artigo prof. angÉlica mauÉs

Upload: julia-souza

Post on 14-Jul-2015

41 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

3 O CRESCIMENTO DO NMERO DE IDOSOS/AS NO BRASIL O presente artigo tem como objetivo apontar as mudanas ocorridas na sociedade brasileira que esto influenciando o envelhecimento do pas, assim como, buscar compreender os conceitos sobre gnero abordando as relaes que existem dentro de um contexto de violncia domstica e familiar. Alm disso, trarei estudos j realizados em relao ao tema proposto e as concepes de alguns autores e pesquisadores em relao violncia contra mulheres idosas. Partindo do pressuposto, que viver numa sociedade que a cada dia esta sendo transformada pela modernidade, que se torna cada vez mais presente em nosso cotidiano, podemos entender que juntamente com a modernidade vm as mudanas no modo de viver, no s para as pessoas mais jovens, mais tambm para os/as idosos/as que vivem em nosso pas. Essas mudanas so inseridas em nossos relacionamentos, tanto com pessoas de dentro como de fora do cotidiano domstico e familiar e trazem com elas novas formas de sociabilidade e conflitos. Alm dessas transformaes, conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), desde o sculo passado que a sociedade brasileira tem sofrido significativas mudanas scio-demogrficas, como por exemplo, a diminuio da fecundidade e da mortalidade em nosso pas, o que influencia no aumento da expectativa de vida e no crescimento do nmero de idosos/as. Desta forma, tais aspectos so fundamentais para explicar as transformaes no contexto da populao brasileira. As legislaes1 que amparam os/as idosos/as poltica, social e culturalmente, o IBGE e a Previdncia2 Social definem o/a idoso/a, como o indivduo com 60 anos ou mais. Sendo assim, com a diminuio da fecundidade e mortalidade, assim como, com o aumento da expectativa de vida fato que o nmero de idosos/as aumentou em nosso pas e por isso devemos nos preocupar com este segmento da nossa sociedade, principalmente, com a violncia domstica e familiar, que muitas idosas tm sofrido.

1

Lei Orgnica de Assistncia Social (Lei n 8.742, de 7 de dezembro de 1993); Poltica Nacional do Idoso (Lei n 8.842 de 4 de janeiro de 1994) e regulamentada (Decreto n 1.948, de 3 de julho de 1996); Estatuto do Idoso (Lei n 10.741, de 1 de outubro de 2003). 2 A Previdncia Social no Brasil surge com a criao do Montepio e Fundo Mtuos, mas entre 1923 e 1933 que se expande com a criao das Caixas de Aposentadoria e Penses atravs da chamada Lei Eli Chaves.

No entanto, quando pretendemos discutir a violncia domstica e familiar contra mulheres idosas, devemos compreender que dentro do contexto deste tipo de violncia esto inseridas as relaes de gnero e que para analisarmos este problema fundamental entendermos esta categoria e as relaes por ela construdas.

3.1 GNERO E VIOLNCIA DOMSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHERES IDOSAS A categoria gnero um conceito que surgiu como um referencial terico para analisar e compreender a desigualdade entre o que atribudo mulher e ao homem, ou seja, para a sociedade em geral existem comportamentos diferentes para homens e mulheres. Os sistemas de gnero, masculino e feminino, assim como as formas de operar nas relaes sociais de poder que existem entre homens e mulheres so decorrncias culturais, ou seja, as diferenas biolgicas entre homens e mulheres nada tem a ver com as diferenas nas relaes de gnero. Em nossa sociedade existem muitos exemplos que demonstram que a hierarquia de gnero, geralmente, prevalece o sexo masculino. Entretanto, as afirmaes de que as mulheres so mais sensveis para o comando do que os homens, assim como, a idia de inferioridade feminina foram e so construdas socialmente pelos prprios homens e pelas mulheres ao longo da histria. O conceito de gnero, para as cincias sociais e humanas, foi criado como uma referncia construo social. Nestas reas do conhecimento, o conceito de gnero existe para distinguir a dimenso biolgica da dimenso social e est baseado no pensamento de que h machos e fmeas na espcie humana, todavia, o modo de ser homem e mulher construdo pela cultura de cada sociedade. Deste modo, falar de gnero significa dizer que homens e mulheres so produtos de sua realidade social e no da decorrncia anatmica de seus corpos. Sendo assim, gnero um fator de grande importncia para organizar a vida social. Contudo, esta categoria no pode ser analisada de maneira isolada, visto que, vai alm da anlise homem e mulher, pois gnero uma categoria dinmica que est articulada com diversos outros eixos de diferenciao, como a classe social, raa/cor, etnia, gerao, orientao sexual e devemos levar em considerao que todas essas diferenciaes sociais envolvem estruturas de poder dentro de uma sociedade. As estruturas de poder so construes sociais e, portanto, no so

naturais, categorias inatas ou caractersticas. Sendo assim, os papis de gnero nos so ensinados como prprios da condio de ser homem e mulher e configuram-se em uma imagem idealizada do masculino e do feminino, de tal forma, que no nos demos conta da sua produo e reproduo social. (BENTO, 2006) comum vermos reportagens que fazem comparao das posies de homens e mulheres no mercado de trabalho, aonde percebemos as desigualdades de cargos e salrios, na maioria das vezes, o nmero de homens que ocupam cargos de direo bem maior do que o nmero de mulheres, assim como, as diferenas salariais so bastante significativas entre homens e mulheres. Alm disso, existe uma maior concentrao de homens em reas como engenharia e informtica, enquanto a maioria das mulheres se concentra em atividades de ensino e cuidado. Ao nos depararmos com tais reportagens, no primeiro momento, pode nos parecer que as escolhas ou os modos de insero no mercado de trabalho so reflexos de aptides naturais, capacidades e desempenho distinto entre homens e mulheres. Entretanto, se prestarmos mais ateno, podemos perceber que a distribuio de homens e mulheres no mundo do trabalho e as desigualdades como cargos e salrios, podem ser atribudas s assimetrias de gnero, isto , as desigualdades de oportunidades, condies e direitos entre homens e mulheres, que geram uma hierarquia de gnero. Neste sentido, podemos compreender que o modo como homens e mulheres se comportam em sociedade fruto de um intenso aprendizado sociocultural, que dita normas de como agir conforme as prescries de cada gnero. Sendo assim, existe uma expectativa social em relao a como deve ser o comportamento de homens e mulheres, como a maneira de andar, falar, sentar, mostrar o corpo, brincar, danar, namorar, cuidar do outro, amar etc. Podemos citar como exemplo uma frase da escritora Simone de Beauvoir em seu livro O Segundo Sexo (1949), quando diz: ningum nasce mulher, torna-se mulher, o que significa que gnero uma construo social. A estudiosa sobre as questes de gnero Joan Scott3 contribui bastante para compreendermos melhor o significado de gnero, em sua obra Gnero: uma categoria til de anlise histrica, publicada em 1986. Nessa obra gnero conceituado como uma categoria til no s para a anlise da histria das mulheres, mas tambm para a histria dos homens. A autora define gnero como: um elemento constitutivo de3

