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ARTUR REFATTI PERFEITO
AGÊNCIA REGULADORA: Um estudo sobre o poder normativo definido pela Lei n0 9.472/97 em face
dos princípios constitucionais
Monografia apresentada à Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a
obtenção do grau em Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. MSc. Joseane Aparecida
Corrêa
Biguaçu 2009
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ARTUR REFATTI PERFEITO
AGÊNCIA REGULADORA: Um estudo sobre o poder normativo definido pela Lei n0 9.472/97 em face
dos princípios constitucionais
Esta Monogragia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências
Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Administrativo
Biguaçu, __ de novembro de 2009.
Prof. MSc. Joseane Aparecida Corrêa UNIVALI – Campus de
Orientador
Prof. MSc. Nome Instituição Membro
Prof. MSc. Nome Instituição Membro
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Dedico este trabalho àqueles que amo, que me acompanham ou já se foram, nesta
caminhada da vida. Sem estes, minha existência não seria possível.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente e principalmente, agradeço a meus pais, cujo amor e carinho
são indescritíveis, além de representarem a fortaleza da minha vida. Ao meu irmão, fiel
companheiro desde sempre, aos meus avós e tios que mantiveram a nossa união, à
minha namorada que me apoiou em todos os momentos, aos meus primos(as) que
sempre alegraram meus dias e, por fim, agradeço aos meus amigos(as), companheiros
de caminhadas e projetos.
Como não poderia deixar de ser, agradeço pela construção deste trabalho a
minha querida orientadora, Profa. Joseane Corrêa, pelo apoio, incentivo e dedicação
no desenvolvimento deste, estendo, também, o agradecimento aos mestres de
faculdade que me incutiram a paixão pelo Direito e por seu estudo, bem como às
pessoas que convivi durante o estágio no gabinete do Desembargador Vanderlei
Romer, provavelmente onde repousa a origem dessa pesquisa e o interesse pelo
Direito constitucional-administrativo.
A todos, meu muitíssimo obrigado.
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“Se o velho estado de Direito do liberalismo fazia o culto da lei, o novo Estado de
Direito do nosso tempo faz o culto da Constituição”. (Paulo Bonavides)
“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe jamais
alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de
caminhar”. (Eduardo Galeano)
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. (José Saramago).
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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda
e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, novembro de 2009.
Artur Refatti Perfeito
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RESUMO
O presente trabalho estudou as competências normativas conferidas à Agência
Nacional de Telecomunicações pela Lei n0 9.472/97 à luz dos princípios constitucionais
da eficiência, da separação dos poderes e da legalidade ou juridicidade. Para tanto,
estudou-se a conceituação e contextualização histórica da regulação estatal,
principalmente no Brasil, depois, a estruturação das agências reguladoras brasileiras e,
por último, o poder normativo da agência em questão. Desta análise, detectaram-se
duas correntes contrárias, na qual uma advoga pela inconstitucionalidade, ou parcial
constitucionalidade, do poder normativo da agência pela afronta aos princípios da
separação dos poderes e da legalidade e, outra, que defende a constitucionalidade do
poder normativo da agência sob o ângulo dos três princípios analisados.
Palavra-chave: regulação, agência reguladora, princípio, eficiência, separação dos
poderes e legalidade.
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RESUMEN
Este trabajo estudia las competencias de reglamentación atribuidas a la Agencia
Nacional de Telecomunicaciones conferidos por la ley n0 9472/97 a los principios
constitucionales de la eficiencia, la separación de poderes y de la legalidad o
juridicidad. Por lo tanto, se estudió la conceptualización y el contexto historico de la
regulación del Estado, especialmente en Brasil, después, la estructuración de
organismos reguladores y, por último, los poderes legislativos de la agencia. Este
análisis detectó dos contra-corrientes, en la qual una aboga por la inconstitucionalidad
o parcial constitucionalidad de los poderes legislativos de la agencia de afrenta a los
principios de separación de poderes y de la legalidad, y otra que defiende la
constitucionalidad de los poderes legislativos de la agencia desde el ángulo de los tres
principios analizados.
Palavra-chave: regulación, agencia reguladora, principio, eficiencia, separación de
poderes y legalidad.
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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADC – Ação Declaratória de Constitucionalidade
AGERGS – Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio
Grande do Sul
ANATEL – Agência Nacional das Telecomunicações
Art. – Artigo
CNJ – Conselho Nacional de Justiça
CRFB/88 – Constituição da República Federativa do Brasil
FISTEL – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações
LGT – Lei geral das telecomunicações (lei n0 9.472/97)
MC – Medida Cautelar
Min. – Ministro
N0 – Número
Rel. – Relator
STF – Supremo Tribunal Federal
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................... Erro! Indicador não definido.1
1 REGULAÇÀO ESTATAL ....................................................................................... 13
1.1 ORIGEM DO ESTADO GERENCIAL .................................................................. 13
1.2 CONCEITUAÇÃO ............................................................................................... 23
1.3 REGULAÇÃO ECONÔMICA NA CRFB/88 ......................................................... 31
2 AGÊNCIAS REGULADORAS ............................................................................... 39
2.1 BREVE HISTÓRICO ........................................................................................... 39
2.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS ................................................................... 45
2.3 ATUAÇÃO NOS SERVIÇOS PÚBLICOS CONCEDIDOS .................................. 54
2.4 AGÊNCIA NACIONAL DAS TELECOMUNICAÇÕES ......................................... 59
3 O PODER NORMATIVO CONFERIDO À ANATEL .............................................. 65
3.1 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA .............................................. 68
3.2 PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE OU JURIDICIDADE E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES ................................................................................................................. 74
3.3 AS COMPETÊNCIAS NORMATIVAS EM FACE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ................................................................................................. 85
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 92
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 96
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho irá estudar o poder normativo da Agência Nacional de
Telecomunicações, conferido pela Lei n0 9.472/97 à luz de três princípios
constitucionais, quais sejam, o da eficiência, o da separação dos poderes e o da
legalidade ou juridicidade.
Para tanto, será utilizado o método dedutivo de abordagem, pelo qual se partirá
de premissas gerais até atingir o ponto que se pretende, ou seja, o estudo do poder
normativo acima mencionado em face dos princípios constitucionais, isto através da
documentação indireta, que será a técnica desenvolvida na pesquisa.
Justifica-se tal estudo o fato de atualmente a Agência Nacional de
Telecomunicações normatizar todo o setor regulado, em outras palavras, referida
agência dita normas de conduta a serem observadas e cumpridas por um número
indeterminado de pessoas, especialmente concessionárias do serviço público em
questão e usuários, por certo, também, atingindo um sem número de direitos e
obrigações envolvidos no cotidiano complexo das telecomunicações.
Para que se alcance a análise proposta, será necessária a abordagem dos
objetivos específicos traçados para a pesquisa, portanto, no primeiro capítulo será feito
o apanhado histórico da regulação estatal, através das transformações sofridas pelo
Estado com o passar do tempo, após, será feita a conceituação deste modo de
ingerência estatal e, ao final do capítulo, será analisado o ambiente em que se inseriu o
conceito de regulação ou de Estado gerencial no Brasil.
Visto isso, o segundo capítulo abordará as agências reguladoras em sua
generalidade, inicialmente através da origem histórica de tais entes, depois será feita a
conceituação doutrinária e analisar-se-á a caracterização das agências, apontando-se
as principais características e funções das agências. Ao final do capítulo, será
reservado um item exclusivo para a análise da Agência Nacional de Telecomunicações
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conforme prevista na Lei n0 9.472/97, a lei que instituiu a agência e conferiu-lhe
competências diversas.
No terceiro e último capítulo, será feita a análise das competências normativas
estabelecidas pela Lei Geral das Telecomunicações em face dos princípios
constitucionais da eficiência, da separação dos poderes e da legalidade ou juridicidade.
A parte inicial deste capítulo tratará da relevância dos princípios no ordenamento
jurídico pátrio e seguirá a abordagem de cada princípio que se pretende cotejar às
competências normativas da agência, ou seja, será dedicada uma parcela do capítulo
ao estudo do princípio da eficiência, da separação de poderes e da legalidade ou
juridicidade.
Por derradeiro, o último item do trabalho será a análise das competências
normativas ou o denominado poder normativo conferido à Agência Nacional de
Telecomunicações por meio de sua lei instituidora sob a interpretação dos princípios
anteriormente analisados, especialmente no que concerne a sua compatibilização ou
não com a Constituição Federal de 1988.
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1 REGULAÇÃO ESTATAL
O capítulo inicial abordará, primeiramente, o contexto histórico no qual surgiu o a
noção de regulação estatal, inclusive no Brasil, bem como algumas justificativas
apontadas pelos doutrinadores acerca do tema. Em seguida, far-se-á a conceituação
do que seja regulação e suas características. Por fim, será feita uma abordagem de
como a regulação estatal econômica restou configurada na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88).
Assevera-se que o presente capítulo não possui a pretensão de exaurir o
assunto tratado, mas de servir como suporte para a compreensão do tema.
1.1 ORIGEM DO ESTADO GERENCIAL
A concepção de Estado regulador ou gerencial não surge sem contextualização
histórica, conforme se verá, trata-se de uma construção feita no decorrer de períodos
históricos conhecidos. Aqui, será tomado como marco histórico inicial o advento do
Estado Liberal, ou seja, o modelo surgido após a Revolução Francesa e que perduraria
vigorosamente até o final da Segunda Guerra Mundial.
Com a ascensão dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, e em pleno
curso do capitalismo industrial, o Estado assumiu papel reduzido frente às
contingências econômicas, conforme demonstra o jurista português Vital Moreira:
A primeira fase, que dura todo o século XIX, é caracteristicamente marcada pela separação entre o Estado e a economia, pela liberdade económica e a liberdade de empresa, pela auto-regulação da economia pelos mecanismos do mercado (a “mão invisível” de Adam Smith), pela redução do papel do Estado às funções de polícia e de garante dos quadros da [sic] institucionais da vida
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económica (direito de propriedade, liberdade de empresa, liberdade de trabalho, etc.). Não existe uma administração económica em sentido próprio, dado o princípio da não intervenção.
1
Nesse sentido, a monografia de Alden Mangueira também esclarece o assunto:
[...] o liberalismo, que nascido no fim do século XVIII, caracterizava-se pela atuação estatal com funções reduzidas, limitadas à segurança e ordem publica, à justiça e aos serviços essenciais. Era o momento no qual vivia-se a consagração dos direitos de participação política e dos direitos individuais, estes traduzidos, em sua expressão econômica mais nítida, na liberdade de contrato, na propriedade privada e na livre iniciativa.
2
Alexandre Santos de Aragão também discorreu sobre as características deste
modelo estatal:
Sob o ângulo da atividade econômica privada os principais fundamentos do Estado liberal-burguês eram a propriedade, pela qual se assegurava a titularidade, o gozo e a fruição de bens, e os contratos, veículos da circulação destes bens. Sobre ambos à Administração Pública não competia impor qualquer restrição, salvo se necessária para que os direitos de outros cidadãos não fossem prejudicados. Acreditava-se que o mercado seria muito mais benéfico para o conjunto da sociedade se agisse livremente, não devendo ser funcionalizado por qualquer finalidade coletiva.
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No entanto, o modelo de Estado Liberal, identificado como tal pela teoria de
Adam Smith de não intervencionismo, não previu suficientemente as deficiências do
mercado a fim de evitar as causas da Primeira Guerra Mundial e da quebra da bolsa de
Nova Iorque em 1929, o que causou questionamentos quanto à tradição do laissez-
faire.4 O momento de descenso do liberalismo econômico é tratado por Maria Sylvia
Zanella Di Pietro da seguinte forma:
Em meados do século XIX, começaram as reações contra o Estado Liberal, por suas conseqüências funestas no âmbito econômico e social; as grandes empresas tinham se transformado em grandes monopólios e aniquilado as de
1 MOREIRA, Vital. Serviço público e concorrência. A regulação do sector eléctrico. In: Os caminhos da
privatização da administração pública. IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo. Coimbra: Coimbra , 2001. p. 224. 2 BARROSO apud OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e
“poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 12. 3 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo
econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 49. 4 OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder
normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 13.
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pequeno porte; surgia uma nova classe social – o proletariado – em condições de miséria, doença, ignorância, que tendia a acentuar-se com o não intervencionismo estatal pregado pelo liberalismo.
Os princípios do liberalismo, voltados para a proteção da liberdade e da igualdade, tinham-se mostrado insuficientes para debelar a profunda desigualdade que geraram.
5
As causas do declínio do modelo Liberal também foram apontadas por Aragão,
veja-se:
A viragem do Estado-liberal burguês para um estado de cunho democrático e social, só veio a se dar efetivamente através do sufrágio universal, imposto à burguesia em função da conjunção de uma série de fatores, entre os quais, (a) as graves conseqüências sociais acarretadas pela ampla autonomia privada individualista, própria do constitucionalismo liberal, e a reação contra elas organizada pelas classes economicamente subalternas; (b) a crescente concentração do poder econômico, que minava as bases da própria economia de mercado; (c) o surgimento, com a Revolução Russa de 1917, de um modelo econômico antitético e ameaçador; (d) a escassez e a necessidade de planejamento gerada pela 1
a Guerra Mundial.
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Com o declínio do Estado Liberal, influenciado principalmente pelos
questionamentos e ataques oriundos das mazelas sociais que havia gerado, surge
“após a Segunda Guerra Mundial, o Estado Social, também chamado de Estado do
Bem-Estar, Estado Providência, Estado do Desenvolvimento, Estado Social de
Direito.”7 Nesse contexto, admitiu-se o Estado intervindo, direta ou indiretamente, em
todos os seguimentos da sociedade, ao contrário do que apregoava o modelo
precedente da “mão-invisível”.
Vital Moreira analisa a forma de atuação do modelo estatal aceito após o
período das grandes guerras mundiais:
No modelo intervencionista, o Estado não é somente empresário e planeador da economia, como responsável público pelo desempenho da economia (o “Estado económico”). É também, sobretudo, o “Estado social”, ou seja, o Estado que se encarrega de garantir a todos os seus cidadãos certas
5 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 26. 6 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo
econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 53-54. 7DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão,
franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 26-27. Grifo do autor.
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condições essenciais de vida e de bem-estar, desde a segurança social à educação, desde a protecção da saúde à habitação. Parte integrante do modelo de Estado social eram os “serviços públicos”, na tradição européia continental (sobretudo de matriz francesa), pelos quais o poder público (Estado e municípios) se assumiram como responsáveis pela organização e funcionamento de serviços considerados essenciais, como a água, a energia (gás e eletricidade), o saneamento básico (resíduos sólidos e efluentes líquidos), os transportes colectivos, os serviços postais, as telecomunicações, etc. Trata-se pois de um “Estado de serviços públicos”, assente na responsabilidade pública pelos serviços essenciais à vida.
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Portanto, o Estado Social surge como provedor das necessidades humanas, e
modifica por completo os paradigmas anteriormente estabelecidos, na medida em que
a ótica deste modelo “designa a preocupação com o bem comum, com o interesse
público, em substituição ao individualismo imperante, sob todos os aspectos, no
período do Estado Liberal”.9 Ou, como lecionou o Ministro do STF Joaquim Barbosa:
[...] de um Estado absenteísta e mero garantidor da ordem e do cumprimento dos contratos, expressão máxima do direito de propriedade, o mundo assistiu à emergência de um Estado intervencionista, provedor das prestações tendentes a minimizar e corrigir as imperfeições e iniqüidades do sistema capitalista.
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Com essa realidade, ou seja, sob a égide do Estado Social de Direito, torna-se
nítida a acepção socializante deste, uma vez que os domínios privados não são mais
absolutos como outrora o foram, já que a economia passa a ser gerida ou condicionada
pelo Estado, a propriedade privada deve obedecer a sua função social assim como as
empresas, os serviços públicos garantidores do bem-estar dos cidadãos passam a ser
prestados diretamente pelo Estado, e os direitos sociais sofrem nítida expansão,
8 MOREIRA, Vital. Serviço público e concorrência. A regulação do sector eléctrico. In: Os caminhos da
privatização da administração pública. IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo. Coimbra: Coimbra, 2001. p. 225. 9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão,
franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 27. Grifo do autor. 10
BARBOSA apud OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 13.
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principalmente no campo trabalhista e previdenciário. O Estado, ainda, se compromete
com a manutenção dos indivíduos idosos e desamparados.11
Ainda sobre a atuação do Estado neste período, Di Pietro12 menciona o
crescimento do rol de atribuições que passaram a ser empreendidas pelo Estado. São
elas: os serviços públicos através da criação de empresas estatais e fundações; a
ingerência de capital público em serviços anteriormente prestados exclusivamente pela
iniciativa privada, a título de intervenção no domínio econômico; o fomento da iniciativa
privada em setores considerados de importância para a sociedade; e, por último,
menciona a ampliação do poder de polícia do Estado.
Nesse diapasão, concluiu Alden Mangueira de Oliveira sobre o que chamou de
“Dirigismo Estatal”:
[...] mormente após a Segunda Grande Guerra, em muitos países, incluso o Brasil, os Estados Nacionais passaram a ser responsáveis pelos investimentos na infra-estrutura necessária à produção dos serviços públicos, tais como energia elétrica, telecomunicações, transporte e outros, inclusive com a estatização de empresas que até aquele momento eram privadas.
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Porém, a assunção de tantas atribuições, ao ponto de o Estado estar presente
em todos os seguimentos ou setores da vida em sociedade, reclamava capacidade
gerencial qualificada, o que o Estado Social mostrou-se incapaz de proporcionar. Di
Pietro inicia sua análise sobre as conseqüências negativas do Estado Social ao dizer:
Verificou-se um crescimento desmesurado do Estado, que passou a atuar em todos os setores da vida social, com uma ação interventiva que coloca em risco a própria liberdade individual, afeta ao princípio da separação de poderes e conduz à ineficiência na prestação de serviços.
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11
ROSETTI apud OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 13. 12
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 27-29. 13 OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 14. 14
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 29.
18
Neste instante, é necessário dizer que a teoria do Estado burocrático,
engendrada por Max Weber, ganha destaque em face da necessidade de o Estado
funcionalizar suas inúmeras atribuições, ou seja, distribuir racionalmente as funções.
Pode-se resumir a idéia do pensador através da seguinte assertiva:
A dominação legal pode assumir formas muito diversas, das quais falaremos mais tarde em particular. Limitar-nos-emos, em seguida, à análise típico-ideal da estrutura de dominação mais pura dentro do quadro administrativo: do “funcionalismo”, ou seja, da “burocracia”.
15
Segundo Weber, o modelo burocrático:
[...] é a forma mais racional de exercício de dominação, porque nela se alcança tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade – isto é, calculabilidade tanto para o senhor quanto para os demais interessados -, intensidade e extensibilidade dos serviços, e aplicabilidade formalmente universal a todas as espécies de tarefa.
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No entanto, Weber adverte que a administração burocrática-racional pode
desvirtuar-se, no sentido de ocorrer à transferência da dominação legal, ou funcional,
para a dominação tradicional, carecedora de racionalidade17. Pela administração
tradicional, constata-se o surgimento da administração patrimonialista, conceituada da
seguinte forma pelo autor:
Ao surgir o quadro administrativo (e militar) puramente pessoal do senhor, toda dominação tradicional tende ao patrimonialismo e, com grau extremo de poder senhorial, ao sultanismo: os “companheiros” tornam-se “súditos”; o direito do senhor, interpretado até então como direito preeminente dos associados, converte-se em seu direito próprio, apropriado por ele da mesma forma (em princípio) que um objeto possuído de natureza qualquer, valorizável [...].
18
15
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 3. ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1994. p. 143. 16
Idem, p. 145. 17
Ibidem, p. 148. 18
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 3. ed. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 1994. p.151.
19
Observando-se, portanto, o desvirtuamento do Estado funcional-racional
teorizado por Weber tornou-o incapaz de gerir as atividades assumidas, o que ensejou
contraposições acerca do modelo intervencionista.
