis por 26 cargas de ostras. Portugueses e tupiniquins ficam todos muito contentes com o escambo, pois os brancos esto muito carenciados de mantimentos e, para os ndios, ferramentas de ferro algo de milagroso. Mais se firma a paz e a boa amizade quando eu facilito mulheres para os portugueses solteiros e as cunhants at quedam muito felizes com o arranjo, pois num repente melhoram de vida. Padre: podeis excomungar-me, mas atentai que alcoviteiro no fui eu, porm apaziguador de vendavais. Com Antnio Rodrigues e os meus filhos caribocas e muitos outros tupiniquins, ajudo os portugueses de Martim Afonso de Sousa a construir casario de pedra e cal, tambm a igreja matriz e assim rompe a vila de So Vicente. 55 56. Ento, nos campos em redor de So Vicente, os portugueses comeam a plantar cana de acar e a levantar engenhos e pedem-me que lhes fornea escravos para os trabalhos da lavoura. Os tupiniquins no sabem o que isso seja, mas sei eu. Nas guerras que mantnhamos com os tamoios e outros tapuias, fazamos muitos prisioneiros. E ento me ponho a pensar que mais vantajoso ser vend-los aos portugueses do que com-los, costume que veramente me d a volta ao estmago e alma. Tento conciliar o inconcilivel e assim ajudo a abrir as portas do inferno em que hoje vivem todos os ndios, os tapuias, mas tambm os meus tupis, porque os portugueses, a partir do momento em que passam e ter ndios como escravos, e no querendo distinguir tupis de tapuias, acham que todos os ndios devem ser escravos seus... Padre, por ora no estou a falar de vs nem dos outros missionrios jesutas, mas daqueles portugueses que vm do Reino ao Brasil com a ambio de fazer 56 57. fortuna rpida e logo tornar ptria. Deles tambm se queixa o Padre Manuel da Nbrega. Um dia ouo que se lamenta, embora aos solavancos, pois tartamudo ele: -De quantos vieram l do Reino, nenhum tem amor a esta terra. Todos querem fazer em seu proveito, ainda que seja custa da terra, porque esperam de se ir. No querem bem a terra, pois tm a sua afeio em Portugal; nem trabalham tanto para favorec-la, como para se aproveitarem de qualquer maneira que puderem. ... Mas doutra ouo que assopra aos missionrios:- Se El-Rei quer ver os ndios todos convertidos, pois deve mandar sujeit-los. Deve haver um protector dos ndios para faz-los castigar, para no deix-los comer carne humana, nem guerrear sem licena do Governador, fazerlhes ter uma s mulher, vestirem-se, pois tem muito algodo, faz-lo viver quietos sem se mudarem para outra parte. E eu j no sei Padre, j no sei qual 57 58. a pior sujeio: se a fsica ou a mental.ESCRAVIDO Comedores de Carne Humana Sim, Padre, confesso que, embora a contra gosto, tambm eu fui um comedor de carne humana, em Roma s romano. No fique Vossa Reverendssima horrorizado que eu sei de horrores maiores cometidos l no Reino. Quando, numa guerra, os tupiniquins aprisionam um tapuia, no tratam mal o 58 59. prisioneiro, at antes pelo contrrio. Dolhe de comer e beber, tudo quanto queira. Chegam mesmo a dar-lhe mulher que em tudo o serve. E quando amanhece o dia marcado para o sacrifcio, empunhando o tacape, que um pilo de guerra, o carrasco aproxima-se da vtima e diz-lhe: - Sim, vou matar-te, pois a tua gente tambm matou e comeu muitos dos meus. Se o tapuia no tremer, no desfalecer de medo, se for homem de coragem, responder: - Depois que eu for morto, os meus iro vingar-me, tu vais ver. Ento o carrasco, com o tacape, acerta-lhe uma pancada na nuca e assim morto o prisioneiro. S depois comeam a assar-lhe o corpo. E se ele foi homem de coragem, mais disputada a sua carne, porque todos pensam partilhar assim de tal coragem. Padre, no me comove a vossa repugnncia, pois eu sei que no Reino agora a voga , em nome de Deus, prender judeus 59 60. e cristos-novos, tortur-los at lhes partirem os ossinhos todos, lev-los ainda em vida fogueira, o que grande maldade que no se usa por aqui. Assam-nos em vida e depois nem sequer os comem; desperdcio. Santo Andr da Borda do Campo Joo Ramalho nomeado Alcaide-mor da vila de Santo Andr da Borda do Campo. E, entretanto, o que est a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tbua Cronolgica Padre: em 1553, aproximadamente 20 anos depois de Martim Afonso de Sousa se ter ido embora, e estava eu com mais ou menos 60 anos, o seu primo Tom de Sousa fundeia as suas naus ao largo de So Vicente. Mas vem como Governador-geral do Brasil, porque El-Rei tinha acabado com as donatarias, pois das 15 s dois tinham resultado: a de So Vicente, por esforo meu, e a da Bahia por esforo de um Diogo lvares Correia, a quem os tupinambs, 60 61. com os quais vivia, chamavam Caramuru. Junto com Tom de Sousa vinha o jesuta Padre Manuel da Nbrega, com a misso de evangelizar os tupiniquins. Antipatiza logo comigo e quase me excomunga, j vos disse. Mas, em abono da verdade, devo acrescentar que, anos depois, para me safar de pecado mortal, tentar casar-me com Potira. Aviso-o que tenho mulher legtima no Reino. Escreve para Vouzela, a saber, novas de Catarina, se ainda viva ou j finada. No vem resposta. Na dvida, manda que eu acabe com a mancebia. Recuso repudiar Potira eu c no repudio. Para escndalo do Padre decido continuar a viver em pecado mortal... Este Tom de Sousa homem decidido. Para evitar incurses dos corsrios franceses que infestam as costas do Brasil, manda construir um forte na barra de Bertioga. E para congregar os colonos que andavam esparsos pelo litoral ao sul de So Vicente, manda edificar a vila de Conceio 61 62. de Itanhaen. Depois, para sustar o comrcio dos moradores de So Vicente com os castelhanos de Assuno do Paraguai, na serra de Paranapiacaba cega as veredas de acesso ao planalto e decide construir, l no alto, uma vila cuja guarnio impea a passagem dos mercadores num e noutro sentido. A medida revolta a populao de So Vicente que tem os seus interesses em tal comrcio, mas foi pensado assim e assim se faz. E, contra a opinio do Padre Manuel da Nbrega, sou eu o indicado para, l na boca do serto de Piratininga, fundar a vila de Santo Andr da Borda do Campo. Tambm sou o seu primeiro e nico Alcaidemor, pois a vila ser extinta em 1560 pelo novo Governador-geral Mem de S. So Paulo de Piratininga Joo Ramalho ajuda o Padre Manuel da Nbrega a fundar So Paulo. E, entretanto, o que est a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tbua Cronolgica. 