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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUIEURA E URBANISMO Artur Vasconcelos Cordeiro A casa comunicativa e o habitante o espaço doméstico e o uso dos meios de comunicação São Paulo 2014

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE ARQUIEURA E URBANISMO

    Artur Vasconcelos Cordeiro

    A casa comunicativa e o habitanteo espao domstico e o uso dos meios de comunicao

    So Paulo2014

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    Artur Vasconcelos Cordeiro

    A casa comunicativa e o habitante:o espao domstico e o uso dos meios de comunicao

    Dissertao apresentada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo daUniversidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestreem Arquitetura e Urbanismo.

    rea de concentrao: Projeto, Espao e Cultura

    Orientador: Pro. Dr. Ricardo Marques de Azevedo

    So Paulo2014

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    AUORIZO A REPRODUO E DIVULGAO OAL OU PARCIAL DESERABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELERNICO, PARAFINS DE ESUDO E PESQUISA, DESDE QUE CIADA A FONE.

    E-MAIL DO AUOR: [email protected]

    Cordeiro, Artur VasconcelosC794c A casa comunicativa e o habitante: o espao domstico e o uso

    dos meios de comunicao / Artur Vasconcelos Cordeiro. So Paulo, 2014. 176 p. : il.

    Dissertao (Mestrado - rea de Concentrao: Projeto, Espao eCultura) FAUUSP.

    Orientador: Ricardo Marques de Azevedo

    1.Espao domstico (Vida cotidiana) 2.Meios de comunicao3.Apartamentos 4.Habitantes I.tulo

    CDU 728.1

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    Agradecimentos

    Ao Pro. Dr. Ricardo Marques de Azevedo pela orientao e colaborao na realizaodeste trabalho e pelo apoio durante o caminhar acadmico.

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo, pela concesso da bolsa demestrado e pelo apoio financeiro para a realizao desta pesquisa.

    Aos colaboradores da FAU Maranho pela solicitude em ajudar.

    Aos proessores da FAU, supervisores PAE e colegas do mestrado pela valiosaexperincia.

    Camila, mais que tudo, pela interao e alento.

    amlia e amigos pelas contribuies e suporte.

    E por fim, aos habitantes do apartamento 404, pelas inesgotveis janelas...

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    RESUMO

    CORDEIRO, A. V. A casa comunicativa e o habitante: o espao domstico e o uso dos

    meios de comunicao. 2014. 176 p. Dissertao (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura

    e Urbanismo, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2014.

    Este trabalho tem como objetivo investigar o espao domstico relacionado aos

    meios de comunicao e ao habitante contemporneo. Inicialmente oi eito um breve

    histrico do rdio, televiso, teleone e computador destacando as influncias no

    ambiente domstico. Posteriormente oram investigadas caractersticas do habitante

    urbano considerando as novas ormas de comunicao promovidas pelas redes digitais

    e o surgimento de novos grupos amiliares. Por fim oi realizada uma pesquisa sobre

    a presena da televiso e computadores em apartamentos do municpio de So Paulo

    atravs de plantas de vendas veiculadas em anncios publicitrios de 1981 a 2010,

    averiguando os seus impactos e modos de atuao no espao domstico. Com base noque oi abordado so eitas interpretaes sobre o habitar contemporneo. Dessa orma,

    promove reflexes sobre a condio tecnolgica da comunicao inserida no mbito do

    espao domstico.

    Palavras-chave: espao domstico, habitante, meios de comunicao, apartamentos.

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    ABSRAC

    CORDEIRO, A. V. Te communicative house and the inhabitant: the domestic space

    and the use o media. 2014. 176 p. Dissertao (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e

    Urbanismo, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2014.

    Tis work aims to investigate the domestic space related to media o communication

    and to the contemporary inhabitant. Initially is made a brie history o radio, television,

    telephone and computer highlighting the influences in the domestic environment.

    Ten, characteristics o urban inhabitant were investigated considering the new orms

    o communication promoted by digital networks and the emergence o new amily

    groups. Finally, it is carried a survey about the presence o television and computers

    in apartments sales plan o So Paulo rom 1981 to 2010, examining their impacts

    and influences in the domestic space. Based on what was discussed, it is developed

    interpretations o the contemporary dwelling. Tus, promotes reflection on thecondition o communication technology embedded within the domestic space .

    Keywords : domestic space, inhabitant, media, apartments.

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    SUMRIO

    Introduo 013

    Captulo 1 - A casa como lugar de comunicao 019

    1.1 O espao de habitar 021

    1.1.1 Limites de proteo e exposio 024

    1.1.2 A inormao em casa 027

    1.2 Breve histrico das mdias de comunicao 032

    1.2.1 O rdio 036

    1.2.2 A televiso 042

    1.2.3 O teleone 049

    1.2.4 O computador e a internet 054

    Captulo 2 - Habitantes em transormao 061

    2.1 A (des) configurao da amlia tradicional 063

    2.1.1 Dados censitrios 067

    2.1.2 Novos modelos e antigas propostas 071

    2.2 Sociedade em rede 073

    2.2.1 Digitalizao do cotidiano 074

    2.2.2 Espaos deslocados 077

    2.2.3 Pesquisas IC 078

    2.3 O Habitante individualizado 080

    Captulo 3 - A V e o PC na planta de venda 083

    3.1 Metodologia 086

    3.2 Anlise da amostra 088

    3.3 Consideraes 103

    Concluso 107

    Reerncias 117

    Anexo - Plantas de venda 131

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    INTRODUO

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    Em setembro de 2012, na pequena cidade holandesa de Haren, uma jovem convidou

    pelo Facebook seus amigos e amiliares para sua esta de aniversrio de 16 anos em

    sua casa. Porm, ela no configurou a visibilidade do anncio nas preerncias de

    privacidade do reerido site, e o convite tornou-se pblico. Rapidamente, milhares de

    pessoas aceitaram o convite da esta de aniversrio. O evento ganhou uma proporo

    ora do controle, no dia do seu aniversrio a jovem teve que sair da cidade, enquanto

    mais de trs mil pessoas chegavam na pequena cidade para participar da esta. Houve

    conflito violento com a polcia que tentava dispersar a multido de pessoas convidadas

    por engano.

    O exemplo anterior, um entre vrios outros, mostra como as relaes de comunicao

    no universo digital esto totalmente relacionadas com a vida cotidiana. Um pequeno

    descuido pode transormar o que seria um encontro prazeroso entre parentes e amigos,

    no conorto de casa, em uma situao catica e traumatizante, envolvendo uma multido

    de pessoas desconhecidas. O limite entre pblico e privado pode se dar em um clique de

    mouse, ao marcar determinada opo nas configuraes de um site.

    Essa imerso da telecomunicao no ambiente domstico teve incio no sculo XX,

    quando a casa ganha uma nova dimenso com a diuso das mdias, rompendo

    paradigmas nas relaes dos espaos pblicos e privados. De orma gradual e crescente,

    o rdio, a televiso, o teleone e o computador conectado redes digitais se instalam

    definitivamente nos domiclios e promovem novos hbitos e modos de usar o espao.

    Com a diuso da tecnologia, as residncias de vrias camadas sociais vo incorporando

    os equipamentos e mdias de comunicao, tornando-se parte estrutural do espao de

    moradia.

    O rdio inaugurou um espao na casa para ouvir o mundo extramuros. A televiso,

    seja na sala de estar, ou nos dormitrios, tornou-se um item obrigatrio para muitas

    pessoas, azendo parte da rotina diria. Na ltima dcada, o acesso ao computador

    conectado na internet deixa de ser um privilgio de poucos e passa a ser usado em

    milhes de lares brasileiros. Com os teleones celulares conectados redes digitais, os

    habitantes tornam-se onipresentes e adquirem novas ormas de interao com o espao.

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    Mesclando os espaos privados, de intimidade e pblico, as ronteiras da casa tornam-

    se imprecisas. As pessoas esto constantemente habitando lugares deslocados do espao

    em que se encontram.

    A proposta deste trabalho evidenciar como o espao domstico contemporneo est

    intrinsicamente relacionado com os equipamentos de comunicao. Objetiva tambm

    estudar as influncias dos equipamentos de comunicao nos habitantes e no espao de

    moradia.

    Este trabalho composto por trs captulos, descritos a seguir:

    Captulo 1 - A casa como lugar de comunicao

    Introduo sobre a casa como abrigo e tambm lugar de comunicao, abordando os

    limites interno e externo como ator de definio do espao domstico. Em seguida,

    trata do surgimento das mdias e equipamentos em geral, relacionando a diuso e

    popularizao com interesses comerciais. Por fim eito um breve histrico do rdio,

    televiso, teleone e do computador nos domiclios brasileiros.

    Captulo 2 - Habitantes em transformao

    Analisa a transormao dos habitantes contemporneos a partir do surgimento

    de novos tipos amiliares e das possibilidades promovidas pelas redes digitais de

    comunicao. A partir de dados censitrios, eito um levantamento dos tipos e

    estruturas amiliares abordando as consequencias nos espaos de moradias. ambm

    analisada a consolidao das redes digitais no cotidiano e como ela repercute nos

    habitantes.

    Captulo 3 - A V e o PC na planta de venda

    A partir de plantas de vendas eita uma pesquisa sobre a presena da televiso e

    do computador em apartamentos do municpio de So Paulo, abrangendo o perodo

    de 1981 a 2010. Investiga a quantidade, o lugar de uso e a evoluo tecnolgica dos

    aparelhos de televiso e do computador. Com base nesses dados so analisados os

    eeitos dos equipamentos no espao, bem como interpretaes sobre o modo de habitar.

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    Imagem 1 - Anatomia de uma moradia por FranoisDallegret (Anatomy o a dwelling, 1965).

    Fonte: Socks.

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    A CASA COMO LUGAR DE COMUNICAO

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    . O

    Ao estranho, selvagem, bravio contrape-se o domstico, aquilo que oi domesticado,sobre o qual o homem exerceu o seu domnio. Do latim domus, a casa urbana dos

    patrcios na Roma antiga, oi originado domstico, domiclio, dominar. Atravs de

    articios e tcnicas o ser humano transorma o espao inspito em habitvel, o espao

    domstico, onde reside e zela pela sua manuteno.

    Na histria da casa, a relao entre os espaos dentro e ora interior e exterior, domstico

    e selvagem desempenha um papel undamental na concepo e entendimento dolugar de moradia. Pode-se dizer que a habitao, na imagem da cabana primitiva, surge

    ao criar um espao encerrado de proteo contra ameaas e intempries. Essa dualidade

    de resguardo e adversidades externas se desdobra em inmeros aspectos nas moradias

    ao longo do tempo e das culturas.