Alden Mangueira de Oliveira observa, assim, um ambiente global para a crise do
Estado Social, ou interventor, a qual atribui o marco temporal do final do século XX, ao
apontar a crise do petróleo, a ineficiência administrativa como a burocratização e
morosidade, a incapacidade de induzir a modernização e expansão dos serviços
públicos ora assumidos. Entre os fatores históricos aponta o final da Guerra Fria com a
queda da União Soviética, os padrões globais de consumo, entre outros, que denotam
claramente a incapacidade do Estado Social em lidar com questões globalizantes de
interferência prática nos Estados Nacionais.19
Neste momento histórico de supradimensão estatal, os cidadãos que
anteriormente clamavam pela ingerência estatal, seja na economia, seja nas áreas
sociais, passaram a repudiar a atuação do Estado em níveis que sufocam as
liberdades individuais, veja-se a explanação de Maria Sylvia Di Pietro acerca do
assunto:
Note-se que, com a superação do liberalismo e a instauração do Estado Social, o indivíduo, que antes não queria a ação do Estado, passa a exigi-la. As relações entre Administração e administrado multiplicam-se e tornam-se muito mais complexas. A sociedade quer subvenção, financiamento, escola, saúde, moradia, transporte; quer proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio histórico e artístico nacional e aos mais variados tipos de interesses difusos e coletivos. Evidentemente, essa evolução traria conseqüências inevitáveis em matéria de controle. Aquelas modalidades idealizadas para um Estado mínimo tornaram-se inadequadas para um Estado que atua nos mais variados setores da ordem jurídica, econômica e social.
20
Nesta esteira, o Estado Social mostrou-se incapaz de suprir as contingências
sociais em um mundo em plena integração, ou globalização, deparou-se com a
dificuldade em manter e tornar eficiente seu enorme aparato de provedor das
necessidades individuais, ao mesmo tempo em que mitigava as liberdades dos 19
OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p.15-16. 20
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 31.
20
cidadãos. Estava, portanto, em queda o excesso de intervencionismo, pois, ao mesmo
tempo em que reduzia os direitos individuais se mostrava ineficiente na prestação dos
serviços que assumira. Dessa forma, a necessidade de um modelo estatal que suprisse
as falhas do Estado Providência instigou o pensamento reformador:
Por essa razão, as primeiras propostas de reforma no mundo desenvolvido articulam-se em torno da redução da dimensão e dos gastos do aparelho estatal, o que fez com que muitos identificassem nesta temática a adoção de um viés claramente neoliberal.
21
Em seqüência a este pensamento, Vital Moreira esclarece:
O modelo contemporâneo do Estado regulador visa essencialmente um retorno ao mercado, mediante a privatização do sector empresarial público, a liberalização dos sectores que estavam sob o regime de exclusivo público ou privado e a implementação de mecanismos de concorrência, em substituição dos antigos regimes de regulação administrativa.
22
Também português, José Joaquim Gomes Canotilho, prossegue a discussão
sobre a transição do Estado social para o regulador nos seguintes termos:
O Estado deixa de afivelar a máscara e o músculo de Estado-produtor para se confinar ao papel de Estado regulador. O Estado garante serviços e prestações mas não os produz directamente. O Estado declina a responsabilidade pela prossecução activa de tarefas estaduais assumindo apenas a responsabilidade pela efectivação das mesmas através de outras estruturas, a maior parte das vezes privadas.
23
No entanto, a implantação de um novo modelo de Estado em contraposição ao
paradigma intervencionista não almejava o retorno às bases liberais superadas pelo
Estado Social, mas que garantisse as liberdades individuais e prestasse de forma
satisfatória as garantias sociais. “Por outras palavras, o Estado, sem deixar de ser
21
ABRUCIO e PÓ apud OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 16. 22
MOREIRA, Vital. Serviço público e concorrência. A regulação do sector eléctrico. In: Os caminhos da privatização da administração pública. IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo. Coimbra: Coimbra , 2001. p. 226. 23
CANOTILHO, J. J. Gomes. Tribunal de Contas como instância dinamizadora do princípio republicano. Revista do Tribunal de Contas de Santa Catarina, Florianópolis, n. 6, 2008, p. 21-22.
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Estado de Direito, protetor das liberdades individuais, e sem deixar de ser Estado
Social, protetor do bem comum, passou a ser também Estado Democrático”.24
Acerca da intervenção econômica, nessa linha de pensamento, Vital Moreira
teceu as seguintes palavras sobre o modelo de Estado contemporâneo:
O processo de desintervenção económica do Estado não quer portanto significar o regresso ao “laissez-faire”, da primeira fase do capitalismo liberal. Pelo contrário: o abandono da actividade empresarial do Estado e o fim dos exclusivos públicos provocou em geral um reforço da actividade regulatória do Estado.
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Novamente, esclarece sobre as bases da administração gerencial, Di Pietro:
Já a administração pública gerencial “emerge na segunda metade do século XX, como resposta, de um lado, à expansão das funções econômicas e sociais do Estado e, de outro, ao desenvolvimento tecnológico e à globalização da economia mundial, uma vez que ambos deixaram à mostra os problemas associados à adoção do modelo anterior. A eficiência da administração pública – a necessidade de restringir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário – torna-se então essencial. A reforma do aparelhamento do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações.
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Vale, também, transcrever a constatação feita por Luís Roberto Barroso, sobre o
modelo estatal brasileiro:
O Estado brasileiro chegou ao fim do século XX grande, ineficiente, com bolsões endêmicos de corrupção e sem conseguir vencer a luta contra a pobreza. Um Estado da direita, do atraso social, da concentração de renda. Um Estado que tomava dinheiro emprestado no exterior para emprestar a juros baixos, para a burguesia industrial e financeira brasileira. Esse Estado, portanto, que a classe dominante brasileira agora abandona e do qual quer se livrar, foi aquele que a serviu durante toda a sua existência. Parece, então, equivocada a suposição de que a defesa desse Estado perverso, injusto e que não conseguiu elevar o patamar social no Brasil seja uma posição avançada,
24
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 32. Grifo do autor. 25
MOREIRA, Vital. Serviço público e concorrência. A regulação do sector eléctrico. In: Os caminhos da privatização da administração pública. IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo. Coimbra: Coimbra , 2001. p. 227. 26
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 49, grifo do autor.
22
progressista, e que o alinhamento com o discurso de sua desconstrução seja a postura reacionária.
27
Após a análise da superação do Estado Liberal do século XVIII e do Estado
Social do período entre Guerras, bem como das bases que alçaram a concepção da
regulação estatal, cinge-se, neste momento, ao desenvolvimento histórico do Estado
regulador no Brasil, que teve seu princípio de redução estatal colocado em curso já ao
final da ditadura militar e recebeu elevada impulsão após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, conforme se discorrerá.
Antes, porém, de adentrar na síntese histórica sobre o reducionismo do Estado
brasileiro, cumpre assinalar o seguinte excerto:
Registre-se que a literatura menciona a existência de pelo menos duas vertentes bem específicas que têm orientado as reformas administrativas nas décadas de 80 e 90 deste século, uma considerando que o Estado ainda possui uma função essencial no mundo globalizado, devendo por isso sofrer uma reforma para fortalecê-lo, e a outra vendo o aparelho estatal como algo que vem comprometendo o desenvolvimento capitalista, isso em face do intervencionismo, da ineficiência, da corrupção, do atendimento mal feito aos consumidores, motivo pelo qual vê necessário modificar a estrutura estatal de modo a enfraquecê-la e, com isso, não permitir que interfira nos mecanismos de mercado.
28
Após verificar o delineamento da reforma administrativa brasileira com os
desígnios da redução estatal, Alden Mangueira faz as constatações históricas:
[...] os primeiros passos desse movimento de redução do tamanho do Estado foram dados ainda no Governo de João Figueiredo, quando, em julho de 1979, por intermédio do Decreto n
0 83.740, foi criado o “Programa Nacional de
Desburocratização”. Posteriormente, em 1981 (Decretos n0s 86.212 e 86.215,
de 15/7 e de 15/12, respectivamente), foi criada a Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais (SEST), objetivando precipuamente controlar os gastos e investimentos das estatais [...].
29
27
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Uma avaliação das tendências contemporâneas di direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.163. 28
MESQUITA e FERREIRA apud OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 18. 29
OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 18.
23
Em curso o programa reducionista, este avançou e aprimorou-se com o passar
dos anos e dos governos que se sucederam. Com o governo de José Sarney através
do “Programa de Privatização” criado pelo Decreto n0 91.991/85, e aperfeiçoado pelo
Decreto n0 95.886/88 que criou o “Programa Federal de Desestatização”. Após o
advento da Constituição Federal de 1988, no governo de Fernando Collor, autorizou-se
a venda de ações das estatais que não representassem monopólio da União
(Petrobrás, Eletrobrás e Telebrás), através da Medida Provisória n0 26 de 1989.
Seguiu-se, nesse passo, com o “Programa Nacional de Desestatização” instituído pela
Lei n0 8.031/90, acentuado pela Lei 8.987/95, que abriu os setores de
telecomunicações, energia elétrica, entre outros, à iniciativa privada, com supedâneo
na Emenda Constitucional n0 8 de 1995. Por fim, o movimento reformador foi
constitucionalizado definitivamente através da edição da Emenda Constitucional n0 19
de 1998, denominada Reforma do Estado.30
Através destes instrumentos jurídicos que coadunam com a política globalizante
da contemporaneidade, denota-se que “a presença estatal na economia se
transformou, passando da produção ou da prestação de serviços para a regulação e
fiscalização de sua prestação”.31
Encerra-se, pois, este tópico ao dizer que o Estado brasileiro, conforme
assinalado durante este apanhado histórico vem praticando a concepção gerencial do
Estado em alguns setores econômicos, notadamente após as modificações trazidas
pelas Emendas n0 8/95 e n0 19/98.
30
OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p.18-20. 31
Idem, p. 18.
24
1.2 CONCEITUAÇÃO
Inicialmente, cumpre buscar a etimologia da palavra regulação e seus
desdobramentos. Para tanto, veja-se o que dispôs sobre o tema De Plácido e Silva:
De regular, do latim regulare (dispor, ordenar), designa a série de atos e formalidades pelos quais se dispõe ou se ordena o modo de ser ou a forma para a execução de alguma coisa. É, assim, a ordenação ou regração das condições impostas para a realização ou execução de alguma coisa. E, neste sentido, exprime a mesma significação de regulamentação. [...]. Mas, juridicamente, regulação traz sentido mais amplo que regulamentação. A regulação não se limita à imposição de regras suplementares ou que se dispõem para cumprimento das leis ou aplicação de normas e princípios jurídicos, já instituídos.
32
Para sanar as dúvidas advindas da análise do excerto, necessário o
esclarecimento de que o conceito para fins de desenvolvimento do presente trabalho é
o de regulação lato sensu, portanto, em sentido amplo, não se confundindo com a idéia
de regulamentação.
Com o fito de diferenciar regulação e regulamentação, colhe-se a lição de
Joaquim José Gomes Canotilho, que elucida a estreiteza do chamado poder
regulamentar:
O regulamento é uma norma emanada pela administração no exercício da função administrativa e, regra geral, com caráter executivo e/ou complementar da lei. É um acto normativo e não um acto administrativo singular; é um acto normativo mas não um acto normativo com valor legislativo. Como se disse, os regulamentos não constituem uma manifestação da função legislativa, antes se revelam como expressões normativas da função administrativa [...]
33
Conforme a lição do professor português, a regulamentação diz respeito
somente à expedição de atos normativos pela administração para a execução das leis
ou sua complementação, portanto, trata-se de conceito restrito. No Brasil, a
32
SILVA, De Plácido. Vocabulário jurídico. 25. ed. rev. e atual. Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 1188. 33
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 833.
25
Constituição Federal 1988, através do art. 84, IV, fixou o poder regulamentar como
competência privativa do Presidente da República, com o foco constitucional, Celso
Antônio Bandeira de Mello conceituou regulamento como:
[...] ato geral e (de regra) abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública.
34
Destaque-se que esta idéia restrita de normatividade apenas para a execução
das leis é a que será utilizada para designar regulamentação. Em outro vértice, retorna-
se a conceituação proposta de regulação, a qual será feita com fulcro nos
ensinamentos doutrinários, precipuamente na doutrina de direito econômico, seara em
que aparece com maior ênfase.
Colaciona-se o que diz a respeito do tema Giannini, citado por Alexandre Santos
de Aragão:
[...] a regulação dos anos menos recentes é embebida de controles e de relações de controle; já a dos anos mais recentes registra a tendência a substituir relações de controle por relações de direção, aparentemente mais elaboradas e ponderadas; a relação de direção compreende ainda o controle, mas que, de maneira muito mais flexível, sobretudo permite a adoção de medidas corretivas, em sentido próprio, das disfunções verificadas, que ao invés de serem reprimidas com medidas sancionatórias, são eliminadas mediante a adoção de medidas corretivas freqüentemente informais.
35
Sob a ótica do direito econômico, tem-se a lição de Conrado Hübner Mendes:
„Regulação‟, por sua vez, parece que assume sentido mais amplo do que se deu à administração ordenadora e ao poder de polícia. A doutrina de Direito Econômico faz uso desse termo para tratar da mecânica estatal de ordenação das atividades econômicas em geral, incluindo, portanto, os serviços públicos e as atividades econômicas em sentido estrito. Sendo assim, o Estado desempenha a regulação tanto quando tem um vínculo genérico com o administrado (livre iniciativa em sentido estrito) quanto no caso de possuir um
34 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008.p. 337. Grifo do autor. 35
GIANNINI apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 27.
26
vínculo específico (serviços públicos prestados mediante concessão ou permissão).
36
Marçal Justen Filho definiu da seguinte forma o fenômeno da regulação:
A regulação econômico-social consiste na atividade estatal de intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático, para a implementar as políticas de governo e a realização dos direitos fundamentais.
37
Nesse diapasão, o jurista espanhol Juan Miguel de La Cuétara Martínez38, em
pronunciamento feito no IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo, afirmou
que a regulação social e econômica mantém as forças advindas do ímpeto lucrativo e
da inovação tecnológica dentro de certos limites, e dessa forma atua em elementos
concretos do mercado como os preços de determinados bens e serviços, a
transparência de determinadas ofertas, alguns contratos obrigatórios, certas obrigações
de serviços públicos, entre outras formas. Isso, conforme o palestrante, após a
liberalização e privatização de serviços públicos.
Emerson Gabardo complementa a idéia de que a regulação se presta a prevenir
o ímpeto da iniciativa privada neste processo de desestatização ao dizer que “a
regulação, desde uma perspectiva econômica, é uma forma de controle, ou prevenção,
com a finalidade de corrigir, ou prevenir, as conseqüências negativas dos monopólios
antes públicos, agora possivelmente privados”.39
Em termos mais genéricos, através das lições de Vital Moreira, Conrado Mendes
designa o termo regulação da seguinte forma: 36
MENDES, Conrado Hübner. Reforma do Estado e Agências Reguladoras: Estabelecendo os parâmetros de discussão. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo econômico. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 116-117. 37
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 447. 38
“Pues bien, el regulador social y, en concreto, el regulador económico sectorial, mantienen las poderozas fuerzas derivadas del afán de lucro y de la innovación tecnológica, también dentro de certos límites, actuando sobre elementos muy concretos del mercado: los precios de determindos bienes o servicios (precios regulados), la transparencia de determindas ofertas, algunos contratos obligatorios, ciertas obligaciones de servicio público, etc”. MARTÍNEZ, Juan Miguel de La Cuétara. La regulación subsiguiente a la liberalización y privatización de servicios públicos. In: Os caminhos da privatização da administração pública. IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo. Coimbra: Coimbra , 2001. p. 195. 39 MOTTA apud GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003. p.
190.
27
1) de um lado designa um estado de equilíbrio e de regularidade no funcionamento de um sistema; 2) por outro, aponta para o estabelecimento de regras a serem observadas num determinado comportamento, tendo como objetivo garantir e repor o equilíbrio e a regularidade do seu funcionamento.
40
Apesar de corroborar com a concepção de que a regulação se propõe a manter
o estado de equilíbrio proposto por Moreira, Emerson Gabardo, argumenta que a
regulação é instrumento típico do Estado interventor tendente a corrigir os excessos.41
Ainda, complementa a assertiva ao dizer que “o conceito de Estado Regulador é
diretamente determinado pela concepção intervencionista do Estado de bem-estar
social”.42
Portanto, com base nas proposições acima, nota-se que a regulação emerge
com a necessidade de compatibilizar a atuação estatal e privada, como bem
mencionou Vital Moreira, manter o equilíbrio de forças, ou seja, nasce como proposta
de balizar o intervencionismo excessivo proveniente do Estado Social e o reducionismo
extremado do Estado Liberal que deixaria setores vitais à manutenção da vida ao
alvedrio da iniciativa privada.
Pode-se dizer, então, que o fluído conceito de regulação designa um modelo
criado para o gerenciamento estatal, de modo a mantê-lo incluso no mercado
globalizado sem olvidar-se de garantir as contingências sociais.
Alden Mangueira de Oliveira, nessa linha de pensamento, traduz o conceito da
seguinte forma:
[...] entendemos que regular uma atividade significa levá-la ao equilíbrio dentro de um dado sistema regulado, o qual poderá envolver a introdução de interesses gerais, externos ao sistema, que deverão ser processados pelo regulador de forma que a sua consecução não acarrete a inviabilidade do setor regulado. Nesse contexto, a ação estatal deve procurar equilibrar os interesses privados (competição, respeito aos direitos dos usuários, admissão da exploração lucrativa de atividade econômica) e as metas e objetivos de
40
MOREIRA apud MENDES, Conrado Hübner. Reforma do Estado e Agências Reguladoras: Estabelecendo os parâmetros de discussão. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 112-113, grifo do autor. 41
GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003. p. 188. 42
JUSTEN FILHO apud GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003. p. 188.
28
interesse público (universalização, redução de desigualdades, modicidade de preços e tarifas, maiores investimentos, etc.).
43
Cumpre, ademais, trazer a lume a discussão da forma como a regulação poderá
exercer seu mister, ou quais são os elementos, atributos ou funções de que poderá se
valer para compatibilizar os interesses públicos e privados.
Juan Miguel Martínez44 assevera que a regulação encara funções de diversos
tipos, tais como: normativas (legislação e regulamentação); criadoras de direitos e
obrigações (licenças, acessos a facilidade, encargos específicos); resolução de
conflitos (recursos, arbitragem); analítica (observação setorial, estudos pontuais);
informativas e divulgação (publicações, audiências públicas, etc.). Para este, a
regulação é mais ampla que o direito, visto que utiliza outras técnicas (econômicas,
sociais, políticas, psicológicas), sendo que o direito é o componente essencial da
regulação.
Para Aragão45, os poderes inerentes à regulação são: o de editar regras, o de
assegurar a sua aplicação e o de reprimir as infrações, e aplicam-se nas seguintes
áreas: na regulação dos monopólios, quando a competição é restrita ou inviável,
evitando lesão à economia popular, controlando preços e a qualidade dos bens e
serviços; na regulação para assegurar a livre concorrência no setor privado como no
caso de atividades econômicas sensíveis ao interesse público; e, na regulação dos
serviços públicos a fim de assegurar a universalização, a qualidade e o preço justo.
Mesmo que a “maior aplicação da regulação seja no campo econômico, ela
pode abranger outras áreas, merecendo destaque os serviços públicos exclusivos e
não exclusivos do Estado”.46 Desta forma, Maria Sylvia Zanella Di Pietro47 não restringe
43
OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 29. 44
MARTÍNEZ, Juan Miguel de La Cuétara. La regulación subsiguiente a la liberalización y privatización de servicios públicos. In: Os caminhos da privatização da administração pública. IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo. Coimbra: Coimbra , 2001. p. 196-197. 45
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 24. 46
DI PIETRO apud OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 34.
29
a regulação somente ao campo econômico, acrescenta à atuação desta concepção
outros ramos da vida em sociedade, tais como, por exemplo, padrões para saúde,
segurança e meio ambiente, neste passo define a regulação social como o conjunto de
regras de conduta e de controle das atividades sociais não exclusivas do Estado, com
a finalidade de proteger o interesse público.
Não obstante as demais classificações, ao desenvolvimento deste trabalho a
regulação de que se valerá será a econômica, de conformidade com o conceito
expressado por Carlos Ari Sundfeld:
A regulação é – isso, sim – característica de um certo modelo econômico, aquele em que o Estado não assume diretamente o exercício da atividade empresarial, mas intervém enfaticamente no mercado utilizando instrumentos de autoridade. Assim, a regulação não é própria de certa família jurídica, mas sim de uma opção de política econômica.
48
Sobre o assunto, Aragão concluiu que:
[...] a regulação estatal da economia é o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis.
49
Acerca da regulação econômica, já conceituada acima, vale demonstrar as
características da regulação contemporânea daquela engendrada no bojo do Estado
intervencionista, para tal veja-se o que disse Vital Moreira:
O Estado intervencionista era também regulador, naturalmente. Em certo sentido, fora o campo dos serviços públicos, a actividade económica do Estado tinha uma finalidade essencialmente regulatória. Tratava-se de estar na economia para melhor orientar ou comandar. A empresa pública era afinal uma via de regulação (regulação endógena). De resto, sucedia por vezes que, além da sua presença directa na economia, a empresa pública dispunha de poderes de regulação externa de toda a actividade do respectivo sector e dos
47
DI PIETRO apud OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p.34-35. 48
SUNDFELD apud OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 32. 49
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 37.