62 63. Saiba Vossa Reverendssima que, apesar da m vontade do Padre Manuel da Nbrega, em 1554 ajudo-o a fundar So Paulo de Piratininga, povoao que Tom de Sousa mandara levantar. Sempre esta minha mania de nadar por entre duas guas, conciliao... Santo Andr e So Paulo, duas povoaes to prximas uma da outra, mas por qu? Um capito, que muito meu amigo, pois muito lhe facilitei a vida junto dos tupiniquins, comete inconfidncia e mostra-me o Regimento de D. Joo III para Tom de Sousa. As instrues so claras: "Ser grande inconveniente os gentios, que se tornaram cristos, morarem na povoao dos outros e andarem misturados com eles; e ser muito servio de Deus e meu apartarem-nos da sua conversao. Encomendo-vos e mando que, os que forem cristos, morem junto, perto das povoaes das ditas capitanias, para que conversem com os cristos e no com os gentios, e possam ser doutrinados e ensinados nas coisas da Santa F; e aos 63 64. meninos, porque neles imprimiram melhor a doutrina, trabalhareis por dar ordem como se faam cristos e que sejam ensinados e tirados da conversao dos gentios". Tom de Sousa no pensava povoar o planalto. So Paulo, com o seu Colgio, e com o seu Padre Anchieta que to bem aprendeu a falar tupi que at nessa lngua faz hinos e poemas, era apenas um aldeamento para a evangelizao dos ndios. J Mem de S, terceiro Governadorgeral do Brasil, um pau de dois bicos. Comea por proibir escravizar os ndios. Mas, ao mesmo tempo, manda desimpedir as veredas de Paranapiacaba e em 1560 extingue a Santo Andr dos meus guerreiros tupiniquins (e de escassos pees portugueses) e promove So Paulo a vila. um nebuloso convite aos aventureiros, porm convite: subam ao planalto a caar ndios! E eles comeam a subir, se comeam... E so perigosos, devastadores, pois os portugueses facilmente se adaptam 64 65. a tudo: se no h farinha de trigo, pois coma-se a de mandioca, se no h uvas, pois comam-se jabuticabas, se no h bagao de vinho, pois beba-se aguardente de milho, se no h colches, pois durma-se em rede, se no h putas brancas, pois fodam-se ndias! Desleixados, sem planos prvios levam tudo a eito, dispostos apenas ao trabalho de pr os outros a trabalhar para eles, sequiosos que esto de honrarias e riquezas... Atormentado, rolado entre duas guas, com os meus tupiniquins abandono a extinta vila de Santo Andr e retiro-me para o serto. A Conferncia dos Tamoios65 66. Tantas atrocidades so cometidas que bastam apenas dois anos para unir todas as tribos dos tamoios, desde Bertioga ao Cabo Frio, e at mesmo ao vale do Paraba... E eis uma nao de ndios congregada paraarrasar So Paulo, com todos os seus moradores, homens de armas, padres, artesos, mercadores e senhores de engenho, o povo todo... Em desespero de causa o Padre Manuel da Nbrega mandame pedido de socorro. Atendo, a pecha do costume, as duas guas... Com Tibiri, o 66 67. meu sogro, em dois dias reno milhares de homens. Em 1562 h lutas, escaramuas, guerras e morticnios, mas os tamoios no conseguem entrar em So Paulo. Sou eu quem comanda toda a defesa. Assim o querem os portugueses, assim o fao. Depois os Padres Manuel da Nbrega e Anchieta entram a parlamentar com os tamoios. Do razo s suas queixas e prometem-lhes que os brancos no mais iro prear ndios porque eles, Padres, so contra a escravizao. Os tamoios acreditam que assim vai ser. Em 1563, em Iperoig, os Padres e os tapuias fazem a paz. Coitados de tapuias e tupis... MEDITAO Em 1564 oferecem-me o cargo de vereador de So Paulo. Recuso e, com os meus homens, retiro-me para o vale do Paraba. Por l fiquei at hoje, j l vo 16 anos. Tive muito tempo para meditar sobre as duas guas em que andei e ando sempre a rolar. 67 68. Padre: o ndio segue a natureza, o portugus luta contra ela. Quando, por causa das queimadas, se esgotam as suas terras, o ndio abandona-as, procura e desbrava outras e tantas h que parecem no ter fim... Constri uma nova taba ou aldeamento, reconhece o novo territrio de caa. Para apanhar pacas, capivaras, tamandus, coatis e outros bichos, coloca as armadilhas nos trilhos novos. Nos rios que descobriu observa a que peges vo os lambaris e outros peixes em cada poca do ano. O ndio est sempre a mudar de lugar, para ele no tem sentido a casa de pedra e cal. Tambm no tem sentido a acumulao de vveres, pois o calor apodrece-os. Conhecendo a natureza como conhece, em cada momento dela vai retirando o que precisa. J a ambio do portugus, habituado penria dos seus Invernos, acumular, de tudo, o mais que possa, em tempo curto, cereais e frutos secos, conservas em azeite, ou fumeiros, ou salgadeiras de carnes e peixes. Nem os 68 69. ndios conseguem entender os portugueses (aos quais chamam de loucos), nem os portugueses conseguem entender os ndios (aos quais chamam de selvagens). Padre: olvidei estas diferenas, quis conciliar o inconcilivel e o resultado o que se v. Reparai agora que todas as tribos de fala tupi, que ocupam a faixa litornea desde o norte do Brasil at ao rio da Prata, por causa dos casamentos cruzados e alargados, so todas elas aparentadas. S mais para o interior que vivem e reinam as outras tribos ou naes tapuias, que so dezenas, se acaso centenas no forem elas. At parece que Deus Nosso Senhor, ao espalhar os tupis pela costa do Brasil, quis preparar a entrada dos portugueses, pois a estes lhes bastou aprender apenas mais uma lngua, para se fazerem entender de norte a sul em tamanho territrio. Vossa Reverendssima no tora o nariz porque, embora os portugueses sejam os novos donos do Brasil, aqui a lngua portuguesa como o latim, l no Reino, s 69 70. poucos a falam. Aqui, a lngua-geral o tupi, embora corrompido pela lngua portuguesa, porm tupi ainda. E at a lngua portuguesa que algumas criancinhas aprendem no Colgio (no nas ocas ou malocas) vai sendo corrompida pelo tupi. Vossa Reverendssima, em Coimbra, falava um portugus impecvel. Aqui j vai dizendo urubu em vez de