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  • 7/23/2019 ARTIGO - Onde Est Lvy

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    187Inf. & Soc.:Est., Joo Pessoa, v.24, n.3, p. 187-192, set./dez. 2014

    ONDE EST LVY?

    Isa Maria Freire*

    SANTOS, Helena. Complexidade einformacionalismo: as contribuies de EdgarMorin e Manuel Castells. In: PASSARELLI, B.;SILVA, A. M. da;

    RAMOS, F. (Org.) e-infocomunicao: estratgiase aplicaes. So Paulo: Editora Senac So Paulo,

    2014. p.25-47.

    Esta resenha apresenta o relato da leitura deum captulo do livro e-infocomunicao:estratgias e aplicaes, organizadopelos professores Brasilina Passarelli, ArmandoMalheiro da Silva e Fernando Ramos. Iniciamoscom uma breve apresentao do livro seguidade um resumo do captulo, de modo que osleitores possam, de um lado, inserir o captulo nocontexto da obra, e, de outro, receber informaes

    sobre a estrutura e o contedo do texto originalda autora.1

    A coletnea em si rene trabalhos deduas equipes de pesquisa uma brasileira, doNcleo das Novas Tecnologias de ComunicaoAplicadas Educao Escola do Futuro daUniversidade de So Paulo; e a outra, portuguesa,do Centro de Estudos das Tecnologias e Cinciasda Comunicao das Universidades do Porto ede Aveiro.

    No Prefcio, Martins (2014, p.9-10)esclarece que a obra est organizada emduas partes. A primeira tem um cartereminentemente terico e estende-se por trscaptulos. Seguem-se, na segunda parte, dezcaptulos centrados nas plataformas digitais.Para o autor, a obra trata de traar o modelode anlise de uma realidade nova: uma teoriada comunicao e da informao na era das

    1 Os autores citados que foram lidos no captulo resenhado so referenciadosconforme original; a citao remete tanto pgina do texto resenhadoquanto s pginas citadas. Os demais autores citados foram consultados nosrespectivos textos originais.

    tecnologias eletrnicas. Nesse sentido, destaca aracionalidade informativa, que fundamenta umparadigma informativo, o qual constituiria umprojeto de modernidade [...] racionalizador doespao e do tempo (MARTINS, 2014,p.12).

    disso que fala o texto entretecidopor Helena Santos, resumido no ttuloComplexidade e informacionalismo: ascontribuies de Edgar Morin e Manuel Castells.A autora estrutura o captulo em quatro sees:(1) Introduo: comunidades e ameaas; (2) Umnovo tipo de mundo social: em rede, global einformacional e complexo; (3) Novas culturascomunicacionais? Algumas notas; (4) A nalizar:a necessidade de novos caminhos sem nosperdermos nos velhos. Iniciamos nossa leiturapela introduo sobre Morin e Castells.

    Os dois autores que aqui se tomamcomo pretexto [...] so profundamentediferentes: os seus pontos de partida

    divergem, o mbito da sua reflexotambm, e, apesar de ambos seremsocilogos comprometidos com oseu tempo (e sociopoliticamenteimplicados), os seus tempos no so osmesmos. (SANTOS, 2014, p.27).

    Pois bem antes de Castells descrever einterpretar a sociedade em rede, global einformacional, Morin j antecipava uma novarelao entre as cincias, e entre estas e o mundo,como esclarece Santos (2014, p.28). E desde o

    * Doutora em Cincia da Informaopela Universidade Federal do Rio deJaneiro, Brasil. Docente permanente noPrograma de Ps-Graduao em Cinciada Informao da Universidade Federalda Paraba, Brasil.

    E-mail: [email protected].

    res

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    nal dos anos 1950 antecipou vrios conceitosque seriam legitimados apenas na dcada naldo sculo XX, em particular a defesa de umpensamento complexo [...] para compreender omundo. Para Santos (2014, p.30-31), em comumentre Morin e Castells existe a defesa de umarelao entre o sujeito e o social, a qual deveincorporar as relaes entre o social, o fsico e obiolgico, bem como a proposta de uma cinciamultidimensional e que arrisque a diluio de[...] barreiras para um conhecimento adequado anlise e interpretao dos fenmenos sociais.Com essa perspectiva epistemolgica, Santosrene os os conceituais dos autores no tear dacomplexa sociedade da comunicao em rede.

