artigos 2 a 4 - sbmfc€¦ · positiva a receptividade da rbmfc junto aos graduandos em medicina em...

72
Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro jul / set 2007 nº 10 p. 073-144 v.3 EDITORIAL A RBMFC e a difusªo do conhecimento em APS / MFC Carlos Eduardo Aguilera Campos. .......................................................................................................................... 075 ARTIGOS Doena de Lyme: diagnstico e tratamento. Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filho e Cristina Rodrigues Cruz. .................................................................................................................................... 076 Qualidade de vida e controle da pressªo arterial em pacientes de uma unidade primÆria do municpio do Rio de Janeiro. Vera Lœcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. Aguiar. ......................................................................... 082 Custo-efetividade: comparaªo entre o modelo tradicional e o Programa de Saœde da Famlia. Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia Pinto. .................................................................. 091 Inclusªo nªo-homofbica: um diÆlogo entre estudantes de medicina e travestis. ValØria Ferreira Romano. ....................................................................................................................................... 099 Uso da rede de servios de Juiz de Fora: a opiniªo do usuÆrio. CØlia Regina Machado Saldanha. ............................................................................................................................ 106 AnÆlise da avaliaªo do PSF em municpios de pequeno porte. FÆbio Aragªo Kluthcovsky e Ana ClÆudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky. .................................................................. 116 RELATO DE CASO Angola, ares de transformaªo. Camila Giugliani. ................................................................................................................................................ 125 O Programa Integrador: uma experiŒncia na formaªo profissional. Juliana Saiddler e CØlia Regina Machado Saldanha. ........................................................................................................................ 132 SumÆrio RBMFC

Upload: others

Post on 18-Jan-2021

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro jul / set 2007nº 10 p. 073-144v.3

EDITORIALA RBMFC e a difusão do conhecimento em APS / MFCCarlos Eduardo Aguilera Campos. .......................................................................................................................... 075

ARTIGOSDoença de Lyme: diagnóstico e tratamento.Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filhoe Cristina Rodrigues Cruz. .................................................................................................................................... 076

Qualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientesde uma unidade primária do município do Rio de Janeiro.Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. Aguiar. ......................................................................... 082

Custo-efetividade: comparação entre o modelo �tradicional� eo Programa de Saúde da Família.Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia Pinto. .................................................................. 091

Inclusão não-homofóbica: um diálogo entre estudantes demedicina e travestis.Valéria Ferreira Romano. ....................................................................................................................................... 099

Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.Célia Regina Machado Saldanha. ............................................................................................................................ 106

Análise da avaliação do PSF em municípios de pequeno porte.Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky. .................................................................. 116

RELATO DE CASOAngola, ares de transformação.Camila Giugliani. ................................................................................................................................................ 125

O Programa Integrador: uma experiência na formação profissional.Juliana Saiddler e Célia Regina Machado Saldanha. .................................................................................... .................................... 132

SumárioRBMFC

Page 2: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Summary

Rev Bras Med Fam e Com Rio de Janeiro jul / sep 2007nº 10 p. 073-144v.3

RBMFC

EDITORIALThe Brazilian Journal of Family Community Medicine anddissemination of knowledge on Primary Care and Family HealthCarlos Eduardo Aguilera Campos. .......................................................................................................................... 075

ARTICLESLyme Disease: diagnosis and treatmentIvan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filhoe Cristina Rodrigues Cruz. .................................................................................................................................... 076

Quality of Life and Blood Pressure Control in Patients ofa Primary Care Unit in Rio de JaneiroVera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. Aguiar. ................................................................................ 082

Cost-effectiveness analysis: comparison of traditional primaryhealth care delivery and the Family Health ProgramJanice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia Pinto. .................................................................. 091

Non-homophobic inclusion: a dialogue between medicinestudents and transvestitesValéria Ferreira Romano. ....................................................................................................................................... 099

Use of the health care net work of Juiz de Fora:the opinion of the userCélia Regina Machado Saldanha. ............................................................................................................................ 106

Analysis of the evaluation of the FHP small citiesFábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky. .................................................................. 116

CASE REPORTAngola, transformations are in the airCamila Giugliani. ................................................................................................................................................ 125

The Integration Program: an experience in professional educationJuliana Saiddler e Célia Regina Machado Saldanha. ..................................................................................................... 132

Page 3: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

A RBMFC e a difusão do conhecimentoemAPS /MFC

Carlos Eduardo Aguilera Campos*

RBMFC

Editorial

Editorial The Brazilian Journal of Family Community Medicineand dissemination of knowledge on Primary Care and Family Health

Nesta oportunidade gostaríamos de destacar alguns fatos relevantes na trajetória da RBMFC. Tem sido muitopositiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a edição número 3,fizemos um esforço de catalogar e enviar exemplares para todas as bibliotecas dos cursos de Medicina. Contamos paraisto com a colaboração da ABEM, que gentilmente nos cedeu a sua lista de seus filiados. Desde então houve um retornomuito positivo por parte dos cursos. Temos recebido muitas mensagens de incentivo e de agradecimentos, muitas delasdestacando a grande procura por parte de professores e alunos por artigos da RBMFC. Com esta estratégia alcançamosmuitos de nossos potenciais e futuros especialistas, que, normalmente, não tem acesso à informação técnica e científica daespecialidade.

Outra boa notícia refere-se à renovação do apoio à SBMFC por parte da Secretaria de Gestão do Trabalho e daEducação em Saúde do Ministério da Saúde e da Organização Panamericana de Saúde, para a edição da RBMFC. Semeste suporte não seria possível constituir a equipe técnica, a impressão e o envio de tiragens cada vez maiores da revistapara os sócios da SBMFC, bibliotecas e outros setores estratégicos para a difusão do conhecimento em APS/MFC. Apresente edição tem a previsão de tiragem de cerca de 3.000 exemplares. Este é um número impressionante quantoconsideramos o tempo de existência da SBMFC e o fato de que as revistas científicas costumam ter uma tiragem médiade 150 exemplares. São, portanto, promissoras as perspectivas da RBMFC, contando para isto com o aumento dafiliação e da produção científica de seus sócios e da comunidade acadêmica.

* Editor RBMFC.

Rev Bras Med Fam e Com075Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul / set 2007

Page 4: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento

Lyme Disease: diagnosis and treatment

Ivan Maluf Junior*Mariana Ribas Zahdi*

Aguinaldo Bonalumi Filho**Cristina Rodrigues Cruz***

RBMFC

Palavras-chave: Doença de Lyme;Diagnóstico; Tratamento; Prevenção.

Key Words: Lyme disease; diagnosis;treatment; prevention.

Resumo

A doença de Lyme é uma infecção bacteriana sistêmica causada pela espiroqueta Borrelia burgdoferi e transmitidapor carrapatos do gênero Ixodes e Amblyomma. Ela é doença endêmica em áreas de animais silvestres, carrapatos eflorestas, sendo pouco relatada no Brasil. É a patologia mais comum transmitida por carrapatos. As manifestaçõesclínicas iniciam-se com aparecimento de eritema migratório no local da picada, seguido de sintomas semelhantes ao dagripe. Com a evolução da doença, pode ocorrer acometimento dos sistemas nervoso central, cardiovascular, ocular earticulações. O diagnóstico é feito pelas características clínicas, dados epidemiológicos e exames laboratoriais; já o tratamentoé realizado com administração de antibióticos conforme o estágio da doença.

Abstract

Lyme disease is a multisystem bacterial infection caused by the spirochete Borrelia burgdorferi. It is transmitted by the bite of infectedticks of the genus Ixodes and Amblyomma. The disease is endemic in wooded, brushy areas, which are habitats for wild animals and ticks. Itis the disease most commonly transmitted by ticks, but rarely reported in Brazil. Early local Lyme Disease often starts with erythema migransat the site of the tick bite, followed by flu-like symptoms. In advanced stage the disease may cause symptoms in the joints, eyes, heart and nervoussystem. Diagnosis is based on clinical symptoms, epidemiology and laboratory tests. Lyme disease is treated with antibiotics according to the stageof the disease.

Rev Bras Med Fam e Com076Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

*Acadêmicos do 6º ano do curso de Medicina da Universidade Positivo, Curitiba, Paraná, Brasil.**Dermatologista. Pós-graduado no Instituto de Dermatologia Prof. Rubem David Azulay na Sta. Casa de Misericórdia � RJ. Research Fellow pela HarvardMedical School no Massachusetts General Hospital � EUA.***Professora, Doutora de Infectologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.

Page 5: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filhoe Cristina Rodrigues Cruz Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento.

1. IntroduçãoA doença de Lyme é uma infecção bacteriana sistê-

mica causada pela espiroqueta Borrelia burgdofer1,2 e trans-mitida por carrapatos do genêro Ixodes e Amblyomma2,3,4.Pode acometer o homem, animais silvestres e domésticos4.A exposição primária a um carrapato não-contaminado éum fator de proteção, já que alguns moradores de regiõesendêmicas não desenvolvem a doença. Acredita-se que estefato é devido a uma hipersensitividade cutânea que desenvol-ve uma reação imune protetora5. Porém, o organismo nãomantém imunidade natural para a doença, portanto umapessoa pode sofrer reinfecção a partir de uma picadasubseqüente pelo carrapato1.

A doença é pouco relatada no Brasil. Neste país, aetiologia, as manifestações clínicas e laboratoriais sãodiferentes daquelas encontradas nos Estados Unidos e naEuropa; por isso, é chamada de doença de Lyme símile4.Os transmissores na América do Norte são o Ixodespacificus e Ixodes �dammini�, e provavelmenteAmblyommaamericanum; na Europa, é o Ixodes ricinus e, na Ásia, oIxodes persulcatus1. O agente etiológico no Brasil aindanão foi isolado. O provável transmissor pertence ao gêneroIxodes e Amblyomma3. Foi descrita pela primeira vez nacidade de Lyme (Conneticut � EUA) em 19756. A partirde então, a notificação aumentou. De 1990 a 1998, 112 milcasos foram notificados nos Estados Unidos, e estima-seque, se a subnotificação fosse incluída, esse número seriamultiplicado por 141. Esta é doença endêmica em áreasde animais silvestres, carrapatos e florestas7. As pessoas quetrabalham em áreas de madeira, construção e parques têmmais chances de adquiri-la. É mais comum em áreas rural esuburbana doNordeste e Centro-oeste dosEstadosUnidos8,sendo a doença transmitida por carrapatos mais comumdeste país9. No Brasil, os primeiros relatos foram feitos noinício da década de 19904,6,7. Houve casos em Manaus, nosestados do Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso4. Aregião de Cotia, em São Paulo, é área de risco7.

2. PatogeniaA infecção humana é produzida por meio da saliva

do carrapato, que contém a espiroqueta. O período deincubação varia de 4 a 18 dias. A Borrelia spp. permanecena corrente sanguínea durante os episódios febris. Comisso há produção de anticorpos específicos contra a proteínademembrana da Borrelia spp. O término das manifestaçõesclínicas atribui a atividade humoral específica de anticorposmais que adas células fagocíticas.Não se conheceomecanismocompleto da elevação da resposta imunitária nas recorrênciasde febre. A espiroqueta se dissemina no hospedeiro pelaunião ao plasminogênio sem ativadores � a ativação docomplemento e resistência ao soro também.As lipoproteínasexpressadas durante a infecção desencadeiam inflamação,portanto a doença cursa com remissão e exacerbação dasmanifestações clínicas10.

A imunidade patogênica contra Borrelia burgdoferidesencadeia reações auto-imunes que podem causar lesõescardíacas e artrite. Este mecanismo auto-imune pode terinfluência na persistência dos sintomas (Lyme crônico)11.

Alguns estudosmostram que o organismo humanoapresenta fatores protetores contra estes anticorpos paraBorrelia burgdoferi, como a decorina (presente na pele,articulação e, em menor quantidade, no coração), portantofacilita a concentração da espiroqueta nessas regiões,favorecendo infecção crônica12.

3. Manifestações ClínicasAs manifestações clínicas podem ser divididas em

três estágios6,13,14. A principal e primeira manifestação é oeritema migratório, que aparece no local da picada4,8,14. Alesão se inicia, em média, 3 a 30 dias após a picada4,8,13.Dos infectados, de 60% a 80% apresentam esta lesão1,13.Este estágio 1 vem acompanhado de sintomas semelhantes aoda gripe, como cefaléia, febre, mialgia, fadiga e artralgia1,6,7,8,13.O rash cutâneo mede ½cm de diâmetro, demonstraexpansão centrífuga e lenta, mas também pode expandir-se rapidamente. Possui a região central mais clara ouavermelhada1,4,8,13. Normalmente, há somente uma lesão -quando se inicia em outros lugares, é sinal de doença dis-seminada1,4.

Nessa situação inicia-se o estágio 2. Sãomanifestações

Rev Bras Med Fam e Com077Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul / set 2007

Page 6: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

que podem aparecer após semanas ou meses do início doeritema migratório. Elas podem durar pouco, ou até meses,podem ser recorrentes e também tornarem-se crônicas4.Os sistemas mais acometidos são: neurológico, cardíaco e,ocasionalmente, ocular1,4,6,13. As principais manifestações deSNC são acometimento de condução nervosa, perda dereflexo, parestesia, neuropatia craniana, radiculopatia, meningite, cefaléia, fadiga e mudanças comportamentais1,6,13.Nos Estados Unidos, 15% dos pacientes não tratadosquando há acometimento neurológico evoluem comalterações neurológicas central ou periférica, com potencialde produção de seqüelas irreversíveis4. Afecções cardíacassão raras15. Pode acontecer arritmia, miocardite, angina,vasculite e bloqueio atrioventricular1. Este último é o maiscomum15. Dos pacientes não tratados, 8% evoluem combloqueio atrioventricular com graus variáveis. A lesão éreversível4. Esta melhora em dias ou semanas, e, algumasvezes, está associada àmiocardite, palpitação e bradicardia13.Dos pacientes não tratados em dois anos, 60% apresentamcaracterísticas clínicas de artrite4,14. Se não tratada, 10%evoluem para artrite crônica com proliferação sinovial e nãorespondem mais à antibioticoterapia4. Embora infreqüente,em alguns casos pode haver manifestações oculares comoalterações visuais, cegueira, lesão de retina, atrofia óptica,conjuntivite, uveíte, coroidite, ceratite, inflamação, dor,diplopia e papiledema1,6. Um estudo feito noBrasil descreveuo primeiro caso de doença de Lyme commanifestação ocularno Paraná. A paciente apresentou baixa acuidade visual epresença de papiledema bilateral. O exame oftalmológicomostrou presença de neurorretinite bilateral associada àceratite intersticial de ambas as córneas16. Papiledema ocorreassociado à meningite e à meningoencefalite. Pode ocorrertambém acometimento do nervo óptico com neurite ópticaou neurorretinite. Embora rara, pode haver paralisia doabducente, oculomotor e troclear6.

Um estudo no estado do Mato Grosso, Brasil,analisou 16 pacientes com doença de Lyme e suas mani-festações clínicas. Destes, 50% apresentaram eritemamigratório, sendo que cinco deles tiveram eritema anularsecundário. Características incomuns se manifestaram em

31,2%, inclusive com aspecto esclerodérmico. As manifes-tações musculoesqueléticas que ocorreram foram: mialgia,em 31,2% dos pacientes; artralgia, em 25%, e artrite, em25%. Seis (37,5%) apresentaram acometimento neurológi-co17.

O estágio 3 acontecemeses ou anos após a infecçãoe, freqüentemente, é caracterizado pela artrite crônica,acrodermatite, encefalomielite6,13,14.

Lyme congênita já foi descrita1. Se acontecertransmissão do agente por via transplacentária no 1º trimes-tre da gestação, há chance de complicações neonatais4. Podeocorrer parto prematuro e morte neonatal1. Em crianças,as manifestaçõesmais comuns são: eritemamigratório, artri-te, paralisia do nervo facial, meningite asséptica e cardiopatia.A meningite infantil por Lyme apresenta pouca febre,porém, há cefaléia e rigidez nucal13. É fundamental pensarem co-infecção quando o aspecto clínico é diferente dainfecção isolada3. Relata-se que 10% dos pacientes apresen-tam co-infecção com borrelia, rickettsia, babesia, ehrlichiae vírus3,13.

4. DiagnósticoO diagnóstico é feito por meio da associação dos

sintomas clínicos, dados epidemiológicos (áreas de maiorendemicidade) e testes laboratoriais1. Estudos recentesdemonstraram que, na América Latina, os pacientes comsuspeita da doença de Lyme apresentaram títulos baixosde anticorpos para os agentes causadores conhecidos (B.burgdoferi, B. garinii, B. afzelli). No exame Western Blot(WB) também foram encontrados diferentes resultadossugerindo diversos agentes etiológicos. Por isso, a doençanesses países da América Latina possui diferenças clínicassutis, sendo chamada de doença de Lyme símile7. Contanto,os causadores no Brasil diferem daqueles da Europa e dosEstados Unidos18.

Os exames laboratoriais mais utilizados são ELISA,WB e Pesquisa de Anticorpos por ImunofluorescênciaIndireta11. Para paciente sintomático com até quatrosemanas, deve-se solicitar ELISA e também WB para IgMe IgG. Após quatro semanas, solicitar somente para IgG, a

Rev Bras Med Fam e Com078Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filhoe Cristina Rodrigues Cruz Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento.

Page 7: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

fim de evitar IgM falso-positivo. A especificidade das duasetapas é de 99% a 100%. Quando requisitar os exames,informar o número de semanas dos sintomas13. O examede PCR não é muito utilizado, apesar de ser mais sensívelna fase aguda19. O WB é o melhor método diagnóstico17.Nos pacientes de alto risco (sintomáticos em área endêmica)não são necessários exames laboratoriais13.

Anticorpos constitucionais podem demorar aaparecer, e somente 50% dos infectados apresentam sorolo-gia positiva na fase inicial. IgM aparece de 2 a 4 semanas ecai depois da quarta semana; IgG aparece de 4 a 6 semanasapós o eritema e permanece mesmo após o tratamento13.

No Brasil, utiliza-se ELISA, seguido pelo WB paraconfirmação. Há alto índice de resultados falso-positivos efalso-negativos4. Exames falso-positivos para Lyme podemocorrer na presença de outras infecções por espiroquetas(sífilis, doença reumatóide, mononucleose infecciosa emorphea)13,18. Pacientes que receberam OpsA(vacinacomposta por gene derivado de B. burgdoferi), tambémapresentam resultados falso-positivos20.

Outra técnica diagnóstica é a biópsia cutânea(Warthin Starry e Warthin Starry), que, apesar de não sertão específica, mostrou-se útil no diagnóstico pelascaracterísticas do infiltrado de linfócitos, histiócitos eeosinófilos na pele, além da disposição em torno de vasosem forma demanguito e no interstício. A detecção do agentecausador histologicamente torna-se difícil pela escassez demicroorganismos nas lesões ou pela distribuição não-homogênea, como divergem alguns autores2.

Outras alterações laboratoriais que os pacientespodem apresentar são: anemia, leucocitose, VHS aumen-tado, trombocitopenia e aumento das enzimas hepáticas10.

Conforme citado, o diagnóstico de Lyme é feitopela associação clínico-laboratorial, porém exameslaboratoriais estão sendo pedidos exageradamente, sendoalgumas vezes desnecessários21.

5. TratamentoO tratamento é iniciado após o diagnóstico, que

deve ser o mais precoce possível. Antibiótico profilático

não é recomendado para quem é picado pelo carrapato eestá assintomático, porém o paciente deve ficar observandocaso sintomas como rash, febre ou artralgia apareçam13.

A terapia é feita com antibiótico oral ou endovenoso,dependendo do estágio da doença1. O medicamento deprimeira escolha é doxiciclina 100 mg, duas vezes por dia,via oral, por 14 a 21 dias, seguido por cefuroxima,amoxicilina com probenecida e macrolídeos. A amoxicilinaé a droga de escolha em crianças e gestantes10. Ceftriaxona2g uma vez ao dia é usada por 2 a 3 semanas nas complica-ções cardíacas e neurológicas. No caso de alergia, pode serusado doxiciclina10,22. A eficácia do tratamento é verificadapela melhora dos sintomas e normalização das células pleo-mórficas do liquor. Não é recomendado medir os anticor-pos no liquor pós-tratamento, porque eles costumam persis-tir22.

Quandohá febre recorrente, o tratamento de escolhaé tetraciclina na dose única de 0,5 g. Usar eritromicina, doseúnica, na criança e gestante. Na ocorrência de encefalite emeningite, faz-se uso de penicilina, cefotaxima ou ceftriaxonaendovenoso por 14 dias10.

A síndrome pós-doença de Lyme pode existir. Elaé caracterizada pela persistência dos sintomas (fadiga,cefaléia, mialgia, artralgia e sintomas neurocognitivos) apóso tratamento. A patogênese dessa síndrome ainda édesconhecida. O tratamento recomendado é sintomático,sem antibiótico, pois se mostrou ineficaz20,22.

6. PrevençãoEvitar áreas onde se concentram os carrapatos é a

melhor profilaxia. Caso isso não seja possível, há várioscuidados que podem ser tomados:- Usar camisa de manga comprida e calça. Se possívelprender a calça dentro das meias, além de usar roupas decores claras que facilitem a visualização do carrapato.- Caminhar no centro das trilhas, evitando as margens.- Aplicar repelentes de insetos à base de DEET (dietiltolu-amida) sobre a pele e roupa, ou repelente à base de permethrinsobre as roupas.- Verificar, diariamente, se há carrapatos. Os lugares predi-

Rev Bras Med Fam e Com079Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul / set 2007

Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filhoe Cristina Rodrigues Cruz Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento.

Page 8: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com080Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

letos por eles são as pernas, virilhas, axilas, linhas do cabeloe dentro ou atrás das orelhas.- Remover os carrapatos imediatamente usando pinça deponta fina � não se deve espremer nem torcer o carrapato.- Conhecer os sintomas da doença de Lyme. Se a pessoaesteve em algum lugar onde estes carrapatos são comuns,e aparecerem quaisquer sintomas da doença de Lyme,especialmente erupção na pele, deve procurar um médicoimediatamente23.

Existe uma vacina para a doença de Lyme. É ne-cessário receber três doses para conseguir uma proteçãode 75%. Visto que a vacina não oferece proteção completanem protege contra outras doenças transmitidas por carra-patos, mesmo pessoas vacinadas devem tomar as precau-ções mencionadas. A vacina é segura para a maioria daspessoas, mas pode causar vermelhidão, inchaço, dor nolocal da injeção, dores musculares, dor ou rigidez nas arti-culações, febre ou calafrios e até reações alérgicas gravescomo efeitos adversos23.

As pessoas de 15 a 70 anos que moram, trabalhamou brincam por períodos prolongados em áreas onde hácarrapatos infectados têm indicação para receber a vacina.Devem-se incluir neste grupo pessoas que já tiveram doençade Lyme sem complicações e que continuam sendoexpostas a carrapatos infectados23.

A vacinação é contra-indicada a: aqueles que nãoentram em contato com carrapatos infectados; crianças commenos de 15 anos; adultos com mais de 70 anos; mulheresgrávidas; pessoas com qualquer deficiência no sistema

imunológico; pessoas com artrite causada por um casoprévio de doença de Lyme que não respondeu ao trata-mento antibiótico e pessoas com qualquer outro tipo deartrite23.

7. PrognósticoA recuperação dos pacientes é completa e mais

rápida se o tratamento for realizado na fase inicial da doen-ça. Já nos estágios mais avançados da doença podem ocor-rer sintomas recorrentes ou persistentes. Neles, deve-serealizar um segundo curso de terapia de quatro semanas.Tratamentos longos comantibióticosmostraram-se ineficazese prejudiciais, levando a sérias complicações, incluindomorte24.

O tratamento realizado em mulheres grávidas nãose mostrou prejudicial ao feto24.

8. Referências1. Lyme.org [homepage na internet]. Tolland: LymeDiseaseFoundation, Inc. [acesso em 2006 Mar 15]. Disponível em:http://www.lyme.org.2. Melo IS, Gadelha AR, Ferreira LCL. Estudohistopatológico de casos de eritema crônico migratóriodiagnosticados em Manaus. An Bras Dermatol.2003;78(2):169-177.3. Yoshinari NH, Abrão MG, Bonoldi VL, Soares CO,Madruga CR, Scofield A, et al. Coexistence of antibodiesto tick-borne agents of babesiosis and Lyme borreliosis inpatients fromCotia county, State of São Paulo, Brazil. MemInst Oswaldo Cruz. 2003;98(3):311-8.

Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filhoe Cristina Rodrigues Cruz Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento.

Page 9: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com081Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

4. Fonseca AH, Salles RS, Salles SAN, Madureira RC,Yoshinari NH. Borreliose de Lyme simile: uma doençaemergente e relevante para a dermatologia no Brasil. AnBras Dermatol. 2005;80(2):171-8.5. Burke G, Wikel SK, Spielman A, Telford SR, McKay K,Krause PJ; Tick-borne Infection Study Group.Hypersensitivity to ticks and Lyme disease risk. Emerg InfectDis. 2005;11(1):36-41.6. Fugimoto F, Ghanem RC, Monteiro MLR. Pupila tônicabilateral como seqüela oftálmica isolada da doença de Lyme:relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(3):381-4.7. Joppert AM, Hagiwara MK, Yoshinari NH. Borreliaburgdorferi antibodies in dogs from Cotia county, SãoPaulo State, Brazil. Rev Inst Med Trop Sao Paulo.2001;43(5):251-5.8. DePietropaolo DL, Powers JH, Gill JM, Foy AJ. Lymedisease: what you should know. Am Fam Physician.2005;72(2):309.9. Stone EG, Lacombe EH, Rand PW. Antibody testing andLyme disease risk. Emerg Infect Dis. 2005;11(5):722-4.10. Escudero-Nieto R, Guerrero-Espejo A. Enfermedadesproducidas por Borrelia. Enferm Infecc Microbiol Clin.2005;23(4):232-40.11. Raveche ES, Schutzer SE, Fernandes H, Bateman H,McCarthy BA, Nickell SP, et al. Evidence of Borreliaautoimmunity-induced component of Lyme carditis andarthritis. J Clin Microbiol. 2005;43(2):850-6.12. Liang FT, Brown EL, Wang T, Iozzo RV, Fikrig E.Protective niche for Borrelia burgdorferi to evade humoralimmunity. Am J Pathol. 2004;165(3):977-85.13. DePietropaolo DL, Powers JH, Gill JM, Foy AJ.Diagnosis of lyme disease. Am Fam Physician.2005;72(2):297-304.14. Stanchi NO, Balague LJ. Lyme Disease: antibodiesagainst Borrelia burgdorferi in farm workers in Argentina.Rev Saúde Pública. 1993;27(4):305-7.15. Pasquier M, Peter O, Frochaux V, Imsand C, Vogt P,Girod G. Atrioventricular heart block in Lyme disease. RevMed Suisse. 2006;2(52):415-7.16. Sato MT, Schmitt A, Greboge P, Arana J, Moreira ATR,Yoshinari NH. Neuroretinitis associated with interstitialKeratitis: the first case report of Lyme disease in the State

of Paraná. Rev Bras Oftalmol. 2003;62(4):275-283.17. Costa IP, Bonoldi VLN, Yoshinari NH. Clinical andlaboratorial outline of Lyme-like disease, in Mato Grossodo Sul State: analysis of 16 patients. Rev Bras Reumatol.2001;41(3):142-150.18. Palacios R, Osorio LE, Giraldo LE, Torres AJ, PhilippMT, Ochoa MT. Positive IgG Western blot for Borreliaburgdorferi in Colombia. Mem Inst Oswaldo Cruz. 1999;94(4):499-503.19. Picha D, Moravcova L, Zdarsky E, Maresova V,Hulinsky V. PCR in lyme neuroborreliosis: a prospectivestudy. Acta Neurol Scand. 2005;112(5):287-92.20. Marques AR, Hornung RL, Dally L, Philipp MT.Detection of immune complexes is not independent ofdetection of antibodies in Lyme disease patients and doesnot confirm active infection with Borrelia burgdorferi. ClinDiagn Lab Immunol. 2005;12(9):1036-40.21. Ramsey AH, Belongia EA, Chyou PH, Davis JP.Appropriateness of Lyme disease serologic testing. AnnFam Méd. 2004;2(4):341-4.22. Pfister HW, Rupprecht TA. Clinical aspects ofneuroborreliosis and post-Lyme disease syndrome in adultpatients. Int J Med Microbiol. 2006; 296 Suppl 40:S11-6.23. Mass.gov [homepage na internet]. Boston: TheMassachusetts Department of Public Health; c2002 [acessoem 2006 Jul 3]. Lyme Disease Public Health Fact Sheet.Disponível em: www.mass.gov/dph24. CDC [homepage na internet]. Atlanta: Centers forDisease Control and Prevention [atualizada em 2007 Oct17; acesso em 2007 Oct 18]. Department of Health andHuman Services. Disponível em: http://www.cdc.gov

Endereço para correspondência:Ivan Maluf JuniorAv. Silva Jardim, 2833 - Apto. 501 - Água VerdeCuritiba, Paraná - CEP: 80240-020

Endereço eletrônico:[email protected]

Ivan Maluf Junior, Mariana Ribas Zahdi, Aguinaldo Bonalumi Filhoe Cristina Rodrigues Cruz Doença de Lyme: diagnóstico e tratamento.

Page 10: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Qualidade de vida e controle da pressãoarterial em pacientes de uma unidadeprimária do município do Rio de Janeiro.

Quality of Life and Blood Pressure Control inPatients of a Primary Care Unit in Rio de Janeiro

Vera Lúcia R. C. Halfoun*Denise S. Mattos**Odaleia B. Aguiar***

RBMFC

Palavras-chave: Qualidade de Vida;Hipertensão; Atenção Primária à Saúde.

Key Words: Quality of life; Hypertension;Primary Health Care.