abutre, mirim em vez de pequeno, sava em vez de formiga, capim em vez de forragem, jabuti em vez de cgado, arapuca em vez de armadilha, catapora em vez de bexigas, jararaca em vez de cobra, e tantas mais... E eu pergunto-me se as facilidades que os povos de lngua tupi deram aos portugueses esto a ser devidamente retribudas pela forma como estes tratam aqueles. No, Padre, no estou a falar apenas da sujeio fsica, mas tambm daquela outra que promoveis com a evangelizao dos ndios, esse vosso trabalho de sapa das suas antigas crenas e tradies, afinal suas referncias para a vida 70 71. ter sentido e apetecer. Estou a falar dos muitos milhares de ndios que, em consequncia, vo perdendo a vontade de viver e de resistir opresso dos brancos. Bem sei que anjos, no homens, o que vs, jesutas, pretendeis fabricar nos vossos aldeamentos. Mas vejo que no haveis conseguido nem uma coisa nem outra, apenas mortos-vivos. Padre: estou velho e prestes a apagarme. Portugus nasci e s ambiciono, na hora da morte, ouvir falar a minha lngua natal. S por isso tornei a esta vila de So Paulo, ainda esta minha pecha das duas guas... Padre: se tudo o que digo vos parecer blasfmia, pois relevai as patetices de um velho senil que a vs chega amparado pelos seus caribocas, e tratai de encomendar-me a alma a Nosso Senhor, deus dos brancos, que um paj, antes do meu retorno, j a encomendou a Tup, deus dos ndios.71 72. 72 73. Histrias das Famlias Relatos de Antonio Souza Sampaio SEBASTIO FLORIANO E MARIA MIQUILINA Meu av Sebastio Floriano de Camargo Sampaio, filho de Francisco de Paula Souza Camargo e Maria Fausta do Amaral Camargo, casou-se em Campinas em 25/01/1872, na Matriz de Santa Cruz. Era advogado na cidade de Campinas, exerceu suas funes em Amparo (onde nasceu meu pai, Ado de Camargo Sampaio) tambm em Atibaia, Bragana Paulista, Mogi - Mirim e Capivari. Minha av, Maria Miquilina Ribeiro de Camargo e Castro, era filha do maior fazendeiro de Campinas, Comendador e Tenente Coronel Querubim Uriel Ribeiro de Camargo e Castro. A fazenda do Tenente Coronel Querubim era no arraial dos Sousas, hoje Distrito de Sousas ligada Campinas, 73 74. ocupava uma imensa rea nos dois lados do rio Atibaia. O Tenente Coronel tambm tinha uma chcara maravilhosa na cidade de Campinas, fornecia muitos produtos ao povo da cidade, como leite, frutas, verduras e legumes. Poltico influente e de grande prestgio social, foi vereador e presidente da Cmara, cabendo-lhe saudar o Imperador Dom Pedro II, em 1846, quando este visitou Campinas pela primeira vez e ficou hospedado em sua casa. Sua majestade o agraciou com a Ordem das Rosas - Tenente Coronel Chefe do Estado Maior da Guarda Nacional dos municpios de Campinas, Bragana, Atibaia, Nazar, Jundia e Constituio, depois Piracicaba da Provncia de So Paulo. O Comendador das Rosas cultivava suas fazendas com escravos, e seu genro, meu av, Sebastio Floriano de Camargo Sampaio, tinha muita pena da escravido e trabalhava com afinco para a libertao, era 74 75. abolicionista, o que acabou criando uma grande inimizade com o sogro. O Coronel ficou muito sentido e bravo com meu av. ANTONIO DE SOUZA LARA Meus avs Antnio de Souza Lara e Eudoxia Lazara Ribeiro de Souza Lara, ele paulista de Piracicaba, ela carioca do Rio de Janeiro, quando se casaram foram morar em So Carlos. Meu av era um famoso mestre de obras, viviam muito felizes. Trabalhou com afinco e conseguiu ser proprietrio de vrias casas na cidade, onde nasceu minha me. O coronel Querubim Vieira, poltico forte da cidade de Brotas, possuidor de vrias fazendas, contratou meu av para construir o prdio do Grmio Literrio Brotense. Meu av mudou-se com a famlia para Brotas e comeou a obra com muitos empregados. A construo j estava bastante adiantada, quando durante uma 75 76. grande chuva, meu av foi surpreendido por uma enxurrada canalizada em direo aos alicerces, o que comprometeu o servio j feito, abalando as paredes, as quais j estavam respaldadas. Toda culpa recaiu sobre meu av. Homem srio, honesto e cumpridor de seus deveres, meu av Antonio demoliu tudo o que tinha feito e reconstruiu por sua conta. Para isso teve que vender seu patrimnio, ficando quase a zero. Posteriormente foi comprovado que a canalizao da enxurrada, nos alicerces do prdio do Grmio, foi criminosa, feita as escondidas, por homens a mando de polticos do partido contrrio ao do coronel. O Coronel era um homem honesto e muito bom, aps os esclarecimentos do acontecido quis recompensar meu av por perdas e danos. Vendeu-lhe a fazenda Bela Vista por um preo bem baixo, facilitou-lhe o pagamento, o que o deixou muito feliz e contente. Aps o trmino dos servios da construo do Grmio Literrio Brotense, 76 77. que at hoje um belo prdio, mudou-se com a famlia para a sua fazenda, onde viveram felizes muitos anos. ADO DE CAMARGO SAMPAIO E ERNESTINA DE SOUZA LARA SAMPAIOAdo de Camargo Sampaio nasceu na cidade de Amparo SP, em 28/09/1883, 77 78. onde seus pais Sebastio Floriano de Camargo Sampaio e Maria Miquilina Ribeiro Sampaio residiam, sendo Sebastio advogado nessa cidade. O interessante que na Igreja Matriz de Amparo existe a imagem da Padroeira, com os braos curvados em forma de um amparo, e em 1883, o nenezinho Ado foi colocado e Batizado nos braos de Nossa Senhora do Amparo. Ado, quando criana, juntamente com seu irmo gmeo Wenceslau, ficaram internos e estudaram no Liceu Corao de Jesus, em So Paulo. Ado era um menino aplicado e muito querido pelos professores, possua uma excelente voz e fazia parte integrante do coral, da Igreja, tendo participado de vrias apresentaes do Coral em lugares importantes na cidade de So Paulo. Eles no se acostumaram naquela vida rgida imposta aos internos do Liceu, principalmente com a comida, e repetidas vezes fugiram e voltaram para casa. 78 79. Sebastio Floriano, saturado com essas idas e vindas dos filhos, sempre fugindo do Liceu, desgostoso, levou-os para o Colgio de sua cidade. Com o passar do tempo, Ado estava casado com Ernestina de Souza Lara Sampaio e morava no municpio de Brotas SP Fazenda Bom Jardim, lecionava e trabalhava na lavoura. Fazenda Bom Jardim