30
respectivos operadores privados. Havia aqui uma cumulação da actividade empresarial com uma actividade administrativa de regulação.
50
No entanto, com o declínio do intervencionismo estatal, o autor assinala o
surgimento de um modelo regulatório através de comissões independentes:
Nos Estados Unidos, desde o final do século XIX – quando surgiram as primeiras necessidades de regulação pública da economia – recorreu-se à criação de organismos dotados de assinalável independência em relação ao “poder executivo”, ou seja, em relação à Administração presidencial. Em vez de “executive agencies” foram criadas “comissões reguladoras independentes” (independant regulatory comissions).
51
Nesse contexto, também a Europa recorreu ao mecanismo regulatório forjado no
país norte-americano em meados dos anos 80, sob o pioneirismo da Primeira Ministra
da Grã-Bretanha Margaret Thatcher, ensejado pelo movimento de privatização e
liberalização dos monopólios estatais. O mecanismo regulatório, segundo Moreira, foi
concebido sob os valores da imparcialidade, da tecnicidade e da previsibilidade. Sobre
os poderes, o autor citado, afirma que as atuais agências reguladoras são
caracterizadas por amplos poderes, os quais denomina de instrumentos da regulação,
destacando-se: os poderes regulamentares, poderes administrativos e poderes
sancionatórios.52
Vital Moreira, ainda, encerra seu estudo sobre a regulação por agências
independentes ao dizer que:
A regulação independente, precisamente por o ser, não deixa de suscitar problemas de concepção e de compatibilização com os princípios democráticos (ausência de legitimidade política, falta de responsabilidade perante os órgãos políticos administrativos, perigo de “captura” das autoridades reguladas pelos interesses regulados, etc.). Mas as agências reguladoras independentes tornam-se um traço característico da actual paisagem institucional da regulação pública da economia.
53
50
MOREIRA, Vital. Serviço público e concorrência. A regulação do sector eléctrico. In: Os caminhos da privatização da administração pública. IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo. Coimbra: Coimbra , 2001. p. 228. 51
Idem, p. 229. 52
Ibidem, p. 229-230. 53
MOREIRA, Vital. Serviço público e concorrência. A regulação do sector eléctrico. In: Os caminhos da privatização da administração pública. IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo. Coimbra: Coimbra , 2001. p. 230.
31
Depreende-se que o conceito incerto e multifacetário de regulação versa sobre
mecanismos de ingerência do Estado em domínio privado, especificamente na
economia, é a atuação estatal que almeja equilibrar e compatibilizar os diversos
interesses provenientes do setor regulado. Nesse pensar, a noção gerencial ou
reguladora evoluiu historicamente, acompanhou as mudanças ocorridas na sociedade
e transpôs o intervencionismo de outrora para atuar de forma indireta na ordem
econômica, principalmente através de organismos que se caracterizam pela
independência com a política governamental e foram denominados, por influência
norte-americana, agências de regulação ou reguladoras.
1.3 REGULAÇÃO ECONÔMICA NA CRFB/88/88
Conforme se demonstrou no escorço histórico acima, o Brasil passou por um
período de intensa redução do aparelho estatal a partir da década de oitenta, do século
XX, principalmente com a promulgação da Constituição de 1988. Tal redução foi
intensificada através das emendas ao texto constitucional que se seguiram.
De uma perspectiva pós 1988, pode-se dizer que a Emenda Constitucional no 8,
de 1995, reformou a Constituição no sentido de prepará-la para as mudanças que iriam
se seguir. Destaca-se, do afã reformista, a modificação trazida pela referida emenda ao
art. 21 da CRFB/88. Eros Roberto Grau comentou o seguinte:
O inciso XI referia concessão a empresas sob controle acionário estatal dos “serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações”. A nova redação conferida ao preceito, que menciona singelamente serviços de telecomunicações, refere simplesmente a autorização, concessão ou permissão dos serviços, o que importa em que possam vir a ser privatizados. Este terá sido, seguramente, o objetivo maior
32
visado pelo Poder Executivo na proposição da reforma constitucional, em coerência com o programa neoliberal e internacionalização econômica.
54
Seqüencialmente às reformas reducionistas já efetivadas, e em curso à
desestatização de setores da economia, elaborou-se o que seria batizada de reforma
do Estado, a Emenda Constitucional n. 19, de 1998. Esta foi sustentada pela idéia do
princípio que introduziu expressamente ao texto constitucional, o princípio da eficiência.
Acerca da reforma engendrada, Maria Sylvia Zanella Di Pietro falou em
superação da burocracia:
No que diz respeito à Administração Pública, a idéia é transformá-la de administração burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento ao cidadão.
55
A administração burocrática a qual faz menção a doutrinadora acima, não se
trata do modelo pretendido por Max Weber, funcional ou procedimental, mas aquele
embebido de tradicionalismo, ou seja, a administração patrimonialista, como se
observa da lição de Emerson Gabardo:
Foi característica notória das raízes da burocracia brasileira o seu irracionalismo, na medida em que se pautou pelo tradicionalismo patrimonialista. Neste quadro, cabe questionar sobre a pertinência de se entender um modelo, sincronicamente, burocrático e irracional.
56
Nesse diapasão, cumpre trazer a lume a constatação feita por Raymundo Faoro
sobre a formação do estamento patrimonialista na administração Brasileira:
O domínio tradicional se configura no patrimonialismo, quando aparece o estado-maior de comando do chefe, junto à casa real, que se estende sobre o largo território, subordinando muitas unidades políticas. Sem o quadro administrativo, a chefia dispersa assume caráter patriarcal, identificável no mando do fazendeiro, do senhor de engenho e nos coronéis. Num estágio inicial, o domínio patrimonial, desta forma constituído pelo estamento, apropria as oportunidades de desfrute dos bens, das concessões, dos cargos, numa
54
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 259. 55
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 49. 56
GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. São Paulo: Dialética, 2002. p. 34.
33
confusão entre o setor público e o privado, que, com o aperfeiçoamento da estrutura, se extrema com competências fixas, com divisão de poderes [...].
57
Conforme havia assentado Maria Sylvia Zanella Di Pietro, havia necessidade de
suplantar o modelo ineficiente instituído no país, momento em que se recorreu à
flexibilização administrativa.
Quanto à eficiência pretendida pela reforma, Emerson Gabardo, criticamente,
disse:
Não é segredo que a ineficiência é tomada pelo Poder Público como sustentáculo retórico da flexibilização do regime administrativo, notadamente através da política de desestatização.
58
Estorninho, citado por Emerson Gabardo, comentou os caracteres da reforma
estatal materializada na Emenda Constitucional n0 19/98:
Primeiramente, da perspectiva da criação, haveria uma maior facilidade de instituição e extinção de entes, pela flexibilização das amarras jurídicas; já no tocante à autonomia, o “lucro” decorreria da descentralização, da atomização da responsabilidade e da redução da influência político-partidária; na organização, a principal vantagem estaria na desregulação das estruturas; na atuação, a possibilidade de adoção de processos de decisão mais flexíveis e céleres, além da incorporação de princípios da economia de mercado (como a concorrência, a rentabilidade e a economicidade), que seriam mais eficientes; na ótica financeira, o principal benefício conquistado seria a ampliação dos investimentos privados no setor público (ainda que através de financiamentos); e, finalmente, no tocante às relações exteriores, a fuga para o regime privado possibilitaria a) a maior facilidade de cooperação entre as entidades administrativas, b) a maior participação da sociedade civil local, e c) o incremento de intercâmbio com o estrangeiro.
59
Sob a ótica eficientista, Di Pietro analisa a proposta reformista:
Para o setor de produção para o mercado, é proposta: a continuidade no programa de privatização; reorganização e fortalecimento dos órgãos de
57
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. São Paulo: Globo, 2001. p. 823. 58
GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. São Paulo: Dialética, 2002. p. 69. 59
ESTORNINHO apud GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. São Paulo: Dialética, 2002. p. 58.
34
regulação dos monopólios naturais privatizados; implantação de contrato de gestão com as empresas que não puderam ser privatizadas.
60
Após estas considerações introdutórias, cumpre dizer que, não obstante a
reforma do aparelho estatal, sob o prisma do princípio da eficiência que buscou reduzir
o tamanho do Estado, a Constituição de 1988 optou pelo modelo de bem-estar,
conforme a interpretação de Eros Grau: ”[...] há um modelo econômico definido na
ordem econômica na Constituição de 1988, desenhado na afirmação de pontos de
proteção contra modificações extremas, que descrevo como modelo de bem-estar”.61
Embora o autor tenha reconhecido a prevalência do modelo intervencionista na
Constituição promulgada em 1988, assevera, também, que a intervenção pode ocorrer
de três maneiras distintas, quais sejam a intervenção por participação ou absorção, a
intervenção por direção e a intervenção por indução. No primeiro caso o Estado
assume o controle dos meios de produção, já no segundo e terceiro casos o Estado
atuará no domínio econômico e atuará como regulador da atividade, na intervenção por
direção exercendo pressão na economia e na intervenção por indução manipulando os
instrumentos que regem as leis de mercado.62
Esta exegese constitucional coaduna-se com a disposição do caput do art. 174
da CRFB/88, o qual se transcreve:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
63
No exercício de conceituar a atividade reguladora do Estado, sob a visão
constitucional, Grau ainda discorre:
A atuação reguladora há de, impõe a Constituição, compreender o exercício das funções de incentivo e planejamento. Mas não apenas isso: a atuação reguladora reclama também fiscalização e, no desempenho de sua ação
60
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 53. 61
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p.269. 62
Idem, p. 126-127. 63
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
35
normativa, cumpre também ao Estado considerar que o texto constitucional assinala, como funções que lhe atribui, as de incentivo e planejamento.
64
Os conceitos colacionados se entrelaçam, uma vez que o exercício estatal de
regulador da atividade econômica se coaduna diretamente com a conceituação de
intervenção por indução, na qual o Estado não absorve os meios de produção, ao
contrário, aplica mecanismos gerenciais próprios do mercado, esta é a interpretação
conferida por Eros Grau ao vocábulo incentivo constante do dispositivo constitucional.65
Ademais, além das funções de fiscalização e de incentivo, a Constituição
Federal 1988 ainda impõe ao Estado a função de planejamento, o assunto é explicado
por Eros Grau da seguinte forma:
O planejamento, como salientei anteriormente, neste ensaio, quando referida a atuação em relação à atividade econômica em sentido estrito – intervenção – apenas a qualifica; não configura modalidade de intervenção, mas simplesmente um método mercê de cuja adoção ela se torna sistematizadamente racional. É forma de ação racional caracterizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros, pela formulação explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenadamente dispostos. São inconfundíveis, de um lado o planejamento da economia – centralização econômica, que importa a substituição do mercado, como mecanismo de coordenação do processo econômico, pelo plano – de outro o planejamento técnico de ação racional, cuja compatibilidade com o mercado é absoluta.
66
Nota-se, pelo já exposto, que mesmo a Constituição Federal de 1988
prescrevendo um modelo estatal de bem-estar voltado a garantir os direitos essenciais
à vida digna em sociedade e colimado com o interesse público, a lei fundamental do
Estado brasileiro expressamente possibilita que este não atue diretamente no domínio
econômico, posto que o art. 174 claramente discorre sobre a atuação reguladora do
Estado. Ademais, o artigo seguinte expressamente demonstra esta alternativa
gerencial assegurada pelo texto constitucional, veja-se o que prescreve o caput do
art.175 da CRFB/88/88:
64
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 97. 65
Idem, p. 260-261. 66
Ibidem, p. 262- 263.
36
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
67
Visualizando o dispositivo, torna-se clara a alternatividade prevista na
Constituição Federal de 1988. Posto que é expressa a possibilidade de atuação indireta
do Estado, sob os regimes de concessão e permissão, fruto do movimento reducionista
iniciado antes mesmo da promulgação da Constituição de 1988, mas que fora
intensificado sobremaneira após a edição das Emendas Constitucionais nos 8/95 e
19/98. E é neste particular, para fins da pesquisa aqui desenvolvida, que importa
atentar, ou seja, para a atuação reguladora de forma indireta, principalmente no que
tange aos serviços públicos privatizados.
Nesta senda, de forma crítica, Celso Antônio Bandeira de Mello diz o seguinte:
Nos últimos anos, como fruto da mal-tramada “Reforma Administrativa”, surgiram algumas autarquias qualificadas como “autarquias sob regime especial”. São elas as denominadas “agências reguladoras”. Não havendo lei alguma que defina genericamente o que se deva entender por tal regime, cumpre investigar em cada caso, o que se pretende por isto. A idéia subjacente continua a ser a de que desfrutariam de uma liberdade maior do que as demais autarquias. Ou seja: esta especialidade do regime só pode ser detectada verificando-se o que há de peculiar no regime das “agências reguladoras” em confronto com a generalidade das autarquias.
68
O mesmo autor elenca diversas agências criadas e os serviços postos à sua
disciplina, a título exemplificativo colaciona-se apenas a enumeração das instituições
criadas para a regulação de serviços públicos, veja-se:
(a) Serviços públicos propriamente ditos. É o caso da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, criada pela Lei 9.427, de 26.12.1996, e da Agência Nacional de Telecomunicações, criada pela Lei 9.472, de 16.7.1997, da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, criadas pela Lei 10.233, de 5.6.2001 e da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, criada pela Lei 11.182, de 27.9.2005.
69
67
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Grifo nosso. 68
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 169. 69
Idem, p. 170.
37
O que se depreende das afirmativas é que no Brasil, mesmo que a opção
constitucional tenha sido por manter o modelo estatal intervencionista, ou garantidor de
forma direta das necessidades essenciais dos cidadãos e contingências sociais, a
CRFB/88 não excluiu a possibilidade de atuar como gerenciador, ou regulador indireto
de diversas atividades próprias do domínio privado e mesmo outras que foram
transferidas a este domínio, o que certamente foi o mote da reforma administrativa
empreendida.
Possibilitada, portanto, a intervenção estatal de forma indireta, ou reguladora,
por disposição expressa na Constituição (art. 174, da CRFB/88/88), optou-se pela
criação, e pode-se dizer pela proliferação, de organismos reguladores próprios do
direito norte-americano, que no Brasil, conforme se disse, foram inclusas no
ordenamento jurídico pátrio como autarquias de regime especial, e batizadas de
agências reguladoras.
Desta feita, recorda-se o ensinamento de Emerson Gabardo70, posto que este
afirma que a concepção regulatória é diretamente ligada ao intervencionismo do Estado
de Bem-Estar, contrariando o senso comum de que o Estado regulador propunha o
retorno às bases do liberalismo de Adam Smith, no que cunhou de neoliberalismo. Em
realidade, a idéia de regulação emerge num contexto de contestação ao
intervencionismo excessivo do Estado, no chamado processo de redução do aparelho
estatal, este movimento sim de pretensões visivelmente neoliberal, ocorre que a
regulação, em sentido contrário, surge para o resguardo do interesse público, sob a
necessidade de manter em certos limites o evidente interesse lucrativo dos agentes
privados.
Tal pensamento extrai-se do excerto a seguir:
Mais concretamente, podem ser localizadas algumas características do processo regulatório: ele nasce com o Estado interventor, tem a importância reduzida com a política de nacionalizações, ressurge com o paradigma neoliberal, direciona-se tanto à atividade econômica em sentido estrito quanto aos serviços públicos delegados, e estrutura-se a partir da criação de Agências Reguladoras.
71
70
GABARDO, Emerson. Eficiência e legitimidade do Estado. Barueri: Manole, 2003. p. 188. 71
Idem, p. 189.
38
Desta forma, estrutura-se a regulação no Brasil através de autarquias sob
regime especial, as agências reguladoras, que dão concreção ao ideário
intervencionista elaborado pela Constituição de 1988, muito embora, a intervenção no
domínio econômico atualmente observado seja de forma indireta ou, no vocabulário
consagrado por Eros Roberto Grau, por indução.
Sobre esta opção preferencial de intervenção indireta do Estado através da
regulação, Marçal Justen Filho esclarece:
A regulação consiste na opção preferencial do Estado pela intervenção indireta, puramente normativa. Revela a concepção de que a solução política mais adequada para obter os fins buscados consiste não no exercício direto e imediato pelo Estado de todas as atividades de interesse público. O Estado regulador reserva para si o desempenho material e direto de algumas atividades essenciais e concentra seus esforços em produzir um conjunto de normas e decisões que influenciem o funcionamento das instituições estatais e não estatais, orientando-as em direção de objetivos eleitos.
72
Nesse sentido, encerra-se com a lição de Luís Roberto Barroso:
A redução expressiva das estruturas públicas de intervenção direta na ordem econômica não produziu um modelo que possa ser identificado com o do Estado mínimo. Pelo contrário, apenas deslocou-se a atuação estatal do campo empresarial para o domínio da disciplina jurídica, com a ampliação de seu papel na regulação e fiscalização dos sérvios públicos e atividades econômicas. O Estado, portanto, não deixou de ser um agente econômico decisivo.
73
Portanto, a regulação estatal brasileira, embora surgida num ambiente de
reforma de Estado, caracterizada pela desestatização, representa o equilíbrio entre o
paradigma liberal e intervencionista, uma vez que o Estado permanece intervindo nas
relações privadas, porém, de forma indireta, e o faz por meio de agências reguladoras.
No próximo capítulo será feita a análise com maior profundidade dos agentes
reguladores no Brasil.
72
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 449. 73
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Uma avaliação das tendências contemporâneas di direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.p.166.
39
2 AGÊNCIAS REGULADORAS
Após a verificação do que seja regulação e suas características, o presente
capítulo será reservado ao estudo dos entes a quem incumbe ordinariamente a
regulação estatal, as denominadas agências reguladoras. A abordagem sobre os
agentes reguladores far-se-á através de quatro subitens, nos quais serão tratados suas
origens históricas, bem como o enquadramento conceitual doutrinário e a
caracterização dos “poderes” a eles atribuídos. Delineado o perfil genérico das
agências reguladoras, o fecho do capítulo será destinada à abordagem da Agência
Nacional das Telecomunicações.
2.1 BREVE HISTÓRICO
As agências não são uma criação brasileira. A doutrina não discrepa em dizer
que o modelo regulatório através de agências foi importado de nações cujo sistema
jurídico é o da common law74.
Para Alexandre de Moraes, citado por Alden Mangueira, a origem remota das
agências provém do direito Inglês:
De criação estrangeira, o conceito de agência utilizado para regular ramo da atividade econômica [e da social, representada pelos serviços públicos na área social] surgiu originalmente na Inglaterra, a partir da criação, pelo Parlamento,
74
“Direito comum”. (BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 16).
40
no ano de 1834, de diversos órgãos autônomos, objetivando a aplicação e concretização dos textos legais [...].
75
Neste sentido, também se posiciona Alexandre Santos de Aragão, que equipara
a origem das agências às estruturas inglesas denominadas Quangos:
As agências reguladoras independentes não possuem, na Inglaterra, uma peculiaridade que as distinga dos demais corpos administrativos, uma vez que a Administração Pública inglesa é caracterizada por seu fortíssimo policentrismo e pela autonomia dos seus órgãos, denominados de Quasi Autonomous non Governmental Organizations – QUANGOS [...].
76
No entanto, o próprio autor assevera que seria dispensável o alargamento do
poder regulamentar dos Quangos, em face do “caráter flexível da Constituição
consuetudinária do Reino Unido, o seu exacerbado parlamentarismo e a verdadeira
fusão (não separação) de poderes”.77
Por seu turno, para Lúcia Valle Figueiredo as agências possuem suas raízes no
direito norte-americano, quando diz: “‟Inventadas‟ as agências copiando-se o modelo
americano, cumpre examiná-las, inicialmente, à luz do Direito Americano”.78 Cabe dizer
que o modelo importado foi o da regulação estatal por meio de agências, por força,
principalmente, da transferência na prestação de alguns serviços públicos aos
particulares.
Mesmo que exista divergência quanto à gênese das agências, tal dissidência
não ganha relevo quando se observa que a doutrina é contundente em afirmar que o
modelo regulatório por agências foi edificado e consolidado pelo Direito norte-
americano.
Traz-se a lume a contextualização feita por Alden Mangueira:
75
MORAIS apud OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 37. 76
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo
econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 222. 77
Idem, p. 223. 78
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 136.
