artigo - logica e linguagem

Upload: marco-marzulo

Post on 09-Apr-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    1/25

    197

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    Gerson Luiz Louzado

    UFRGS

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    1. O presente artigo tem como eixo principal um conjunto de idias que seinterconectam sistematicamente. Dentre elas, a idia fundamental que a viabili-dade de determinar princpios gerais de inferncia depende de ser possvel trataras proposies, via a distinguibilidade dos componentes de seu sentido em cate-gorias, como dotadas de certas formas lgicas. A distinguibilidade das partes ca-pacitadas a compor um sentido proposicional, por sua vez, depende do respeito

    s possibilidades combinatrias destas partes quanto sua capacidade de com-por uma estrutura inteligvel, isto , um sentido proposicional. Assim, a discrimi-nao de partes em categorias lgicas fundada na combinatria do sentido pos-svel (combinatria esta que define o que pode ou no contar como um pensa-mento), e, portanto, no tipo de contribuio que podem dar constituio do pen-samento ele mesmo - o que, como Frege, poderamos chamar de comportamen-to lgico destes elementos1 . De uma teoria do simbolismo, de uma gramtica

    lgica, parece ser esperado justamente que cubra estas possibilidades

    (1) Cf. FREGE, ber Begriff und Gegenstand, in: FREGE, Funktion, Begriff, Bedeutung, ed. GuntherPatzig, Gottingen, Vandenhoeck und Ruprecht, 1994, p. 75, e cf. FREGE , On the Foundations ofGeometry, in: E.D. KLEMKE (ed.), Essays on Frege, trad. M.E. Szabo, University of Illinois Press, Chicago,1968, pp. 569-571. Desse ponto de vista, as discriminaes fregeanas entre elementos lgicosproposicionais, via sua caracterizao como nomes prprios, nomes de funo (de vrios tipos), e mes-

    mo nomes de valores de verdade, consistiria justamente na distribuio categorial destes elementos emconformidade com seu comportamento lgico na determinao do sentido expresso pela proposio.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    2/25

    198

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    combinatrias especificando que tipos de smbolos so componveis para a cons-truo do sentido antes que do contra-sentido.Contudo, o tratamento filosfico dispensado a uma noo logicamente to

    fundamental quanto a de categoria lgica est cercada de riscos de tal sorteincontornveis que, no raro, os filsofos se encontram na difcil condio de pro-dutores de mitos e de iluses filosficas. Com efeito, este tratamento, ao se caracte-rizar pela pretenso de falar sobre as categorias lgicas, de especificar o que uma

    categoria lgica e quais so as diferentes categorias lgicas, de determinar quais ascondies mediante as quais reconhecemos algo como sendo desta ou daquela cate-goria lgica, supe a possibilidade de construo de proposies legtimas, capa-zes de verdade ou falsidade, mediante as quais tais tarefas so levadas a cabo.

    Em um juzo de reconhecimento categorial duas caractersticas so imediata-mente destacveis: (i) julgar falsamente sobre a natureza lgica de algo pressupea possibilidade de utilizao de expresses predicativas concernentes s categori-as como aplicadas a tens de diferentes categorias; (ii) a possibilidade da falsida-de desse tipo de juzo justamente a possibilidade de que venhamos a cometerenganos em lgica. A possibilidade de julgar falsamente que algo tenha certaspossibilidades combinatrias, isto , que pertena a uma determinada categoria,implica conferir a seu pretenso smbolo um uso imprprio, portanto, a possibili-dade de coloc-lo em combinaes que so impossveis para a coisa simbolizada.

    Ora, ao supormos exprimvel proposicionalmente o reconhecimento de umtem de certa categoria lgica, supomos a existncia de um padro de correoque independe das determinaes lgicas que moldam nossos sistemas de repre-sentao. Frente a este padro mostrar-se-o legtimas ou ilegtimas tais determi-naes. Assim, a admisso da exeqibilidade terica de uma teoria dos tipos,ou de uma teoria das categorias, , por isso mesmo, a admisso da legitimida-de da questo acerca da justificao da lgica2 . Supor inteligvel a demanda de

    (2) Wittgenstein perseguira sistematicamente no Tractatus o desenvolvimento de uma idia j mani-

    festa nos Notebooks: a lgica deve cuidar de si mesma (WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos, EDUSP, So Paulo, 1993, 5.473). Que ele tenha

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    3/25

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    4/25

    200

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    ao metro que lhe essencialmente externo, ou bem no fazem isso, caso em queso ilegtimos. Fundamentar a lgica, nestas circunstncias, consiste em estabele-cer sua correo mostrando que preserva adequadamente a possibilidade deestruturao daquilo acerca do que nosso pensamento . A tarefa fundacionalquanto lgica, desse ponto de vista, demanda inevitavelmente o recurso a umametafsica realista. Na epopia fundacionalista, a alternativa ao arbtrio passa porsupor a existncia de uma relao externa entre as caractersticas lgicas vigentes

    em nossos sistemas simblicos e as caractersiticas combinatrias possudas pelascoisas, nelas e por elas mesmas. Lgica e ontologia caminham, aqui, lado a lado.O importante, contudo, atentar para a circunstncia de, uma vez postulada aexternalidade da relao mantida entre natureza lgica e natureza ontolgica (de-vendo a primeira preservar ou espelhar a segunda, mas podendo no fazer isso),termos a linguagem, ou se quisermos, a lgica de nossa linguagem, incompetentepara prevenir, por si s, o erro lgico. Seria ento uma questo contingente acorreo da lgica de nossa linguagem; esta poderia, sendo exatamente o que ,

    ser bem ou mal sucedida no espelhamento da natureza metafsica das coisas 6 .Em suma, se estamos corretos, a prpria demanda por justificao da lgica

    acarreta, pela suposio da inteligibilidade da demanda, a possibilidade de sepensar ilogicamente. No caso que nos interessa particularmente, para aquele quese ope ao arbtrio quanto determinao dos princpios lgicos fundamentais, asuposio da existncia de coisas dotadas em si mesmas de certas caractersticaslogicamente relevantes mostra-se uma imposio que traz consigo a prpria con-

    tingncia que o apelo metafsico pretendia evitar.Na exata medida em que se demanda alguma evidncia para se adotar esta eno outra caracterizao lgica para o smbolo de uma certa coisa, na exata medidaem que se pretende o estabelecimento da sintaxe lgica (da teoria do simbolismo,diria Russell), como resultante do reconhecimento dos diferentes tipos de coisasque h, de uma classificao geral das coisas, abre-se o risco do erro lgico. A possi-