Quando nasci, meu pai era o professor da Escola da Fazenda Bom Jardim, uma fazenda muito bonita, e lecionava para uns trinta alunos. Essa fazenda era cortada pelo rio Jacar Pepira e os proprietrios eram meus tios Job, Ana e Francisco Uladislau Figueiredo e tia Mariquinha. Tambm me lembro de meu padrinho Albino. L morei at os meus sete anos, poca em que mudamos para a Fazenda Bela Vista. Valentia Dobrada Meu pai lecionava, nas horas de folga fazia algumas plantaes e tambm era 79 80. barbeiro. Sempre havia pessoas para cortar o cabelo ou fazer a barba, e ele vivia sempre ocupado. Certo dia, meu pai pediu para o empregado Jos ir lavar sua espingarda no rio. Alm da espingarda, Jos levou tambm os aviamentos. Aps lav-la, comeou a dar tiros, mirava e atirava nas bananeiras inclusive colocando a vareta como munio. Contaram a meu pai o que o camarada estava aprontando e ele saiu s pressas rumando at o local. Chegou muito nervoso, tomou a espingarda da mo do Jos e o despediu. Esse empregado era encrenqueiro e gostava de uma briga, tratava-se de um negro, magro, alto e muito valente, que andava com uma faca bem afiada, de ponta aguda, na cintura. No acerto de contas, o empregado ficou devendo e, como pagamento da dvida, meu pai ficou com enxada dele, que estava na roa. Jos no gostou do acerto, e na hora que foi despedido prometeu que 80 81. no dia seguinte iria roa buscar a sua enxada. Na manh seguinte, meu pai estava rumando para a roa, foi aconselhado por seus primos a esquecer da enxada, porque o Jos prometeu que a levaria de qualquer maneira. Mesmo assim, como meu pai no tinha medo, foi para a roa pegou a enxada e comeou carpir. Chegou Jos, reclamou pela sua enxada, meu pai repetiu que era pagamento de sua divida e no iria devolv-la. Jos tirou a faca da cinta e avanou, meu pai ergueu a enxada e foi ao seu encontro, o camarada ficou com medo e saiu correndo. Meu pai voltou para a sede da fazenda e foi ovacionado com vivas, o que o deixou muito envaidecido. Conta-se que at hoje ningum sabe o paradeiro do Jos. Fazenda Bela Vista A fazenda Bela Vista era propriedade dos meus avs Antnio Souza Lara e Eudoxia Lazara Ribeiro de Souza Lara, 81 82. sendo ele paulista de Piracicaba, e ela carioca do Rio de Janeiro. Quando se casaram, foram morar em So Carlos, meu av era um famoso mestre de obras, viviam muito felizes, trabalhou com afinco e conseguiu ser proprietrio de vrias casas na cidade, onde nasceu minha me, Ernestina de Souza Lara Sampaio. Posteriormente, trabalhando em Brotas, conseguiu comprar a Fazenda Bela Vista e a cultivou por muito tempo. Depois de muitos anos, a Fazenda Bela Vista foi dividida entre aos filhos e meu pai mudou-se para l e assumiu a parte que lhe coube. Mas, como nas famlias sempre h discordantes, meu pai e o tio Antonio, irmo de minha me, sempre estavam se estranhando. Tio Antonio sempre irritando meu pai, muitas vezes chegou s vias de fatos e foram apaziguados pela turma do deixa disso.82 83. Ado no estava gostando nada daquilo, vivia sempre com o cunhado atravessado na goela. Daquela maneira no podia continuar, precisava resolver a situao, trocou ideias com minha me e resolveram pedir conselho a av Miquilina. Montou em seu cavalo e foi conversar com sua me na Fazenda Pinheiro. Contou o que estava acontecendo, ela ficou muito triste e procurando uma sada para o caso contou tudo ao Maneco (Manoel Antonio de Oliveira Pinheiro), administrador da fazenda, e primo de meu pai. Maneco, para dar uma soluo e por um fim nas desavenas, combinou com meu pai para que vendesse sua parte na fazenda Bela Vista, que ele, Maneco, venderia a sua parte que tinha na Fazenda Pinheiro para meu pai. Chegando de volta Bela Vista, meu pai procurou o tio Antnio e ofereceu suas terras, era o que ele sempre queria, devido s terras estarem anexas s dele. Mais que 83 84. depressa combinaram o preo e fecharam o negcio. Logo que meu pai vendeu sua parte na Fazenda Bela Vista, foi procurar Sr. Maneco na Fazenda Pinheiro e comprou suas terras, como haviam combinado. Deixamos a Bela Vista e mudamos para a Fazenda Pinheiro. Foi maravilhoso porque mudamos em nossas terras e livres das encrencas com meu tio Antonio. Fazenda Pinheiro Meu pai, alm de cuidar de suas terras, foi contratado pelo inesquecvel Jos de Oliveira Pinheiro, para lecionar na escola da fazenda. Quem diria posteriormente Juca Pinheiro, como era conhecido, seria meu sogro e a Carmem, minha esposa, ela nasceu alguns meses aps o falecimento de seu pai. Meu Pai e o Juca Pinheiro Recordo que meu querido pai, quando lecionava, certo dia aparece na sala de aula, 84 85. Juca Pinheiro, e encontrou meu pai dormindo e os alunos fazendo a maior algazarra. Quando os alunos viram o Sr. Juca, ficaram todos quietinhos, ele tossiu e meu pai acordou. Quando viu o Juca na sua frente, levou um grande susto. Meu pai alegou que tinha dormido muito mal, devido um filho que chorou a noite toda, pediu desculpas e tambm que o perdoasse. O Sr. Juca deu por isso mesmo, conversaram sobre alguns assuntos e retirou-se, e meu pai continuou dando aulas. Nossa Casa em Brotas Recordo-me por volta do ano de 1948 o dia que fui Brotas procurar uma casa para meus pais morarem. Eles estavam envelhecendo e precisavam descansar dos anos de labuta que tiveram em fazendas. Visitei muitas casas para comprar, no tinha gostado de nenhuma, at que encontrei uma casa perfeita para eles, bem em frente Matriz de Brotas. Levei-os para conhecer e 85 86. dar opinio sobre a compra, meu pai estava doente, mas, levantou da cama e fomos. A casa tinha catorze cmodos num terreno enorme que ia de uma rua outra, tinha um grande pomar, horta, e quando eles abriram a janela da frente ficaram maravilhados com a vista panormica, viram a Igreja Matriz do outro lado da praa, meu pai at sarou, pois eram muito religiosos, e quiseram que eu fechasse o negcio com urgncia. A compra foi realizada, sendo passada escritura e registrada em cartrio. Eles mudaram-se da fazenda para a cidade e ficaram muito felizes na nova morada. Posteriormente, vendemos a fazenda e passamos a residir com meus Pais na cidade