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    Introduo

    Podemos afirmar com certa segurana que j faz parte do senso comum a designaodestes tempos da contemporaneidade como sendo tempos tecnolgicos, digitais. Desdeos mais jovens at os adultos ou idosos, todos tm algum tipo de relacionamento com osartefatos tecnolgicos. certo que essa afirmao pode desdobrar-se em outrascompreenses necessrias que dizem respeito s formas e intensidades destes taisrelacionamentos. ai que vm tona os sentidos e funcionalidades que os sujeitosatribuem a toda esta parafernlia tecnolgica prpria destes nossos dias. Para alguns,a principal funcionalidade a brincadeira, a diverso, o entretenimento. Entre outrosgrupos, o contato com tais equipamentos se d numa perspectiva funcional/profissional.E, para citar mais um exemplo, h os que os aplicam como instrumentos para estreitarseus relacionamentos interpessoais.

    Tendo em vista toda esta dinmica vigente, percebe-se que os contextos escolares, para

    no ficarem margem e mesmo manterem-se atualizados, tm sido alvo de aescomerciais e polticas que pretendem levar para estes espaos os tais artefatostecnolgicos computadores, televisores modernos, lousas interativas, projetores,laptops, dentre outros. Recentemente, por exemplo, foi anunciada a distribuio detablets para os alunos do sistema pblico de ensino4, uma realidade que j pode serencontrada em algumas instituies particulares5.

    Alguns exemplos destas aes de larga escala que podemos citar so, no mbitonacional, as desencadeadas pelo Programa Nacional de Tecnologia Educacional(ProInfo)6, programa que visa favorecer o uso pedaggico da informtica na educao

    bsica atravs da disponibilizao de recursos digitais e contedos educacionais. A

    proposta do ProInfo, de acordo com as informaes dispostas no portal do Ministrio daEducao7, levar s escolas das zonas urbana e rural do Brasil laboratrios deinformtica com diversos equipamentos, alm do sistema Linux Educacional. J nombito do estado da Bahia, pode ser citado o Programa de Intermediao Tecnolgica, a

    partir do qual diversas unidades de ensino foram dotadas de artefatos tecnolgicos,sendo um deles o monitor educacional ou TV pen-drive, como ficou conhecido. ASecretaria de Educao do estado indica em sua pgina que este programa se colocacomo uma alternativa pedaggica para atender a adolescentes, jovens e adultos queresidem e trabalham no campo, em localidades distantes ou de difcil acesso escola,onde no h oferta de ensino mdio (BAHIA, 2012).

    Como mais um exemplo de poltica pblica, podemos citar o Programa UmComputador por Aluno (PROUCA)8, programa educacional do Governo Federal quetem por objetivo a incluso digital atravs da utilizao pedaggica das TIC(Tecnologias da Informao e Comunicao) nas escolas. O programa prev, dentreoutras aes, a entrega de laptops educacionais para alunos e professores, alm deinfraestrutura para o acesso internet nas escolas contempladas pelo projeto.

    Percebemos nestas aes, mais especificamente no PROUCA, um claro interesse dosgovernos no sentido de fomentar o uso das tecnologias nos espaos escolares, fazendo4 http://www1.folha.uol.com.br/saber/969111-mec-vai-distribuir-tablets-para-escolas-publicas-em-2012-dizministro.shtml5 http://atarde.uol.com.br/cidades/noticia.jsf?id=5804954

    6 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=244&Itemid=4627 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=237&Itemid=4698 http://www.uca.gov.br

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    prevalecer a fora da marca educacional atribuda a estes artefatos. Notamos tambmque tais artefatos possuem caractersticas prprias que os distinguem de outrosequipamentos similares encontrados no mercado para livre consumo.

    Diante destas percepes, entendemos que pertinente uma reflexo a respeito dasconcepes que caracterizam a escolha de alguns artefatos tecnolgicos destinados sunidades escolares, tais como os do Programa UCA. Os rtulos que so designados paraeles (educacional, pedaggico, escolar) provm da simples necessidade de

    justificar o investimento de verba pblica, indicando explicitamente sua aplicao naescola, ou tm por base uma concepo de educao que merece ser pesquisada,entendida e questionada? Nosso questionamento e nossa anlise, aqui, toma comoaporte metodolgico o estudo de caso o laptop do PROUCA envolvendo desde aesttica, a apresentao do produto, at a sua composio interna, ou seja, os softwaresnele instalados.