    (6) Cf. Cora DIAMOND, op. cit., pp. 128-129.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    5/25

    201

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    bilidade de conferir a um sinal o sentido errado resultante da possibilidade doengano quanto natureza da coisa a que pretendemos nos reportar pelo sinal. Atri-buir a um signo o sentido errado garantir a possibilidade de coloc-lo em combi-naes proposicionais impossveis de serem satisfeitas pela coisa simbolizada (ouque pretendemos simbolizar), em virtude - certamente estamos obrigados a dizerisso - do tipo de coisa que ela . Em termos fregeanos, isto nos habilitaria a dizerde um conceito o que apenas pode ser dito de um objeto, e a dizer de um objeto oque apenas pode ser dito de um conceito7 . Como Benno Kerry8 , poderamos per-guntar: no , contudo, verdadeiro que o conceito cavalo um conceito e falso que um objeto? Mais ainda, que um conceito de fcil aquisio? No verdade, tam-

    bm, que Jlio Csar existe (no caso, melhor seria dizer, existiu)?

    2. Frege parece pretender externa e contingente a relao entre os pensamen-tos e os signos da linguagem por meio dos quais os veiculamos. Distinguimos asentena como a expresso de um pensamento do pensamento ele mesmo. Sabemos que pode-mos ter vrias expresses para o mesmo pensamento. A conexo de um pensamento com umasentena particular no necessria; mas que um pensamento do qual estejamos conscientesesteja conectado em nossa mente com alguma sentena ou outra necessrio para ns ho-mens. Porque isso no repousa na natureza do pensamento, mas em nossa prpria natureza.No h contradio em supor que existam seres que possam apreender os mesmos pensamen-tos que ns sem precisar vesti-los em uma forma que possa ser percebida pelos sentidos. Mas,ainda, para ns homens, h tal necessidade 9 . Importa destacar, aqui,a circunstncia

    (7) Cf. FREGE, On The Foundations of Geometry, p. 570.(8) Cf. FREGE, ber Begriff und Gegenstand, p. 69.(9) FREGE, Nachgelassene Schriften, H. Hermes, F. Kambartel & F. Kaulbach (orgs.), Felix Meiner Verlag,Hamburg, 1983, p. 288. Qualquer que seja o grau de plausibilidade que se possa conferir idia dospensadores no-lingusticos, ela pouco mais parece poder ser que um mecanismo de nfase, de umlado, para o fato de que no h como pretender elucidar o que vem a ser um juzo, de um ponto de

    vista lgico, a parte de serem eles o que as asseres do a conhecer; de outro, para o fato de quesignos proposicionais, sentenas, no so por si e em si mesmas significativas, que sentenas encara-

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    6/25

    202

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    dos signos sentenciais no terem, em si e por si mesmos, significado; a circunstn-cia de ser apenas em seu uso, para exprimir um certo pensamento, que uma sen-tena, um signo proposicional, se converte em um smbolo proposicional. De ummodo geral, importa-nos salientar a circunstncia de ser apenas em seu uso queum signo qualquer pode se converter em smbolo de algo. Ao admitirmos isso,admitimos que podemos usar diferentes sinais para exprimir um mesmo conte-do e, inversamente, que podemos usar um mesmo sinal para exprimir diferentescontedos sem incorrer em qualquer pecado lgico10 .

    Nem tudo, entretanto, matria de arbtrio nas relaes entre linguagem epensamento, entre um signo proposicional e seu contedo. A valer a tese fregeanaque os signos perceptveis pelos quais veiculamos pensamentos devem podercontar como imagens das estruturas destes ltimos11 , considerar que uma senten-a particular exprime um determinado pensamento consider-la resultante dacombinao de certas partes lgicas. consider-la sujeita a uma regra de compo-sio de sentido que permita reconhecer, nas partes fsicas, partes lgicas. Saber

    se um componente e uma sentena uma parte lgica depende, antes de qual-quer outra coisa, do todo da sentena exprimir um sentido para o qual o conte-do das partes contribui de um modo especificado pelas regras. As regras, por seuturno, atribuiro significado s partes lgicas por serem elas tens a partir dosquais um certo tipo de sentido pode ser construdo.

    Um signo qualquer, por exemplo, a sentena Scrates mais alto queAlcebades, pode ser empregado de diferentes maneiras. Pode, inclusive, ser

    das como sries de sinais grficos ou sonoros no possuem poderes comunicativos de direito prprio(cf. Thomas RICKETTS, op. cit., p. 71).(10) No devemos nos deixar iludir pelo fato de que a linguagem seguidamente emprega a mesmapalavra, ora como um nome prprio, ora como um termo conceitual. (FREGE, ber Begriff undGegenstand, p. 75). Veja-se tambm, FREGE, Os Fundamentos da Aritmtica, trad. Luiz HenriqueLopes dos Santos, Col. Os Pensadores, 3 ed., So Paulo, Abril Cultural, 1983, #51, p. 241.

    (11) Cf. Frege, Compound Thoughts, in: KLEMKE (ed.), op. cit., trad. R.H. Stoothoff , p. 537.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    7/25

    203

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    empregado para dizer que Scrates mais alto que Alcebades. Contudo, us-lo destamaneira implica consider-lo dotado de uma certa estrutura sinttica definidapela gramtica de nossa linguagem comum, estrutura esta que o habilita a veicu-lar o pensamento em questo12 . Apenas quando a sentena usada para exprimirum certo pensamento (o qual o pensamento que em funo do modo como aspartes operam para sua determinao, em funo do papel lgico das partes), po-demos efetuar sua decomposio em elementos - em conformidade, claro, comas regras gramaticais que fixam o padro de construo para seu tipo de sentido.

    Usar a sentena Scrates mais alto que Alcebades para exprimir opensamento Scrates mais alto que Alcebades (o pensamento que um objetomantm uma certa relao com outro objeto) depende, pois, de aplicarmos asregras mediante as quais caracterizamos, em nossa linguagem, esse tipo decontedo. Se lembrarmos, ademais, que a gramtica da linguagem comumfixa, ainda que de modo no sistemtico, certas caractersticas sintticas medi-ante as quais podemos reconhecer a natureza do papel desempenhado pelas

    expresses, teremos que qualquer expresso com as caractersticas apropria-das em uma dada posio lgica ser considerada desempenhando a tarefa l-gica tpica daquela posio. Assim, se as expresses Scrates, mais altoque e Alcebades tm as caractersticas sintticas apropriadas para funcio-nar como, respectivamente, nome prprio, termo relacional e nome prprio ese h contedos estabelecidos (e, evidentemente, se os conhecemos) para essesusos das expresses, podemos reconhecer a sentena enquanto constituda de

    um nome prprio que simboliza Scrates, um termo relacional para a relao mais alto que e um nome prprio para Alcebades. Isto tudo sob a condio de,efetivamente, pretendermos que o contedo expresso pela sentena seja:Scrates mais alto que Alcebades13 .

