artigo zizek sobre ucránia

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Artigo do filósofo Slavoj Zizek.

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    Artigo Zizek sobre Ucrnia: comparao com o ocorrido na Bosnia.

    26 de fevereiro de 2014 s 13:44

    Zizek: H mais do que fria na Bsnia

    Ao unirem trs etnias da ex-Iugoslvia, protestos retomam projeto

    emancipatria e revelam: possvel enfrentar onda de fundamentalismo

    que atravessa o planeta

    Por Slavoj Zizek, Guardian | Traduo: Vila Vudu

    Semana passada, cidades queimavam,[1] na Bsnia-Herzegovina. Tudo

    comeou em Tuzla, cidade de maioria muulmana. Os protestos ento se

    espalharam at a capital, Sarajevo, e Zenica, mas tambm at Mostar,

    onde vive largo segmento da populao croata, e Banja Luka, capital da

    parte srvia da Bsnia. Milhares de manifestantes furiosos ocuparam e

    incendiaram prdios pblicos. Embora a situao j tenha se acalmado,

    persiste no ar uma atmosfera de alta tenso.

    Os eventos fizeram surgir teorias da conspirao (por exemplo, que o

    governo srvio teria organizado os protestos para derrubar o governo

    bsnio), mas preciso ignor-las firmemente, porque, haja o que houver

    por trs das manifestaes, o desespero dos manifestantes autntico.

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    Fica-se tentado a parafrasear aqui a famosa frase de Mao Tse Tung: h

    caos na Bsnia, a situao excelente![2]

    Por qu? Porque as exigncias dos manifestantes so as mais simples que

    h emprego, uma chance de vida decente e o fim da corrupo mas

    mobilizaram pessoas na Bsnia, pas que, nas ltimas dcadas, tornou-se

    sinnimo de feroz limpeza tnica.

    Antes disso, os nicos protestos de massa na Bsnia e em outros estados

    ps-Iugoslvia tinham a ver com paixes tnicas ou religiosas. Em meados

    de 2013, dois protestos pblicos foram organizados na Crocia, pas

    mergulhado em profunda crise econmica, com desemprego alto e profundo

    sentimento de desespero: os sindicatos uniram-se para organizar uma

    manifestao em apoio aos direitos dos trabalhadores, ao mesmo tempo em

    que nacionalistas de direita[3] iniciavam um movimento de protesto contra

    o uso do alfabeto cirlico em prdios pblicos em cidades de minoria srvia.

    A primeira iniciativa levou umas duas centenas de pessoas para uma praa

    em Zagreb; a segunda mobilizou centenas de milhares, como, antes,

    acontecera num movimento fundamentalista contra o casamento de

    homossexuais.[4]

    A Crocia est longe de ser exceo: dos Blcs Escandinvia, dos EUA a

    Israel, da frica Central ndia, est comeando uma nova Idade das

    Trevas, com paixes tnicas e religiosas explodindo, e com os valores das

    Luzes retrocedendo. Essas paixes sempre arderam por trs de tudo, mas a

    novidade que, hoje, aparecem desavergonhadamente expostas.

    Assim sendo, o que fazer? Liberais dominantes nos dizem que, quando os

    valores bsicos da democracia so ameaados por fundamentalistas tnicos

    ou religiosos, temos todos de nos unir numa agenda liberal-democrtica de

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    tolerncia cultural, salvar o que possa ser salvo e deixar de lado todos os

    sonhos de transformao social mais radical. Nossa tarefa, dizem eles,

    clara: temos de escolher entre a liberdade liberal e a opresso

    fundamentalista.

    Porm, quando nos fazem, em tom triunfalista, perguntas (exclusivamente

    retricas!) como Voc deseja que as mulheres sejam excludas da vida

    pblica? ou Voc deseja que todos os que critiquem a religio sejam

    condenados morte?, o que mais nos deve fazer desconfiar da pergunta

    a obviedade da resposta.

    O problema a que esse universalismo liberal simplrio j perdeu a

    inocncia, h muito tempo. O conflito entre a permissividade liberal e o

    fundamentalismo , na verdade, um falso conflito um crculo vicioso e

    viciado no qual os dois polos pressupem-se e geram-se mutuamente, um o

    outro.

    O que Max Horkheimer[5] disse sobre o fascismo e o capitalismo l nos

    anos 1930s (que os que no querem falar criticamente sobre o capitalismo

    devem tambm calar sobre o fascismo) pode aplicar-se ao fundamentalismo

    de hoje: os que no querem falar criticamente sobre a democracia liberal

    devem tambm calar a boca sobre o fundamentalismo religioso.

    Reagindo contra caracterizar-se o marxismo como o Isl do sculo 20,

    Jean-Pierre Taguieff escreveu que o Isl est em vias de mostrar-se como o

    marxismo do sculo 20 para prolongar o violento anticapitalismo do

    comunismo, depois do declnio do comunismo.