    Artefatos Digitais no Contexto da Educao

    Desde a dcada passada muitos so os autores que discutem e apontam aspotencialidades das mdias e tecnologias digitais na educao, como Fischer (2001),Abreu e Almeida (2002), Alves (2005), Pretto (2012), dentre outros9. A presena docomputador na escola tida como fundamental para a educao que se efetiva nos diasatuais, sendo que, para muitos educadores e gestores educacionais, no se podeconceber uma educao moderna, de qualidade e inclusiva, sem que artefatostecnolgicos como os computadores faam parte deste contexto.

    Com o objetivo de inserir a tecnologia nas escolas, muitos gestores dos sistemas de

    ensino tentam atualizar seus professores e suas salas de aula, investindo partesignificativa dos oramentos escolares para tal propsito. Nos primrdios, investia-se naaquisio de projetores de transparncias/slides, posteriormente no videocassete e nostelevisores, em seguida nos aparelhos de DVD. Mais recentemente, ganharam espao os

    projetores de vdeo (data show) e atualmente so prioritrios nestas listas de compraselaboradas para as escolas do sculo XXI, os computadores pessoais PC/Desktop,que iro compor laboratrios de informtica, e laptops para serem utilizadosindividualmente pelos estudantes durante as aulas, favorecendo a incluso digital10

    destes.

    Tais observaes encontram amparo nos dados da pesquisa TIC Educao 201111, queapresenta resultados da insero das TIC em escolas pblicas de reas urbanas do pas.Dentre as escolas das cinco regies brasileiras utilizadas como amostra na pesquisa,todas possuem computadores instalados, inclusive em laboratrios de informtica12.Alm disso, a mesma pesquisa aponta que 66% das escolas pesquisadas tambm tm disposio computadores portteis notebook, laptop ou netbook13.9 Ver tambm em: Alves e Pretto (2009), Bonilla (2012), Pretto (2011), entre outros.10 Apesar de no ser nosso enfoque principal neste artigo, entendemos que vrios autores fazem umaimportante reflexo a esse respeito. Indicamos a leitura de BONILLA, M. H. Silveira; OLIVEIRA, P. C.S. de. Incluso digital: ambiguidades em curso. In: BONILLA, M. H. Silveira; PRETTO, Nelson De Luca(Orgs.). Incluso digital: polmica contempornea. Disponvel em:.

    11 Maiores detalhes sobre a pesquisa podem ser obtidos em http://op.ceptro.br/cgi-bin/cetic/tic-educacao-

    2011.pdf12 http://www.cetic.br/educacao/2011/d-infra02a.htm13 http://www.cetic.br/educacao/2011/d-infra03.htm

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    Especialmente nas instituies pblicas de ensino, a presena destes artefatostecnolgicos/digitais, que aqui esto sendo compreendidos enquanto conjunto associadode hardware e software originador de um equipamento, tem sido estimulada por meio de

    editais e programas que viabilizam sua aquisio. Um destes programas o PROUCA,que desde 2005 vem sendo planejado e implementado por meio de diferentes fases emescolas de todas as cinco regies do Brasil. A proposta bsica a distribuio e usointensivo de laptops educacionais para alunos da rede pblica dentro da modalidadedenominada um para um (um computador por aluno), ou seja, em que cada criana

    possa desenvolver seus processos de ensino-aprendizagem mediados por umcomputador. O programa prov tambm formao para os professores das escolascontempladas e suporte tcnico dos fabricantes dos equipamentos por prazodeterminado.

    Posto este contexto, questiona-se ento quanto nfase em designar cada artefato digital

    como educacional ou pedaggico, situao presente no caso do programa UCA,mas tambm notvel em outras aes e tecnologias que se popularizam sob a mesmaalcunha (os softwares educacionais e uma srie de outros recursos educacionais)14.Entendemos que tal utilizao intensiva no se d por mero acaso e que este rtulo, estamarca - educacional ou pedaggico -, possui uma intencionalidade que, seno

    proposital em sua origem, inerente forma de implantao dos projetos.