de Brotas. Trabalhava na praa com o meu Fordinho, o meu filho Mauro a trabalhar na Granja de Brotas, e o meu filho Wilson foi trabalhar em So Paulo. Em 1960, meu pai ficou muito aborrecido devido esposa ter sofrido um derrame cerebral, ela ficou com a memria 86 87. atrapalhada. Dois anos mais tarde, ela caiu de cama e passou a necessitar de todos os cuidados possveis, falecendo em 17/06/1963. Meu pai envelheceu e foi levando a vida at 05/06/1969, nesse dia, assistiu a procisso de Corpus Christi passar em frente sua casa, depois comeou a passar mal. Naquela tarde, inicio da noite, o vigrio da Parquia foi chamado, e ele faleceu durante a extrema uno. O padre nos disse: Ele morreu como um passarinho.87 88. Ernestina e Ado Incio dos Anos de 1960 Minha me, Ernestina, nasceu em So Carlos, em 15/02/1887, filha de Antonio de Souza Lara e Eudoxia Lazara Ribeiro de Souza Lara. Meu av era mestre de obras. Posteriormente, foi trabalhar na cidade de Brotas, e comprou a Fazenda Bela Vista, para onde mudaram com a famlia. Em Brotas, Ernestina conheceu meu pai, Ado de Camargo Sampaio, com quem88 89. se casou, constituram familia e tiveram onze filhos. Morando na Fazenda Bela Vista, Ernestina sofreu muito devido ao seu irmo Antonio estar sempre discutindo e em desacordo com o seu marido Ado. Sua vida melhorou muito, quando mudou para a Fazenda Pinheiro, onde viveu muitos anos feliz ao lado de meu pai e parentes. L casaram todos seus filhos. Em 1948, j com a idade de 61 anos, mudou-se para a cidade de Brotas onde foram muito felizes. Por volta de 1960, minha me adoentou-se, comeou ficar esquecida e foi perdendo memria aos poucos, depois sofreu um derrame cerebral que a levou para a cama. Minha filha Ilze cuidava dela, sendo ajudada pela irm Maria Lcia, que tambm foi para Brotas, as duas cuidavam, davam banhos, trocavam de roupas, penteavam-na, davam comida na boca e assim foi at a sua morte no dia 17/06/1963, dia em que a Ilze ficou noiva. 89 90. 90 91. O Falecimento da Vov Ernestina Naquela poca, a Vov Ernestina estava passando mal, Eu e a Maria Lucia que cuidvamos dela. No dia que fui para Bariri, ficar noiva e receber a aliana, a situao da vov era crtica, minha me Carminha veio da fazenda para ficar no meu lugar. Antes de sair, pedi para a vov no morrer, que me esperasse voltar de Bariri com a aliana, que eu ia mostrar para ela. noitinha, quando cheguei de Bariri, ela estava passando muito mal, mostrei a aliana, ela sorriu, mas, notei que suas horas estavam contadas. O Adolpho, que tinha ido comigo Brotas, queria ficar, mas, pedi que regressasse porque ela podia resistir ainda muitos dias. Logo que o Adolpho saiu, talvez ainda estivesse em viagem, ela faleceu. No outro dia aps o enterro, telefonei ao Adolpho dando a notcia. 91 92. Tenho muitas saudades da av Ernestina, eu morei um bom tempo com ela. Quando criana ela fazia vestidinhos maravilhosos e me presenteava, e eu curtia muito. Sua Neta Ilze MariaAv Ernestina Lara, lutadora de grande carter, batalhou na educao de todos seus filhos. Sempre trabalhando na costura para ter seus filhos com boa aparncia, e tambm sempre dando ensinamentos da sua grande f e nos ensinando a espiritualidade, nos abenoando em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sua Neta Diva Celeste92 93. ANTONIO SOUZA SAMPAIO (Antoninho) Histrias de minha biografia Recordaes desde minha InfnciaAntonio Souza Sampaio e Maria do Carmo Pinheiro Sampaio Fazenda Bom Jardim Nasci na Fazenda Bom Jardim, municpio de Brotas SP, cortada pelo rio Jacar Pepira, onde as folhagens e parasitas se espalhavam por toda margem, tudo era florido e maravilhoso. Fazenda propriedade de meus tios Job, Ana, a querida tia Aninha e Francisco Uladislau Figueiredo, e a 93 94. inesquecvel tia Mariquinha. L tambm morava o meu padrinho Albino, muito querido; quando o encontrava, sempre me agradava e dava dinheiro, me fazendo muito feliz. Recordo com alegria da moradia de meus tios Lau e Mariquinha. Tinha uma grande mata s margens do rio Jacar Pepira, e no meio dela existia um jabuticabal. As jabuticabas eram pintadas, grandes e deliciosas, daquelas que estouravam na boca. Nas pocas das frutas reuniam-se os primos e amigos, e partamos para a mata rumo s jabuticabeiras, chupvamos at nos empanturrar, era uma delicia. Bons tempos aqueles. Na fazenda funcionava uma escola, o professor era meu pai, que lecionava para uns trinta alunos. Morei nessa fazenda at os meus sete anos, e guardo muitas recordaes em meu corao, dos tempos felizes que l passei. Um Grande Susto 94 95. Sinto calafrios ao lembrar-me de uma aventura no rio Jacar Pepira, que passava no fundo de nosso quintal. Margarida, minha irm, e minha prima Alexia, filha do tio Job, lavavam roupas s margens do rio, usando uma grande bacia. Resolveram brincar e colocaram a bacia vazia nas guas, entraram dentro e comearam a navegar pela beirada. Eu estava por ali e vendo-as alegres e contentes pedi para participar da brincadeira e elas me colocaram junto elas. Estava uma delcia at que as guas foram ficando rebeldes, levando a bacia para a correnteza e comeando a descer o rio. Segurvamos nos capins e ramagens das margens que alcanvamos, mas, arrebentavam e ns continuvamos descendo, cada vez com maior velocidade. Num certo momento, conseguimos agarrar num galho resistente e paramos s margens. Foi um grande susto, pois pensvamos que no caso da bacia virar seria trgico e 95 96. era uma vez. Mas, com as graas de Deus, nos salvamos dessa assustadora aventura. Valentia Dobrada Meu pai lecionava, nas horas de folga fazia algumas plantaes, e tambm era barbeiro. Sempre havia pessoas para cortar o cabelo ou fazer a barba. Ele vivia sempre ocupado. Certo dia, meu pai pediu para o empregado Jos ir at o rio, lavar sua espingarda. Alm da espingarda, Jos levou tambm os aviamentos e, aps lav-la, comeou dar tiros. Mirava e atirava nas bananeiras, inclusive colocando a vareta como munio. Contaram a meu pai o que o camarada estava aprontando, e ele saiu s pressas, rumando at o local e chegou nervoso, tomou a espingarda da mo do Jos e o despediu. No acerto de contas, o