    Nesse momento da leitura adentramosna seo do texto onde a autora aborda um

    novo tipo de mundo social: em rede, globale informacional e complexo, advindo dastransformaes tecnolgicas do nal do sculoXX, e seu impacto na vida e na cultura dasociedade contempornea. Nesse contexto,Santos (2014, p.33) reconhece que o princpioda sociedade em rede proposto por Castells indissocivel das transformaes associadass relaes entre as [tecnologias digitais deinformao e comunicao], a globalizaoe o primado da dimenso nanceira e,podemos dizer, virtual da economia. E aqui

    ultrapassamos o campo de Morin e chegamos aoterritrio da abordagem de Castells.Santos (2014, p.34) destaca que as

    principais preocupaes da abordagem deCastells residem na defesa das sociedadesatuais como sociedade(s) em rede(s), global(is)enquanto resultantes da emergncia doparadigma informacional-comunicacionaleletrnico. Castells (2004) denominouinformacionalismo ao princpio organizadorda sociedade em rede, conceito que designao princpio de estruturao de um mundo

    completamente diferente daquele que herdamosa partir das revolues industrial e francesa.Trata-se do paradigma tecnolgico que constituia base material do incio das sociedades dosculo XXI. Ao longo do ltimo quarto do sculoXX [...] ele substituiu e incluiu/absorveu oindustrialismo (CASTELLS, 2004, p.8).

    Conforme Santos (2014, p.35), a abordagemde Castells (2004, p.7) tem como premissa aemergncia de um novo sistema de relaoprtica e simblica com o mundo, que nos

    transforma em todas as dimenses, da global[...] emocional, e nesse contexto o conceito deinformacionalismo fundamenta a abordagemum novo modelo de desenvolvimento nascidoda emergncia de um paradigma [...] fundado natecnologia da informao.

    O que especfico do modoinformacional de desenvolvimento a ao do conhecimento sobre oconhecimento como fonte principalda produtividade. [...] O tratamentoda informao visa aperfeioar atecnologia do tratamento da informaocomo fonte de produtividade, numcrculo virtuoso de interao entreos conhecimentos que esto nabase da tecnologia e a aplicao datecnologia, a fim de melhorar a geraodo conhecimento e o tratamento dainformao [...]. (CASTELLS, 2001, p.41citado por SANTOS, 2014, p.36)

    Mas para Santos (2014, p.36), em que pesea transformao paradigmtica a que se refereCastells,

    o informacionalismo no se desenvolverem todas as dimenses e em todas asesferas das sociedades globalizadas [umavez que] o mundo no homogneo, eas transformaes se ancoraro semprenos modos de vida, nas prticas e nos

    valores preexistentes.

    Nesse sentido, sua crtica a de queembora a escala de variveis de mudana sejasignicativa, o modelo de Castells precisaragregar tambm variveis de incerteza,diferenciao e desigualdade, de modo aaumentar sua capacidade analtica. Ademais,

    [...] A questo das mediaes e interme-diaes, assim como dos contextos dedesenvolvimento das redes, , de resto,uma das linhas que, em nossa opinio,requerem o aprofundamento da investi-gao, justamente pelo paradoxo entrepossibilidade de concentrao de podere, por conseguinte, controle, e possibili-dade de emergncia de poderes margi-nais/alternativos/ difusos [...]. (SANTOS,2014, p.38)

    A autora ressalta, nesse contexto, aforma como Castells congura a dialtica entredominao e autonomia no funcionamentocomunicacional-informacional:

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    [...] a cultura comum da sociedade emrede global uma cultura de protocolosque permite a comunicao entrediferentes culturas, na base [da] partilhado valor da comunicao. [...] A culturaglobal uma cultura da comunicaopela comunicao. (CASTELLS, 2010,p.67-68. Em itlico no original, citadopor SANTOS, 2014, p.38)

    Destarte, puxando outro o conceitual deCastells para sua trama terico-epistemolgica,Santos (2014, p.39) destaca que o princpioinformacional de organizao, est relacionadoao conceito de autocomunicao de massas, queaborda a emergncia dessa nova forma decomunicao socializada. Trata-se de umacomunicao de massas multimodal, autogerada

    no seu contedo, autodirecionada na emisso eautosselecionada na recepo atravs de muitos que secomunicam com muitos (CASTELLS, 2007, p.248.Em itlico, no original).