Professora de Cincias Sociais no Instituto para Estudos Avanados de Princeton.

relaes sociais fundadas sobre as diferenas percebidas entre o sexo, e o gnero um primeiro modo de dar significado s relaes de poder (SCOTT, 1995, p.14). Segundo Scott (1986), o uso mais recente da palavra gnero apareceu primeiramente entre as feministas americanas, que insistiam na qualidade fundamentalmente social das diferenas baseadas no sexo. Gnero indicava uma rejeio ao determinismo biolgico, que estava implcito em termos como sexo ou diferena sexual. Deste modo, o masculino e o feminino so vistos com um carter principalmente social, ou seja, para as feministas a palavra gnero sublinhava o aspecto relacional nas definies normativas de feminilidade. De acordo com autora, a preocupao dessas feministas era com o fato de que a produo dos estudos femininos estava fortemente centrada sobre as mulheres e por isso passaram a utilizar o termo gnero, com o objetivo de introduzirem uma noo relacional ao nosso vocabulrio analtico, aonde mulheres e homens seriam definidos em termos recprocos e nenhuma anlise de qualquer um poderia ser realizada atravs de um estudo inteiramente separado. Em sua obra a autora cita a fala de uma dessas feministas, para compreendermos melhor o objetivo desse grupo, Nathalie Davis disse em 1975:Eu acho que deveramos nos interessar pela histria tanto dos homens quanto das mulheres, e que no deveramos trabalhar unicamente sobre o sexo oprimido, da mesma forma que um historiador das classes no pode fixar seu olhar unicamente sobre os camponeses. Nosso objetivo entender a importncia dos sexos, dos grupos de gneros no passado histrico. Nosso objetivo descobrir a amplitude dos papis sexuais e do simbolismo sexual nas vrias sociedades e pocas, achar qual o seu sentido e como funcionavam para manter a ordem social e para mud-la (Scott, 1995, p.2).

Sendo assim, quando Scott trata desse grupo de feministas, demonstra o carter relacional da categoria gnero propondo que tal categoria seja fundamental para fazermos uma anlise histrica tanto das mulheres, como dos homens, uma anlise das relaes entre homens e mulheres. Desta forma, podemos perceber que entre as relaes do sexo masculino e feminino, existe um enorme campo para analisarmos as desigualdades e hierarquias sociais. Ainda segundo a autora, o termo gnero tambm foi proposto pelas feministas que acreditavam, que as pesquisas sobre as mulheres transformariam especialmente os paradigmas no meio de cada disciplina. Sendo assim, as pesquisadoras feministas disseram que estudos a respeito das mulheres trariam no apenas novos temas, mas tambm iriam impor uma reavaliao crtica dos conceitos e critrios do trabalho cientfico j existente. De acordo com Scott, algumas historiadoras

diziam que o objetivo no era apenas fazer uma nova histria das mulheres, mas uma nova histria, mas que o modo como essa nova histria incluiria e apresentaria a experincia das mulheres, iria depender da forma como o gnero seria desenvolvido enquanto categoria de anlise. Segundo a autora, as/os pesquisadoras/es de estudos sobre mulheres que possuam uma viso poltica mais abrangente, recorriam s categorias gnero, classe e raa para escreverem essa nova histria. Sendo assim, aps a anlise do conceito de gnero, pode-se compreender que quando se pretende discutir a construo da violncia contra a mulher idosa, principalmente em ambiente domstico e familiar fundamental se entender que dentro de um contexto de violncia domstica e familiar esto inseridas as relaes de gnero e que este tipo de violncia no tem relao com as diferenas biolgicas entre homens e mulheres, mas sim com papis sociais4 que exercem e que na maioria das vezes reforado por praticas e teorias patriarcais do passado, que tem srias conseqncias, especialmente para as mulheres. As praticas e teorias patriarcais colocam o homem como o chefe da casa e assim reforam as desigualdades entre os gneros. Tradicionalmente, o ambiente familiar estabelecido por uma viso patriarcal podendo deste modo se configurar num espao de construo da violncia de gnero, no qual a mulher idosa torna-se vtima dessa violncia. comum relacionarmos a velhice feminina ao ambiente domstico, geralmente, a imagem da mulher idosa est ligada ao papel de av, esposa, me e/ou dona de casa. Segundo Lins de Barros, estudiosa sobre a questo do envelhecimento no Brasil:Ao homem velho se d uma ateno maior, na medida em que se percebe a aposentadoria como uma mudana radical da vida- uma passagem de um mundo amplo e pblico para um mundo domstico e restrito... A mulher na velhice est no ltimo estgio de um continuum sempre ligado esfera domstica. (BARROS, 1981, P.14)

De acordo com Debert (1999), uma nova imagem da velhice feminina comeou a ser construda na sociedade contempornea, a partir da dcada de 1970 e incio dos anos 80, perodo em que o envelhecimento passou a ser visto, como uma etapa da vida na qual, o prazer e a busca pela realizao pessoal tornaram-se objetivos legtimos e desejveis das pessoas idosas, especialmente das mulheres. Essa transformao alimentada pela propagao do discurso da geriatria e gerontologia4

Papis Sociais so as formas de comportamento impostas pela sociedade e que so construdos conforme cada cultura.