    Uma das justificativas possveis para este uso pode estar no fato de que a associaodesta marca a um determinado projeto pode lhe proporcionar uma maior abertura eaceitao. Uma proposta de cunho educacional elaborada pelos representantes dasinstncias governamentais mostra-se, no geral, como uma iniciativa louvvel em termosticos e morais. Ao mesmo tempo, este rtulo tambm possibilita que os gestores,

    cientes dos trmites e das necessrias articulaes para tornar executvel uma proposta,conquistem maior adeso entre seus pares. Desta forma, sua proposio tambm obtmmaiores chances de receber apoio financeiro para ser executada.

    esta altura, se faz necessrio questionar tambm que tipo de educao est por trs depolticas, tais como as j citadas, que viabilizam a insero de artefatos digitais naescola. A partir de uma anlise da implementao do programa UCA, podemos verificar,

    por exemplo, que desde a composio do hardware simplista, frgil e poucoexpansiva, at a verso mais recente da sua soluo de software, o Metasys 15, existeuma perspectiva que concebe a educao como um processo esttico e pouco dinmico.

    Tal fato pode ser atestado pelas especificaes tcnicas do prprio laptop, cujascaractersticas principais do hardware so: processador de 1.6 Ghz, 512 Mega Bytes dememria RAM, espao de armazenamento de 4 Giga Bytes e tela de 7 polegadas comresoluo de 800 X 480. O Sistema Operacional, por sua vez, o Linux MetasysClassmate16, que possui alguns softwares e ferramentas nele integrados.

    Em uma primeira anlise, percebemos que esse hardware se apresenta subdimensionadopara muitas das atividades que poderiam ser desenvolvidas pelos estudantes.Destacamos, por exemplo, a pequena dimenso da tela, o que dificulta, e em muitoscasos impossibilita, a utilizao de softwares outros que necessitem de uma maior14 Ver exemplo em: http://www.ufpe.br/cead/temp/IntroducaoDigital-GuiaCursista-Miolo.pdf15 http://www.metasys.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id

    =186&Itemid=28&lang=pt16 http://www.metasys.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=255&Itemid=140&lang=pt

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    resoluo de vdeo, alm de tornar a visualizao de alguns dos aplicativos preexistentesbastante penosa. O pequeno espao disponvel no dispositivo de armazenamento, umcarto de memria, por sua vez, impossibilita armazenar arquivos maiores, como, por

    exemplo, vdeos feitos pelos alunos, uma vez que o seu diminuto espao ainda compartilhado com o sistema operacional do equipamento.

    Da experincia de formao dos professores do PROUCA na Bahia, que buscou pautar-se desde seu incio na filosofia do software livre no que diz respeito a garantia deliberdades e compartilhamento dos saberes/conhecimentos, bem como no aprendizado

    por meio da experincia desenvolvido por meio de aes prticas, foi percebido quehavia a necessidade de acrescentar outros softwares nos laptops dada a insuficincia dos

    preexistentes no atendimento s demandas com as quais os professores foram seconfrontando durante o curso. Se mostrou necessria, por exemplo, a utilizao deeditores de udio, de imagens, browsers diferenciados, alm da instalao de plug-ins 17

    para os players de vdeo, que tornariam as aes dos professores cursistas com seusalunos, vidos por explorarem a mquina ao mximo, mais dinmicas e completas. Osistema operacional presente nas mquinas, no entanto, no permitia tal ao, aocontrrio do que se poderia esperar j que as bases de seu desenvolvimento esto

    pautadas no movimento de software livre. Sobre este sistema operacional, Bonilla(2012) identificou que:

    O sistema Metasys, instalado nos laptops educacionais que esto chegando sescolas, foi baseado na distribuio OpenSuse 10.1, mas deste foi utilizadoapenas o sistema central kernel com muitas modificaes, e alguns outrosrecursos bsicos. Aps vrios testes realizados pelos pesquisadores do GEC Grupo de Pesquisa em Educao, Comunicao e Tecnologias, da Faculdadede Educao da UFBA, foi detectado que o mesmo no apresenta os atributos

    de um software livre, uma vez que o sistema permite apenas o uso dosaplicativos ali instalados, de forma automtica. []. Tambm, o aplicativoYast, multi gerenciador de sistema do OpenSuse, est modificado, no

    permitindo acesso edio dos repositrios para a instalao de novossoftwares, alm do que os repositrios do OpenSuse 10.1 no esto maisdisponveis. (BONILLA, 2012, p. 268-269).