    Featherstone (2009, p.5) denomina mediaubqua a essas novas formas de comunicaoativa, descrevendo sua emergncia histrica:Tivemos novos media nos anos 1980, multimdianos anos 1990 e media ubquos nos anos 2000,sucessivamente proclamados como annciosde uma comunicao interativa mais aberta.Contudo, para o autor, o pblico desconhece

    detalhes do processo tecnolgico, o modo peloqual a informao pode ser rastreada e guardadaem cada fase do processo de comunicao.Nesse contexto, os indivduos que conhecem oprocesso estariam includos na sociedade emrede, enquanto os que desconhecem os cdigosde acesso seriam excludos, criando o que Nrie colaboradores (2003, p.4) denominam brechadigital, um novo indicador da desigualdadescio-econmica em nveis global e local. Poisembora essas tecnologias no representem umasoluo mgica para o complexo problemada desigualdade, sem dvida constituem[atualmente] uma das condies fundamentais daintegrao na vida social(SORJ, 2003, p.15. Itliconosso).

    Pois, como aponta Santos (2014, p.41),apoiada na literatura, quando mediatizadaspela tecnologia digital as redes sociais seconstituem tambm como redes de copresena,e os contatos intersubjetivos em rede em geralseguem as mesmas regras tradicionaisde cortesia do contato presencial. Ademais,

    pesquisas divulgadas por Castells (2010) revelamque a maior parte das utilizaes da internetso para estudo e trabalho, o que reforaria,para a autora, o argumento do princpio doinformacionalismo. E com isso chegamos ltima seo nal do texto aqui resenhado: Analizar: a necessidade de novos caminhos semnos perdermos dos velhos.

    Nesse nal do texto, Santos reete sobreoutras variveis que poderiam se tornar relevan-tes na anlise do processo de transformao dasociedade industrial numa sociedade informa-cional, e mesmo para compreender a complexasociedade onde vivemos. Para a autora h que seconsiderar clivagens geracionais importantes naincorporao dos equipamentos de informao ecomunicao na vida cotidiana para uma anli-

    se do passado ou do presente; e, nesse contexto,a possibilidade de emergncia de novas culturasque pressionem as instituies tradicionais parauma reexo sobre o bem comum.

    O que queremos relevar a necessidadede aprofundar e complexicar, semperder de vista que necessitamosde instrumentos no plano tericoe no plano da observao que nospossibilitem equacionar mudanase permanncias, no em termos deprocura de um qualquer equilbrioabstrato e normativamente confortvel,

    mas enquanto exerccio de reflexividade,abertura e crtica. Nesse sentido, umprograma plural que no retire, nemreifique, as relaes especficas entresujeitos observadores e sujeitos/objetosde observao. [...] Mas, acrescentamos,integrando nessas relaes justamenteos lugares de onde se fala. Paraparafrasearmos Michel de Certeau(1982), o que significa no perder devista os poderes prprios desses lugares,os valores e as ideologias que veiculam.(SANTOS, 2014, p.42).

    A autora esclarece que Castells ecolaboradores (2011) reconhecem que asteorias atuais sobre redes ainda no respondemsatisfatoriamente aos problemas abordados,ressaltando a necessidade de uma abordagemmuldimensional, capaz de especicar os mltiplostipos de objetos e os mltiplos tipos de relaese conclamando comunidade acadmica em redepara desenvolver teorias que captem mais dacomplexidade inerente comunicao e a outrosprocessos sociais (SANTOS, 2014, p.42).

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    Enm, Santos (2014, p.43) reconhece aatual necessidade de Uma nova imaginaopara as cincias, especialmente para cincias dainformao, as quais

    [...] encontram-se, de fato, no centro

    de uma arena onde se jogam de formaespecialmente aguda os desafiosde uma de uma cincia complexa eespecialmente transdisciplinar, que terque encontrar mecanismos de equilbrioentre a integrao multidisciplinar e afragmentao pluridisciplinar.