Rev Bras Med Fam e Com082Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

*Doutora em Medicina, Profª. Adjunta, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.**Mestre em Medicina, Médica do Programa de Atenção Primária à Saúde, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.***Mestre em Nutrição Humana, Nutricionista do PAPS/ Universidade Federal do Rio de Janeiro, Profª. Assistente, Departamento de Nutrição Aplicada doInstituto de Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

Resumo

Estudamos a qualidade de vida (QV) e o controle da pressão arterial (PA) em pacientes hipertensos acompanhadosem dois modelos de atendimento em um Centro Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Foram acompanhados 138pacientes durante um ano, sendo que: 69 pacientes (grupo A), por um modelo multidisciplinar, e 69 (grupo B), por ummodelo centrado no atendimento médico. A QV foi avaliada por questionário padrão (SF-36). Os escores de cadagrupo e a comparação entre as pressões sistólicas (PS) e diastólicas (PD) pré-tratamento e pós-tratamento foram analisadaspelo teste de Mann-Whitney. Foram correlacionados os escores das dimensões do SF-36 com: PA pré-tratamento e pós-tratamento, e as diferenças de pressões pré-tratamento e pós-tratamento ( PS, PD) pelo teste de Spearman (p<0,05exigido). Os escores relacionados à capacidade funcional foram maiores no grupo A do que no B (p=0,01), mas, parasaúde mental, foram menores (p=0,03). Houve queda mais significativa da PS no grupo A (p=0,0001) do que no B(p=0,0003). A PD reduziu-se de forma significativa apenas no grupo A (p=0,0001). Concluímos que os pacientes comhipertensão arterial atendidos pelo modelo interdisciplinar tiveram maior queda dos níveis de pressão arterial, quandocomparados aos atendidos apenas pelos médicos, porém, a relação deste controle com a qualidade de vida não foisatisfatoriamente comprovada.

Abstract

The quality of life (QL) and the blood pressure (BP) control of patients with arterial hypertension followed by two different modelsof health care in a primary care Unit in Rio de Janeiro were studied. A hundred and thirty-eight patients were followed up during 12 monthsin a primary care center. Sixty-nine were assisted in a model using an interdisciplinary approach (group A) and 69 in a model focused on

Page 11: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. AguiarQualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes

de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro

Rev Bras Med Fam e Com083Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

nas áreas de oncologia, reumatologia e psiquiatria forampioneiros na utilização de instrumentos de avaliação de qua-lidade de vida em saúde.

O aumento da expectativa de vida impõe umareflexão sobre a qualidade de vida na população idosa,obrigando a um planejamento de saúde cada vez maisvoltado para o controle e prevenção das doenças crônico-degenerativas em geral.

No Brasil, assim como na população mundial, ahipertensão arterial sistêmica (HAS) tem-se destacado comoafecção crônico-degenerativa mais prevalente e com maiormorbidade e mortalidade. Na cidade do Rio de Janeiroestudos demonstraram uma prevalência de 24,9% para aHAS na população acima de 20 anos4.

Diante dessa realidade, considerando a necessidadede promover um aumento de expectativa de vida associadoa uma melhor qualidade de vida, decidimos propor umprojeto assistencial e multidisciplinar de atendimento aospacientes com HAS, em um Centro Municipal de Saúdeda Cidade (CMS) do Rio de Janeiro. Este modelo, desen-volvido desde 1999 pela equipe do Programa de AtençãoPrimária à Saúde (PAPS) da Faculdade de Medicina daUniversidade Federal do Rio de Janeiro (FM/UFRJ), esta-beleceu-se paralelamente ao modelo institucional adotadopela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Rio de Janeiro.Assim, constituíram-se dois grupos de estudo com o obje-tivo de acompanhar, a princípio, a qualidade de vida dospacientes em cada grupo5.

Foi nossa hipótese que os pacientes acompanhadospor uma equipe interdisciplinar pudessem ter, em relaçãoàs dimensões avaliadas pelo questionário SF-36, melhordesempenho associado e relacionado a uma melhorresposta ao tratamento do que aqueles acompanhados pelomodelo proposto pela SMS/RJ. O atual trabalho refere-sea uma primeira avaliação, após um ano de acompanhamento.

Este projeto foi submetido ao Comitê de Éticaem Pesquisa do Hospital Universitário Clementino FragaFilho do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ, tendoparecer favorável no dia 06 de maio de 1999, sendoregistrado no protocolo de pesquisa número 36/99.

medical consultation (group B). The QL was studied by the short-form health survey (SF-36) questionnaire. The Mann-Whitney testwas applied to compare the scores obtained between groups and thesystolic and diastolic blood pressure pre and post treatment differences( SBP and DBP respectively) in each group. In group A, theSpearman test was used to correlate pre and post treatment BP,?SBP and ?DBP to each QL score (p<0,05 was required). Thefunctional capacity showed statistically the best result in the patientsof group A (p=0,03), but lower scores with regard to mental health(p=0,03). The SBP dropped more significantly in group A than ingroup B (p<0,0001 X p<0,0003). The DBP dropped significantlyonly in group A (p<0,0001) Conclusion: The patients with arterialhypertension assisted in an interdisciplinary health care model showeda better response to treatment than those assisted in a conventionalmodel, however this fact could not be related satisfactorily to a betterQL.

1. IntroduçãoO conceito de qualidade de vida tem sido aplicado

nos campos da sociologia, psicologia, economia, política,educação e saúde. Ware1, ao estudar qualidade de vidaaplicada à saúde, propôs um instrumento envolvendo oscomponentes físico e mental, relacionado à função social,ao desempenho ocupacional e à percepção geral de saúde.

Em 1920, segundoWood-Dauphiness2, a expressãoqualidade de vida foi utilizada pela primeira vez no livroThe Economics of Welfare, por Pigou. No entanto, apenasem 1987 é que este termo foi incorporado pela comunidadecientífica.

Minayo, Hartz e Buss3 consideraram que "qualidadede vida é uma noção eminentemente humana, que tem sidoaproximada ao grau de satisfação encontrado na vidafamiliar, amorosa, social e ambiental e à própria estéticaexistencial".

A partir dos anos 1970, começaram a surgir, emalgumas áreas da Medicina, ensaios clínicos com a preocu-pação de avaliar, além dos aspectos biológicos, as dimen-sões subjetivas que interferem no bem estar do indivíduo,considerando a percepção do próprio paciente. Trabalhos

Page 12: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com084Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

2. Casuística e MétodoO modelo inicialmente proposto, no âmbito da

assistência interdisciplinar, foi iniciado pela captação dopaciente que procura o CMS para atendimento em qualquerespecialidade. Uma triagem foi realizada com avaliação defatores de risco para hipertensão arterial em todos ospacientes na porta de entrada, sendo a pressão arterialverificada por pessoal capacitado após treinamento. Osindivíduos que apresentavam medida de pressão arterialacima dos limites preconizados pelo Programa Nacionalde Controle da Hipertensão Arterial (PNCHA) foramselecionados para a segunda verificação da pressão em umprazo de sete dias6. Os que permaneciam com níveis acimados preconizados foram inscritos no programa dehipertensão arterial doCMS.De forma alternada, os pacientesforam encaminhados para atendimento no presente projeto(grupo A) ou no ambulatório de clínica médica do CMS(grupo B), não sendo permitida a migração de doentesque já se encontravam em acompanhamento na unidadede saúde.

Constituíram nossa casuística os pacientes quepreencheram os critérios de inclusão nos programas dehipertensão arterial de acordo com as normas da SMS doRio de Janeiro, que são moradores e/ou trabalhadores daárea de planejamento do CMS e que assinaram o termo deconsentimento livre e por escrito.

Os critérios de inclusão no Programa deHipertensãoArterial foram ser adulto, morador, trabalhador ouestudante da área programática do CMS, com níveis depressão sistólica > 140 mmHg e/ou diastólica > 90 mmHgem duas aferições em datas diferentes ou com diagnósticoprévio de HAS em uso de medicação anti-hipertensiva.

O modelo proposto para estudo consiste noatendimento mensal ao paciente hipertenso por equipesinterdisciplinares formadas por ummédico, um nutricionistae um enfermeiro, em sistema de rodízio, e de um profissionalde dança, com atividade semanal. Todos atendem de formaintegral os pacientes, ou seja, analisam suas queixas, verificama pressão arterial e exames complementares, avaliam efeitoscolaterais do tratamento e prescrevem as receitas e orienta-

ções gerais. O médico é responsável pelo primeiro atendi-mento, pelo diagnóstico, pela orientação terapêutica e peloscuidados gerais.O segundo atendimento cabe ao nutricionista,que, além do atendimento integral, orienta o controledietético. O enfermeiro, na terceira consulta do paciente,promove as atividades educacionais e de cuidados gerais.O atendimento se faz em salas contíguas, favorecendo ocontato mais próximo entre os profissionais, a troca deexperiências nos casos de dúvidas ou mudança de condutae uma maior participação do doente no seu tratamento.Foram incluídos no atual estudo todos os indivíduos emacompanhamento nomodelo proposto, na época da aplica-ção do questionário, constituindo o grupo A.

Os profissionais do CMS fazem o atendimentona forma preconizada pela SMS do Rio de Janeiro pormeio de consultas médicas e encaminhamento ocasional ànutrição por decisão do médico. O setor de enfermagemorganiza grupos de atendimento coletivo, dirigidos aospacientes inscritos nos programas. O número máximo depacientes atendidos por turno de 4 horas é de 16 pacientes.Uma amostra, escolhida ao acaso na sala de espera,constituiu o grupo B, excluindo-se aqueles em tratamentopormais de um ano. Esta amostra foi escolhida comobjetivode poder ser comparada ao grupo-alvo, não havendo apreocupação de torná-la representativa dos pacientesatendidos no CMS ou da população do Rio de Janeiro.

Ambos os grupos foram orientados quanto à tera-pêutica medicamentosa, disponível na rede de saúde edistribuída gratuitamente. Os critérios de referência e contra-referência também foram idênticos.

Além do atendimento ambulatorial, foi oferecidaaos pacientes de ambos os grupos uma atividade físicasemanal, que visava à motivação para a prática de exercíciosfísicos e à valorização da corporeidade. Esta atividade foidesenvolvida pelos professores do Departamento de ArteCorporal da Escola de Educação Física e Desporto daUFRJ, sendo denominada �Movimento e Saúde�.

Foram coletadas informações, em fichas próprias,contendo a idade, o sexo, a naturalidade e a escolaridade.Dados sobre complicações (consideradas como evidências

Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. AguiarQualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes

de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro

Page 13: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com085Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

clínicas de doença cardiovascular e/ou alteraçõeseletrocardiográficas) e presença de co-morbidades tambémforam levantados nos prontuários.

Em nosso trabalho, optamos pela utilização doShort Form Health Survey (SF-36), questionário genéricocriado por Ware e Sherbourne7 em 1992 e Ware ecolaboradores8 em 1993, a partir do Medical OutcomesStudy (MOS) norte-americano, para avaliar estado de saúde.O SF-36, traduzido e validado para o português porCiconelli9, é um instrumento de verificação de característicagenérica, ou seja, pode ser utilizado em qualquer situaçãode agravo à saúde. Prevê escores de 0 a 100 para cadadimensão.

O questionário de qualidade de vida SF36 foiaplicado na sala de espera dos consultórios aos pacientesdos grupos A e B que aceitaram participar do presenteestudo por meio da assinatura no formulário deconsentimento informado livre e esclarecido paraparticipação em pesquisa clínica, de acordo com asorientações da Comissão de Ética da UFRJ.

As dimensões do SF-36 têm por objetivo avaliaroito aspectos:1- Dor - avalia a presença, a extensão e a limitaçãoprovocadas pela dor.2- A capacidade funcional - avalia o desempenho físico,considerando a presença e a extensão das limitações emdiversos tipos de atividades físicas em uma escala de respostade três níveis.3- O aspecto físico - avalia as dificuldades, na realizaçãodo trabalho e nas atividades diárias, decorrentes dosproblemas de saúde.4- O estado geral de saúde - reflete a avaliação do pacientesobre sua saúde e suas perspectivas sobre ela.5- Aspectos sociais - avalia a influência da doença naintegração social do indivíduo, considerando os aspectosfísicos e emocionais.6- Aspectos emocionais - avalia as dificuldades relacionadasao trabalho ou outras atividades diárias decorrentes deproblemas emocionais.7- Saúde mental - é um índice do humor em geral e avalia

Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. AguiarQualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes

de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro

as quatro maiores dimensões da saúde mental: ansiedade,depressão, perda do controle emocional, distúrbios docomportamento e bem-estar psicológico.8- Vitalidade - avalia o nível de disposição e de fadiga.

Os pacientes dos dois grupos responderam aoquestionário por entrevista realizada por profissionalcontratado e treinado exclusivamente para este fim, e quenão pertencia às equipes de assistência. A opção peloentrevistador, e não pela forma auto-aplicada doquestionário, foi feita tendo em vista a possibilidade daexistência de analfabetos no universo estudado.

O controle da pressão arterial foi avaliadocomparando-se os níveis registrados pré-tratamento(consulta 1) e pós-tratamento (última consulta do primeiroano de acompanhamento), pelo teste de Mann Whitney.

Foi realizada uma análise para avaliar a qualidadede vida pelos escores do SF-36, para as comparações entreos dois grupos, pelo teste de Mann Whitney.

Foram também feitos testes de correlação deSpearman entre as pressões pré-tratamento, pós-tratamentoe as diferenças entre elas ( PS e PD), comparando cadauma delas com os escores de desempenho de cadadimensão do questionário SF-36. O nível de significânciamínimo adotado foi de 5% para toda a análise estatística.

3. ResultadosA tabela 1 ilustra os dados sociodemográficos das

populações estudadas, homogêneas em relação ao sexo, àidade, à escolaridade e à naturalidade. A presença decomplicações da hipertensão e de co-morbidades estáilustrada na tabela 2. Embora em maior freqüência nogrupo A do que no B, as diferenças entre complicaçõesencontradas não foi significativa, mesmo excluindo-seaquelas que evoluem sem sintomas. As co-morbidadesocorreram em número maior no grupo A. A diferençanão foi significativa, porém mostrou uma tendência comvalor de p=0,06.

A tabela 3 mostra que os níveis de pressões, tantosistólicas quanto diastólicas, pré-tratamento, foramsignificativamente mais altos no grupo A, e não diferiram

Page 14: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com086Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

entre os grupos após o tratamento.No entanto, houve quedade níveis tensionais apenas no grupo A, refletindo umareposta clínica, o que não ocorreu no grupo B - neste nãohouve modificação importante na resposta ao tratamento.

Na tabela 4, houve melhores resultados no grupoA em todas as dimensões referentes ao componente físicodo questionário de qualidade de vida, mas a diferença foisignificativa apenas para a capacidade funcional. Em relação

ao componente mental, houve melhor desempenho dasdimensões do SF-36 que avaliaram aspectos emocionais evitalidade no grupo A e saúde mental e aspectos sociais nogrupo B, sendo a diferença significativa para a saúdemental.

No grupo A, não houve correlação importante entreos escores de qualidade de vida, as pressões arteriais pré-tratamento e pós-tratamento e o grau de resposta ao tratamento(tabela 5).

Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. AguiarQualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes

de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro

Tabela 2: Complicações e co-morbidades mais encontradas

* Pacientes com achados eletrocardiográficos não necessariamente conseqüentes à H.A. ** Achados clínicos:Grupo A: � não comprometiam a qualidade de vida: leucopenia, hepatomegalia, hipertrofia benigna dapróstata � total de 3 casos�; � comprometiam a qualidade de vida: dengue, erisipela, tricomoníase vaginale labirintite � 5 casos �; surdez, insônia, bronquite crônica; � 3 casos. Grupo B: � não comprometiam aqualidade de vida: hepatite B e histerectomia - 2 casos -; � comprometiam a qualidade de vida: claudicaçãointermitente, catarata, glaucoma, doença de Chron, bronquite crônica - 5 casos -; � labirintite � 1 caso.

Tabela 1: Características demográficas dos pacientes

*Resultados expressos em números absolutos; p>0,05 para todas as comparações.1º, 2º, 3º graus: foram considerados os graus completos ou incompletos.

Page 15: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com087Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. AguiarQualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes

de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro

Tabela 3: Resposta clínica ao tratamento:

Resultados expressos em mm Hg; os valores de p referem-se às comparações entre os grupos A e B.

Tabela 4: Medianas dos escores obtidos no questionário de Qualidade de Vida:

Resultados expressos em medianas. Os escores para todas as variáveis podem ser de 0 a 100. Quanto maior o escore obtidopara a variável, melhor o desempenho.

4. DiscussãoNas últimas décadas, os resultados da atenção à

saúde têm sido medidos, valorizando, cada vez mais, a óti-ca do paciente. Os benefícios de tratamentos específicos edos sistemas de assistência à saúde em geral vêm sendoavaliados considerando a extensão da mudança provocadano estado funcional e no bem-estar do indivíduo, à luz desuas necessidades e expectativas.

Em nosso trabalho, aplicamos o questionário dequalidade de vida SF-36 em dois grupos, procurandocompará-los após diferentes modos de intervenção. As va-riáveis sociodemográficas foram semelhantes em ambosos grupos, não interferindo nos achados. No entanto, ape-sar da maior freqüência de pacientes com complicações dahipertensão arterial no grupo A em relação ao B, esta dife-rença não foi significativa, provavelmente não interferindo

na qualidade de vida dos pacientes.Por outro lado, as co-morbidades ocorreram em

freqüência maior no grupo A, provavelmente influencian-do a comparação dos resultados de qualidade de vidaobtidos. Um outro fato importante é que as pressões pré-tratamento dos pacientes do grupo A eram significativa-mente mais altas do que no B. Estes dados, analisados emconjunto, permitem afirmar que os pacientes do grupo Atinham maior comprometimento de sua saúde do que osdo outro grupo, apesar dos critérios randômicos de sele-ção utilizados.

Houve melhor resposta clínica ao tratamento dahipertensão arterial no grupo A, evidenciada pela diferençasignificativa na comparação entre a variação de pressõesobtidas por este grupo, em relação ao grupo B. Esta me-lhor resposta foi obtida a despeito dos maiores agravos

Page 16: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com088Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

existentes nas condições pré-tratamento do grupo A. Ten-do em vista que as condições demográficas entre os gru-pos eram as mesmas, este fato sugere que o modelo deatendimento possa ter tido uma função importante. É ne-cessário ressaltar que o modelo proposto para os pacien-tes do grupo A inclui atendimento com hora marcada,avaliação laboratorial descentralizada, consultas mensaisindividuais, interação direta com a equipe de suporteoperacional e a adesão voluntária dos doentes a um novomodelo de assistência, fatos que podem interferir, ao me-nos em parte, nas respostas obtidas no tratamento da hi-pertensão arterial. Ademais, a satisfação dos usuários nomodelo multidisciplinar proposto foi maior do que no

grupo B10.Considerando a faixa etária dos pacientes de am-

bos os grupos, os escores para QV não foram superioresa 75% em qualquer das dimensões estudadas, o que poderefletir a baixa condição de escolaridade e, conseqüente-mente, de renda e condições de vida em geral. É impor-tante esclarecer que a maioria dos pacientes atendida nosdois grupos residia em duas grandes favelas urbanas pró-ximas ao CMS, submetidas a um estado de violência cons-tante. Esta hipótese é compatível com o achado de escoresmais baixos no componente mental (aspecto social, aspec-to emocional, saúde mental e vitalidade) do que no físico(dor, capacidade funcional, aspecto físico e estado geral de

Tabela 5: Correlações entre qualidade de vida e níveis tensionais:

Teste de correlação de Spearman

Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. AguiarQualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes

de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro

Page 17: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com089Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

saúde) no grupo A. No componente físico, a dimensão dorfoi a que teve menores escores, sendo habitualmente maisinfluenciada pelas condições sociais e emocionais. Causasurpresa o achado de 75% no escore de aspecto social e33% no aspecto emocional encontrado no grupo B, resul-tados discrepantes entre si e com os demais, sem explica-ção que possa justificá-los.

A diferença entre os dois grupos foi estatistica-mente significativa na capacidade funcional, que foi me-lhor no grupo A. Embora a hipertensão arterial evoluacom poucos sintomas, sobretudo em pacientes com grausleves a moderados, como a capacidade funcional é avalia-da no questionário pelos sintomas de cansaço aos esfor-ços, provavelmente ela foi melhor no grupo A pelo me-lhor controle da pressão arterial, que reduz em muito estessintomas. A capacidade funcional do questionário SF-36 éa dimensãomais sensível de pequenos descontroles da pres-são arterial pela taquicardia decorrente de esforços físicosde mínima intensidade. No entanto, não houve correlaçãosignificativa entre os escores de capacidade funcional e osníveis de PS e PD pós-tratamento, assim como com a di-ferença entre ambos.

Em relação ao componente mental (aspectos so-ciais, aspecto emocional, saúde mental e vitalidade), espe-ra-se que a saúde mental e estado emocional sejam afeta-dos, particularmente em estágios avançados de doençasque levem a limitações físicas que provoquem depressão eperda do controle emocional, o que não é a realidade dospacientes estudados. Os resultados foram controversos, jáque houve melhor desempenho da saúde mental no grupoB e do estado emocional no A. A violência urbana na áreade residência dos pacientes pode ter influenciado estes es-cores, porém não justifica as diferenças encontradas na saú-de mental, já que ambos os grupos são da mesma comuni-dade.

Finalmente, é importante questionarmos se o ins-trumento utilizado foi adequado para esclarecimento dahipótese, e ainda se o tempo de acompanhamento dospacientes foi suficiente para este tipo de análise. Seria, por-tanto, de grande interesse a reavaliação destes pacientes em

um tempo mais prolongado, utilizando-se simultaneamen-te um questionário voltado especificamente para avaliaçãode QV de indivíduos com hipertensão arterial.

5. ConclusõesPacientes com hipertensão arterial atendidos pelo

modelo interdisciplinar em uma unidade básica de saúdedurante um ano tiveram maior queda nos níveis de pres-são arterial, quando comparado aos atendidos apenas pe-los médicos; porém, a relação da resposta ao tratamentocom a qualidade de vida não pode ser, satisfatoriamente,comprovada utilizando-se o questionário SF-36.

6. Referências1.Ware JEJr. Standards for validating helth measures:definition and content. J Chron Dis 1987; 40(6):473-480.2.Wood-Dauphinee S. Assessing quality of life in clinicalresearch: from where have we come and where are wegoing? J Clin Epid 1999; 52:355-363.3.Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vidae saúde: um debate necessário. Ciência & Saúde Coletiva2000; 5(1):7-18.4.Klein CH, Silva NA, Nogueira A, Ada R, Bloch KV,Campos LH. Estudo multicêntrico sobre Hipertensão Ar-terial no Brasil. Parte II: prevalência. Cad Saúde Pública1995; 11(3): 389-94.5.Halfoun VLRC, Araujo, MC, Malveira, EAP, GonçalvesMC, Griep RH, Mattos D et al. Custo/efetividade de ummodelo assistencial multidisciplinar nos programas de hi-pertensão arterial e diabetes mellitus em uma unidade desaúde do município do Rio de Janeiro. In: Anais do VICongresso Brasileiro de Saúde Coletiva, Ciência e SaúdeColetiva, 2000; Salvador, Brasil. Rio de Janeiro: ABRASCO;5 (supl): 193, 2000.6.Brasil. Ministério da Saúde. Normas técnicas para o pro-grama nacional de educação e controle da hipertensãoarterial. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 1998.7.Ware JE & Sherbourne CD. The MOS 36-Item Short-Form Helth Survey (SF-36). I. Conceptual framework anditem selection. Med Care 1992; 30, 473-482.

Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. AguiarQualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes

de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro

Page 18: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com090Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

8.Ware JE, SnowKK,KosinskiM,Gandek B . SF-36HealthSurvey. Manual and Interpretation Guide. Ed. The HealthInstitute. New England Med. Center. Boston, Mass. 1993.Nimrod .9.Ciconelli RM. Tradução para o português e avaliação doquestionário genérico de avaliação de qualidade de vida"medial outcome study 36-item short-form health survey(SF36)". [Tese de Doutorado], São Paulo, Escola Paulistade Medicina, Universidade Federal de São Paulo, 1997.10.Halfoun VLRC, Curvello MSC, Aguiar OB, Mattos D.A satisfação do usuário em dois modelos de atendimentono programa de hipertensão arterial em uma unidade doMunicípio do Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Coletiva13(3): 617-630, 2005.

Trabalho realizado pelo Programa de Atenção Pri-mária à Saúde da Faculdade de Medicina da UFRJ. Fontede auxílio: Fundação Universitária José Bonifácio/ UFRJ.

Endereço para correspondência:Programa de Atenção Primária à Saúde / FM-UFRJRua Laura de Araújo, 36 � 2o andarCidade Nova � Rio de JaneiroCEP: 20211-170

Endereço eletrônico:[email protected]

Vera Lúcia R. C. Halfoun, Denise S. Mattos e Odaleia B. AguiarQualidade de vida e controle da pressão arterial em pacientes

de uma unidade primária do município do Rio de Janeiro

Page 19: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com091Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Custo-efetividade: comparação entre o modelo�tradicional� e o Programa de Saúde da Família.

Cost-effectiveness analysis: comparison of traditionalprimary health care delivery and the Family Health Program.

JaniceDornelles de Castro*Vanessa da Rocha**MarciaMarinho***Silvia Pinto****

RBMFC

Palavras-chave: Custos de Cuidados deSaúde; Economia da Saúde; CuidadosPrimários de Saúde.

Key Words: Health Care Cost; Health Economics;Primay Health Care.

Resumo

Este é um estudo de custo-efetividade da provisão da Atenção Básica por meio de duas alternativas de modelosde Atenção Básica � o modelo �tradicional� e o Programa de Saúde da Família. Em um primeiro momento, é feita adiscussão teórica sobre avaliação econômica, explicitando toda a sua complexidade e, em um segundo, é realizado umestudo de caso no município de Porto Alegre. Os dados demonstram que o Programa de Saúde da Família foi maiscusto-efetivo.

Abstract

This study analyses the cost-effectiveness of primary health care on the basis of two alternative models of health care delivery - the�traditional� model and the Family Health Program of the Unified Health System. Firstly we make a theoretical approach to healtheconomics assessment in all its complexity, and then we carry out a cost-effectiveness analysis based on a case study in the city of Porto Alegre.The data showed the Family Health Program to be more cost effective.

*Economista, Mestre Health Planning and Financing � London Scholl of Economics, Doutora em Saúde Coletiva - UNICAMPI; Professora da Faculdadede Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.**Administradora hospitalar, UNISINOS, Brasil.***Mestre em Administração (UFRGS), analista de Sistemas, Datasus, Ministério da Saúde, Brasília, Distrito Federal, Brasil.

Page 20: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com092Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

1. IntroduçãoA implantação do Sistema Único de Saúde (SUS)

criou a necessidade de reorganização dos serviços de saú-de. Neste contexto, o principal desafio, principalmente paraos municípios, tem sido a garantia dos princípios básicosda universalidade, da integralidade e da eqüidade. O au-mento de custos do sistema � conseqüência tanto do aumen-to e envelhecimento da população coberta, como de inova-ções tecnológicas � criou a necessidade da realização de ava-liações dos serviços, com o objetivo de melhor utilizar osrecursos escassos. Ou seja, é necessário priorizar o uso dosrecursos, buscando não reduzir a oferta e a qualidade dosserviços, e é nesta medida que os estudos de avaliação eco-nômica são importantes, pois colocam à disposição doplanejamento os instrumentos necessários para o estabele-cimento dessas prioridades.

Este trabalho se propõe a fazer uma avaliação dedois modelos de Atenção Básica � aquele que chamamos de�tradicional� e o Programa de Saúde da Família �, com ointuito de verificar os custos e a efetividade em cada um deles.

2. A avaliação econômicaPara Drumond & Stoddart1, a visão dos econo-

mistas sobre a avaliação de custos dos programas de saú-de não deve ser apenas aquela dos gastos realizados, mas ado potencial benefício que irão produzir para a sociedade.No entanto, para realizar as avaliações econômicas é inevi-tável que se trabalhe com a noção de custos de oportuni-dade, ou do sacrifício, ou escolha entre diferentes alternati-vas. A noção de custo de oportunidade decorre de umaquestão fundamental para a economia: o problema eco-nômico fundamental, ou seja, as necessidades humanas sãoilimitadas e os recursos disponíveis são escassos, nesta me-dida é necessário fazer escolhas sobre o que, para quem,como e quanto produzir. Para tentar responder a essasquestões os economistas utilizam a avaliação econômica.

A discussão teórica encontrada na literatura sobreeste tema é bastante ambígua, especialmente quando deba-tem o significado dos diferentes tipos de avaliação econô-mica: custo-benefício (ACB), custo-utilidade (ACU), cus-

to-efetividade (ACE) e custo-mínimo (ACM). Drumond& Stoddart, em seu artigo Principles of economic evaluationof healh programmes1, colocam pontos importantes quedevem ser considerados, ao proporem estes tipos de estu-dos, sugestão corroborada por inúmeros autores2,3,4,5,6,7.

O primeiro ponto levantado diz que uma avalia-ção econômica sempre é uma comparação entre mais deuma alternativa de possibilidades de ação � não se esque-cendo de que uma das alternativas pode ser �o não fazernada�. Os estudos em que não são realizadas as compara-ções, não são de avaliação econômica e podem ser chama-dos de descrição de custos ou de descrição de resultados.

O segundo ponto é o estabelecimento, tecnicamen-te, da efetividade dos programas ou ações que estão sendoavaliados, uma vez que a falta das evidências clínicas deefetividade afetam a avaliação econômica. No entanto, sa-bemos que, quando os programas ou as ações possuemobjetivos amplos, caso damaioria das intervenções de saúdepública, o estudo fica mais complexo. Para Mills4, o esta-belecimento da efetividade pode ser feito por meio deensaios clínicos controlados, no entanto, afirma que estetipo de estudo é muito caro, e muitas vezes os resultadossão inconclusivos, pois é muito difícil estabelecer a relaçãoentre as atividades de saúde e suas conseqüências. Portanto,sugere que sejam utilizadas como medidas de efetividade:(a) mudanças nas taxas de prevalência ou incidência, numadeterminada população, em um dado período de tempo,analisando antes e após a intervenção avaliada; (b) defini-ção da efetividade de uma intervenção obtida por consen-so dos profissionais após a utilização método Delphi; (c)revisão das evidências de efetividade por meio de publica-ções.

Outro ponto levantado é a necessidade de identifi-cação de todos os custos e conseqüências importantes parao estudo. Devem ser considerados os custos diretos � re-presentados pelo custo de organizar e operar o sistema desaúde e pelas despesas que os pacientes e suas famílias tive-rem com o tratamento �, assim como os custos indiretos,que são relativos ao tempo de trabalho perdido e os cus-tos físicos, resultantes do sofrimento causado pelo trata-

Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia PintoCusto-efetividade: comparação entre o modelo �tradicional�

e o Programa de Saúde da Família.

Page 21: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com093Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

mento. Por fim, devem-se considerar os custos produzi-dos fora do sistema de saúde, como restrições criadas pe-los governos à produção de medicamentos.

Em relação às conseqüências, devem ser conside-radas as mudanças físicas, emocionais ou de funcionamen-to que resultem em poupança de recursos para o sistema epara os pacientes e suas famílias, assim como a diminuiçãono tempo de trabalho perdido, e, por fim, as mudançaspositivas na qualidade de vida dos pacientes e suas famíli-as1. ParaMills3, poucos estudos em países do terceiromundolevam em consideração as conseqüências emocionais e so-ciais da doença ou as mudanças na qualidade de vida dospacientes e suas famílias, no entanto, existem muitos estu-dos sobre as conseqüências em relação às mudanças físicas.