41
De toda sorte, o desenvolvimento da regulação setorial nos Estados Unidos ocorreu a partir de 1887, ano do surgimento da Interstate Commerce Comission (ICC), órgão destinado a regular, naquele país, o transporte ferroviário interestadual.
A partir de 1933, ano da subida de Franklin Delano Roosevelt ao Poder Executivo dos Estados Unidos da América, inicia-se um importante período na história da função reguladora em solo norte-americano.
79
Mais adiante, o mesmo autor afirma:
[...] a crise de 1929 havia mostrado ao mundo como era frágil a idéia do mercado como um ente autônomo, cuja “mão invisível”, ao sempre alocar os recursos de forma mais eficiente possível, acabaria por resolver as falhas existente [sic], conduzindo inevitavelmente ao bem-estar social. Nesse momento de reconstrução da economia mundial (nos EUA, com a implantação por Roosevelt da política do New Deal), passa a haver um controle sobre a atividade econômica por meio das Independent Regulatory Comissions, cujas principais preocupações iniciais foram o controle monopolista e a concorrência perniciosa ao mercado.
80
Essa linha é, também, trilhada por Alexandre Santos de Aragão, que ressalta a
“agencificação” do país norte-americano como fundamental para o entendimento do
fenômeno regulatório:
Nos E.U.A., país afiliado à common Law, mas dotado de uma Constituição rígida e escrita que acolhe o Princípio da Separação dos Poderes e Presidencialismo [...]. O estudo das agências reguladoras no Direito norte-americano é de grande importância, uma vez que os E.U.A. foram o primeiro país a adotar este modelo organizativo, apenas recentemente adotado em países da tradição francesa do Direito Administrativo, tais como a própria França, Itália, Espanha, Brasil e Argentina.
81
O mesmo foi dito por Bianchi, citado por Marcos Juruena Villela Souto, para
quem:
[...] a origem das agências ao direito norte-americano, cujo Direito Administrativo se estruturou de tais entidades, a primeira das quais criada ainda no século XIX (Interstate Commerce Comission, de 1887). O Federal Administrative Procedure Act, de 1946, fundamenta a criação de agências
79
OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p.38. 80
Idem, p. 39. 81
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 226.
42
“reguladoras” (que disciplinam deveres de particulares em áreas de atuação estatal) [...].
82
Fixado, portanto, que o fenômeno da atividade regulatória do Estado por meio
de agências foi efetivamente desenvolvido nos Estados Unidos, assinalando, por isso,
um caminho de assimilar maior intervenção estatal em razão das conseqüências
nefastas advindas do liberalismo excessivo. Neste sentido, Alexandre Santos de
Aragão introduziu historicamente o fato:
Os E.U.A. saíram de uma situação em que o liberalismo vigia em toda a sua ortodoxia (até cerca de 1887), passaram a uma forte regulação estatal (New Deal), gradativamente atenuada após a 2
a Guerra. Na década de oitenta, os
E.U.A. sofreram o movimento da deregulation, pelo qual se propugnava a extinção ou a diminuição da regulação estatal. Este ideário, nunca implementado em sua radicalidade, até pelo insucesso da maior parte de suas experiências, não gerou muitos frutos, o que levou a uma situação de equilíbrio.
83
Após a solidificação do modelo regulatório arquitetado nos Estados Unidos
através de agências independentes, inclusive os países de tradição jurídica romano-
germânica, ou, da civil law, começaram a adaptar a construção norte-americana às
suas realidades, foi o caso, por exemplo, da França, da Itália e do Brasil. Para este
estudo cumpre enfocar a experiência da regulação brasileira.
Gustavo Binenbojm destaca o contexto histórico oposto entre o surgimento das
agências no Brasil e nos estados Unidos:
O contexto político, ideológico e econômico em que se deu a implantação das agências reguladoras no Brasil, durante os anos 1990, foi diametralmente oposto ao norte-americano. Com efeito, o modelo regulatório brasileiro foi adotado no bojo de um amplo processo de privatizações e desestatizações, para o qual a chamada reforma do Estado constituía-se em requisito essencial. A atração do setor privado, notadamente o capital internacional, para o investimento nas atividades econômicas de interesse coletivo e serviços públicos objeto do programa de privatizações e desestatizações estava condicionada à garantia de estabilidade e previsibilidade das regras do jogo nas relações dos investidores com o Poder Público.
84
82
BIANCHI apud SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 241-242. 83
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 227. 84
BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 272.
43
Em que pese serem tais agências fruto de elaboração estrangeira, Marçal
Justen Filho faz a seguinte observação: “A adoção de um modelo estrangeiro exige sua
adaptação aos princípios e regras que estruturam o direito nacional. Logo, as agências
reguladoras brasileiras não podem ser iguais às norte-americanas”.85
Alexandre Santos de Aragão principia seu estudo sobre as agências reguladoras
no Brasil com as seguintes palavras:
No Brasil as agências reguladoras são consideradas um instituto novo no Direito Público, surgido a partir da década de noventa. A afirmação, contudo, se não é falsa, não é inteiramente verdadeira. Se, por um lado, a divisão da Administração Pública em mais de um centro de poder é um fenômeno muito mais amplo do que o surgimento das recentes agências reguladoras, não há se menosprezar a importância destas, principalmente diante do contexto de desestatização e desregulamentação em que surgiram. Este novo contexto faz com que uma série de institutos e competências administrativas sempre presentes no nosso Direito sejam submetidos a uma releitura, atualizando-os às mais modernas leis de regulação da economia, cuja implementação, em sua maior parte, incumbe às agências reguladoras independentes criadas em seu bojo. Assim, uma das mais fortes razões da riqueza teórica e prática do estudo das agências reguladoras independentes no Brasil, é o fato de, sob o ângulo da conjuntura em que vivemos, impor a retomada de velhas polêmicas, uma nova visão de institutos clássicos e o conhecimento de fenômenos normativos ainda em consolidação.
86
Consoante se extrai do excerto acima, as agências criadas recentemente no
Brasil, não foram às únicas dotadas de funções reguladoras. Acerca do tema, Luís
Roberto Barroso assinala o seguinte:
Quanto às atividades econômicas propriamente ditas, o art. 174 da Constituição de 1988 já previra a função reguladora a ser desempenhada pelo Estado. Não obstante, muito antes, entre as décadas de 30 e de 70, surgiram alguns órgãos estatais com funções reguladoras, como por exemplo, o Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Estes órgãos resistiram ao longo do tempo, mas viram frustrada sua efetiva atuação reguladora porque, à exceção do CADE, nasceram subordinados, decisória e financeiramente, ao
85
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 465. 86
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 264.
44
Poder Executivo, fosse à Presidência da República, ou mesmo a algum Ministério.
87
Necessário dizer que será reservado especial atenção aos entes reguladores
criados no seio da reforma do Estado, principalmente, após o advento da CRFB/88
vigente, cuja utilização do termo “agência” é abertamente criticada por Celso Antônio
Bandeira de Mello:
Presumivelmente isto se deve ao fato de imaginarem que uma terminologia corrente na organização administrativa norte-americana (“Central Intelligence Agency – CIA, por exemplo) conferiria prestígio e certa grandiosidade em nossas instituições ornadas com o mesmo nome. Aliás, é sabido que países subdesenvolvidos muitas vezes têm uma reverência servil para com os desenvolvidos. Será talvez o atavismo cultural dos colonizados.
88
A crítica exposta pelo autor sugere a existência de admiração exacerbada às
criações norte-americanas por parte dos povos subdesenvolvidos, incluindo-se o Brasil,
que referenciou os Estados Unidos conferindo a nomenclatura há muito utilizada neste
país.
No entanto, mesmo sob divergências, as agências reguladoras tornaram-se
marca registrada da reforma empreendida nos anos 90 no país. Luís Roberto Barroso
faz referência, exemplificativamente, a algumas:
Até o início de 2002, haviam sido criadas no país as seguintes agências: a Agência Nacional das Telecomunicações – ANATEL, prevista na Lei 9.472, de 10.07.97; a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, instituída pela Lei 9.427, de 26.12.97; a Agência Nacional do Petróleo – ANP que foi instituída pela Lei 9.478, de 6.08.97; a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei 9.782, de 26.01.1990); a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (Lei 9.961, de 28.01.2000); a Agência Nacional de Águas – ANA (Lei 9.984, de 17.07.2000); e as recentes Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, ambas criadas pela Lei n
0 10.233, de 5.06.2001. A Comissão de Valores Mobiliários,
que para muitos já era uma agência reguladora, recebeu da Lei n0 10.411 de
87
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Uma avaliação das tendências contemporâneas di direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 170. 88
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p.172.
45
6.02.2002 maior grau de autonomia, incluindo mandatos estáveis para seus dirigentes.
89
Luís Roberto Barroso também faz menção àquelas agências criadas no âmbito
dos Estados da federação, no entanto, não é necessário mencioná-las, uma vez que
apenas objetivou-se demonstrar a crescente utilização deste modelo regulatório.
Portanto, verificada a origem remota das agências reguladoras, bem como sua
larga utilização no ordenamento pátrio, cumpre passar à caracterização das agências
reguladoras brasileiras.
2.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
Antes de proceder à análise dos conceitos trazidos pela doutrina, necessário
dizer que a criação das agências reguladoras possui supedâneo constitucional,
positivado no art. 21, XI, da CRFB/88, que se compatibiliza com a atuação estatal
prevista no art. 174, caput, também da CRFB/88.
Veja-se a literalidade dos dispositivos:
Art. 21. Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; [...]. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
90
89
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Uma avaliação das tendências contemporâneas di direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 171. 90
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
46
Recorda-se, também, que o art. 177, § 20, III, da CRFB/88 delega à legislação
ordinária a estruturação do órgão regulador do monopólio da União.
Embora a CRFB/88 em algumas passagens, como nos artigos
supramencionados, faça referência ao vocábulo “órgão regulador”, tal designação
somente pode ser utilizada quando tratar-se de regulação direta, e não através de
agências, pois estas são fruto de descentralização administrativa e, conforme se verá,
são entes personificados.
Estabelecida a matriz constitucional das agências, passa-se à conceituação e
caracterização dos entes reguladores brasileiros.
Marcos Juruena Villela Souto traz a seguinte definição para as agências:
São, pois, entidades que integram a Administração Pública indireta, criadas por lei para o exercício da autoridade inerente à função de intervir na liberdade privada por meio de ponderação entre interesses em tensão, tendo, assim, personalidade de direito público, caracterizando-se como autarquia, por exigir autonomia em relação ao poder central, da espécie de autarquia especial, por ser dotada de independência, que se manifesta, principalmente pela atribuição de mandatos fixos a uma direção colegiada. As agências reguladoras têm um Colegiado Diretor, Secretaria Executiva, Câmaras Técnicas especializadas e uma ouvidoria (sem excluir os serviços de ouvidoria das empresas reguladas, podendo fiscalizar sua atuação e funcionamento como instância recursal).
91
Para Marçal Justen Filho: “Agência reguladora independente é uma autarquia
especial, sujeita a regime jurídico que assegure sua autonomia em face da
Administração direta e investida de competência para a regulação setorial”.92
Não discrepa o entendimento de Luís Roberto Barroso, que conceitua da
seguinte forma as agências de regulação:
As agências reguladoras foram introduzidas no Brasil sob a forma de autarquias e, consequentemente, com personalidade jurídica de direito público. Estão sujeitas, assim, ao mandamento do art. 37, XIX da Constituição e sua criação somente poderá se dar mediante lei específica. O mesmo quanto à sua extinção, pois ato administrativo não poderia destruir o que se construiu por norma de hierarquia superior. As agências, todavia, são autarquias especiais,
91
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 245-246. 92
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 466.
47
dotadas de prerrogativas próprias e caracterizadas por sua autonomia em relação ao Poder Público.
93
No mesmo sentido, Carlos Ari Sundfeld:
Quando criou essas agências o legislador federal optou por enquadrá-las no gênero autarquias, que está entre as organizações da Administração Indireta citadas pela Constituição Federal (art. 37, entre outros). As autarquias, segundo uma definição tradicional – que, embora não seja diretamente constitucional, é aceita sem discussão por todo mundo -, distingue-se dos outros entes estatais descentralizados por possuir personalidade de Direito Público.
94
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao comentar sobre as agências reguladoras
englobou em sua definição também as principais características:
Elas estão sendo criadas como autarquias de regime especial. Sendo autarquias, sujeitam-se às normas constitucionais que disciplinam esse tipo de entidade; o regime especial vem definido nas respectivas leis instituidoras, dizendo respeito, em regra, à maior autonomia em relação à Administração Direta; à estabilidade de seus dirigentes, garantida pelo exercício de mandato fixo, que eles somente podem perder nas hipóteses expressamente previstas, afastada a possibilidade de exoneração ad nutum; ao caráter final das suas decisões, que não são passíveis de apreciação por outros órgãos ou entidades da Administração Pública.
95
Após alertar que o conceito é sempre a tentativa de apreensão de uma realidade
fluida e imprecisa, e por isso não se pode deixar de considerar os riscos de
imprecisão96, Alexandre Santos de Aragão fala o seguinte sobre as agências:
[...] podemos conceituar as agências reguladoras independentes brasileiras como sendo as autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias e dirigidas por colegiado cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República, após prévia aprovação pelo Senado Federal, vedada a exoneração ad nutum.
97
93
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Uma avaliação das tendências contemporâneas di direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.173-174. 94
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 26, grifo do autor. 95
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 459, grifo do autor. 96
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 274. 97
Idem, p. 275, grifo do autor.
48
A partir das definições doutrinárias trazidas à colação, extrai-se que a natureza
jurídica das agências de regulação brasileiras é autárquica, com regime especial em
face das peculiaridades de possuírem atribuições regulatórias e autonomia frente à
Administração central.
Portanto, neste momento, após delineado o conceito das agências
independentes, cabe analisar com maior detença suas características.
Em razão de serem as denominadas agências reguladoras autarquias de regime
especial, cabe contrastá-las com o conceito genérico de autarquias. Para tanto, adota-
se a definição de autarquia exposta por Marçal Justen Filho:
[...] autarquia é uma pessoa jurídica de direito público, instituída para desempenhar atividades administrativas sob regime de direito público, criada por lei que determina o grau de sua autonomia em face da Administração Direta.
98
Vale dizer que o Decreto-lei n0 200/67, em seu art. 50, I, definiu autarquia como
“o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita
próprios, para executar atividades típicas de administração pública, que requeiram,
para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.
Não obstante, a definição legal não seja adotada pela doutrina uma vez que deixa de
fixar expressamente que a personalidade jurídica da autarquia é de direito público,
porém, não é objeto o aprofundamento no conceito da autarquia tradicional.
Importa, para este estudo, apontar que todas as características que compõe o
cerne do conceito das autarquias em geral aparecem nas agências reguladoras, posto
que, como nas primeiras, são pessoas jurídicas criadas por lei, com personalidade de
direito público e que exercem atividades administrativas. As diferenças entre as duas
figuras são observadas, notadamente, na dissociação que as agências possuem em
face do poder político e o desempenho de função regulatória, conforme adiante se
exporá.
98
FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 101-102.
49
Sobre a roupagem autárquica conferida às agências, Diogo de Figueiredo
Moreira Neto citado por Alexandre Santos de Aragão, justifica a importância de
conferir-lhes personalidade jurídica de direito público:
[...] a descentralização autárquica, depois de um certo declínio, ressurgiu restaurada, como a melhor solução encontrada para conciliar a atuação típica de Estado, no exercício de manifestações imperativas, de regulação e de controle, que demandam personalidade jurídica de direito público, com a flexibilidade negocial, que é proporcionada por uma ampliação da autonomia administrativa e financeira, pelo afastamento das burocracias típicas da administração direta e, sobretudo, como se exporá, pelo relativo isolamento de suas atividades administrativas em relação à arena político-partidária.
99
Portanto, tem-se que a natureza autárquica, ou de pessoa jurídica de direito
público interno, conferida às agências, decorre da necessidade de possibilitar-lhes
manifestações imperativas, ou de autoridade pública, nos termos explanados por
Carlos Ari Sundfeld:
O Supremo Tribunal Federal, em decisão recente, considerou que esse elemento, a natureza da personalidade, é fundamental para que um ente possa exercer poderes de autoridade pública (ADIn 1.717-6, em que foi suspensa, por inconstitucionalidade, a transformação, operada pelo art. 58 da Lei federal 9.649, de 27.5.1998, da personalidade das então autarquias profissionais, de
pública para privada).100
O mesmo entendimento é perfilhado por Alexandre Santos de Aragão:
Note-se que as agências reguladoras, para serem dotadas de personalidade jurídica, só poderiam, tendo em vista as funções coercitivas – de jus imperii – que exercem (fiscalização, aplicação de penalidades, imposição de normas constritivas de atividades dos particulares, etc.) e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF -, revestir a forma de autarquia – pessoa jurídica de Direito Público.
101
Verificada a razão precípua de se conferir personalidade de direto público às
agências, ou seja, a natureza da personalidade que lhe atribui direitos e deveres
próprios e, principalmente, funções imperativas típicas de Estado.
99
MOREIRA NETO apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 274. 100
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 26. 101
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 272.
50
Passa-se à análise do que seja o aludido “regime especial” que integra o cerne
do conceito de agência reguladora, o qual enseja diversas críticas.
Luís Roberto Barroso fala sobre os motivos de conferir-se regime especial aos
entes reguladores:
A instituição de um regime jurídico especial visa a preservar as agências reguladoras de ingerências indevidas, inclusive e sobretudo, como assinalado, por parte do Estado e seus agentes. Procurou-se demarcar, por esta razão, um espaço de legítima discricionariedade, com predomínio de juízos técnicos sobre as valorações políticas. Constatada a necessidade de se resguardarem essas autarquias especiais de injunções externas inadequadas, foram-lhe outorgadas autonomia político-administrativa e autonomia econômico-financeira.
102
Neste sentido, Alden Mangueira tem a mesma constatação:
A autarquia possui, na teoria, uma autonomia maior que aquela verificada na prática, eis que emperrada por uma burocracia pouco eficiente. É fato que, apesar de possuírem representação jurídica e orçamentária próprias, as autarquias sempre estiveram bastante vinculadas ao poder central do Estado, o que, na prática, acabava por engessar a modernização dos seus passos, sempre atrelados a uma ordem superior do Poder Executivo. Por esta razão, umas por expressa previsão constitucional, outras existindo tão só por previsão legal, têm obtido em suas leis criadoras a faculdade de um grau mais intenso (especial) de autonomia gerencial.
103
Em tom crítico, Celso Antônio Bandeira de Mello104 assinala que a
independência administrativa, autonomia administrativa ou ausência de subordinação
hierárquica são elementos intrínsecos a qualquer tipo de autarquia, não ensejando
qualquer novidade quanto à disciplina das autarquias em geral. No entanto, aduz que a
variação está na intensidade em que estes caracteres restam presentes em cada caso.
Cabível, agora, esclarecer a diferença entre as categorias operacionais
mencionadas acima e que compõe ponto fundamental para distinção entre a
102
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Uma avaliação das tendências contemporâneas di direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.174. 103
OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p. 61-62. 104
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p.174.
51
generalidade das autarquias e as agências reguladoras, intimamente ligadas à
interferência do poder político.
De Plácido e Silva concebe o sentido da palavra independência como sendo
“oposto à dependência (subordinação, sujeição, ligação), exprime o estado das coisas
que se mostram livres, sem qualquer ligação ou conexão com as demais”.105
No tocante às autarquias em geral tal característica não se observa, uma vez
que embora não exista subordinação hierárquica em relação a outro órgão, estão
sujeitas ao controle, ou tutela, por parte da Administração direta. Celso Antônio
Bandeira de Mello diz que tal prerrogativa “é o poder que assiste à Administração
Central de influir sobre elas com o propósito de conformá-las ao cumprimento dos
objetivos públicos em vistas dos quais foram criadas”.106
Portanto, não há se falar em independência entre o ente autárquico e a
Administração Direta, mas sim em autonomia administrativa, que para De Plácido e
Silva designa o seguinte:
Determina a expressão, a soma de poderes de que dispõe a pessoa ou entidade, para administrar os seus negócios, sob qualquer aspecto, consoante as normas e princípios institucionais de sua existência e dessa administração. As autarquias possuem autonomia administrativa. [...]. Mas, como bem se depreende, essa autonomia não tem caráter absoluto e soberano, desde que é limitada por princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo.
107
Tais conceitos operacionais são importantes na medida em que as agências
reguladoras enquadram-se entre os dois conceitos, ou seja, não se tratam de entidades
independentes ou, tampouco, autônomas pura e simplesmente, ocorre é que a lei
instituidora da agência confere um grau maior de autonomia em face da administração
central, especialmente com relação às contingências políticas, justamente o que
constitui o denominado regime especial.