    Em algumas habitaes o perigo pode ser simplesmente a presena do outro, quando

    ento o espao organizado para impedir que o estranho tenha acesso, at mesmo visual,

    a determinados ambientes da casa. al restrio por vezes relacionada questo de

    privacidade e de gnero, como na oikos grega ondegynaeceumera o lugar na habitao

    destinado as mulheres e andronaos homens.

    No Brasil colnia j havia uma clara distino entre os espaos da mulher e o do homem.

    Carlos Lemos afirma que nas casas coloniais brasileiras, por influncia mourisca, o

    resguardo da privacidade do gineceu mameluco era de vital importncia (LEMOS,

    2012, pg. 16). Como consequncia surge o quarto de visitantes na rente da casa

    bandeirista (Imagem 2), com acesso exclusivo pelo o alpendre, sobre o qual comenta

    Michel Foucault:

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    A porta da rente no se abre para a parte principal da casa, onde a amliavive, de modo que qualquer pessoa que passe por ali, qualquer viajante, tem odireito de abrir a porta, entrar no quarto e passar a noite ali. Agora, os quartosso dispostos de tal modo que as pessoas que l ingressam, nunca atingem ocorao da amlia: ser apenas um viajante, jamais um hspede verdadeiro. 1

    (FOUCAUL apud COLIN, 2011).

    O yurt (Imagem 3), o abrigo nmade dos mongis ainda presente nas estepes da sia

    Central, um exemplo de organizao espacial que mesmo sem divisria interna tem

    um rgido estabelecimento de lugares entre gnero e pessoas estranhas moradia. A

    entrada do yurt sempre orientada para o sul, no lado leste ficam as mulheres, do

    lado oeste ficam os homens, e os visitantes tem um lugar especial no lado dos homens

    (SCHOENAUER, 2000,).

    Na Inglaterra medieval, o hall2, que Bill Bryson (2011) define como um grande espao

    sem diviso semelhante a um celeiro com uma lareira (Imagem 4), habitavam a amlia

    e os criados, comendo, vestindo, trabalhando e dormindo todos no mesmo ambiente.

    Espacialmente remete ao despojado lo, mas era um tipo de ocupao completamente

    dierente, coabitando um grande nmero de pessoas desprovidas do senso de privacidade

    que h atualmente.

    Os espaos da domus na Roma Antiga tinham reas especificas de acesso e permanncia,

    como afirma Vitruvius:

    [...] aos que so especficos dos proprietrios, no ali permitida a entradaa todos, mas apenas aos convidados, como o caso dos cubculos, triclnios,banhos e outros compartimentos, que tm idnticas uncionalidades. Socomuns aqueles aos quais podem aceder por direito prprio, mesmo semconvite, pessoas do povo, como sejam os vestbulos, os trios, os peristilos eoutros espaos que possam ter idntico uso. (VIRUVIUS apud OLIVEIRA,

    2010, pg. 178 e 179).

    1 Citao original (C. o.): la porte pour y accder ne donnait pas sur la pice centrale o vivait la famille, et toutindividu qui passait, tout voyageur avait le droit de pousser cette Porte, dentrer dans la chambre et puis dy dormir unenuit. Or ces chambres taient telles que lindividu qui y passait naccdait jamais au cour mme de la famille, il taitabsolument lhte de passage, il ntait pas vritablement linvit. (FOUCAUL, 1984)2 Aqui no Brasil o termo hall oi importado e est relacionado a um ambiente especfico, mas durante todo o

    perodo medieval, at bem entrado o sculo XV, o saguo era eetivamente a casa, tanto assim que se convencionouchamar de hall a residncia toda, como em Hardwick Hall ou oad Hall. (Bill Bryson, 2011, pg. 65)

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    Imagem 2 - A casa bandeirista do Sitio do Padre Incio emCotia, com o quarto de hspede do lado esquerdo e a porta

    de acesso pelo alpendre.Fonte: Secretaria de Cultura do Estado de So Paulo.

    Imagem 4 - Interior do casa medieval Penshurst Place dosculo XIV, localizada na Inglaterra.

    Fonte: Wikimedia Commons.

    Imagem 3 - Fotografia do sculo XIX de yurts mongis.Fonte: Wikimedia Commons.

    Percebe-se nos exemplos anteriores como a definio dos espaos de dentro e de ora,

    e a noo do que hoje entende-se como espao de intimidade no seguem uma lgica

    linear e cronolgica. Os modelos de moradias so inmeros no tempo e no espao,

    estando em constantes transormaes, tanto na sua orma sica, como no modo de

    habitar. As tecnologias, os materiais disponveis, e os hbitos culturais, vo modelando

    o ambiente domstico. odavia persiste na ideia de casa, que a identifica como tal, um

    espao de abrigar, seja um nico morador ou um grupo amiliar.

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    .. L

    importante destacar que o abrigo no se restringe aos aspectos sicos. H tambm

    uma dimenso subjetiva que permeia a questo do habitar. A percepo de proteo

    sensibilizada, como deende Gaston Bachelard (2008): [...] veremos a imaginao

    construir paredes com sombras impalpveis, reconortar-se com iluses de proteo

    ou inversamente, tremer atrs de grossos muros, duvidar das mais slidas muralhas

    (pg. 25).

    Paredes, muros e muralhas esto indubitavelmente associados noo de limite,

    estabelecendo separaes entre o que finda e aquilo que se inicia. Na viso enomenolgica

    de Bachelard, o lugar de moradia uma organizao desses limites com a uno de

    transmitir a sensao de proteo, agasalhado no regao da casa (ibidem, pg. 26) o

    habitante encontra-se protegido, ora dos assaltos do mundo externo.

    Contudo, h outra perspectiva que enxerga a casa no como porto seguro, mas sim como

    reflexo do mundo, na qual esto contidos experincias e ragmentos da vida cotidiana

    que se relacionam com o espao extramuros. No livro A casa de Jorge Maro Carnielo

    Miguel (2003), so apresentadas essas duas vises distintas presentes no pensamento de

    Rino Levi e Vilanova Artigas.

    Para Rino, sendo a cidade perigosa, agressiva, insegura, ruidosa, a casa deve estar

    em total oposio ao que ela apresenta, mostrando se como abrigo de seres com laos

    amiliares (LEVI apud MIGUEL, 2003, pg. 22). Pensava a casa como um ambiente

    de repouso para os nervos desgastados pela agitao da vida moderna ( ibidem, pg.

    22), passando a ideia de enermidade no espao exterior que deve ser cuidada dentro

    da habitao.

    Do contrrio, a declarao de Artigas as cidades como as casas, as casas como as

    cidades3 (ARIGAS apud MIGUEL, 2003, pg. 16) evidencia a cidade como uma

    extenso da casa, sendo esta reerncia para pensar o espao pblico. As transormaes

    3 Leon Battista Alberti no segundo livro do De re aedificatoria az citao semelhante ao relacionar os

    elementos da casa com a cidade: la citt come una casa grande, e la casa a sua volta una piccola citt (ALBERIapud OLIVEIRA, 2010, pg. 178).

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    de um determinado contexto cultural primeiro so maniestadas nas residncias,

    tornando-se reerncias para outros projetos, como afirma Miguel, e dai compreende

    que a casa para Artigas deveria ter um sentido de pertencimento cidade, e no uma

    uga dela (MIGUEL, 2003).

    Outras divergncias conceituais sobre a importncia do espao externo esto presentes

    no estudo eito por Beatriz Colomina no livro Privacy and Publicity (1996), ao

    comparar residncias de Adol Loos e Le Corbusier. Diz Colomina que a arquitetura

    de Loos mais intimista, voltada para o espao interno, como o prprio afirma na

    passagem: a casa no tem nada a dizer em relao ao exterior, do contrrio, toda sua

    riqueza deve ser maniestada para o interior4 (LOOS, apud COLOMINA, 1996, pg.

    274, traduo nossa). E tambm em: o homem culto no olha para o lado de ora da

    janela5(ibidem, pg. 297, traduo nossa).

    Nas otografias das casas projetadas por Loos, observa-se requentemente que as janelas

    esto cobertas por cortinas e o mobilirio est disposto de orma que a pessoa senta

    olhando para dentro, com o acesso janela impedido (Imagem 5). Nas residncias de

    Loos, a casa echada e alheia ao exterior, a janela to somente um dispositivo para

    entrar luz.

    4 C. o.: the house does not have to tell anything to the exterior; instead, all its richness must be manifest in the

    interior.5 C. o.: a cultivated man does not look out of the window.

    Imagem 5 - Interior intimista da Villa Mller (1930) deAdol Loos, a janela coberta por cortina e com o so na

    rente voltado para dentro.Fonte: Cutelilkittens.

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    Le Corbusier define a casa como um abrigo, um espao echado, que proporciona

    proteo contra o rio, calor e observao externa6(CORBUSIER apud COLOMINA,

    1996, pg. 7, grio da autora, traduo nossa). Esta ltima definio encontra respaldo

    nos pontos da nova arquitetura, mais precisamente na janela em fita. Nas otografias de

    suas casas, no h cortina cobrindo as janelas, muito pelo contrrio, as vistas so postas

    em evidncias, a janela moldura da paisagem externa (Imagem 6).

    Quando Corbusier afirma o lado de ora sempre um lado de dentro 7(ibidem, pg.

    330, traduo nossa). pode-se compreender que estar do lado de ora estar dentro da

    imagem, vista a partir da casa. Aquilo que antes era uma ameaa no mundo externo

    convertida em imagem no interior domstico.

    Independentemente do entendimento da casa como proteo rente ao mundo e a casa

    como meio de identificao com esse mundo (CAMARGO, 2010, pg. 31), percebe-se

    como a negociao entre os lados de dentro e de ora est presente no modo em que

    a habitao concebida. Neste sentido, as aberturas, portas e janelas so mecanismos

    undamentais na comunicao entre os dois lados.

    Entretanto, com o advento da eletricidade o invlucro da casa adquire mltiplos poros.

    Atravs de cabos e ondas eletromagnticas, o mundo exterior no s aquele enquadrado

    6 C. o.: a shelter, an enclosed space, which affords protection against cold, heat and outside observation .7 C. o.: le dehors est toujours un dedans.

    Imagem 6 - Janelas em fita da Villa Savoye de Le Corbusier.Fonte: Fondation Le Corbusier.

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    pela janela, mas tudo o que passvel de ser digitalizado e transormado em inormao

    coabita o interior domstico. Os meios de comunicao possibilitaram novas ormas

    de dilogos entre os limites da habitao, trazendo maniestaes da exterioridade

    (BALOS, 2008) rompendo ronteiras de tempo e espao, com consequncias no

    ambiente domstico e na orma de habitar.