Além dos pontos discutidos acima, os autores1 suge-rem que devem ser utilizadas unidades de medidas de custose conseqüências de forma apropriada � por exemplo, se umaação é parte de uma atividade maior, como atribuir a propor-ção correta dos custos e conseqüências a ela?

SegundoMills3, o maior problema no terceiro mun-do é a inexistência rotineira de informações, tanto de custos,quanto de efetividade que sejam confiáveis, especialmente asinformações sobre os efeitos ou impacto das ações de saú-de. Sendo assim, sugere que sejam utilizadas as medidas deprocesso ou intermediárias, como número de pacientes tra-tados, número de vacinas realizadas. Mas é preciso não es-quecer que assumir medidas de utilização, enquantomedidasde efeitos, pode provocar distorções no estudo.

Os autores Drumond & Stoddart1 também suge-rem que se devem utilizar medidas adequadas de valoraçãode custos e conseqüências. Por exemplo, para avaliar oscustos diretos de uma ação de saúde, poderia ser usado ospreços de mercado desta ação, que, nas economias desen-volvidas, corresponderá aproximadamente aos custos deprodução. Mas isso não ocorre nos países subdesenvolvi-dos por inúmeras razões, tais como a existência de tarifas,impostos e subsídios, assim como as altas taxas de desem-prego e subemprego que afetam os preços dos bens eserviços domésticos, em relação aos preços internacionais3.A sugestão é ajustar os preços para os do mercado inter-

nacional, criando preços novos, que são chamados de pre-ços-sombra.

Outro ponto levantado refere-se ao fato que cadatipo de avaliação econômica irá considerar as conseqüênci-as de diferentes formas. Na forma mais simples de estudo,chamada de análise de custos, espera-se, ou se assume, combase em alguma evidência (estudos anteriores que confir-mem a efetividade clínica das diferentes ações), que as con-seqüências ou os benefícios serão iguais; por isso, são con-siderados apenas os custos das diferentes alternativas deação. No entanto, é importante observar que este é umtipo de avaliação econômica incompleta1,2,3,5,6,7.

Existem outras três formas de avaliação econô-mica completa, ou seja, aquelas que comparam custos eresultados, e que têm em comum o fato de que os custossão expressos em unidades monetárias e os benéficos emunidades de conseqüência. Essas análises são comumenteclassificadas sob o genérico título de análises de custo-efetividade1, no entanto, existem algumas diferenças im-portantes entre elas.

O tipo mais simples é chamado de análise de cus-to-mínimo, neste caso, as conseqüências dos diferentes ti-pos de ações são avaliadas por estudos clínicos controla-dos, não são assumidos como dados, e, normalmente, aavaliação econômica é realizada ao mesmo tempo. Se osresultados forem equivalentes para todas as conseqüências,então se realiza a análise de custos. No entanto, é incomumque existam, pelo menos, dois tipos de intervenção quepossuam exatamente as mesmas conseqüências1,8.

Outro tipo são os estudos de custo-efetividade pro-priamente1,2,3,5,7,8,9, cuja característica é ter, pelo menos, umadimensão importante das conseqüências dos diferentes ti-pos de ação em que a comparação pode ser feita. A exten-são da vida é uma conseqüência importante, assim as dife-rentes alternativas de ação podem ser medidas pelo �custopor ano de vida ganho�, por exemplo. Em alguns casos, éaceitável a utilização de medidas de resultado intermediári-as, ou de processo, como são mais conhecidas, como o�número de casos diagnosticados corretamente�, pois épossível inferir a relação entre esta conseqüência com os

Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia PintoCusto-efetividade: comparação entre o modelo �tradicional�

e o Programa de Saúde da Família.

Page 22: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com094Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

benefícios ou resultados de impacto, para o paciente1,3,7,8.Podemos dizer que o custo-efetividade procura

avaliar se os objetivos foram alcançados de forma eficientee eficaz. Um projeto pode ser eficiente quando opera comcustos mínimos; por outro lado, ele pode não ser eficaz,pois não atinge aqueles grupos selecionados inicialmente.Sendo assim, é preciso medir a eficácia para conhecer o seuimpacto no grupo selecionado, e, neste caso, os custos serãoexpressos em unidades monetárias e a efetividade, pelo nú-mero de ��vidas salvas� ou qualquer outro objetivo relevan-te� alcançado1,3,7,8.

Uma característica importante da análise de custo-efetividade é a possibilidade de hierarquizar as diferentesopções de ações para se alcançar os objetivos do projeto,analisando os custos de cada uma para obter uma unidadede produto. Na análise de custo-efetividade, os objetivosdo projeto não são avaliados, pois são consideradas ques-tões do campo político, �são os fins procurados pela soci-edade e expressos por aqueles que assumem sua represen-tação�1 e, portanto, estão dados.

Sendo assim, estabelecidos determinados objeti-vos para um projeto social, a análise de custo-efetividadebusca avaliar as diferentes alternativas possíveis para alcançá-los, que devem ser comparáveis entre si, e, nesta medida, éfundamental que as alternativas tenham a mesma popula-ção-alvo.

Cohen e Franco7 afirmam que as análises de cus-to-efetividade são vinculadas à eficiência operacional, e, nestecaso, são avaliações de processo, e não de impacto, bastan-do selecionar a alternativa que minimiza os custos, pois osobjetivos finais do projeto e a unidade de produto se con-fundem. Esta discussão traz à tona duas questões impor-tantes: (a) a maioria dos projetos sociais possui múltiplosobjetivos e existem fatores externos à eficiência operacionalque podem afetar o seu alcance; (b) os objetivos são deter-minados politicamente, e pressupõe-se que tenham sidobem selecionados.

Sobre este tema, Mills. & Gilson8 afirmam que,normalmente, os programas de Atenção Primária em Saú-de, possuem objetivos amplos e com efeitos que não po-

derão ser medidos por apenas uma unidade de efeito. Parasuperar este problema podem ser usadas unidades de re-sultado intermediário ou de processo, como número decrianças imunizadas ou proporção de mulheres grávidasque tiveram acesso a consultas de pré-natal. Essas medidassão de acesso, cobertura e de realização de metas, e issopoderá avaliar a capacidade do programa de saúde, au-mentar a provisão dos serviços. Não informarão se esteprograma é a melhor escolha, mas a melhor maneira deprestar um serviço que foi anteriormente escolhido comoadequado8.

O terceiro e último tipo de estudo em que os cus-tos são expressos em unidades monetárias e os benéficosem unidades de conseqüência são as análises de custo-utili-dade considera a qualidade ou utilidade �por ano de vidaganho� após a intervenção e leva em consideração amorbidade associada à extensão da vida. As alternativas deação são comparadas em termos de custo por qualidade-ajustada por ano de vida, mais conhecida por QALYS1,3,7,8.

Por fim, existe outro tipo de estudo de avaliaçãoeconômica em que os custos e conseqüências são expres-sos em unidades monetárias, são os estudos de custo-be-nefício, que permitem comparar diferentes alternativas quepossuam diferentes objetivos, como, por exemplo, pro-gramas da área da saúde com programas da área de trans-portes.

No entanto, é difícil atribuir um valor monetárioàs conseqüências de um programa de saúde; por isso, autilização deste método fica restrita. Serve aos estudos emque pode ser atribuído, facilmente, um valor monetário àsconseqüências, como, por exemplo, o aumento da produ-tividade ou a volta ao trabalho decorrente da cura de umpaciente, ou, ainda, o aumento do período de vida produ-tiva, e, também, os estudos em que se avalia a poupançapara o sistema de saúde decorrente da cura ou melhoranas condições de saúde do paciente1,7,8.

A avaliação social de projetos ou atividades emseu sentido mais amplo pretende medir o impacto do pro-jeto sobre o nível de bem-estar socioeconômico do país1.A eficiência é uma relação entre os produtos e seus custos;

Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia PintoCusto-efetividade: comparação entre o modelo �tradicional�

e o Programa de Saúde da Família.

Page 23: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com095Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

no entanto, os projetos, tanto econômicos como sociais,são extremamente complexos, pois buscam alcançar maisde um objetivo, por meio da execução de inúmeras ativi-dades que consomem diversos tipos de insumos, e todasessas questões devem ser levadas em consideração no mo-mento da avaliação da eficiência de um projeto. A discus-são teórica metodológica sobre a avaliação econômica,especialmente na área da saúde, ainda tem muitos cami-nhos a percorrer. Esperamos, aqui, contribuir para a me-lhor compreensão do significado e da importância destesestudos.

3. Indicadores de efetividadePara a avaliação da efetividade é necessário definir

os indicadores que vão medir o sucesso dos objetivos. Osindicadores devem ser confiáveis, ou seja, diferentes avali-adores devem poder obter os mesmos resultados e de-vem medir precisamente aquilo que se deseja � preferenci-almente, devem medir mudanças específicas que possamser atribuídas ao projeto, e não a outras variáveis1,10.

Alguns indicadores têm sido muito utilizados naárea da saúde e formam algumas grandes categorias, taiscomo: os indicadores de oferta, de acesso e utilização deserviços de saúde, de qualidade da atenção, da situação dasaúde e das condições de saúde, e, ainda, os de financia-mento. Para cada uma dessas grandes categorias, podemser utilizados diferentes indicadores11. Neste estudo traba-lhamos com três categorias de indicadores: oferta, qualida-de e acesso/utilização.

4. O sistema de cálculo dos custosExistem diferentes formas de calcular os custos

das atividades10: são os sistemas de custeio total e parcial,por absorção ou tradicional, o variável ou direto ou mar-ginal, por atividade, por taxas, por procedimento, por pa-tologia ou ainda o custo padrão. O sistema de custeio porabsorção é considerado um sistema de custeio integral, poisele apropria todos os custos incorridos para a produçãode um bem ou serviço; ou seja, considera os custos dire-tos, indiretos, fixos e variáveis, sem considerar, no entanto,

os custos para os pacientes. A primeira condição para autilização deste sistema de custeio é a setorização ou divi-sãoda instituiçãoemcentrosdecustosquedevemcorresponderao conjunto de atividades necessárias para que ocorra a pro-dução do bem ou serviço que está sendo avaliado. Os cen-tros de custos expressam a despesa e a sua relação com obem ou serviço que está sendo avaliado; por isso, são clas-sificados como diretos ou produtivos aqueles que possu-em uma relação direta com a produção do bem ou servi-ço, e como indiretos, administrativos ou de apoio aquelesque realizam despesas para a produção do bem e serviçoanalisado, mas também para a produção de outros bens eserviços. Os custos indiretos devem ser rateados com baseno plano de centros de custos da instituição, assim os cus-tos dos centros de custos de apoio e administrativos serãorateados entre todos os centros de custos, utilizando crité-rios arbitrários e apropriados ao custo final do produtoou serviço. A principal desvantagem deste sistema é a rea-lização dos rateios usando critérios arbitrários, o que podeimplicar na avaliação incorreta dos custos finais12,13.

Escolhemos esta metodologia, pois sabemos queos custos indiretos não são a parcela mais importante doscustos para a Atenção Básica da saúde em Porto Alegre, oque foi constatado em estudos anteriores10,14. Além disso,existe a facilidade de adaptar o formato de centros de cus-tos à estrutura do orçamento da Secretaria Municipal deSaúde de Porto Alegre, o que simplifica a coleta das infor-mações.

5. Objetivo geralFazer uma análise de custo-efetividade da Aten-

ção Básica, comparando duas alternativas de provisão deserviços de Atenção Básica � modelo �tradicional� e Pro-grama de Saúde da Família � a partir do estudo de caso deduas unidades de Atenção Básica de saúde em Porto Ale-gre, no ano de 2002.

6. Aspectos metodológicosOs estudos de custo-efetividade são mais adequa-

dos para comparar duas políticas que buscam o mesmo

Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia PintoCusto-efetividade: comparação entre o modelo �tradicional�

e o Programa de Saúde da Família.

Page 24: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com096Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

objetivo, analisandoos custos das diferentes alternativas; nestecaso, o objetivo é a provisão de serviços de Atenção Básicae as alternativas são os dois modelos de Atenção Básica:Programa de Saúde da Família (PSF) e tradicional. Qualdeles será o mais custo-efetivo? Qual deveria ser escolhidopor ser capaz de atingir o objetivo a um menor custo1,7,10,15?

Este estudo de caso pretende responder a essas ques-tões, avaliando duas unidades básicas, uma do PSF e outra domodelo tradicional, em Porto Alegre, no ano de 2002.

Os serviços públicos de saúde do município estãodivididos em duas áreas principais: a vigilância da saúde e aassistência à saúde, que abriga os serviços de atençãoambulatorial básica, em que estão vinculadas as unidadesde saúde e as unidades do Programa de Saúde da Família.

A cidade está dividida em distritos de saúde, cadaqual com uma gerência responsável pela organização dosserviços na região. As unidades básicas de saúde devem sera porta de entrada no sistema. Nas unidades, com modelode atenção que estamos chamando de tradicional, são ofe-recidos os serviços de uma equipe multidisciplinar com-posta por médicos (clínico geral, ginecologista e pediatra),enfermeiros, auxiliares de enfermagem e nutricionistas. E,nas unidades de saúde do PSF, a equipe é composta pormédico generalista, enfermeiros, auxiliares de enfermageme agentes comunitários. Além disso, é definida a área deabrangência, e as famílias da região são cadastradas. O tipode atenção à saúde prestado nas duas formas de organiza-ção das unidades básicas são similares10.

Para o levantamento dos dados de custos foi utili-zada a metodologia de apropriação de custos por absor-ção10,12,14 adaptada para este estudo. Os dados de despesacom Serviços de Terceiros foram obtidos na execuçãoorçamentária, e, então, foi calculado o rateio, com base nonúmero de funcionários, para cada centro de custos. Ogasto com material de consumo foi obtido nos relatóriosdo Almoxarifado, considerando os itens entregues em cadaunidade de saúde, e os dados com despesas de pessoalforam obtidos no setor de recursos humanos, não haven-do necessidade de realizar rateios para esses itens.

Foram estudados os diferentes indicadores de

efetividade das políticas públicas 7,11,15,16 e selecionados aque-les que poderiammelhor demonstrar a efetividade dos doismodelos de atenção. Como indicador de oferta usamos ototal de atendimentos (procedimentos e consultas médi-cas) per capita; como indicador da qualidade da atençãofoi utilizado o total de atendimentos pré-natal por gestantee, enquanto indicador de acesso/utilização dos serviços,usamos a cobertura vacinal1,3,7,8.

O período definido para este estudo foi do anode 2002 e a escolha das duas unidades básicas foi feitapelos pesquisadores em conjunto com a equipe da Secre-taria Municipal de Saúde, usando como critério a seme-lhança nas suas características.

7. ResultadosA população das duas unidades eram bastante pa-

recida em termos numéricos (7.062 e 7.093 pessoas), assimcomo as características epidemiológicas e socioeconômicas.Além disso, as unidades selecionadas prestavam o mesmotipo de assistência à população: atenção básica. No entanto,em relação à composição de suas equipes, elas diferiam umpouco, uma delas, a unidade do PSF, trabalhava com doismédicos, dois enfermeiros, quatro auxiliares de enferma-gem, oito agentes comunitários e um estagiário; a outra, aunidade tradicional, possuia na sua equipe: cinco médicos,um enfermeiro, seis técnicos de enfermagem.

Observamos que, para o PSF, o custo total foi de733.170,43 reais e, para a unidade tradicional, foi de852.046,06 reais. O custo per capita foi de 103,82 reais e120,12 reais, respectivamente (Tabela 1).

Podemos observar que o PSF apresentava os cus-tos menores nas categorias analisadas. Os custos diretoseram menores: essa não é uma surpresa, pois a maior par-cela dos custos diretos é representada pelos custos de pes-soal, e, apesar de no PSF os salários serem maiores, a uni-dade tradicional possui um número de trabalhadores mui-to maior. Mas será que esses trabalhadores conseguem terum trabalho de melhor qualidade e em maior quantidade?

Para avaliar a efetividade dos modelos de atençãoutilizamos indicadores de oferta, de qualidade e de acesso

Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia PintoCusto-efetividade: comparação entre o modelo �tradicional�

e o Programa de Saúde da Família.

Page 25: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com097Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia PintoCusto-efetividade: comparação entre o modelo �tradicional�

e o Programa de Saúde da Família.

Tabela 1: Custos das unidades básicas de saúde: USF e UBS - Porto Alegre 2002:

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, 2002.

ou utilização. Na tabela 2 apresentamos os dados para aanálise do custo-efetividade dos dois modelos de atençãobásica.

Os dados desta tabela nos informam que o indicadorde oferta, usando o �total de atendimentos (procedimentos e

consultas médicas) per capita� é maior para o PSF, ou seja,foram feitos 3,75 atendimentos per capita no ano, enquan-to que, para a unidade tradicional, foram realizados 2,3atendimentos per capita no ano. Com relação ao indicadorde qualidade, usando o �atendimento pré-natal por ges-tante�, ocorre o mesmo, o PSF registra um número maiorque a unidade tradicional. São 33,5 atendimentos por ges-tantes contra 20,5. Por fim, analisamos o indicador de aces-so/utilização, usando a �cobertura vacinal�. Neste caso, o

Tabela 2: Comparação de indicadores de efetividade e do custo per capta, USF e UBS - Porto Alegre, 2002:

Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, 2002.

indicador é maior para a unidade tradicional para todas asvacinas, exceto a tetravalente. Devemos ainda considerarque o custo total per capita do PSF foi de 103,82 reais aoano e, para a unidade tradicional, foi de 120, 12 reais aoano.

Sendo assim, podemos afirmar com base nesteestudo que o modelo de atenção do PSF foi mais custo-efetivo, ou seja, a um custo menor, realizou um númeromaior de atividades, e com maior qualidade destes atendi-mentos, tanto quando observamos do ponto de vista doindicador de oferta, quanto do indicador de qualidade.Apenas em relação ao acesso e utilização os dois modelostêm comportamento semelhante.

Page 26: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com098Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

8. ConclusõesOs resultados parecem indicar que o modelo de

atenção do Programa da Saúde da Família está garantindoa prestação de serviços commenor custo emaior efetividade.No entanto, esses são resultados de uma pesquisa piloto,que avaliou apenas duas unidades, durante um ano, e utili-zou três indicadores de efetividade.

Sabemos que, dentre os custos da atenção básicaem Porto Alegre10,14, os custos com Pessoal representamos maiores gastos. Também sabemos que os salários dosprofissionais do PSF são maiores que dos profissionais daunidade tradicional � nesse sentido, era de se esperar queos custos do PSF fossem mais elevados. No entanto, essefator é compensado pelo maior número de profissionaisna unidade tradicional, que, mesmo assim, realizaram umnúmero menor de atendimentos per capita e também umnúmero menor de atendimentos pré-natal por gestante,apenas em relação à cobertura vacinal o comportamentofoi similar para os dois modelos estudados.

9. Referências1. Drumond MF, Stoddart GL. Principles of economicevaluation of health programmes. Wid hith statist quart.1985;38:355-367.2. Green A, Barker C. Priority setting and economicappraisal: whose priorities - the community or theeconomist? Soc Sci Med. 1988;26(9):919-929.3. Mills A. Economic evaluation of health programmes:application of the principles in developing countries. Widhith statist quart. 1985;38:368-381.4. Mills A. Survey and examples of economic evaluationof health programmes in developing countries. Wid. hith.statist.quart. 1985;38:402-430.5. Torrance GW. Measurement of health state utilities foreconomic appraisal. Journal of HealthEconomics. 1986;5:1-30.6. VanNorren B, Boerma JT, Sempebwa EKN. Simplifyingthe evaluation of primary health care programmes. Soc SciMed. 1989;28(10):1091-1097.7. Cohen E, Franco R. Avaliação de projetos sociais.

Petrópolis (RJ): Vozes; 1994.8.MillsA,GilsonL.Healtheconomics fordevelopingcountries:a survival kit. London: London School of Hygiene and Tro-pical Medicine; 1988 Summer 1988. Report No.: 17.9. Silva LK. Avaliação tecnológica e análise custo-efetividadeem saúde: a incorporação de tecnologias e a produção dediretrizes clínicas para o SUS. Ciência e Saúde Coletiva.2003;8(2):501-520.10. Castro JD. A utilização do sistema de custeio por ab-sorção para avaliar custos da atenção básica desaúde:reformulações e aprimoramentos metodológicos.Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2000.11. Nunes A, Santos JRS, Barata RB, Vianna S. MedindoDesigualdades em Saúde no Brasil: uma proposta demonitoramento. Brasília (DF): OPAS, OMS, IPEA; 2001.12. Beulke R, Bertó DJ. Gestão de custos e resultados nasaúde: hospitais, clínicas, laboratórios e congêneres. São Pau-lo: Saraiva; 1997.13. Conselho Regional de Contabilidade do Estado de SãoPaulo C. Custo como ferramenta gerencial. São Paulo: Atlas;1995.14. Castro JD. Análise da evolução dos custos do Progra-ma de Saúde da Família de Porto Alegre no período de1998 e 2002. In: ABRASCO, editor. VIII Congresso Brasi-leiro de Saúde Coletiva; 2003; Brasília: ABRASCO; 2003.15. Piola S, Vianna S. Economia da Saúde: conceitos e con-tribuições para a gestão em saúde. Brasília (DF): IPEA; 1995.16. Hartz MA, Pouvouville G. Avaliações dos programasde saúde: a eficiência em questão. Ciência e Saúde Coletiva1998;7:68-82.

Endereço para correspondência:Rua Furriel Luis Antonio Vargas 106/404Porto Alegre � RSCEP: 90.470-130

Endereço eletrônico:[email protected]

Janice Dornelles de Castro, Vanessa da Rocha, Marcia Marinho e Silvia PintoCusto-efetividade: comparação entre o modelo �tradicional�

e o Programa de Saúde da Família.

Page 27: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Inclusão não-homofóbica: um diálogo entreestudantes de medicina e travestis.

Non-homophobic inclusion: a dialoguebetween medicine students and transvestites.

Valéria Ferreira Romano*

RBMFC

Palavras-chave: Comunicação; Eqüidadeem Saúde; Saúde da Família; Preconceito.

KeyWords:Communication; Equity inHealth;Family Health; Prejudice.

Resumo

Trabalhar habilidades de comunicação com estudantes de Medicina tem sido um desafio constante e, mais ainda,tem sido lidar com questões relacionadas ao preconceito, à homofobia, à discriminação em serviços de saúde. Desde2001, o Programa Saúde da Família Lapa, integrante do currículo do curso de Medicina da UNESA, tem enfrentadoesse desafio, promovendo o encontro entre os estudantes e os travestis, a partir do foco na visita domiciliar, atividades deeducação em saúde e atendimento ambulatorial. O objetivo é refletir sobre as habilidades de comunicação de estudantesde Medicina, a partir da inclusão dos travestis em serviços de Atenção Básica freqüentados por estes estudantes. Comometodologia, foram adotados: registro de observação direta; entrevistas com perguntas abertas com estudantes e travestisde uma área adscrita. Como resultado, tivemos melhor desempenho na comunicação dos estudantes diante de situaçõesrelacionadas à homofobia e ao acesso dos travestis aos serviços de saúde, garantindo integralidade, eqüidade e universalidadeao SUS de todos nós. Tanto os estudantes quanto os travestis desejam uma aproximação que estimule um encontrohumanizado e inclusivo, colocando em questão velhos preconceitos valorizando formas de atendimento na sintonia doacolhimento.

Abstract

Introduction: Teaching communication skills to medical students is a constant challenge, mainly when it comes to issues such asprejudice, homophobia and discrimination in the health services. Since 2001, the Family Health Program Lapa, part of the curriculum of themedical course of UNESA, has faced this challenge by promoting a dialogue between medical students and transvestites in the course household visits,health education activities and outpatient care. Objective: Reflect about the communication skills of medical students providing basic health careservices to transvestites.Methodology:Direct observation; interviews using open questions with students and transvestites of an area covered bythe program.Results: Better communication of students in situations related to homophobia and to the access of transvestites to the health services,thus contributing to the integrality, equity and universality of the Unified Health System.Conclusion: Both students and transvestites want toreach a humanized and inclusive relationship, based on refuting old prejudice and valuing dialogue and healthcare delivery in a supportive environment.

*Doutora em Saúde Coletiva, Docente do Mestrado Profissional em Saúde da Família, Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, Brasil.

Rev Bras Med Fam e Com099Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Page 28: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com100Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

1. IntroduçãoO curso de Medicina da UNESA-RJ tem como

eixo curricular a Saúde da Família. Na prática, isso impri-me um diálogo constante com a comunidade, especifica-mente quando os alunos da graduação de Medicina inau-guram do nono ao décimo primeiro períodos um contatosemanal com as famílias adscritas ao Programa Saúde daFamília Lapa (PSF-Lapa), sob supervisão docente.

O PSF-Lapa é, portanto, parte integrante da estru-tura curricular do curso de Medicina da UNESA, tendoiniciado suas atividades em 2001, a partir de um convêniofirmado entre a Secretaria Municipal de Saúde do Rio deJaneiro e a Universidade.

Situado na região central do município do Rio deJaneiro, na Lapa, o PSF-Lapa pertence à Coordenação deÁrea Programática 1.0 e tem como referência imediata,em sua proximidade, um grande hospital de emergência,dois PAMs, uma Maternidade, além de dois hospitaisespecializados. A rede social no entorno é composta porigrejas católicas e evangélicas, algumas ONGs, duas esco-las públicas de Ensino Fundamental e Médio, além de pou-cas creches. O lazer é basicamente vivenciado por meiodos inúmeros bares e casas de shows, onde se ouve detudo: samba, forró, reagge, música eletrônica, MPB, rock,hip hop, funk, dentre outros estilos.

A comunidade adscrita é majoritariamente de adul-tos jovens (sem filhos) e idosos, possuindo, em média,Ensino Fundamental incompleto, com renda familiar entredois a cinco salários mínimos, sendo o trabalho informalprevalente � são empregadas domésticas, cozinheiras, ven-dedores ambulantes, camelôs, caixas de supermercado,artesãos, trabalhadores da construção civil, manicuras, ca-beleireiras, vigias, entregadores de panfletos, �biscateiros�etc. Muitos moram em prédios com 20 apartamentos porandar, perfazendo um espaço de três a quatro cômodoscada. Alguns vivem em prédios ocupados semi-construídos,onde a população vive com ligação ilegal de luz, sem segu-rança interna, sem elevadores (para subir até mesmo ao12º andar).

Existem inúmeros casarões centenários na região,

chamados também de cortiços, originalmente construídospelos patrões para alojar seus empregados. Dentro dessescortiços (a maioria em estado precário de conservação),moram várias famílias dividindo o mesmo espaço entre si.Lá, os banheiros são coletivos, assim como as cozinhas, assalas e varais. Os moradores são expostos a corte de luz,ameaça de despejo, exploração de pessoas que seautodenominam donas do local � cobrando taxas, muitasvezes, irregulares �, além de conviverem com baratas, ra-tos, sujeira e pobreza.

Os travestis do território delimitado moram prin-cipalmente nesses cortiços.

As atividades do PSF-Lapa englobam: atendimentoambulatorial, atividades de educação em saúde e visitasdomiciliares. Isso não difere das esperadas pelo modelode atenção da integralidade; no entanto, algumas adapta-ções mereceram destaque no trabalho específico com ostravestis.

2. Com os travestis é diferente?Optamos por utilizar visitas domiciliares semanais,

já que os travestis pouco freqüentavam, espontaneamente,o ambulatório do PSF-Lapa, apesar de possuírem algu-mas doenças já instaladas e muitos problemas a serem en-frentados.

Começamos a manter uma sistemática de visitasdomiciliares: chegávamos sempre no final da tarde, quan-do eles estavam começando a acordar, já que trabalhavama noite inteira na prostituição. Levávamos camisinha, gellubrificante, aparelho de pressão, papéis de encaminhamen-to, receituário, alguns remédios e, mais do que tudo: dispo-sição em escutar, paciência, bom humor e tempo. Tempopara ouvir suas histórias, desarmar suas defesas, comparti-lhar seu sofrimento, nada diferente do de qualquer ser hu-mano.

As agentes comunitárias de saúde, fundamentaisna interlocução entre a equipe e a comunidade, iam aospoucos �traduzindo� as inúmeras perplexidades e os mui-tos abismos existentes entre o mundo médico oriundo daAcademia, repleto de teorias, e a vida que eles levavam na

Valéria Ferreira RomanoInclusão não-homofóbica: um diálogo entre

estudantes de medicina e travestis.

Page 29: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com101Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

lógica das ruas.Inúmeras vezes, repeti para os alunos: �Chamem-

nas pelo artigo feminino�, �Perguntem como desejam serchamadas�, �Escrevam no prontuário o nome do registrode nascimento, mas coloquem entre parênteses o nomefeminino�.

Aos poucos, fomos conquistando um espaço, fa-zendo diferença. Conseguimos resolver muitas situaçõespendentes, realizamos vários diagnósticos de HIV, marca-ção de consultas para especialistas, para fisioterapia, paraodontologia, para fonoaudiologia. Tratamos diversas pa-tologias: dermatológicas, AIDS, DSTs, hepatites, toxo-plasmose, pneumonia, tuberculose, fissuras anais, ansiedade,problemas psiquiátricos. Assim, como no território do PSF-Lapa residem cerca de 50 travestis, podemos afirmar quetodos são acompanhados pelos alunos e pela equipe.

3. E os alunos nisto?Os estudantes de Medicina, principalmente do gê-

nero masculino, de início, mantinham uma postura reativa,e não queriam atender os travestis. Percebendo que estacomunicação era inevitável e que não poderia estar pauta-da por preconceito, intolerância e exclusão, decidimosproblematizar com eles a existência de uma questão a serresolvida: Como lidar com uma população adscrita quetinha suas necessidades de saúde definidas? Como negaratendimento diante da Constituição que preconiza a saúdecomo direito de todos e dever do Estado? Como seriapossível tornar-se um médico virando o rosto para a uni-versalidade, a integralidade e a equidade? Dar um passo atrás do SUS? Fechar em um discurso intolerante? Manter aexclusão social dos travestis?

Os alunos são, em sua maioria, de classe média,pagantes de uma Universidade privada e criados em umambiente protegido. Muitos sequer conheciam o centro dacidade, mesmo tendo sido nascidos e criados no Rio deJaneiro. Era natural o estranhamento de uma realidade so-cial tão diversa da deles. Mas estavam ali se preparandopara se tornarem jovens médicos; e eu, enquanto educado-ra, procurava mobilizar neles o que possuíam de mais

instigante: a curiosidade, o despojamento, o desejo de vero mundo com os próprios olhos.