105
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 729. 106
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p.162. 107
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.175.
52
Entende-se, portanto, consoante Gustavo Binembojm, acompanhado por Luiz
Roberto Barroso e Alexandre Santos de Aragão, que as agências reguladoras são
entidades dotadas de autonomia reforçada:
O regime diferenciado das agências reguladoras brasileiras, apresentado didaticamente, consiste no amálgama entre autonomia reforçada e concentração de funções públicas, normalmente distribuídas entres os poderes do Estado. A autonomia reforçada (tratada vulgarmente como independência, em referência às denominações anglo-saxônica e européia continental) é caracterizada pelos seguintes aspectos: 1
0) independência política dos dirigentes, [...];
20) independência técnica decisional, [...];
30) independência normativa, [...];
40) independência gerencial, orçamentária e financeira ampliada, [...].
108
Celso Antônio Bandeira de Mello, no entanto, diz que o único ponto relevante de
diferenciação entre a generalidade das autarquias e as agências reguladoras estaria na
investidura e fixação dos mandatos aos respectivos dirigentes:
Questão importante é a de se saber se a garantia dos mandatos por toda prazo previsto pode ou não estender-se além de um mesmo período governamental. Parece-nos evidentíssimo que não. Isso seria o mesmo que engessar a liberdade administrativa do futuro Governo. Ora, é da essência da República a temporariedade dos mandatos, para que o povo, se o desejar, possa eleger novos governantes com orientações políticas e administrativas diversas do Governo precedente. Fora possível a um dado governante outorgar mandatos a pessoas de sua confiança garantindo-os por um período que ultrapasse a duração de seu próprio mandato, estaria estendendo sua influência para além da época que lhe correspondia (o primeiro mandato de alguns dirigentes da ANATEL é de sete anos) e obstando que o novo Presidente imprimisse, com a escolha de novos dirigentes, a orientação política e administrativa que foi sufragada nas urnas. Em última instância, seria uma fraude contra o próprio povo.
109
O entendimento do autor citado diverge do que fora dito que seria essencial à
conferência de grande autonomia às agências, na medida em que não visualiza
conciliação com o texto constitucional a impossibilidade de o governante eleito
108
BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 251-252, grifo do autor. 109
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 175, grifo do autor.
53
exonerar e indicar os dirigentes que melhor lhe aprouver, inclusive alude a prática de
fraude contra o povo que legitimamente escolheu determinada orientação política.
Em sentido diverso daquele entabulado por Celso Antônio Bandeira de Mello,
Carlos Ary Sundfeld110 proclama que a estabilidade do corpo diretivo das agências é
fator fundamental para a conquista da autonomia administrativa que as particulariza.
Característica esta que é levada a efeito, principalmente, pela vedação de demissão ad
nutum dos dirigentes, ou seja, pela vontade unilateral do governante.
Tal conclusão destaca a idéia de que o mandato fixo dos dirigentes e a
impossibilidade de demissão ad nutum constituem barreiras legais à ingerência política
nas agências de regulação, sendo a principal característica da autonomia reforçada
conferida a estas.
A mesma trilha é seguida por Lúcia Valle Figueiredo:
[...] não parece que seja atentatório à independência dos poderes limitar a atuação do Chefe do Executivo, obstando-lhe a possibilidade de fazer e desfazer a seu talante. Até seria muito salutar para que não houvesse troca de favores, mas, sim, total independência.
111
A respeito, o Supremo Tribunal Federal na ADIN n0 1.949, questionada a
constitucionalidade do dispositivo da Lei Estadual que instituiu a AGERGS (Agência
Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul) para
garantir maior grau de autonomia aos dirigentes nos termos já mencionados, declarou
a constitucionalidade do dispositivo, “validando a atribuição, por lei, de estabilidade
provisória a gentes ocupantes de cargos em comissão”.112
A ementa da ação mencionada contém elucidativa lição sobre o tema:
4. A investidura a termo - não impugnada e plenamente compatível com a natureza das funções das agências reguladoras - é, porém, incompatível com a demissão ad nutum pelo Poder Executivo: por isso, para conciliá-la com a
110
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 24-25. 111
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. p.143. 112
BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.p. 260.
54
suspensão cautelar da única forma de demissão prevista na lei - ou seja, a destituição por decisão da Assembléia Legislativa -, impõe-se explicitar que se suspende a eficácia do art. 8º dos diplomas estaduais referidos, sem prejuízo das restrições à demissibilidade dos conselheiros da agência sem justo motivo, pelo Governador do Estado, ou da superveniência de diferente legislação válida.
113
Evidentemente que a questão da autonomia das agências, tendo como
característica principal a manutenção da direção nos termos expostos, é tema
complexo e discutido, que também reclama aprofundado estudo, não obstante, não se
despenderá maior atenção em face dos demais assuntos atinentes às agências que
constituem o cerne do presente trabalho.
Portanto, visto no que consiste a natureza autárquica das agências, bem como o
delineamento complexo do que seja o regime especial, diretamente ligado a
determinação de maior autonomia ao ente regulador, cumpre iniciar a abordagem das
atividades regulatórias da mesma em face dos serviços públicos devolvidos à
prestação pela iniciativa privada.
2.3 ATUAÇÃO NOS SERVIÇOS PÚBLICOS CONCEDIDOS
O modelo regulatório de intervenção estatal na economia, conforme já se
aludiu, não é atividade exclusiva das agências reguladoras, posto que outros entes não
revestidos da mesma caracterização jurídica possuem prerrogativas semelhantes,
como é o caso, por exemplo, da CVM – Comissão Nacional de Valores Mobiliários, do
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do BACEN – Banco Central,
entre outros, no entanto, a criação e proliferação de agências reguladoras coincidem
com a redução do aparato do Estado providência brasileiro.
113
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1.949 MC/R. Rel: Min. Sepúlveda Pertence. Tribunal
Pleno.Brasília, 18 de novembro de 1999. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 12 de set. 2009.
55
Nesse diapasão, Marçal Justen Filho diz o seguinte:
As atividades regulatórias são desenvolvidas não apenas por meio de agências independentes, mas por via de inúmeros órgãos administrativos. Existem atividades regulatórias setoriais, desenvolvidas pela atuação permanente e harmônica de inúmeros órgãos estatais.
114
Contudo, é inegável que as agências reguladoras desempenham papel
destacado na intervenção indireta do Estado na economia através da regulação no
período pós Reforma, em que pese o Estado tenha abandonado a função de provedor
dos mais variados bens e serviços e passado a ser regulador da sua prestação ou
produção por particulares.
Para concretizar a transferência no modo de intervenção estatal, a
Administração valeu-se do contrato de concessão, que é espécie de contrato
administrativo regulamentado pela Lei n0 8.987/95 e pode ser assim conceituado:
As concessões são contratos de natureza tipicamente administrativa pelos quais a Administração – poder concedente – transfere a um particular – concessionário – a realização e exploração, por sua conta e risco, de uma obra ou serviço público.
115
No que toca ao presente trabalho, a concessão dos serviços públicos, Celso
Antônio Bandeira de Mello leciona o seguinte:
Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.
116
Marcos Juruena Villela Souto menciona as normas a serem observadas nessas
espécies de avenças:
114
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 476. 115
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.315. 116
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 690.
56
As normas sobre o contrato de concessão observam, basicamente, o que se exige dos contratos administrativos, com destaque para a necessidade das regras, critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da implantação, expansão, alteração e modernização do serviço, bem como de sua qualidade, e ainda os deveres relativos à universalização e à continuidade do serviço (que representam a verdadeira distinção entre serviço público e atividade econômica). São os fatores objetivos de aferição de eficiência a que se referem os direitos do usuário e do consumidor e que podem justificar a intervenção e a caducidade.
117
Marcos Juruena, ainda, diz que:
A concessão foi o instrumento que deu origem à regulação; isto porque o Estado, não tendo condições materiais, técnicas e financeiras de implementar as atividades julgadas relevantes pela coletividade, admitiu que particulares a executassem, mas sob sua disciplina jurídica.
118
Nessa linha, o contrato de concessão propõe o meio ordinário para a atuação
dos entes reguladores, na medida em que o Estado transfere a prestação de serviços
públicos à iniciativa privada, porém sem descaracterizar o regime de direito público a
que se subordinam, posto que o serviço público, concedido ou não, é “um meio de
realizar os fins indisponíveis para a comunidade”.119
Com relação, já especificamente, às telecomunicações, o art. 21, XI da CRFB/88
dispõe justamente sobre a possibilidade de o Estado delegar a prestação de tais
serviços mediante contratos administrativos, quais sejam, autorização, permissão e
concessão e se submetendo à regulação Estatal, uma vez que ainda se trata de
serviço público mesmo que prestado por particular.
Marçal Justen Filho esclarece no que consiste o regime de direito público dos
serviços:
A natureza funcional da atividade de serviço público e a indisponibilidade dos direitos fundamentais acarreta usualmente a atribuição da titularidade do serviço público ao Estado. Essa é uma opção do direito positivo. Quando isso ocorre, o direito pode autorizar a delegação do serviço público à prestação por particulares. Mas isso não desnatura a existência de um serviço público, o qual será prestado por particulares delegados pelo Estado.
120
117
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.315. 118
Idem, p.315. 119
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 480. 120
Idem, p. 478.
57
Em razão da importância de que se revestem os serviços públicos para a
realização dos fins do Estado, que outrora eram prestados diretamente por este e
agora são delegados aos particulares através de contratos administrativos, não
poderiam ser subordinados pelo regime de direito privado, dado o risco de deixar-se a
exploração de serviços públicos ao arbítrio da iniciativa privada em sua conotação
liberal mais pura, ou seja, sem qualquer tipo de interferência estatal.
Foi, portanto, nesse contexto que emergiu a concepção de entes independentes
de regulação, como se depreende de tudo já dito, modelo importado da realidade
administrativa dos Estados Unidos, para equilibrar a essencialidade do serviço com a
remuneração dos particulares prestadores do mesmo, noção inerente ao próprio
conceito de regulação estatal da economia.
Alden Mangueira aborda o assunto:
[...] o papel das agências ganhou maior clareza e importância com o fim dos monopólios estatais e com o processo de desestatização de empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos de telecomunicações e energia elétrica, em especial, isso sem falar nos serviço de tratamento e fornecimento de água potável e saneamento, transporte urbano etc. Deve-se lembrar que o referido processo de deslocamento do Estado na atuação direta contempla não só a venda de empresas e ativos públicos, mas também a concessão para a exploração de obras e serviços públicos.
121
Assim, com o surgimento de inúmeras agências era necessário criar
mecanismos para que elas pudessem desempenhar as funções regulatórias
eficientemente de modo a equilibrar os variados interesses envolvidos nessas relações.
Acerca das funções desempenhadas pelas agências, Luís Roberto Barroso teceu os
seguintes comentários:
Embora a etimologia sugira a associação da função reguladora com o desempenho de competências normativas, seu conteúdo é mais amplo e variado. Ainda quando se aproxime, eventualmente, da idéia de poder de polícia administrativa – poder de direcionar as atividades privadas de acordo com os interesses públicos juridicamente definidos –, a regulação contempla uma gama mais ampla de atribuições, relacionadas ao desempenho de
121
OLIVEIRA, Alden Mangueira de. As agências de regulação, suas características e “poder normativo”, e o alcance do controle externo. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2004. p.85-86.
58
atividades econômicas e serviços públicos, incluindo sua disciplina, fiscalização, composição de conflitos e aplicação eventual de sanções.
122
O mesmo raciocínio segue Alexandre Santos de Aragão, e sinaliza para a
dificuldade de compatibilizar algumas funções exercidas com o direito tradicionalmente
concebido:
Como o conceito de regulação agrega o exercício de uma série de funções e poderes administrativos, é decorrência necessária que as agências reguladoras desempenhem uma série de distintas funções, o que chega mesmo a desafiar algumas formulações mais tradicionais da doutrina da separação de poderes.
123
Cumpre, respeitadas as peculiaridades de cada setor regulado, fixar as funções
comuns apontadas pela doutrina à generalidade dos entes reguladores para o
cumprimento dos seus fins.
Alexandre Santos de Aragão124 classifica as funções desenvolvidas pelas
agências em quatro grandes grupos, quais sejam: a atividade normativa, a atividade
fiscalizadora, a atividade sancionatória e, por fim, a atividade julgadora com adoção da
arbitragem.
Tais modos de atuação são traduzidos por Luís Roberto Barroso da seguinte
forma:
a) controle de tarifas, de modo a assegurar o equilíbrio econômico e financeiro do contrato; b) universalização do serviço, estendendo-os a parcela da população que deles não se beneficiavam por força da escassez de recursos; c) fomento da competitividade, nas áreas nas quais não haja monopólio natural; d) fiscalização do cumprimento do contrato de concessão; e) arbitramento dos conflitos entre as diversas partes envolvidas: consumidores do serviço, poder concedente, concessionários, a comunidade como um todo, os investidores potenciais etc.
125
122
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Uma avaliação das tendências contemporâneas di direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.179. 123
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.316. 124
Idem, p. 316-318. 125
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Uma avaliação das tendências contemporâneas di direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.179.
59
Em que pese à grande gama de atribuições das agências reguladoras,
Alexandre Santos de Aragão destaca como principal função a atividade normativa, ao
dizer:
Se sem as demais atividades um órgão ou uma entidade pode continuar a ser considerado como regulador, o mesmo não se pode dizer do poder de editar normas, sem o qual deixam de ser reguladores para serem apenas adjudicatórios.
126
Visto isso, resta delineado o perfil de atuação das agências reguladoras em face
da transferência estatal na prestação dos serviços públicos aos particulares, às quais
são conferidos, principalmente, poderes para editar normas, para fiscalizar o
desempenho das concessionárias e, inclusive, para compor os conflitos de interesses
aí envolvidos.
Não obstante esse grande plexo ou conjunto de atribuição há destacar o poder
de editar normas, também denominado de “poder normativo”, como característica
essencial no modelo regulatório por agências, e objeto do presente estudo.
Feitas estas considerações, volta-se para a análise do ente encarregado da
regulação do serviço público concedido de telecomunicação, ou Agência Nacional das
Telecomunicações.
2.4 AGÊNCIA NACIONAL DAS TELECOMUNICAÇÕES
Até o momento discorreu-se sobre a generalidade das agências reguladoras,
especialmente sobre as características observadas em todos os entes reguladores,
neste momento, porém, importa voltar o foco somente à Agência Nacional das
Telecomunicações – ANATEL, com a verificação do seu conjunto legal.
126
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 316.
60
Alexandre Santos de Aragão coloca o tema em pauta da seguinte forma:
A Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, criada pela Lei n0
9.472/97, regulamentada pelo Decreto n0 2.338 e pela Resolução ANATEL n
0
270/01, que aprovou seu Regimento Interno, é certamente a agência reguladora que recebeu o arcabouço institucional mais apurado, prévio a desestatização do setor e com uma definida divisão de competências entre os diversos agentes e órgãos públicos com competência na área (arts. 10, 18 e 19, Lei n
0 9.472/97).
127
Carlos Ary Sundfeld define, em linhas gerais, a tarefa da ANATEL:
Definida a política de telecomunicações pelo Poder Legislativo e Pelo Poder Executivo, dentro dos respectivos campos de competências, é exclusivamente da ANATEL a tarefa de implementá-la. Significa dizer que, em matéria de telecomunicações, todas as competências administrativas que não tenham sido atribuídas, por lei, ao Poder Executivo, estão reservadas à ANATEL, que as exercerá com independência.
128
Posto o tema, passa-se à análise dos dispositivos da Lei instituidora da
ANATEL. Nesse sentido, atendendo ao comando constitucional do art. 21, XI da
CRFB/88, incluído pela Emenda Constitucional n0 8/1995, a Lei n0 9.472/97, em seu art.
80, criou o agente regulador das telecomunicações e moldou suas características:
Art. 8° Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais. § 1º A Agência terá como órgão máximo o Conselho Diretor, devendo contar, também, com um Conselho Consultivo, uma Procuradoria, uma Corregedoria, uma Biblioteca e uma Ouvidoria, além das unidades especializadas incumbidas de diferentes funções. § 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira.
129
127
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 277. 128
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 288. 129
BRASIL. Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997. Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9472.htm>. Acesso em : 11 ago. 2009.
61
Assim, através do conteúdo do caput, passou a ser criada a agência
responsável pela regulação dos serviços de telecomunicações como entidade
componente da Administração indireta, com natureza de autarquia especial, vinculada
ao Ministério das Telecomunicações e com sede no Distrito Federal.
A coluna básica da estrutura da agência, além dos demais órgãos citados no § 10
acima, é composta pelo órgão máximo da agência que é o Conselho Diretor e pelo
órgão de consulta ou Conselho Consultivo. O primeiro, composto por cinco
Conselheiros, tem suas competências fixadas no art. 22 da LGT, das quais se destaca
o inciso IV, pelo qual o Conselho Diretor fica incumbido de editar as normas sobre
matérias de competência da agência. Quanto ao Conselho Consultivo, que será o
órgão de participação da sociedade na agência (art. 33 da LGT), tem suas
prerrogativas dispostas no art. 35 da Lei.
Frisa-se que a expressa menção sobre o regime especial da agência trata do
esforço em distinguir-se enfaticamente a agência criada das autarquias em geral, pois
“pode-se afirmar que regime especial contrapõe-se ao regime geral, de forma a negar o
tradicional figurino das autarquias”.130
O regime especial ao qual alude o art. 80 da LGT é o mesmo tratado
anteriormente, ou seja, caracterizado pela presença da autonomia reforçada e
concentração de funções públicas.131
A autonomia reforçada ou independência é pretendida, como se disse, com a
proibição de demissão ad nutum através da fixação da estabilidade provisória dos
dirigentes, no caso da ANATEL, dos membros do Conselho Diretor e, também, com a
garantia de aquisição de receitas próprias. A lei instituidora da ANATEL aborda tais
questões nos seguintes dispositivos:
Art. 23. Os conselheiros serão brasileiros, de reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de sua especialidade, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação
130
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 287. 131
BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 255.
62
pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal. Art. 24. O mandato dos membros do Conselho Diretor será de cinco anos. Parágrafo único. Em caso de vaga no curso do mandato, este será completado por sucessor investido na forma prevista no artigo anterior, que o exercerá pelo prazo remanescente. Art. 25. Os mandatos dos primeiros membros do Conselho Diretor serão de três, quatro, cinco, seis e sete anos, a serem estabelecidos no decreto de nomeação. Art. 16. Fica o Poder Executivo autorizado a realizar as despesas e os investimentos necessários à instalação da Agência, podendo remanejar, transferir ou utilizar saldos orçamentários, empregando como recursos dotações destinadas a atividades finalísticas e administrativas do Ministério das Comunicações, inclusive do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações - FISTEL. Parágrafo único. Serão transferidos à Agência os acervos técnico e patrimonial, bem como as obrigações e direitos do Ministério das Comunicações, correspondentes às atividades a ela atribuídas por esta Lei.
Nota-se, portanto, que os dirigentes da ANATEL serão escolhidos pelo
Presidente da República entre aqueles especialistas no setor econômico regulado,
pendendo aprovação do Senado Federal para mandatos de cinco anos de duração.
Além disso, o art. 25 faz menção ao mandato escalonado entre os primeiros dirigentes
a serem nomeados, justamente para não haver mudanças drásticas com o término do
qüinqüênio.
No que tange a autonomia financeira, o art. 16 da lei instituiu o FISTEL – Fundo
de Fiscalização das Telecomunicações, que servirá como meio de subsidiar os
serviços prestados pela agência, ou seja, cria um modo de receita próprio que consiste
no produto da arrecadação com as taxas de fiscalização, conforme o art. 47, uma vez
que a concessão, permissão ou autorização para a exploração dos serviços afetos à
agência será sempre a título oneroso, nos termos do art. 48 e seguintes da Lei.