empregado ficou devendo, como pagamento da dvida, 96 97. meu pai ficou com enxada do Jos, que estava na roa. Esse empregado era encrenqueiro e gostava de uma briga. Tratava-se de um negro, magro, alto e muito valente, que andava com uma faca bem afiada, de ponta aguda, na cintura. Na hora em que foi despedido, prometeu que no dia seguinte iria roa buscar a sua enxada. Na manh seguinte, meu pai estava rumando para a roa, quando foi aconselhado por seus primos a esquecer da enxada, porque o Jos prometeu que a levaria de qualquer maneira. Mesmo assim, como meu pai no tinha medo, foi roa pegou a enxada e comeou carpir. Chegou o Jos e reclamou pela sua enxada, meu pai repetiu que era pagamento de sua dvida e no ia devolv-la. Jos tirou a faca da cinta e avanou, meu pai ergueu a enxada e foi ao seu encontro, o camarada ficou com medo e saiu correndo. Meu pai voltou para a sede da fazenda e foi ovacionado com vivas que o deixaram 97 98. muito envaidecido. Conta-se que at hoje ningum sabe o paradeiro do Jos. A Procisso Eu tinha cinco anos, trago gravado em minha memria, quando houve uma procisso na Igreja, eu e o Nen, filho do tio Job, acompanhamos vestidos de vermelho e branco, e cada um de ns carregava uma bandeirinha na mo. Foi um dia muito feliz. A Cobra Eu estava sentado no terreiro em frente minha casa, nervoso, porque tinha encrencado com algum e estava chorando. Do poro da casa, vi sair uma grande cobra que passou pelo terreiro e enrolou-se no mouro do paiol. Chamei por socorro, e veio o nosso vizinho, o Leopoldo, que trouxe uma espingarda, mirou na cobra que estava toda enroladinha, puxou o gatilho e ela despencou do mouro. Depois com um pedao de pau o Leopoldo levantou-a, todos 98 99. admiraram o tamanho, jogou-a no pasto dos porcos, que disputaram para com-la. Os Carros de Bois Lembro-me com saudades dos carros de bois do tio Jos da Silva Braga, proprietrio da Fazenda Roseira, uma das maiores do municpio de Brotas. Passavam pela estrada, perto de onde morvamos carregados com canas de acar, eu e meus amiguinhos corramos atrs, pedindo uma cana, os carreiros sempre jogavam um punhado, ficvamos felizes da vida, descascvamos com os dentes e fartvamos de chupa-las. Minha Doena Ainda com a idade de cinco anos fiquei muito doente, meus pais me levaram diversos farmacuticos e depois bons mdicos, mas cada vez mais minha sade piorava. Meus pais ficaram desesperados, eu era o primeiro filho homem, contaram-me 99 100. que emagreci muito e meu pescoo ficou to fino que minha cabea balanava. Disseram-me que fui salvo por uma vaca chamada Cabrinha. Ela havia criado um lindo bezerrinho e como o curral ficava ao lado da janela de meu quarto eu ficava olhando o bezerrinho mamar. Fiquei com vontade de tomar daquele leite, pedi meu pai, o qual foi ao curral e tirou um copo e deu para eu beber, tomei e pedi mais, at ficar satisfeito. Daquele dia em diante, continuei tomando daquele leite, fui melhorando at sarar completamente, graas querida Cabrinha e ao poderoso Deus Pai. O Medo Certa vez eu, minha saudosa me e minhas irms Margarida e Zez, fomos dominados pelo medo. Atravessamos o rio e o marginamos no outro lado, passando por uma plantao de arroz, lugar muito perigoso. 100 101. Seguamos minha me, por uma trilha e, em dado momento, ela parou e pediu para que ficssemos bem quietinhos. Vimos atravessar nossa frente uma cobra muito grande. Ficamos atentos, e demorou um bom tempo para ela sumir de nossas vistas, indo rumo ao rio e pudemos ouvir um enorme barulho ao ela entrar nas guas. Nessa hora agradecemos Deus pela proteo, de nada ter nos acontecido. Essas e muitas recordaes trago de todos os anos que morei na adorada e inesquecvel Fazenda Bom Jardim, meu querido bero natal, da qual me despeo e agradeo Deus, pela melhor parte de minha infncia. Fazenda Bela Vista Mudamos para a Fazenda Bela Vista, propriedade dos meus avs Antnio Souza Lara e a querida Eudxia Lzara Ribeiro de Souza Lara, ele paulista de Piracicaba, ela carioca do Rio de Janeiro. A av Eudxia era uma pessoa muito gentil e amvel, com 101 102. todos os que a visitavam. Ela servia quitutes e doces muito gostosos, mas, nada se comparava delcia de seu famoso pudim de queijo. Quando se casaram, foram morar em So Carlos. Meu av era um famoso mestre de obras, viviam muito felizes. Trabalhou com afinco e conseguiu ser proprietrio de vrias casas na cidade, onde nasceu minha me. O coronel Querubim Vieira, poltico forte da cidade de Brotas, possuidor de vrias fazendas, contratou meu av, para construir o prdio do Grmio Literrio Brotense. Meu av mudou-se com a famlia para Brotas, e comeou a obra com muitos empregados. A construo j estava bastante adiantada, quando durante uma grande chuva, meu av foi surpreendido por uma enxurrada, canalizada em direo aos alicerces, o que comprometeu o servio j feito, abalando as paredes, as quais j 102 103. estavam respaldadas. Toda culpa recaiu sobre meu av. Homem srio, honesto e cumpridor de seus deveres, meu av Antonio demoliu tudo o que tinha feito e reconstruiu por sua conta. Para isso teve que vender parte de seu patrimnio, ficando quase a zero. Posteriormente, foi comprovado que a canalizao da enxurrada, nos alicerces do prdio do Grmio, foi criminoso, feito s escondidas, por homens a mando de polticos do partido contrrio ao do coronel. O Coronel era um homem honesto e muito bom, e aps os esclarecimentos do acontecido quis recompensar meu av, por perdas e danos. Vendeu-lhe a fazenda Bela Vista, por um preo bem baixo, facilitou-lhe o pagamento, o que o deixou muito feliz e contente. Aps o trmino dos servios da construo do Grmio Literrio Brotense, que at hoje um belo prdio, mudou-se com a famlia para a sua fazenda, onde viveram felizes muitos anos. 103 104. Dias Amargos Na fazenda Bela Vista, morvamos nas terras que recebemos de meus avs Antnio e Eudxia, a fazenda foi dividida e cada filho recebeu sua parte. Tio Antonio, irmo de minha me, era nosso vizinho, apenas separado por um terreiro, e ele vivia encrencando com meu pai. Daquela maneira no podia continuar, precisava resolver aquela situao, trocou ideias