    (12) Fregeanamente vamos considerar essa estrutura como sendo: nome prprio-termorelacional-nome prprio.(13) Cf. Cora DIAMOND, op. cit., pp. 109-112.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    8/25

    204

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    Agora, uma expresso que no atendesse aos indicadores gramaticais, porexemplo, para expresses que desempenhem o papel de termo conceitual, se co-locada em uma posio em que as regras sintticas14 exigem um termo conceitual,comprometeria a atribuio de sentido sentena. Esta parece ser justamente a ra-zo pela qual Frege reputa ser um contra-senso a sentena H Jlio Csar15 .

    Ao compararmos os casos H Jlio Csare H uma Viena, podemosaplicar a regra que especifica quais as partes lgicas constituintes de um conte-

    do que afirme que h pelo menos uma coisa que cai sob um determinado concei-to. Podemos entender as sentenas cujos sentidos so desta natureza como consti-tudas de um termo conceitual de segunda ordem e de um termo conceitual deprimeira ordem, posto que uma sentena que exprima isso ser verdadeira sem-pre e apenas quando o conceito de primeira ordem tiver a propriedade de serinstanciado por um objeto. Exprimir um contedo dessa natureza depende, pois,de a sentena poder ser reconhecida como composta de partes que desempenhemo papel de estar por, respectivamente, um conceito de segunda ordem e um con-

    ceito de primeira ordem. No caso da segunda sentena, graas caracterstica gra-matical do artigo indefinido uma anteposto ao termo Viena, podemos reco-nhecer a expresso uma Viena sintaticamente apta a estar por um conceito deprimeira ordem. Compreender a sentena enquanto afirmando que algo cai sob oconceito de ser uma Viena depender, supondo que saibamos em que consisteusar h como termo conceitual de segunda ordem, apenas de sabermos qual ouso de Viena como termo conceitual de primeira ordem. Se nenhum uso desta

    (14) Regras que, repetimos, nos habilitam a determinar estruturalmente um tipo de contedoproposicional.(15) ...o que aqui se predica de um conceito nunca pode ser predicado de um objeto; pois um nomeprprio nunca pode ser uma expresso predicativa, embora possa ser parte. No quero dizer que sejafalso predicar de um objeto o que aqui se predica de um conceito; quero dizer que impossvel, que sem sentido. A sentena H Jlio Csar no verdadeira nem falsa, mas sem sentido, embora a

    sentena h um homem cujo nome Jlio Csar tenha sentido; mas aqui temos novamente um con-ceito, como o mostra o artigo indefinido (FREGE, ber Begriff und Gegenstand, p. 75).

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    9/25

    205

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    natureza est estabelecido na linguagem, a proposio/sentena teria uma estru-tura na qual no foi conferido significado a uma das partes, a saber, ao elementolgico uma Viena. Convert-la de sem-sentido em significativa dependeria ape-nas de introduzirmos estipulativamente um tal uso para Viena.

    Na sentena H Jlio Csar, se considerarmos, juntamente com Frege, caracte-rstico do uso nominativo de um substantivo singular a ausncia de marcas sintticasexplcitas de seu uso como termo conceitual16 , o resultado da aplicao da regra que

    define o padro para quantificao existencial ser meramente a a-gramaticidade.Esta sentena no se deixa reconstruir em conformidade com o padro requerido deconstruo de sentido, tal qual acontece em todo o autor da metafsica filsofo.H Jlio Csar no um contra-senso porque compe elementos de categorias lgi-cas incompatveis. Ela resulta num contra-senso porque no propriamente uma sen-tena, no mais que uma seqncia aleatria de palavras o 17 .

    Conforme observara Frege18 , a anlise lgica consiste basicamente em enca-rar a sentena como contendo uma ou mais expresses de argumento e considerarque a expresso resultante da omisso destas desempenha um diferente papel l-gico na qualidade de expresso de funo. Porm, isto no pode ser estabelecidocom independncia do reconhecimento da possibilidade de substituir, salvacongruitate, a expresso (ou expresses) omitida(s) por outras habilitadas a cum-prir o mesmo papel na fixao do sentido do todo19 . A anlise lgica, pois, deveser tal que um lugar de argumento seja reconhecvel enquanto passvel de preen-chimento por argumentos apropriados. No faz sentido analisar uma sentena

    (16) Segundo Frege, o uso de uma palavra juntamente com numeral, artigo indefinido ou plural semartigo indica tratar-se de termo conceitual (cf. FREGE, Os Fundamentos da Aritmtica, # 51, p. 241 eFREGE, ber Begriff und Gegenstand, p. 75).(17) Cf. Cora DIAMOND, op. cit., pp. 81-83.(18) FREGE, Begriffsschrift, a formula language, modeled upon that of arithmetic, for pure thought,in: J. HEIJENOORT (ed.), Frege and Godel: two Fundamental texts in Mathematical Logic, trad. S. Bauer-Mengelberg, Harvard University Press, Cambridge, 1970#9 e FREGE, The Basic Laws of Arithmetic, #26.(19) Veja-se, por exemplo, FREGE, Begriffschrift, #9.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    10/25

    206

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    de modo a resultar impossvel reconhecer um lugar ocupado por uma expressode argumento: expresses de funo no so reconhecveis a no ser como expres-ses para um certo tipo de argumento. Sem indicadores sintticos pelos quaispossamos reconhecer o uso de um termo para cumprir um certo papel lgico,sem, por conseguinte, meios para reconhecer uma expresso de funo como sen-do sucessivamente complementada de uma mesma maneira, simplesmente noreconhecemos no termo a expresso de funo. Ser capaz de reconhecer uma ex-presso para uma certa funo ser capaz de reconhecer que a mesma outravez, em outro contexto proposicional. Reconhec-la como sendo a mesma nova-mente em outro contexto , primordialmente, reconhec-la fazendo o mesmo tipode contribuio para o sentido do todo nos contextos de que faz parte.