No que tange ao outro ponto caracterizador do regime especial da agência, ou
seja, a concentração de funções públicas, em que se destacam, principalmente, as
funções de fiscalização, função normativa e função decisória. Estas competências
atribuídas por lei à agência estão estabelecidas no art. 19 da LGT:
Art. 18. Cabe ao Poder Executivo, observadas as disposições desta Lei, por meio de decreto: I - instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público, concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado;
63
II - aprovar o plano geral de outorgas de serviço prestado no regime público; III - aprovar o plano geral de metas para a progressiva universalização de serviço prestado no regime público; IV - autorizar a participação de empresa brasileira em organizações ou consórcios intergovernamentais destinados ao provimento de meios ou à prestação de serviços de telecomunicações. Parágrafo único. O Poder Executivo, levando em conta os interesses do País no contexto de suas relações com os demais países, poderá estabelecer limites à participação estrangeira no capital de prestadora de serviços de telecomunicações. Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: [...]. IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; V - editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público; VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções; VII - controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas nesta Lei, bem como homologar reajustes; VIII - administrar o espectro de radiofreqüências e o uso de órbitas, expedindo as respectivas normas; IX - editar atos de outorga e extinção do direito de uso de radiofreqüência e de órbita, fiscalizando e aplicando sanções; X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado; XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções; XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem; XIII - expedir ou reconhecer a certificação de produtos, observados os padrões e normas por ela estabelecidos; XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais; [...]. XVII - compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de telecomunicações; XVIII - reprimir infrações dos direitos dos usuários; XIX - exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE;
64
Percebe-se, portanto, que a ANATEL é dotada além do poder de polícia
administrativa132, comumente atribuído a autarquias, mas também de amplas
competências normativas e, inclusive, competências decisórias voltadas para a
composição dos conflitos de interesses entre os envolvidos no setor regulado por meio
de arbitragem.
Estas prerrogativas ou competências diferenciadas, presentes também nas
demais agências reguladoras em maior ou menor grau dependendo do disposto na lei
instituidora, suscitam intensos debates constitucionais, não obstante, a extensão dos
temas impede o tratamento acurado de todos no presente trabalho, motivo pelo qual se
elegeu apenas as competências normativas como objeto de estudo, as quais serão
tratadas no próximo capítulo.
Vistos, portanto, os artigos da Lei n0 9.472/97 que conferem competência ou
“poder” normativo à Agência Nacional de Telecomunicações, analisar-se-á tais
competência em face dos princípios constitucionais da separação dos poderes, da
legalidade ou juridicidade e da eficiência.
132
“O poder de polícia administrativa é a competência administrativa de disciplinar o exercício da
autonomia privada para a realização de direitos fundamentais e da democracia, segundo os princípios da
legalidade e da proporcionalidade”. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São
Paulo: Saraiva, 2005. p. 385.
65
3 O PODER NORMATIVO CONFERIDO À ANATEL
O presente capítulo fará uma análise das competências normativas conferidas à
ANATEL pela lei n0 9.472/97, tendo como foco os princípios da eficiência, da
separação dos poderes e da legalidade ou juridicidade. Para tanto, será feita a análise
dos princípios mencionados para, ao final, contrastá-los às competências referidas,
para tanto segue um breve apanhado do trabalho.
No correr do presente trabalho, estabeleceram-se os parâmetros para a
compreensão do que seja o fenômeno regulatório, com especial enfoque ao exercido
por entes “independentes”, importado recentemente dos países com tradição jurídica
distinta da romano-germânica adotada pelo Brasil e pela maioria dos países da Europa
ocidental, justificado como alternativa à ineficiência da Administração centralizada.
Modifica-se, pois, o foco do Estado, de interventor passa a ser gerenciador.
Conforme o capítulo 1, no Brasil, especificamente, a atividade regulatória foi
alçada a posição de destaque após a chamada Reforma do Estado realizada nos anos
de 1990, quando muitas atividades outrora desempenhadas diretamente pelo Estado
foram transferidas à iniciativa privada. Nesse contexto de retirada do Estado de
diversas áreas econômicas e serviços públicos e a conseqüente devolução da
prestação aos particulares, surgem às agências reguladoras.
Tais agências reguladoras, conforme visto no capítulo 2, modelo utilizado em
grande freqüência nos Estados Unidos da América do Norte, são copiadas em diversos
países da Europa ocidental e também da América Latina, inclusive o Brasil, como
resquício do Estado interventor já superado para a regulação da atividade econômica e
dos serviços públicos concedidos. A idéia, portanto, de agência reguladora, é
estreitamente ligada à interferência estatal na liberdade dos particulares.
No Brasil, as agências reguladoras foram concebidas como autarquias de
regime especial, portanto, integrantes da Administração indireta, fruto da
66
descentralização estatal. Ademais, estes entes, dotados de alta especialização técnica,
além das características indicadas para a generalidade das autarquias, possuem o
chamado regime especial, caracterizado pela autonomia reforçada das agências frente
às contingências políticas da Administração, competências normativa, fiscalizatória e
sancionatória, e para resolução de conflitos, entre outras.
Evidentemente, pela estrutura legal destes entes reguladores, sua inclusão no
direito pátrio não seria imune a diversos questionamentos constitucionais,
especialmente relacionados à adequação aos princípios estruturantes do
constitucionalismo brasileiro, tais como o princípio democrático, da separação de
poderes, da legalidade, e também sobre a ausência de previsão constitucional de
algumas agências, entre outros.
Neste clima de reforma estatal e surgimento de autarquias com “poderes”
legislativos, administrativos e judicantes, é promulgada em 16 de julho de 1997 a Lei n0
9.472, que criou a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), apontada por
parcela da doutrina como a agência de melhor suporte legal para o exercício da
regulação setorial. À ANATEL foram conferidas competências para garantir a
autonomia reforçada em face da Administração central, para o exercício do
denominado poder de polícia inclusive com arrecadação de receitas próprias, para a
resolução de conflitos através da composição principalmente e, também, para o
exercício de amplas competências normativas.
Muitos dispositivos da Lei n0 9.472/97 foram atacados, através da Ação Direta
de Inconstitucionalidade n0 1.668-5/DF, julgada pelo Supremo Tribunal Federal em
20.08.1998, com a relatoria do Ministro Marco Aurélio de Mello, cujo fundamento
principal da argüição foi com relação à autonomia reforçada conferida à agência.
Nota-se, deste breve relato, que o tema é vasto e instigante, no entanto o
presente trabalho não comporta a análise acurada de todos os meandros que compõe
a complexa teia das agências reguladoras. Por esse motivo, restringe-se o estudo ao
cotejo das competências normativas conferidas pela legislação infraconstitucional aos
67
princípios constitucionais da eficiência administrativa, da legalidade ou juridicidade e da
separação de poderes.
Portanto, o último capítulo é dedicado ao estudo do chamado “poder” normativo
da Agência Nacional de Telecomunicações, definido pelo art. 19 da Lei n0 9.472/97 nos
incisos IV, X e XII (acima transcritos), face aos princípios constitucionais de alta
relevância na construção do paradigma neoconstitucionalista ou pós-positivista.133
Ainda sobre o destacado papel dos princípios constitucionais, Gustavo
Binenbojm teceu os seguintes comentários:
Neste novo cenário, valoriza-se ao extremo o papel dos princípios constitucionais. No passado, o elevado nível de generalidade e abstração destes princípios constituía argumento para a negação da sua eficácia normativa. A doutrina contemporânea, rotulada como pós-positivista, tem enfatizado, em uníssono, a força vinculante da principiologia constitucional, que não depende da mediação do legislador infraconstitucional para produzir efeitos jurídicos. Os princípios constitucionais deixam de ser vistos como meios de integração do Direito, a serem utilizados apenas em casos de lacunas; convertem-se em autênticas normas, situadas, pela sua importância ímpar, no patamar mais elevado da ordem jurídica. O seu alto grau de abstração torna-os, por outro turno, um importante instrumento para dinamizar o ordenamento, conferindo a estes a ductibilidade necessária para acomodação de novas demandas que surgem numa sociedade em permanente mudança.
134
Dito isto, traz-se o conceito de princípio encampado por Paulo Bonavides, que
em estudo acerca da obra de juristas como Robert Alexy, Ronald Dworkin e Friedrich
Muller, diz o seguinte:
A proclamação da normatividade dos princípios em novas formulações conceituais e os arestos das Cortes Supremas no constitucionalismo contemporâneo corroboram essa tendência irresistível que conduz à valoração e eficácia dos princípios como normas-chaves de todo o sistema jurídico; normas das quais se retirou o conteúdo inócuo de programaticidade, mediante
133
“Diante do fracasso da lei, notadamente n segundo pós-guerra, as esperanças de garantia da liberdade e da jutiça passaram a ser depositadas no constitucionalismo. Com efeito, a Constituição, enquanto sistema de princípios (expressão deontológica de valores), ganha destaque como norma jurídica, irradiando seus efeitos por todo o ordenamento jurídico, que apenas poderá ser compreendido a partir da própria normativa constitucional, passando-se a falar numa constitucionalização do direito”. BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 129-130. Grifo do autor. 134
Idem, p. 63-64.
68
o qual se costumava neutralizar a eficácia das Constituições em seus valores referenciais, em seus objetivos básicos, em seus princípios cardeais.
135
O mesmo entendimento é seguido por Luís Roberto Barroso, para quem:
Os princípios – notadamente os princípios constitucionais – são a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico. Em sua trajetória ascendente, os princípios deixam de ser fonte secundária e subsidiária do Direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico. De lá, irradiam-se por todo o ordenamento, influenciando a interpretação e a aplicação das normas jurídicas em geral e permitindo a leitura moral do Direito.
136
Portanto, é neste ambiente, ao qual se confere elevada importância à
principiologia constitucional, que se analisarão as competências normativas da Agência
Nacional das Telecomunicações.
3.1 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA
O princípio aqui tratado é o da eficiência administrativa, consagrado
expressamente no texto constitucional num contexto de transformação da atuação
administrativa ocorrida após a promulgação da Constituição Federal de 1988 que
redimensionou o papel do Estado, conforme resume Tércio Sampaio Ferraz Junior:
[...] nem o estado mínimo, protetor das liberdades (estado de direito liberal), nem o estado promotor dos benefícios sociais e econômicos (estado social), mas o estado regulador que contribui para o aprimoramento das eficiências do mercado (estado regulador).
137
135
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 286. 136
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 203-204. 137
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. O poder normativo das agências reguladoras à luz do princípio da eficiência. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 271.
69
O princípio da eficiência foi positivado constitucionalmente após a chamada
reforma do Estado, com o advento da Emenda Constitucional n0 19/98, que alterou a
redação de inúmeros dispositivos do Título III da CRFB/88 e determinou a seguinte
redação ao caput do art. 37 da CRFB/88:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...].
De início já se traça duas formas bem claras de pensar tal princípio, uma
estritamente positivista, para a qual mencionado princípio apenas tornou-se
constitucional após a edição da Emenda 19/98 e outra que reputa tal princípio implícito
na Constituição, mesmo antes da reforma constitucional já referida.
Porém, antes de verificar as posições divergentes, porém, é necessário verificar
o que se entende sobre o princípio da eficiência para a administração pública. Traz-se,
com esse fim, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
A Constituição se refere, no art. 37, ao princípio da eficiência. Advirta-se que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais uma suposta busca de eficiência justificaria a postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. O fato é que o princípio da eficiência não parece ser mais do que uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da “boa administração”. Este último significa, como resulta das lições de Guido Falzone, em desenvolver a atividade administrativa “do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto”.
138
Nota-se, do excerto, que o autor citado relega o princípio da eficiência ao
segundo plano em relação ao princípio da legalidade, gradação não feita pelo texto
constitucional, e, depois, correlaciona-o ao princípio da boa administração trazida do
direito italiano.
138
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 122.
70
Já Marçal Justen Filho assemelha o princípio da eficiência ao da eficácia, posto
que a administração deve ter em mente a relação custo-benefício de seus atos, no
sentido de evitar desperdício, porém, sem o desvirtuamento dos seus fins conforme
segue:
Quando se afirma que a atividade estatal é norteada pelo princípio da eficiência, não se impõe a subordinação da atividade administrativa à racionalidade econômica, norteada pela busca do lucro e da acumulação de riquezas. A eficiência administrativa não é sinônimo da eficiência econômica. Numa empresa privada, a autonomia autoriza organizar os fatores da produção segundo as finalidades buscadas egoisticamente pelo empresário – o que autoriza, inclusive, a privilegiar a busca pelo lucro. Ao contrário, a atividade estatal deverá traduzir valores de diversa ordem, não apenas de cunho
econômico.139
O autor revela preocupação no sentido de a ótica eficientista, no âmbito da
administração pública, se equiparar aos negócios privados, em detrimento das
demandas de caráter indisponível que deve assegurar.
Em obra exclusivamente dedicada ao estudo do princípio da eficiência
administrativa, Emerson Gabardo analisa o preceito positivado na CRFB/88 por meio
da Emenda n0 19/98, no sentido de que não pode servir de pretexto para a
implementação de práticas neo-liberais, como exemplo, as práticas estabelecidas no
Consenso de Washington, em um Estado de caráter social como o brasileiro, e conclui:
[...] permanece o procedimento administrativo como um instrumento de sustentação do Estado Democrático de Direito, não podendo ser substituído por um modelo preconizador da flexibilização do regime jurídico administrativo. A partir do sistema constitucional brasileiro, que pugna por um Estado Interventor, de caráter social, torna-se defesa a substituição do procedimento legal por mecanismos flexíveis de gestão administrativa. Portanto, o equilíbrio entre a função de garantia e a função de eficiência do procedimento deve ser buscado internamente ao modelo de Estado preconizado pela Constituição.
O princípio constitucional da eficiência administrativa, expressado na Constituição Federal de 1988 pela Emenda Constitucional n
0 19/98, já era
implícito à estrutura do regime republicano. Sua natureza jurídica é, portanto, inconteste, haja vista não só a sua formalização constitucional, mas, principalmente, a sua característica de princípio constitucional, cuja ontologia é inafastavelmente normativa. Assim, sendo, o princípio não deve ser considerado uma mera transposição de um parâmetro da administração
139
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p.85.
71
privada, nem implica uma derrogação de qualquer outro princípio constitucional, notadamente o da legalidade.
140
A citação acima evidencia algumas posições do autor, primeiramente é enfático
ao dizer que o princípio da eficiência administrativa já estava contido implicitamente no
conjunto de normas e princípios da CRFB/88, não se tratando de inovação
constitucional a sua positivação. Além disso, deflagra a tendência do pós-positivismo
contemporâneo ao estabelecer que dito princípio possui força normativa, mas que não
possui o condão de rebaixar qualquer outro princípio constitucional, neste ponto
aproxima-se do entendimento explanado por Celso Antônio Bandeira de Mello, pois
destaca o papel do princípio da legalidade.
Tal preocupação decorre da substituição da assertiva corrente de que a
Administração está estritamente vinculada à legalidade, inclusive nos atos
discricionários, que são meros espaços que a própria lei confere ao administrador para
valorar a conveniência e oportunidade de atuar, pela idéia de excelência que
inegavelmente é atrelada à eficiência.
É justamente a ligação à idéia de excelência administrativa feita por Tércio
Sampio Ferraz Junior para iniciar a justificação da delegação de função normativa às
agências reguladoras ao dizer que “a noção de agente normativo e regulador parece
dar supedâneo tanto à competência para baixar normas quanto para intervenções
reguladoras no sentido de evitar distorções no comportamento do mercado por meio de
imposições de ordem técnica [...]”.141
Evidentemente que tal formulação contraria a concepção tradicional do direito
administrativo brasileiro, o que inevitavelmente propõe uma releitura do princípio da
legalidade adiante tratado, por hora destaca-se a formulação de Tércio Sampaio Ferraz
Junior:
140
GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência administrativa. São Paulo: Dialética, 2002. p.146-147. 141
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. O poder normativo das agências reguladoras à luz do princípio da eficiência. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 273.
72
Entendo que não só a justificação como também os limites do papel normativo são dados pelo princípio da eficiência dos atos administrativos, inseridos pela Emenda Constitucional n
0 19/98, que possibilita uma reinterpretação do
princípio da legalidade, em termos de uma legitimação finalística dos atos administrativos (CF, art. 37), isto é, os atos são legítimos desde que alcancem os objetivos estabelecidos em lei de forma proporcional. Assim, o sentido moderno da legalidade vê na lei não tanto uma condição e um limite, mas, basicamente, um instrumento de exercício da atividade administrativa. Como instrumento, seu princípio hermenêutico está na solidariedade entre meios e fins, donde a razoabilidade da atividade administrativa, submetida, então, a uma avaliação de sua eficiência. Nestes termos, o respeito à legalidade exige do intérprete uma distinção entre conceitos indeterminados e discricionários, bem como uma concepção de uma discricionariedade que não se limita a um juízo de oportunidade, mas alcança os juízos de realidade (avaliação de políticas de implementação de objetivos e, por conseguinte, de adequação dos meios escolhidos em face dos fins propostos).
142
Portanto, para Tércio Sampaio Ferraz Júnior o princípio da eficiência promove
uma reinterpretação da legalidade no âmbito da administração pública, para aproximar
a função normativa a atos discricionários realizados pela administração, cuja lei
estabelece os parâmetros para que o ente administrativo atue por meio de sua alta
especialização técnica com fins a desempenhar de forma eficiente a regulação setorial
de sua competência.
Tércio Sampaio Ferraz Júnior assenta a possibilidade de delegação da atividade
normativa às agências, e afirma que a lei é condição ao exercício da função:
Está aí, assim, o fulcro da eficiência e desta como base constitucional para uma delegação de poder às agências, bem como de seus limites por força da sua responsabilidade pela solidariedade de meios e fins por atos normativos e reguladores. A final, o princípio da eficiência tem por característica disciplinar a atividade administrativa nos seus resultados e não apenas na sua consistência interna (legalidade estrita, moralidade, impessoalidade). Por assim dizer, é um princípio para fora e não para dentro. Não é um princípio condição mas um princípio fim, isto é, não impõe apenas limites (condição formal de competência) mas impõe resultados (condição material de atuação). Por seu intermédio, a atividade administrativa continua submetida à legalidade, muito mais, porém, à legalidade enquanto relação solidária entre meios e fins e pela qual se responsabiliza o administrador.
143
142
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. O poder normativo das agências reguladoras à luz do princípio da eficiência. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 283. 143
Idem, p. 287.
73
Observa-se que tal visão suscita diversas controvérsias, especialmente porque
desmitifica o princípio da legalidade, afirma a possibilidade de delegação da função
normativa a entes pertencentes à administração indireta e passa a interpretar a lei
como condição para o exercício eficiente de uma atividade, ou seja, voltados a
resultados.
Por certo também, que tal entendimento não é acompanhado por
administrativistas ortodoxos, a exemplo tem-se Celso Antonio Bandeira de Mello,
apegados aos estritos termos da lei, porém, tal controvérsia será tratada a seguir no
item sobre o princípio da legalidade.
Pode-se dizer acerca da eficiência, como princípio justificador de conferência de
funções normativas às agências, que se trata de princípio inerente à idéia de regulação
administrativa, cujo objetivo principal é o estabelecimento de normas de conduta para
que se atinja o equilíbrio entre os atores envolvidos, conforme a explanação feita no
capítulo 1. No caso da ANATEL trata-se de garantir os fins legais e constitucionais com
relação à prestação do serviço público e equalizar os interesses das concessionárias,
dos usuários e do próprio Estado.
Com isso, relacionado ao tema tratado no capítulo 1, tem-se que o princípio da
eficiência que fora aventado como ensejador de todo o programa de desestatização,
especialmente no que tange aos serviços públicos, também o é quando se trata de
regulação do setor. Pois do mesmo modo em que se detectou a ineficiência do Estado
empresário e se modificou o paradigma, permitindo-se a inclusão da iniciativa privada
em diversos setores anteriormente reservados ao Estado, como o caso das
telecomunicações, o mesmo argumento surge para avalizar o Estado gerente ou
regulador no desempenho de sua função caracterizadora, a função normativa.
Portanto, o “poder” normativo da ANATEL é passível de justificação sob o
prisma do princípio da eficiência administrativa, nos termos do art. 37, caput da
CRFB/88 e dos artigos 20, 30 e 40 da LGT, uma vez que a função normativa, valendo-se
da alta especialização técnica da agência, almeja a garantia, por exemplo, da fruição e
disponibilização adequada do serviço público concedido, a universalização do mesmo,
74
o seu desenvolvimento tecnológico, a preservação dos direitos dos consumidores, o
equilíbrio econômico do contrato de concessão, entre outros. Em outras palavras, a
função normativa revela-se como instrumento essencial de otimização e concretização
dos fins regulatórios.
Vista a questão da eficiência em relação ao poder normativo da agência, em
seguida serão abordados os princípios que ensejam enormes controvérsias com
relação ao poder de normação da agência, quais sejam, o da separação dos poderes e
o da legalidade, que por sua estreita relação serão tratados conjuntamente. Porém, não
se trata de reduzir a importância do princípio da eficiência, que sobre os demais exerce
forte influência, mas reconhecer a ligação entre os dois últimos.