    Como visto, no seu captulo, Santosteceu uma rede conceitual2 de modo a noscolocar diante da trama informacional urdidano tear da epistemologia das cincias sociaiscontemporneas. E descreveu os caminhos queFeatherstone pauta pelas mdias comunicativase de onde Morin anteviu a necessidade deuma cincia com conscincia, chegando complexidade das redes de comunicaoeletrnica objetos do interesse de Castells. Umasociedade que se estrutura em torno de espaossem lugares, espaos de uxos de informaoem um tempo sem tempo.

    A nosso ver, nesse nal, a autora ofereceaos pesquisadores interessados a oportunidadede entretecer outros os conceituais no tear inter-

    multi-transdisciplinar das cincias sociais. E porentendermos como um convite para participar docontexto, acrescentamos o o conceitual de PierreLvy na trama tecida por Santos.

    complexidade das relaes sociais nasredes eletrnicas de comunicao, Lvy (1999,p.104) denomina cibercultura,

    [...] palavra de origem americana,empregada pela primeira vez pelo autorde fico cientfica William Gibson, em1984, no romance Neuromancien. Ociberespao designa ali o universo das

    redes digitais, como lugar de encontrose aventuras, terrena nos conflitosmundiais, nova fronteira econmica ecultural. [Atualmente,] designa menos osnovos suportes de informao do que osmodos originais de criao, de navegaono conhecimento e de relao social poreles propiciados.

    2 Cf. proposto por Wersig (1993) como um mtodo para a Cincia daInformao.

    O contexto da cibercultura o ciberespao,construdo a partir das tecnologias digitais deinformao e comunicao em rede e que setornaram um fenmeno econmico e cultural apartir do protocolo World Web Wide ,compartilhado em meados dos anos 1990.Baseando-se na cooperao anarquista demilhares de centros informatizados no mundo, aInternet tornou-se o smbolo desse novo meio ecomunicao e produo cultural. Nesse sentido,Lvy (1999, p.60) entende que podemos estarvivendo um desses momentos extremamenteraros em que uma civilizao inventa a si prpria,deliberadamente, e por isso mesmo, considera

    [...] urgente destacar os [...] aspectoscivilizatrios ligados ao surgimento damultimdia: novas estruturas de comu-

    nicao, de regulao e de cooperao,linguagens e tcnicas intelectuais indi-tas, modificao das relaes de tempo eespao etc. [...] Escolhas polticas e cul-turais fundamentais abrem-se diante dosgovernos, dos grandes atores econmi-cos, dos cidados. No se trata apenasde raciocinar em termos de impacto[...]mas tambm em termos de projeto[...].(1999, p.13. Em itlico no original)

    nesse contexto que Lvy (1999, p.13-23passim) prope o conceito de inteligncia coletiva,

    com o argumento de que em decorrncia do de-senvolvimento dos meios eletrnicos de comuni-cao em pouco tempo, teremos passado [...] deuma humanidade a outra, sugerindo a hipteseda emergncia de um novo espao antropolgico.3Nesse espao contemporneo, o saber tornou-sea nova infra-estrutura4 e as tecnologias digitaisnos permitem criar e percorrer mundos virtuais,colocando os problemas do lao social sobre no-vas bases e abrindo possibilidade para pensarmoscoletivamente a aventura humana. E mais, parainuenci-la mediante inveno de formas de

    pensar e se relacionar que contribuam para fazeremergir inteligncias coletivas na humanidade(LVY, 1999, p.33). O problema da inteligncia co-letiva, nesse contexto, seria inventar uma lingua-gem para alm da escrita, ou um processo de co-

    3 Trata-se de um sistema de proximidade (espao) prprio do mundohumano (antropolgico) e, portanto, dependente de tcnicas, de significaese das emoes humanas (LVY, 1999, p.23). No modelo de Lvy (1999, p.22passim), a Terra foi o primeiro espao aberto nossa espcie, seguindo-se oespao do territrio (inovaes do neoltico) e das mercadorias (transportese fluxos). Vivemos atualmente o espao do saber.4 Cf. Serres, 1972.