    Em H uma Viena, podemos reconhecer na ocorrncia da parte lgica ex-pressa por h a mesma parte lgica que ocorre em H uma cadeira. Isto porqueh sucedido por um substantivo singular precedido de artigo indefinido. A po-sio que sucede h em H uma Viena no seria reconhecida como posio

    para termo conceitual de primeira ordem se no encontrssemos a uma expressocom as marcas sintticas de termo conceitual de primeira ordem. A posio lgicano estaria l para ser vista. Ora, em H Jlio Csar, o que encontramos no umnome prprio ocupando a mesma posio lgica ocupada por Viena em Huma Viena e por cadeira em h uma cadeira. Jlio Csar no tem, em H

    Jlio Csar, as marcas sintticas do uso como termo conceitual de primeiraor-dem20 . Uma expresso de funo, qualquer que seja a ordem desta, tem inscrita

    nela os meios de reconhecimento do lugar de argumento que a caracteriza atravsdo padro sinttico requerido para expresses que possam ocorrer neste lugar21 .Qualquer expresso que ocupe a posio, se for do padro sinttico apropriado,

    (20) Aceitando, lembramos, a posio fregeana da ausncia de marcas sintticas tpicas do uso deuma expresso na qualidade de termo conceitual funcionar como indicador sinttico do uso destaexpresso como nome prprio.(21) Cf. Cora DIAMOND, op. cit., p. 78. Peter HACKER e Gordon BAKER, in: Frege Logical Excavations,Basil Blackwell, Oxford, 1984, pp. 172-173, tomam o caminho oposto.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    11/25

    207

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    estar desempenhando o papel de simbolizar o tipo de coisa do qual depende averdade ou falsidade da proposio que exprime um contedo com aquela estrutu-ra lgica. nisso que consiste ser um termo para tal tem, isso que d seu uso. Se,de outro lado, uma expresso de diferente padro sinttico for colocada al, no te-remos condies de identificar a natureza do lugar de argumento e, conseqente-mente, tampouco teremos condies de determinar qual a natureza da funo (oumesmo se uma funo) simbolizada. No teremos condies de identificar ne-nhum dos termos como desempenhando algum papel. Por conseguinte, no pode-remos determinar a categoria lgica das expresses envolvidas e, menos ainda, co-locar uma expresso de categoria lgica imprpria naquele lugar.

    3. O conhecido princpio de contexto fregeano22 parece resumir tais caracte-rsticas lgicas de nossa linguagem. Pode, portanto, determinar o que contarcomo uma anlise lgica e o que vem a ser isto: pertencer a uma categoria lgica.Compreend-lo, ento, ser compreender o cerne do pensamento fregeano.

    O princpio de contexto estabelece que a essncia da significatividade de umtermo consiste em sua ocorrncia como parte lgica de uma sentena significativa.Afirma, pois, (i) ser apenas no contexto de uma proposio que uma palavra tem sig-nificado e (ii) ser suficiente que a sentena tenha sentido para que suas partes tambmo tenham. Uma palavra s significativa se, em uma ocorrncia, comparecer comoalgo de que dependa o contedo de toda a sentena. suficiente, para que ela tenhasignificado, que a sentena em que ocorra dessa maneira seja significativa.

    (22) A impossibilidade de representar o contedo de uma palavra no pois razo para negar-lhetodo o significado ou excluir seu uso. A aparncia do contrrio nasce do fato de considerar-se umapalavra, e indagar-se de seu significado, isoladamente, o que leva ento a recorrer a uma representa-o. Uma palavra parece assim no ter contedo se lhe falta uma imagem interna correspondente.Deve-se porm atentar sempre a uma proposio completa. Apenas nela tm as palavras propriamente significa-do.As imagens internas que porventura nos venham mente no precisam corresponder a elementos lgicos dojuzo. suficiente que a proposio como um todo tenha sentido; isto faz com que tambm suas partes ganhemcontedo (FREGE, Os Fundamentos da Aritmtica, # 60, pp. 246-247). Grifo nosso.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    12/25

    208

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    Esse princpio tem sido muitas vezes tratado como instituindo demandaspara atribuio de significado s palavras que seriam incompatveis com os requisi-tos para a compreenso das sentenas por elas constitudas23 . Uma maneira, certa-mente elegante, de pretender ultrapassar as dificuldades impostas pela interpreta-o do princpio de contexto consiste, de um lado, em atribuir, para fins de compre-enso de sentenas, prioridade s palavras (visto que compreender o que ditopor uma sentena depende do que significado pelas partes que a compem). Deoutro, consiste em atribuir prioridade inversa a fim de explicar o que , para umapalavra, ter sentido24 . Porm, ainda que elegante e simptica Frege, no apenasno resolve o problema como engendra outros, incompatveis, de nosso ponto devista, com o que parece ser realmente afirmado pelo princpio de contexto.

    Atribuir prioridade s palavras na ordem do conhecimento do significadosentencial demanda que aquelas tenham significado estabelecido fora do contextoefetivo em que compaream como parte. Isto, por sua vez, acarreta que as pala-vras tm um significado determinado quer compaream em um lugar prprio

    para o tipo de significado que exprimem, quer compaream em lugar imprprio.Contrariamente ao que supomos, resultaria possvel reconhecer uma expressocomo sendo de uma certa categoria lgica (por exprimir o sentido que exprime),ainda que configurando um arranjo de palavras que no pode expressar qualquersignificado - que no pode expressar nenhum significado justamente em virtudedo que significado pelas partes25 .

    (23) Veja-se, por exemplo, DUMMETT, Frege; Philosophy of Language, 2 ed., Duckworth, London, 1981,p. 3, e Peter HACKER, Semantic Holism: Frege and Wittgenstein, in: C.G. LUCKHARDT,Wittgenstein, Sources and Perspectives, The Harvester Press, Sussex, 1979, p. 214.(24) Esta a estratgia desenvolvida por Dummett em Frege: Philosophy of Language.(25) Isto nos obrigaria a tratar, como Dummett, as categorias lgicas em termos de valncia lgica:temos, portanto, de ter alguma concepo de valncia lgica, de diferentes categorias de expresses,governadas por regras que determinem quais expresses de certas categorias reunir-se-o para for-mar uma sentena, enquanto expresses de certas outras, no (DUMMETT, op. cit.,p. 62).