3.2 PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE OU JURIDICIDADE E DA SEPARAÇÃO DOS
PODERES
Os princípios constitucionais que aqui passam a ser analisados conforme as
lições doutrinárias são os que suscitam maior dúvida quanto à possibilidade de
conferir-se poder normativo às agências reguladoras, ademais, sob a visão ortodoxa-
liberal de Montesquieu, que em sua obra-prima “Do espírito das leis”, arquitetou o
princípio da separação dos poderes ou funções, no qual os poderes eram exercidos em
harmonia e de forma equilibrada, onde a função de editar normas de direito cabia
somente ao parlamento.
Paulo Otero traduz o pensamento de Montesquieu:
A ambigüidade do pensamento de Montesquieu sobre as relações do poder legislativo e o poder executivo e, deste modo, sobre a configuração e o alcance da legalidade administrativa exige que se aprofunde a análise “De l`eprit des lois”. O poder legislativo é identificado como sendo a expressão da vontade geral do Estado, enquanto o poder executivo se traduz na execução desta mesma vontade geral, afirmação esta que permite alicerçar uma concepção da
75
legalidade administrativa em que as leis, expressando a vontade geral e concretizando a razão humana, “são os olhos do príncipe, vendo ele por elas o que não poderia ver sem elas” e cuja execução fiel constitui uma garantia da liberdade.
144
Não obstante à formulação consubstanciada no equilíbrio entre os poderes
propugnada inicialmente, pode-se afirmar que os pensamentos filosóficos de matiz
liberal influíram na prevalência do poder legislativo, no que destaca o pensamento de
Locke, Rousseau e Kant, o que se irradiou até a contemporaneidade, segundo denota,
novamente, o português Paulo Otero:
Não se poderá dizer existir, todavia, uma uniformidade conceptual nos diversos contributos filosóficos integrados nesta síntese final: se Locke, Rousseau e Kant forneceram material genético subjacente aos alicerces liberais do princípio da legalidade, o certo é que deparamos com diferentes formulações que, dentro da unidade resultante do reconhecimento de uma supremacia do poder legislativo, ajudam a explicar a diversidade de concepções objecto de concretização pelos modelos constitucionais do século XIX e início do século XX.
145
Por certo que a visão liberal do Estado, e de princípios matizados sob esta
visão, não passariam imunes a mutação constante e veloz da sociedade, inicialmente
com o advento do Estado providência-empresário e depois, mais recentemente, com a
idéia de Estado regulador-gerente, o que evidencia a crise da lei formal, inclusive de
forma global. É o que afirma Gustavo Binenbojm:
A crise da lei é hoje um fenômeno quase tão universal quanto a própria proclamação do princípio da legalidade como o grande instrumento regulativo da vida social nas democracias constitucionais contemporâneas. Ao ângulo estrutural, a crise da lei confunde-se com a crise da representação e, mais especificamente, com a crise de legitimidade dos parlamentos. Ao ângulo funcional, a crise da lei é a própria crise da idéia de legalidade como parâmetro de conduta exigível de particulares e do próprio Estado. Hoje não mais se crê na lei como expressão da vontade geral, nem mais se a tem como principal padrão de comportamento da vida pública ou privada.
146
144
OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2007. p. 51. 145
Idem, p. 54. 146
BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 125.
76
Visto sinteticamente que mesmo os princípios consagrados do direito,
especialmente aqueles que permanecem desde há muito nos ordenamentos jurídicos,
notadamente dos países de cultura romano-germânica, como é o caso da legalidade e
da separação dos poderes, não estão estanques no tempo. Com isso, passa-se a
analisá-los especificamente na realidade brasileira.
A CRFB/88 trata do princípio da separação dos poderes logo em seu artigo 20:
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Já o princípio da legalidade, aqui se tratando de legalidade administrativa,
possui supedânio constitucional no art. 37 da CRFB/88:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...].
Portanto, trata-se de princípios expressamente positivados já no texto original da
Constituição, mas que são passíveis de interpretações ortodoxas, ligadas à idéia
original de Montesquieu, ou contemporâneas, ligadas à sua aplicação na sociedade
com influência de outros princípios e regras constitucionais.
Apresenta-se o que constitui para alguns conhecidos doutrinadores a separação
dos poderes. Principia-se com o conceito apresentado por Marçal Justen Filho:
A separação de Poderes estatais é um mecanismo clássico de organização e limitação do poder político, e consiste em impedir que todas as funções sejam concentradas em uma única estrutura organizacional. Isso produz um sistema de freios e contrapesos e permite que o “poder controle o próprio poder” – ou seja, gera a fragmentação do poder, com uma pluralidade de sujeitos exercitando competências distintas e controle recíproco.
147
Por seu turno, Luís Roberto Barroso entende que:
147
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 23.
77
O conteúdo nuclear histórico do princípio da separação de Poderes pode ser descrito nos seguintes termos: as funções estatais devem ser divididas e atribuídas a órgãos diversos e devem existir mecanismos de controle recíproco entre eles, de modo a proteger os indivíduos contra o abuso potencial de um poder absoluto. A separação de poderes é um dos conceitos seminais do constitucionalismo moderno, estando na origem da liberdade individual e dos demais direitos fundamentais.
148
A análise acerca das colações transparece justamente a proteção dos indivíduos
em face ao poder absoluto, porém, ao contrário do que possa parecer, está distante de
exprimir separação total entre os poderes, na medida em que devem atuar
harmonicamente por meio de funções típicas e atípicas e, principalmente,
contrabalancear tal exercício entre si. Há quem149 critique a nomenclatura “poderes” ao
dizer que este é uno, o que de fato ocorre é a separação de funções estatais, no
entanto, não importa ao tema versado tal discussão.
Marcelo Figueiredo traz sua contribuição ao tema da seguinte forma:
A teoria da separação dos poderes, entretanto, não resolve de forma absoluta – nem sequer poderia- o delicado problema entre o equilíbrio entre os “poderes” do Estado. Deveras, como é sabido, cada poder exerce sua função própria, não com exclusividade. Cada Estado, por intermédio de sua Constituição e de seu sistema de governo deve encontrar a solução que melhor implante o princípio e a teoria dos checks and controls. Sabemos também, que a produção normativa, em sentido amplo, hoje é compartilhada. Não é só afeta ao Poder Legislativo. Já a administração cabe ao Executivo apenas quando encarada em sentido estrito.
150
Já Alexandre Santos de Aragão defende que o princípio da separação dos
poderes não é estático no tempo, ou seja, não pode ser visto ou interpretado da
mesma forma em que foi construído, de combate ao absolutismo. Nesse sentido, o
autor arremata:
O Princípio da Separação dos Poderes não pode levar à assertiva de que cada um dos respectivos órgãos exercerá necessariamente apenas uma das três funções necessariamente consideradas – legislativa, executiva e judicial. E
148
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. 173. 149
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina,
1998. 150
FIGUEIREDO, Marcelo. As agências reguladoras: O estado democrático de direito no Brasil e sua
atividade normativa. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 53.
78
mais, dele também não se pode inferir que todas as funções do Estado devam sempre se subsumir a uma destas espécies classificatórias.
151
A lição acima denota uma característica clara de estratificação das funções do
Estado, é dizer, portanto, que a atividade legiferante não é absoluta dos órgãos que
compõe o Poder Legislativo.
No entanto, o essencial é observar se há permissão constitucional ao exercício
das atividades estatais tradicionalmente definidas, pela qual, e somente por isso, pode-
se cogitar de alguma transferência de competência, ou seja, somente a Constituição
pode autorizar a produção normativa nos seus termos.
Sobre o tema, com visão contemporânea, Nuno Piçarra citado por Alexandre
Santos de Aragão, aborda o princípio da seguinte forma:
A falência daquela tripartição, como classificação universal intemporalmente válida das funções estaduais, e, sobretudo, o progressivo esbatimento de fronteiras entre as diversas funções do Estado e a fluidez e relatividade dos critérios de caracterização material e de diferenciação entre elas, tem levado a doutrina a desinteressar-se progressivamente da elaboração de uma teoria das funções estaduais como elemento essencial do princípio da separação dos poderes, para se fixar numa análise das funções do Estado constitucionalmente adequada, no quadro de uma Constituição concreta.
152
Dessa forma, a questão da usurpação ou não de função típica de um poder pelo
outro, a referida interferência entre os poderes, deve ser respondida conforme a
disciplina constitucional da matéria em questão, em outras palavras, o exercício por um
poder de função típica de outro necessita de autorização constitucional para tanto.
Do que se disse até o momento é clara a divisão de pensamento acerca da
divisão tripartite do poder, uma ligada ao seu surgimento, clássica, cujo escopo é a
limitação do poder e a garantia das liberdades individuais, outra contemporânea,
fulcrada na própria idéia de Estado de Direito Constitucional, para a qual as funções
estatais estão delineadas na Constituição.
151
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 372. 152
PIÇARRA apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 372.
79
Neste ponto, portanto, há dois caminhos diversos a serem trilhados, em uma
interpretação ortodoxa do antigo princípio da tripartição dos poderes, seria inconcebível
a produção do direito a cargo de uma autarquia em regime especial, por outro lado, em
interpretação contemporânea e atenta à realidade cotidiana não haveria qualquer
vulneração ao princípio da separação dos poderes.
Alexandre Santos de Aragão, em apoio à perfeita constitucionalidade do poder
normativo das agências, diz o seguinte:
Acreditamos ter demonstrado que, se retirado o caráter mítico e absoluto da idéia “clássica” da separação dos poderes, a complexidade e autonomia das competências normativas conferidas às agências reguladoras em nada contraria a divisão de funções estabelecida pelas constituições contemporâneas e os valores do Estado de Direito, que, afinal, constituem o principal parâmetro da admissibilidade ou não do exercício de distintas funções pelo mesmo órgão ou entidade pública.
153
A análise feita até o memento buscou demonstrar que mesmo o princípio
clássico engendrado por Montesquieu e reproduzido desde as Constituições modernas
como garantia à contenção do poder absolutista até os dias atuais, é passível de novas
interpretações.
Dito isto, debruça-se à análise de outro princípio caro ao Estado constitucional,
qual seja, o princípio da legalidade, porém, para os fins do presente trabalho, somente
a legalidade administrativa, positivada no art. 37, pode-se, ainda, capitulá-lo em
conjunto com os artigos 5, II e 84, todos da CRFB/88.
A legalidade administrativa guarda estreita relação com o princípio da separação
dos poderes, na medida em que conforme a interpretação que se confira ao primeiro
inevitavelmente o intérprete se deparará com os questionamentos do segundo. Inicia-
se, então, a análise da legalidade administrativa com lição de Celso Antônio Bandeira
de Mello:
No Brasil, o princípio da legalidade, além de assentar-se na própria estrutura do Estado de Direito, e, pois, do sistema constitucional com um todo, está radicado como um todo nos arts. 5
0, II, 37, caput, e 84, IV, da Constituição
153
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.375.
80
Federal. Estes dispositivos atribuem ao princípio em causa uma compostura muito estrita e rigorosa, não deixando válvula para que o executivo se evada de seus grilhões. É, aliás, o que convém a um país de tão acentuada tradição autocrática, despótica, na qual o Poder Executivo, abertamente ou através de expedientes pueris – cuja pretensa juridicidade não iludiria sequer a um principiante -, viola de modo sistemático direitos e liberdades públicas e tripudia à vontade sobre a repartição de poderes.
154
Nota-se que o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello busca a
proteção da liberdade através da lei legislada, emanada de parlamento. Tal
pensamento restringe ao máximo a ação normativa da Administração, apegado às
teorias clássicas de Montesquieu e Rousseau.
Em contraponto, Alexandre Santos de Aragão, citando Paola Bilancia, atesta a
transformação da teoria clássica da legalidade administrativa, e vale-se do ensejo para
apoiar a normação dos entes reguladores:
As mudanças na teria da legislação não foram, porém, apenas de natureza formal, consubstanciadas na sua “desparlamentarização”, mas também materiais, refletidas na redução das suas pretensões à generalidade, ou seja, à abrangência de todo corpo social sem levar em conta as características especiais de parcela da sociedade ou de determinadas atividades. É, de fato, importante como, “de uma concepção de lei geral e abstrata de tradições liberais oitocentistas a uma legislação de caráter administrativo própria do Estado interventor, se esteja delineando uma tendência à expansão das normatizações setoriais, fruto de um ordenamento policêntrico e pluralista”.
155
Denota-se, deste excerto, não somente a possibilidade de transfiguração do
clássico princípio da legalidade para que a administração também seja dotada de
competências normativas, mas também a necessidade de tal transformação em razão
da alta complexidade da sociedade contemporânea, por seus diversos segmentos e
ramificações e com interesses, por vezes, conflitantes.
Aragão, em sentido transformador, implicitamente admite a crise do culto à lei
legislada, conforme se discorreu ao início do capítulo, como também a incapacidade do
154
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p.102. 155
BILANCIA apud ARAGÃO, Alexandre Santos de. As agências reguladoras independentes e a separação de poderes – uma contribuição da teoria dos ordenamentos setoriais. Revista dos Tribunais. São Paulo: Ano 90, v. 786, abr., 2001. p. 46.
81
legislador de estabelecer concretamente e satisfatoriamente normas de condutas
aplicáveis genericamente, a uma sociedade extremamente pluralizada ou diversificada.
Do início desta exposição sobre o princípio da legalidade, inferem-se dois modos
de interpretá-lo, em relação à produção de normas por entes da administração indireta,
o primeiro, como foi dito, reputa impossível ou restritíssima a possibilidade da
administração produzir normas por seus organismos. Outro reputa mais que possível
que entes autônomos produzam normas de conduta, mas necessário para que o
Estado de Direito concretize seus fins.
A adoção da primeira interpretação criaria gigantescas dificuldades à inserção
constitucional das competências normativas das agências reguladoras, senão a
completa inviabilização. Como porta voz desta corrente, tem-se Celso Antônio Bandeira
de Mello:
De toda sorte, ditas providências, em quaisquer hipóteses, sobre deverem estar amparadas em fundamento legal, jamais poderão contravir o que esteja estabelecido em lei ou por qualquer maneira distorcer-lhe o sentido, maiormente para agravar a posição jurídica dos destinatários da regra ou de terceiros; assim como não poderão também ferir princípios jurídicos acolhidos em nosso sistema, sendo aceitáveis apenas quando indispensáveis, na extensão e intensidades requeridas para o atendimento do bem jurídico que legitimamente possam curar e obsequiosas à razoabilidade. Alexandre Mazza recusa-lhes, inclusive, a possibilidade de uma competência regulamentar propriamente dita, fundado na singela mas certeira observação de que esta é, pelo Texto Constitucional, declarada privativa do Chefe do Poder Executivo.
156
Com um pouco mais de aceitação às competências normativas, mas também
com reticências a tal exercício, Marcelo Figueiredo diz o que segue:
Os poderes das denominadas “autoridades administrativas independentes” no mundo ou das agências no Brasil não podem envolver capacidade reservada à Constituição ou a lei.
Excluídas as matérias interditadas pela Constituição, o legislador poderá, dentro de determinados limites e com cautelas, exercer certo grau de delegação, com reservas, sempre que indicar parâmetros adequados, claros e suficientes para a atuação normativa do órgão delegado.
157
156
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008. p.123. 157
FIGUEIREDO, Marcelo. As agências reguladoras: O estado democrático de direito no Brasil e sua atividade normativa. São Paulo: Malheiros, 2004. p.308.
82
Assim, para Marcelo Figueiredo, as agências somente podem editar normas de
caráter complementar, ou seja, em casos especialíssimos não reservados à lei, ou
mero exercício de poder regulamentar, aplica-se, pois, a legalidade estrita, ou a reserva
de lei, pelo qual “os atos têm de se basear ou fundar em leis”.158
Necessário, ainda, consignar que tal formulação não é desprovida de
embasamento constitucional, eis que o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias determina:
Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I - ação normativa; [...].
Por outro lado, há a corrente que admite a possibilidade de conferirem-se
competências normativas às autarquias reguladoras, o problema quanto a essa
corrente está na dificuldade de definir a categoria legislativa em que se inserem os atos
normativos: lei, regulamento, ato administrativo, etc.
Neste sentido, é de se destacar, primeiramente, a corrente que propugna a
deslegalização ou delegificação como forma justificadora do poder normativo das
agências, pode-se entender tal tese conforme explica José dos Santos Carvalho Filho:
Por conseguinte, não nos parece ocorrer qualquer desvio de constitucionalidade no que toca ao poder normativo conferido às agências. Ao contrário do que alguns advogam, trata-se do exercício de função administrativa, e não legislativa, ainda que seja genérica sua carga de aplicabilidade. Não há total inovação na ordem jurídica com a edição dos atos regulatórios das agências. Na verdade, foram as próprias leis disciplinadoras da regulação que, como visto, transferiram alguns vetores, de ordem técnica, para normatização pelas entidades especiais – fato que os especialistas têm denominado de “delegalização”, com fundamento no direito francês (“domaine de l`ordonnance”, diverso do clássico “domaine de la loi”).
159
158
FIGUEIREDO, Marcelo. As agências reguladoras: O estado democrático de direito no Brasil e sua atividade normativa. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 133. 159
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Agências Reguladoras e o poder normativo. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 83.
83
A tese da deslegalização proposta é acatada com grande entusiasmo por
autores de renome no estudo aprofundado das agências reguladoras, a exemplo de
Alexandre Santos de Aragão, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Caio Tácito entre
outros no Brasil, estrangeiros pode-se mencionar Eduardo García de Enterría e José
Joaquim Gomes Canotilho. Portanto, é necessário dizer que embora recente a
teorização da deslegalização, esta já ganha grande densidade teórica.
A respeito, Alexandre Santos de Aragão diz o seguinte:
A deslegalização estaria implícita no amplo poder normativo (esteado em standards gerais) conferido pelas leis instituidoras às agências reguladoras para exercer as suas competências regulando determinado setor da economia, principalmente em seus aspectos técnicos, observada a política pública fixada pela Lei e pela Administração central.
160
Entretanto, a tese da deslegalização não é uníssona quando se trata de
justificação de poderes de normação conferido às autarquias reguladoras. Gustavo
Binenbojm leciona que:
O poder normativo das agências constitui, portanto, uma das expressões do seu poder discricionário (ou, de forma mais técnica, de seu poder não inteiramente vinculado à lei) que se perfaz, circunstancialmente, pela edição de atos normativos (mas que pode materializar-se em atos administrativos concretos, conforme o caso). Tal poder é imanentemente infralegal, salvo onde a própria Constituição de forma expressa, ou por sua sistemática o excepcione. Merece relevo o fato de que nenhuma exceção de tal ordem é feita na atual Constituição brasileira em favor de entes reguladores. A alusão feita nos artigos 21, XI e 177, par. 2
0, III, respectivamente, aos entes reguladores dos
setores de telecomunicações (ANATEL) e petróleo (ANP) evidentemente não tem este condão.
161
Entende Binenbojm, em concordância com Marçal Justen Filho162, que a
atividade normativa fixada pela leis instituidora da agência nada mais é que o exercício
de uma competência discricionária, certamente dependente e inferior à lei.
160
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 425. 161
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.286. 162
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 469.
84
Em sentido mais restritivo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, enquadra os atos
normativos das agências como infra-regulamentares, nos seguintes termos:
Mesmo para as que têm fundamento constitucional, a competência reguladora tem que se limitar aos chamados regulamentos administrativos ou de organização, referidos no item 8.3.1, só podendo dizer respeito às relações entre os particulares que estão em situação de sujeição especial ao Estado. No caso da Anatel e da ANP as matérias que podem ser por elas reguladas são exclusivamente as que dizem respeito aos respectivos contratos de concessão, observados os parâmetros e princípios estabelecidos em lei.
163
Outra forma, portanto, de se pensar a justificação e a caracterização do poder
normativo das agências em face do princípio da legalidade administrativa, sem o
compromisso de exaurir todas as formulações e delineamentos construídos pelos
doutrinadores.
Por fim, interessante registrar os dizeres de Gustavo Binenbojm:
A dignidade da lei deve ser preservada – ainda que seja em um patamar mínimo de normatividade – como condição para a existência de parâmetros de controle externo à atividade regulatória, que permitem aos cidadãos e agentes econômicos e sociais o ou Standards funcionam como verdadeiras diretrizes democráticas a guiar o trabalho das agências, preordenando finalisticamente a sua atuação.
164
O que realmente se almeja é demonstrar novas perspectivas às formulações
clássicas, como é o caso do princípio da separação dos poderes e da legalidade
apresentados, pelo que se infere a possibilidade de releitura de alguns paradigmas do
direito administrativo brasileiro. Porém, o tema, evidentemente, é denso, o que não
comporta enfrentamento de cada meandro.