    .. A

    As mdias de comunicao surgem nas casas a partir dos jornais, revistas e impressos,

    trazendo noticias e inormaes do mundo extramuros (Imagem 7). Nas manses dos

    sculos do XIX no era rara a presena de lugares dedicados a livros, s vezes uma sala

    de leitura, gabinete ou mesmo biblioteca.

    Imagem 7 - Propaganda de 1944 do Estado de So Pauloexaltando que o jornal o inormador exato, o orientadorseguro, o amigo silencioso e solcito que todos os dias vm

    colocar o mundo em nossas mos.Fonte: Reclames do Estado.

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    O apreo pelos livros ainda persiste nas moradias atuais, comum em otografias de

    interiores a presena estratgica de um ou mais livros, como elemento de composio

    para o ambiente otograado. Em alguns casos a presena do livro torna-se um etiche.

    Apelando para um valor simblico, profissionais decoradores compram livro por metro,

    combinando a cor da capa com a cor da parede8.

    Uma caracterstica das mdias impressas o tempo do evento ocorrido e a sua impresso

    e comercializao, havendo um atraso entre o ato ocorrido e o ato noticiado. Com o

    advento da telecomunicao promovida pela eletricidade, inicia-se a acelerao do fluxo

    de inormaes e dados. A comunicao distncia torna-se imediata e instantnea.

    Em apenas um sculo, os avanos tecnolgicos cresceram exponencialmente,

    possibilitando o desenvolvimento e apereioamento dos aparatos de telecomunicaes,

    que se tornaram cada vez menores e mais acessveis economicamente. No Brasil, a

    telecomunicao domstica comea com a chegada do teleone no fim do sculo XIX,

    em seguida os aparelhos receptores de rdio em meados de 1920, a televiso em 1950,

    a teleonia mvel em 1990, e a internet de uso pblico em 1995. Gradativamente, as

    mdias e aparelhos de comunicao vo sendo diundidos pelo territrio nacional e

    adentrando os domiclios.

    Alm dos equipamentos citados anteriormente, o interior da casa tambm um

    receptculo de outros meios, como as publicaes impressas, os lbuns de msicas,

    a otografias, gravaes de vdeo (Imagem 8). Uma grande diversidade de mdias e

    equipamentos eletrnicos tais como discos, fitas, CDs, DVDs, projetores, videogames,

    cmeras, aparelhos de ax, notebooks, tablets, entre outros ocupam lugares privilegiadosnas salas, nos quartos, promovendo um universo infinito de lazer e entretenimento bem

    como acesso ao conhecimento e oportunidades de trabalho no espao domstico.

    8 Matria da Folha de So Paulo de 05/05/2013, Sebos vendem livros por metro para decorao de escritriose residncias, escrita por Letcia Mori.

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    Essa nova experincia consagrada no sculo XX e potencializada no comeo do

    XXI, expe os moradores a um fluxo de sensaes e estmulos originados em trilhas

    de circuitos integrados, chips, resistores, diodos, capacitores e em todo o universo

    antstico da eletrnica. al experincia miditica no lugar de moradia a exterioridade

    que Martin Heidegger condena em seus primeiros textos do ps-guerra: a toda hora,

    em todos os dias, eles esto presos ao rdio e televiso. Semana aps semana, os filmes

    os transportam a inslitos, embora requentemente vulgares, estados de imaginao e

    lhes do a iluso de um mundo que no o mundo (HEIDEGGER apud BALOS,

    2008, pg. 52). Heidegger deende a construo da casa existencial, um regio queprotege o homem no s dos agentes naturais [...] mas tambm do mundano e do

    superficial, dessa exterioridade sempre concebida como nociva (BALOS, 2008, pg.

    51).

    Na interpretao de Iaki balos sobre a casa existencial de Heidegger, argumenta que

    a introduo do mundo da opinio o rdio, a televiso, o jornal no interior da

    casa configura uma violncia ao habitar (2008, pg. 52), pois a superficialidade do

    Imagem 8 - Propaganda de 1919 exaltando a pereio enitidez da voz humana reproduzida pela machina allante

    que no deve altar em nenhum lar.Fonte: Reclames do Estado.

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    cosmopolitismo aniquila a tradio e nociva a amlia que j no mais a mesma e

    nutre outras ambies. Embora a veracidade das inormaes transmitidas, a qualidade

    dos contedos exibidos, as novas ormas digitais de contato social, possam e devam ser

    criticadas, ato que as maniestaes de exterioridades j no podem ser dissociadas

    do ambiente de moradia.

    A condio miditica da habitao uma questo irreversvel. O modo de vida urbano,

    preponderante em todo o mundo, est estruturado nas relaes de comunicaes. er

    uma conta de email ou um nmero de teleone to necessrio quanto ter um registro

    de identidade. Estar apto a transerir dados, estabelecer contatos e ser comunicvel no

    apenas uma exigncia profissional, mas tambm uma demanda social que cada vez

    mais est presente nos gestos cotidianos.

    Neste contexto, torna-se inconcebvel a casa existencial de Heidegger, um abrigo

    apartado e protegido das radiaes de mdia que penetram e tambm emanam do

    interior domstico. uma ideia radical que mostra o quanto estamos vinculados aos

    dispositivos comunicativos. Uma moradia pode at ser fisicamente protegida por

    vigias armados e cercas eltricas, mas dificilmente ser do mundano, dos estmulos,

    inormaes e do fluxo de dados que permeiam a contemporaneidade.

    A incorporao dos processos de telecomunicao na vida cotidiana no est restrita

    ao entretenimento. Eles abrangem uma gama diversa de atividades que passam por

    oportunidades profissionais, relacionamentos sociais, servios bancrios, compras e at

    mesmo procedimentos relacionados obrigao civil com o Estado, os quais esto cada

    vez mais digitalizados, como a declarao de imposto, solicitao de documentos entreoutros.

    Nesse panorama, o espao de moradia permeado por conexes, ondas de rdio,

    ligaes de cabos, sinais de teleonia mvel, com aberturas para os mundos de ora e de

    dentro, atravs das quais se infiltram sequncias de inormaes. Esses oricios digitais

    permitem a percepo de novas miragens, sobrepondo os espaos do mundo em uma

    srie de imagens na tela (HARVEY apud PALLASMAA, 2011, pg. 21).

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    Entender a casa como uma plataorma de comunicao levanta questes sobre as

    definies dos limites dos espaos externo e interno, pblico e privado, pois ao levar o

    exterior para dentro, e o interior para ora, as bordas do espao domstico tornam-se

    imprecisas. Fatos pessoais so comumente compartilhados em redes sociais, de orma

    que j no h um consenso claro do que seja a esera ntima. De orma anloga, da pequena

    de janela do tablet possvel acompanhar em tempo real maniestaes populares que

    ocorrem em qualquer lugar do planeta. Disso resulta que o espao domstico possui

    um envelope dinmico, apesar de ser um corpo hermtico de proteo, tambm um

    ambiente imersivo de troca de inormaes. Esse abrigo de limites imprecisos a casa

    porosa, o ambiente domstico contemporneo de mltiplos oricios permeados por

    ondas eletromagnticas de comunicao.

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    . B

    O ato de se comunicar est intrinsicamente relacionando com o desenvolvimento dasociedade. As grandes invenes no campo da comunicao provocaram transormaes

    histricas irreversveis. A inveno da escrita promoveu a expanso do conhecimento

    humano no tempo e espao, registrando inormaes e desenvolvendo a linguagem. A

    impresso por tipos mveis de Gutenberg trouxe novo alento escrita, permitindo a

    produo em massa de livros. Durante grande parte da histria, a telecomunicao, ou

    comunicao distncia, era realizada por mensageiros, com grande tempo de espera

    entre o envio e o recebimento da mensagem. Com o advento da eletricidade muda

    tudo, surge a telecomunicao simultnea, e todo o globo est conectado, literalmente,

    por cabos submarinos de comunicao deitados no undo dos oceanos (Imagem 9),

    possibilitando novas ormas comunicativas e de se azer presente no espao.

    Imagem 9 - Mapa de 1901 dos cabos submarinos de telegrafia.Fonte: Wikimedia Commons.

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    No livro Cibercultura, Pierre Lvy (2010) citando Albert Einstein ala das trs bombas

    que explodiram no sculo XX: a bomba atmica, a bomba demogrfica, e a bomba das

    telecomunicaes. Esta ltima teve o seu pice com a propagao da rede digital de

    computadores, a internet, no fim do sculo passado.

    As telecomunicaes geram esse novo dilvio por conta da naturezaexponencial, explosiva e catica do seu crescimento. A quantidade bruta dedados disponveis se multiplica e se acelera. A densidade dos links entre asinormaes aumenta vertiginosamente nos bancos de dados, nos hipertextose nas redes. [...] o transbordamento catico das inormaes, a inundaode dados, as guas tumultuosas e os turbilhes da comunicao, a cacoonia eo psitacismo ensurdecedor das mdias, a guerra das imagens, as propagandase as contrapropagandas, a conuso dos espritos. (ibidem, pg. 13).

    significativo que a bomba das telecomunicaes explodiu no mago do ambientedomstico, nas salas de estar, nas cozinhas, copas, gabinetes e dormitrios. Como algumas

    propagandas da poca anunciam (Imagem 10), os equipamentos de telecomunicao

    oram apereioados no campo de batalha e chegam s casas. Colomina afirma que as

    mdias modernas so tecnologias de guerra:

    As mdias oram desenvolvidas como parte da tecnologia e instrumentao deguerra. [...] Depois da guerra, esta tecnologia oi gradualmente domesticada.Assim como os servios regulares de empresas areas oram se estabelecendopela Europa no comeo da dcada de 1920, rdios e telecomunicaes setornaram eletrodomsticos.9(COLOMINA, 1996, pg. 156, traduo nossa).

    As mdias e telecomunicaes oram usadas no s por tropas em ogo cruzado, mas

    tambm como propaganda, apropriada intensamente nos tempos de guerra para incutir

    ideais ou orientar a populao (Imagem 11).

    Na primeira metade do sculo XX, passada a guerra, os meios de comunicao de

    massa anunciavam uma diversidade de produtos que a ento era das mquinas estavaproduzindo. O destino das campanhas de marketing, j impressos em catlogos, no

    tardou a chegar aos lares por ondas hertzianas. Certamente que as mdias de massa no

    surgiram com o propsito de publicidade, no obstante, oi um negcio oportuno que

    continua uncionando.

    9 C. o.: Te media were developed as part o the technology and instrumentation o war. []Aer the war, this technology was gradually domesticated. Just as regular airline services were being

    established through Europe at the beginning o the twenties, radios and telecommunications had becomehousehold items.

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    Imagem 10 - Propaganda do Radio Admiral de 1944,ressaltando as tcnicas e inovaes exigidas pela guerra quesero incorporadas nos novos rdios para proporcionardeleite e entretenimento ao ouvinte.Fonte: Reclames do Estado.