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    13/25

    209

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    O problema da interpretao do princpio de contexto, invariavelmente,deve girar em torno da compatibilizao da tese sobre o sentido do todo depen-der do sentido das partes26 com a tese de que as partes da sentena ganham con-tedo via o contedo de toda a sentena.

    Se o referido princpio nos diz que as palavras s tm propriamente significa-do enquanto elementos lgicos de uma sentena significativa, ento saber qual osignificado de uma palavra implica saber identificar a circunstncia em que duas

    palavras diferentes significam a mesma coisa (ou a circunstncia em que uma mes-ma palavra significa coisas diferentes). Ora, duas palavras s tm o mesmo signifi-cado sob a condio de as sentenas em que elas ocorram como partes exprimirempensamentos que possuam um elemento lgico comum. No caso de uma mesmapalavra significar coisas diferentes, ela s significaria coisas diferentes se as senten-as em que ocorre no exprimissem pensamentos com aquela parte lgica em co-mum. Disto se infere, particularmente, que uma sentena sem sentido no podeconter palavras que signifiquem o mesmo que significam em algum outro contexto

    sentencial. Que a sentena exprima um pensamento dotado de certas partes lgicas condio necessria e suficiente para que determinado significado seja atribudo asuas partes. Isto equivale a dizer que sempre e somente tm sentido as expressesreconhecveis, via decomposio em funo e argumento, como tendo um certo pa-pel lgico no contexto sentencial, decomposio funcional esta que s se legitima seo pensamento expresso pela sentena for tal que o permita.

    Permanece, contudo, carente de elucidao a circunstncia de que a compre-

    enso de uma sentena depende da compreenso do significado das palavras quea compe. Tal explicao dever se conformar exigncia, exposta acima, de osignificado das partes ser fixado pelo sentido global da sentena, sem inviabilizara possibilidade de compreendermos sentenas ainda inditas para ns.

    (26) Conseqentemente, da apreenso do contedo da sentena depender de nossa apreenso dossignificados das palavras, os quais parecem dever ser, por isso mesmo, fixados extra-proposicionalmente em conformidade, na melhor das hipteses, com suaspossibilidades de uso.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    14/25

    210

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    Se algum significado extra-contextual pode ser atribudo s palavras, essesignificado ser atribudo a elas na qualidade de expresses que tm um uso in-tencionado em proposies, na qualidade, portanto, de nomes prprios, termosconceituais de primeira ordem, termos relacionais, etc. Ora, Frege apresenta comouma caracterstica essencial para um sistema simblico atento s demandas da l-gica a exigncia de nomes corretamente formados. Nomes corretamente formadosso (i) introduzidos como primitivos ou por definio e (ii) usados apenas domodo como foram concebidos para funcionar - isto , nomes prprios como nomes

    prprios, nomes de funes de primeira ordem de um argumento como nomes de funo destetipo, e assim por diante...27 . Sendo a linguagem comum conformada, em sua cons-truo, a outras demandas que no as puramente lgicas28 , no algo digno deespanto a ocorrncia de expresses incorretamente formadas. Particularmente,parece razovel que nela ocorram expresses cujo emprego no atente ao usopara o qual foram concebidas.

    Tendo em vista o que foi dito at aqui e considerando que a linguagem est

    sujeita a certas regras, dois tipos de regras parecem imediatamente identificveis:as regras sintticas, que nos permitem decompor sentenas em elementos com ca-racterizaes sintticas tais que os identificam como cumprindo este ou aquele pa-pel na estrutura sentencial. E as semnticas, que estabelecem os significados para aexpresses consoantemente ao tipo de uso concebido para tais expresses. Em vir-tude, contudo, da contingncia vigente entre uso concebido e uso efetivo dos sinaisda linguagem (desde que a linguagem natural permite a produo de expresses

    incorretamente formadas), tais regras se aplicam a uma sentena sob a seguinte condi-o: que o pensamento expresso por ela exija a satisfao de uma determinada es-trutura sinttica com certos tipos de termos significando isso ou aquilo29 .

    (27) FREGE, The Basic Laws of Arithmetic, # 28, p. 83.(28) Cf. FREGE, Nachgelassene Schriften, p. 288.(29) Cf. Cora DIAMOND, op. cit., pp. 108-112.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    15/25

    211

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    Podemos, ento, afirmar que usar uma sentena para exprimir um pensamen-to um procedimento mediante o qual, pela aplicao das regras, reconstrumos asentena como expresso daquele pensamento, fazendo-a, desse modo, signific-lo.Tome-se, novamente, como exemplo Scrates mais alto que Alcebades. Estasentena poder ser encarada como dotada da estrutura: nome prprio - termorelacional - nome prprio, se o pensamento por ela expresso for tal que um certoobjeto mantenha uma certa relao com um certo outro objeto. Se, ademais, sabe-mos que as expresses Scrates, mais alto que e Alcebades tm um usoconcebido como, respectivamente, nome prprio, termo relacional, nome prpriono qual significam o homem Scrates, a relao ser mais alto quee o homemAlcebades, a sentena como um todo pode ser encarada como sendo constitudapelo nome Scrates significando Scrates, o termo relacional mais alto quesignificando a relao ser mais alto que e o nome Alcebades significando

    Alcebades, se e somente se ela encarada como dizendo que Scrates mais alto queAlcebades. Por outro lado, a sentena no poderia ser encarada como contendo, por

    exemplo, o nome prprio Scrates, como uma expresso que tem este tipo de sig-nificado, que significa o objeto Scrates, se o contedo que pretendemos us-la paraexprimir no depender, quanto sua verdade ou falsidade, do objeto significadopela expresso. Reconhecer a expresso como sendo um nome prprio, como de-sempenhando a tarefa de um nome prprio, depende de que o lugar lgico em quea expresso est seja o lugar para um nome prprio.

    4. A anlise lgica , fundamentalmente, um procedimento condicionado pretenso de que uma sentena veicule um certo sentido: o reconhecimento departes lgicas depende, j o vimos, de pretender-se que o conjunto de sinais emquesto exprima um sentido que requer determinadas partes lgicas, as quaisse comportam deste ou daquele modo (isto , contribuem de diferentes manei-ras para a determinao do sentido do todo, do pensamento ou das condiesde verdade). Podemos, dada a relao externa e contingente existente entre sig-nos e contedos, buscar determinar se um conjunto particular de termos da lin-guagem pode ser construdo como dotado de certa estrutura, com uma

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    16/25

    212

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    expresso de funo de tal tipo e uma expresso de argumento de tal outro.Mas, se no temos as marcas sintticas do lugar de argumento, no temos nemexpresso de argumento nem de funo. Assim, no h como identificar uma ex-presso de um certo tipo lgico, digamos, um nome prprio, no lugar ondeuma expresso de outro tipo lgico, digamos, um termo conceitual, deveria es-tar (segundo as demandas do sentido global supostamente expresso)30 .

