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RAS _ Vol. 3, Nº 9 – Out-Dez, 2000 15 ARTIGO ORIGINAL O desenvolvimento do “Home Health Care” no Brasil CARLOS EDUARDO LODOVICI TAVOLARI Médico com especialização em Cirurgia Ge- ral, cursando Administração Hospitalar e de Serviços de Saúde na FGV-SP, Supervisor Co- mercial da Home Doctor. FERNANDO FERNANDES Médico com especialização em Cirurgia Geral e Homeopatia, cursando Administração Hos- pitalar e de Serviços de Saúde na FGV-SP, Ge- rente da Divisão Técnica da Home Doctor. PATRICIA MEDINA Médica com especialização em Coloproctolo- gia e Homeopatia, cursando Administração Hospitalar e de Serviços de Saúde na FGV-SP, Supervisora Científica da Home Doctor. O Home Health Care (assistência domiciliar em saú- de) pode parecer um fenômeno novo no cenário da saúde mundial. Isto não é verdade e não será ne- cessário recuarmos muito no passado para compro- var esta negativa. Quantos de nós não são capazes de lembrar do médico de família atendendo em casa aqueles que não podiam ir ao consultório? Ou da enfermeira ou do farmacêutico do bairro que ia até a casa dos que precisavam utilizar medicações in- jetáveis? Desde tempos imemoriais, a assistência à saúde apresentava tanto aspectos domiciliares quanto hospitalares. Imhotep (1) talvez seja um dos primei- ros médicos famosos, na época da terceira dinastia do antigo Egito (século XIII antes de Cristo). Além de possuir um local próprio para atender os clien- tes (um misto de consultório e hospital) também fazia visitas domiciliares, sendo o responsável pelo atendimento à família do faraó Zoser dentro do pa- lácio. Na Grécia Antiga, o lendário médico Asklépios (2) também atendia os doentes in loco, praticando curas tão maravilhosas que foi chamado a viver com os deuses. Posteriormente, ainda na Grécia Antiga, os sacerdotes de Asklépios eram pessoas que possuíam amplos conhecimentos médicos. Eles recebiam os doentes nos templos, que tinham materiais e medi- camentos específicos para a cura. Eram os primór- dios dos primeiros hospitais. Ressaltando a importância que as condições do domicílio têm no bom êxito do atendimento médi- co, Hipócrates (2) escreveu o “Tratado sobre os ares, as águas e os lugares” no século V antes de Cristo. Samuel Hanneman (3) , que fundou a Homeopatia no final século XVII, largou uma promissora carreira num hospital universitário, pois acreditava que “o médico é o homem que vai atrás dos enfermos, sem descanso, os busca, luta desesperadamente contra a enfermidade, se instala à cabeceira do enfermo, de todos os enfermos, do maior número deles.” A assistência domiciliar, como forma organizada de cuidado, talvez tenha começado no final do sé- culo XIX, em Boston, onde um grupo de enfermei- ras foi montado especificamente para desenvolver ações de saúde em domicílio. Hoje, nos Estados Unidos, existem cerca de 20.000 empresas de Home Health Care. No sistema norte- americano, a maioria dos atendimentos é compos- to exclusivamente por cuidados de enfermagem em pacientes de baixa complexidade, com pouca parti- cipação médica devido ao receio de processos judi- ciais. É um sistema financiado basicamente pelo Medi- care e Medicaid, onde predominavam pacientes de indicação clínica questionável (geralmente social), com permanência muito longa. Conforme mencio- nado na seção “RAS Notas” do nº 8 desta revista em julho-setembro deste ano, após a regulamentação do Home Health Care implementado nos últimos anos, houve um importante declínio (da ordem de 27%) nos reembolsos para pacientes que recebem esta modalidade de tratamento nos EUA.

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O desenvolvimentodo “Home HealthCare” no Brasil

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  • RAS _ Vol. 3, N 9 Out-Dez, 2000 15

    ARTIGO ORIGINAL

    O desenvolvimentodo Home HealthCare no Brasil

    CARLOS EDUARDO LODOVICI TAVOLARIMdico com especializao em Cirurgia Ge-ral, cursando Administrao Hospitalar e deServios de Sade na FGV-SP, Supervisor Co-mercial da Home Doctor.

    FERNANDO FERNANDESMdico com especializao em Cirurgia Gerale Homeopatia, cursando Administrao Hos-pitalar e de Servios de Sade na FGV-SP, Ge-rente da Diviso Tcnica da Home Doctor.