    Imagem 11 - Cartaz de 1936 anunciando que toda

    Alemanha ouve o hrer com o volksempnger, o rdio dopovo. - Fonte: Wikipedia.

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    Independentemente do modo em que operada, ato que as telecomunicaes

    permitem sociedade contempornea o acesso inormao e conhecimento sobre

    todos os campos das cincias. As distncias tornaram-se relativas, a bomba das

    telecomunicaes encurtou os espaos e aboliu ronteiras.

    Dierente de outros objetos da casa que tem aplicaes objetivas como a mquina

    lavadora de roupas os equipamentos de comunicao trazem subjetividade e uma

    nova dimenso para o interior domstico pela introduo de um mundo mais visvel e

    transparente (LEMOS e LVY, 2010, pg. 60).

    Mesmo j habituados por dcadas em ver a reproduo da imagem em movimento e ocontinuo desenvolvimento tecnolgico, no deixa de ser surpreendente e maravilhoso

    que do outro lado do planeta um rosto possa ser visto e uma voz ouvida, sentado

    conortavelmente no so da sala.

    Com base no que oi dito acima, pode-se observar dois aspectos importantes

    presentes nos meios de comunicao: o primeiro aspecto diz respeito s incrveis

    possibilidades comunicativas e de conhecimento para o gnero humano; o segundoest relacionado ao potencial de produzir desejos atravs de campanhas publicitrias

    visando comercializao de produtos. Esses dois aspectos esto presentes no rdio,

    na mdia impressa, na televiso, na internet e no teleone. Ao mesmo tempo em que

    mescla ronteiras entre os espaos interno e externo da habitao, descortina-se uma

    oportunidade de oerecer produtos, servios, ou mesmo incutir hbitos e pensamentos.

    Dessa orma, o interior de residncias e apartamentos equipado com janelas

    multimdias, multidimensionais, que so tambm outdoors.

    As janelas e pontes que interligam os espaos domsticos e pblicos, de orma instantnea

    e global, oram e so ormadas principalmente pelo rdio, a televiso, o teleone e o

    computador conectado internet. O rdio oi o primeiro equipamento de comunicao

    de massa a ser instalado nas casas. A televiso est presente, virtualmente, em todos os

    domiclios brasileiros. O teleone inaugurou um modo nico de comunicao pessoal

    a partir do espao domstico, e com o teleone mvel, a partir de qualquer lugar. A

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    rede mundial de computadores revolucionou as ormas comunicativas, e sua expanso

    ocorreu principalmente a partir de dentro da habitao, com os computadores pessoais,

    os quais, atualmente, englobam as outras trs mdias citadas.

    A seguir so abordados aspectos do processo de ocupao do rdio, televiso, teleone

    e computador no interior domstico brasileiro. ambm so destacadas influncias das

    mdias mencionadas na configurao do espao e no modo de habitar.

    .. O

    A rdio traz uma nova dinmica ao ambiente domstico pela voz sem corpo, que

    preenche os espaos da casa. Em 1922 instalado o primeiro transmissor de rdio10no

    Rio de Janeiro, durante as comemoraes do Centenrio da Independncia. A partir

    de ento, comea o desenvolvimento do rdio brasileiro. Uma central de transmisso

    envia um udio codificado em ondas eletromagnticas, as quais so decodificadas por

    receptores no conorto dos espaos domsticos.

    Surge a primeira emissora do pas em 1923, a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro, undada

    por Roquette Pinto. Inicialmente o rdio transmite uma programao erudita, incluindo

    peras, msicas clssicas, conerncias, aulas de idiomas, literatura, geografia, histria

    natural entre outras (MOREIRA, 1991). O rdio era visto como um instrumento de

    educao e cultura, pois as dificuldades de acesso aos centros de conhecimento para as

    pequenas cidades e lugares mais aastados poderiam ser suprimidas atravs do alcance

    das ondas hertzianas.

    Em 1932, o rdio recebeu autorizao oficial para veicular anncios, nasce ai o rdio

    comercial, que se expande com mais ora. Grandes emissoras da poca, como a

    Mayrink Veiga e a Philips no Rio de Janeiro, e a Record e a Cruzeiro do Sul em So

    Paulo, contratam artistas com pagamento regular de cachs, como Carmem Miranda e

    a sua irm Aurora. Em 1936, as irms gravaram a marchinha Cantores do rdio, a letra

    ala do alcance geogrfico e subjetivo do rdio:

    10 A primeira transmisso radionica no Brasil acontece na cidade de Recie, em 1919. Em 1922, oi instaladaa primeira emissora nacional, no Rio de Janeiro.

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    Ns somos as cantoras do rdio,

    Levamos a vida a cantar

    De noite embalamos teu sono

    De manh ns vamos te acordar

    Ns somos as cantoras do rdio

    Nossas canes cruzando o espao azul

    Vo reunindo num grande abrao

    Coraes de Norte a Sul.

    Canto pelos espaos aora

    Vou semeando cantigas

    Dando alegria a quem chora(Cantores do rdio - Alberto Ribeiro, Joo de Barro e Lamartine Babo, 1936).

    A possibilidade de receber inormaes e msicas de lugares distantes, de outros paises

    e continentes, atravs do alto-alante do rdio era algo novo na poca. No anuncio

    da General Electrics de 1934 (Imagem 12) exaltada a capacidade do rdio alar

    espanhol, rancs e ingls, trazendo sons dos tangos de Buenos Aires, da moda de Paris,

    dos sucessos da Broadway e de Hollywood.

    Imagem 12 - Propaganda de 1934 da General Electricantropomorfizando o rdio que ala todas as lnguas:ponha em casa este camarada ilustre que auxiliar a

    divertir seus cios e a aumentar sua instruo.Fonte: Reclames do Estado.

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    Outro ato importante na histria do rdio brasileiro oi a chegada em 1940 do Office

    of the Coordinator of Inter-American Affairs, o Bir Interamericano, para cooperao

    poltica e tambm para divulgar a cultura norte-americana. Os nomes dos programas

    de rdio passam ento a adotar o nome da empresa anunciante. Assim, surge o Reprter

    Esso, o eatro Goodyear, Recital Johnson, Calendrio Kolynos, entre outros. Ento, o

    rdio torna-se uma poderosa mquina de propaganda e abricao de desejo a ase de

    ouro do rdio, provocando grande influncia nos hbitos e costumes domsticos.

    As radionovelas, em ingls soap opera, oram criadas nos Estados Unidos e direcionadas

    para as donas de casa, normalmente patrocinadas por anunciantes de sabo e sabonete,

    dai o nome, em traduo literal, opera de sabo. Elisabeth aylor e Rita Rayworth

    (Imagem 13) eram garotas-propaganda dos sabonetes Lever. Em um jingle veiculado

    no rdio na dcada de 1940, diz o locutor: aa como nove entre dez estrelas. Entregue

    sua ctis a espuma cremosa e perumada do sabonete Lever. econmico, e sua ctis

    fica mais suave, mais bonita, deslubrante como nunca (Sabonete [...], 2014). O cinema,

    a mdia impressa e o rdio eram usados de orma integrada nos anncios da poca,

    empregando a beleza das atrizes amosas de Hollywood para vender produtos.

    Imagem 13 - Propaganda de 1945 da Lever anunciando o

    sabonete da estrela de cinema Rita Hayworth.Fonte: Reclames do Estado.

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    Na dcada de 1920, os aparelhos receptores eram caros e importados. Os primeiros rdios

    se assemelhavam a uma moblia, alguns eram grandes, volumosos, eitos de madeira,

    com acabamentos que seguiam as tendncias de estilo dos mveis domsticos. A partir

    de 1931, com o desenvolvimento do baquelite, uma resina inteiramente sinttica, oi

    possvel a produo industrial do rdio com o gabinete de plstico, barateando o seu

    preo e diminudo de tamanho (Imagem 14). Mesmo sendo de plstico, era comum o

    uso da cor semelhante a madeira, as vezes com uma geometria caracterstica do Art

    Dco, trazendo alguns elementos decorativos que remetem ao automvel.

    Diversos modelos e marcas de receptores, nacionais e importados surgem no mercado,

    afirmando a conquista do rdio no espao domstico, pois o destino final desses

    equipamentos no eram outro seno as casas, os lares. Segundo afirma Carlos Lemos

    no livro Histria da Casa Brasileira, o rdio entrou na casa pela copa [...] os primeiros

    aparelhos tipo capelinha aninharam-se em cima dos guarda-comidas para entreter os

    amiliares volta da mesa, especialmente atentos s rdio-novelas (1996, pg. 66). E no

    Imagem 14 - Propaganda do rdio Philips de 1956destacando que seu peso levssimo acilita o uso emqualquer lugar da casa. Caixa de baquelite de linhas

    modernas, que resiste ao calor e no deorma.Fonte: Reclames do Estado.

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    livro Cozinhas, etc (1976), Lemos ala que a copa ganhou mais um habitante, o rdio

    [...] Surgiram inclusive as peas teatrais irradiadas, aos domingos, na hora do almoo e

    quanta macarronada no oi consumida entre lgrimas provocadas pelo velho Manoel

    Dures (pg. 154).

    No samba Juracy, de Antnio Almeida e Ciro de Souza, gravado em 1941, o rdio

    citado como uma caractersta importante da casa. Na letra da msica entende-se que

    a sua presena adiciona um significado que colabora para que a casa seja um amor.

    Alm do rdio, tambm so mencionados a geladeira e o ventilador, evidenciando a

    importncia dos eletrodomsticos no espao de moradia, ainda na primeira metade do

    sculo passado:

    Eu trabalhei durante o ano inteiro

    E consegui juntar algum dinheiro

    Fiz uma casa que um amor

    Pois tem rdio e geladeira e ventilador

    (Juracy - Antnio Almeida e Ciro de Souza, 1941).

    Uma caracterstica tpica dos primrdios do rdio era o uso exclusivo do receptor semintegrao com outros equipamentos. Posteriormente lanado o rdio-ongrao,

    ou radioono (Imagem 15), combinando o rdio com a reproduo de discos. Com

    o desenvolvimento tecnolgico, o receptor de rdio oi se reduzindo at tornar-se um

    chip, e passa a integrar-se com outros equipamentos. Em seguida h o advento do

    trs-em-um, que combina radio, fita-cassete, toca-discos e mais tarde o CD-player. H

    tambm o rdio-despertador (Imagem 16), o porttil Walkman, e mais recentemente, o

    teleone celular com rdio, entre outros equipamentos que se integraram com o rdio.