Com isso, passa-se ao próximo tópico cujo objeto será justamente a aplicação
das lições colhidas no correr deste trabalho à Agência Nacional das Telecomunicações.
163
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 212. 164
BINEMBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 290.
85
3.3 AS COMPETÊNCIAS NORMATIVAS EM FACE DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS
Anteriormente discorreu-se acerca de três princípios constitucionais
consagrados na seara administrativa, os dois últimos – separação de poderes e
legalidade – classicamente concebidos na modernidade como formas de conter e
disciplinar o exercício do poder em prol das liberdades individuais, enquanto o princípio
da eficiência busca trazer para a sede da administração a noção de concretização de
finalidades na melhor medida possível, no caso aqui tratado o desenvolvimento do
serviço público de telecomunicações, com a universalização do serviço, a prestação de
qualidade, o equilíbrio econômico, entre outras expostas no art. 20 da LGT.
Certamente que tais formulações principiológicas foram tratadas sob a
observância do objeto genérico do estudo, ou seja, o poder normativo das agências
reguladoras.
Cumpre, pois, neste momento, contrastar o poder normativo atribuído pela Lei n0
9.472/97 à ANATEL aos princípios constitucionais tratados acima.
Para esse início, colacionam-se os dispositivos que conferem tais competências
normativas à reguladora das telecomunicações:
Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: [...] IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; [...]. X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado; [...]. XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem; [...]. XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo inclusive os equipamentos terminais;
86
[...].
Da análise do dispositivo, depreende-se que a Lei n0 9.472/97 conferiu à
agência amplas competências normativas, pois podem disciplinar todos os setores dos
serviços de telecomunicações, sejam eles públicos ou privados. Trata-se, pois, de
grandes possibilidades de ingerência sobre o setor econômico regulado.
Antes de proceder ao cotejo de tais competências aos princípios já analisados, é
importante antecipar a posição do Supremo Tribunal Federal, que foi instado a
manifestar-se acerca da constitucionalidade de diversos dispositivos da Lei n0
9.472/97, inclusive dos incisos IV e X do art. 19, na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n0 1.668/DF165. Carlos Roberto Siqueira Castro disserta sobre o
julgado:
Na égide jurisprudencial, é ilustrativa e até mesmo emblemática a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIN n
0 1.668-DF, prolatada em 20.08.1998,
que, em sede de medida cautelar, considerou constitucional a outorga de competência normativa em favor da ANATEL, conforme perpetrada pelo art. 19, incisos IV e X, da Lei Geral de Telecomunicações (Lei n
0 9.472/97), desde
que com estrita observância dos preceitos legais e regulamentares aplicáveis. A rigor, o acórdão da nossa Suprema Corte deferiu, em parte, o pedido de medida liminar referente a tais atribuições de competência reguladora, isto sem redução do texto, para conferir aos precitados incisos interpretação conforme a Constituição Federal, com o objetivo de fixar exegese segundo a qual a competência da Agência Nacional de Telecomunicações para expedir normas subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado.
166
Desta forma, o STF manteve a formulação original do texto da Lei Geral de
Telecomunicações, reputando-a constitucional, ao menos em análise da medida
cautelar, conferindo aos dois dispositivos mais elásticos quanto à competência
normativa, interpretação conforme a CRFB.
165
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1.668-5. Rel: Min. Marco Aurélio de Mello. Tribunal Pleno. Brasília, 20 de agosto de 1998. Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 3 out. 2009. 166
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Função normativa regulatória e o novo princípio da legalidade. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 70.
87
No curso do julgamento, vale transcrever, o voto do então Ministro Sepúlveda
Pertence, que fora acolhido pelo Ministro Relator Marco Aurélio de Mello, sobre o
assunto:
Peço vênia ao eminente Relator, com relação aos incisos IV e X, para propor interpretação conforme. Estou de acordo com S. Exa., em que nada impede que a Agência tenha funções normativas, desde, porém, que absolutamente subordinadas à legislação, e, eventualmente, às normas de segundo grau, de caráter regulamentar, que o Presidente da República entenda baixar.
167
Nota-se que o STF entendeu por possibilitar a ação normativa da agência,
desde que com estrita observância legal e regulamentar. Observa-se, do julgado, que
não há contraste principiológico na decisão, há sim, o posicionamento por uma das
interpretações possíveis, qual seja, a que subordina o ato normativo da agência
inclusive ao regulamento.
Em verdade a decisão não acarreta transformação drástica na regência do
poder normativo da agência, pois efetivamente os conceitos ali contidos são
permeados de indeterminação, uma vez que a regulamentação da outorga, prestação e
fruição do serviço podem atingir um sem número de direitos e obrigações. Há, portanto,
campo para a discricionariedade técnica da agência.
Quanto ao princípio da eficiência administrativa, o poder normativo da agência
pode ser visto como uma forma de agilidade na concretização das políticas traçadas
para o setor regulado, em outras palavras, é dizer que a expedição de normas
obrigatórias pela agência efetiva com mais rapidez e propriedade as políticas traçadas
em lei, bem como no contrato de concessão.
Assim, a Agência deve expedir normas para garantir a devida outorga, prestação
e fruição do serviço de telecomunicações, sempre com vistas a atingir os fins para qual
foi criada. Tal conclusão remete ao próprio conceito de regulação, que sustenta o
equilíbrio entre as partes envolvidas para que se tenham resultados satisfatórios.
Portanto, a alta especialização técnica da agência autoriza a expedição de normas que
167
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1.668-5, Rel. Min. Marco Aurélio de Mello, Tribunal Pleno, j. 20.08.1998.
88
venham a corrigir as distorções de um setor vital na vida em sociedade, mas,
principalmente, de alto aporte tecnológico e em constante mutação.
Sob essa ótica, pois, o legislador não teria capacidade técnica específica para
gerir todas as relações advindas do gigantismo das telecomunicações, sejam elas em
relação aos usuários do serviço, às concessionárias, ao próprio Estado e a terceiros.
Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld elucida a questão:
Nos novos tempos, o Poder Legislativo faz o que sempre fez: edita leis, freqüentemente com alto grau de abstração e generalidade. Só que, segundo os novos padrões da sociedade, agora essas normas não bastam, sendo preciso normas mais diretas para tratar das especificidades, realizar o planejamento dos setores, viabilizar a intervenção do Estado em garantia do cumprimento ou a realização daqueles valores: proteção do meio ambiente e do consumidor, busca do desenvolvimento nacional, expansão das telecomunicações nacionais, controle sobre o poder econômico – enfim, todos esses que hoje consideramos fundamentais e cuja persecução exigimos do Estado.
168
Com isso, nota-se que sob a égide do princípio da eficiência tem-se
argumentação justificadora das amplas competências normativas da ANATEL.
Com relação ao princípio da separação de poderes, diga-se inicialmente que é
possível analisar-se as competências conferidas no art. 19 da LGT sob o ângulo do seu
conceito histórico-tradicional ou sob sua forma contemporânea voltada essencialmente
ao atendimento das contingências da sociedade e do mundo globalizado.
No primeiro caso, por certo não seria possível, em que pese à maior eficiência,
essa transferência na criação do direito específico das telecomunicações ao ente
regulador, na visão clássica oitocentista. Ou seja, a prerrogativa da criação do direito
estaria a cargo somente do Poder Legislativo.
Porém, não parece ser esta a posição, inclusive, do Supremo Tribunal Federal,
que aceitou as competências normativas, no entanto, aqui é necessário dizer que em
realidade não há interferência ou mesmo usurpação da função típica constitucional do
poder legiferante. Essa tese, conforme o item 3.1, ganha força no sentido de se
168
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito
Administrativo Econômico. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 27.
89
compreender que o próprio legislador que outorgou tais competências pode ao passar
do tempo suprimi-las.
Ademais, nem sequer o sistema de freios e contrapesos, por esta ótica, está
mitigado, uma vez que qualquer ato lesivo aos atores envolvidos no mundo das
telecomunicações pode ser levado ao Poder Judiciário, como corolário do princípio do
livre acesso ao Judiciário, disposto no art. 50, XXXV da CRFB/88
Por derradeiro, e talvez a questão mais tormentosa da matéria, é saber se as
competências abordadas no art. 19 da Lei n0 9.472/97 estão em consonância com o
princípio constitucional da legalidade.
Em princípio, é necessário relembrar, conforme se aludiu anteriormente, que a
Administração Pública está deixando de vincular-se à lei estrita, atualmente o que se
propugna é a vinculação ao direito, em especial ao direito constitucional, à juridicidade.
Desta forma, salutar é o questionamento prévio se as competências atribuídas à
ANATEL para editar normas vulneram o princípio da legalidade ou juridicidade.
Novamente duas correntes foram observadas, a clássica, intimamente ligada ao
postulado da separação de poderes de Montesquieu, que no contexto da administração
pública se transmuda para a reserva de lei, ou seja, determinadas matérias estariam
subordinadas apenas à disciplina da norma de origem parlamentar. Por outro lado,
observa-se a corrente que admite sem ressalvas o poder de normação das agências
reguladoras em geral.
A primeira corrente, para a qual somente o parlamento pode inovar no mundo do
direito através da edição de leis, não seria admitida a disciplina do art. 19 da LGT, uma
vez que a lei não delimita especificamente o campo de atuação dos atos normativos da
agência, pois como já se disse “a outorga, prestação e fruição” dos serviços de
telecomunicações podem sugerir variáveis indeterminadas de regulamentação, um
exemplo comum é a prestação do serviço de telefonia móvel. Há, portanto, por esta
visão a inconstitucionalidade das competências estabelecidas pelo dispositivo da LGT,
por ofensa aos arts. 50, II e 37, caput da CRFB/88.
90
Por outro lado, há a corrente que admite a perfeita constitucionalidade de ditas
competências normativas, sob o argumento de que se fazem por determinação legal e
constitucional, sem qualquer desrespeito ao princípio da legalidade ou ao Direito, como
é o caso de Carlos Ari Sundfeld e Alexandre Santos de Aragão entre outros.
No caso da ANATEL, o poder normativo foi determinado não apenas pelo art. 19
e incisos da Lei Geral das Telecomunicações, mas também, e principalmente, pela
disposição do art. 21, XI, da CRFB/88. Ou seja, a Lei n0 9.472/97 veio a regulamentar a
matéria contida no dispositivo constitucional cujo poder de normatização é implícito à
atividade regulatória, como já se disse anteriormente, caracterizando-se o seu cerne.
Nesta senda, autores como Alexandre Santos de Aragão, Carlos Ari Sundfeld,
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Gustavo Binenbojm, Maria Zanella Di Pietro entre outros
formularam diversas teorias para estabelecer a categoria legal ou espécies normativas
que se consubstanciam os atos reguladores, como a deslegalização, atos infra-legais
discricionários, regulamentos de todos os tipos ou até mesmo atos infra-
regulamentares, o que renderia inúmeros trabalhos em razão da riqueza do tema, não
é o caso aqui.
O que é necessário estabelecer é se a LGT proporcionou critérios mínimos ao
exercício das competências normativas, não se trata de critérios que exaurem a
matéria, mas mínimos, os chamados Standards. No caso, o objeto a ser normatizado,
ou seja, a outorga, a fruição a prestação do serviço, a compatibilização dos métodos, a
integração de redes, etc.
Com isso, Carlos Ari Sundfeld, reconhece a perfeita constitucionalidade de ditas
competências:
Desejo deixar bem vincado aqui o meu ponto de vista a respeito do poder normativo das agências. Quando reconheço ser constitucionalmente viável que elas desfrutem de um tal poder, de modo algum estou sugerindo que elas produzam “regulamentos autônomos” ou coisa parecida, pois todas as suas competências devem ter base legal – mesmo porque só a lei pode criá-las, conferindo-lhes (ou não) poderes normativos.
91
A constitucionalidade da lei depende de o legislador haver estabelecido Standards suficientes, pois do contrário haveria delegação pura e simples de função legislativa.
169
Reconhece-se, assim, com esta interpretação, a constitucionalidade em face
também ao princípio da legalidade das funções normativas exercidas pela ANATEL.
Em fim, vale deixar o epílogo de Luís Roberto Barroso:
As agências reguladoras, no entanto, tornaram-se peças fundamentais no ambicioso projeto nacional de melhoria da qualidade dos serviços públicos e da sua universalização, integrando ao consumo, à cidadania e à vida civilizada enormes contingentes mantidos à margem do progresso material. Se este projeto fracassar será um longo caminho de volta.
170
Feita a análise do poder normativo da ANATEL conforme proposta, ou seja, uma
análise em razão de princípios consagrados na Constituição, destacando-se inclusive
sua importância para o sistema jurídico pátrio, passa-se à conclusão.
169
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 27. 170
BARROSO, Luís Roberto. Agências reguladoras. Constituição, transformações do estado e legitimidade democrática. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 193.
92
CONCLUSÃO
O trabalho que ora se encerra apontou algumas conclusões possíveis em seu
curso, acerca da recente e desafiadora realidade à cultura jurídica brasileira, que é a
regulação setorial, certamente campo vasto para o estudo jurídico.
Assim, pela presente pesquisa buscou-se como objetivo geral analisar a
pertinência constitucional das competências normativas da ANATEL sob a luz dos
princípios constitucionais da eficiência, da separação dos poderes e da legalidade ou
juridicidade. Para atingi-lo, foi necessária a abordagem prévia dos objetivos
específicos, quais sejam, o histórico, o conceito e a caracterização de regulação e das
agências reguladoras, conforme o apanhado conclusivo que segue.
Pelo capítulo inaugural, que buscou situar historicamente e definir o fenômeno
regulatório contemporâneo, depreende-se que a regulação não é um modelo
especificamente recente em alguns países, pois o uso como meio intervenção estatal
em campos anteriormente reservados à liberdade privada foi profícuo nos países de
tradição consuetudinária, notadamente nos Estados Unidos.
Tal movimento ganhou força nos países adeptos ao civil Law por movimento
diverso, ou seja, pela busca de conferir-se maior eficiência ao Estado em razão do
intervencionismo excessivo e ineficiente do Estado empresário, sem que isso
significasse o completo abandono em favor da iniciativa privada destas atividades.
Assim, o Brasil ingressou num processo de reforma estatal de cunho liberal, contudo,
importando o modelo estrangeiro, adaptou-se à realidade brasileira, o modelo regulador
por agências, ou seja, os setores econômicos e de serviços públicos liberalizados
foram acompanhados da respectiva criação do ente regulador, as denominadas
agências reguladoras.
93
Até o momento, nota-se que o escopo da regulação por agências é justamente
exercer a intervenção indireta dos setores regulados, aproximando-se do ideário
intervencionista e se afastando do liberal-reformista.
As agências reguladoras brasileiras foram concebidas como autarquias em
regime especial, diferem-se, pois, das autarquias em geral por uma série de
peculiaridades, as mais destacadas são: o acentuado grau de autonomia que
estabelecem em relação à administração central, cuja característica marcante é o
estabelecimento de mandatos fixos e a vedação de demissão unilateral dos seus
dirigentes; o exercício de funções regulatórias além do poder fiscalizatório, ou seja, a
agência, além de exercer típica função administrativa de fiscalização e sanção, pode
exercer funções típicas do poder judiciário como compor litígios e, também, funções
típicas do poder legislativo, como editar normas de conduta.
Desta forma, chegou-se ao objeto do presente trabalho, qual seja, a função
normativa das agências reguladoras, aqui, adstrita àquela criada pela lei 9.472/97, ou
Agências Nacional das Telecomunicações – ANATEL.
Por certo que o estudo não poderia abarcar todos os meandros da lei, no
entanto, buscou focar-se na análise das competências normativas atribuídas em lei
contrastadas a três princípios constitucionais administrativos, quais sejam, o da
eficiência, o da separação dos poderes e o da legalidade ou juridicidade. Em outras
palavras, almejou analisar a pertinência constitucional do poder normativo em questão,
sob a ótica destes princípios.
Assim, sem a pretensão de exaurir toda temática principiológica, viram-se todos
os princípios geralmente sob duas óticas antitéticas, com exceção do princípio da
eficiência que foi justamente o primado aventado na reforma do Estado, e por
conseqüência, do modelo regulatório adotado.
De toda a exposição realizada, portanto, a conclusão acerca do poder normativo
da ANATEL, sob o enfoque dos princípios mencionados, é a da perfeita integração e
respeito ao texto constitucional, em que pese haver interpretação divergente.
94
Tal conclusão provém das recentes interpretações conferidas ao sistema jurídico
constitucional como um todo, de modo a se adaptar cada vez mais a complexa e
mutante sociedade do século XXI. Certamente que determinados princípios que
durante muito tempo consubstanciaram verdadeiras conquistas da sociedade moderna,
e foram repetidos em nossa Constituição, não permaneceriam imunes às intensas
modificações sociais. É nessa perspectiva que se vislumbra a possibilidade da
ANATEL de editar e aplicar normas relacionadas ao setor de telecomunicações.
Afora tais considerações, as competências normativas estabelecidas no art. 19
da LGT possuem supedâneo constitucional, pois não se pode crer que o art. 174, caput
combinado ao art. 21, XI da CRFB/88 faça menção específica ao “órgão regulador” das
telecomunicações de forma vazia, sem que isso constituísse um comando para que o
poder legiferante editasse lei conferindo amplas competências à agência. Ademais, em
apoio a tal tese, poder-se-ia dizer que o poder normativo se caracteriza como elemento
essencial do fluido conceito de regulação, portanto, a CRFB/88 se almejasse a criação
de um ente sem funções normativas não lhe atribuiria o qualificativo “regulador”.
Dito isto, tem-se que sob o ângulo do princípio da eficiência, o poder normativo
da agência é perfeitamente justificado, uma vez que dispõe de corpo técnico de alta
capacitação no setor regulado, portanto, é impossível prever legislação apta a garantir
uma eficiente e equilibrada prestação do serviço público concedido em voga se não
houvessem comandos especializados e específicos sobre o tema. Por outras palavras,
é imprescindível que as normas de conduta a serem cumpridas sejam expedidas por
ente autorizado tecnicamente a tanto.
Com relação ao princípio da separação dos poderes, demonstrou-se que não se
pode mais restringir-se à combalida separação estrita dos poderes, deve ser observado
todo o conjunto e contexto constitucional, uma vez que a divisão de competências para
a criação do direito está delimitada, não havendo qualquer usurpação de competências
por parte da agência, uma vez que a lei 9.472/97 veio a regulamentar determinação
constitucional, e como não poderia deixar de fazê-lo determinou as competências
normativas da agência criada. Também é possível dizer que não há afronta ao sistema
de freios e contrapesos sugeridos pela tripartição das funções, pois além de ser lei
95
passível de alteração pelo próprio poder legislativo, os atos normativos exarados
podem ser revistos pelo poder judiciário.
Quanto ao princípio da legalidade, também é constitucional o poder normativo
da ANATEL. Embora a lei tenha grande peso em nossa organização social e estatal, é
verdadeira, também, a verificação de que a lei formal está em crise. O paradigma
liberal de veneração mítica à lei como expressão da vontade geral já não mais subsiste
em razão do constitucionalismo atual, pelo que a administração pública não se vincula
à lei, mas sim ao direito em conjunto, ou à juridicidade, como vêm defendendo Luís
Roberto Barroso, Paulo Otero, J. J. Gomes Canotilho, entre outros.
Neste contexto, o princípio da legalidade não é um fim em si mesmo, mas
respeita todo o conjunto jurídico traçado pela CRFB/88. A exemplo disso pode-se citar
a recente decisão do STF na medida cautela em ADC n0 12171 que além de reputar
constitucional a Resolução 07/05 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, reconheceu
sua normatividade dispensando inclusive a necessidade de lei autorizadora para proibir
o nepotismo no âmbito do poder judiciário.
No caso da ANATEL, existe lei, a Lei Geral das Telecomunicações, que
estabelece parâmetros, embora abstratos, para o desempenho da função, mesmo
porque seria impossível congelar a realidade cambiante das telecomunicações em
parâmetros de difícil modificação. E, principalmente, há princípios e regras
constitucionais autorizadoras ao desempenho de tais funções.
Portanto, é perfeitamente possível que a ANATEL desempenhe, de acordo com
a Constituição Federal, amplas competências normativas, o que inclusive leva alguns
autores a já se referirem ao “Direito das Telecomunicações”.172
Encerra-se, assim, o trabalho desenvolvido, com a certeza de que se trata
apenas da ponta de um grande iceberg, e que muito mais ainda pode ser feito.
171
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC n. 12 MC /DF. Rel: Min. Carlos Ayres Britto. Tribunal Pleno. Brasília, 16 de fevereiro de 2006. Disponível em: <www.stf.jus.br> Acesso em: 26 out. 2009. 172
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