    PATRICIA MEDINAMdica com especializao em Coloproctolo-gia e Homeopatia, cursando AdministraoHospitalar e de Servios de Sade na FGV-SP,Supervisora Cientfica da Home Doctor.

    O Home Health Care (assistncia domiciliar em sa-de) pode parecer um fenmeno novo no cenrio dasade mundial. Isto no verdade e no ser ne-cessrio recuarmos muito no passado para compro-var esta negativa. Quantos de ns no so capazesde lembrar do mdico de famlia atendendo em casaaqueles que no podiam ir ao consultrio? Ou daenfermeira ou do farmacutico do bairro que ia ata casa dos que precisavam utilizar medicaes in-jetveis?

    Desde tempos imemoriais, a assistncia sadeapresentava tanto aspectos domiciliares quantohospitalares. Imhotep(1) talvez seja um dos primei-ros mdicos famosos, na poca da terceira dinastiado antigo Egito (sculo XIII antes de Cristo). Almde possuir um local prprio para atender os clien-tes (um misto de consultrio e hospital) tambmfazia visitas domiciliares, sendo o responsvel peloatendimento famlia do fara Zoser dentro do pa-lcio.

    Na Grcia Antiga, o lendrio mdico Asklpios(2)

    tambm atendia os doentes in loco, praticando curasto maravilhosas que foi chamado a viver com osdeuses. Posteriormente, ainda na Grcia Antiga, ossacerdotes de Asklpios eram pessoas que possuamamplos conhecimentos mdicos. Eles recebiam osdoentes nos templos, que tinham materiais e medi-camentos especficos para a cura. Eram os primr-dios dos primeiros hospitais.

    Ressaltando a importncia que as condies dodomiclio tm no bom xito do atendimento mdi-

    co, Hipcrates(2) escreveu o Tratado sobre os ares,as guas e os lugares no sculo V antes de Cristo.

    Samuel Hanneman(3), que fundou a Homeopatiano final sculo XVII, largou uma promissora carreiranum hospital universitrio, pois acreditava que omdico o homem que vai atrs dos enfermos, semdescanso, os busca, luta desesperadamente contraa enfermidade, se instala cabeceira do enfermo,de todos os enfermos, do maior nmero deles.

    A assistncia domiciliar, como forma organizadade cuidado, talvez tenha comeado no final do s-culo XIX, em Boston, onde um grupo de enfermei-ras foi montado especificamente para desenvolveraes de sade em domiclio.

    Hoje, nos Estados Unidos, existem cerca de 20.000empresas de Home Health Care. No sistema norte-americano, a maioria dos atendimentos compos-to exclusivamente por cuidados de enfermagem empacientes de baixa complexidade, com pouca parti-cipao mdica devido ao receio de processos judi-ciais.

    um sistema financiado basicamente pelo Medi-care e Medicaid, onde predominavam pacientes deindicao clnica questionvel (geralmente social),com permanncia muito longa. Conforme mencio-nado na seo RAS Notas do n 8 desta revista emjulho-setembro deste ano, aps a regulamentaodo Home Health Care implementado nos ltimosanos, houve um importante declnio (da ordem de27%) nos reembolsos para pacientes que recebemesta modalidade de tratamento nos EUA.

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    Na Europa e em grande partedos outros pases tambm exis-tem sistemas organizados de as-sistncia domiciliar, destacando-se o programa francs ANTADIR,que d apoio a pacientes comdoenas respiratrias dependen-tes de oxignio.

    No Brasil, o primeiro grupo or-ganizado voltado para assistn-cia domiciliar deu incio s suasatividades h pouco mais de trin-ta anos, no Hospital do ServidorPblico Estadual de So Paulo. Oobjetivo deste trabalho era de-sospitalizar doentes crnicos es-tveis para desocupar uma par-te dos leitos do hospital, que es-tava superlotado naquela poca.Este grupo funciona at hoje, prestando atendimen-to a casos de baixa complexidade clnica.

    H cerca de cinco anos, havia no Brasil pouco maisde cinco empresas que faziam assistncia domici-liar no setor privado. H cerca de dois anos houveuma grande exploso no nmero de instituies,fazendo com que o nmero de empresas ultrapas-sasse a marca de 180 em 1999. Muitos destes servi-os surgiram em funo do modismo do Home Care,muitas vezes sem estrutura e preparo para o aten-dimento, buscando lucro fcil dentro do crescimentoexperimentado pelo setor. Isto fez com que algu-mas destas instituies j tenham fechado suasportas, seja por m prtica ou por baixa penetraojunto s fontes pagadoras.