4. A Biomedicina e a formação médicaSeria desejável que, de fato, todos os profissionais

da saúde, independente de seu local de trabalho, trabalhas-sem na prevalência de um �compromisso e a preocupa-ção de se fazer a melhor escuta possível das necessidadesde saúde trazidas por aquela pessoa que busca o serviço�(p.116)1. Mas esta, infelizmente não é uma realidade. O queobservamos são inúmeros relatos dedissabores e desencontrosenvolvendo os pacientes que, de uma maneira geral, pro-curam um hospital público ou um posto de saúde. Nãoque isso não ocorra no PSF, mas como aí a lógica do tra-balho envolve necessariamente um vínculo efetivo entre oprofissional e o usuário, esta possibilidade torna-se aindamais indesejável. O PSF busca como saída, na oferta dovínculo entre os profissionais e os usuários, construir defato uma relação transformadora entre ambos.

Mas, se os médicos do posto, do PSF, ou do hos-pital, tiveram uma formação com base na Biomedicina ouMedicina Ocidental Contemporânea na concepção de Luz2,podemos refletir que, na perspectiva da construção de mu-danças na práticamédica, tanto omodelo assistencial, quantoa educação médica, necessitam ser urgentemente revistas.

Indo um pouco além, a Biomedicina, entranhadana formação médica ocidental, promove a composiçãode um profissional, dentro de uma cultura médica, que, demaneira geral, desvaloriza o trabalho na Atenção Básica.Assim, a Biomedicina caracteriza-se por:

- pouca consideração da relação médico-pacientecomo elemento fundamental da terapêutica;

- busca de meios terapêuticos complexos com usode tecnologia cara,

- pouco investimento na autonomia do paciente;- afirmação de uma medicina que tenha como ca-

tegoria central de seu paradigma a categoria de doença, enão de Saúde2.

A prática do Médico de Família exige, portanto, aincorporação de valores dissonantes aos adotados pela

Valéria Ferreira RomanoInclusão não-homofóbica: um diálogo entre

estudantes de medicina e travestis.

Page 30: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com102Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Biomedicina, provocando uma contradição: como ummédico formado na lógica da Biomedicina pode conciliar,negociar internamente com uma prática (Saúde da Família)que questiona seus valores de referência? E mais, comodar novo significado à lógica de atuação deste profissionale torná-lo convicto de outros valores?

A Biomedicina vincula Biologia e Medicina, legiti-mando �o conhecimento produzido por disciplinas cientí-ficas do campo da Biologia�3 e estruturando uma práticamédica que, na tentativa de ser �científica�, distancia-sedo ser humano.

Muitos médicos e educadores procuram inovar etransformar saberes e práticas na direção do envolvimentodo ser humano como totalidade4. Mas também a socieda-de provoca novas atitudes nas instituições e, hoje, há ummovimento de releitura da assistência médica que inclui aSaúde da Família na busca de uma Medicina que se aproxi-ma de uma mudança de paradigma como a concebe Luz2.

Assim, vários Cursos de Medicina do país intro-duziram a Saúde da Família na Graduação5 e já contamcom esta experiência, ainda que pontual e em construção, aexemplo da Universidade Estadual de Londrina, Faculda-de de Medicina de Marília, Faculdade de Medicina de Ri-beirão Preto (USP), Universidade Estácio de Sá (Rio deJaneiro), dentre outras.

Se considerarmos a pós-graduação em prospecçãode crescimento para além das 37 instituições que mantémuma Residência em Medicina de Família e Comunidade ea condição de especialidade reconhecida pela AMB tendoo título de especialização como parâmetro de excelência,inferimos que, nos próximos anos, médicos mais bem pre-parados e com outras possibilidades na atenção ao usuárioestarão influenciando uma nova geração de médicos. No en-tanto, teríamos um processo com resultados concretos para amudança do paradigma médico apenas para médio e longoprazo.

Diante de um mercado de trabalho na Saúde daFamília com muitas ofertas por todo o país, principalmen-te para o médico, e, em geral, sem exigência de qualquerqualificação prévia em Saúde da Família, o que pensar da

qualidade destes muitos médicos que estão e estarão traba-lhando no PSF sem um preparo devido?

Por isso a importância de refletir sobre a qualida-de dos médicos de família como resposta à fundamentalreestruturação do modelo de atenção à saúde, frente à ex-pansão do PSF, em uma ótica de discussões propositivasna implementação de ações específicas frente a tantas mu-danças estruturais necessárias6.

Mudanças estruturais são implementadas por �pes-soas, ou sujeitos sociais, atuando nas relações que estabele-cem entre si a partir do impacto que atribuem na aberturade caminho para a produção de fatos e processos� (p.13)7.Assim são as pessoas que, responsáveis por mudanças pre-tendidas, determinam, por meio de atitudes e ações, aintencionalidade de suas concepções e crenças diante deoutras pessoas. São elas, portanto, que devem ser transfor-madas se a pretensão é de mudanças e inovações.

Posto que grande parte dos médicos que traba-lham na Saúde da Família é oriunda das Escolas Públicasdo país8, seja em nível de graduação ou de pós-graduação,há de se considerar as prioridades da formação médicaem geral, nestas e em outras escolas, na pretensão de umacertificação futura, caracterizando o compromisso doGoverno Federal junto às Instituições de ensino médico.

Mas a formação médica e as políticas públicas nãose entrecruzam, muito embora estratégias para minorar estehiato tenham sido implementadas, a exemplo da institui-ção dos Pólos de Educação Permanente em Saúde queendereçou linhas de apoio à Saúde da Família e aos profis-sionais do SUS, tanto em instâncias educacionais quanto deserviços.

5. Alguma metodologiaA opção metodológica deste trabalho envolveu

uma pesquisa qualitativa, já que o objetivo da proposta erao de descrever o observado, o discutido, o percebido. Umgrau de identidade entre o sujeito e o objeto da investiga-ção justifica antes uma situação de conforto e intimidadecom o tema do que uma transgressão metodológica insu-perável.

Valéria Ferreira RomanoInclusão não-homofóbica: um diálogo entre

estudantes de medicina e travestis.

Page 31: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com103Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Sendo docente, observando e entrevistando os alu-nos e os travestis que pertenciam ao meu círculo de convi-vência, freqüentemente me via surpreendida com as res-postas obtidas no sentido de sua aparente independência edescolamento de uma possível influência nasmesmas, a partirdo simples fato de eu estar presente. Na verdade, pesquiseicom a vantagem de ser ao mesmo tempo interlocutora eexpectadora do processo que se construía.

Desta maneira, o registro da observação direta eas entrevistas com questões abertas realizadas com os estu-dantes de Medicina e com os travestis justificaram-se namedida em que puderam sustentar e legitimar todo o tra-balho em ação. Assim, Thiollent9 destaca que o que ocorreem relação ao pesquisador é uma �aparente identificaçãocom os valores e os comportamentos que são necessáriospara a sua aceitação pelo grupo considerado� (p. 15)9.

A Sociologia Compreensiva como a concebe MaxWeber foi nossa opção como referencial analítico, já que secontrapõe aos princípios do positivismo, que supõe dopesquisador uma neutralidade, objetividade, uma distinçãoentre o valor e o fato, entendendo a realidade a partir ape-nas daquilo que os sentidos podem perceber. Positivismoque busca estabelecer um mesmo fundamento lógico emetodológico entre as Ciências Sociais e as Ciências Natu-rais10.

Weber valoriza o significado da ação social, o sig-nificado das relações entre o indivíduo e a sociedade, en-tendendo a sociedade como �fruto de uma inter-relaçãode atores sociais, onde as ações de uns são reciprocamenteorientadas em direção às ações dos outros� (p.51)10. En-tende, assim, que as realidades sociais só podem ser apre-endidas enquanto significados percebidos na interação so-cial, não separando, em essência, as práticas, as linguagens,as coisas e os acontecimentos.

�Não existe uma análise da cultura absolutamenteobjetiva dos fenômenos sociais, independente dos pontosde vista especiais e parciais, segundo os quais, de formaexplícita ou tática, consciente ou subconsciente, aqueles sãoselecionados e organizados para propósitos expositivos.Todo conhecimento da realidade cultural, como pode ser

visto, é sempre conhecimento a partir de pontos de vistaespecíficos� (p.52)10.

Como essa pesquisa pretendeu ouvir os pontosde vista específicos, enfoca questões que envolvem valorese o conhecimento tácito, entendendo que a realidade hu-mana está imbricada e vinculada à realidade do concretocotidiano11. Desta forma, dentro das Ciências Sociais opteipela Fenomenologia, considerada a Sociologia da vidaCotidiana por estudiosos do assunto, para embasar a cons-trução do trabalho de campo.

A vida cotidiana pode ser entendida como estan-do no centro do acontecer histórico, como a verdadeiraessência da substância social. E o indivíduo, como �um sergenérico, já que é produto e expressão de suas relações soci-ais, herdeiro e preservador do desenvolvimento humano;mas o representante do humano-genérico não é jamais umhomem sozinho, mas sempre a integração� (p.21)12.

A vida cotidiana é a vida do ser humano inteiro,que dela participa com todos os aspectos de sua individu-alidade, de sua personalidade. O ser humano já nasce inse-rido em sua cotidianidade e torna-se maduro quando écapaz de viver por si mesmo esse dia-a-dia. Essa maturi-dade é assimilada a partir da manipulação das coisas en-volvendo a mediação social. Assim, o ser humano estarámaduro quando, a partir do que aprendeu em grupo (fa-mília, escola, comunidade), puder manter-se �autonoma-mente no mundo das integrações maiores, de orientar-seem situações que já não possuem a dimensão do grupohumano, comunitário, de mover-se no ambiente da socie-dade em geral e, além disso, de mover por sua vez essemesmo ambiente� (p. 19)12.

Pesquisamos, assim, a vida cotidiana dos travestise dos estudantes de Medicina, considerando-os madurosno conceito explicitado acima.

6. ResultadosA partir do crescimento dos encontros com os

travestis, sua estabilidade e constância, foram surgindo osprimeiros resultados. Os alunos de medicina aos poucosforam concordando com o trabalho que se impunha, com

Valéria Ferreira RomanoInclusão não-homofóbica: um diálogo entre

estudantes de medicina e travestis.

Page 32: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com104Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

as reivindicações legítimas dos travestis por um atendimentodigno, respeitoso e igualitário.

Dessa maneira, os estudantes, surpreendentemen-te, começaram a mudar de postura: pediam-me para aten-der os travestis, perguntavam sobre suas vidas, pactuavamresolução de referências e contra-referências na preocupa-ção de qualificar a atenção oferecida. Muitos (rapazes emoças) escolhiam minha supervisão docente porque dese-javam trabalhar diretamente com os travestis.

Começamos a discutir, a debater temas inusitadospara a Medicina: a homofobia, a violência contra os tra-vestis, o uso abusivo de drogas ilícitas, a utilização muitasvezes inadequada de silicone líquido, as cirurgias para colo-cação de silicone nas mamas, de diminuição do diâmetrodo nariz, o absenteísmo nas consultas de acompanhamen-to da soropositividade, a freqüente não-utilização de cami-sinha, apesar da farta oferta.

Assim, fomos aprimorando as competências decomunicação no desafio da educação médica, sinalizandopara a importância essencial da relação médico-pacientecom todas as pessoas, sem exceção.

Hoje, essamudançadepostura é a regra, exemplificadaaqui por meio do relato de um egresso de nosso curso deMedicina:

�Pois é, agora que estou formado é que estou vendoo quanto aprendi a lidar com os travestis e homossexuais.Meus colegas negam atendimento, ou querem só chamaros travestis pelo nome masculino, só de implicância. Eunão, vou lá e pergunto como querem ser chamados, bata-lho para conseguir internação quando precisam, mostroaos colegas médicos que respeito é tudo!�.

7. ConclusãoTanto os estudantes quanto os travestis realizaram

um movimento de aproximação, pautado pelo esgotamen-to domodelo de atenção centradona doença e na biomedicinae pela necessidade de negociação com a sociedade de maneiramenos marginal e excludente.

Vários relatos dos travestis apontaram para umaindignação ao fato de serem �aceitos à noite e mal pode-

rem sair de casa durante o dia�, já que ficam expostos achacotas e olhares: �[...] mesmo que esteja vestida assim,bem discreta, eles olham, eles notam que a gente é diferen-te, e eles só gostam disso quando chega a noite�.

Os alunos de medicina dizem �Hoje eu respeitomuito mais um travesti. Cada um sabe de si, se eles queremser assim, qual é o problema?�.

Em um mundo no qual a informação circula comrapidez, onde os modelos de comportamento e padrõesculturais são menos monocórdios e mais fundamentadosem experiências, cria-se um clima contrário à intolerância eà exclusão. As pessoas, se oportunamente estimuladas, que-rem dialogar, trocar saberes e superar barreiras sociais im-postas.

O compromisso do docente com sua prática é,por isso, de suma importância. O docente serve de exem-plo para o aluno, o qual nele se inspira na formatação deseu ideal de profissão. Um médico que sabe lidar com acompetência de comunicação de maneira democrática, in-clusiva, respeitosa das diferenças, trabalha a favor da cons-trução de um SUS melhor e está maduro para influenciarpositivamente toda uma geração de futuros médicos quenele se espelham.

Lidar com travestis é desafiar temas de difícil ma-nejo para toda a área da saúde, mas, nem por isso, menospreciosos diante da realidade que se impõe: abuso de dro-gas lícitas e ilícitas, cirurgias estéticas de resolução ruim, vi-olências, solidão, abandono, desconfiança, baixa auto-esti-ma, afastamento do contato familiar, falta de acesso aosserviços de saúde, falta de acesso à medicação oferecidapelo SUS, discriminação, preconceito, exclusão social, ri-queza a partir da exploração do trabalho alheio. Mas tam-bém: bom humor, alegria, busca da beleza, franqueza esolidariedade.

Não esgotando as perguntas, nem se satisfazendocom as respostas, esta pesquisa se movimenta: �Como li-dar com tantas variáveis junto ao estudante de medicina?;Como imprimir neste aluno uma visão não-homofóbicana relação com o outro?; Como lidar com os preconceitosjá estabelecidos e solidificados?; Um futuro profissional

Valéria Ferreira RomanoInclusão não-homofóbica: um diálogo entre

estudantes de medicina e travestis.

Page 33: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com105Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

que aprende a respeitar a dignidade do outro a partir dadiferença, e não da semelhança, estará melhor preparadopara as surpresas da profissão?�.

A existência humana se impõe e estabelece seussinais: somos todos iguais, sendo diferentes...

A esperança é que, mais e mais, os profissionais dasaúde e a população admirem encontrarem-se na inclusão,colocando em questão velhos preconceitos para que pos-samos, enfim, valorizar maneiras de atendimento na sintoniado acolhimento, no compromisso com o cuidado e no res-peito à vida.

8. Referências1.Cecílio LCO. As Necessidades de Saúde como conceitoestruturante na luta pela integralidade e equidade na aten-ção à saúde. In: Mattos RA, Pinheiro R. org. Os Sentidosda Integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio deJaneiro: UERJ, IMS: ABRASCO; 2001.2.Luz MT. Cultura Contemporânea e Medicinas Alternati-vas: Novos Paradigmas em Saúde no Fim do Século XX.Physis: revista de saúde coletiva 1997; (7): 1.3.Camargo KRJ. A Biomedicina. Physis: revista de saúdecoletiva 1997; 7(1).4.Perestrelo D. A Medicina da Pessoa. 3 ed. Rio de Janeiro,São Paulo: ATHENEU; 1982.5.Feuerwerker L. Além do Discurso de Mudança na Edu-cação Médica Processos e Resultados. São Paulo; Londri-na; Rio de Janeiro: HUCITEC; Rede UNIDA; AssociaçãoBrasileira de Educação Médica; 2002.6.Romano VF. Certificação por Competência para o Mé-dico de Família: uma proposta em construção. [Tese] Riode Janeiro, UERJ. Instituto de Medicina Social, 2006.7.Almeida MJ. Educação Médica e Saúde � possibilidadesde mudança. Londrina; Rio de Janeiro: UEL, AssociaçãoBrasileira de Educação Médica; 1999.8.Machado MH; SOUZA HM.; SOUSA MF. Perfil dosMédicos e Enfermeiros do Programa Saúde da Famíliano Brasil � relatório final. Brasília (DF): FIOCRUZ, Minis-tério da Saúde: Departamento Atenção Básica / Secretariade Políticas de Saúde; 2000.

9.Thiollent M. Metodologia da Pesquisa-ação. 10 ed. SãoPaulo: Cortez. Autores Associados, 2000. Thiolent M.Metodologia da Pesquisa-ação. 10 ed. São Paulo: Cortez.Autores Associados; 2000.10.Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisaqualitativa em saúde. 8 ed. São Paulo: HUCITEC; 2004.11.Tedesco JC. Paradigmas do cotidiano: introdução àconstituição de um campo de análise social. Santa Cruz doSul: EDUNISC; 1999.12.Heller A. O Cotidiano e a História. 6 ed. São Paulo: Paze Terra; 2000.

Endereço para correspondência:Rua Assis Brasil 70/1002 � CopacabanaRio de Janeiro, RJ.CEP: 22230-010

Endereço eletrônico:[email protected]

Valéria Ferreira RomanoInclusão não-homofóbica: um diálogo entre

estudantes de medicina e travestis.

Page 34: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com106Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Uso da rede de serviços de Juiz de Fora:a opinião do usuário.

Use of the health care net work of Juiz de Fora:the opinion of the user.

Celia ReginaMachado Saldanha*

RBMFC

Palavras-chave: Saúde da família; Assistênciaà Saúde; Atenção Integral à Saúde.

Key Words: Family Health; Delivery ofHealth Care; Comprehensive Health Care.

Resumo

As mudanças no perfil demográfico e epidemiológico ocorridas nas últimas décadas adquirem característicasparticulares no Brasil e impõem a redefinição das políticas públicas, em especial da saúde, o que culmina com a implantaçãoda Estratégia de Saúde da Família (ESF) em 1994. Espera-se com essa estratégia uma mudança de paradigma, em que sefaça valer os princípios do SUS de universalidade, eqüidade e integralidade por meio do cuidado continuado, da prevençãode agravos e da promoção da saúde, principalmente nas populações mais vulneráveis. Para funcionar dessa forma,porém, é necessária a existência de uma rede de serviços que garanta a assistência nos casos onde a ESF não consigaresolver, estabelecendo-se um fluxo de referência e contra-referência. Usando como método a entrevista não-estruturadaaplicada em quatro unidades básicas de saúde funcionando com a ESF em regiões distintas de Juiz de Fora, nós nospropomos a discutir, a partir das percepções dos usuários inscritos no PSF, o funcionamento desta rede de serviços, emuma tentativa de encontrar alguns pontos de gargalo e propor estratégias que possibilitem melhorias no acesso dousuário.

Abstract

The demographic and epidemiological changes occurred over the last decades assume particular characteristics in Brazil and demand for aredefinition of public policies, in special as refers to the health policies. In 1994, this process culminates in the implantation of the Family HealthStrategy (FHS) as a new paradigm following the basic principles of the Unified Health System, integrality, equity and universality, by means ofcontinued care, disease prevention and health promotion principally for the more vulnerable populations. For meeting this demand, the strategydepends on a service network capable of delivering care in cases the FHS cannot resolve, establishing a reference and counter-reference system. Datawere collected by means of semi-structured interviews in four basic healthcare units of the Family Health Program. Based on the view of the usersenrolled in the Family Health Program we discuss the performance of this service network in an attempt to identify some bottlenecks and suggeststrategies for granting better access to the users.

*Mestre em Saúde da Família, Professora de Saúde Coletiva e Semiologia, Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MinasGerais, Brasil.

Page 35: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com107Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Celia Regina Machado Saldanha Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.

1. IntroduçãoMesmo os analistas mais pessimistas, ao analisar o

desempenho do SUS (Sistema Único de Saúde), nas últimasdécadas, admitem que houve avanços. Pudemos acompa-nhar as melhorias em relação à estrutura física, à incorpora-ção de tecnologias aos diagnósticos e ao aumento impor-tante dos serviços de Atenção Primária, na última década,com a implantação do Programa de Saúde de Família (PSF),mas há muito ainda por fazer pela saúde local.

O PSF permitiu, como estratégia estruturante doSUS, a oferta de serviços de saúde para segmentos da po-pulação que até bem pouco tempo não tinham acesso aquase nada, porém, ao se permitir a entrada no nível pri-mário, obrigatoriamente, surge a demanda para que ou-tros serviços estejam disponíveis, pois, uma vez feito odiagnóstico, precisamos continuar oferecendo cuidados paraque a assistência se dê de forma completa. Essa demandacria a imagem da rede de serviços, introduzindo a idéia dauniversalidade com equidade e integralidade1.

Autores renomados, como Starfield2 e Mattos3,reforçam a idéia de que, sem a integralidade das ações, aAtenção Primária não será resolutiva, e, embora bastantediscutida e regulamentada por organismos mundiais4 emleis e portarias federais5,6 � e nas propostas estaduais7 �,alguns desafios ainda precisam ser vencidos, principalmen-te nos municípios, para alcançar as metas estabelecidas desaúde para todos.

Uma dessas portarias federais, o PlanoOperacionalde 19946, norteou toda a implantação do PSF em Juiz deFora, que, neste período, cresceu substancialmente e ofere-ce hoje uma cobertura de mais de 50% da população decerca de 500 mil habitantes, porém, algumas dificuldadesainda são percebidas na tentativa de reorientação do mo-delo assistencial local, para que se constitua a rede de servi-ços7.

O objetivo desse estudo é analisar o quanto essasmudanças foram percebidas pelos usuários de unidadesbásicas com PSF, suas dificuldades na busca por assistênciaà saúde e como eles analisam a organização desses servi-ços.

Um dos requisitos para essa organização é a co-municação entre os setores, o que se constituiria uma redede serviços, estabelecendo a integralidade. SegundoStarfield2:

A integralidade exige que a atenção primária reconheça,adequadamente, a variedade completa de necessidades relaci-onadas à saúde do paciente e disponibilize os recursos paraabordá-las. A decisão sobre quem deverá prestar cada tipode serviço, se a atenção primária ou outro nível de atenção,variam de lugar para lugar, de época para época, dependen-do da natureza dos problemas de saúde de diferentes popula-ções (p. 314).

Para contextualizar a importância da rede nos ser-viços de saúde, usamos como pano de fundo a transiçãodemográfica, que é explicada pelo aumento da longevidadeda população, e a transição epidemiológica, que é a dimi-nuição das doenças infecto-contagiosas e aumento das crô-nico-degenerativas, embora esses processos tenham carac-terísticas especiais em países em desenvolvimento, como oBrasil � onde o aumento das doenças crônico-degenetativasainda convive com muitas infecciosas, tendo inclusive orecrudescimento de algumas doenças que já eram conside-radas sob controle, como a dengue e a febre amarela.

Apesar das doenças, estamos vivendo ummomen-to de crescimento populacional que gera diferentes neces-sidades sociais e de saúde, o que impõe também �valori-zação dos diversos saberes e práticas na perspectiva deuma abordagem integral e resolutiva�, além de �promo-ção e estímulo à participação da comunidade no controlesocial, no planejamento, na execução e avaliação das ações�6.

Tentar enxergar essa realidade sob o ponto de vis-ta do usuário demonstra a necessidade de adequação domodelo assistencial em uma característica individualizadae, ao mesmo tempo, tão reprodutível em nosso país.

2. Material e métodoTrata-se de um estudo de caso, de caráter qualita-

tivo, realizado em quatro unidades de saúde de Juiz de

Page 36: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com108Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Fora, em áreas geográficas distintas, norte, sul, leste e centro,todas funcionando com o Programa de Saúde da Família.

Foram entrevistados 32 pacientes, cadastrados noSistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), selecio-nados por sorteio aleatório, e que utilizavam o serviço re-gularmente.

As entrevistas foram previamente agendadas e re-alizadas nas unidades de saúde, utilizando-se como instru-mento de coleta um roteiro de entrevista não-estruturado,permitindo que se manifestassem livremente a partir deperguntas simples usadas como provocação, não havendoo �cerceamento da fala dos entrevistados�8, e, como crité-rio de suficiência da amostra, usou-se o da saturação, ouseja, o momento em que as respostas passam a se repetir8.

Todos os entrevistados aceitaram e assinaram umtermo de consentimento livre e esclarecido.

Para análise dos conteúdos das entrevistas, usamosa leitura compreensiva exaustiva, procurando compreender,�além dos significados imediatos�, para que pudéssemos tera noção do conjunto com a compreensão das particularida-des de cada fala, identificação dos temas mais citados, sepa-ração em categorias que permitissem agregar os valores re-feridos e a elaboração de síntese com articulação dos objeti-vos do estudo com a base teórica consultada9.

Consultamos também os documentos oficiais doSistema Único de Saúde (SUS), nos níveis federal e munici-pal, que se relacionavam à temática em questão para deli-near o contexto do município e de suas políticas de saúde.

Antes de iniciarmos a pesquisa, o projeto foi subme-tido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com sereshumanos da Universidade Estácio de Sá em cumprimento daResolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

O foco de nosso estudo se deu nos aspectos subje-tivos, considerando �a não-neutralidade do investigador10; anão-representatividade estatística das amostras selecionadase a conseqüente impossibilidade de generalizar os resultadose replicar os estudos�, mas, antes de tudo, acreditando na�inexistência de verdades universais e eternas�9. Todas asentrevistas foram gravadas e transcritas.

3. ResultadosO PSF legalPaim11 define como SUS legal aquele desenhado

pela Constituição Federal, e utilizamos também essa deno-minação para demonstrar como o PSF foi idealizado nasleis e portarias do SUS.

O Plano Operacional para 1994 do Ministério daSaúde identifica o Programa de Saúde da Família como ca-paz de �restaurar a dignidade dos profissionais de saúde,confiando que a partir disso se estabeleça o compromissoético e que se forme um vínculo de confiança com a comu-nidade�5, acreditando ser uma estratégia capaz de �tornarrealidade os princípios básicos do SUS� . Para atingir essesobjetivos determina que a unidade básica deva ser a �basede acesso ao sistema de saúde�5, constituindo o que chama�porta de entrada�, sendo �essencial que se garanta o siste-ma de referência e contra-referência�, enfatiza a importânciada preparação de profissionais �capazes no exercício da ci-dadania, além de tecnicamente competentes�5.

Este plano norteou todo o processo de implanta-ção do PSF de Juiz de Fora.

O Plano Municipal de Saúde (PMS) de 1997 usoucomo pano de fundo o diagnóstico realizado pelo PlanoEstratégico de Juiz de Fora e teve dentre os seus focos anecessidade de ampliação da rede assistencial do SUS a par-tir da identificação de vazios assistenciais na Atenção Básicae da necessidade de suporte assistencial para o nível especi-alizado além da adequação quali-quantitativa dos recursoshumanos em saúde e da programação em todos os níveisdo sistema priorizando a referência e contra-referência7.

Na análise do modelo assistencial, constatou-se queo acesso aos serviços era dificultado, o sistema de referênciaera precário, com um �número excessivo de encaminha-mentos� para os institutos, e que a contra-referência nãoexistia, principalmente pela ausência de prontuários nas clíni-cas especializadas. Também foi detectado e considerado umproblema o fato dos usuários poderem marcar consultasespecializadas sem o encaminhamento da unidade básica desaúde7, o que descaracterizava a UBS como �porta de entra-da� do Sistema de Saúde.

Celia Regina Machado Saldanha Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.

Page 37: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com109Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Uma das propostas do PMS-97 foi a organizaçãode um sistema de referência e contra-referência suportadopelo prontuário de cada usuário. Considerava-se tambémque as equipes do PSF teriam

[...] supervisão contínua e permanente, sendo treinadas parautilização correta do sistema e atualização das informações,além do acompanhamento dos pacientes em nível primário,no âmbito de sua capacidade, com a orientação de condutasrecomendadas pelo nível secundário7.A III Conferência Municipal de Saúde (CMS) em

2000 trouxe novamente à baila essas discussões, e entre suaspropostas tinha a criação de um departamento de AtençãoPrimária à Saúde, investimento prioritário na UBS e revisãodo organograma adequando-o às �novas necessidades domodelo assistencial, além de garantir a efetividade das uni-dades de apoio�12.

A Reforma Administrativa de 2001 modificou oorganograma, criou o Departamento de Atenção Primáriaà Saúde e redefiniu responsabilidades, porém, ao dar os pri-meiros passos na execução de suas reformas, aconteceramnovas mudanças administrativas locais, frustrando os resul-tados esperados.

O Ministério da Saúde, por meio da Portaria 648/GM de março 2006, aprovou a Política Nacional de Aten-ção Básica, estabeleceu diretrizes para o PSF e PACS, defi-nindo responsabilidades de cada esfera de governo, ade-quando a infra-estrutura e recursos necessários com discri-minação das atribuições de cada membro da equipe6.

A partir da análise desses documentos, percebemosa existência, em nível local e federal, de legislação suficientepara fazer com que a Saúde da Família funcione e faça valeros princípios do SUS e procuramos identificar nas falas dosusuários os desafios a serem vencidos para que isso aconte-ça.

4. Percepção do usuárioComo a pesquisa foi realizada com aqueles que fre-

qüentavam a unidade com a estratégia de Saúde da Família,ficammais evidentes as manifestações de apoio, porém, per-cebemos também algumas críticas ao atendimento local.

Faltam recursos, existem falhas na organização, faltaintegração e ainda existe dicotomia entre o SUS e o PSF

Consideramos como recursos os bens e serviços di-retamente ligados à saúde e necessários para que se possa re-alizar um atendimento digno ao usuário, permitindo, não ape-nas sua inserção no Sistema de Saúde, mas também aresolubilidade, isto é, a resposta a todas as suas demandas.Falhas na organização seriam responsáveis pela má distribui-ção desses recursos nas unidades prestadoras de serviços aopúblico, refletindo-se nas falas dos usuários:

Aqui, os médicos são maravilhosos, só deixa a desejar afalta de remédios. Outra dificuldade da unidade é a falta deinsumos, faltam materiais de curativo.Em algumas falas percebemos críticas em relação

aos recursos humanos especializados.... Quando a gente chega pra consulta com o especialista,estava marcado pra 7 horas, mas ele só chega às 9 horas.Às vezes demora mesmo quando o médico chega cedo, aí oque vale é quem chegou primeiro. Acho que o horário deveriaser reservado.�Quando precisa tem que vir bem cedinho e esperar�Outra dificuldade percebida é a fila para a marcação

de consultas,muito acimada capacidadede absorçãoda equipe,o que muitas vezes não permite o atendimento naquele horá-rio. Como o paciente percebe que o atendimento do PSF édiferente, identifica o atendimento nas unidades especializadascomo sendo SUS, criando uma dicotomia entre o SUS e oPSF.