    Dierentemente das mdias impressas que demandavam pessoas alabetizadas, o ouvinte

    do rdio no precisa ser letrado para entender as noticias ou se divertir com as msicas

    e radionovelas. Apesar da instalao do rdio provocar uma mudana cultural e de

    hbitos, a sua participao no programa de necessidades da habitao insignificante:

    O rdio oi importante, mas como ele podia ser ouvido de qualquer lugar no

    exigia necessariamente alteraes no programa de necessidades, e tampoucoprovidncias especiais de carter arquitetnico. (Lemos, 1996, pg. 72)

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    odavia, o rdio inaugurou na casa uma janela potente, que permite o acesso a outras

    realidades, principalmente em uma poca e regies onde os recursos eram mais escassos.

    Essa janela oi potencializada com a chegada da televiso. Era o fim da Era do Rdio

    mas no o fim do rdio, que ainda continua sintonizado em ondas eletromagnticas e

    tambm conectado internet.

    Imagem 15 - Propaganda de 1957 da Standard Electric,enatizando a posse e o uso individual do radioono: posso

    tocar todos os meus discos e ouvir meus programasavoritos. No anncio, o equipamento considerado

    como uma pea do mobilirio: lindo mvel em marfim ouimbuia que ressalta a beleza do ambiente.

    Fonte: Reclames do Estado.

    Imagem 16 - Propaganda de 1974 da Philco anunciandoque daqui para rente voc vai acordar alegre, ouvindo

    msica. Ouvindo o Rdio Relgio Digital Philco.Fonte: Reclames do Estado.

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    .. A

    A televiso adicionou imagens em movimento a j conhecida reproduo de udio,

    causando as mais dierentes reaes ao ver as imagens que agora saiam daquela caixa

    de madeira (BARBOSA, 2010, pg. 28). Foi o inicio de uma duradoura relao com o

    mundo audiovisual dentro de casa, que logo se tornou um hbito brasileiro.

    J em 1944, em um anncio da General Electric na revista Selees do Readers Digest

    (Imagem 17), a televiso era anunciada como uma grande inveno da eletrnica

    uma cincia nova para um mundo novo proetizando que amanh presenciaremos,

    comodamente sentados em nossas casas eventos esportivos, culturais, peras, filmes e

    imagens da natureza.

    Imagem 17 - Propaganda de 1944 daGeneral Electric antecipando a chegada

    da televiso.Fonte: Selees do Readers Digest.

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    Dierente do rdio, a televiso instalada no Brasil no s como um meio de

    comunicao mas tambm como um veculo de propagandas. O apoio econmico dos

    anunciantes, que pagaram antecipadamente por um ano de anncios, possibilitou a

    Assis Chateaubriand implantar a primeira televiso no pas em 1950 (BARBOSA, 2010,

    pg. 17) (Imagem 18).

    [...] az-se um bouquet de ao e pendura-se no alto da torre do Banco doEstado de So Paulo um sinal da mais subversiva mquina de influir na opiniopblica uma mquina que d asas antasia mais caprichosa e poder juntaros grupos humanos mais aastados.11(CHAEAUBRIAND apud BARBOSA,2010, pg. 19).

    Nos anncios dos primeiros receptores de televiso, assim como nos dos rdios,

    comum o emprego da palavra casa e lar, evocando que possvel conhecer os lugares do

    mundo, ver jogos, desfiles de carnaval12, filmes, noticias, e se divertir com as imagens

    em movimento a partir do conorto domstico (Imagem 19). A relao do espao

    de moradia com o mundo exterior ganha uma nova perspectiva com a instalao do

    bouquet de ao. A partir de ento h uma aproximo de imagens sobre o que j se

    sabe e prximo, como tambm dos lugares desconhecidos, distantes, envoltos em uma

    atmosera de sonho, que o novo invento colocaria definitivamente na casadaqueles que

    comodamente sentassem diante da televiso. (BARBOSA, 2010, pg. 22, grio nosso).

    No incio, a televiso no Brasil herda do rdio a programao, os atores, msicos e

    o pblico que passa ento a conhecer os rostos de vozes j conhecidas. O programa

    Reprter Esso, a testemunha ocular da histria, noticiou por 30 anos a partir do rdio

    e findando na V. Na dcada de 1960 cresce consideravelmente o nmero de aparelhos

    como tambm se expandem as emissoras, e a televiso comea a se estabelecer como

    veiculo de massa. Vai ao ar em 1963 a primeira telenovela diria 2-5499 Ocupado

    na V Excelsior, e oi se constituindo uma rotina com horrios fixos para assistir aos

    programas:

    A dona de casa sabia pereitamente que todo dia, s oito da noite, tinhanovela. A telenovela passava a azer parte do cotidiano nacional e viravamania. Famlias inteiras acompanhavam os captulos do chamado olhetimeletrnico. (Brando, 2010, pg. 54)

    11 recho do discurso inaugural da V upi por Assis Chateaubriand em 18 de setembro de 1950.12 Apesar de anunciadas precocemente, as transmisses ao vivo s vo ocorrer na dcada de 1970.

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    Imagem 20 - Anncio de 1967 de programao inantil

    sugerindo um horrio na rotina das crianas.Fonte: Reclames do Estado

    Imagem 19 - Propaganda de 1952 do televisor Philco,anunciando o reinado da alegria carnavalesca tomandoconta das ruas e dos sales sem sair de casa.Fonte: Reclames do Estado.

    Imagem 18 - Registro da primeira transmisso da televisobrasileira em 1950, com o aparelho instalado de ormaimprovisada no canto da sala, sem o mobilirio adequado.Fonte: Assembleia Legislativa de So Paulo.

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    O hbito de assistir V incorporado na rotina diria no era restrito aos adultos. Em

    um anncio de 1967 da V Bandeirantes com imagens do Capito Amrica, Super-

    homem, Pernalonga entre outros desenhos e super-heris, o texto aconselha as crianas

    azerem suas tareas escolares antes do horrio dos super-heris (Imagem 20).

    A sala de visita passa a ser o centro da casa, atraindo os chamados televizinhos que se

    aglomeravam ao redor do novo equipamento. Carlos Lemos ala que a televiso oi

    a responsvel pelas undamentais alteraes na vida ntima das amlias, com bvios

    reflexos na organizao espacial, o que o rdio ora incapaz de eetuar (1996, pg.

    72). Como o rdio s emite sons, no necessita de um lugar dedicado para ser ouvido,

    mas as imagens em movimento da televiso sim, porque fixa o espectador em um

    determinado lugar e por muito tempo (LEMOS, 1996, pg. 72). Logo ela se incluiu no

    rol de unes de casa, solicitando um espao pra si com mobilirios apropriados para

    assistir com conorto o contedo televisionado.

    Fica patente a importncia da televiso quando de modo semelhante as casas em vrias

    partes do mundo passam a se reorganizar em uno dela, como afirma Zabalbeascoa:

    o papel preponderante que durante sculos a antiga chamin havia ocupada no corao

    dos sales passou a ocup-lo a televiso [...] A casa tinha um novo corao. E os mveis,

    e sua distribuio, se ordenaram para abra-la e contempl-la.13 (2011, pg. 208,

    traduo nossa).

    Em 1969, criado o primeiro programa de noticias transmitido em rede para todo o pas,

    o Jornal Nacional da V Globo, que contava com uma inraestrutura que possibilitou

    transmitir o mesmo sinal simultaneamente para diversas regies.

    [...] no oi apenas por ser exibido em rede que o Jornal Nacional sedierenciou de outros telejornais. O telejornal adotava um conceito dejornalismo dierente. Era produzido para a amlia brasileira, reunida noambiente domstico, e usava uma linguagem mais direta e coloquial. (Ribeiroe Sacramento, 2010, pg. 115).

    13 C. o.: El papel preponderante que durante siglos haba ocupado la antigua chimenea en el corazn

    de los salones pas a ocuparlo la televisin [...] Com la tele, la casa tena un nuevo corazn. Y los muebles,y su distribucin, se ordenaron para abrazarla y contemplarla.

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    Posteriormente surgiram mais programas com distribuio nacional. Ao unificar a

    transmisso, originadas a partir do eixo So Paulo e Rio de Janeiro, os milhares de

    telespectadores em suas casas nas diversas regies do territrio nacional recebiam a

    mesma inormao, no mesmo horrio, padronizando costumes e influenciando

    opinies

    A tecnologia da indstria televisa segue se apereioando, tanto nos complexos

    equipamentos de gravao e transmisso presentes nos estdios, como tambm na

    extremidade dessa cadeia, as telas nos ambientes domsticos. Em 1972 inicia-se

    oficialmente a transmisso colorida na televiso brasileira. As telas ganham mais vida,

    e as imagens em preto e branco vo sendo gradualmente substitudas por um espectro

    em cores. Os chuviscos e rudos vo desaparecendo, as imagens e o som transmitidos

    tornam-se cada vez mais ntidos.

    Os antigos e volumosos televisores de tubo de raios catdicos, o CR (Cathode Ray

    ube), vo perdendo proundidade e aumentando a largura no fim dos anos 90 com a

    chegada das telas de cristal lquido, o LCD (Liquid Crystal Display). Agora as televises

    extremamente finas, podendo chegar a um centmetro de espessura, so fixadas

    semelhantes ao um quadro, diretamente na parede.

    Embora inventado na dcada de 1950, o controle remoto s se popularizou no Brasil 30

    anos depois. O invento possibilitou permanecer mais tempo sentado, ao alternar entre

    os diversos canais sem sair do so, como diz a rase do anncio (Imagem 21) troque os

    ps pelas mos. Com esse dispositivo na mo, o morador tem mais conorto, gastando

    o mnimo de esoro para ajustar o contedo da tela de acordo com seu interesse.

    Na dcada de 1990 tem inicio a V por assinatura, ampliando abundantemente os canais

    disponveis. A paisagem da janela televisa pode imediatamente transormar-se em um

    desenho inantil, filme de cowboy, documentrio sobre lees, cultos evanglicos, venda

    de eletrodomsticos, receitas culinrias, videoclipes musicais e outras ormas criativas

    de atrair ateno dos telespectadores, a qualquer hora do dia ou da noite.

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    medida que se torna mais presente nas diversas classes sociais, a televiso tambmoi invadindo as zonas de repousos, instalando-se nos dormitrios, aos ps das camas

    (LEMOS, 1996, pg. 73). Em 1950 um aparelho de televiso custava quase o preo de

    um automvel, atualmente existem modelos pela metade de um salrio mnimo. Em

    diversos domiclios, a televiso torna-se um item pessoal, principalmente quando h

    tantas opes de canais, torna-se dicil conciliar interesses.