sobre a velhice saudvel e ativa surgindo ento determinao: Terceira Idade. As instituies, associaes e ONGS que trabalham com os idosos buscam estimul-los a prtica da velhice ativa e a crena na possibilidade de se viver a melhor fase da vida depois dos sessenta. As mulheres idosas encontram atualmente nos grupos de Terceira Idade, a oportunidade de ter uma vida privada separada da famlia (Debert, 1981). A concluso que podemos ter que as mulheres idosas contemporneas, no querem apenas cuidar do lar, elas querem pertencer a grupos com a mesma faixa etria, aonde possam trocar experincias e praticar atividades extra-domsticas. No entanto, a partir de estudos realizados no Brasil (MINAYO, 2005; FALEIROS, 2003) sobre a violncia contra as pessoas idosas constatou-se que o ndice de violncia contra mulheres idosas maior do que o ndice de violncia contra homens idosos, o que reafirma que em nosso pas assim como em muitas outras sociedades, as mulheres, independentemente da idade, so mais vitimizadas do que os homens, principalmente se tratando de relaes intrafamiliares. Mais adiante estes estudos sero mais bem analisados. No final da dcada de 60 do sculo passado, atravs de estudos sobre as relaes intrafamiliares, a respeito do tradicional papel da mulher na famlia e sua condio na sociedade foi que a violncia domstica passou a ser vista como um problema social e de sade, sendo transformada numa categoria poltica de reivindicao. Segundo Luzia Miranda lvares5, em seu artigo A Questo de Gnero e a Violncia Sexual, a violncia contra a mulher passou a ser percebida e reivindicada pela sociedade, a partir das denncias realizadas pelo movimento de mulheres ao tratamento que suas congneres recebiam em casa, no trabalho e em outros locais onde mantinham convivncia, quando eram impedidas de participarem de alguma atividade, ou em casa, quando eram violentadas pelo marido, pelos filhos ou pais, ao no fazerem determinadas tarefas domsticas. De acordo com a autora, atualmente em diversas cidades brasileiras, inclusive em Belm, as mulheres vtimas de qualquer tipo de violncia, recebem o tratamento devido de entidades governamentais e no governamentais, que consideram essas atitudes destrutivas da condio humana e5

Professora Associada do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal do Par (UFPA) e Coordenadora do Grupo de Estudos e Relaes de Gnero Eneida de Moraes (GEPEM/UFPA).

propem polticas pblicas para o enfrentamento dessas situaes. Para Luzia lvares a violncia contra a mulher no escolhe idade, raa e classe social. Assim sendo, as mulheres passaram a questionar os papis sociais que lhe foram atribudos devido a sua condio feminina, papis em sua maioria desqualificados, opressivos, sem status e responsveis pelo enclausuramento no mbito domstico. Em contrapartida a qualquer tipo de violncia contra a mulher, na dcada de 70 surgiu o Movimento de Mulheres que exigia igualdade de direitos entre homens e mulheres. Para Luzia lvares, o termo violncia abrange diferenciados tipos de agresso integridade fsica, moral e psicolgica das mulheres, que poder acabar em atitudes mais srias como assassinatos pelos maridos, um crime que at recentemente, era encoberto pela lei, com a justificativa de que tais situaes fatais estavam representando a lavagem da honra. A autora cita como exemplo, uma frase muito dita at bem pouco tempo em nossa sociedade e que no se tinha nenhuma reao contrria: em briga de marido e mulher ningum mete a colher, o que representava respeito pela individualidade do casal. A autora faz referncia a Heleieth Saffioti (1994), que diz: a violncia masculina contra a mulher integra, assim, de forma ntima, a organizao social de gnero vigente na sociedade brasileira. Segundo Saffioti (1994), a cultura brasileira trata-se de uma cultura na qual existe uma hierarquia de poder que domina a estrutura social e assim, est legitimada por uma ideologia responsvel pela criao de papis sociais baseados nas diferenciaes de sexo. De acordo com Luzia lvares, ainda hoje, a organizao social brasileira est estabelecida e estabelece tambm, um contexto de dominao, no qual o lar e a maternidade constituem-se num espao natural da mulher, enquanto que a rua e a poltica tornaram-se o lugar do homem. Esses dois lados, espao privado e pblico, foram refletidos na histria da humanidade e em cada organizao social criando um crculo de usos e costumes que tecem sociedades hierarquizadas na estrutura social como um todo. Embora os nmeros a respeito das denncias de violncia domstica sejam bem expressivos, ainda existem os casos que ficam no silncio do ambiente familiar, pois muitas mulheres no denunciam por medo que o agressor volte a maltrat-las. No entanto, segundo Luzia lvares, existem medidas que podem ser tomadas em conjunto

envolvendo toda a sociedade, para erradicarmos todos os tipos de violncia contra mulheres. De acordo com a autora, a finalidade dos movimentos de mulheres na divulgao de informaes para as mulheres vtimas de violncia e para a sociedade em geral cumprir a meta de fazer com que todas reconheam a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia Contra a Mulher adotada pela Assemblia Geral da Organizao dos estados Americanos (OEA), em 6 de junho de 1994 e chamada de Conveno de Belm do Par, devido a sua assinatura ter sido realizada em uma reunio internacional na cidade de Belm, e aprovada no Brasil em 27 de novembro de 1995, ao conhecer, denunciar a violncia a que so submetidas. A Conveno de Belm do Par validou e ampliou a Declarao e o Programa de Ao da Conferncia Mundial de Direitos Humanos, que ocorreu em Viena em 1993, alm disso, este documento representou a mobilizao do movimento internacional feminista, com o objetivo de promover maior visibilidade existncia das agresses cometidas contra mulheres, que j eram consideradas atos naturalizados, para que tais agresses fossem vistas como tipos de violncia. Outro objetivo era fazer com que os culpados (agressores) fossem punidos e fossem repudiados pelos Estados-membros da OEA. Pelo exposto, podemos entender que a discusso introduzida pelos movimentos feministas abriu portas, para que o problema da violncia domstica, enquanto fenmeno social fosse mais bem analisado e exigisse solues efetivas para essa situao. importante ressaltar, que apesar do nmero de mulheres vtimas de violncia domstica ainda ser alarmante, as mulheres conquistaram benefcios bastante significativos de proteo mulher em condio de violncia, como a implantao de instituies de ateno especfica, dentre as quais esto as Delegacias de Proteo s Mulheres (DPMs), casas-abrigo e os centros de referncia e ateno mulher em situao de violncia. Alm disso, fundamental divulgarmos a Conveno de Belm do Par, criada para erradicar, prevenir e punir todas as formas de violncia contra a mulher, assim como as polticas de proteo as mulheres e a Lei Maria da Penha (11.340/06). 3.2 CONCEITOS E DADOS SOBRE A VIOLNCIA CONTRA MULHERES IDOSAS