    Mas as recentes vicissitudes do fundamentalismo muulmano confirmam,

    pode-se dizer, o antigo insight de Walter Benjamin, de que cada

    ressurgimento do fascismo d testemunho de uma revoluo fracassada. O

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    crescimento do fascismo , em outras palavras, o fracasso da esquerda e,

    simultaneamente, prova de que subsiste um potencial revolucionrio, uma

    insatisfao, que a esquerda no capaz de mobilizar. E no se pode dizer

    exatamente a mesma coisa do hoje chamado islamo-fascismo? O

    surgimento do islamismo radical no perfeito correlato do

    desaparecimento da esquerda secular nos pases muulmanos?

    Quando o Afeganisto apresentado como pas fundamentalista islamista

    tpico, quem ainda lembra que, h 40 anos, foi o pas de mais forte

    tradio secular, incluindo um poderoso Partido Comunista que chegou ao

    poder no Afeganisto, independente da Unio Sovitica?

    Esse o contexto no qual se tem de compreender os recentes eventos na

    Bsnia. Numa das fotos dos protestos, veem-se os manifestantes exibindo

    trs bandeiras lado a lado: da Bsnia, da Srvia e da Crocia, mostrando o

    desejo de ignorar todas as diferenas tnicas. Para resumir, temos aqui

    uma rebelio contra elites nacionalistas: o povo da Bsnia afinal

    compreendeu quem o seu verdadeiro inimigo: no outros grupos tnicos,

    mas os seus prprios representantes polticos que fingem proteg-los

    contra os demais. como se o velho e tantas vezes mal usado lema

    titosta[6] da fraternidade e unidade das naes iugoslavas ganhasse

    nova atualidade.

    Um dos alvos dos manifestantes era o governo da Unio Europeia que

    supervisiona o estado bsnio, forando a paz entre as trs naes e

    oferecendo considervel ajuda financeira para ajudar no funcionamento do

    Estado. Pode parecer estranho, porque os objetivos dos manifestantes so,

    nominalmente, os mesmos objetivos de Bruxelas: prosperidade e o fim das

    tenses tnicas e da corrupo.

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    Contudo, o modo como a Unio Europeia realmente governa a Bsnia cria

    divises: a Unio Europeia s v, como suas parceiras privilegiadas, as

    elites nacionalistas, entre as quais faz uma mediao.

    O que as exploses na Bsnia confirmam que ningum jamais conseguir

    superar paixes tnicas impondo a elas uma agenda liberal: o que uniu os

    manifestantes foi uma mesma radical exigncia de justia.

    O passo seguinte e mais difcil ser organizar os protestos num novo

    movimento social que ignore as divises tnicas; e organizar novos

    protestos j imaginaram uma cena, com bsnios e srvios furiosos,

    reunidos num comcio conjunto, em Sarajevo?

    Ainda que os protestos percam gradualmente a fora, ainda assim

    permanecero como uma fagulha de esperana, como soldados inimigos

    que se abraavam nas trincheiras, na primeira guerra mundial. Eventos

    autenticamente emancipatrios sempre incluem ignorar identidades.

    E vale o mesmo para a recente visita de duas representantes do

    movimento Pussy Riot a New York: num grande show de gala foram

    apresentadas por Madonna, na presena de Bob Geldof, Richard Gere, etc.,

    toda a gangue dos direitos humanos de sempre. Deveriam ali, isso sim,

    manifestar solidariedade a Snowden, para mostrar que o Pussy Riot e

    Snowden so parte do mesmo movimento global. Sem esses gestos que

    aproximem o que, na nossa experincia ideolgica diria, parecem ser

    coisas incompatveis (muulmanos, srvios e croatas na Bsnia; secularistas

    turcos e muulmanos anticapitalistas na Turquia, etc.), os movimentos de

    protesto sempre sero manipulados por alguma superpotncia, em sua luta

    contra outra.

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    [1] http://www.theguardian.com/world/2014/feb/07/bosnia-herzegovina-

    wave-violent-protests

    [2] A citao, atribuda a Mao, H grande caos sob os cus a situao

    excelente (de http://beijingcream.com/week-in-review/ ) [NTs].

    [3] http://m.aljazeera.com/story/2013122134526900493

    [4] http://www.theguardian.com/commentisfree/2013/dec/04/croatia-gay-

    marriage-vote-europe-rotten-heart

    [5] http://www.theguardian.com/commentisfree/video/2013/jul/23/max-

    horkheimer-critique-instrumental-reason-video ver tambm, para

    bibliografia, http://acoisaforadesi.wordpress.com/2008/10/31/max-

    horkheimer-crtica-da-razo-instrumental/ [NTs].

    [6] Referncia a Josip Broz Tito (sobre ele,

    ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Josip_Broz_Tito) [NTs].