    Em alguns domiclios so projetados ambientes especializados para a mdia televisiva,como a sala de V, onde se pode, conortavelmente, passar horas assistindo os contedos

    televisivos. Entra em cena o cinema em casa, o home theater, com a instalao de

    grandes televisores ou projetores de alta definio amparados pelo sistema surroundde

    som em cinco ou mais canais (Imagem 22), com caixas de som que literalmente envolve

    o usurio e imerge-o em uma experincia audiovisual sedutora, como em uma sala de

    cinema, mas dentro de casa.

    Imagem 21 - Propaganda da eleunken de 1978anunciando as vantagens do controle remoto.

    Fonte: Reclames do Estado.

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    Milhes de brasileiros, religiosamente, cumprem o ritual dirio de acompanhar os

    ininterruptos captulos reais e ficcionais cuidadosamente programados. A televiso

    definitivamente instalou uma abertura no espao de moradia, e graas s redes digitais

    de comunicao, continua se expandindo. Grandes empresas da computao, como

    a Intel, Google, Apple, Microso desenvolvem pesquisas visando novas ormas de

    oerecer e experimentar o contedo televisivo (Imagem 23).

    Imagem 22 - Esquema de posicionamento dosequipamentos em um home theatercom sistema de somsurroundde sete canais.Fonte: Dolby Laboratories.

    Imagem 23 - O equipamento Apple V possibilitareproduzir na televiso o contedo de computadores, tablets

    e teleones celulares.Fonte: Apple.

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    .. O

    O primeiro equipamento de telecomunicao que ocupa o ambiente domstico brasileiro

    o teleone no fim do sculo XIX. A inveno possibilitou pela primeira vez que duas

    pessoas pudessem conversar por voz atravs de um aparelho, enviando e recebendo

    inormaes em tempo real (Imagem 24).

    Superou as capacidades comunicativas do telgrao que enviava mensagens escritas

    e no teve repercusso no espao domstico ao amplificar o alcance da voz,

    possibilitando uma comunicao remota mais eficiente e imediata. Indubitavelmente, o

    teleone instalou uma nova orma comunicativa no espao de moradia, possibilitando

    a troca de mensagens de casa para qualquer parte do mundo (Imagem 25), e de modo

    instantneo (Imagem 26).

    odavia, apesar de ter sido inventado antes do rdio, o teleone s tornou-se popular

    em meados da segunda metade do sculo XX, com o aumento e distribuio das linhas

    telenicas, que eram literalmente cabeadas at a porta da casa. Inicialmente, devido ao

    alto custo da instalao do aparelho, s a camada mais avorecida podia ter o privilgio

    de possuir um teleone em casa. Paulatinamente a teleonia oi sendo ampliada e

    o aparelho apereioado, deixando de ser um modelo de parede para se tornar um

    pequeno aparelho de mesa.

    Imagem 24 - Propaganda de 1909 do teleone de paredecom alcance ainda limitado a at 500 quilmetros.

    Fonte: Reclames do Estado.

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    Imagem 25 - Propaganda de 1933 da Radiobras anuciandoa possibilidade de desejar votos de viva voz pelo teleonetransatlntico. O modelo da imagem do tipo castial.

    Fonte: Reclames do Estado.

    Imagem 26 - Propaganda de 1946 divulgando a capacidadeonipresente do teleone. O modelo usada j um teleonede mesa.Fonte: Reclames do Estado.

    Depois de quase um sculo da implantao da primeira linha no Brasil, em 1977

    oi atingido o nmero de 4,5 milhes de teleones em servio (Histria [...], 2014).

    Como comparao, o nmero de televises em 1975 era de 10,5 milhes de aparelhos

    (RIBEIRO; SACRAMENO, 2010), 25 anos aps a primeira transmisso de V. Mesmo

    ainda no tendo um poder de penetrao como o da televiso, o teleone fixo era um

    equipamento desejado, com uma longa fila de espera para ter o equipamento instalado

    no domiclio. O recurso de eetuar uma chamada, seja no mesmo bairro ou do outro

    lado do planeta, para conversar com um ente querido ou resolver negcios, tornou-se

    essencial em uma poca que no dava mais para esperar o longo tempo de escrever e

    receber uma carta (Imagem 27).

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    Imagem 27 - Propaganda de 1968 destacando apossibilidade de realizar chamadas internacionais para

    qualquer parte do mundo, anunciada como um presenteinesquecvel para os parentes que moram distante.

    Fonte: Reclames do Estado.

    Se no incio da sua disseminao o teleone se restringiu ao uso comercial e

    as conversas eram mais restritas aos homens, com o decorrer do sculo istoalterou-se completamente, tornando-se o teleone fixo comutado uma dasprincipais ormas de contato direto e que est presente em todas as eserasda sociedade, seja no domnio econmico, comercial, estatal, governamental,privado, amiliar, individual. (ALKMIM, 2008, pag. 3)

    O lugar de uso do teleone era restrito tomada de conexo, posteriormente surgem os

    pontos de extenses, espalhando o teleone pelas salas e quartos. Com a presena do

    teleone sendo intensificada, passa a existir um mobilirio especfico, como a mesa com

    o assento acoplado e com uma gaveta ou prateleiras para guardar a lista telenica.

    Com o teleone oi possvel uma orma de intercmbio de mensagens pela extenso

    do corpo, atravs da voz que se estende pela fiao telenica e ala como em sussurro,

    diretamente no ouvido daquele que est do outro lado da linha. Como diz Pierre Lvy,

    por meio desse contato corporal, toda uma dimenso aetiva atravessa interativamente

    a comunicao telenica (LVY, 2010, pg. 83), causando o encontro de corpos

    distantes.

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    Quando o teleone sem fio torna-se disponvel, a partir da dcada de 1980, no h mais

    necessidade de conversar prximo tomada de conexo, o teleone pode ser usado

    pelos ambientes da casa, onde or mais conveniente. Alm da mobilidade o aparelho

    vai incorporando outras novidades, como agenda telenica, exibio de data e hora,

    identificador de chamadas, que possibilitou saber antecipadamente de onde estava

    sendo originada a chamada, e a secretria eletrnica, para gravar recados de ligaes

    no atendidas durante a ausncia do usurio.

    O teleone pblico torna-se popular no Brasil em 1972 com o lanamento do

    amoso orelho, projetado pela arquiteta Chu Ming Silveira (Imagem 28), o qual

    oi rapidamente incorporado no mobilirios urbano. O espao pblico tornou-se

    mais comunicvel graas ao teleone comunitrio, que alm azer chamadas, tambm

    recebia, estabelecendo dilogos com o espao domstico atravs de fios telenicos.

    Foram distribudos teleones pblicos nos centros urbanos como em lugares mais

    aastados, incorporando segmentos sociais, ampliando a cobertura da comunicao,

    e massificando sua utilizao (ALKMIM, 2008). At que chegou o teleone celular

    exercendo influncia na progressiva diminuio do uso e do nmero de orelhes pela

    cidade.

    Em 1990 implementada a teleonia mvel no Brasil. Alm de permitir a comunicao

    em qualquer parte do espao domstico, possibilitou tambm a troca de inormaes

    e mensagens SMS (Short Message Service) em qualquer parte do espao pblico.

    Imagem 28 - Projeto original do teleone pblico Orelhode Chu Ming.Fonte: orelhao.arq.br.

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    Anteriormente, uma orma de localizar e conversar com algum era ligar pra casa, s

    vezes em horrio especfico, como depois do expediente de trabalho. Com o teleone

    celular tal prtica no mais necessria, pois em qualquer momento do dia possvel

    estabelecer comunicao. Nesse sentido, a teleonia mvel inaugura a onipresena na

    vida cotidiana. Graas a sua capacidade nmade, de alar e ouvir em qualquer lugar,

    alargar as dimenses da habitao (Imagem 29).

    Quando o teleone celular torna-se inteligente (os smartphones), no incio do sculo XXI,

    e se conecta nas redes digitais, no s os limites da casa que so novamente ampliados,

    mas do prprio ser humano que incorpora uma poderosa erramenta de comunicao

    e se torna ubquo.

    Inicia-se uma relao visceral com a imagem pela cmera otogrfica do teleone que

    inunda as redes com uma quantidade massiva de registros otogrficos pessoais e do

    cotidiano. Estima-se o nmero de 500 milhes de otos compartilhadas por dia, s no

    Facebook so mais de 350 milhes de imagens enviadas diariamente (A Focus [...],

    2013). Nascem desse contexto possibilidade criativas e novas ormas de entendimento

    da otografia, gerando hbitos e costumes relacionados apropriao da imagem, a

    partir de um aparelho telenico (Imagem 30).

    Imagem 29 - Desenho de Karl Arnold de 1926, prevendo ohbito de usar o teleone mvel no espao pblico.

    Fonte: Wikipedia.

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    .. O

    O computador pessoal, o PC (Personal Computer) j estava presente no Brasil desde os

    anos 1980 (Imagem 31). Conhecido como desktop, o computador de mesa, era ormado

    por um gabinete com a unidade central de processamento, a CPU (Central Processing

    Unit), o monitor de vdeo CR e o teclado e mouse, ocupando um grande volume. No

    incio da dcada de 1990 torna-se popular entre os poucos usurios de computador

    um sistema de conexo em rede muito embrionrio conectado por linha telenica,

    chamado de BBS (Bulletin Board System). Mas a partir da disponibilizao da internet

    pblica que a rede expande a trama e o nmero de ns. O computador rapidamente vai

    se multiplicando nos lares, com maior poder de processamento e economicamente mais

    acessvel.

    Antecipado pela televiso, que trouxe a visualizao da imagem em movimento como

    hbito domstico, o uso do computador conectado em redes digitais possibilita no

    s uma infinidade de observaes externas, mas tambm a comunicao, servios e

    trocas de conhecimentos, em uma escala planetria e instantnea. a afirmao da Era

    da Inormao, ormada com o auxlio de uma legio de computadores conectveis, a

    partir dos espaos de moradia.

    Imagem 30 - Smartphone equipado com zoom pticooerece mais recursos e qualidade otogrfica.Fonte: Samsung.

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    Imagem 31 - Propaganda de 1985 do computador CP400,anunciando o computador pessoal de tempo integral, til

    para a amlia toda, o dia inteiro.Fonte: Museu da Computao e Inormtica.

    O que o jornal, rdio e televiso tm em comum que todos so estruturados por

    uma onte de emisso e distribuio de contedo, e o usurio s recebe a inormao,

    mesmo que eventualmente disponha de algum sistema de participao e interao. O

    teleone fixo possibilita tanto a emisso como a recepo simultnea de inormao,

    mas limitado pelo alcance, pois normalmente s h duas pessoas envolvidas em

    uma ligao. A chegada da internet muda essa lgica e possibilita a ormao de redes

    de comunicaes, onde cada usurio pode ser tanto produtor como consumidor de

    inormaes e dados. A grande transormao a produo de inormaes eitas por

    muitos e para muitos, eliminando a hierarquia entre emissor e receptor.