Se não tivesse aqui, tinha que ir ao SUS. É bem longe edifícil de marcar.Quando tenho algum problema venho no posto, mas, se nãoconseguir, vou direto ao SUS.A gente tem que marcar uma consulta com o especialista doSUS só pra pedir um exame. Tinha que poder pedir aqui[na própria unidade], isso já adiantava o tratamento.A marcação pela CMC [Central de Marcação de Consul-tas] demora bastante, às vezes não dá pra esperar.Assim, o usuário, muitas vezes, procura direto uma

unidade de urgência e cria uma imagem confusa do PSF.Não tem facilidade de ser atendido fora do dia. Consulto

Celia Regina Machado Saldanha Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.

Page 38: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com110Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

muito na Unidade Regional (Unidade de urgência e emer-gência).Para melhorar, acho que precisava ter garantia de consultaa qualquer hora.Acho que aqui tinha que ter um Pronto Atendimento ouEmergência.Tem gente que não precisa, mas vem consultar-se, tirando avez de quem precisa.Asolicitação de exames é umanecessidade emmuitas

doenças, principalmente as crônicas, e os próprios pacientes,hoje, induzidos pela mídia ou por outros tipos de informa-ções, buscam periodicamente as unidades para realizá-los. Éo que chamam de check-up. Em suas falas, percebemos quehá um descontentamento em relação à falta do acesso a exa-mes, principalmente aqueles mais especializados, e tambémda falta de alguns equipamentos nas unidades, o que os fazdesvalorizar o atendimento básico.

Aqui não tem nem RX.Quando vou a Unidade Regional faço tudo o que precisoinclusive os exames sem ter que esperar. Aqui, além de de-morar, temos que remarcar a consulta.Fui ao endocrinologista, e ele me pediu uns exames, mas nãoconsigo fazer. A moça ficou com o papel e disse que me ligavaquando fosse marcado, mas isso já faz seis meses.Muitas vezes, o usuário prefere procurar outros

serviços ou os laboratórios particulares, e muitos labora-tórios de bairros fazem �preço especial� para quem leva asolicitação do SUS, em uma competição positiva, uma vezque reduz a fila de espera, mas nem sempre isso é possível.

Se for esperar pelos exames, a gente morre. Eu prefiropagar. É mais rápido e garantido.Quanto à organização dos serviços, o usuário per-

cebe que �algo não funciona bem�, que faltam materiais,que faltam vagas especializadas, que o profissional não temboa vontade, e, por isso, existe a demora, mas alguns paci-entes deixam claro que possuem alternativas para �furar�o bloqueio em relação a consultas especializadas, procu-rando mecanismos para serem atendidos mais rapidamen-te. O Hospital Universitário é uma das opções, mas seuacesso depende também de uma indicação. Outra opção é

a unidade de urgência que atende sem prontuário e apenaspor demanda. Alguns recorrem ao pronto atendimentodos Planos de Saúde.

Às vezes, vou ao Regional, quando aqui está fechado, demo-ra, mas consigo me consultar no mesmo dia.Quando precisei de exames, demorou, tive dificuldade. Nãotinha vaga. Tive que repetir o exame porque o primeiro nãodeu certo e aí procurei o HU [Hospital Universitário] eficou mais fácil, mas tive que ir ao coordenador pra conseguiruma vaga.Tinha um plano do Sindicato, mas passei mal e fui direto aoHospital Universitário. Foi de graça e não demorou nada.Vou direto à Associação dos Cegos. Marca direto e nãodemora nada.Tenho um conhecido que marca direto no HU. Não demoranada.Uma outra forma de conseguir o atendimentomais

rápido seria por meio de planos de saúde. Alguns usuáriosque não os possuem declaram ser esse seu sonho de con-sumo, ou se percebe certo descontentamento com o servi-ço oferecido ou com o custo.

Acho que quem tem um bom plano de saúde não precisaesperar. Às vezes tem um plano, mas que não cobre exames;aí, não adianta.Meu Plano? É um SUS �arrumadinho�, se precisar de umexame mais sofisticado tenho que pagar ou fazer no SUS.Tenho o plano da AME. Só dá direito à consulta.Dá direito a duas consultas por mês e desconto nos exames.Tenho Plano de Saúde para internação, mas não pra consul-ta. Tenho que pagar os exames, a não ser quando internada.Algumas vezes, o relato do usuário demonstra que,

mesmo pagando um plano, ele já viveu a experiência deprecisar e ter de recorrer ao SUS.

Senti-me mal, fui ao Regional Leste, e o cardiologista man-dou direto pro hospital, o plano não cobria, fiz tudo peloSUS.Esses relatos demonstram a dificuldade do usuá-

rio, mesmo depois de cadastrados na unidade básica, con-seguir o atendimento em serviços especializados e, em al-guns casos, até mesmo o atendimento básico, uma vez que

Celia Regina Machado Saldanha Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.

Page 39: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com111Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

não existe uma comunicação efetiva entre os serviços.

5. Existe uma rede de serviços em Juiz de Fora?O processo de descentralização tem possibilitado

aos municípios criarem formas de organização das práti-cas de assistência à saúde com uma diversidade de mode-los orientados pela integralidade, resolubilidade e acessouniversal, instrumentalizadas pela saúde coletiva e pela clí-nica, mais próximas da realidade local13.

A prática, porém, não funciona em sintonia com ateoria, e, quando observamos a atuação em nível local, per-cebemos que se �torna urgente avaliar os diferentes im-pactos e promover a busca de alternativas para a constru-ção de uma agenda que contribua para a equidade nas con-dições de vida e de saúde, consoante as diretrizes de umSistema Único de Saúde�7.

Ao ser implantada, em 1995, a Central de Marca-ção de Consultas pretendia orientar o usuário, principal-mente em relação aos mecanismos de referência e contra-referência, criando um fluxo entre os serviços. No início,chegou a funcionar, porém, com o crescimento da oferta,ocorreu uma ampliação do território de abrangência dasaúde de Juiz de Fora, que passou a atuar como MunicípioPólo estabelecendo pactos para atendimento de outros mu-nicípios em consultas especializadas, por meio da Progra-mação Pactuada Integrada (PPI).

Os territórios são �espaços de responsabilizaçãosanitária� e, em se cumprindo os princípios da cooperaçãogerenciada, com definições claras das ações oferecidas porcada território às populações adscritas, haveria uma compa-tibilização na construção de uma rede de atenção à saúdecom responsabilidades inequívocas14.

A ampliação do acesso, porém, sem a devida trans-parência na definição das competências e responsabilida-des, gera um aumento na procura das unidades de atençãoespecializada (nível secundário), que atendem à demandados outros municípios e da população de Juiz de Fora dasáreas descobertas pela Atenção Primária, construindo umaconfusa malha de idas e vindas em busca do atendimentode médio e alto custo/complexidade.

Ao encaminhar o paciente para um nível de maiorcomplexidade tecnológica, o médico entrega o encami-nhamento ao paciente, que leva ao telefonista da UBS. Esteentra em contato com a Central de Marcação de Consultas(CMC), por telefone, e solicita o agendamento da consultaespecializada.

No nível central, o profissional da CMC rastreiana agenda dos especialistas disponíveis no sistema e, se existea vaga, esta é reservada e repassada a informação para aunidade. A guia é devidamente preenchida com data, horae nome do médico especialista de referência e, em seguida,é devolvida ao paciente. Se não existe a vaga no momento,a guia fica com a telefonista da UBS, que continua a tentar,toda manhã, quando abrem as agendas dos especialistas.Parece simples e deveria ser resolutivo, porém, esta marca-ção pode demorar meses.

A procura pelo especialista em Juiz de Fora é mui-to grande, pois os modelos assistenciais existentes até adécada de 1990, que valorizavam as especialidades e astecnologias utilizadas para diagnóstico, ainda estão presen-tes nos ideários dos pacientes e até de muitos profissionaisde saúde. Além disso, para a solicitação dos exames com-plementares mais complexos, o paciente precisa ser enca-minhado ao especialista para que ele faça a solicitação, au-mentando a demanda e postergando o tratamento.

Quando ocorre uma situação de urgência, a guiade referência é entregue ao gerente da unidade, que ligapara a coordenação de turno das unidades especializadas emarca na agenda do especialista em questão. O coordena-dor de turno guarda, diariamente, duas vagas, que são ofe-recidas nessas situações, para cada especialista15.

Em 2005, apenas das consultas para a cardiologia,3.548 foram agendadas como urgentes, o que representou13,9% das realizadas; para a endocrinologia, foram 1.983,representando 13,4% das realizadas e, para oftalmologia,foram 3.740, 14,2%, porém, na oftalmologia, estão incluí-das as consultas de retorno para procedimentos específi-cos, como curativos e avaliação pós-cirúrgica. Das consul-tas realizadas, 6.953 foram �urgências�, representando17,29%15.

Celia Regina Machado Saldanha Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.

Page 40: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com112Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Consideramos nesse cálculo apenas as consultas re-alizadas de fato, pois, cerca de 20% das agendadas são per-didas, isto é, os pacientes não comparecem nem avisam atempo de serem substituídas, o que representa uma perdaimportante.

Apesar dos números e das consultas oferecidas eperdidas, quando tentamos responder a questão sobre seteríamos ou não uma rede de serviços, a resposta que nosvem é que não existe. Percebemos claramente uma divisãona qual, de um lado, temos a Central de Marcação de Con-sultas ligando a Atenção Primária aos AmbulatóriosEspecializados e, de outro lado, temos as Unidades deUrgência e Emergência ligados ao hospital pela Central deVagas, porém, sem haver um relacionamento entre os doislados, a não ser informalmente.

Essa falha na comunicação é percebida e utilizadapelos usuários, o que provoca um custo adicional, poisaqueles que possuem algumas informações privilegiadasou facilidades por terem conhecidos ligados aos serviços,repetem vários procedimentos, muitas vezes desnecessari-amente, onerando o sistema e dificultando a entrada deoutros, menos informados.

6. DiscussãoAnalisar ações de saúde representa sempre um

desafio, pois não existe um padrão de atendimento ou umaúnica maneira para se demonstrar satisfação ao ser atendi-do. Cada pessoa é única e assim são os seus sentimentos deaceitação ou negação de um determinado procedimento.Este sentimento muda também com o passar do tempo ecom as novas experiências vividas.

Assim a abordagem qualitativa apresenta-se comoorientação cada vez mais difundida no campo da atividadecientífica em todas as áreas do saber, em particular na saúde,que, pela sua complexidade e multidimensionalidade pedeum desenvolvimento mais intenso do componente huma-no, domínio dos estudos qualitativos9.

Procuramos nesta análise muito mais que uma ava-liação dos serviços, buscando entender o que os entrevis-tados diziam, �por trás do discurso aparente�8, conside-

rando o impacto da organização dos serviços sobre a do-ença e os custos de seu manejo, e procurando entender deque forma são afetados (de forma negativa ou positiva) osoutros aspectos da atenção ao paciente, aqueles de ordembiológica, psicológica, ambiental e principalmente de or-dem social.

7. Organização, integração e dicotomia entre o SUSe o PSF

Nas respostas dos usuários, percebemos que asquestões do acesso ainda não estão resolvidas, que existeum hiato na comunicação entre os serviços e falhas nasinformações, o que se reflete nas reivindicações quanto aofuncionamento das unidades básicas.

Para promover a integração dos saberes, é neces-sário que essas questões sejam trazidas para as reuniões deequipe e conselhos e, em vez de se levantar trincheiras, quese traga esses ítens para o diálogo, oferecendo as informa-ções necessárias aos Conselhos de Saúde e trabalhadoresda ESF, construindo-se, no médio prazo, uma massa depessoas esclarecidas trabalhando com um objetivo comum:o de promover a saúde nos diversos setores de trabalho eda sociedade, considerando-se que a produção da saúdelocal passa pelas relações estabelecidas entre os diversosatores administrativos, prestadores de serviços e usuários

Particularizando a questão do hipertenso inscritonos grupos da ESF, seria interessante que a organizaçãodos grupos respeitasse os interesses dos usuários e permi-tisse durante a troca de experiências o esclarecimento dosmecanismos de acesso aos serviços mais especializados,bem como o papel de cada serviço dentro do sistema desaúde, contribuindo para a disseminação da lógica daintegralidade.

Dentre os serviços oferecidos pela ESF temos osgrupos educativos e operativos, os atendimentos individu-ais com solicitação de exames considerados básicos e osencaminhamentos às especialidades, quando existe a neces-sidade de um procedimento mais específico. Se esta infor-mação se fizer presente em todos os espaços do SUS, du-rante toda e qualquer ação executada, viabilizaria uma in-

Celia Regina Machado Saldanha Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.

Page 41: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com113Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

versão do modelo assistencial.Assim, a transparência na divulgação das informa-

ções, associada à organização dos serviços, seria um gran-de passo na melhoria do acesso do usuário a qualquer nívelde atenção que se fizesse necessário, possibilitando sua in-clusão no sistema local.

Percebemos ainda uma grande dúvida entre o queé SUS e o que é PSF, não apenas por parte dos usuários,mas também por alguns profissionais. Esse assunto deve-ria ser exaustivamente discutido, clareando-se a idéia doPSF como estratégia de reorientação do SUS.

A logística dos serviços, mesmo quando não cita-da, permeou todos os depoimentos, da falta de vagas àfalta de espaço físico adequado. Acreditamos que adescentralização da gestão, ocorrida na década de 1990,não sendo acompanhada de definições claras quanto àsresponsabilidades e competências, possa ser responsávelpor algumas dessas dificuldades, e percebemos nas entre-vistas que existe uma grande distância entre quem recebeos serviços, quem executa as ações e quem planeja.

A organização dos conselhos contempla alguns des-tes objetivos, porém, é preciso que haja divulgação das deci-sões nas reuniões de Conselhos Locais de Saúde, permitin-do maior envolvimento de todos os segmentos da socieda-de ou que as reuniões do Conselho Municipal sejamitinerantes, acontecendo cada mês em um bairro, com am-pla divulgação, permitindo a inserção social indiscriminada.

A realização do planejamento estratégico onde osdiversos atores sociais têm voz e todos participam das to-madas de decisões, facilita a apropriação do processo, en-tendendo-se as dificuldades e lutando-se pelas melhoriascom economia na utilização dos recursos disponíveis.

Importante enfatizar que não se pretende respon-sabilizar o usuário pelas questões ligadas a gestão, apenasoferecer informações que possibilitem a cobrança daque-les serviços por quem tem direito.

Nas questões ligadas à prática profissional consi-deramos algumas questões que foram relacionadas às fa-lhas na formação ou no acompanhamento dos serviços.

As instituições de ensino ainda estão, com raras ex-

ceções, direcionadas à formação de especialistas. No inícioda atividade clínica os médicos têm muitos sonhos. Mesmoos mais céticos, quando tomam contato com a ideologia daMedicina, encantam-se. Ao entrarem na rotina, porém, sen-tem-se, em um primeiro momento, perdidos, e, depois, de-cepcionados. Pouco se faz, pouco se ganha, sofre-se muito,com raras exceções. Quando falamos de ESF, fica um pou-co pior, pois agregou-se às dificuldades da clínica às dossetores sociais e, muitas vezes, tem de se decidir sobre o quenão se conhece.

Some-se a isso a demanda crescente e uma diver-sidade de formulários a serem preenchidos para atenderaos diferentes Sistemas de Informação, e o que é pior, se-quer se recebe as análises do preenchido, o que é uma con-tradição, já que esse material subsidiaria o planejamentolocal. Com tudo isso, incorporou-se tanta solicitação aomédico, que ele constrói sua prática dentro dos padrõesque lhe permitam transitar sem muito sofrimento. É claroque alguma coisa fica por fazer. Cria-se uma cultura deexames e encaminhamentos. Ficam desanimados.

A redução do número de famílias da área deabrangência poderia diminuir demanda e daria uma folgapara o planejamento e o trabalho coletivo como realmentedeve ser noPSF.Atualmente, algumas equipes chegama cobrirquatro mil pessoas, o que impede qualquer tipo de planeja-mento.

A educação continuada por meio da promoção deencontros entre generalistas e especialistas, empequenos gru-pos, para debater problemas comuns que, sem dúvida, seri-am de muita ajuda no cotidiano de generalistas e especialis-tas.

Entendemos também que, para que funcione a edu-cação continuada, precisamos ter uma boa base na forma-ção do profissional. Não se pode aprimorar o que nunca seteve. Essa é uma discussão que vem acontecendo já há al-gum tempo. As Diretrizes Curriculares de Curso de Medici-na de 2001 enfatizam a necessidade de se formar generalistascom habilidades diversas e a importância da inserção preco-ce dos alunos nos cenários de práticas16.

O incentivo à participação em eventos científicos

Celia Regina Machado Saldanha Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.

Page 42: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com114Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

também é de grande valia na motivação do profissional,assim como uma relaçãomais estreita entre as instituições deensino e os serviços básicos de saúde, em uma parceria ensi-no-serviço.

A prática diária dos serviços também deveria seracompanhada mais de perto pelos supervisores, não parapunir, mas para permitir um crescimento profissional emanter sempre atualizada a capacidade técnica do profissio-nal, facilitando sua participação em cursos, treinamentos eaté utilizando-se suas habilidades para desenvolver encon-tros de compartilhamento de experiências.

Enfim, as propostas são: estabelecer com as co-munidades as parcerias, ouvir o colega em sua verdade,buscar nos livros as respostas e, principalmente, pensar naequipe como local de discussão e crescimento dos proces-sos de trabalho e do planejamento de ações.

Assim, ao se orientar o fluxo a partir de propostasvindas das unidades básicas e de seus usuários, existiria aoportunidade de compartilhar responsabilidades. E, uma vezorganizado esse fluxo nas unidades com ESF, outras unida-des tenderiam a absorver as idéias e colocá-las em prática,favorecendo a melhorias no atendimento e na organizaçãodos serviços.

Assim, a proposta desse estudo foi demonstrar,na opinião de usuários, alguns pontos críticos no funciona-mento do PSF/SUS local; porém, não podemos nos fur-tar de oferecer, com base nas referências dos estudiososdo assunto, algumas idéias para buscar novos e melhoresresultados.

Esperamos que esses resultados impulsionem ou-tros estudos e que influenciem positivamente a saúde deJuiz de Fora e de outros municípios com realidades seme-lhantes.

8. Referências1.Brasil. Ministério da Saúde. Leis Orgânicas da Saúde. n.8080/1990 e 8142/1990.2.Starfield B. Atenção Primária: Equilíbrio entre as necessi-dades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília (DF):UNESCO, Ministério da Saúde; 2002.

3.Mattos R. A integralidade na prática (ou sobre a prática)da integralidade. Cadernos de Saúde Pública 2004; 20(5):1411-1416.4.Organização Mundial de Saúde. Cuidados inovadorespara condições crônicas: componentes estruturais de ação:relatório mundial. Disponível em: http://www.opas.org.br/publicmo>, disponibilidade 12/3/20065.Brasil. Ministério da Saúde. Programa de saúde da Famí-lia - Plano Operacional para 1994. Brasília (DF): Ministérioda Saúde; fev. 1994.6.Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saú-de. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional deAtenção Básica Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2006.(Serie Pactos Pela Saúde, 4).7.Prefeitura de Juiz de Fora, Secretaria de Saúde Sanea-mento e Desenvolvimento Ambiental, Plano Municipal deSaúde, 1997.8.MinayoMCS. O desafio do Conhecimento: pesquisa qua-litativa em saúde. 8 ed. São Paulo: Hucitec; 2004. 122p.9.Bardin L. Análise de Conteúdo. França: Edições 70; 1977.10.Bosi MLM, Mercado FJ (Orgs.). Pesquisa Qualitativade Saúde. Petrópolis (RJ): Vozes; 2004.11.Paim JS. Políticas de Descentralização e Atenção Primá-ria à Saúde. In Rouquayrol MZ, Almeida Filho N.Epidemiologia e Saúde. 5 ed. Rio de Janeiro: MEDSI; 1999.p. 489-503.12. Juiz de Fora [Prefeitura]. Secretaria de Saúde Sanea-mento e Desenvolvimento Ambiental. III ConferênciaMunicipal de Saúde: Relatório. Juiz de Fora: Secretaria deSaúde, Saneamento e Desenvolvimento; 2000.13.MendesEV,PestanaM.PactodeGestão: damunicipalizaçãoautárquica regionalização cooperativa. Secretaria de Estadoda Saúde de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004 Disponívelem: http:http://www.saude.mg.gov.br/publicacoes/livrosAcesso em: 12/03/2006.14.Mendes EV. Os grandes dilemas do SUS, tomo II. Sal-vador (BA): Casa da Qualidade; 2001.15. Juiz de Fora [Prefeitura]. Secretaria de Saúde Sanea-mento e Desenvolvimento Ambiental. Seção de Estatísticado Departamento de Clínicas Especializadas, Dados Pri-

Celia Regina Machado Saldanha Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.

Page 43: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com115Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

mários sobre o atendimento ambulatorial, 2004- 2006. Juizde Fora (MG): Secretaria de Saúde Saneamento e Desen-volvimento Ambiental; 2004.16.Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional deEducação - Câmara de Educação Superior � DiretrizesCurriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medi-cina � 2001. Brasília (DF): Ministério da Educação; 2001.

Endereço para correspondência:Avenida Barão do Rio Branco, 3596 � Apto. 2202Centro - Juiz de Fora � MGCEP: 36025-020

Endereço eletrônico:[email protected]

Celia Regina Machado Saldanha Uso da rede de serviços de Juiz de Fora: a opinião do usuário.

Page 44: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com116Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Análise da avaliação do PSF emmunicípiosde pequeno porte.

Analysis of the evaluation of the FHP small cities.

Fábio AragãoKluthcovsky*Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky**

RBMFC

Palavras-chave: Programa Saúde da Família;Avaliação em Saúde; Avaliação de Programas.

Key Words: Family Health Program;Evaluation in Health; Evaluation in Programs.

Resumo

No subsistema de saúde público brasileiro o fortalecimento da Atenção Básica teve particular contribuição doPrograma Saúde da Família (PSF). Atualmente, o PSF se desenvolve em cenários heterogêneos nos municípios e regiõesbrasileiras, espelhando a diversidade nacional e a grande variação de intensidade e formas de implantação do programa.A partir de 2005, o Ministério da Saúde (MS) propôs a institucionalização da avaliação do PSF por meio de questionáriosespecíficos. Este estudo objetivou analisar de forma crítica o instrumento de avaliação do PSF, proposto pelo MS. Trata-se de um estudo descritivo-reflexivo, com base na literatura especializada. A proposta de avaliação, com desenhometodológico quantitativo, limita a apreensão dos diferentes contextos municipais. Também se faz sentir a ausência daavaliação de usuários em relação à qualidade da atenção. Outro fato importante é que a avaliação poderá ser limitada porser de livre adesão pelos gestores municipais. Por outro lado, a proposta do MS tem o mérito de ser um processoespecífico e sistematizado de auto-avaliação para o PSF, com integração de diferentes atores, em um referencialmetodológico tradicional em qualidade de ações de saúde.

A integração do gestor municipal ao Plano Estadual de Avaliação e Monitoramento tem o benefício de envolverestados na harmonização de desigualdades regionais, além de suprir eventuais deficiências técnicas e/ou dificuldadesrelativas à gestão da estratégia nos municípios. A praticidade e a �resolutividade� da avaliação do PSF proposta pelo MScertamente terão papel importante para uso do gestor e equipes no direcionamento da estratégia e tomada de decisões.

Abstract

The Family Health Program (FHP) plays an important role in the strengthening of basic care in the Brazilian public health system.Currently the FHP is spreading over the Brazilian cities and regions, being implemented with different intensity and in different forms, reflecting thediversity of the country itself. In 2005, the Ministry of Health (MH) proposed evaluating the Family Health Program by means of specificquestionnaires. The aim of this descriptive reflective study is to conduct a critical analysis of the instrument proposed by the Ministry of Health for

*Médico de Família e Comunidade, Mestre em Enfermagem em Saúde Pública, Professor da UNICENTRO e Faculdade Guairacá, Brasil.**Médica, Mestre em Enfermagem em Saúde Pública, Professora da UNICENTRO, Brasil.

Page 45: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com117Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

evaluating the FHP in the light of the specialized literature. The proposedquantitative evaluation methodology is limiting the comprehension of thedifferent local contexts. Moreover, there is a lack of user-based evaluationas refers to the quality of the delivered services. Another importantlimitation is that the participation of the municipal administrations inthe evaluation is optional. On the other hand, the proposal of theMinistryhas the merit of representing a specific and systematized self-evaluationprocess for the FHP, integrating the opinion of different actors in amethodological approach traditionally accepted for evaluating the qualityof health actions. The integration of the municipal administrations tothe Evaluation and Monitoring Plan of the states has the advantage ofinvolving the states in the harmonization of regional inequalities and inthe solution of possible technical deficiencies and/ormanagement difficultieson municipal level. The functionality and resolutivity of the evaluationmethodology proposed by the Ministry of Health will certainly play animportant role in the strategic decision-making of public managers andhealth teams.

1. IntroduçãoA importância daAtençãoBásica no funcionamento

do sistema de saúde como um todo e o importante papeldo Programa Saúde da Família (PSF) na organização daAtenção Básica em uma significativa parcela de municípiosbrasileiros são elementos de análise que justificamplenamentea adoção de um processo específico e sistematizado deavaliação1.

A partir de 1999, ocorreu um importante aumentono número de equipes em pequenos municípios, em funçãodo aumento de repasse financeiro realizado pelo MS paraaqueles com maiores coberturas populacionais2,3. Naseqüência, por meio de financiamentos diferenciados decusteio e investimento direcionados a municípios com maisde 100 mil habitantes, o MS buscou a expansão da estratégiaem municípios de médio e grande porte4.

A expansão do PSF em diversos contextos comvariados graus de implantação e diferentes níveis de coberturagerou grande diversidade de avaliações, que buscavamquantificar resultados sob diversos pontos de vista5. Em quepese a importância das informações produzidas, ainda não

Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky

estava disponível um instrumento específico de avaliaçãoda estratégia.

Como forma de responder a esta necessidade, oMinistério da Saúde (MS) propôs a utilização de instrumentosde auto-avaliação1, com integração de respostas de diferentesatores envolvendo as equipes de gestão e operacionais, emum referencial sistêmico6, tradicionalmente aceito paraavaliação de qualidade de ações de saúde. A padronizaçãodo referido instrumento busca a confiabilidade e reproduti-bilidade das informações obtidas.

A iniciativa doMS emdisponibilizar um instrumentode avaliação continuada é de extrema relevância, pois, comisso, as informações poderão ficar disponíveis para gestãointerna, possibilitando uma melhora constante da qualidadedas ações, pela importância que o PSF representa no atualcontexto da saúde pública do Brasil, tanto pelo aumentocrescente do número de equipes implantadas nos últimosanos, como pelos seus resultados.

Considerando a avaliação de serviços ou programasde saúde um importante e complexo tema, este estudoobjetivou realizar uma análise sobre o processo de avaliaçãoem saúde, e sobre a utilização do instrumento de auto-avaliação do PSF proposto pelo MS, identificando-se suasvantagens e limitações, especialmente relacionadas às peculia-ridades do PSF no contexto de pequenos municípios.

2. O processo de avaliaçãoAtualmente há consenso a respeito da necessidade de

processos de avaliação nos diferentes setores de organizaçãoda atividade humana7. Por outro lado, há grande controvérsiaa respeito da exata definição da avaliação8. Entende-se queuma coleta sistematizada de informações para subsidiar oestabelecimento de um juízo de valor sobre um dado objetoconstitui uma avaliação formal9, com a finalidade de aplicarpadrões que permitam a determinação de valor, qualidade,utilidade, efetividade ou significância8.

Apesar da importância da avaliação para a tomadade decisões, há questionamentos no meio acadêmico seuma avaliação poderia ou não ser considerada ciência.Pouvourville10 relata que a utilização de métodos científicos

Page 46: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com118Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

para �explorar as ações sobre a população e entender orespectivo impacto na sociedade parece para mim intima-mente ligada à ciência, especialmente quando se consideraque o principal propósito da última é explorar nossa realidadecom métodos controlados�.

Nos diferentes setores de organização das ativida-des humanas há diversidade no modo e finalidade dosprocessos de avaliação. No setor privado, a avaliação é aferramenta para ganhos de produtividade e eficiênciaorganizacional com satisfação do cliente. No terceiro setor,além dos benefícios anteriormente citados, a avaliação é aforma de demonstrar excelência e efetividade, no sentidode obter respaldo junto à sociedade na qual está inserido7.

No setor público, no qual é freqüente a estruturaçãode ações sob a forma de programas, com o objetivo degestão de resultados, a avaliação é condição imprescindívelpara demonstração de resultados, possibilitando amotivaçãodo staff e orientando futuras intervenções. A pressão domercado financeiro externo sobre os governos no sentidode provar a capacidade de reger o próprio crescimento eaté evitar a transferência de atribuições ao setor privado,supostamente mais eficiente e efetivo, torna o embateideológico e reforça o papel da avaliação na modernizaçãodo setor público10.

A avaliação deveria ser utilizada como cultura nosetor público, como forma de fortalecimento do mesmo eracionalização de políticas em todo o mundo, tendo comofinalidade o aumento da performance das intervenções10,11.Constandriopoulos11 considera a institucionalização daavaliação como uma criação de mecanismos formais deprodução de informação sobre programas e políticaspúblicas. Ele enfatiza ainda o desafio da racionalização derecursos em um contexto de mercado globalizado comgovernos locais fragilizados pela necessidade de cortes emprogramas sociais, especialmente na área da saúde. Nestasituação, caracterizada pela tensão redistributiva12, a avaliaçãocomo processo sistemático certamente se constitui em umaimportante ferramenta de gestão e tomada de decisões.

3. A avaliação em saúde no setor públicoApesar de todos os argumentos favoráveis à

utilização da avaliação no setor público, Hartz e Pouvorville13

consideram que a mesma é prática rara no Brasil, apesar doassunto freqüentemente ocupar a agenda científica, técnica elegal no país.

Essa diferença entre retórica e prática, na realidadebrasileira, pode ser atribuída a várias razões. Alguns aspectospontuados por Travassos14, específicos para a área de saúde,incluem a falta de uma cultura política orientada por avaliaçãoe a falta de especialistas, tanto acadêmicos como técnicos,nas áreas de avaliação de qualidade, gerência de qualidade eprodução e análise de dados de saúde e documentaçãomédica. Por outro lado, a avaliação divide a responsabilidadede tomada de decisão com segmentos mobilizados dasociedade, o que pode explicar a resistência à adoção edivulgação de resultados, em alguns casos do setor públicobrasileiro15.