Aqui pretendemos discutir a partir de pesquisas realizadas, a concepo de alguns autores em relao violncia cometida contra as mulheres idosas caracterizando os tipos de violncia e identificando os possveis agressores. Conforme o estudo realizado pela pesquisadora Maria Ceclia Minayo (2003), a categoria causas externas utilizada pela Organizao Mundial da Sade (OMS) para informar a respeito dos resultados de agresses, acidentes, traumas e leses. Entretanto, a violncia um conceito usado para os casos referentes s relaes sociais interpessoais, de grupos, de classes, de gnero ou as relaes que ocorrem em instituies, como o uso de meios para coagir ou causar danos mentais ou morais outra pessoa. Sob este aspecto, quando a discusso sobre a violncia contra os/as idosos/as pode-se tambm denomin-la de abusos ou maus tratos, isto , abusos fsicos, psicolgicos e sexuais, bem como, o abandono, a negligncia, os abusos financeiros e a autonegligncia. A negligncia um dos abusos mais recorrentes, tanto em ambiente domstico quanto institucional. Sendo assim, a negligncia poder ser responsvel por outros danos como leses e traumas fsicos, emocionais e sociais para o/a idoso/a (MINAYO, 2005). Uma pesquisa realizada por Faleiros (2007) 6 abordou ndices de violncia contra idosos/as com informaes detalhadas, com dados de ocorrncia, com o perfil das vitimas e dos agressores, que foram coletados nas vinte e sete capitais dos Estados brasileiros e no Distrito Federal. De acordo com Joo Carlos Martins Neto, conselheiro titular do Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT) no Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, a pesquisa faz parte do Plano de Ao para o Enfrentamento da Violncia contra a Pessoa Idosa e foi realizada por mais de trinta pesquisadores de campo trazendo resultados significativos para podermos dimensionar a violncia contra os/as idosos/as no pas. Este plano articula vrios Ministrios, onde cada um contribui de forma especifica (BRASIL, 2005). Segundo Faleiros (2007) devido ausncia de um levantamento sistemtico em relao violncia contra os/as idosos/as em nvel nacional foi que surgiu a proposta da pesquisa, com o objetivo de fazer um levantamento das fontes de denncias contra as pessoas idosas nas reas de assistncia social, disque-denncia, Ministrio Pblico, conselhos, sade e polcia.

6

Faleiros, Vicente de Paula. Violncia contra a pessoa idosa: ocorrncias, vtimas e agressores.

O livro de Vicente de Paula Faleiros foi utilizado como uma fonte bibliogrfica de coletas de dados para a minha pesquisa, pois a partir de sua leitura pude obter mais informaes a respeito dos ndices de violncia contra os/as idosos/as na regio Norte, mais especificamente da cidade de Belm, por ser a cidade na qual se encontra o meu objeto de pesquisa: As Mulheres Idosas. Escolhi este livro como fonte dados por consider-lo atual e assim entender que ele poderia complementar algumas informaes que havia obtido no decorrer de minha pesquisa. Na concepo de Faleiros (2004), a violncia um processo social relacional complexo e diverso. um processo relacional, pois deve ser entendido na estruturao da prpria sociedade e das relaes interpessoais, instituies e familiares. Ou seja, para compreendermos uma situao de violncia fundamental analisarmos o contexto no qual esta situao ocorreu, pois a sociedade estruturada atravs das relaes entre os indivduos, relaes que so construdas e envolvidas por aspectos econmicos (acumulao de poder), isto , relaes entre grupos e classes economicamente distintos (Marx, 1983), assim como, questes relacionadas ao gnero, raas, culturas, instituies e afetividade. O autor cita (MORIN, 2003, p.71), para explicar que as relaes de poder so complexas, pois envolvem ... tanto o contexto social mais geral como as relaes particulares que devem ser tecidas junto. A partir desse conceito podemos entender que as relaes de poder, que constroem casos de violncia contra pessoas idosas podero estar inseridas em situaes mais pblicas, isto , fora do mbito domstico, aonde o/a idoso/a estar se relacionando com pessoas que no fazem parte da sua famlia; ou em ambientes mais privados, no qual estar tendo relaes mais intimas, ou seja, com o cnjuge, filhos/as, genros e noras. A exposio de alguns dados retirados do livro se deter apenas na regio Norte e na cidade de Belm, pois entendo que ficaria muito amplo se colocasse dados de todas as regies, visto que, o trabalho que apresento traz um recorte sobre a violncia psicolgica e patrimonial contra as mulheres idosas na cidade de Belm, no Estado do Par. A violncia contra as pessoas idosas pode ser observada em diversas sociedades, entretanto, sua disseminao ocorre de forma distinta, isto , por regio, instituies, famlia e organizao. Alm disso, a violncia relatada de diferentes formas. De acordo com o autor, este tema vem se tornando cada vez mais presente nas