com minha me e resolveram pedir conselhos av Miquelina. Montou em seu cavalo, e foi conversar com sua me na Fazenda Pinheiro. Contou para a av Miquilina o que estava acontecendo, ela ficou muito triste e procurando uma sada para o caso, contou tudo ao seu Maneco administrador da fazenda (Manoel Antonio de Oliveira Pinheiro) filho do padre Antonio. Maneco para dar uma soluo e por um fim nas desavenas combinou com meu pai para que vendesse sua parte na fazenda Bela Vista, que ele Maneco venderia a sua parte, 104 105. que tinha na Fazenda Pinheiro, para meu pai. Chegando de volta Bela Vista, meu pai procurou o tio Antnio e ofereceu suas terras, era o que ele sempre queria, devido s terras estarem anexas s dele, mais que depressa combinaram o preo e fecharam o negcio. Logo que meu pai vendeu sua parte na fazenda Bela Vista, foi procurar Sr. Maneco na Fazenda Pinheiro e comprou suas terras como haviam combinado. Em seguida, mudou para l. Passado muito tempo, em 1941, quando faleceu minha av Miquilina, foi feito o inventrio, meu pai recebeu a parte que lhe coube e tambm comprou a parte do seu primo Sebastio, que era solteiro e residia em Brotas. Nessa poca, os cafezais estavam com uma grande carga de frutos, nossas terras aumentaram bastante, foi um timo negocio, meu pai ficou muito contente. 105 106. Fazenda Pinheiro Agora morando na fazenda Pinheiro, estvamos maravilhados em nossas terras, e tambm meu pai voltou a lecionar. A Fazenda Pinheiro tinha sido formada pelo padre Antonio, inicialmente chamouse Fazenda Santana, homenagem a sua esposa Ana, que era da famlia Camargo, Ana Izabel Ribeiro de Camargo e Castro, depois Fazenda Santana do Laranjal e, finalmente, Fazenda Pinheiro. Padre Antnio Antonio Jos de Oliveira Pinheiro, devido a ter estudado para padre era conhecido como padre Antnio, uma pessoa muito caridosa e bonssima, que nos domingos montava no lombo de seu burrico e se locomovia de sua fazenda Brotas, para ajudar o vigrio rezar a missa. Tinha costume de levar dinheiro numa bolsa, para distribuir aos pobres. Quando chegava Brotas, logo na entrada, j encontrava com pessoas pobres esperando 106 107. por ele, ali j comeava distribuir esmolas e continuava at aos arredores da Matriz. Deixava o burrico no quintal da casa de um amigo e se dirigia Igreja, colocava a batina, e ajudava o vigrio rezar a Santa Missa. Terminada a missa, costumava reunirse com amigos e fazendeiros, os quais sempre o convidavam para bater um papo e tomar um caf. Depois, montava no burrico e voltava para a fazenda onde todos os filhos, netos e colonos estavam esperando-o felizes com seu regresso. Chegava, almoava e depois descansava. s seis horas da tarde se reunia com os familiares e colonos na frente de sua casa diante da Santa Cruz e todos o acompanhavam na reza do tero. Isso se repetia todos os domingos e dias Santos. Nossa Nova Morada Meu pai alm de cuidar de suas terras, foi contratado pelo inesquecvel Jos de Oliveira Pinheiro, para lecionar na escola da 107 108. fazenda. Quem diria posteriormente Juca Pinheiro, como era conhecido, seria meu sogro e a Carmem, minha esposa, ela nasceu alguns meses aps o falecimento do pai. Jos de Oliveira Pinheiro, um dos filhos do proprietrio da Fazenda Pinheiro, pessoa bonssima, havia estudado medicina e utilizava seus conhecimentos na sua fazenda. Tinha sua farmcia, onde aviava receitas caseiras e homeopticas, fabricava um bom purgante e tambm fazia lavagens de intestinos; era ajudado pela sua esposa Amlia, que tambm havia aprendido com ele, e era a sua enfermeira. Atendia seus colonos e tambm os das fazendas vizinhas, e nunca cobrava nada. Seus colonos recebiam leite e produtos oriundos da fazenda, tudo de graa. O Sr. Clementino Florim, genro do padre Antonio, era o administrador da Fazenda Pinheiro, casado com a Maria do Rosrio conhecida pelo nome de Marica. O 108 109. padre Antonio e Aninha eram meus padrinhos e tios avs. Depois de seu falecimento, a administrao da fazenda passou para seu filho mais novo, Manoel Antonio de Oliveira Pinheiro conhecido, por Sr. Maneco. A Fazenda Pinheiro era maravilhosa, nos fins de semana havia um movimento muito grande de pessoas, aparecia gente que vinha de todas as fazendas vizinhas. Reuniam-se e divertiam-se nos diversos jogos, principalmente no futebol, e noite no faltava o melhor de tudo, o baile. O baile era organizado pelas professoras das fazendas, que pediam o salo e o enfeitavam. Acabavam conseguindo tudo o que queriam, tambm, uma mais bonita que a outra, e com tanta beleza o que elas no conseguiam. Os bailes eram muito animados, o pessoal amanhecia danando. Meu Pai e o Juca Pinheiro Recordo de meu querido pai quando lecionava. Certo dia aparece na sala de 109 110. aulas meu querido Juca Pinheiro e o encontrou dormindo, enquanto os alunos faziam a maior algazarra. Quando os alunos viram o Sr. Juca, ficaram todos quietinhos, ele tossiu, meu pai acordou e, quando viu o Juca na sua frente, levou um grande susto. Meu pai alegou que tinha dormido muito mal devido a um filho ter chorado a noite toda, pediu desculpas, e tambm que o perdoasse. Sr. Juca deu por isso mesmo, conversaram sobre alguns assuntos, e retirou-se, meu pai continuou dando aulas. Um Dia Muito Triste Era o mutiro na Fazenda Bom Jardim, os trabalhadores de todas as fazendas vizinhas tinham ido dar a sua colaborao. J era noite e estavam todos reunidos por l para o grande baile e catira. Pouco antes de iniciarem a festa, chegou uma triste notcia, um portador anunciou a morte do inesquecvel Jos de Oliveira Pinheiro (Juca Pinheiro), primo e 110 111. patro de meu pai e muito estimado por todos. Na hora, a festa foi cancelada. A morte de Juca Pinheiro deixou uma lacuna muito grande no seio da famlia e de todos os amigos e conhecidos. Tenho certeza que hoje ele tem um lugar muito bom no descanso eterno, porque mereceu. Sebastio Floriano e Maria Miquelina A tia Aninha esposa do padre Antnio era da famlia Camargo irm de minha av Maria Miquilina Ribeiro de Camargo e Castro, filhas do maior fazendeiro de Campinas, Comendador e Tenente Coronel Querubim Uriel Ribeiro de Camargo e Castro. Maria Miquelina era casada com meu av Sebastio Floriano de Camargo Sampaio, pais de meu pai Ado de Camargo Sampaio. Sebastio Floriano era advogado na cidade de Campinas, exerceu suas funes em Amparo onde nasceu meu pai, tambm em Atibaia, Bragana Paulista, Mogi - Mirim e Capivari. 