Novaes16 concorda com a deficiência nacional emtermos de cultura e recursos humanos em avaliação, ao mes-mo tempo em que identifica a oportunidade e necessidadede diversos tipos de avaliação, especificamente na área desaúde, na qual ocorreram: expansão de atenção à saúde; ofertade novas tecnologias; novos modelos assistenciais ecrescimento setorial de importância política e econômica.

Tais proposições, emdiferentes níveis de atenção, emgeral são estruturadas sob a forma de programas, de modoque, simultaneamente à proposição, já é prevista alguma formade avaliação a ser realizada coma implementação eo desenvol-vimento do proposto.

Essa multiplicidade de programas e respectivasavaliações trazem certa dificuldade de sistematização as-sumida em informe técnico institucional do MS: �aindabusca-se clarear as diretrizes de uma política de avaliação,que, embora em franco processo de implantação, estabelececomo desafio a superação dos obstáculos operacionais efuncionais para sua execução�17.

Hartz15 define programa como um �Conjunto deações visando a favorecer comportamentos adaptativosrequeridos por diferentes áreas ou atividades humanas

Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky

Page 47: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com119Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

relacionadas com vida comunitária, escola, trabalho, saúdee bem-estar�.

Um programa em geral pressupõe a necessidadede articulação de ações de diferentes atores comresponsabilidades diversas, em geral demandando práticasintersetoriais. O processo de avaliação é complexo pelaperspectiva integradora das diferentes contribuições10. Estanecessidade de integração decorre da natureza complexado processo de produção saúde-doença, em que interagemdiferentes sistemas e processos, de modo que o resultadona atenção à saúde não depende exclusivamente de umdeterminado serviço de saúde14.

Nesta complexidade, a avaliação de programas pú-blicos se constitui em um desafio metodológico, no qual sebusca identificar a relação interativa de negociação entreparcerias, e iterativa, na qual se manifesta, ou não, a relaçãoentre ação e resultados. O grau de implantação dos progra-mas emdiferentes contextos é outra importante questão paranão se incorrer no erro das avaliações precoces10.

Para dar conta do desafio metodológico, Hartz18

defende o modelo de avaliação orientado pela teoriaexplicativa do respectivo funcionamento. Neste modelo,denominado theory-driven evaluation, prima-se por umaconstrução lógica, com base em pesquisas prévias, teoriasde ciências sociais e experiência de gestores e avaliadores,nas quais se buscam respostas às questões centrais doprograma: �Qual o problema ou comportamento visado?�,�Como a população se caracteriza?�, �Quais as condiçõesdo contexto?�, �Quais os ingredientes ativos noprograma?� (Questão relativa ao conteúdo do programanecessário para produzir os efeitos desejados).

Este modelo teórico diz respeito à lógica de causae efeito do programa no sentido plural, a partir da análisedos subprogramas, em uma articulada e hierárquica relaçãodo tipo se � então, que compõe o todo19.

Em relação à metodologia utilizada na avaliação deprogramas de saúde, pode-se perceber a construção de umprogressivo consenso em torno da utilização combinada detécnicas de análises qualitativas e quantitativas15,16,18,19,20 emumenfoque feito sob medida, ou sur mesure para o programa

avaliado, como prefere Hartz15. Esta construção metodoló-gica é diferente dos desenhos experimentais ou quase experi-mentais tradicionalmente utilizados, sendo freqüente a utiliza-ção de estudo de caso para avaliação de programas na áreada saúde15,18,19,21,22.

Independentemente do desenhometodológico, emtodos os tipos de avaliação está presente a idéia de quali-dade. Embora a palavra qualidade seja amplamenteutilizada, sua definição não é tarefa simples, e, não obstante,não pode ficar em termos abstratos. Isto em função deque, para o avaliador, a qualidade deve se tornar um objetomensurável.

Em termos gerais, a qualidade é verificada quandoda atribuição de juízo ao objeto avaliado resulta um valorpositivo. Estabelecer o juízo de valor positivo implica nautilização de critérios implícitos e explícitos23.

Avedis Donabedian é o autor consensualmenteutilizado como referencial teórico na avaliação de qualidadeem atenção à saúde16,20,24,25,26. Seumérito residiu, entre outrasrazões, na capacidade de sistematizar a apropriação dequalidade em termos de serviços, ações e programas desaúde. Desta forma, asseverou que qualidade deve repre-sentar um julgamento positivo em relação à técnica envol-vida na atenção à saúde e no relacionamento interpessoalentre cliente e prestador 23.

Nesta perspectiva, o autor reconheceu a existênciade várias definições de qualidade em serviços de saúde6 eadotou uma forma mais ampliada de entendê-la, incluindomúltiplos aspectos, tais como: consideração dos potenciaisbenefício e dano que uma dada intervenção pode determinarna saúde do paciente, informação completa ao paciente ourepresentante legítimo das considerações anteriores, não-utilização de práticas de pouca ou nenhuma utilidade, respon-sabilidade de fazer omelhor pelo paciente em dadas circuns-tâncias e consideração dos custos envolvidos na atenção aopaciente.

Outro aspecto do enfoque de qualidade em saúdeé a consideração do papel do consumidor, no caso os usuáriosdos serviços de saúde, nos ganhos de qualidade através de:retroalimentações fornecidas diretamente aos prestadores,

Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky

Page 48: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com120Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

ou, indiretamente, por via administrativa, mecanismos demercado e ação política. Qualidade é �a medida em que sãoutilizadas as circunstâncias mais favoráveis para o alcance demelhoria na saúde�27.

A riqueza deste referencial para a qualidade das açõesde saúde pode ser verificada na capacidade de unificarenfoques diferenciados em um conjunto de critérioscomplementares denominados de atributos da atenção emsaúde. No clássico artigo denominado Os sete pilares daqualidade27, os critérios de definição de qualidade em atençãoà saúde foram divididos em eficácia, efetividade, eficiência,otimização, aceitabilidade, legitimidade e eqüidade.

Em outros trabalhos6,28, retomou-se um modelode avaliação derivado da abordagem de análise de sistemas,no qual é adotado um paradigma com distinção de etapasdenominadas de estrutura, processo e resultado ou impacto.A abordagemde análise de sistemas traz vantagens em funçãoda formulação científica, da orientação para gestão, daobjetividade quantitativa e replicabilidade, da ênfase emrelações de causa-efeito entre os componentes do sistema esua lógica conceitual29.

Este marco conceitual é largamente utilizado naavaliação de programas de saúde, sendo inclusive afundamentação teórica utilizada pelo MS para avaliação deprogramas específicos21,24. Outros autores acrescentaramaomodelo original outros elementos, conservando o núcleocentral de integração e a interdependência dos itens analisa-dos30. Apesar da divisão em etapas, o modelo propostopermite flexibilidade, sendo usual a dificuldade em diferen-ciá-las31.

O MS tem empreendido esforços no sentido dedisponibilizar aos gestoresmunicipais instrumentosde gerênciae avaliação no nível local, com um importante recorte naatençãobásica, de forma especial em relação aoPSF1.A ênfaseno PSF pode ser justificada em função da sua significativaexpansão nos últimos anos e pela importância como porta deentrada do sistema de saúde como um todo.

4. A avaliação do PSFOPSF tem como objetivo a reorganização da prática

assistencial em substituição ao modelo tradicional de assis-tência à saúde. A assistência está centrada na família a partirde seu ambiente físico e social, em território definido, pos-sibilitando às equipes de Saúde da Família (ESF), de carátermultiprofissional, melhor compreensão do processo saúde-doença e da necessidade de intervenções que vão além daspráticas curativas. Apresenta-se como uma estratégia queprioriza ações de promoção, proteção e recuperação dasaúde dos indivíduos, além de reafirmar e incorporar osprincípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS), a u-niversalização, descentralização, integralidade e participaçãoda comunidade32.

No ano de 2006, havia um total de 26.729 ESFimplantadas em 5.106 municípios brasileiros, representando91,8% destes, cobrindo 46,2% da população brasileira, oque corresponde a cerca de 85,7 milhões de pessoas33.

A adesão dos municípios à estratégia Saúde daFamília foi variável conforme o porte dosmunicípios. Assim,os municípios menores implantaram a estratégia de modomais precoce e com maior facilidade do que os municípiosde grande porte1. A partir de novembro de 1999, com oincremento no valor dos incentivos repassados peloMS paraos municípios em direta proporção com as faixas decobertura populacional pelo programa34, a lógica financeirapassou a ser o melhor argumento junto à administração depequenos municípios para a adoção do PSF. Neste contexto,um pequeno número de equipes representa 100% decobertura do PSF, com alcance do valor máximo de repassefinanceiro por equipe de saúde.

Já os grandesmunicípios brasileiros apresentamcertascaracterísticas, como complexidade sociossanitária, existênciade modelos de atenção em saúde estabelecidos, organizaçãourbana e perfil e formação dos profissionais1, alémde concen-trarem mais da metade da população do país4.

Em termos de Brasil, a cobertura populacional doSaúde da Família aumentou 600%no período de 1998 a 2004.Contudo, quanto menor o município, mais alta a coberturado PSF e mais acelerada sua expansão. Em 2004, 65,29% dapopulação dos municípios com menos de 20 mil habitantesera atendida pelo programa, e apenas 27,50% da população

Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky

Page 49: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com121Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

dosmunicípios com 80mil oumais habitantes estava cobertapelo programa35.

A fim de superar as limitações quanto à expansão doPSF em grandes centros, foi desenvolvido pelo MS o Projetode Expansão e Consolidação do Saúde da Família (PROESF),com apoio do Banco Mundial � BIRD �, estruturado em trêscomponentes de avaliação: incentivar e ampliar o número deequipesdirigidoaosmunicípios commaisde100mil habitantes;formarprofissionaisparao trabalhona estratégia, independentedo porte, e fortalecer os processos de monitoramento eavaliação, independente do porte4.

Tornar a avaliação como ação sistemática no sistemapúblico de saúde é assumida pelo MS como passo funda-mental para dar qualidade às ações desenvolvidas para ocumprimento dos princípios basilares do SUS. Por essa razão,um dos objetivos do PROESF foi criar uma cultura e umasistemática de avaliação emonitoramento em saúde, benefi-ciando municípios que adotaram o PSF3.

Antes do PROESF, o Pacto daAtenção Básica, feitoanualmente, apresentava alguns indicadores relativos àestratégia do PSF36. A partir de 2005, no entanto, a Coorde-nação de Avaliação da Atenção Básica passou a propor umprocesso de avaliação específico para o PSF, intituladoAvaliação para Melhoria da Qualidade da Estratégia Saúdeda Família1. Neste processo de avaliação, qualidade em saúdeé definida como �o grau de atendimento a padrões dequalidade estabelecidos frente às normas e aos protocolosque organizam as ações e práticas, assim como aos conheci-mentos técnicos e científicos atuais, respeitando valores cultu-ralmente aceitos� 29,37.

Utilizando referenciais misto de Donabedian29 eUchimura e Bosi37, o MS assume a necessidade de apreendero impacto da atuação das ESF, nos respectivos contextos.

Esta proposta é de difícil operacionalização, poispressupõe umprocesso de avaliação extremamente complexo,sugerindo a adoção de uma linha de estudo de caso paradiferentes contextos15,30.

As diretrizes da avaliação proposta pelo MScaracterizam-se como um processo auto-avaliativo, livreadesão pelos gestores municipais, ausência de incentivos ou

punições financeiras ou outras relacionadas aos resultados,utilização de aplicativo digital para alimentação de banco dedados e emissão de relatórios via internet e integração àsatividades desenvolvidas no âmbito dos Planos Estaduaisde Monitoramento e Avaliação da Atenção Básica1.

A proposta adota a utilização de cinco instrumentosde auto-avaliação, com ênfase nos processos de trabalho.Pela inerente possibilidade de pronta intervenção quando daidentificação dos problemas, em uma linha de avaliação paragestão. Aspectos de estrutura e resultado são tomados comoparâmetros para avaliação da qualidade, a partir de uma visãodinâmica de estágios de qualidade inter-relacionados, porémcommenor ênfase em relação àqueles indicadores de proces-so. Vale ressaltar que, na avaliação no nível local, são focadosdois componentes nucleares ou unidades de análise para aavaliação: a gestão municipal do Saúde da Família e as equi-pes1.

A gestão municipal da estratégia Saúde da Família éavaliadaprioritariamentepelos instrumentos 1 e 2preenchidos,respectivamente, pelo gestor municipal e coordenação daestratégia. Responsáveis pelas unidades de Saúde da Família,integrantes das ESF e profissionais de nível superiorrespondem os instrumentos 3, 4 e 5, respectivamente,gerando as principais informações para avaliação das ESFem relação a 1:- Infra-estrutura: insumos, equipes, materiais, recursoshumanos e ambiente físico; existência e utilização demanuaisde procedimentos, guias de conduta, sistemas informatizados,dentre outros.- Processos relativos a: aspectos organizativos (planejamentoe programação, abrangência das ações e participação comuni-tária), técnico-científicos (competência técnico-científica eprotocolização do atendimento) e relação interpessoal(acolhimento e comunicação interpessoal).- Resultados: diretos (decorrem da ampliação do acesso,adequação e efetividade das ações desenvolvidas) e de saúdeda população (relacionados a indicadores epidemiológicosem termos de internações por doenças evitáveis, morbi-dade e mortalidade e dependem de uma grande proporçãode fatores relacionados à prestação do cuidado nos demais

Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky

Page 50: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com122Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

níveis de atenção do sistema, bem como do envolvimento eparticipação de outros setores e atores da área social).

Em que pese a integração dos diferentes níveis degoverno no processo de avaliação proposto, o nível local seráresponsável pela concretização, ou não, da referida proposta epela viabilização, ou não, das ações de melhoria da qualidade.

O nível local, após análise dos instrumentos, seráqualificado emcincopadrões crescentes dequalidade, variandoentre: padrão E (Qualidade Elementar), padrão D (Qualidadeem Desenvolvimento), padrão C (Qualidade Consolidada),padrão B (Qualidade Boa) e padrão A (Qualidade Avançada).Esses estágios devem refletir momentos de um processo deevolução da qualidade nos serviços1.

Segundo o MS, os principais beneficiários dessainiciativa seriam os próprios usuários do sistema de saúde, jáque a melhora contínua na qualidade do Saúde da Famíliarepresentará melhoria no acesso, maior resolubilidade ehumanização dos serviços1. Contudo, se faz sentir a ausênciada avaliação de usuários em relação à qualidade da atenção,considerados por Santos, Uchimura e Lang38 a razão da exis-tência dos serviços de saúde.

Além disso, o desenho metodológico quantitativolimita a apreensão dos diferentes contextos municipais, já queos municípios com população igual ou inferior a 20 milhabitantes apresentam características próprias, de modo que aavaliação não deveria obedecer ao mesmo padrão quemunicípios de diferentes portes10. Como exemplos dessascaracterísticas próprias dos pequenos municípios, podem sercitados, dentre outros, a dificuldade de fixação de profissionaisde saúde integrantes das equipes; dificuldade de entendimento,por parte do corpo técnico gestor da estratégia, da avaliaçãocomo instrumento para gestão; unidades do PSF cobrindograndes áreas rurais com baixa densidade populacional edificuldades particulares nas condições de trabalho;dependência dos municípios pólo para atenção especializada,dificultando a referência e contra-referência.

Essas limitações poderiam ser identificadas porestudos específicos, com utilização de técnicas qualitativas equantitativasaplicadasemparaleloao instrumentosistematizado,naquelas situações singulares, podendo ainda esclarecer

elementos facilitadores e dificultadores da estratégia.Outra questão importante é que a avaliação proposta

pelo MS poderá ser limitada por uma baixa adesão demunicípios, já que o processo de avaliação depende da livreadesão do gestor municipal, o que poderia ser minimizadopela adoção de incentivos para aqueles que apresentassemevidências da utilização das informações para gestão interna emelhoria da qualidade das ações.

Por outro lado, a proposta do MS tem o mérito deser um processo específico e sistematizado de auto-avaliaçãopara o PSF, com integração de diferentes atores, em umreferencial metodológico tradicional em qualidade de açõesde saúde.

A integração do gestor municipal ao Plano EstadualdeAvaliação eMonitoramento temopotencial de desencadeare incrementar a participação dos estados na proposição eimplementação de ações com vistas à harmonização dedesigualdades regionais nos diferentes níveis de atenção, emespecial na Atenção Básica. A coordenação estadual tambémpode suprir eventuais deficiências técnicas e/ou dificuldadesrelativas à gestão da estratégia nos municípios. Contudo, oadequado desempenho do gestor estadual se constitui em nócrítico neste processo, especialmente para aqueles municípioscom limitado corpo técnico e/oudificuldades relativas à gestãoda estratégia.

5. Considerações finaisA importância da Atenção Básica na organização

do sistema de saúde como um todo e o incontestável papeldo PSF na organização da Atenção Básica em umasignificativa parcela de municípios brasileiros são elementosde análise que justificamplenamente a adoção de umprocessoespecífico e sistematizado de avaliação.

O desenho metodológico da proposta do MS,com técnica quantitativa, não prevê a identificação dosdiferentes contextos em que a estratégia está atuando, bemcomo a não-avaliação das expectativas dos usuários emrelação à qualidade da atenção.

Por outro lado, a utilização de instrumentos de auto-avaliação, com integração de respostas de diferentes atores,

Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky

Page 51: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com123Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

envolvendo as equipes de gestão e operacionais em umreferencial metodológico tradicionalmente aceito paraavaliação de qualidade de ações de saúde é uma garantiano sentido da confiabilidade e reprodutibilidade dasinformações obtidas. São características que sugerem que aproposta do MS deverá ser mantida ao longo do tempo.

Apesar das limitações, é extremamente oportunaa iniciativa do MS quanto à proposta de avaliaçãocontinuada com disponibilização de informações paragestão interna, possibilitando uma melhora constante daqualidade das ações. Por outro lado, na medida em que osistema produzisse as informações, seria interessante quetanto gestor municipal quanto equipes pudessem acessarfacilmente os resultados da avaliação e eventuais propostasde correção, e tomada de decisões e direcionamento dasações fossem acompanhadas com respaldo pelos demaisníveis de governo.

6. Referências1.Brasil. Ministério da Saúde. Avaliação para Melhoria daQualidade da Estratégia Saúde da Família. DocumentoTécnico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2005. 110p.2.Kluthcovsky FA. Avaliação do processo de expansão doPrograma Saúde da Família em ummunicípio do Sul do Brasil[Dissertação]. Ribeirão Preto, Escola de Enfermagem deRibeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2005.3.WorldBank.HumanDevelopmentSectorManagementUnit.Brazil Country Management Unit Latin America and theCaribbean Region. Report. N 233353 BR. The Brazil FamilyHealth Extension Program. 2002. Disponível em: http://www-wds.worldbank.org/servlet/WDSContentServer/WDSP/IB/2002/03/15/000094946_02022804005161/Rendered/PDF/multi0page.pdf. Acesso em: 30 ago. 2007.4.Leal PRM. Grandes cidades, grandes desafios. RevistaBrasileira de Saúde da Família. 2002; 6:44-48.5.LentsckMH.Avaliação do Programa Saúde da Família: umarevisão. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação emEnfermagem.Guarapuava, UniversidadeEstadual doCentro-Oeste; 2007.6.Donabedian A. Explorations in Quality Assessment and

Monitoring. The Definition of Quality and Approaches to ItsAssessment.AnnArbor,MI:HealthAdministrationPress;1980.163 p.7.O�Connel B 1993. Preface. In: Gray ST. Leadership IS: avision of evaluation Washington: Independent Sector; 1993.p. iii.8.Worthen BR, Sanders JR, Fitzpatrick JL. Introduction toevaluation. In:______. Program evaluation: alternativeapproaches and practical guidelines. New York: LongmanPublishers USA; 1997. 558 p.9.Sanders JR. Uses of evaluation as a means towardorganizational effectiveness. In:GrayST.Leadership IS: a visionof evaluation. Washington: Independent Sector; 1993. p. 13-18.10.PouvorvilleG.Evaluation theFrenchchefs are still searchingfor �la nouvelle cuisine�. Cadernos de Saúde Pública. 1999;15(2):248-250.11.Constandriopoulos AP. Is the institutionalization ofevaluationsufficient toguarantee itspractice?CadernosdeSaúdePública. 1999; 15(2):253-256.12.CamposFCC.Gestão intergovernamental e financiamentodo Sistema Único de Saúde: apontamentos para os gestoresmunicipais. In: Brasil. Ministério da Saúde. Gestão municipalde saúde: textos básicos. 20. ed. Brasília (DF): Ministério daSaúde; 2001. p. 79-109.13.Hartz ZMA, Pouvorville G. A avaliação da eficiência emsaúde: a eficiência emquestão.Ciência&SaúdeColetiva. 1998;III(1):68-82.14.Travassos C. Debate on the paper by ZulmiraM. A. Hartz.Cadernos de Saúde Pública. 1999; 15(2): 246-247.15.Hartz ZMA. Avaliação dos programas de saúde:perspectivas teórico metodológicas e políticas institucionais.Ciência & Saúde Coletiva. 1999; 4(2):341-353.16.Novaes HMD. Avaliação de programas, serviços etecnologias em saúde. Revista de Saúde Pública. 2000;34(5):547-549.17.FelisbertoE.Monitoramento e avaliaçãona atenção básica:novoshorizontes.RevistaBrasileira de SaúdeMaterno-infantil.2004; 4(3):317-321.18.HartzZMA.Avaliação em saúde: dosmodelos conceituais

Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky

Page 52: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com124Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

à prática na análise da implantação de programas. Rio deJaneiro: Fiocruz; 1997. 131 p.19.Hartz ZMA. Institutionalizing the evaluation of helthprograms and policies in France: cuisine internationale overfast food and sur mesure over ready-made. Cadernos deSaúde Pública. 1999; 15(2):229-260.20.Perrin E. Some thoughts on outcomes research, qualityimprovement, and performancemeasurement.Medical Care.2002; 40(6 suppl):III89-91.21.Brasil. Ministério da Saúde. Avaliação da Implantação doPrograma de Saúde da Família em dez grandes centrosurbanos. Síntese dos principais resultados. Brasília (DF):Ministério da Saúde; 2002. 228p.22.Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad.Daniel Grassi. 2. ed. Porto Alegre: Bookman; 2001. 205 p.23.DonabedianA. Reflections on the effectiveness of qualityassurance. In: Palmer RH, Donabedian A, Povar G. Strivingfor quality in health care: an inquiry into policy and practice.Michigan: Health Administration Press; 1991. p. 61-128.24. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de avaliação �metodologia de avaliação dos subprojetos do componenteI do projeto REFORSUS. 1. ed. Brasília (DF): Ministério daSaúde; 1999. p. 11-17.25.Palmer RH. Process-based measures of quality: the needfor detailed clinical data in large health care databases. Annalof Internal Medicine. 1997; 127(8 suppl):733-738.26.Trad LAB, Bastos ACS. O impacto sócio-cultural doPrograma Saúde da Família (PSF): uma proposta de avaliação.Cadernos de Saúde Pública. 1998; 14(2):429-435.27.Donabedian A. The seven pillars of quality. Archives ofPathology and Laboratory Medicine. 1990; 114:1115 -1118.28.DonabedianA.The role of outcomes in quality assessmentand assurance. Quality review bulletin. 1992; 18:356-360.29.Donabedian A. Twenty years of research on the qualityof medical care 1964 -1984. Evaluation and the HealthProfessions; 1985. 8(3):243-265.30.Handler A, Issel M, Turnock B. A conceptual frameworkto measure performance of the public health system.American Journal of Public Health. 2001; 91(8):1235-1239.31.Pereira MG. Qualidade dos serviços de saúde. In:_____.

Epidemiologia: teoria e prática. 1. ed. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan; 1995; p. 538-560.32.Brasil. Ministério da Saúde. Programa Saúde da Família.Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2001. 36p.33.Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de AtençãoBásica. Atenção Básica e a Saúde da Família. Disponível em:http://dtr2004.saude.gov.br/dab/abnumeros.php. Acessoem: 25 nov. 2007.34.Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 1329/GM de 12de novembro de 1999. Estabelece nova sistemática para ocálculo do incentivo financeiro ao Programa Saúde daFamília, parte integrante do Piso da Atenção Básica � PAB,1999. Disponível em:http://www.saude.gov.br/portaria/portaria.htm. Acesso em: 22 out. 2007.35.Brasil. Ministério da Saúde. Informe da Atenção Básica.Pesquisa nacional registra a evolução do Saúde da Família esua relação com indicadores de saúde. Brasília(DF):Ministérioda Saúde; 2005, ano VII, nov.-dez. 2p.36.Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 21 de 5 de janeirode 2005. Aprova a Relação de Indicadores daAtenção Básica� 2005. Portal da Saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde;2005. 66p.Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/siab/pacto2005/ portaria21.pdf. Acesso em: 01 mar. 2007.37.Uchimura KY, Bosi MLM. Qualidade e subjetividade naavaliação de programas e serviços em saúde. Cadernos deSaúde Pública. 2002; 18(6):1561-1569.38.Santos SM, Uchimura KY, Lang, RMF. Percepção dosusuários do Programa Saúde da Família: uma experiêncialocal. Cadernos de Saúde Coletiva. 2005; 13(3): 687-704.

Endereço para correspondência:R. Simeão Varela de Sá, n. 3Guarapuava � PRCEP: 85.040-080

Endereço eletrônico:[email protected]

Análise da avaliação do PSF em municípios de pequenos porte.Fábio Aragão Kluthcovsky e Ana Cláudia Garabeli Cavalli Kluthcovsky

Page 53: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Angola, ares de transformação

Angola, transformations are in the air

Camila Giugliani*

RBMFC

Palavras-chave: Angola; Altruísmo; Assistência;Cooperação Internacional; Formação de RecursosHumanos; Capacitação.

Key Words: Angola; Altruism; Assistance; InternationalCooperation; Human Resources Formation; Training.

ResumoRelato a experiência de trabalhar um ano na zona rural de Angola num projeto de saúde materno-infantil com a

Organização Não-Governamental Médecins Du Monde. Descrevo, de forma pessoal, algumas intervenções do projeto,assim como alguns resultados alcançados. Por fim, exponho alguns questionamentos e contradições em relação a esteprojeto e, mais amplamente, em relação ao trabalho de assistência ao desenvolvimento de países da África subsaariana.

AbstractIn this article I tell about my experience of working one year in a rural area in Angola, in a mother-child health project with the

Non-Governmental Organization Médecins du Monde. I describe, in a personal manner, some of the project�s interventions as well as some ofthe results that were achieced. Finally, I address some questions and contradictions in relation to this project, in more general terms, the work indevelopment assistance in Sub-Saharan Africa.

Relato de Caso

CaseReport

Rev Bras Med Fam e Com125Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

*Médica de Família e Comunidade, aluna de doutorado do programa de pós-graduação em Epidemiologia, Departamento de Medicina Social,Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Page 54: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Camila Giugliani Angola, ares de transformação.

Rev Bras Med Fam e Com126Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

1. IntroduçãoHá tempos, eu andava pensando seriamente nessa

história de missão humanitária. Mas, chegada a hora departir de verdade, foi aquele �frio na barriga�, uma sensa-ção forte de grande desafio. Sensação que permaneceu pre-sente a cada dia deste ano em Angola, na província deHuambo, centro-sul do país. Conheci a Médecins DuMonde (MDM)1 durante a minha estada de um ano emParis, França, onde estava fazendo uma especialização emSaúde Pública. Originária de alguns dissidentes daMédecinsSans Frontières2, a Organização Não-Governamental(ONG) de solidariedade internacional MDM foi fundadaem 1980 e trabalha com missões de ajuda humanitária naFrança e em todo o mundo, desenvolvendo projetos sus-tentáveis junto a populações vulneráveis. Além disso, o de-ver de testemunhar e denunciar situações de violação dedireitos humanos é um dos pilares da filosofia de trabalhoda organização. O projeto que me foi proposto, em An-gola, não foi uma exceção a essa filosofia central de traba-lho. O objetivo era apoiar o desenvolvimento e a melhoriada assistência em saúde materno-infantil na zona norte daprovíncia de Huambo, no interior de Angola. Isso não sig-nificava fazer assistência (o que era a minha idéia quandoeu, longinquamente, imaginava este �tipo de trabalho hu-manitário�), mas, sim, apoiar o desenvolvimento de algoque fosse viável no contexto real de Angola, junto às pes-soas de lá, aos profissionais angolanos, capacitando-os con-tinuamente para desenvolverem determinadas ações de for-ma sustentada. Grande desafio. Maior ainda porque eununca tivera experiência desse tipo no passado e sabia queeu seria a única médica da equipe e a coordenadora médi-ca do projeto. Além disso, eu sabia que este cargo estavavazio na equipe havia um ano e meio, o que tornava asituação ainda mais difícil para mim, que teria que pratica-mente reinventar todo o trabalho, que eu não tinha nemidéia de como era. Depois, eu aprendi, na �vida real�, queexperiência é muito importante, mas que o essencial mes-mo é a motivação - e isso eu tinha! O contrato inicial deseis meses se prolongou para um ano. Seis meses era muitopouco para compreender aquela realidade tão distante e

diferente e para conseguir, junto com meus colegas, traba-lhar de forma adaptada e conjunta, em sintonia com osangolanos.

2. DesenvolvimentoAngola tem aproximadamente 15 milhões de ha-

bitantes3. Após uma longa guerra civil, de quase 30 anos,que só terminou em 2002, esse país passa por um períodode paz e reconstrução. Reconstrução lenta e difícil, comdificuldades políticas persistentes. As últimas, primeiras eúnicas eleições aconteceram em 1992 e acabaram por in-tensificar os conflitos de luta armada. Atualmente, no anode 2008, o país está concluindo o registro eleitoral da po-pulação, para que as próximas eleições possam se realizar,talvez, em 2009.