    Neste contexto, percebemos tambm que o sistema instalado nos laptops do ProgramaUCA utiliza a mesma lgica do software proprietrio, caracterizada por pacotesfechados, cuja premissa bsica a de utilizar aquilo que nos oferecido sem que seja

    possvel interferir no processo de criao do software, privando-nos de adequ-lo necessidades distintas, sem contar com o fato de que a sua coordenao est a cargo de

    uma nica empresa de desenvolvimento de software, o que pode se tornar umcomplicador quando pensamos em liberdade de criao e desenvolvimento colaborativo.(BONILLA, 2012).

    Insistimos que no momento em que uma poltica de produo e distribuio de artefatosdigitais rotulados como educacionais admite as caractersticas at aqui descritas, elaassume uma concepo de educao que, em nossa anlise, baseia-se na reproduo, nono incentivo criatividade, na verticalizao do conhecimento, em que as decises sotomadas nos centros emissores e dispersas para as margens, sem que estas tenhamqualquer poder de interferncia, e, principalmente, no no reconhecimento dadiversidade e heterogeneidade dos contextos de ensino-aprendizagem brasileiros.

    Conforme alerta Amiel (apud BORGMANN, 1999), coordenador do grupo de trabalho17 Programa de computador geralmente utilizado para adicionar funes a outros programas.

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    Educao Aberta, sediado na Unicamp, o modelo de educao em que a comunidadeescolar no participa da escolha dos sistemas e recursos tecnolgicos, transforma os

    participantes em meros consumidores, uma vez que, por receberem pacotes prontos para

    o consumo, estes no podem decidir nem interferir com relao ao contedodisponibilizado.

    Esta educao restritiva est em total dissonncia com os movimentos ligados culturadigital e as experincias de uso destes artefatos e da rede internet que tanto professoresquanto estudantes tm contato. Tambm de nossa experincia, podemos mencionar asinmeras vezes em que foram ouvidas queixas referentes inadequao dasfuncionalidades presentes nos laptops para o atendimento dos contedos curricularesespecficos de cada disciplina com os quais os professores tinham necessidade detrabalhar. Muitos dos cursistas, interessados em desenvolver atividades por meio desoftwares outros que no os ali instalados, viram-se frustrados. Para os pesquisadores

    responsveis pelo processo de formao, as possibilidades de realizar os encontrospresenciais utilizando-se dos mais diferentes recursos disponveis com o objetivo deincrementar as aes dos professores-cursistas em suas respectivas escolas tambmforam inviabilizadas.

    Essa lgica imperativa de educao, dentre outras, acaba por transformar tantoprofessores quanto estudantes em meros coadjuvantes dos processos educacionais,permitindo pouca ou nenhuma interferncia destes nessa realidade. A este respeito,necessrio se faz promover a autonomia na prtica educacional, pensar na realidade enos contextos dos sujeitos envolvidos e fortalecer aes que favoream a criao,criatividade e autoria, onde os professores e alunos passam a ser tambm autores dosseus processos educacionais. (PRETTO, 2012).

    priori, tal apropriao dos termos educacional e pedaggico no devenecessariamente ser mal vista. Na verdade, ela integra as aes do jogo poltico, sendo,

    portanto, parte dos procedimentos realizados costumeiramente nos centros de poder edeciso. Entretanto, h que se ter ateno ao fato de que este proceder pode fazeremergir uma espcie de projeto camuflado que to somente se valer da alcunha doeducacional para ganhar espao e apoio, se constituindo, quando de sua execuo, numfalsrio que pouca ou nenhuma relao profcua estabelece com a educao.

    Portanto, se faz necessrio rechaar a perspectiva meramente instrumental de uso dastecnologias na educao, que consiste na sua utilizao enquanto ferramentas disposio do professor para que este lance mo delas como animadoras e agentescomplementares de processos educativos tradicionais (PRETTO, 2008). Da aimportncia de avanarmos nas discusses a respeito do manejo dos artefatos digitaisnuma perspectiva ampliada de educao, de modo que esta relao se efetive enquantoagente de transformao social.

    Um laptop para que?

    Antes mesmo de responder a esta pergunta, e apesar de j ter sido identificadanominalmente as caractersticas do artefato digital utilizado no programa UCA oslaptops educacionais, julgamos importante reiterar a intencionalidade da alocao destesartefatos e no de outros para os contextos escolares. Isto porque, de acordo com

    Silveira (2012), o computador um hardware que necessita de um software parafuncionar e este software que contm as instrues que fazem o computador agir e

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    realizar aquilo que seus programadores desejam [grifo nosso].