111 112. A fazenda do Tenente Coronel Querubim era no arraial dos Sousas, hoje Distrito de Souzas, bairro ligado Campinas, que ocupa uma imensa rea nos dois lados do rio Atibaia. O Tenente Coronel tambm tinha uma chcara maravilhosa na cidade de Campinas, fornecia muitos produtos ao povo da cidade como leite, frutas, verduras e legumes. Poltico influente e de grande prestgio social, foi vereador e presidente da Cmara cabendo-lhe saudar o Imperador Dom Pedro II, em 1846, quando este visitou Campinas pela primeira vez e ficou hospedado em sua casa. Sua majestade o agraciou com a Ordem das Rosas - Tenente Coronel chefe do Estado Maior da Guarda Nacional dos municpios de Campinas, Bragana, Atibaia, Nazar, Jundia e Constituio (Piracicaba) da Provncia de So Paulo. O Comendador das Rosas cultivava suas fazendas com escravos, e seu genro, meu av, Sebastio Floriano, tinha muita pena da escravido e trabalhava com afinco 112 113. para a libertao. Isso acabou criando uma grande inimizade com o sogro, que ficou muito sentido e bravo com meu av. Nossa Vida na Fazenda Pinheiro Minhas irms, Margarida, Iai (Eudxia), Zez e Cacilda casaram com primos, e posteriormente eu tambm, outras trs irms tambm se casaram com primos. Leonor, minha irm raspa do tacho, era casada com nosso primo Cssio, de Campinas. Ela faleceu em 1957, com vinte e oito anos, e na poca foi um grande choque. Lembro-me do sofrimento de meus pais e dos familiares e tambm de muita gente chorando por todos os cantos. Nossas Vacas Leiteiras Lembro-me das criaes que ns tnhamos, das nossas vacas leiteiras de estimao, que davam bastante leite, e de suas crias. Minha irm Zez que cuidava da ordenha (tirava o leite). Eu sempre ficava 113 114. esperando, com os copos com acar, ento ela na hora enchia meu copo, que vinha derramando espuma, e ai voltava para encher o copo dela. Meu Irmo Ricardo Ricardo era estimado por todos, principalmente por minha me. Ele costumava presente-la trazendo do pomar as frutas maiores e bonitas, tambm trazia flores do campo. Ele tinha bondade em tudo, s que no aguentava desaforos e dificilmente se rebaixava. Meu irmo gostava muito de desafios, e certa vez, numa roda de amigos, convidou-os para uma disputa de cabeadas, tratava-se de bater a cabea um contra o outro para ver quem vencia. Iniciou-se a disputa, era uma coisa de loucos, pareciam carneiros montanheses, Ricardo tinha a cabea grande e treinava muito isso, ele batia com fora e ningum conseguiu venc-lo. 114 115. Lembro-me de quando meu pai fazia compras de vesturios para ns, eu sempre gostava das coisas que comprava para o Ricardo, eu pedia ele para trocar comigo, era chapu, sapatos, cinta, camisa, calas, ele trocava com a maior naturalidade. Essas lembranas e muitas outras agradveis de meu saudoso irmo Ricardo ficaram em minha memria. Quando tinha 15 anos, Ricardo ficou doente, foi desenganado, o mdico que comeou tratar dele no estava acertando. Quando o mdico de nossa confiana voltou de So Paulo para onde tinha viajado negcios, meu pai o chamou, e ele constatou que o tratamento estava errado, a doena era outra, mas, a cura j era impossvel. Ricardo faleceu em 05/06/1934 no dia de Corpus Christi. Minha me jamais conseguiu esquec-lo, entre os familiares ele deixou uma enorme lacuna e muitas tristezas. 115 116. Ricardo foi enterrado no cemitrio da cidade de Brotas, numa vala simples. Passado algum tempo meu cunhado Celso Guimares, marido da Nair, fez uma promessa que iria mandar construir um tmulo para o Ricardo, assim que pudesse remov-lo, mas, no deixou nada combinado na Prefeitura. Passado alguns anos o coveiro foi fazer a exumao do corpo de Ricardo e levar os ossos para o ossurio. Quando comeou cavoucar, apareceu na sua frente um moo de terno branco, e lhe disse: Antes de comear a remover essa terra, o senhor precisa falar com o coletor federal, Sr. Celso Guimares. O coveiro virou para o outro lado e desvirando no viu mais o moo, procurou pelos arredores e nada encontrou. Caindo em si, ficou assustado, tudo aquilo tinha acontecido em frao de segundos. O coveiro foi at a casa do Celso Guimares e explicou o que tinha acontecido. Celso lembrou-se da promessa e mandou que o coveiro aguardasse, foi at o 116 117. cemitrio comprou um terreno e mandou fazer um tmulo para o Ricardo. Minhas Peraltices Na Fazenda Pinheiro, passei uma infncia muito feliz, recordo sempre com muitas saudades. Tinha mais ou menos sete anos, sempre costumava passar uns dias na casa de minha irm Margarida. Numa dessas vezes, lembro-me que o paiol tinha espigas de milho estocadas e num cantinho havia uma ninhada de gatinhos. Comecei a brincar com eles, peguei um que era muito bonitinho e comecei a dar ordens e queria que me obedecesse, mas, como no atendeu o meu pedido dei-lhe uma espigada na cabea matando o pobre gatinho. Sai do paiol, desesperado e fui chamar a Margarida para salvarmos o gatinho, ela veio depressa, mas, como j estava morto o jogamos junto a um p de bananeira. Minha irm me deu pega, disse que era o gato de estimao de meu cunhado Joozinho e que 117 118. ele iria ficar muito bravo quando soubesse do seu sumio, isso me deixou muito triste. Quando meu cunhado chegou logo notou a falta do gatinho e gritou perguntando por ele, estava uma fera de bravo, eu percebendo sai de mansinho e escondi no quintal. Minha irm contou-lhe o que tinha acontecido e ele saiu a minha procura soltando fogo pelas ventas, encontrando-me quis saber, porque eu tinha feito aquilo, contei a ele como tinha acontecido, mas, enfurecido ficou muito bravo. Quando estvamos voltando para casa vimos o gatinho que vinha cambaleando e miando, meu cunhado ficou admirado e correndo pegou-o e tudo voltou ao normal, o gatinho ficou completamente recuperado, foi s alegria. Nossos Carrinhos Naquela poca tambm tnha