A guerra destruiu a infra-estrutura de Angola, suasestradas, ferrovias, escolas, os postos de saúde, hospitais, aeletricidade, os sistemas de água e esgoto (Figura 1). Milhõesde pessoas morreram ou se refugiaram, famílias se separa-ram, crianças ficaram órfãs, milhões de minas terrestres fo-ram colocadas no solo angolano, matando e incapacitandomilhares de pessoas. A guerra ficou marcada na história, nacultura, na vida e no olhar de cada angolano. Ela acaboucom o sonho de muitos, mas a paz trouxe novamente aesperança. E é este o momento de Angola: o momento dosonho, da paz, da efervescência. Será que o país que produzum milhão e meio de barris de petróleo por dia, fato que édesconhecido pela maioria dos angolanos, conseguirá ven-cer desafios como o de combater a segunda maior mortali-dade de crianças menores de cinco anos do mundo4? Omomento é de euforia, de crescimento, de reconstrução, masas dificuldades são muitas; as marcas da dominação, docolonialismo, da guerra, da destruição, do autoritarismo e dasubmissão são muito fortes e difíceis de serem apagadas. Aspessoas ainda vivem na lógica da sobrevivência; é difícil, comum passado tão recente de guerra e mortes, construir umprojeto de vida, dar vazão aos sonhos. As marcas do passa-do são mesmo difíceis de apagar. Mas não se trata de apa-gar, trata-se de transformar, de construir uma identidadecom cidadania, sem dominação nem guerra. A Angola de

Page 55: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Camila Giugliani Angola, ares de transformação.

Rev Bras Med Fam e Com127Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

hoje tem ares de transformação.A transformação precisa acontecer. É inaceitável

que, em um país tão rico, um quarto das crianças morraantes de completar cinco anos3,4. A mortalidade maternatambém é uma das mais altas do mundo: 1.700 : 100.000.As principais causas de morte são doenças infecciosas quepodem ser prevenidas, como malária, diarréia e pneumo-nia. A expectativa de vida ao nascer é de apenas 41 anos. Adesnutrição também é um problema sério; estima-se queaproximadamente 30% das crianças estejam abaixo do pesoesperado. A assistência à saúde é extremamente deficiente,principalmente na zona rural. As unidades de saúde estãoem condições muito precárias (Figura 2), faltam medica-mentos e profissionais de saúde. Toda a assistência nospostos de saúde e até em alguns hospitais da zona rural éfeita por técnicos de enfermagem, pois há uma grandeescassez de médicos, e a grande maioria destes se concen-tra na capital, Luanda, onde existem mais atrativos, melho-res possibilidades financeiras e um atraente sistema de saú-de privado. A alta taxa de natalidade (aproximadamentesete filhos por mulher)3,4 e o grande número de partos semassistência de um profissional qualificado, somados ao aces-so ainda restrito à assistência pré-natal, são alguns dos fato-res que contribuem para a excessiva mortalidade materna.Em muitos lugares da zona rural, a maioria dos partosainda é feita no domicílio, pelas parteiras tradicionais, poisa unidade de saúde fica muito distante e não há transportedisponível. Nestes lugares, se há necessidade de um partocesáreo, as muitas horas de espera por transporte e o pró-prio trajeto até um hospital na capital da província resul-tam em muitas mortes de mães e bebês.

Neste contexto tão difícil, trabalhar com um pro-jeto de desenvolvimento foi um desafio constante, commuitas frustrações e pequenos ganhos a cada dia. Traba-lhávamos com várias limitações de estrutura e de seguran-ça. Os deslocamentos de carro eram restritos às estradasque já haviam sido desminadas, a comunicação era porrádio, eletricidade, às vezes, havia, e banho era de balde.No planalto de Bié, onde está localizada a província deHuambo, as estradas cortam uma linda savana, com mui-

tos rios, pedras e colinas, paisagem que lembra o cerradobrasileiro. A 1.700 metros de altitude, o clima é muito agra-dável; uma estação seca, de maio a setembro, e uma esta-ção chuvosa, de outubro a abril. Fala-se português oficial-mente, mas há 20 línguas nacionais em Angola, e nas zonasmais isoladas, o português ainda é muito pouco falado. Naregião de Huambo, fala-se umbundo.

A equipe estrangeira de MDM era constituída pormim, duas enfermeiras, uma parteira, um administrador,um logístico e um coordenador geral. A maior parte daequipe era formada por angolanos, contratados no local,técnicos de enfermagem, pessoal administrativo e de apoio.Todos falavam umbundo, o que facilitava o trabalho comas populações das zonas mais isoladas. Trabalhar com osangolanos foi um grande prazer, pela sua simpatia e ale-gria, mas também uma grande dificuldade, pela sua passi-vidade, desmotivação e comportamento submisso. A so-ciedade funciona demaneira altamente hierarquizada e cen-tralizada, tudo depende do chefe, e quem não é chefe nãoousa falar o que pensa. Logo percebi que paciência e per-sistência seriam essenciais para conseguir desenvolver umtrabalho neste contexto. Trabalhar e conviver com os an-golanos, sempre com o objetivo de estimular a sua auto-nomia e o seu senso de responsabilidade, foi um grandeaprendizado. Aprender a ter paciência para observar eaprender como as coisas são feitas no seu ritmo, respeitan-do as diferenças e mantendo a motivação viva, apesar dasdificuldades, que, às vezes, pareciam insuperáveis, foi umagrande lição para a vida.

Todas as atividades idealizadas e realizadas pelanossa equipe eram construídas em conjunto com o pessoallocal, em geral, o pessoal ligado ao Ministério da Saúde(MINSA), nos níveis provincial e municipal. O objetivoera trabalhar com eles, para que se apropriassem do traba-lho, aumentando a probabilidade de uma ação sustentável.Construir as atividades junto com o pessoal local, estimu-lando a sua participação ao máximo, nem sempre foi fácil.Ajudar a combater a corrupção e o clientelismo e melho-rar a qualidade da administração eram sempre objetivosdesafiadores. Neste aspecto, foi muito importante o traba-

Page 56: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

lho de advocacia de MDM, para o qual dediquei uma par-te significativa do meu tempo. Testemunhar, por meio dedepoimentos e documentos oficiais (fosse por relatóriosmensais da organização, de documentos específicos, arti-gos em jornais locais, depoimentos na rádio local ou reuni-ões com as autoridades responsáveis), certas situações,como falta de condições básicas para assistência, falta demedicamentos essenciais e falta de qualificação e de pesso-al, e buscar das autoridades angolanas mais responsabilida-de e comprometimento representaram um trabalho cons-tante e árduo durante todo o ano que fiquei em Angola, jáque o costume era sempre o de esperar que as organiza-ções internacionais fizessem, mais do que as autoridadesde saúde, este �trabalho com as populações carentes�.

O trabalho de campo acontecia nas localidades deBailundo e Mungo (população aproximada de 360 mil ha-bitantes), no norte da província de Huambo. Em toda estaregião, havia apenas um médico trabalhando, no hospitalmunicipal de Bailundo, mas que passava a maior parte dotempo na capital provincial, Huambo, fazendo trabalhosadministrativos. As ações propostas pelo nosso projetoeram principalmente voltadas para a supervisão e a for-mação dos profissionais de saúde locais que trabalhavamnos postos de saúde da região ou no hospital municipal deBailundo, principalmente técnicos de enfermagem (básicos �com dois anos de curso técnico �, e médios � com quatroanos de curso técnico). As supervisões eram feitas pela equipede MDM juntamente com supervisores locais angolanos liga-dos ao MINSA. As atividades de formação eram organiza-das também em conjunto com o pessoal do MINSA e, sem-pre que possível, facilitadas por eles. Além do trabalho desupervisão contínua das atividades dos técnicos de enferma-gem, organizávamos seminários e cursos pontuais abordan-do assuntos identificados como prioritários por MDM, pelosprofissionais ligados ao MINSA e pela população. Foramtrabalhados temas como a sensibilização ao problema dadesnutrição, cuidados pré-natais, assistência ao parto e pós-parto, DST/Aids e planejamento familiar. Procurávamossempre incluir a participação de líderes comunitários nasações propostas, como líderes religiosos, chefes de aldeias

(sobas), parteiras tradicionais, mas isso nem sempre erapossível, em virtude da quase inexistente organização da co-munidade para ações participativas e do desconhecimentogeneralizado das pessoas quanto aos seus direitos de cida-dãos.

Outra frente de trabalho importante de MDM eracom as parteiras tradicionais. Elas eram aproximadamente450 em Mungo e Bailundo e faziam a maioria dos partos,pois as aldeias ficavam muito distantes dos postos de saú-de, às vezes mais de 30 km. Porém, trabalhavam sem ne-nhum apoio material, nem gratificação oficial, apesar deserem reconhecidas oficialmente peloMINSA. Assim, quan-do possível, recebiam comida ou outra gratificação queestivesse disponível, das famílias das parturientes, comidaou outra gratificação que estivesse disponível. Frente a essasituação, MDM organizou um trabalho de apoio às partei-ras tradicionais, realizando, em conjunto com trabalhado-res do MINSA, supervisoras locais das parteiras e líderescomunitários, encontros mensais de reforço de conheci-mentos e de reposição de material para realização de partolimpo (luvas, sabão, solução anti-séptica, lâminas, descartáveisetc) com as parteiras de cada localidade. Eram reforçadosconhecimentos como: práticas de higiene, alimentação da ges-tante, detecção de situações de risco na gestação e encaminha-mento para unidade de saúde, importância do pré-natal noposto de saúde para recebimento das práticas preventivas,amamentação exclusiva, importância do registro dos partos,dentre outros. Foi um trabalho muito gratificante, pois as par-teiras tradicionais sempre se mostraram muito interessadas,participativas e comprometidas com as suas comunidades.Depois de um ano de trabalho, viu-se um aumento no regis-tro de consultas pré-natais nos postos de saúde, o que podeser devido à maior sensibilização das parteiras tradicionais,assim como ao aumento do registro das consultas. Resul-tados positivos puderam ser alcançados, e, o que é maisimportante, com a implicação permanente dos trabalha-dores do MINSA. Porém, resta a dúvida do quão susten-tável será este trabalho após a saída de MDM.

Em relação às ações direcionadas ao combate àdesnutrição, MDM mantinha um trabalho de assistência às

Camila Giugliani Angola, ares de transformação.

Rev Bras Med Fam e Com128Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Page 57: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Relato de Caso

CaseReport

crianças e gestantes com desnutrição moderada (sem ne-cessidade de internação). Os centros nutricionais suplemen-tares funcionavam identificando crianças e gestantes comdesnutrição, distribuindo alimento especial, provendo as-sistência básica (antiparasitários, antimaláricos, antibióticose tratamento para escabiose, por exemplo) e promovendoeducação para a prevenção da desnutrição. Uma equipe deoito agentes de nutrição, contratados por MDM, cada umcom uma bicicleta, fazia um trabalho de identificação decrianças desnutridas em aldeias distantes e isoladas, referin-do-as para o centro nutricional. As crianças ou gestantesque ingressassem no centro ficariam em tratamento duran-te três meses (ou menos, em caso de aumento persistentede peso e melhora clínica), com retornos a cada duas se-manas para recebimento de alimento e assistência. O pro-blema deste tipo de trabalho em um contexto de recons-trução e desenvolvimento é justamente o seu caráterassistencial. Os centros nutricionais de MDM funcionaramdurante três anos. Casos agudos foram efetivamente trata-dos, mas pouco se conseguiu evoluir na prevenção do pro-blema, pois as causas básicas não foram diretamente abor-dadas. Sabendo-se que a desnutrição é um problema decausa multifatorial, é absolutamente necessário que a suaabordagem seja abran- gente, atingindo as suas diferentesvertentes causais: alimentação insuficiente e inadequada (pou-co variada), agricultura precária, condições de moradia in-salubres, falta de saneamento básico, consumo de água não-tratada, mães com muitos filhos, práticas de cuidado ina-dequadas das mães com as crianças, doenças infecciosasde fácil transmissão (parasitoses, diarréias, malária etc.) erecorrentes, introdução precoce de líquidos e alimentos aosbebês e pouco aleitamento materno exclusivo, assistência àsaúde precária em estrutura e em qualificação de profissio-nais, baixa escolarização. Enfim, um universo de fatoresque requer intervenções de caráter intersetorial, com com-prometimento da população, da sociedade civil organiza-da, das organizações e, principalmente, do governo.

Além do trabalho com centros nutricionais suple-mentares, MDM trabalhava com a equipe de técnicos deenfermagem do centro nutricional terapêutico de Bailundo,

onde eram internadas as crianças com quadros graves dedesnutrição (marasmo e kwashiorkor). Este trabalho foifeito por meio da supervisão contínua dos técnicos em seulocal de trabalho, revisão de casos clínicos e formação deum grupo de estudos para revisar o protocolo da Organi-zação Mundial da Saúde, adotado pelo MINSA, para otratamento da desnutrição grave5. Assim, ao longo de umano, viu-se um progresso importante nas práticas de rotinado pessoal do centro, nas suas condutas, no seu relaciona-mento com as crianças e seus familiares (afeto e dedicação)e, principalmente, na sua motivação e comprometimentocom o trabalho. Para isso, foi fundamental a ênfase que foidada no trabalho de resgate da auto-estima e de valoriza-ção dos profissionais. Conforme os registros do centronutricional terapêutico, observou-se uma diminuição damortalidade de crianças internadas ao longo deste ano detrabalho. Mais uma vez, resultados positivos foram alcan-çados. Mais uma gota no oceano! De novo, resta saber oquanto isso contribui para uma mudança real e sustentável.

Além do trabalho previsto pela nossa equipe, maisuma força-tarefa surgiu devido a uma violenta epidemiade cólera que atingiu quase todo o país no período defevereiro a julho de 2006 (Figura 3). Neste período, foramregistrados mais de 20 mil casos em toda Angola e mais deduas mil mortes. A província de Huambo não foi atingidapela epidemia, apenas alguns casos isolados vindos de ou-tras províncias foram registrados. Uma das províncias maisatingidas foi a de Benguela, na costa sul do país, ondeMDMtambém estava presente com outro projeto (trabalhosócioeducativo com crianças de rua), na cidade de Lobito.Frente à situação caótica de Lobito (calor, sujeira, falta desaneamento básico, população sem acesso a água tratadaetc.), diante do surgimento de numerosos casos de cólera eda falta de preparo em estrutura e pessoal para controlar aepidemia, MDM apoiou as autoridades de saúde locaiscom a vinda de uma equipe (uma médica, uma enfermeirae um logístico) específica, que trabalhou durante três mesesna gestão da epidemia. Algumas das ações deste projetode urgência para controle da cólera foram: instalação deum centro de tratamento de cólera, supervisão técnica do

Camila Giugliani Angola, ares de transformação.

Rev Bras Med Fam e Com129Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Page 58: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

pessoal de saúde (técnicos de enfermagem) no centro detratamento, apoio logístico para melhorar a situação de hi-giene e acesso a água tratada nos centros de tratamento enas comunidades, seminários de capacitação sobre manejoe prevenção da cólera para os profissionais de saúde, ativi-dades educativas nas comunidades (teatro de rua) e super-visão nos postos de saúde dos bairros periféricos. Todasessas atividades eram realizadas em parceria com a Secre-taria de Saúde local. Após três meses, a epidemia estavacontrolada. Foram registrados mais de oito mil casos e500 mortes na província de Benguela. Porém, a base doproblema continua presente. A situação de pobreza, faltade saneamento básico, lixo, tudo isso permanece e precisaser abordado para que uma nova epidemia não surja mui-to em breve. Fora do período de epidemia, alguns casosisolados continuam aparecendo. Assim, diante da precarie-dade de condições sóciosanitárias, poder-se-ia esperar queum novo surto aparecesse a qualquer momento, especial-mente quando começassem as chuvas. Novamente, comofoi colocado em relação à desnutrição, voltamos às causasbásicas dos problemas de saúde e aos seus deter- minantessociais, aos direitos mais fundamentais que as pes- soasdevem ter satisfeitos, que devem ser abordados e solucio-nados de maneira sustentável, para que o problema (a do-ença) possa ser devidamente tratado e, principalmente, pre-venido.

3. ConclusãoAssim, ficam algumas perguntas: será que o proje-

to de MDM conseguiu fazer uma contribuição positivapara a melhoria da saúde dos angolanos? E qual a melhormaneira de intervir e de contribuir para o desenvolvimen-to de países pobres, recentemente saídos de destrutivosperíodos de guerra após terem vivido longos anos de do-minação, como é o caso de Angola e da maioria dospaíses da África subsaariana? Eles precisam realmente deajuda externa, alguns deles, como Angola, tendo tantas ri-quezas? Parece que sim, mas que esta contribuição deve tero objetivo de estimular e promover a autonomia destespaíses, tanto de seus governantes, como de sua população.

Para isso, os programas devem integrar a participação lo-cal nos seus processos de planejamento e execução. É pre-ciso ter muito cuidado com a perversidade do efeito decausar uma relação de dependência entre aqueles que pro-vêm a ajuda externa e aqueles que a recebem, e este aspectodeve sempre ser considerado na idealização dos programas.A contribuição externa, vinda de países desenvolvidos ou deoutros países em desenvolvimento, também pode ser positi-va no combate à corrupção e na denúncia de situações deviolação de direitos humanos que ocorremnestes países, cujosgovernos freqüentemente limitamaparticipaçãopopular.Quala melhor forma de intervir para que haja mudança, transfor-mação? É difícil que exista uma resposta, devem existir várias,depende do contexto. O que parece claro é que, desde oinício, as pessoas têm de possuir autonomia para se apro-priar do problema e poder participar ativamente. É o pontode partida para que cada pessoa seja agente da transfor-mação.

EmAngola, a transformação está vindo lentamen-te. Os ventos da mudança ainda não sopram tão forte-mente, mas se pode sentir uma brisa amenizando o calorsufocante de Luanda. Sente-se que há movimento rumo aum ca- minho melhor. Recentemente, a província de Lu-anda, juntamente com UNICEF, lançou o projeto de im-plantação do programa de agentes comunitários de saúde,inicialmente apenas nesta província, mas com uma pers-pectiva de expansão para todo país. Há esperança de que apopulação tenha acesso a melhores cuidados de saúde eque as pessoas sejam ativas nas práticas preventivas em suascomunidades. Há indícios de que Angola esteja no cami-nho de fortalecer e priorizar a atenção primária à saúde.Isto é uma ótima notícia. Há motivos, sim, para ter espe-rança em uma Angola melhor, em um mundo melhor!Pelo menos, foi assim que eu �li�, e guardo comigo, osorriso de cada criança que cruzou o meu caminho ao lon-go deste ano transformador.

4. Referências1. www.medecinsdumonde.org. Acesso em 17/01/2008.2. www.msf.org. Acesso em 17/01/2008.

Camila Giugliani Angola, ares de transformação.

Rev Bras Med Fam e Com130Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Page 59: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

3. http://www.who.int/countries/ago/en/. Acesso em17/01/2008.4. UNICEF. http://www.unicef.org/infobycountry/angola_statistics.html. Acesso em 17/01/2008.5. Organização Mundial da Saúde. Manejo da desnutriçãograve: um manual para profissionais de saúde de nível su-perior (médicos, enfermeiros, nutricionistas e outros) e suasequipes auxiliares. Genebra, 2000.

Endereço para correspondência:Camila GiuglianiRua Amélia Telles, 629/401Porto Alegre � RSCEP.: 90460-070

Endereço eletrônico:[email protected]

Camila Giugliani Angola, ares de transformação.

Rev Bras Med Fam e Com131Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Foto: Camila Giugliani, agosto de 2006Prédio administrativo com marcas de tiros na cidade de Huambo.

Foto: Camila Giugliani, abril de 2006Criança com cólera e desidratação grave sendo tratada durante a epidemiade cólera no Hospital de Benguela, província de Benguela.

Foto: Camila Giugliani, novembro de 2006Posto de saúde na Comuna de Bimbe, Município de Bailundo, zona ruralda província de Huambo.

Page 60: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

OPrograma Integrador: uma experiência naformação profissional

The Integration Program:an experience in professional education

Juliana Saiddler*Célia ReginaMachado Saldanha**

RBMFC

Relato de Caso

CaseReport

Rev Bras Med Fam e Com132Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

*Aluna do sétimo período de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora**Médica de Família, Professora de Saúde Coletiva e do Programa Integrador.

ResumoO Programa Integrador (PI), eixo pedagógico estruturante da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz

de Fora, busca inserir o aluno precocemente na realidade através das ações em áreas de atuação das unidades básicas desaúde, numa parceria ensino-serviço, trabalho realizado em grupos multiprofissionais e que é desenvolvido do segundoaté o sexto período de cada curso. O desenvolvimento desta ação acontece de forma progressiva começando com olevantamento do território, das famílias, fazendo um diagnóstico de saúde que serve de base para o planejamento dasações executadas no último período. Este texto é relato de uma aluna que, vivendo nesse cotidiano pôde perceber aimportância desse processo na formação profissional, e essa prática permitiu vencer algumas ansiedades sentidas noprimeiro contato com o paciente, bem como modificar o olhar, geralmente focado na doença para um mais abrangenteque pensa e trabalha em prol da saúde. A descrição dessa experiência pretende contribuir para que outras instituiçõespossam se beneficiar transformando suas práticas em parcerias exitosas como a nossa.

AbstractThe Integration Program (IP), the pedagogical spinal column of the Medical School of Juiz de Fora,

Brazil, seeks to combine training and service by introducing the students since the beginning to the reality of the work inprimary care units and multi-professional teams. The program is conducted progressively from the second to the sixthsemester of each course and begins with a survey of the territory covered by the Unit, its population and living conditions,later followed by a diagnosis of the health in this area that will build the basis for a planning of health actions in the lastsemester. This text is the report of a student who, through participating in this daily routine, realized the importance ofthis process for her professional education, allowing her not only to overcome a certain uneasiness in the first contact withthe patient but also to modify her view - generally focused on disease - into a broader one, focused on thinking andworking to favor and improve health. With this report, we aim to give to other institutions the opportunity to benefitfrom this experience, transforming their practices into successful partnerships like the here described.

Palavras-chave: formação médica; integraçãoensino-serviço; atenção primária à saúde.

Key Words: medical education; in service training;primary healthcare.

Page 61: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Rev Bras Med Fam e Com133Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Juliana Saiddler e Célia Regina Machado Saldanha.O Programa Integrador:

uma experiência na formação profissional.

1. IntroduçãoA Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de

Juiz de Fora (FCMS/JF), possui como proposta trabalharna formação do profissional, com uma consciência críticareflexiva. O Programa Integrador (PI), eixo pedagógico es-truturante da instituição, busca inserir o aluno precocementenas comunidades por meio das unidades básicas de saúde,em uma parceria ensino-serviço, trabalho realizado em gru-pos multiprofissionais e que é desenvolvido do segundo atéo sexto período de cada curso.

No primeiro módulo, os alunos visitam a área eapreendem os aspectos físicos e sociais do território, asbarreiras, os recursos e o modo de viver dessa população.Em seguida conhecem e discutem sobre a família, seus pro-blemas e necessidades e fazem um levantamento das dificul-dades em relação à saúde. No terceiro módulo, realizam umdiagnóstico de saúde da área, incorporando as noções de vigi-lância à saúde, determinantes epidemiológicos, sociais, ambi-entais e aqueles relacionados ao trabalho, construindoumdiag-nóstico da área que será usado no quartomódulo para realizarum planejamento, sendo o plano de intervenção colocadoem prática no quinto módulo, quando analisam as rotinas dosserviços, acompanham o profissional da unidade, realizamações educativas e visitas domiciliares, enfim, aprendemavivero dia-a-dia de uma unidade básica de saúde.

Esse trabalho, feito o tempo todo em gruposmulti-profissionais incorpora no aluno uma perspectiva do tra-balho em equipe e o respeito pelo saber do colega de outrascategorias profissionais rompendo com a cultura do sabercompartimentado e dos preconceitos profissionais.

Ao chegar ao quinto período, quando consigo per-ceber o Programa Integrador de forma mais ampla, surge amotivação para esse relato, considerando que poderia me-lhorar a aceitação e a visibilidade do PI como um todo eainda oferecer as outras instituições uma visão da inserçãoprecoce do aluno em um trabalho em equipe.

2. ObjetivoRelatar a experiência vivida, durante os cinco anos

do curso de Medicina, em um trabalho que prepara o aluno

para uma prática profissional mais humanizada.

3. MétodoTrata-se de um relato de experiência de característica

descritiva em que o desenvolvimento de habilidades práticasé incorporado ao aluno, permitindo um olhar crítico refle-xivo a respeito das diferenças e necessidades de uma comu-nidade localizada na periferia de Juiz de Fora.

4. Resultado (Relato da aluna)O primeiro passo havia sido dado, eu já estava em

uma Universidade. Logo nas apresentações conheci de lon-ge o Programa Integrador (PI) - projeto elaborado pelaFaculdade que tem como objetivo principal colocar osestudantes da área da saúde em contato direto com a reali-dade dos problemas da população, de seus futuros pacientes,além de interagir com alunos de áreas distintas, aprendendoa respeitar o espaço de cada um e a trabalhar em equipe.Fomos separados por grupos com alunos de Enfermagem,Fisioterapia e Medicina (atualmente foram incorporadosos cursos Farmácia e a Odontologia).

Naquele momento, tive a real impressão de que eufazia um curso com base na prática da realidade nacional.Estava ansiosa para ter contato com a população e poder,de certa forma, contribuir para a assistência à saúde doBrasil.

O cenário de desenvolvimento do Programa Inte-grador do meu grupo foi a área de abrangência da UnidadeBásica de Saúde de Santa Efigênia, na cidade de Juiz defora, mais precisamente na área 35, microárea 05. A super-visora responsável pela UBS é uma assistente social e oorientador no trabalho de campo é um agente comuni-tário.

No primeiro dia, meus colegas e eu conhecemostoda a área 35 do bairro, para uma visão mais ampla doterritório. Observei que os ônibus circulavam somente nasruas asfaltadas; algumas ruas não possuíam boca-de-loboe inundam quando chovia; observamos muito mato, lixo eentulho nas ruas e nas calçadas. Essemomento nos permitiudiagnosticar falha do poder público em relação aos serviços

Page 62: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

prestados a esses moradores, principalmente em relaçãoao saneamento básico, a segurança e ao transporte.

De acordo com o relato dos agentes que nosacompanharam, existem alguns pontos de tráfico de drogase de prostituição; esta região possui um alto índice de rou-bos. Observei também que existem muitos bares e poucasescolas, sendo estas, em suamaioria, direcionadas ao ensinofundamental.

Nos outros dias, conhecí a minha microárea. Asruas são planas, o esgoto é encanado, com exceção de umadas ruas. A maioria das ruas é asfaltada ou calçada. Todaspossuem coleta de lixo. Esta microárea não possui escolasnem creches, mas possui uma igreja católica - há predomíniodo catolicismo nessa área. em uma das ruas, percebemosmaior precariedade de condições: não é asfaltada; havia,nela, lixo acumulado; as casas situadas alí, em sua maioria,eram inacabadas; além de ter sido percebidamaior incidênciade gravidez na adolescência, alcoolismo e uso de drogasnaquela região específica.

Feito o reconhecimento da microárea, e observadassuas condições sócioeconômicas e geográficas, fizemos umaação educativa cujo tema era �lixo�.A apresentação aconteceuem uma instituição de apoio a crianças de dois a cincoanos. Foi feita sob forma de dinâmica de grupo com aparticipação das crianças que estudavam ali no turno damanhã - elas participaram com entusiasmo. Foi interessantee tive um contato próximo com uma realidade diferenteda que estava acostumada. Essa experiência me fez crescernão só como profissional, mas se tornou mais sensível àsdificuldades daquelas pessoas.

O PI-2 também ocorreu na área de abrangênciada mesma unidade básica de saúde. Em idas quinzenaisrecolhemos alguns dados que serviram para construir umprimeiro diagnóstico da área. A população de abrangênciada UBS é de 12.770 habitantes; o número de famílias, 3.775;a população de abrangência da equipe, 3.914; a populaçãoda microárea de atuação é de 708 habitantes; número defamílias da microárea: 200. Esta seria a nossa populaçãode referência. A proposta desse período foi de que cadaaluno �adotasse� três famílias e, durante o período, realizasse

trabalhos de conscientização relacionados ao acondicio-namento do lixo domiciliar.

Nestas famílias, pudemos observar, dentre outrosaspectos, detalhes não só da casa como também da rotinados membros, como, por exemplo, os aspectos ambientaisintradomiciliares, aspectos sociais, comportamentais e bio-lógicos. Esses dados foram discutidos nas concentraçõesquinzenais do Programa Integrador, e, ao final do período,foi apresentado em um seminário, juntamente com os ou-tros grupos, o que permitiu construir um �retrato� das fa-mílias acompanhadas. Nesse período pudemos conheceras famílias mais de perto e ter mais contato com a realidadedessas pessoas que representam o povo brasileiro. Conheceras angústias, as dificuldades dessas famílias, ensinou-me avalorizar ainda mais o ser humano como um todo, e a per-ceber que o pouco que faço hoje pode ser muito em umcontexto maior.

No período seguinte, trabalhamos as diversas for-mas de vigilância; esse período iniciou com uma preleçãoteórica na qual se deu uma visão geral sobre o que é a Vi-gilância à Saúde e sua importância na sociedade. Dentro davigilância à saúde enfocou-se vigilância epidemiológica,vigilância sanitária e vigilância à saúde do trabalhador.

Debatemos sobre a eficácia das vigilâncias e todoo trabalho desenvolvido pelos profissionais nessa área. A-prendi a importância da notificação de doenças para quehaja um maior controle das mesmas. Nas dispersões, naUnidade Básica de Saúde. O palestrante falou sobre as ativi-dades na área da vigilância sanitária vigilância epidemiológica,imunização e zoonoses.

Foi falado também sobre as ações desenvolvidasna UBS na área da saúde da mulher, saúde da criança, saúdedo adolescente, saúde do idoso, saúde mental e saúde dotrabalhador. Foi uma palestra que nos ajudou a entendermelhor o significado dessas expressões tão utilizadas pelosprofissionais de saúde, além dememanter informada sobreas ações programáticas desenvolvidas na UBS em que atuo.

Desenvolvemos, no trabalho de campo, uma ativi-dade em que levantamos as doenças mais freqüentes refe-ridas pela população, a partir da qual pude me informar

Rev Bras Med Fam e Com134Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Juliana Saiddler e Célia Regina Machado Saldanha.O Programa Integrador:

uma experiência na formação profissional.

Page 63: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

melhor sobre os problemas que mais afligem a microáreae, então, desenvolver idéias para a diminuição das doençaspor meio de ações de promoção a saúde, com o intuito defuturamente poder aplicá-las na prática profissional.

Ao entrevistar pessoas sobre acidentes com cãesou gatos, foi possível notar o risco de exposição ao vírusrábico, o que gerou um relatório no qual retratamos a rea-lidade das moradias e a preocupação com a saúde dosmoradores que possuem animais.

Tivemos uma apresentação dos sistemas nacionaisde informações em saúde no Laboratório de Informáticada Faculdade, onde aprendi a utilizar os dados disponíveisno site do DATASUS sobre a saúde da população e a pre-valência de doenças em determinadas áreas. Esse conheci-mento foi utilizado para que construíssemos o diagnósticode saúde da área.