    Menos de duas dcadas depois que a internet oi disponibilizada, ela j est firmemente

    consolidada na estrutura da metrpole, com implicaes nas organizaes de poder, na

    economia e nas relaes sociais. O advento do computador ligado na rede possibilitou

    o reaparecimento do trabalho em casa, pelas possibilidades de agenciamento remoto.

    Algumas empresas passam a incentivar os seus uncionrios a desenvolverem parte

    do trabalho em casa, como poltica para melhor produtividade, evitando o desgaste

    do deslocamento no trnsito. Surge um lugar no espao domstico exclusivos para

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    o trabalho auxiliado por computador, como o escritrio, ou o chamado home office.

    ambm so desenvolvidos mobilirios apropriados para alojar todas as partes que

    compem o computador, pensando na ergonomia e conorto do usurio (Imagem 32).

    Gradualmente, os computadores passam por um processo de miniaturizao e

    mobilidade. Os monitores CR entram em desuso e so substitudos pelas telas LCD.

    Os notebooks vo se tornando mais populares e surgem os diminutos netbooks. As

    telas adquirem sensibilidade e o clique do mouse substitudo por um toque na tela.

    Prolieram-se os tablets e smartphones. As conexes por linha telenica ou a cabo

    tornam-se sem fio em redes wifi, com o alcance de dezenas de metros, invadindo espaos

    vizinhos, e tambm sendo permeadas pelas redes de outros moradores.

    Com a mobilidade e portabilidade dos computadores, torna-se desnecessrio um lugar

    especfico de uso. Na cozinha, na sala, ou no quarto, em qualquer lugar o computador

    est conectado, adicionando mltiplos corpos ao usurio que ganha um diversificado

    poder de ao, seja para trabalhar, estudar, se divertir ou simplesmente passar o tempo

    na tela, como no passado era comum se debruar sobre a janela e se entreter com o

    movimento da rua.

    O computador conectado a internet extremamente abrangente, pois compreende

    uma grande diversidade de categorias: textos, imagens, sons, vdeos, jornais, livros,

    videoconerncia, teleone, impresso de documentos, abricao digital de objetos, e

    Imagem 32 - Mesa com tampo deslizante que se adequa aosmovimentos do usurio, cadeira ergonmica e suporte paraos ps possibilitam usar o computador com mais conorto.Fonte: Herman Miller.

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    tambm permite a interao do mundo sico com o mundo digital pelas tecnologias de

    realidade aumentada14. O espao de moradia torna-se um lugar de exercer a criatividade,

    desenvolver projetos, produzir contedo em blogs, desenvolver filmes, compartilhar

    conhecimento. A casa porosa potente: um abrigo que vira escritrio, oficina e sala de

    cinema, a partir de um notebook conectado.

    Entretanto, h aspectos importantes que devem ser considerados sobre o uso das

    redes. Os sistemas de vigilncia e coleta de dados pessoais por agncias de segurana e

    empresas de inormao, tm capacidade para monitorar toda atividade desenvolvida

    no ambiente digital. Na Poltica de Privacidade do Google, de 24 de junho de 2013,

    dito que as inormaes do usurio podem ser coletadas de diversas maneiras, entre

    elas:

    Quando voc usa nossos servios ou visualiza contedo ornecido peloGoogle, podemos coletar e armazenar automaticamente determinadasinormaes em registros do servidor. Isso pode incluir:

    detalhes de como voc usou nosso servio, como suas consultas de pesquisa.

    inormaes de registro de teleonia, como o nmero de seu teleone, nmerode quem chama, nmeros de encaminhamentos, horrio e data de chamadas,

    durao das chamadas, inormaes de identificador de SMS e tipos dechamadas.

    [...] Quando voc usa um servio do Google capaz de identificar a sualocalizao, podemos coletar e processar inormaes sobre sua localizaoreal, como sinais de GPS enviados por um dispositivo mvel. Alm disso,podemos usar vrias tecnologias para determinar o local, como dados desensor de seu dispositivo que podem, por exemplo, ornecer inormaessobre pontos prximos de acesso Wi-Fi e torres de celular. (Google, 2013)

    No h privacidade na internet, toda atividade passvel de rastreamento por algoritmos

    que filtram, catalogam e comercializa os dados para anncios direcionados de acordo

    com o perfil coletado, ou podem ser fichados com determinados esquemas de segurana

    e vigilncia. Mesmo assim, tal condio no restrio para que as redes continuem a

    se expandindo.

    No obstante, o ento volumoso PC e hoje miniaturizado em dispositivos portteis

    e ligados nas redes digitais, ator de um processo que deixou nebulosos os limites

    14 Realidade aumentada uma sobreposio de inormaes do meio sico com o meio digital, normalmenterelacionada a um sistema de visualizao, como cmeras de vdeo.

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    dos espaos pblicos e privados. Em certo sentido, estar dentro de casa conunde-se

    com estar ora pela interseo das atividades comunicativas desses tempos de cultura

    cbrida15 mediada por redes on e off-line (Beiguelman, 2013, pg. 168).

    As mdias de telecomunicao do sculo XX e a soma delas, no sculo XXI, em um

    nico dispositivo digital (Imagem 33) oram gradativamente se instalando no espao

    domstico: ligado aos cus com as antenas nos telhados, os sinais eltricos percorrendo

    as paredes nas tubulaes de fios e cabos, o mobilirio que acolhe, o conorto da

    sala de visita, o hometheather, o home office, a multiplicao das telas e as radiaes

    eletromagnticas do wifi.

    15 O termo cbrido (cybrid) oi criado pelo arquiteto Peter Anders com a juno da palava cyber com hybrid,e significa a interseo do ambiente digital no ambiente sico (ANDERS, 1997). Gisele Beiguelman (2010) amplia o

    significado e define cibridismo como a experincia contempornea de estar entre redes, em uma alternncia continuade estar one off-line, como um estado permanente de conectividade.

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    Imagem 33 - Computador desktop modelo tudo-em-um, com tela multi-toque e porttil, integra em um s

    dispositivo diversos recursos de comunicao.Fonte: Amazon.

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    HABITANTES EM TRANSFORMAO

    C

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    A sociedade dinmica e est constantemente se transormando, influenciada por

    diversos agentes. Contudo, h duas transormaes em curso que merecem destaque,

    por serem consideradas importantes para este trabalho. A primeira transormao teve

    incio a partir da dcada de 1970 com a ragmentao do modelo amiliar tradicional,

    e a segunda oi desencadeada a partir de 1995 com o advento da internet, instalando

    novos hbitos relacionados comunicao em redes digitais de comunicao.

    Embora seja praticamente impossvel traar um perfil detalhado da diversificada gama

    de pessoas que habitam a cidade, interessa aqui azer uma anlise geral dos hbitos e

    caractersticas dos habitantes urbanos baseada na bibliografia e em dados censitrios.

    Essa aproximao sobre quem so os habitantes dos grandes centros importante para

    refletir sobre o habitar contemporneo e as consequncias no espao domstico.

    . A ()

    As transormaes do espao de moradia esto inter-relacionadas com as transormaes

    dos habitantes. De acordo com os valores sociais, culturais, econmicos e tecnolgicos a

    sociedade vai estabelecendo ao longo do tempo os padres de ocupao e modos de uso

    do espao. um processo dinmico que est em constante transormao, como pode

    ser observado no decorrer da histria da casa brasileira.

    A estrutura amiliar no Brasil um exemplo claro das mudanas. A amlia patriarcal

    rural do sculo XIX, composta por um grupo extenso de parentes abrigados sob um

    mesmo domnio, transorma-se no sculo XX na amlia nuclear que habita em umambiente urbano (ERUYA, 2000). O grupo amiliar ento passa a ser composto pelo

    homem, mulher e filhos, com necessidades espaciais distintas do modelo amiliar rural,

    pois os membros da amlia so em menor nmero e no esto mais vinculados com

    modos de produo, e sim de consumo.

    Essa ormao nuclear da amlia torna-se intrinsicamente relacionada no imaginrio

    do lar, idealizado como o lugar tranquilo e alegre onde habitam os pais com os seus

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    filhos. A ideia de amlia associada a sentimentos de equilbrio, elicidade, pessoas

    bem ajustadas vivendo em harmonia, tornando-se bastante explorada em propagandas

    (Imagem 34), tanto que ficou conhecida como amlia comercial de margarina.

    Para Rino Levi, a amlia undamental na constituio do universo privado, como

    pode ser percebido na citao proerida em 1962:

    Quando me refiro casa penso no lar, rico ou modesto, no importa, noqual a amlia encontre condies de conorto e um ambiente acolhedor. [...]Penso, sobretudo, em um ambiente apropriado para a educao da criana(LEVI apud MIGUEL, 2003, pg. 22).

    odavia, essa unidade amiliar comeou a se ragmentar com o consequente surgimento

    de outros grupos amiliares, os quais so cada vez mais aceitos socialmente. Iniciado a

    partir da dcada de 1970, e no sendo restrita a realidade brasileira, ramontano (2003)

    diz que o processo de nuclearizao da unidade amiliar v-se sucedido pelo seu

    prprio estilhaamento, [...] quando comeam a surgir, em diversas partes do mundo,

    novos ormatos de grupos domsticos, como casal sem filhos, mulher sem conjugue

    e com filhos, unies livres, casais homossexuais, pessoas morando ss, entre outros

    (Imagem 35).

    Um grande ator de influncia na transormao da amlia a mudana do papel da

    mulher, que deixa de ser dona de casa e ingressa no mercado de trabalho ganhando

    mais independncia financeira. rabalhando ora de casa, a mulher tem menos tempo

    para cuidar da casa, dos filhos, ou mesmo de t-los:

    importante perceber que, por trs da queda da ecundidade, encontra-se umamulher que reivindica, entre outras coisas, um lugar no mercado de trabalho,

    a liberdade de ter relaes sexuais dissociadas da obrigatoriedade catlica deprocriao, o direito de escolher quando ter ou no ter filhos, o direito deseparar-se do parceiro ou parceira sem ser, por isso, estigmatizada pelasociedade. (RAMONANO, 2003, pg. 98)

    Como citado anteriormente, a transormao da amlia ocorreu em diversos pases

    iniciada em torno do mesmo perodo. erence Riley (1999) cr que uma das razes do

    alvoroo eito pela mdia sobre a casa Farnsworth de Mies van der Rohe diz respeito a

    aceitao da condio da mulher na sociedade norte-americana e a situao da prpria

    Edith Farnsworth (Imagem 36), solteira e com carreira proessional estabelecida, em

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    Imagem 36 - Edith Farnsworth com seu cachorro durante a

    construo de sua casa (ca. 1950-51).Fonte: Chicagogeek.