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    municao para alm da prpria linguagem, detal modo que o tratamento da informao possaser distribudo e coordenado por toda parte.5

    Nesse sentido, Lvy (1999, p.23) entendeque a perspectiva de uma inteligncia coletiva exi-ge o engajamento da prpria identidade pessoal navida profssional, numa dupla mobilizao subje-tiva, bastante individual, de um lado, mas tica e co-operativa, de outro (Em itlico no original). Nessecontexto, sua abordagem representa a possibilida-de de uma sociedade humana mundialmente co-nectada em rede e fundada no reconhecimento eenriquecimento mtuo das pessoas (LVY, 1999,p27). Por isso mesmo, o autor deixa claro que

    [...] a inteligncia coletiva no umconceito exclusivamente cognitivo.Inteligncia deve ser compreendida

    aqui como na expresso trabalhar emcomum acordo [...] Trata-se de umaabordagem de carter bem geral da vidaem sociedade e de seu possvel futuro.[...] Essa viso de futuro organiza-se emtorno de dois eixos complementares:o da renovao do lao social porintermdio do conhecimento e o dainteligncia coletiva propriamente dita.(LVY, p.26. Em itlico no original)

    Em um coletivo inteligente, a comunidadeassumiria como objetivo a negociao permanen-

    te da ordem estabelecida, de sua linguagem, dopapel de cada um, o discernimento e a deniode seus objetos, a reinterpretao de sua mem-ria (LVY, 1999, p.29-32). Desse modo, o projetoda inteligncia coletiva coloca-se como um pro-cesso de crescimento, de diferenciao e de reto-mada recproca das singularidades nos diversosgrupos que constituem a sociedade.Nesse proces-so, uma engenharia do lao social torna-se extrema-mente relevante, sendo denida por Lvy como aarte de suscitar coletivos inteligentes e valorizar aomximo a diversidade das qualidades humanas

    (Em itlico no original). O ncleo da engenhariado lao social a economia das qualidades humanase sua ao implica uma tica da inteligncia coletiva,pois na economia do futuro, o capital ser o ho-mem total (1999, p.42). Nesse contexto,

    A transmisso, a educao, a integrao,a reorganizao do lao social deverodeixar de ser atividades separadas. Devemrealizar-se do todo da sociedade para si

    5 Ver tambm Lvy, 1998 e 2014.

    mesma, e potencialmente de qualquerponto que seja de um social mvel aqualquer outro. (LVY, 1999, p.45. Emitlico no original)

    E, nesse sentido, lembramos o conceito de

    capital de rede proposto por Larsen, Urry eAxhausen (2008, p.656), que Santos (2014, p.41)usou como o na trama do seu texto:

    [...] a vida social cada vez maisreticular, mvel e a distncia. Acapacidade de coordenao faz partedo que noutro lugar designamos comocapital de rede [...] o qual compreendeo acesso s tecnologias da comunicao,transporte e competncias sociais etcnicas de coordenao e de rede emgeral. O capital de rede a capacidadepara gerar e sustentar relaes com

    pessoas que no esto necessariamenteprximas [umas das outras].

    Uma inteligncia distribuda portoda parte: eis o axioma inicial de Lvy. Suaabordagem envolve outras variveis, nosomente tericas como tambm polticas,constituindo na proposio de projetos decooperao social para desenvolvimento deuma economia das qualidades humanas,fundamentada numa tica da inteligncia coletivamediante uma engenharia do lao social.

    Dessa forma, e a nosso ver, Lvy acrescenta trama de Santos a proposta de incluso deoutras comunidades nessa discusso do campocientco, o que aproximaria seu modelo tanto dacincia com conscincia de Morin, por sua matizutpica, quanto do paradigma informacional-comunicacional de Castells, por sua proposta deanlise para interveno social. Seu o conceitualrepresenta uma contribuio no sentido deincluir os indivduos no somente nos processosde comunicao eletrnica como tambm nasaes polticas da sociedade em rede.

    Mas, no nosso entendimento, a aborda-gem de Lvy se refere especialmente ao princpiofundador das sociedades humanas, que exortacada indivduo a cuidar do outro como cuida desi mesmo, num sistema afetivo de cooperao eproteo mtua que vem assegurando a sobre-vivncia da espcie e a permanncia do processocivilizatrio.6 Pois, como dizem Maturana e Va-rela (1977, p.33), Amor e conhecimento no so

    6 Sobre esse axioma civilizatrio, ver Varela, 1995 e Bauman, 2011.

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    Isa Maria Freire

    alternativas; o amor um fundamento, enquantoo conhecimento um instrumento.7Eapesar detodas as possveis diferenas fenotpicas e cultu-rais, o outro sou eu, na dupla face do DNA.

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