investigaes cientificas e nas polticas pblicas, com propostas para o seu combate e preveno. Atualmente, a sociedade tem dado maior ateno e olhado com mais sensibilidade para o problema, a partir da realizao de debates, difuso da problemtica e ampliao das instncias para a denncia (Faleiros, 2007). De acordo com os ndices expostos no livro, as denncias de violncia contra os/as idosos/as esto presentes em todas as capitais da regio Norte, entretanto, em Belm, destaca-se a presena de violncia financeira (patrimonial) e da negligncia. Todavia, embora a pesquisa de Faleiros indique a negligncia e a violncia patrimonial, como um dos tipos de violncia que mais se destaca em Belm, o presente trabalho, visa enfatizar e pesquisar tambm os casos de violncia psicolgica, por considerar um tipo de violncia muito presente tambm na vida dos idosos, porm mais difcil de ser identificado por se tratar de uma agresso muito silenciosa. Na pesquisa realizada Faleiros (2007), em relao aos ndices de violncia cometidos sobre populao idosa nas capitais brasileiras, ficou constado que a regio Norte tem o nmero de idosos bem inferior mdia brasileira, exceto na cidade Belm, com 12,2% de idosos na populao. A populao de idosos no Par representa 6,4 % do total da populao, com uma expectativa de vida inferior da regio Sul e Sudeste, mas superior regio Nordeste. Nesta pesquisa foram usadas diversas fontes de pesquisa sobre a Violncia Contra o Idoso na regio Norte, como: Disque - Idoso; Assistncia Social; Direitos Humanos, Sade, Ministrio Pblico; Delegacia Especial; Polcia Geral e Conselhos. Todavia, em Belm, apenas duas dessas fontes fornecem informaes a respeito dos ndices de violncia contra as pessoas idosas, que so o Ministrio Pblico e Polcia Geral. Uma das fontes de informao para a pesquisa de Faleiros (2007) foi um programa que funciona em diversas cidades, o Disque-Idoso, que foi aprovado pela Comisso de Seguridade Social e Famlia da Cmara no dia 14 de abril de 2004, com o projeto de lei 1996/03, que instituiu o programa.7 O objetivo desse programa prestar atendimento a denncias de maus-tratos e violncia contra os idosos a partir de 60 anos, assim como, denunciar clnicas irregulares e fornecer informaes sobre os direitos das pessoas idosas.

7

Informaes obtidas no Conselho Municipal do Idoso, da cidade de Belm.

Outra fonte de dados foi o Sistema nico de Assistncia Social (SUAS), onde a gesto descentralizada e participativa e est constituda na regulao e organizao dos servios, programas, projetos e benefcios socioassistenciais de todo territrio nacional, que possuem carter continuado ou eventual, executados e providos por pessoas jurdicas de direito pblico sob critrio universal e lgica de ao em rede hierarquizada e em articulao com iniciativas da sociedade civil. O SUAS foi deliberado na IV Conferncia Nacional de Assistncia Social, que ocorreu em Braslia (DF), em 2003, desta forma, foi inscrito num esforo de viabilizao de um projeto de desenvolvimento nacional, que almejava a universalizao dos direitos Seguridade Social e da proteo social pblica com a composio da poltica pblica de assistncia social em nvel nacional. Alm das instituies citadas, Faleiros (2007) coletou dados para a sua pesquisa nas Delegacias Especiais do Idoso, nas Delegacias Gerais e no Ministrio Pblico. Todavia na cidade de Belm de acordo com o pesquisador as nicas fontes de informao utilizadas foram a Delegacia Geral e o Ministrio Pblico, pois as outras no funcionavam. Desta forma compreendo a dificuldade que tive para obter dados sobre os ndices de violncia contra mulheres idosas em Belm, visto que, nesta cidade no existem muitas fontes de informao sobre o tema. Para o presente trabalho foram utilizadas como fontes de dados a 1 Vara de Juizado de Violncia Domstica e Familiar e a Diviso Especializada de Atendimento a Mulher (DEAM) da cidade de Belm-PA. No prximo captulo relatarei o perodo da pesquisa, como consegui tais dados e como as informaes coletadas contriburam para a construo do meu problema. A escolha de tais fontes deu-se pelo fato de serem locais destinados ao tratamento de casos de violncia contra mulheres. A tabela a seguir mostra informaes sobre o nmero e porcentagem de homens idosos e mulheres idosas na cidade de Belm: TABELA 1 Nmero e porcentagem de idosos por sexo- Belm8

8

Esta tabela foi retirada do livro: Violncia Contra a Pessoa Idosa ocorrncias, vtimas e agressores. Vicente de Paula Faleiros Braslia: Universia, 2007.

Idade

Masculino

Feminino

Nmero

Porcentagem da populao

60 64 anos 12.477 65 69 anos 8.906 70 74 anos 6.470 75 e mais 7.697 Total 35.550 Fonte: IBGE, Censo 2000.

16.328 12.724 9.886 14.372 53.310

28.805 21.630 16.356 22.069 88.860

2,2 1,7 1,3 1,7 6,9

Segundo a tabela, a proporo do nmero de pessoas com mais de 60 anos de idade, em Belm, corresponde a 6,9 % em 2000 e o nmero de mulheres idosas maior que o nmero de homens idosos nas quatro faixas etrias colocadas na tabela. A partir desses dados, podemos compreender que o nmero de mulheres em nosso pas continua sendo maior que o nmero de homens, at na terceira idade e isto refora a importncia desse trabalho ao abordar casos de violncia domstica e familiar contras mulheres idosas. Para os ndices sobre a violncia contra as pessoas idosas, na cidade de Belm, a pesquisa de Faleiros (2007) obteve seus dados atravs do Ministrio Pblico (MP) e o Centro Integrado de Operaes Policiais (CIOP). Segundo o autor existem diferentes registros dos casos de violncia contra os idosos. Desta forma, a polcia tem dados referentes a queixas-crime e o MP, os dados relacionados a queixas voltadas para os conflitos que envolvem o aparato judicirio. Em relao aos ndices de violncia intrafamiliar, o autor atravs dos dados coletados coloca que no CIOP chegaram 232 registros em quatro anos, enquanto que no MP 170 em trs anos. No CIOP aparecem mais registros de ameaa; enquanto no MP, os registros de negligncia, seguido de violncia financeira. Uma informao muito importante, que retirei da pesquisa realizada por Faleiros (2007) que a maioria das pessoas idosas vtimas de violncia intrafamiliar do sexo feminino, tanto nos dados do Ministrio Pblico 66,47% como nos dados do CIOP 62,06%. Embora as minhas fontes de dados sejam instituies especficas para mulheres, como a 1 Vara de Juizado de Violncia Domstica e Familiar e a DEAM, cabe ressaltar o ndice de ocorrncia de casos de violncia contra mulheres idosas, em outras instituies que no so direcionadas exclusivamente aos casos de violncia