    Imagem 34 - Propaganda imobiliria de 1959 mostrando aamlia nuclear tradicional: o homem de negcios com umjornal nas mos, a mulher dona de casa que cuida do lar, e

    os filhos elizes.Fonte: Reclames do Estado.

    Imagem 35 - Propaganda imobiliria de 2013 da Maxhaus,azendo um trocadilho com o ato dos seus apartamentos

    serem entregue sem paredes internas e a aceitao dasrelaes homoaetivas.

    Fonte: Folha de So Paulo.

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    1953: no apenas ela no era nem esposa nem me, em uma poca em que as mulheres

    da idade dela eram ambas as coisas, mas tambm o projeto da casa indicaram que ela

    no tinha nenhum plano particular para tornar-se parte de uma amlia 1(RILEY, 1999,

    pg. 20, traduo nossa). A situao atual est se transormando, cada vez mais a mulher

    ocidental vem afirmando sua posio na sociedade, e gradualmente o preconceito

    diminui, principalmente nos grandes centros urbanos.

    Mesmo com o aumento de outros grupos amiliares, a amlia nuclear se transormou.

    Embora ainda seja preponderante, houve um enraquecimento da hierarquia e

    autoridade dos pais que agora preocupam-se mais com o xito profissional da

    prole (RAMONANO; BENEVENE, 2004, pg. 3). A grande autoridade paterna

    paulatinamente baixa a voz enquanto os outros membros da amlia se maniestam com

    mais liberdade. Diz ramontano sobre o modelo tradicional da amlia: tudo leva a crer

    que este ormato amiliar torne-se, cada vez mais, apenas um momento transitrio e

    no mais obrigatrio da trajetria individual de cada vez menos pessoas (2003, pg.

    101).

    A amlia tradicional como estrutura social est perdendo sua importncia. Cada vez

    as pessoas pensam mais na prpria realizao pessoal, o que entra em evidncia

    o indivduo com seu desejo de autossatisao. Muitas vezes criar uma amlia e ter

    filhos so prioridades secundrias, s acontecem se no orem atrapalhar a carreira

    profissional, a concluso dos estudos, especializaes acadmicas, ps-graduaes, a

    viagem dos sonhos, ou no jargo popular, curtir a vida.

    No casal sem filhos existe o chamado DINK, do ingls Double Income No Kids(duplarenda sem filhos). O crescimento desse grupo evidencia a participao da mulher no

    mercado de trabalho, pois um modelo amiliar no qual ambos os cnjuges exercem

    atividade profissional. Como diz ramontano, esse modelo baseado no desejo de

    levar uma vida conortvel, garantida pela remunerao dos dois parceiros, mantendo

    a liberdade e a sensao de uma vida de solteiro (2003, pg. 101), estando livres da

    1 C. o.: not only was she neither a wife nor a mother at a time when most women her age were both, but the designof the house indicated she had no particular plans to become part of a family.

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    obrigao de cuidar e educar as crianas.

    Contudo, h no muito tempo atrs, o matrimnio para grande parte das mulheres

    implicava na afirmao do compromisso implcito em cuidar da casa, como azer axina,educao dos filhos, e na submisso ao marido (Imagem 37).

    .. D

    A seguir so apresentados dados do Censo Demogrfico de 2010 do Instituto Brasileiro

    de Geografia e Estatstica (IBGE) relativos ao Brasil como um todo, incluindo as zonas

    urbanas e rurais. Optou-se por esses dados para ter uma imagem mais abrangente do

    habitante urbano brasileiro.

    As transormaes na estrutura da amlia so visveis nas pesquisas censitrias, podendo

    ser constada a proporo dos membros que constituem o grupo amiliar. Os dados do

    Censo de 2010 apontam para uma diversidade maior em relao aos tipos de amlias

    (IBGE, 2010, pg. 64). Segundo a anlise do Censo, houve aumento da esperana de

    vida, diminuio da taxa de ecundidade, crescimento das unies consensuais, aumento

    Imagem 37 - Propaganda de 1948 com o homem olhandoa elicidade da mulher ao receber uma enceradeira como

    presente de casamento, evidenciando sua obrigao de donade casa.

    Fonte: Reclames do Estado.

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    dos divrcios e consequentemente das amlias monoparentais (ibidem, pg. 64) que

    repercutiram nos padres de organizao das amlias.

    O nmero de moradores nos domiclios passou por mudanas nas ltimas dcadas.Houve um aumento das unidades com pessoas morando ss, praticamente dobrando

    em pontos percentuais, passando de 6,5% em 1991 para 12,1% em 2010. Por outro lado,

    as unidades com duas ou mais pessoas com parentesco tiveram um decrscimo, de 93%

    em 1991 para 87,2% em 2010 (Grfico 1).

    Apesar de a unidade unipessoal ainda apresentar um valor sem muita expresso,

    indica uma tendncia de crescimento de uma realidade j observada em outros pases.

    A mdia em 2010 de domiclios com pessoas morando ss nos pases europeus de

    27,7% (ibidem). Nessas habitaes so ocupadas no s por vivos e vivas, ou pessoas

    divorciadas, mas tambm por jovens que deixam a casa dos pais, e pessoas que optam

    pela vida sem companheiros.

    Confirmando o que oi dito anteriormente sobre a mudana da amlia nuclear, os dados

    do Censo mostram que ela j no est mais presente na maioria absoluta dos domiclios

    brasileiros (Grfico 2). Em 1991 o percentual de casal com filhos era de 58,3%, e em 2010

    caiu para 49,4%. Ao mesmo tempo o nmero de casal sem filhos subiu de 13,7% para

    20,2%, com um provvel aumento dos casais DINKs, pois considerando os dados da

    mesma pesquisa, na maioria das amlias (62,7%) ambos os cnjuges tem rendimento.

    Grfico 1 - Proporo da situao dos domiclios (em %).Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000 e 2010: amlias e domiclios.

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    Em todos os modelos de amlia mostrados no grfico, o comportamento dos dados de

    cada tipo amiliar segue uma mesma tendncia ao longo dos anos, seja aumentando

    ou diminuindo, em direo reduo da amiliar nuclear e estabelecimento de outros

    modelos. No grfico tambm pode ser observado o aumento de domiclios com

    amlias monoparentais, com a presena da mulher ou do homem sem o cnjuge e com

    filhos. Nessa categoria incluem cnjuges divorciados e de filhos ora do casamento. Na

    composio amiliar aumentou um tipo catalogado pelo Censo como outro, indicando

    uma diversificao dos modelos de unio amiliar.

    O que j se sabe por experincia, e visvel estatisticamente, a mulher na grande maioria

    dos casos quem assume a responsabilidade de cuidar dos filhos quando os cnjuges

    moram separados. Nos dados de 2010, nos domiclios onde a mulher habita com os

    filhos o percentual de 16,2%, enquanto no do homem de apenas 2,4%.

    O aumento da insero da mulher no mercado de trabalho pode ser visto no Grfico 3

    que mostra a condio de ocupao dos cnjuges. Enquanto o homem permanece com

    uma participao relativamente constante, a mulher aumenta 21 pontos percentuais ao

    longo do intervalo de tempo analisado. Os dados de 2010 mostram que mais da metade

    das mulheres cnjuges esto economicamente ativas e ocupadas.

    A taxa de ecundidade representa o nmero mdio de filhos que uma mulher teria ao

    final do seu perodo rtil. Em meio sculo a taxa de ecundidade nacional decresce

    continuamente, caindo de 6,3 filhos para 1,9 em 2010 (Grfico 4). Esses valores

    Grfico 2 - Proporo dos tipos de composio amiliar nos domiclios (em %).Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000 e 2010: amlias e domiclios.

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    so consequncias do uso de mtodos anticoncepcionais, do maior envolvimento

    profissional da mulher, que passa a ter mais possibilidades de realizar suas ambies,

    dierentemente da mulher dona de casa na dcada de 1960. Como decorrncia, a mdia

    de moradores por domiclio diminuiu no perodo intercensitrio, passando de 3,8

    pessoas em 2000, para 3,3 pessoas em 2010.

    Outro dado importante o desaparecimento gradual da empregada domstica que

    habita na casa dos patres. No Censo de 2000 a presena da empregada domstica

    residindo em domiclios era de 0,29%, caindo para 0,13% na pesquisa de 2010. A

    empregada de perodo integral, que dormia na residncia, substituda pela diarista,

    que trabalha uma ou duas vezes por semana.

    Grfico 4 - axa de ecundidade nacional.Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2010: nupcialidade, ecundidade e migrao.

    Grfico 3 - Proporo de cnjuges economicamente ativos e ocupados (em %).Fonte: IBGE, Censo Demogrfico 2000 e 2010: amlias e domiclios.

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    A partir dessas anlises, o quadro que se apresenta na amlia brasileira so pessoas cada

    vez mais morando ss, menos casais gerando filhos, diminuio da amiliar nuclear,

    aumentos de outros modelos de amlia e uma maior ora econmica da mulher,

    tornando-se mais independente. Como j citado anteriormente, os dados censitrios

    apresentados so relativos ao Brasil como um todo, quando so restritos somente ao

    espao urbano as transormaes da amlia so ainda mais intensas (IBGE, 2010). Nas

    cidades, o contexto da vida cotidiana, com seu ritmo acelerado, colabora na ruptura dos

    valores e padres tradicionais.

    .. N

    Sendo a amlia o ncleo de organizao da sociedade, a transormao da amlia

    implica em mudanas na sociedade, como tambm no espao domstico que abriga

    agora uma diversidade de arranjos amiliares. Uma das questes que se torna evidente

    a diminuio do espao habitvel, pois as amlias se tornaram menores, ou em alguns

    casos, a amlia inexiste.

    A praticidade tornou-se um imperativo para quem trabalha ora de casa e tem uma

    agenda lotada de compromissos. O orno micro-ondas representa a velocidade nos

    hbitos e gestos cotidianos, pois possibilita que a comida, alm de no ser preparada em

    casa, abreviando todo o tempo e trabalho que demanda no preparo de um prato, fique

    pronta em poucos minutos.

    Na sociedade atual comum a amlia deixar um beb de seis meses na creche por

    necessidades profissionais, iniciando sua vida escolar antes mesmo de saber alar,

    e s concluindo 18 anos depois quando ento adentrar na universidade. Em alguns

    casos a criana mora com parceiro da me ou do pai, com o qual no tem parentesco

    sanguneo, e que s vezes traz um filho ou filha de um relacionamento anterior. A

    ateno dispensada criana muita vezes substituda por babs eletrnicas, como os

    tablets que acilmente consegue entreter os filhos por horas, enquanto os pais podem

    cuidar de outros assuntos.

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    Guardada as devidas dierenas, o