    O que Frege pretendia sinalizar com as metforas de saturao einsaturao nem sempre foi objeto de investigao de leitores dispostos aencontr-lo a meio-caminho31 , a l-lo cum grano salis32 . Ao que parece, o alvodessas metforas residia justamente nos modos de identificao de nomes pr-prios e nomes de funo. O reconhecimento da categoria lgica de uma expres-so requer um conjunto de procedimentos identificatrios que podem, de ummodo geral, ser expressos da seguinte maneira: (i) a expresso reconhecidasintaticamente como estando no lugar de argumento de uma expresso de nveln, sendo utilizada, desse modo, como expresso de nvel n-1, ou (ii) a expresso

    reconhecida como sintaticamente completada por uma (ou mais)expresso(es) de nvel n-1, caso em que uma expresso incompleta de nveln. Como um nome prprio tem seu procedimento de identificao restrito aoprimeiro mtodo, isto , s pode ser reconhecido como ocupando o lugar lgicode argumento proporcionado por uma expresso de nvel 1, dito saturado (po-deramos dizer, um nome prprio elemento lgico com zero lugares de argu-mento). De outro lado, um nome de funo pode ser submetido a ambos os pro-

    cedimentos, mas, se deve ser reconhecvel como sendo o mesmo quer em lugarlgico de argumento, quer em lugar lgico de funo, deve em ambos os casoscomparecer com seus lugares de argumentos igualmente reconhecveis, da serinsaturada. Outra vez: no podemos encontrar uma expresso categorialmentedeterminada fora do lugar lgico apropriado. No h como cometer equvocos

    (30) Cf. FREGE, On the Foundations of Geometry, pp. 570-571.(31) Cf. FREGE, On the Foundations of Geometry, p. 570.

    (32) Cf. FREGE, Uber Begriff und Gegenstand, p. 79.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    17/25

    213

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    lgicos, no h como confundir-se acerca da categoria lgica de uma expressode sorte a atribuir-lhe o tipo errado de sentido33 .Via anlise, via o discernimento do padro de construo de uma senten-

    a como veculo de um pensamento, encaramos a sentena como contendouma ou mais expresses de argumento e encontramos o restante da sentenacomo tendo uma distinta natureza lgica, como desempenhando outro tipo depapel lgico na determinao do sentido global. Mas, vale a pela frisar, reco-nhecer na sentena expresses de argumento e de funo justamentereconhec-los como intersubstituveis salva congruitate por outros elementos demesma natureza lgico-sinttica.

    A impossibilidade de reconhecer elementos lgicos em lugares imprpriosno , de modo algum, matria de postulao dogmtica, de sorte que pudesseser assim em nossa linguagem mas no naquela, nesta conceitografia mas no emoutra. A impossibilidade de se cometer equvocos lgicos vai lado a lado com aimpossibilidade de se lidar teoricamente com as categorias lgicas. As observa-

    es fregeanas acerca da necessidade de exprimir-se metaforicamente acerca doque logicamente fundamental, e, portanto, de contar com a boa vontade do lei-tor em dispor-se a encontr-lo a meio-caminho, manifestam esta impossibilidade.Quaisquer que sejam as razes pelas quais suas metforas possam ser considera-das infelizes, tal certamente no ser em virtude de sugerirem que objetos, con-ceitos ou funes desta ou daquela natureza sejam estranhas e exticas entidadessobre as quais nada claro ou mesmo inteligvel possa ser dito34 . Entidades so

    aquilo sobre o qu se pode pensar e s podemos pensar sobre aquilo que a lgi-ca, a gramtica lgica, nos habilita a pensar35 . Ela, contudo, no nos habilita apensar sobre caractersticas primitivas e irredutveis da estrutura lgica. No ha-ver um modo logicamente adequado pelo qual possamos dizer, por exemplo, que

    (33) Cf. Cora DIAMOND, op. cit., pp. 90-91.(34) Veja-se, por exemplo, o que afirma M. Furth em sua introduo The Basic Laws of Arithmetic, p. xxvii.(35) Cf. Cora DIAMOND, op. cit., pp. 140-143,

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    18/25

    214

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    objetos e funes so diferentes, no acarreta que eles so coisas, mas coisas sobreas quais no podemos pensar. Acarreta, isto sim, que pretend-las, por isso, coisasinefveis um completo e absoluto contra-senso.

    Ora, sabemos que discriminar partes operantes em uma proposio consis-te em identificar tais partes em conformidade com o tipo de contribuio queelas esto aptas a fazer para a determinao do contedo logicamente relevanteda totalidade da proposio. Esta discriminao demanda o reconhecimento dasdiferentes partes em termos das diferentes regras de intersubstituio a que seencontram sujeitas. As partes em funo das quais a proposio resulta signifi-cativa (isto , habilitada verdade ou falsidade), quando submetidas aos mes-mos princpios de intersubstituio, so consideradas desempenhando o mes-mo tipo de papel, operando de um mesmo modo para fixar as condies de ver-dade da proposio. A anlise lgica de uma proposio consiste justamente emespecificar suas diferentes partes operantes, dado o sentido global expressopela proposio. Dito de outro modo, os termos que a constituem podem ser

    encarados como logicamente significantes se, e apenas se, a proposio resultacapacitada verdade ou falsidade em funo deles. Determinar a forma lgicada proposio, identificar a distribuio de suas partes relevantes em categoriaslgicas, o que compete anlise lgica. Identificar a categoria lgica das par-tes , ao fim e ao cabo, reconhecer que as partes se submetem a certos tipos deregras de intersubstituio salva veritate36 . Os diferentes tipos de princpios deintersubstituio preservando a verdade ou a falsidade, ou simplesmente, salva

    veritate , caracterizam, pois, os diferentes papis lgicos, as diferentescategorizaes possveis37 .

    (36) Dado que ser intersubstituvel salva congruitate ser intersubstituvel preservando algo como ca-pacitado verdade ou falsidade.(37) As palavras o conceito raz quadrada de 4 se comportam, quanto a substituibilidade, de manei-ra totalmente diversa das palavras uma raz quadrada de 4 de nossa sentena original, isto , asreferncias destas duas combinaes de palavras so essencialmente diferentes (FREGE, ber

    Begriff undGegenstand, p. 75).