    CARACTERSTICAS DA ASSISTNCIA DOMICILIARNO BRASIL

    A assistncia domiciliar brasileira tem dois gru-pos distintos de empresas ou instituies. O primei-ro grupo compe-se de empresas que prestam ser-vios segmentares, por exemplo s atendimento deenfermagem ou fisioterapia. O segundo engloba asempresas onde o atendimento multiprofissional,tratando o doente de forma integral e holstica.

    H uma diferena importante no grau de com-plexidade do atendimento prestado por estes dois

    grupos de empresas, que podeser de alta, mdia ou baixa com-plexidade.

    Assim, um doente estvel queprecisa apenas de um curativosimples pode ser atendido poruma empresa de servios seg-mentares com baixa complexi-dade. J um paciente portador dedoenas crnicas, com descom-pensaes potencialmente gra-ves deve preferencialmente seratendido por uma empresa quepossua assistncia multiprofis-sional integral, sendo este aten-dimento classificado como demdia ou alta complexidade.

    No Brasil, os grupos mais ex-perientes em assistncia domici-

    liar possuem programas de cuidado seguros e avan-ados, como poucos similares no mundo. Prestamatendimento a doentes muitas vezes graves e ins-tveis em casa, sem deixar de lado a excelncia tc-nica, a segurana e a qualidade encontradas nos me-lhores hospitais do pas.

    NOMENCLATURAApesar de no haver definies formais a respei-

    to dos termos assistncia, atendimento e interna-o domiciliar, eles so bastante diferentes paraaqueles que esto envolvidos com o Home HealthCare.

    Assistncia Domiciliar um termo amplo, gen-rico, que qualquer ao de sade realizada a domi-clio, independente de seu grau de complexidade ouobjetivo. Em termos prticos, pode englobar tantouma orientao de enfermagem quanto o atendi-mento de um paciente em ventilao mecnica in-vasiva domiciliar.

    O termo Internao Domiciliar refere-se mais aocuidado intensivo e multiprofissional em casa. En-volve as aes de sade que requerem o desloca-mento de parte da estrutura hospitalar ao domic-lio de doentes com complexidade moderada ou alta.Para tornar o entendimento mais fcil, pode-se com-parar esta modalidade de assistncia ao hospitalem casa.

    No Brasil, oprimeiro grupo

    organizado voltadopara assistncia

    domiciliar deu incios suas atividadesh pouco mais de

    trinta anos, noHospital do ServidorPblico Estadual de

    So Paulo.

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    O Atendimento Domiciliar envolve aes menoscomplexas, multiprofissionais ou no, que podemser comparadas a um consultrio em casa.

    Existem diferenas tnues entre a internao e oatendimento domiciliar, que podem variar de em-presa a empresa e conforme as condies sociocul-turais do paciente.

    Dentro do Atendimento Domiciliar podem serdesenvolvidas aes preventivas ou teraputicas.Dentre as aes preventivas, existe o Gerenciamen-to de Doenas Crnicas (ou gerenciamento de car-teiras de risco). Trata-se de um programa que visaprevenir doenas, complicaes ou descompensa-es de doenas j existentes com base na educa-o em sade e no diagnstico e tratamento preco-ces. So programas voltados a pacientes de alto cus-to, que utilizam desordenadamente os recursos dasorganizaes de sade, com ex-cesso (ou falta) de exames com-plementares e consultas mdi-cas, excessivas passagens porpronto-socorros, reinternaesfreqentes por problemas evit-veis, etc.

    ESTRUTURA NECESSRIAAs instituies que se propem

    a realizar de forma responsvela assistncia domiciliar devemter uma estrutura adequada aoporte e tipo de atendimento.

    As bases de uma estrutura efi-ciente e segura envolvem o fun-cionamento da empresa 24 ho-ras por dia, um sistema de aten-dimento s emergncias bem di-mensionado, sistemas de infor-mao em tempo real, prontu-rios de sade do doente, fornecimento de medica-mentos, materiais e equipamentos mdico-hospitalares 24 horas por dia, fornecimento de ga-ses medicinais 24 horas por dia, eficiente gesto depessoas e de processos, busca contnua da qualida-de, atendimento eficaz e humano, treinamento eeducao continuada, entre outros.

    O planejamento e gerenciamento de cada caso edos processos de atendimento como um todo so

    de fundamental importncia, pois a assistncia do-miciliar mal conduzida dispendiosa e no alcan-a seus objetivos.

    Uma das coisas mais importantes dentro do pro-cesso de assistncia que ele tenha comeo, meio efim. Instituies que no se preocupam em finali-zar a assistncia no momento correto tm longosperodos de permanncia, que aumentam os cus-tos em sade com aes desnecessrias.