Em relação à Vigilância Sanitária, aprendemos so-bre problemas sanitários enfrentados e gerados pelos esta-belecimentos públicos, as atitudes do órgão municipal res-ponsável e sobre medidas necessárias para estar de acordocom as exigências do Código Municipal. Durante a aulaseguinte foi aplicado o relatório sobre a concentração ante-rior, em que aprendemos a associar a doença com a quali-dade dos serviços oferecidos nos estabelecimentos comer-ciais do município.

Na concentração sobre Vigilância à Saúde do Tra-balhador, debatemos sobre as principais doenças causadaspelos diversos tipos de trabalho e sobre a importância doregistro e da notificação destes agravos, e, na dispersão se-guinte, aplicamos um questionário que permitiu a elabora-ção de um relatório o qual mostrou a freqüência com queocorrem acidentes de trabalho. Levantamos também infor-mações sobre a incidência de desempregados na área, oque nos permitiu conhecer de perto as dificuldades comque essas pessoas lidam no dia-a-dia e nos fez pensar comofazem para comprar medicamentos.

Ainda no PI-3 tivemos uma palestra sobreprevenção do câncer de próstata e sobre prevenção docâncer de mama e de colo uterino. Foi uma das aulas maissignificativas do semestre para mim, devido ao grande

conhecimento que adquiri, principalmente sobre assuntosque tanto atingem a população em geral.

Em um último momento, durante a dispersão,ficamos encarregados de colher dados das famílias da mi-croárea sobre exames preventivos (de colo uterino, mamae próstata) e convidar os moradores a participarem da pa-lestra desenvolvida pelos alunos da faculdade na semanaseguinte.

Essa palestra tratou sobre promoção da saúde damulher e, também, sobre o câncer de próstata. Foram, semdúvida, momentos importantes, devido à riqueza de dadosobtidos e uma vez que alertamos a população sobre doençase atividades a serem desenvolvidas.

Trabalhar diretamente na promoção de saúde dapopulação representa um ganho para a população e paraos alunos, pois permite lançar um novo olhar sobre a Me-dicina, sempre tão focada na doença.

A satisfação de ter promovido diretamente umaação de promoção a saúde, foi o mais importante do PI-3.Neste semestre, aprendi um pouco mais sobre a realidadedos moradores do bairro e, com isso, não posso deixar delembrar que, devido a tantos problemas enfrentados poressa população carente, é preciso fazer muito mais do queestamos fazendo. É preciso desenvolver trabalhos que real-mente possammudar a realidade dessa população que tantoclama por ajuda.

O diagnóstico de saúde da área, elaborado a partirdesses passos permitiu, no PI-4, planejar e preparar a açãode promoção à saúde. O plano de ação realizado teve comofoco um problema grave de grande prevalência em nossamicroárea. Iniciamos com a definição de uma necessidadeou um problema de saúde, sendo este prioridade em nossamicroárea de atuação. Para chegarmos a essa definição,fizemos um consolidado com todas as informações colhi-das nos outros PIs e atualizadas da nossa microárea.

Os principais problemas identificados em nossamicroárea foram as doenças sexualmente transmissíveis. Comisso, nossa prioridade naquele momento era conscientizar apopulação dos perigos das doenças sexualmente transmis-síveis, mostrando como é possível preveni-las, dando ênfase

Rev Bras Med Fam e Com135Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Juliana Saiddler e Célia Regina Machado Saldanha.O Programa Integrador:

uma experiência na formação profissional.

Page 64: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

ao usodopreservativo, à prevenção a gravidez na adolescência.Nossa meta era atingir pelo menos 50 mulheres, o

que correspondia a 20% das mulheres em idade fértil daárea, que corriam o risco de adquirir doenças ou engravidaremprecocemente. O grupo de risco era o formado pormulheresem idade fértil com vida sexualmente ativa.

Com todas essas informações emmãos, elaboramosuma ação educativa, que consistia de dinâmicas em grupo,com participação ativa das usuárias.

Na ação realizada pudemos trocar experiênciascom jovens e compartilhar as idéias de sexo seguro e pre-venção da gravidez indesejada. Foi um momento rico paratodos, inclusive para os alunos, que aprenderam, convivendocom as diferentes opiniões, a criar estratégias de um serviçohumanizado e mais próximo da população.

O período destinado ao PI5 foi basicamente paracolocar em prática tudo o que aprendemos nos outrosmódulos. Fomos divididos em relação a cinco atividades:- acompanhamento de consulta, no qual observa- mos arotina desta em uma UBS.- visita domiciliar, que nos deu a oportunidade, novamente,de estarmos mais próximos da realidade do paciente, comocondições de moradia, saneamento e os fatores de risco aque o paciente encontra-se exposto; porém, agora, commaior entendimento dessa problemática e vislumbrandoalgumas soluções;- ação educativa (sala de espera, ação na comunidade, ati-vidades nas escolas), momento em que trabalhamos com ainformação e prevenção de agravos para a população;- ida aos ambulatórios especializados, como saúde damulher, saúde do idoso, do adolescente para acompanha-mento do fluxo do paciente nestes serviços;- ação junto aos idosos em um centro de convivência, ondeabordamos temas da terceira idade.

O contato com a população aumentou módulo amódulo e permitiu vivenciar momentos que não poderíamossupor ao entrar no curso.

5. Referencial teóricoNo Brasil, a formação geral do médico sempre

esteve centrada na rede de assistência médica hospitalar,com grave prejuízo para a formação do médico, que, comoprofissional, deverá atuar muito mais na assistênciaambulatorial1.

Muito se discute hoje sobre a inadequação do pro-fissional ao se formar, quanto às suas habilidades para tra-balhar no Sistema Único de saúde, SUS, e atribui-se essainadequação, em grande parte, às grades utilizadas pelasinstituições de ensino, muito voltadas para o ensino dasespecialidades, usando como cenário de práticas as enfer-marias dos hospitais onde pacientes, em geral graves, poucoreagem às manobras realizadas pelos alunos2.

Em tais instituições, o ambulatório raramente servecomo local para o ensino clínico, ocorrendo este, preponde-rantemente, nas enfermarias, as quais, por sua vez, internampacientes graves e que geralmente requerem tecnologia sofis-ticada para o diagnóstico3.

Cria-se assim no aluno uma idéia de que o profis-sional trabalhará sempre em cenários deste porte, desva-lorizando-se a prática voltada para a comunidade, na qualpacientes �impacientes� ficam à mercê de um olhar muitasvezes equivocado e focado na doença e na tecnologia deponta.

Sendo assim, torna-se importante a mudança dessacultura, havendo necessidade de um redesenho das gradescurriculares para se produzir uma reforma cultural nasuniversidades.

Entende-se que a universidade deveria analisar suaformação não só em relação à valorização da prática espe-cializada, mas também quanto aos problemas de saúde pú-blica do nosso país, buscando formas de viabilizar a univer-salização da saúde para toda a população brasileira4.

Essa mudança deveria envolver alunos e, principal-mente, professores, pois são estes os responsáveis pela for-mação da identidade do novo profissional, preparando-opara um trabalho que procure avaliar os vários aspectos dofenômeno saúde/doença, principalmente em relação aotrabalho na Atenção Primária, fugindo daqueles puramenteespecializados e individualistas, meramente curativos emecanicistas, alicerçados na estrita visão biológica do indi-

Rev Bras Med Fam e Com136Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Juliana Saiddler e Célia Regina Machado Saldanha.O Programa Integrador:

uma experiência na formação profissional.

Page 65: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

víduo4.A escola médica deveria ser capaz de ensinar a

técnica, as habilidades, as atitudes e a teoria, porém algunsatributos não se ensinam, são intrínsecos do indivíduo quenasceu com o dom do cuidado. A lapidação desse dompela educação, os valores e a concepção de vida de cadaacadêmico é que formarão um bom profissional.

A necessidade de profissionais capazes de atenderaos anseios de uma população cada vez mais exigente e adefasagem dos currículos tradicionais quanto à abordagemde assuntos importantes, como bioética, são apenas algunsexemplos que levaram ao surgimento de muitos focos con-cretos de mudança na educação médica brasileira5.

O aluno ingressa na escola, cheio de questionamen-tos e curiosidades, e, no decorrer do curso, vai progressiva-mente se distanciando do caminho da descoberta, vai setornando mais frio e percebendo o paciente apenas comomais um �equipamento� a serviço do seu aprendizado, uti-liza o corpo do outro como se ele não possuísse medos,desejos e como se lhe pertencesse.

Esta relação de poder, estruturada durante agraduação, promove a incorporação de novos conhecimen-tos de maneira pouco crítica. Um processo desejável seriao formativo, que proporcionaria ao aluno a oportunidadede um aprendizado relevante e, ao mesmo tempo, o domí-nio do método científico6.

6. ConclusõesConforme o relatado, vivendo o dia-a-dia dessa

comunidade, em uma parceria entre a escola, a comunidadee a unidade básica de saúde, pude perceber a importânciadesse processo na minha formação profissional, e essa prá-tica me permitiu vencer algumas ansiedades sentidas no pri-meiro contato com o paciente, bem como modificar omeu olhar, tão focado na doença, para ummais abrangente,o qual pensa e trabalha em prol da saúde.

Acreditei muito no Projeto Integrador desde quefui apresentada a ele, e acredito ainda mais agora, após seusresultados. Com ele, pude aprender a ser mais humana,conhecendo um pouco da realidade de um Brasil que tem

Rev Bras Med Fam e Com137Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Juliana Saiddler e Célia Regina Machado Saldanha.O Programa Integrador:

uma experiência na formação profissional.

muitas riquezas, mas, também, tem muita desigualdade, eexige profissionais preparados para enfrentá-las.

Ao descrever essa experiência pretendo contribuirpara que outras instituições possam se beneficiar e trans-formar suas práticas, em parcerias bem-sucedidas como anossa.

7. Referências1. Marcondes E, Carazzato JG, Friedmann AA. Iniciação dasatividadesClínico- assistenciais. In:MarcondesE,GonçalvesEL.coord. Educação Médica. São Paulo: Sarvier; 1998. p.167-173.2. Wierzchon PM, O Ensino Médio no Brasil EstáMudando?. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio deJaneiro, v. 26, nº 1, jan/abr. 2002.3. Bulcão LG, O Ensino Médico e os Novos Cenários deEnsino-Aprendizagem.RevistaBrasileira deEducaçãoMédica.Rio de Janeiro, v.28, nº 1, jan./abr. 2000.4.RonzaniTM,RibeiroMS. IdentidadeeFormaçãoProfissionaldos Médicos. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio deJaneiro, v.27, nº 3, set./dez. 2003.5. Padilha RQ, Feuerwerker LCM, Editorial. As PolíticasPúblicas e a Formação de Médicos. Revista Brasileira deEducação Médica. Rio de Janeiro, v. 24, nº 3, ou/dez. 2000.6. Gonçalves MB, Moraes AMSM. Inserção dos Alunos daPrimeira Série do Curso de Medicina em Serviços de Saúde.Rev Bras Educ Méd. maio-ago. 2003; 27(2): 83-90.

Endereço para correspondência:Juliana SaidlerRua José Cesário, 45 / 903Alto dos Passos, Juiz de Fora MGCEP.: 36025-030

Endereço eletrônico:[email protected]

Page 66: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Instrução aos autores da Revista Brasileirade Medicina de Família e ComunidadeA Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade(RBMFC) é uma publicação trimestral da SociedadeBrasileirade Medicina de Família e Comunidade, que tem porfinalidades: sensibilizar profissionais e autoridades da áreade saúde sobre a área de interesse da Medicina de Família eComunidade; estimular e divulgar temas e pesquisas emAtenção Primária à Saúde (APS); possibilitar o intercâmbioentre academia, serviço e movimentos sociais organizados;promover a divulgação da abordagem interdisciplinar e servircomo veículo de educação continuada e permanente nocampo da Medicina de Família e Comunidade, tendo comoeixo temático a APS.Os trabalhos serão avaliados por editores do Con- selhoCientífico e Editorial, como também por pareceristas con-vidados ad hoc. O processo de avaliação por pares preservaa identidade dos autores e suas afiliações, sendo estas infor-madas ao Conselho Editorial somente na fase final de avali-ação.Todos os trabalhos deverão ser escritos em português, comexceção dos redigidos por autores estrangeiros não-residentesno Brasil, que poderão fazê-lo em inglês ou espanhol.

Tipos de TrabalhoA revista está estruturada com as seguintes seções:EditorialArtigos OriginaisArtigos de RevisãoDiretrizes em Medicina de Família e Comunidade EnsaiosRelatos de ExperiênciaResumos de TeseCartas ao EditorO Editorial é de responsabilidade do editor da revista,podendo ser redigido por terceiros por solicitação dele.A seção Artigos Originais é composta por artigos resultantesde pesquisa científica, apresentando dados originais dedescobertas com relação a aspectos experimentais ou de ob-servação, voltados para investigações qualitativas ou quanti-tativas em áreas de interesse da APS. Artigos originais são

trabalhos que desenvolvem crítica e criação sobre a ciência,tecnologia e arte das ciências da saúde que contribuem paraa evolução do conhecimento sobre o homem, a natureza e ainserção social e cultural. O texto � contendo introdução,material ou casuística, métodos, resultados, discussão e con-clusão � deve ter até 25 laudas.

A seção Artigos de Revisão é composta por artigos nasáreas de Gerência, Clínica, Educação em Saúde. Os artigosde revisão são trabalhos que apresentam síntese atualizadado conhecimento disponível sobre matérias das ciências dasaúde, buscando esclarecer, organizar, normalizar e simplifi-car abordagens dos vários problemas que afetam o conhe-cimento humano sobre o homem e a natureza e sua inserçãosocial e cultural. Têm por objetivo resumir, analisar, avaliarou sintetizar trabalhosde investigação já publicados emrevistascientíficas e devem ter até 20 laudas, contendo introdução,desenvolvimento e conclusão.A seção Diretrizes em MFC é composta por artigosestruturados dentro das normas da Associação MédicaBrasileira para diretrizes clínicas, validados pela SBMFC. Suaconfecção, sob orientação daDiretoria Científica da SBMFC,é uma proposta de organizar e referendar o trabalho dosMFC no Brasil.A seção Ensaios visa à divulgação de artigos com as análisecrítica sobre um tema específico relacionado à Medicina deFamília e Comunidade e deve ser apresentada em umamédiade 5 a 10 laudas.A seção Relatos de Experiência é composta de artigos querelatam casos ou experiências os quais explorem ummétodoou problema por meio do exemplo. Os relatos de casoapresentam as características do indivíduo estudado � comindicação de sexo e idade, podendo este ser humano ouanimal �, ressaltam sua importância na atuação prática emostram caminhos, condutas e comportamentos para a so-lução do problema. Essa parte deve ocupar até 8 laudas,com a seguinte estrutura: introdução, desenvolvimento e con-clusão.A seção Resumos de Tese, que deve ter apenas 1 lauda, temcomo proposta a divulgação da produção científica natemática do periódico. Nela, devem ser expostos resumos

RBMFC Instruções aos autores.

Rev Bras Med Fam e Com138Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Page 67: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

de dissertações de mestrado ou teses de doutoramento/livre-docência defendidas e aprovadas em universidadesbrasileiras ou não. Os resumos deverão ser encaminhadoscomo título oficial da Tese, informando o título conquistado,o dia e o local da defesa. Devem ser informados, igualmen-te, o nome doOrientador e o local onde a tese está disponívelpara consulta.

Em Cartas ao Editor, opiniões de leitores e su- ges-tões sobre a revista são bem recebidas. As cartas, contendocomentários sobre material publicado, devem ter no máxi-mo 2 laudas.

Os trabalhos a serem submetidos à apreciação doConselhoCientíficodeverão ser encaminhadospor e-mail paraa Secretaria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família eComunidade ou aoEditor da revista.O padrão de formataçãoexigido é Word for Windows � versão 6.0 ou superior -,página padrãoA4, letraArial (tamanho11), espaçamento entrelinhas 1,5 e numeração seqüencial em todas as páginas. Asnotas de rodapé devem ser limitadas ao máximo possível,assim como as tabelas e os quadros � que devem ser decompreensão independente do texto.

Os autores deverão informar seus nomes e ende-reços completos e quais organizações de fomento à pesquisaapoiaram os seus trabalhos, fornecendo inclusive o númerode cadastro do projeto.

Os trabalhos que envolverempesquisas com seres hu-manos deverão vir acompanhados da devida autorização doComitê de Ética da Instituição.

Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüênciade apresentação:

1. Título em português e também em inglês(*).2. Nome completo � nome(s) seguido(s) do(s)

sobrenome(s) do(s) autor(es) � e, no rodapé, a indicaçãoda Instituição a qual está vinculado, cargo e titulação.

3. Resumo do trabalho em português, no qual fi-quem claros a síntese dos propósitos, os métodos empre-gados e as principais conclusões do trabalho.

4. Palavras-chave � mínimo de 3 e máximo de 5palavras-chave ou descritores do conteúdo do trabalho,

apresentados em português de acordo com o DeCS �Descritores em Ciências da Saúde da BIREME - CentroLatino Americano e do Caribe de Informação em Ciênci-as da Saúde � URL: <http://decs.bvs.br/>.

5. Abstract � versão do resumo em inglês(*).6. Key words � palavras-chave em inglês, de

acordo com DeCS(*).7. Artigo propriamente dito, de acordo com a es-

trutura recomendada para cada tipo de artigo, citada noitem 2.

8. Figuras (gráficos, desenhos e tabelas) devem serenviadas à parte, com indicação na margem do local deinserção no texto; as fotografias em preto e branco devemser apresentadas em papel brilhante.

9. Referências: são de responsabilidade dos autorese deverão ser limitadas às citações do texto, além de nume-radas segundo a ordem de referência, de acordo com asregras propostas pelo Comitê Internacional de RevistasMé-dicas (International Committee ofMedical Journal Editors).Requisitos uniformes para manuscritos apresentados aperiódicos biomédicos. Disponível em: <http://www.icmje.org>.

(*) A versão do título do trabalho, do resumo e das pala-vras-chave para o idioma inglês ficará a cargo da própriarevista, salvo eventual decisão ao contrário em época futu-ra que, se vier ao caso, será comunicada no Editorial darevista.Exemplos:Periódico

Valla VV. Educação popular e saúde diante dasformas de se lidar com a saúde. Revista APS. 2000; (5): 46-53.

LivroBirman J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar; 1994. 204p.

Capítulo de livroVasconcelos EM. Atividades coletivas dentro do

RBMFC Instruções aos autores.

Rev Bras Med Fam e Com139Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Page 68: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nosserviços de saúde. 3. ed. São Paulo: HUCITEC; 1997. p.65-69.

DissertaçãoCaldas CP. Memória dos velhos trabalhadores.

[Dissertação]. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social,Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1993.

EventoMauad NM, Campos EM. Avaliação da implanta-

ção das ações de assistência integral à saúde da mulher noPIES/UFJF; 6º Congresso Brasileiro de SaúdeColetiva; 2000,Salvador. Salvador: Associação Brasileira de Pós-graduaçãoem Saúde Coletiva; 2000. p.328.

Documento eletrônicoCivitas. Coordenação de Simão Pedro P. Marinho.

Desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica de MinasGerais, 1995-1998.

Apresenta textos sobre urbanismo e desenvolvimen-to de cidades. Disponível em:www.gcsnet.com.br/oamis/civitas.Acesso em: 27 nov. 1998.

Fluxo dos trabalhos submetidos à publicação.Os artigos são de total e exclusiva responsabilida-

de dos autores.

Avaliação por pares: os artigos recebidos sãoprotocolados na secretaria da revista e encaminhados tantoao editor geral quanto aos editores associados, para atriagem, a avaliação preliminar e a posterior distribuiçãoao Conselho Editorial e Científico, em conformidade comas áreas de atuação e especialização dos membros, bemcomo o assunto tratado no artigo. Todos os textos sãosubmetidos à avaliação de dois consultores � provenientesde instituição diferente daquela do(s) autor(es) �, em umprocesso duplo cego, que os analisam em relação aosseguintes aspectos: adequação do título ao conteúdo; es-trutura da publicação; clareza e pertinência dos objetivos;

metodologia; informações inteligíveis; citações e referênci-as adequadas às normas técnicas adotadas pela revista epertinência à linha editorial da publicação. Os consultorespreenchem o formulário de parecer, aceitando, recusandoou recomendando correções e/ou adequações necessárias.Nestes casos, os artigos serão devolvidos ao(s) autor(es),para os ajustes e reenvio, e aos consultores para novaavaliação. O resultado é comunicado ao(s) autor(es), e osartigos aprovados ficam disponíveis para publicação emordem de protocolo. Não serão admitidos acréscimos oumodificações após a aprovação.

Declaração de responsabilidade dos autoresTodas as pessoas responsáveis como autores

devem responder pela autoria dos trabalhos, tendo comojustificada a sua participação de forma significativa notrabalho para assumir responsabilidade pública pelo seuconteúdo. Deverão, portanto, assinar a seguinte declaraçãode autoria e de responsabilidade:

�Declaro que participei de forma significativa naconstrução e formação deste estudo ou da análise e inter-pretação dos dados, como também na redação deste texto,tendo, enquanto autor, responsabilidade pública pelo con-teúdo deste. Revi a versão final deste trabalho e aprovopara ser submetido à publicação. Declaro que nem o pre-sente trabalho nem outro com conteúdo semelhante deminha autoria foi publicado ou submetido à apreciaçãodo Conselho Editorial de outra publicação.�

Artigos commais de um autor deverão conter umaexposição sobre a contribuição específica de cada um notrabalho. Os autores de cada artigo receberão, após a pu-blicação de seu trabalho, três exemplares da revista em queo seu estudo foi publicado.

Ética em pesquisaCom relação às pesquisas iniciadas após janeiro de

1997, nas quais exista a participação de seres humanos nostermos do inciso II.2 da Resolução 196/ 96 do ConselhoNacional de Saúde (�pesquisa que, individual ou coletiva-mente, envolva o ser humano de forma direta ou indireta,

RBMFC Instruções aos autores.

Rev Bras Med Fam e Com140Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Page 69: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo deinformações ou materiais�), sempre que pertinente, deveser declarado no texto que o trabalho foi aprovado peloComitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos.

Os trabalhos devem ser enviados para:Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunida-de - SBMFC

CorrespondênciaRua 28 de Setembro, 44 sala 605Rio de Janeiro - RJCep: 20551-031Tel: 21 2264-5117 / 21 3259-6934Fax: 21 3259-6931

Endereço eletrônico:[email protected]

RBMFC Instruções aos autores.

Rev Bras Med Fam e Com141Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Page 70: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

Instructions to authors of the Brazilian Journal ofFamily and Community Medicine

The Brazilian Journal of Family and CommunityMedicine (BJFCM) is a three-monthly publication of theBrazilian Society of Family and Community Medicine,aimed at sensitizing professionals and health authorities tothis field of interest, stimulating and disseminating PrimaryHealth Care (PHC) issues and investigations, and facilitatinginterchange between academic institutions, health careservices and organized social movements. The periodicalalso aims to promote an interdisciplinary approach to thisarea and to serve as a vehicle for continued and permanenteducation in the field of Family and Community Health,with emphasis to the central subject PHC.

Manuscripts will be reviewed by members of theScientific and Editorial Board as well as by outside referees.This peer-review process safeguards the identity of authorsand their institutions of origin, which only will be revealedto the Editorial Board in the end of the evaluation process.

All manuscripts should be prepared in Portugueselanguage. Foreign authors, not living in Brazil, can submittheir papers in English or Spanish.

Categories and formats of papersThe journal is divided into the following sections:

EditorialOriginal articlesReview articlesDirectives in Family and Community MedicineEssaysCase reportsThese AbstractsLetters to the Editor

The Editorial is responsibility of the editor of thejournal, but can be prepared by third persons on his request.

The sectionOriginal Articles is dedicated to reportson scientific investigations, presenting original data onfindings from experiments or observation with emphasis

to qualitative or quantitative studies in fields of interest forPHC.Original articles are criticisms or creations on science,technology and the art of health sciences, contributing tothe evolution of knowledge about Man, nature and socialand cultural inclusion. The papers - including introduction,material or rationale, methods, results, discussion andconclusion � should not exceed 25 pages.

The section Reviews is composed by articles aboutHealthManagement, Clinics andHealth Education. Reviewarticles are papers presenting an up-to-date synthesis ofavailable knowledge on health science subjects, with theintent to elucidate, organize, normalize and simplifyapproaches to the different problems affecting humanknowledge about Man and nature and social and culturalinclusion. These papers are aimed at summarizing, analyzing,evaluating and synthesizing investigations already publishedin scientific journals and should not exceed 20 pages,including introduction, rationale and conclusion.

The section Directives in FCM receives articlesprepared according to the norms for Clinical Directivesof the Brazilian Association of Physicians, validated by theBSFCM. The purpose of these articles - prepared underthe guidance of the Scientific Board of the BSFCM � is toorganize and reference the work of physicians involved inFMC in Brazil.

The section Essays publishes critical analysesregarding specific topics related to Family and CommunityMedicine. Articles should have 5 to 10 pages.

Case Reports are articles addressing cases orexperiences by exploring a method or problem based onan example. These articles indicate details such as sex andage of the studied individual � human or animal �emphasize their importance in practice and indicate ways,procedures and conducts for solving the problem. Articlesfor this section should not exceed 8 pages and includeintroduction, rationale and conclusion.

The section Abstracts of Theses is aimed atpublishing scientific production in the field covered by thejournal in form of abstracts of master�s and doctor�s

RBMFC Instructions to authors.

Rev Bras Med Fam e Com142Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Page 71: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

dissertations defended in Brazilian universities or abroad.Abstracts should not exceed one page, state the official titleof the dissertation, the academic degree achieved, date andplace where the thesis was defended and indicate the nameof the supervisor and where the dissertation is availablefor consultation.

In the section Letters to the Editor, readers areinvited to express their opinion and make suggestions tothe journal.

Articles should be submitted by electronic mail,directed to the Secretariat of the Brazilian Society of Familyand Community Health or to the Editor. Papers should betyped in word processor Word for Windows � version0.6 or superior � paper size ISO A4, font Arial, size 11,space between lines 1,5, and all pages should be numberedsequentially. References should be kept to the necessaryminimum. The same refers to tables and figures, whichshould be understandable independently from the text.Corresponding authors should inform their full names andaddresses. The funding sources by which the work wassupported should be stated.

Articles describing investigations on human subjectsmust include a statement referring institutional ethicscommittee clearance.

Manuscripts should be structured as below:

1. Title2. Complete names � first name(s) followed by

family name(s) of the author(s)3. Abstract giving a clear synthesis of the purpose,

describing the methods used and main conclusions of thestudy.

4. Key words � a minimum of 3 and a maximumof 5 key words or describers of the contents of the work,following the norms of DeCS, available at http://decs.bvs.br/

5. Text of the article, according to therecommendations for each category given above.

6. Figures (graphs, diagrams and tables) according

to the recommendations given above.7. References: are responsibility of the authors and

should be arranged numerically according to the order inwhich they appear in the text, according to the rules of theInternational Committee of Medical Journal Editors,Uniform Requirements for Manuscripts Submitted toBiomedical Journals, available at http://www.icmje.org

Examples:Periodical

Valla VV. Educação popular e saúde diante dasformas de se lidar com a saúde. APS Journal. 2000; (5):46-53.

BookBirman J. Pensamento freudiano. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar; 1994. 204p.

Book chapterVasconcelos EM. Atividades coletivas dentro do

Centro de Saúde. In: ________. Educação popular nosserviços de saúde. 3rd. ed. São Paulo: HUCITEC; 1997. p.65-69.

DissertationCaldas CP. Memória dos velhos trabalhadores.

[Dissertation]. Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social,Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 1993.

EventMauad NM, Campos EM. Avaliação da implan-

tação das ações de assistência integral à saúde da mulher noPIES/UFJF; 6th Brazilian Congress on Collectyive Health;2000, Salvador. Salvador: Associação Brasileira de Pós-gra-duação em Saúde Coletiva; 2000. p.328.

References from the internetCivitas. Coordinated by: Simão Pedro P. Marinho.

Developed by: Pontifícia Universidade Católica de MinasGerais, 1995-1998. Presents texts on urbanism and city

RBMFC Instructions to authors.

Rev Bras Med Fam e Com143Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007

Page 72: artigos 2 a 4 - SBMFC€¦ · positiva a receptividade da RBMFC junto aos graduandos em Medicina em todo o país. Desde a ediçªo nœmero 3, fizemos um esforço de catalogar e enviar

development. Available at: <http//www.gcsnet.com.br/oamis/civitas>. Accessed: Nov 27. 1998.

Review procedures and publication of submittedmanuscripts.

The articles are of the full and exclusiveresponsibility of the authors.

Peer-review procedure: received articles areregistered by the Secretariat of the journal and submittedto the Scientific and Editorial Board for screening,preliminary evaluation and posterior distribution to adhoc referees with specific expertise in the subject addressedby the article. All manuscripts are submitted to tworeferees, coming from institutions different from thoseof the author(s) who, in a double-blind review process,assess them with respect to the following aspects:pertinence of the title in relation to the content, structureof the manuscript, pertinence and clearness of objectives,methodology, intelligible information, conformity ofcitations and references with the technical norms andalignment with the editorial line of the journal. The refereesfill in the review form accepting or rejecting the manuscriptor suggesting improvements and/or necessary corrections.In this case, the manuscript is returned to the author(s)for revision and resubmission, followed by a newevaluation. The result is communicated to the author(s)and accepted articles will be published following the orderof registry. No additions or modifications in manuscriptsalready accepted for publication will be admitted.

Responsibility StatementAll individuals named as authors for having

participated substantially in the submitted study have to takepublic responsibility for the integrity of their work andconsequently sign the following Responsibility Statement:

�I hereby declare to have participated substantiallyin the conception and design of the present work and inthe writing of the manuscript, taking public responsibilityfor its integrity. I have read the final version of this workand agreed to its submission for publication. The work inits present or a similar form has not been published

elsewhere, nor is it currently under consideration forpublication in another periodical.�

Articles prepared by more than one author shouldstate the specific contribution of each of them. The authorsof each article will receive three exemplars of the editionin which their study was published.

Ethics in experimentationArticles based on investigations involving human

subjects should declare in the text that the investigation hasbeencleared by the responsible Ethics Committee onHuman Experimentation.

Manuscripts should be submitted electronically to:Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comuni-dade - SBMFCContact Address:Rua 28 de Setembro, 44 sala 605Rio de Janeiro - RJCep: 20551-031Tel: 21 2264-5117 / 21 3259-6934Fax: 21 3259-6931

e-mail:[email protected]

RBMFC Instructions to authors.

Rev Bras Med Fam e Com144Rio de Janeiro, v.3, n° 10, jul /set 2007