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    19/25

    215

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    Vejamos agora um caso bastante simples de utilizao transcategorial deuma expresso. Suponhamos que um certo termo Tpossa comparecer em deter-minadas proposies desempenhando o papel de uma expresso predicativa(uma expresso qual cumpre especificar um elemento lgico apto a determi-nar o valor de verdade da proposio para os tens aos quais atribudo). Supo-nhamos tambm que, em outras proposies, possa comparecer cumprindo opapel de especificar um tem do qual predicamos algo, portanto, como uma ex-presso substantiva, como um termo singular. Esse seria o caso se considersse-

    mos, por exemplo, a diferena entra afirmar que Plato no um Scrates e afir-mar que Scrates filsofo.

    Se o termo Ttem um tal uso transcategorial, ento em uma proposio de-sempenha um certo papel, digamos, o papel de termo do sujeito e em outra, ouna mesma, desempenha tambm o papel de termo do predicado. Contudo, eledeve, a fim de ser considerado o mesmo smbolo, exprimindo o mesmo sentido,ser em ambos os casos sujeito ao mesmo tipo de regras de intersubstituio, es-

    tar em ambos os casos fazendo o mesmo tipo de contribuio para a determina-o da verdade ou falsidade do que dito. Se isto no ocorrer, o termo T nopoder ser considerado pela anlise lgica como significando a mesma coisa.Ao contrrio, a anlise lgica reconheceria que um mesmo signo, o termo T, es-taria fazendo diferentes contribuies em consonncia com seus diferentes pa-pis, estaria sendo usado em diferentes sentidos e reportando-se coisas diferen-tes. Se um termo tem um contedo em um determinado contexto proposicional

    em que aparece como elemento lgico, no h tal coisa como utiliz-lo, qua esteelemento lgico, transcategorialmente. No porque isso resulte de uma proibi-o implcita ou explcita vigindo arbitrariamente na construo de qualquerlinguagem, particularmente daqueles sistemas simblicos que pretendem re-presentar perspicuamente o que de interesse da lgica. Pertence identidadeno do signo enquanto tal, mas enquanto smbolo, enquanto dotado de um cer-to contedo logicamente relevante, que faa sempre a mesma contribuio aocontedo total das proposies em que reconhecvel como parte. O que a lin-

    guagem comum no probe, mas uma conceitografia probe e deve proibir, se

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    20/25

    216

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    almeja a consecuo de seu fim, o emprego de um mesmo sinal, de um mes-mo signo, para fins completamente diferentes, para significar coisas completa-mente diferentes. No podemos, pois, significar a mesma coisa, se a expressoempregada faz diferentes tipos de contribuio determinao do valor de ver-dade das proposies em que ocorre. O tipo de coisa a que nos reportamos, so-

    bre a qual, no fim das contas, pensamos, inseparvel do tipo de papel lgicodesempenhado pelo termo que se reporta a essa coisa, inseparvel de sua ca-tegoria lgica. Assim, no h predicaes transcategoriais, e o que pode ser dito

    de um tem de uma categoria X no pode ser igualmente dito de um tem deuma categoria Y38 . Pretender isso , ao fim e ao cabo, confundir o signo com osmbolo em que ele se converte mediante seu uso proposicional39 .

    A possibilidade de tratarmos teoricamente das categorias, como j foi indi-cado, depende fundamentalmente de podermos dizer com verdade de determi-nados tens que eles pertencem a certa categoria e de podermos dizer isso comfalsidade de outros. Depende, pois, da possibilidade, que j sabemos imposs-

    vel, da utilizao transcategorial de um termo sem alterao do seu significado,da sua aplicao a tens de categorias lgicas distintas. Suponhamos, contudo,uma tal possibilidade. Devemos, frente a isso, perguntar o que pode significar aatribuio falsa de uma categoria lgica a um tem. Pretender que um determi-nado tem pertena a uma categoria, quando de fato ele no pertence a esta, masa alguma outra (e isso parece bastante bvio) identificar mal, cometer umequvoco relativamente categoria a que pertence o referido tem. Supor a pos-sibilidade de predicaes transcategoriais , por via de conseqncia, supor apossibilidade de cometer equvocos categoriais. Entender um erro lgico comouma circunstncia em que pretendemos falar de um tem de uma categoriacomo se ele pertencesse a outra seria, em termos fregeanos, pretender dizer de

    (38) Cf. Cora DIAMOND, op.cit., pp. 134-136.(39) No nos devemos deixar enganar pelo fato da linguagem usar nomes prprios, por exemplo,Lua, como termos conceituais, e vice-versa; apesar disto a diferena subsiste (FREGE, Os Fundamen-tos da Aritmtica, # 51, p. 241.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    21/25

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    22/25

    218

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    A valer o que foi dito anteriormente, que as marcas sintticas das expresses dalinguagem comum tornam reconhecveis os lugares de argumento, podemos at pre-tender construir a proposio O conceito cavalo um conceito de fcilaquisiocomo afirmando de um conceito que ele tem certa propriedade. Contudo,constru-la de tal modo que a expresso um conceito de fcil aquisio desempe-nhe o papel de simbolizar um conceito de segunda ordem exige suacomplementao por uma expresso reconhecvel sintaticamente como exprimindoum conceito de primeira ordem. Assim sendo, no podemos constru-la dessa manei-

    ra - justamente porque a expresso o conceito cavalo no possui as marcas sintticasapropriadas para um termo conceitual de primeira ordem. No haver, portanto, olugar de argumento onde um termo conceitual de primeira ordem possa ser reconhe-cido e, desse modo, nenhum papel lgico ser atribuvel a qualquer expresso.

    O conceito cavalo um conceito de fcil aquisio parece permitir, por ou-tro lado, que a construamos segundo o padro: nome prprio - termo conceitualde primeira ordem. Mas, assim construda, resulta carente de sentido porque no

    estamos em condies de determinar que objeto este, o conceito cavalo. Dizer doconceito cavalo, reportar-se a tal conceito, o que fazemos quando, por exemplo,dizemos Brunello um cavalo ou Todos os cavalos so quadrpedes, quan-do utilizamos predicativamente a expresso que lhe prpria.