contra mulheres. Esses dados reafirmam que a mulher, mesmo quando idosa continua sendo mais vitimizada do que o homem. Em relao aos agressores, a maioria de filhos e filhas. Conforme o Ministrio Pblico, os filhos correspondem a 33,33% e as filhas a 21,60%, somando ambos 54,93%. No CIOP, os filhos esto na proporo de 47% e as filhas em 10,5%, somando 57,5%. Neste caso bem maior a proporo de filhos. No MP, os netos/netas aparecem em segundo lugar, com 9,25% e as companheiras aparecem em terceiro lugar, com 7,41%. Nos dados do CIOP so outros parentes 6,9% enquanto os netos 3,6% e companheiros 3,6%, a mesma proporo. No CIOP, o nmero de companheiros agressores maior que o de companheiras, contrariamente aos dados do Ministrio Pblico. Conforme, a anlise final da pesquisa feita em Belm, os dados mostram que o perfil da violncia intrafamaliar varia de acordo com o registro da fonte, mas a maioria dos agressores tanto da CIOP, como do Ministrio Pblico de filhos e filhas (FALEIROS, 2007). Partindo da anlise dos dados da pesquisa realizada por Faleiros (2007) sobre a violncia contra as pessoas idosas, na cidade de Belm podemos compreender que a maior parte das pessoas idosas vtimas de algum tipo de agresso de mulheres e isto um dado que contribui bastante para a construo do problema deste trabalho e para sabermos e buscarmos respostas a esta anlise, porque mesmo quando se tornam mulheres idosas, o sexo feminino continua sendo mais vitimizado em relao ao sexo masculino? O que est por traz desses casos de violncia, isto , como foram construdas essas histrias de violncia e em qual contexto esto inseridas? Por que so os filhos e filhas os principais agressores? J que pelo senso comum so eles/as que deveriam ser os principais responsveis pelo cuidado e proteo com seus pais e mes, principalmente, quando estes se tornam pessoas idosas. O que leva aos filhos e/ou filhas agredirem suas mes idosas? H quantas anda o papel do Estado em tratar dos casos de violncia contra mulheres idosas na cidade de Belm e como usada a Lei Maria da Penha (11.340/2006) e o Estatuto do Idoso (10.741/03) na proteo das idosas vtimas de violncia domstica. So a estas questes que a presente pesquisa busca encontrar respostas e at mesmo propor solues. Profundos problemas sociais que sofrem uma camada da populao idosa, tambm so evidenciados nos indicadores sociais do IBGE. Muitos/as idosos/as ainda

trabalham, seja para o seu sustento seja para auxiliar na subsistncia familiar e 43% dos que tm 60 anos ou mais tm renda per capita abaixo de um salrio mnimo. As desigualdades sociais, tambm indicam ndices diferenciados de sofrer violncia, sendo os mais pobres, os mais vulnerveis (Minayo, 2005). Entretanto, devemos entender que o despreparo de algumas instituies e de determinadas pessoas em lidar com as questes prprias da velhice um fator que tambm poder contribuir para a violncia contra os/as idosos/as. Estudos nas reas da Geriatria e Gerontologia9 revelam que a violncia contra os/as idosos/as dividiu-se em trs categorias: violncia contra o/a idoso/a no seio da famlia; violncia institucional e negligncia e maus tratos. Podemos considerar a definio de violncia contra o/a idoso/a proposta pelo Centre National Sur La Violence Contre Ls Aires (Canad), como: Toda forma de maus tratos contra o idoso por parte de uma pessoa que tenha relao especial com este idoso (companheiro), marido, esposa filho (a), irmo (a), amigo (a), um cuidador (a), que conviva na residncia do idoso ou em instituies asilares onde se encontra o cuidador. Outro conceito muito pertinente para se discutir a violncia contra as mulheres idosas o proposto no Documento das Naes Unidas (2002) que preparou a Conferncia Internacional sobre Envelhecimento e definiu os maus-tratos contra a pessoa idosa como, qualquer ato nico ou repetido ou falta de ao apropriada que ocorra em qualquer relao supostamente de confiana que cause dano ou angstia a uma pessoa idosa. Nos pases em que a populao idosa parte significativa da populao em geral estabelecida uma classificao interna ao prprio grupo visando ao atendimento das polticas sociais. Nesta perspectiva, os grupos so divididos em terceira idade, quarta idade e quinta idade. O primeiro refere-se s pessoas de 60 a 69 anos de idade. So estes os/as idosos/as com menor dependncia fsica e mental. Neste este segmento, a maioria trabalha e/ou est ativa, ou seja, exercendo atividade remunerada. O segundo segmento abrange os/as idosos/as de 70 a 80 anos de idade. A partir de 75 anos os/as velhos/as j tm mais dificuldade de reagir s agresses fsicas, econmicas e psicolgicas. Por9

A Geriatria um ramo da medicina que foca o estudo, a preveno e o tratamento de doenas e da incapacidade em idades avanadas, j a Gerontologia um campo de estudos interdisciplinar que investiga os fenmenos fisiolgicos, psicolgicos, sociais e culturais relacionados com o envelhecimento do ser humano.

ultimo est o segmento da populao com mais de 80 anos de idade, que faz parte do grupo da quinta idade. Neste segmento esto os/as idosos/as que necessitam ainda mais de cuidados, principalmente, na rea da sade e assistncia social (Peixoto, 2000). Na maioria das vezes, as denncias de maus tratos e violncia no Brasil partem do grupo de idosos/as, entre 60 e 75 anos, pois estes dispem de mais autonomia e condies de buscar ajuda. Outro fator que a maioria das queixas feita por mulheres, que so vtimas de alguma forma de violncia no interior do espao domstico (MINAYO, 2005). Todavia, mesmo que o objetivo desta pesquisa seja problematizar casos de violncia psicolgica e patrimonial contra mulheres idosas aqui pesquisadas torna-se importante caracterizar os diversos tipos de violncia que podem ser cometidos contra as idosas, pois conforme alguns pesquisadores que abordam temas relacionados velhice, a pessoa idosa poder sofrer, simultaneamente, vrios tipos de agresses. Nesta perspectiva podemos citar tipos diferenciados de violncia contra os/as idosos/as, como: QUADRO 2 Tipos de Violncia Contra Pessoas Idosas

Abandono uma forma de violncia que se manifesta pela ausncia ou desero dos responsveis governamentais, institucionais ou familiares de prestarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteo;

Abuso psicolgico, violncia psicolgica ou maus tratos psicolgicos correspondem a agresses verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar os idosos, humilh-los, restringir sua liberdade ou isol-los do convvio social;

Abuso financeiro e econmico consiste na explorao imprpria ou ilegal dos idosos ou ao uso no consentido por eles de seus recursos financeiros e patrimoniais. Esse tipo de violncia ocorre, sobretudo, no mbito familiar.