    Desta forma, o que desejavam aqueles que desenvolveram a estrutura do hardwaredestes laptops? Aparentemente, preocuparam-se bastante com a portabilidade domesmo. Na mesma linha de pensamento, o que desejavam os projetistas dos softwaresque esto embarcados nos laptops? Por acaso pensaram em criao, diversidade einovao por parte dos alunos/utilizadores e mesmo de seus professores? E se estesinteragentes das escolas tivessem sido ouvidos a respeito daquilo que lhes interessava,haveria uma aplicao mais direta das funcionalidades dos laptops na prtica docente?Estas so questes que se colocam como adjacentes quela que foi propostainicialmente.

    importante notar, ainda, que a pergunta primeira diz respeito necessidade de umlaptop e no de um laptop educacional, justamente com o objetivo de encaminhar adiscusso para a dispensa do termo em sua forma adjetivada, tambm porque esta, no

    contexto em que foi proposta e teve sua execuo (PROUCA), denotou um clarodescompasso com relao s demandas reais da educao bsica brasileira.

    Um laptop, ento, seria bem-vindo s nossas escolas se, em contato com elas, seusdesenvolvedores compreendessem as questes ali postas, tais como as necessidades de

    professores e alunos no que diz respeito ao ensino-aprendizagem, infraestruturaescolar e s condies de trabalho daqueles profissionais, e assim projetassem artefatosque fossem adequados a tal realidade. A partir da, este processo de produo edesenvolvimento dos laptops concordaria com o proposto por Mantovani (2009, p. 23)quando afirma que a relevncia de qualquer material didtico s pode ser compreendida

    pelos usos que se fazem dele. Considerando este outro modelo de ao e implementao

    de polticas pblicas, a nfase posta no rtulo educacional dos produtos/artefatos seriadeslocada para os processos, estes sim necessariamente pedaggicos e educativos.

    Bastaria, portanto, o desenvolvimento de um conjunto de hardware e software comqualidade aceitvel, que, voltamos a insistir, estivesse em consonncia com asdemandas dos processos educacionais emergentes no contexto da cultura digital. Estes,

    por exemplo, poderiam ser equipamentos no to distintos de outros disponveis nomercado para o livre consumo. A atribuio de um carter pedaggico/didtico s aesdesenvolvidas com o uso deste artefato tecnolgico ficaria por conta da instituioescolar e de seus professores adequadamente formados para tal tarefa.

    Apesar desta compreenso no ter se estabelecido na implementao do PROUCA em

    nvel nacional, e nem mesmo na Bahia, durante o perodo de pouco mais de um ano emeio em que os pesquisadores da UFBA estiveram desenvolvendo as aes de formaojunto aos professores das escolas contempladas no estado, uma pretenso primordial seconsolidou viabilizar que estes profissionais compreendessem os laptops como

    potencializadores de uma prtica docente criativa e inovadora; que a emancipao edesenvolvimento intelectual de seus alunos (por alguns denominados de nativosdigitais) se daria efetivamente a partir do momento em que eles aliassem sua prticareflexiva e coerente tanto aqueles laptops que estavam chegando quanto quaisqueroutros artefatos tecnolgicos presentes no contexto da escola. Isto, ainda que taisartefatos tenham sido pensados revelia das demandas emergentes no cotidiano de suassalas de aula.

    Esta atitude tomou por pressuposto o fato de que as TIC possuem um carterproposicional inerente a elas e que, por isso, conforme Gonsales (p.143, 2012), uma

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    formao docente no pode nunca ficar restrita ao uso educativo de softwares e demaisferramentas digitais. Sendo assim, torna-se incoerente reproduzir os pacotes deformao de professores, fechados, baseados na instrumentalizao do uso das

    tecnologias, e em seguida cobrar que estes realizassem o mesmo processo com seusalunos. As TIC reconfiguram os ambientes, potencializam o surgimento deinstabilidades, bem como possibilitam um espao de criao e posicionamento dossujeitos envolvidos. Cada professor, apropriando-se daqueles artefatos digitais parafinalidades educativas, didticas, poderia efetivar um salto qualitativo em sua prxis. Osalunos, por sua vez, teriam condies de se colocarem enquanto protagonistas de seu

    processo de aprendizado. Tal dinmica contribuiria para evitar a lgica do consumoexcessivo de informaes e produtos empacotados e embarcados no dispositivodigital, e que no tem mais razo de ser em tempos de web 2.0. Como afirma Santana(p. 137, 2012):