    VANTAGENS DA ASSISTNCIA DOMICILIARExistem quatro grandes clientes das instituies

    que prestam assistncia domiciliar: os pacientes eseus familiares, os mdicos, os financiadores da sa-de e os hospitais.

    As vantagens para os pacientes e familiares soas que mais se destacam no Home Health Care. En-

    quanto internados no hospital,os doentes vivenciam a doenae tambm o afastamento do seular, do crculo social e do traba-lho. Experimentam sentimentosde medo, insegurana, receiopelo futuro e pela doena, queso exacerbados pelo fato de es-tarem em um ambiente alheio,onde so feitas aes de sadeque no tm o seu controle.

    Em nossa experincia, umadas queixas mais freqentes defamiliares e pacientes a respeitodos hospitais a dificuldade decontato com o mdico, que aopassar no quarto muitas vezesno encontra o familiar, forne-cendo explicaes curtas e mui-tas vezes pouco inteligveis. Oshorrios so impostos pela roti-

    na do hospital: hora de comer, hora do banho, horado exame, hora de visita, etc.

    Em casa, os horrios so determinados em con-junto com a famlia sendo que a equipe e o trata-mento se adaptam ao estilo de vida, hbitos e cos-tumes do paciente. Em funo do treinamento re-cebido e da experincia, os profissionais de sadeque vo ao domiclio tm a preocupao de forne-cer informaes detalhadas sobre a doena, o tra-

    As instituiesque se propem arealizar de forma

    responsvel aassistncia

    domiciliar devemter uma estrutura

    adequada aoporte e tipo deatendimento.

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    tamento e o prognstico, em lin-guagem simples a acessvel deacordo com a capacidade de cadafamlia, fazendo com que todospossam contribuir para o proces-so de restabelecimento da sa-de. Estas aes reduzem a inse-gurana e envolvem todas as par-tes no processo de cura. Hipcra-tes(2) j dizia em seu primeiro afo-rismo que o mdico precisa es-tar preparado para fazer noapenas o que julga certo, mastambm fazer com que o pacien-te, seus assistentes e as outraspessoas colaborem.

    Dentro da viso da assistnciadomiciliar existem dois tipos demdicos: os visitadores (mdicosligados instituio de Home Care, que vo at a casado paciente) e os mdicos assistentes (mdicos dohospital, que indicaram o Home Care). Para os mdi-cos assistentes, a assistncia domiciliar mais umaferramenta que se soma ao arsenal teraputico. Emassistncia domiciliar, o doente no afastado doseu mdico assistente, que continua como parteativa no planejamento do tratamento em parceriacom o mdico visitador.

    Para o mdico visitador, gratificante poder atuarno domiclio, percebendo e interagindo com todosos determinantes da doena no seu local original.Atuar em domiclio um exerccio de raciocnio ehabilidade, onde os relacionamentos so prximose intensos, fazendo com que o mdico perceba, como

    Hipcrates(2), que existem doen-tes e no doenas.

    A preocupao com a reduodos custos em sade foi um dosgrandes fatores que impulsiona-ram o crescimento do HomeHealth Care em nosso pas e nomundo. Segundo as prprias fon-tes pagadoras(4), a reduo decustos proporcionado pela assis-tncia domiciliar da ordem de52% quando comparado ao tra-tamento hospitalar. A reduo decustos alia-se ausncia de ta-xas, possibilidade de usar oHome Care como ferramenta demarketing, otimizao do usodos recursos, satisfao dosclientes, alm de afastar os gas-

    tos provenientes das infeces hospitalares, entreoutros.

    Os hospitais tambm podem beneficiar-se da as-sistncia domiciliar, pois aumentam a rotatividadede seus leitos, disponibilizando-os para doentes agu-dos, cirrgicos e graves, que so os que proporcio-nam maior lucratividade.

    BIBLIOGRAFIA1. NASSIF, MRG. Compndio de Homeopatia. Robe Editorial, So

    Paulo, 1995.

    2. BRUNINI, CRD. Aforismos de Hipcrates. So Paulo, Typus, 1998.

    3. SARTON, G. Medicine in Old Egypt. In History of Science.Hamed A. Ead, Heidelberg, 1998.

    4. RIBEIRO, CA. O programa de Home Care da Volkswagem doBrasil. Rev Bras H Care 67: 38, 2000.

    A preocupaocom a reduodos custos em

    sade foi um dosgrandes fatores

    que impulsionaramo crescimento

    do Home HealthCare em nosso

    pas e no mundo.