Abuso fsico, maus tratos fsicos ou violncia fsica so expresses que se referem ao uso da fora fsica para compelir os idosos a fazerem o que no desejam, para feri-los, provocar-lhes dor, incapacidade ou morte;

Abuso sexual, violncia sexual so termos que se referem ao ato ou jogo sexual de carter homo ou hetero-relacional, utilizando pessoas idosas. Esses abusos visam a obter excitao, relao sexual ou prticas erticas por meio de aliciamento, violncia fsica ou ameaas.

Negligncia refere-se recusa ou omisso de cuidados devidos e necessrios aos idosos, por parte dos responsveis familiares ou institucionais. A negligncia uma das formas de violncia contra os idosos mais presente no pas. Ela se manifesta, freqentemente, associada a outros abusos que geram leses e traumas fsicos, emocionais e sociais, em particular, para as que se encontram em situao de mltipla dependncia ou incapacidade;

Auto-negligncia diz respeito conduta da pessoa idosa que ameaa sua prpria sade ou segurana, pela recusa de prover cuidados necessrios a si mesmos. Fonte: Documento de Poltica Nacional de Reduo de Acidentes e Violncias do Ministrio da Sade, 2001. Embora existam diferenciaes entre os tipos de violncia contra os/as idosos/as,

numa determinada ao violenta, muitas formas de violncia se misturam em um mesmo caso. Sendo assim, a identificao dessas formas de violncia exige a interveno interdisciplinar e ateno dirigida para os sinais de sua ocorrncia, isto , de diversas reas do conhecimento e profissionais que trabalhem com a questo da velhice. A velhice antigamente era vista como uma questo privada, ou seja, somente a famlia do/a idoso/a era responsvel por ele. No entanto, atualmente, a velhice integrouse as questes pblicas, a partir da filantropia e com a contribuio da Gerontologia (DEBERT, 1999). A sociedade contempornea dispe de mecanismos legais, que permitem de forma consensual, que os cuidados com o idoso sejam de responsabilidade pblica e privada, o que significa dizer, que a famlia em conjunto com o Estado e a sociedade so responsveis pela proteo e manuteno dos direitos e deveres das pessoas mais velhas. Em relao aos autores da violncia contra os/as idosos/as, estudos sobre este tema mostram que os autores, geralmente so adultos maduros10, mais comumente filhos e netos das vtimas, mas tambm amigos, inquilinos e senhorios, que podem estar com sua sade fsica e mental comprometida (PILLERMER & SUITOR, 1988). Na maioria dos casos, os autores da violncia, principalmente, quando estes so os cuidadores, podem ter vindo de um lar de relaes violentas, ou quando no caso dos10

Na concepo da autora Guita Debert (1999) so considerados adultos maduros, as pessoas que ainda no chegaram terceira idade, ou seja, perante o Estado, ainda no so pessoas idosas, devido idade inferior a 60 anos, mas j possuem autonomia e podem responder por seus atos perante a sociedade. Geralmente, quando falamos de adultos maduros nos referimos aos indivduos com mais de 30 anos de idade. Todavia esta idade no um padro.

filhos, estes podem ter sofrido algum tipo de violncia praticada pelo idoso, por quem no momento esto responsveis (QUEIROZ, 1999). Quando a pessoa que agrediu um/a idoso/a o cuidador, ou seja, o individuo responsvel por cuidar e proteger a pessoa idosa, seja filho/a, ou um profissional remunerado ou no, para cuidar do/a idoso/a devemos analisar a histria de vida desse cuidador, se ele veio de um contexto de violncia, isto , se em seu ambiente domstico sofreu algum tipo de violncia e caso esse cuidador seja filho ou filha do/a idoso/a, se esta pessoa no passado sofreu algum tipo de agresso cometido por este/a idoso/a, de quem agora est cuidando. Aps analisados estes contextos, ou seja, a histria de vida do agressor, teremos a possibilidade de identificar se para ele houve algum motivo que o levou a cometer algum tipo de violncia contra o/a idoso/a de quem est cuidando. Desta forma, cabe ressaltar a importncia de se levar em considerao, os vnculos entre os agressores e as vtimas e os elos de dependncia entre ambos, assim como, o histrico de sua relao e a dinmica intergeracional, visto que, tais fatores podem no apenas constituir as condies mais imediatas, que determinam as aes violentas, como tambm podero representar os obstculos importantes para sua reduo. Quando falo de dinmica intergeracional estou me referindo s relaes existentes e construdas entre pessoas de faixa etrias distintas, ou seja, pessoas que fazem parte de geraes diferentes. Nesse caso me refiro s relaes entre os/as idosos/as e pessoas mais jovens, como filhos/as, netos/as, parentes e vizinhos mais prximos. Neste sentido, a natureza e a qualidade do vnculo entre o agressor e a vtima sero fundamentais na definio das formas de interveno que desejam diminuir a violncia. Aps expormos aos dados em relao ao crescimento da populao idosa no pas, conceituarmos a categoria gnero e como essa categoria est inserida nos contextos de violncia domstica e familiar e por fim mostrarmos algumas pesquisas j realizadas em relao violncia contra mulheres idosas, podemos entender que todos os fatores estudados e analisados no decorrer deste captulo so fundamentais para compreendermos o fenmeno da violncia domstica e familiar contra mulheres idosas e a partir disso, buscarmos solues efetivas para este problema.