    Ainda que admitssemos como predicados legtimos aqueles via os quais atri-buiramos a um tem a propriedade de pertencer a uma categoria, a proposio re-sultante no cumpriria os fins exigidos por um tratamento terico das categorias l-

    gicas. Seja, por exemplo, um objeto uma expresso para o conceito de primeiraordem que define a categoria lgica dos objetos. O que pode, invariavelmente, ocu-par seu lugar de argumento um objeto: sempre e somente de objetos poderemosdizer que so objetos. Encontrar alguma expresso com caractersticas sintticas ou-tras que aquelas que permitem identificar um nome prprio ocupando seu lugarde argumento acarretaria no sermos competentes para reconhecer a sentena comoexprimindo um pensamento. No haver como dizer (falsamente) de um conceitoque um objeto. No h, por conseguinte, qualquer possibilidade de que se come-

    ta algum equvoco com respeito categoria lgica de algo.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    23/25

    219

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    A impossibilidade do erro lgico, o fato de toda linguagem, enquanto capa-citada a exprimir pensamentos, estar imunizada contra isso, revela para ondeapontam as concepes fregeanas da prioridade do pensamento, do juzo comoreconhecimento da verdade de um pensamento e da verdade como caracterizan-do a natureza mesma da lgica 43 .

    A gramtica lgica, os princpios que do conta da natureza intrinsecamen-te judicativa do pensamento e que, por isso mesmo, configuram o corao da l-gica, constitui, ainda que no apenas ela, a gramtica de qualquer linguagem44 .

    5. Ao contrrio do que possa parecer45 , tambm para Frege h um senti-do, um sentido forte, em que vale a assertiva de que a linguagem comumest em boa ordem lgica46 . As queixas fregeanas acerca das imperfeies dalinguagem comum estendem-se por quase que toda sua obra47 . Pudssemos,contudo, resumir sob certas rubricas a natureza dessas queixas, encontrara-mos, fundamentalmente, a denncia de ambigidade, da construo de no-mes incorretamente formados48 e, conseqentemente, da maneira errtica comque a linguagem comum marca sintaticamente lugares de argumento. Aconstruo de uma conceitografia visa justamente superar tais dificuldades.Eliminam-se as mltiplas utilizaes de um mesmo signo pela introduo

    (43) Veja-se, respectivamente, FREGE, Nachgelassene Schriften, p. 273; The Thought: a LogicalInquiry, in: KLEMKE (ed.), op. cit., trad. A. M. & M. Quinton, p. 507 e Nachgelassene Schriften, p. 139;

    The Thought: a LogicalInquiry, p. 513 e Nachgelassene Schriften, p. 150.(44) Cf. FREGE, Nachegelassene Schriften, p. 288.(45) Por exemplo, para Peter HACKER em Semantic Holism: Frege and Wittgenstein, p. 231.(46) 5.5563 - De fato, todas as proposies de nossa linguagem corrente esto logicamente, assimcomo esto, em perfeita ordem(WITTGENSTEIN, Tractatus Logico-Philosophicus, p. 243).(47) Um inventrio detalhado pode ser encontrado em Luiz Henrique Lopes dos SANTOS, Verdade eMtodo: um Ensaio sobre a Lgica Segundo Frege, tese de doutorado apresentada ao Dept de Filosofiada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas - USP, So Paulo, 1980, pp. 124-134.

    (48) Cf. FREGE, The Basic Laws of Arithmetic, # 28, p. 83.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    24/25

    220

    FREGE: LGICA E LINGUAGEM

    volume 3

    nmero 2

    1998

    apenas de nomes corretamente formados. Marcam-se, desta maneira, inequivoca-mente os lugares de argumento49 .A ambigidade sistmica da linguagem comum resulta, aos olhos de Frege,

    de sua mltipla utilidade50 , da interveno de outras capacidades que no a pu-ramente lgica51 . Mas, ainda que isso termine por avalizar a ocorrncia de contra-sensos, estes resultam, tal como supunha Wittgenstein, unica e exclusivamenteda no-atribuio de um contedo para um signo em um uso diferente daquelepara o qual foi concebido. No h, nem mesmo na linguagem comum, a possibili-dade de um contra-senso resultante do equvoco lgico. A linguagem comum acusada apenas de ter uma coordenao gramatical que no atende aos, por assimdizer, interesses exclusivos da lgica. Qualquer sistema simblico tem sua ade-quao mensurada pela maior ou menor aproximao de sua gramtica com agramtica lgica, com algo que lhe essencialmente interno e que torna possvela este sistema exprimir pensamentos.

    A conceitografia fregeana, se merece alguma crtica, merece por ter caracte-

    rsticas estruturais que divergem de sua inevitvel estrutura interna. Ser assim di-vergente ser tal que a estrutura no resulta claramente revelada nas sentenasconceitogrficas. usar um mesmo sinal para diferentes smbolos e, por conse-guinte, no marcar claramente os lugares de argumento. permitir que contra-sensos (por no termos atribudo um contedo ao signo usado de modo distintodo que foi concebido para ser usado) ocorra.

    Um desses erros da conceitografia fregeana , pelo menos assim parece, per-

    mitir que certos signos para partes proposicionais compaream em lugares lgi-cos abertos apenas para proposies, e vice-versa. Encontrar as razes de fundo

    (49) Cf. FREGE, Begriffschrift, pp. 5-8.(50) Cf. FREGE, Begriffschift, p. 6. Veja-se, tambm, FREGE, Sobre a Justicao Cientfica de umaConceitografia, trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos, Col. Os Pensadores, 3 ed., Abril Cultural,So Paulo, 1983, p. 191.

    (51) Cf. FREGE, Nachgelassene Schriften, p. 288.

  • 8/8/2019 Artigo - Logica e Linguagem

    25/25

    221

    volume 3

    nmero 2

    1998

    GERSON LUIZ LOUZADO

    para o que parece ser a hybris fregeana da assimilao das proposies categorialgica dos nomes prprios, passaria, certamente, por mostrar como o apelo teo-ria das funes foi sua glria e sua danao. Contudo, tal histria, cujo final bemconhecido, seria a histria de uma desmedida, e a histria que queramos contaraqui no era essa.

    RESUMOEste artigo visa apresentar o modo pelo qual algumas teses fundamentais da filosofia fregeana, tais como oprincpio de contexto e a anlise lgica em termos de funo e argumento, determinaram sua concepo sobre anatureza da relao entre lgica, linguagem e metafsica.

    ABSTRACTThis article intends to expose how some central tenets of Freges philosophy, like the context principle and the

    function-argument analysis, have determined his approach of the nature of the relationship between logic,language and metaphysics.