    () com a emergncia do digital, quando as diversas produes humanas

    podem ser transformadas em zero e um e distribudas em rede a custodireto praticamente nulo, produtos prprios dos chamados consumidorespodem ter lugar. As piratarias, clandestinidades e murmrios produzidospelos usos de determinado material didtico podem ser distribudos juntoscom este material, gerando novos produtos que qualificam ainda mais novas

    possibilidades de usos.

    Torna-se parte do processo formativo da comunidade escolar como um todo, tanto areflexo sobre os equipamentos a serem utilizados e desenvolvidos, quanto os

    programas de computador que sero necessrios, alm dos arranjos de espao fsico queprecisaro ser adotados e toda a gama de alteraes e inovaes que iro permear asaes de ensino-aprendizagem a serem desenvolvidas.

    Especialmente no aspecto que tentamos discutir aqui, que diz respeito ao quedesignamos como rotulao dos artefatos tecnolgicos, esta outra lgica que envolvediretamente os interagentes dos processos valoriza sua insero enquanto autores que,munidos das condies necessrias (formao e infraestrutura), so capazes elesmesmos de criar produes por meio das mais diversas linguagens - texto, vdeo, udio,imagem. Estas, por sua vez, registradas sob alguma licena aberta, flexvel, como ocaso das licenas creative commons18, tm plenas condies de serem remixadas,reconstitudas, ressignificadas, por qualquer pessoa da prpria comunidade ou em outroslugares do mundo.

    Insistimos assim que, nem os artefatos tecnolgicos (termo que aqui estamoscompreendendo como conjunto articulado de hardware e software), nemespecificamente os softwares utilizados pelos professores, nem mesmo as produesque estes ou seus alunos desenvolvem no mbito da escola, precisam sernecessariamente rotulados com a marca do educacional/pedaggico, poiscompreendemos que tais contedos e suportes passam a ter este carter a partir do seucontexto de utilizao, a partir da apropriao realizada por aqueles que se articulam emtorno do processo educativo. Estes suportes e contedos se constituem num espaoaberto, amplo e dinmico a partir dos quais se realiza a Educao.

    Consideraes finais

    Com a discusso proposta neste artigo, pretendemos apresentar e refletir a respeito de18 http://creativecommons.or g.br/as-licencas/

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    algumas questes que nos parecem muito caras e esto intimamente relacionadas comos cotidianos das escolas brasileiras, cada vez mais inundadas por uma aparelhagemtecnolgica que se instala pelos diversos ambientes destas instituies de ensino.

    Compreendemos que as razes de ser e os rtulos com os quais todo este aparato chegas sala de aula esto diretamente ligados s concepes de educao que perpassam amente e as aes daqueles que propem a existncia das polticas que viabilizam acompra e a produo destes equipamentos.

    Ao rotular um determinado equipamento como educacional, no oferecendo apossibilidade de participao, acrscimos, modificaes e interferncias, tanto em suagnese quanto no decorrer da sua utilizao, parte-se do pressuposto que somenteaquele dispositivo com o seu contedo tem a capacidade de educar e que nada fora destecontexto o far. Neste caso, o equipamento que determina o que pode e o que no

    pode ser ensinado. Entretanto, conforme apresentamos, ao pensarmos na educao em

    um sentido ampliado, ela poder se dar em diversos contextos e utilizando-se dediferentes suportes.

    Assim, as aes de fomento para o uso das tecnologias nos espaos escolares, bemcomo a escolha dos artefatos tecnolgicos destinados a este fim, devem superar aslimitaes impostas, sejam elas relacionadas lgica de mercado ou s concepes

    pedaggicas baseadas em solues que no privilegiem a liberdade, a colaborao e acriao. Consideramos uma demanda urgente a superao da lgica que envolve aeducao querendo transformar professores e alunos em atores coadjuvantes e no emautores do processo educacional. Tal avano primordial para que possamos alcanarum uso efetivo e no instrumental das tecnologias digitais na educao.

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