4 A LEI MARIA DA PENHA PARA AS MULHERES IDOSAS Este o ltimo captulo da pesquisa realizada sobre violncia domstica e familiar contra mulheres idosas na cidade de Belm e ter grande relevncia para este trabalho, pois buscar entender melhor a aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos casos de violncia domstica e familiar cometidos contra mulheres da terceira idade, para ver se existe alguma diferena na aplicao desta lei, em relao aos casos de violncia domstica e familiar contra mulheres de outras faixas etrias. Neste sentido, o objetivo saber qual a relao existente entre a Lei Maria da Penha e o Estatuto do Idoso para estes casos. Alm disso, relatarei as visitas e entrevista realizada na 1 Vara de Juizado de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher, que tiveram a finalidade de compreender o andamento dos processos-crime de violncia domstica e familiar contra

mulheres idosas que so encaminhados para este rgo e tambm descrever as visitas e entrevista feita na Diviso Especializada de Atendimento a Mulher (DEAM), para saber como realizado o atendimento as mulheres idosas vtimas de violncia domstica e familiar que chegam a esta instituio. A lei 11.340/2006 foi criada com o objetivo de resgatar a cidadania feminina, a partir de mecanismos para coibir e prevenir a violncia domstica e familiar contra a mulher. O nome Maria da Penha deve-se as diversas agresses que a farmacutica Maria da Penha Fernandes sofreu por parte do seu marido, um professor universitrio e economista, que bateu e violentou a esposa por muitas vezes, chegando ao cmulo de simular um assalto e deixando sua companheira paraplgica, em 29 de maio de 1983 (DIAS, 2007). De acordo com a autora do livro A Lei Maria da Penha na Justia, Maria Berenice Dias11, esses fatos aconteceram na cidade de Fortaleza no Cear e em 1983 iniciaram-se as investigaes sobre as agresses sofridas por Maria da Penha, porm a denncia s foi efetivada em setembro de 1984. Entretanto, somente em 1991, o agressor foi condenado pelo tribunal do jri a oito anos de priso, mas recorreu em liberdade e teve o seu julgamento anulado. Outro julgamento foi realizado em 1996 e o ru recebeu uma pena de dez anos e seis meses, no entanto, tambm recorreu em liberdade e somente aps 19 anos e 6 meses depois da denncia em 2002, que o esposo de Maria da Penha foi preso. Entretanto, somente cumpriu dois anos de priso. Segundo Maria Berenice, a histria de Maria da Penha teve uma repercusso internacional, que incentivou ao Centro pela Justia e o Direito Internacional (CEJIL) e ao Comit Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) formalizar denncia Comisso Interamericana de Direitos Humanos da Organizao dos Estados Americanos. Embora, a Comisso tenha pedido ao governo brasileiro informaes sobre o processo, em nenhum momento obteve resposta. Desta forma, o Brasil foi condenado internacionalmente em 2001, pois de acordo com o relatrio da Organizao dos Estados Americanos (OEA), que imps uma indenizao no valor de 20 mil dlares Maria da Penha, o Estado brasileiro foi responsvel pela negligncia e omisso em relao violncia domstica e familiar. Este relatrio11

Desembargadora do Tribunal de Justia do rio Grande do Sul (TJRGS) e Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direitos de Famlia (IBDFAM)

recomendava que o pas adotasse vrias medidas, entre elas simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual. O projeto da Lei Maria da Penha foi iniciado em 2002 e elaborado por uma rede de quinze Organizaes No-Governamentais (ONGS) que trabalham com a violncia domstica. Neste sentido, o Grupo de Trabalho Interministerial, criado pelo Decreto 5.030/2004, com a coordenao da Secretaria Especial de Polticas para as Mulheres, formulou o projeto e em novembro de 2004, o projeto foi enviado ao Congresso Nacional. Desta forma, a Lei 11.340 foi sancionada pelo Presidente da Repblica em 7 de agosto de 2006 e est em vigor desde 22 de setembro de 2006. De acordo com a Constituio Federal brasileira (art.226): A famlia, base da sociedade, tem especial proteo do Estado, prometendo (art.226, 8), que: O Estado assegurar a assistncia famlia na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes. Neste sentido, a Lei Maria da Penha veio para atender esse compromisso constitucional. Todavia, na sua ementa, h referncia no s a norma constitucional, mas tambm so mencionadas as Convenes sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra as Mulheres e Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher e outros tratados internacionais ratificados pela Repblica Federativa do Brasil, dispondo sobre a criao dos Juizados de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher e estabelecendo medidas de assistncia e proteo s mulheres em situao de violncia domstica e familiar. Em seu artigo 5, a Lei Maria da Penha dispe sobre a proteo a todas as mulheres:Toda mulher, independentemente de classe, raa, etnia, orientao sexual, renda, cultural, nvel educacional, idade e religio, goza dos direitos fundamentais inerentes pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violncia, preservar a sade fsica e mental e seu aperfeioamento moral, intelectual e social. (LEI 11.340, 2006)

Desta forma, podemos compreender que a Lei Maria da Penha veio para d proteo a todas as mulheres, de todas as faixas etrias, ou seja, esta lei abrange tambm

as mulheres idosas. Embora exista o Estatuto do Idoso (lei 10.741/03), a mulher idosa vtima de qualquer tipo de agresso domstica e familiar ser protegida pela lei 11.340/06, pois o Estatuto do Idoso destinado regular os direitos assegurados a todas as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, isto , homens e mulheres. Entretanto, a Lei Maria da Penha uma lei especfica para mulheres. Agora, aps a recente criao desta lei existem novos mecanismos de proteo para todas as mulheres, que objetivam coloc-las a salvo de qualquer tipo de agresso, possibilitando at mesmo a priso preventiva do agressor. A partir dessa lei, as mulheres vtimas de violncia podero ser ouvidas sempre acompanhadas de um defensor e, alm disso, recebero proteo no s da autoridade policial, mas tambm da prpria Justia, que imediatamente adotar medidas protetivas de urgncia (Dias, 2007). Assim sendo, a partir de analisar a Lei Maria da Penha foi que pude entender que as mulheres idosas tambm so favorecidas por esta lei da mesma forma que as mulheres de outras idades e com isto resolvi realizar outra da parte da minha pesquisa na 1 Vara de Juizado de Violncia Domstica e Familiar contra a Mulher e na Diviso Especializada de Atendimento a Mulher (DEAM), com o objetivo de melhor entender com so encaminhados os processos-crimes relacionados a casos de violncia domstica e familiar contra mulheres idosas e como estas vtimas so atendidas nestas instituies.