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ARP 81 Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVIII, nº 71, pág. 81-88, Jul.-Set., 2006 Recebido a 30/09/2005 Aceite a 16/12/2005 Introdução O sistema respiratório desenvolve-se a partir da 3ª – 4ª semana de gestação, originando-se da parede ventral do intestino anterior, continuando o seu desenvolvimento durante os primeiros anos de vida. Ao 24º – 26º dia de gestação, desenvolve-se um sulco mediano na parede ventral da faringe, chamado sulco laringotraqueal, havendo, então, proliferação do mesênquima do mesentério primitivo (mediastino), do qual a cartilagem, o músculo e o tecido conjuntivo do pulmão se desenvolvem. No 28º dia de gestação, o sulco origina os precursores dos pulmões. Uma invaginação lateral da mesoderme, constitui o septo traqueoesofágico, que separa o esófago da traqueia. Esta separação das estruturas gastrointestinais das respiratórias, nem sempre é bem sucedida, sendo a separação incompleta uma das anomalias congénitas mais Malformações Pulmonares Congénitas Congenital Lung Disorders Madalena Pimenta, Rui Cunha, Anabela Silva, Anabela Braga Serviço de Radiologia, Hospital de São João Directora: Prof. Dra. Isabel Ramos Resumo Embora pouco frequentes, as malformações pulmonares congénitas são entidades que compreendem um desafio clínico, muitas vezes requerendo múltiplas técnicas de imagem para o seu diagnóstico. A sua prevalência corresponde a cerca de 3% de todas as malformações congénitas. Os autores apresentam vários tipos de malformações pulmonares congénitas, evidenciando o papel preponderante da Radiologia no diagnóstico e caracterização destas entidades. Palavras-chave Malformações Pulmonares Congénitas; Ecografia; TC; RM. Abstract Although infrequent, congenital pulmonary malformations constitute a set of lesions with a difficult diagnosis, which often require multiple imaging techniques. They are relatively rare, with a prevalence of 3% of all congenital malformations. The authors present several types of congenital pulmonary malformations, pointing out the predominant role of Radiology in the diagnosis and characterization of these entities. Key-words Congenital Pulmonary Malformations; Ultrasound; CT; MR. frequentes. As malformações pulmonares congénitas apresentam uma incidência global de cerca de 3%, representando a maioria malformações do intestino anterior. Os autores analisam com exemplos, ilustrando os aspectos práticos e, destacam os aspectos imagiológicos, fazendo uma breve revisão dos principais achados clínicos. Síndrome da Cimitarra Esta síndrome, também conhecida como venolobar ou do pulmão hipogenético, é uma forma única de agenesia ou de aplasia lobar, associada a outras anomalias dos vasos pulmonares e do tórax. O seu nome deve-se à forma da veia pulmonar anómala que desce verticalmente no pulmão, adjacente ao bordo cardíaco direito, assumindo uma forma curva medial, para entrar na veia cava inferior. Assim, assemelha-se a uma espada Turca, também chamada de Cimitarra. Usualmente apresenta-se do lado direito, embora haja raros casos descritos do lado esquerdo. Artigo de Revisão / Review Article

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Page 1: Artigo de Revisão / Review Article Malformações Pulmonares ... · ou sistema venoso portal, resultando em shunt esquerda / direita. Macroscopicamente apresentam-se como lesões

ARP 81

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVIII, nº 71, pág. 81-88, Jul.-Set., 2006

Recebido a 30/09/2005Aceite a 16/12/2005

Introdução

O sistema respiratório desenvolve-se a partir da 3ª – 4ªsemana de gestação, originando-se da parede ventral dointestino anterior, continuando o seu desenvolvimentodurante os primeiros anos de vida.Ao 24º – 26º dia de gestação, desenvolve-se um sulcomediano na parede ventral da faringe, chamado sulcolaringotraqueal, havendo, então, proliferação domesênquima do mesentério primitivo (mediastino), do quala cartilagem, o músculo e o tecido conjuntivo do pulmãose desenvolvem. No 28º dia de gestação, o sulco originaos precursores dos pulmões.Uma invaginação lateral da mesoderme, constitui o septotraqueoesofágico, que separa o esófago da traqueia.Esta separação das estruturas gastrointestinais dasrespiratórias, nem sempre é bem sucedida, sendo aseparação incompleta uma das anomalias congénitas mais

Malformações Pulmonares Congénitas

Congenital Lung Disorders

Madalena Pimenta, Rui Cunha, Anabela Silva, Anabela Braga

Serviço de Radiologia, Hospital de São JoãoDirectora: Prof. Dra. Isabel Ramos

Resumo

Embora pouco frequentes, as malformações pulmonares congénitas são entidades que compreendem um desafio clínico, muitasvezes requerendo múltiplas técnicas de imagem para o seu diagnóstico. A sua prevalência corresponde a cerca de 3% de todas asmalformações congénitas.Os autores apresentam vários tipos de malformações pulmonares congénitas, evidenciando o papel preponderante da Radiologiano diagnóstico e caracterização destas entidades.

Palavras-chave

Malformações Pulmonares Congénitas; Ecografia; TC; RM.

Abstract

Although infrequent, congenital pulmonary malformations constitute a set of lesions with a difficult diagnosis, which oftenrequire multiple imaging techniques. They are relatively rare, with a prevalence of 3% of all congenital malformations.The authors present several types of congenital pulmonary malformations, pointing out the predominant role of Radiology in thediagnosis and characterization of these entities.

Key-words

Congenital Pulmonary Malformations; Ultrasound; CT; MR.

frequentes. As malformações pulmonares congénitasapresentam uma incidência global de cerca de 3%,representando a maioria malformações do intestinoanterior.Os autores analisam com exemplos, ilustrando os aspectospráticos e, destacam os aspectos imagiológicos, fazendouma breve revisão dos principais achados clínicos.

Síndrome da Cimitarra

Esta síndrome, também conhecida como venolobar ou dopulmão hipogenético, é uma forma única de agenesia oude aplasia lobar, associada a outras anomalias dos vasospulmonares e do tórax.O seu nome deve-se à forma da veia pulmonar anómalaque desce verticalmente no pulmão, adjacente ao bordocardíaco direito, assumindo uma forma curva medial, paraentrar na veia cava inferior. Assim, assemelha-se a umaespada Turca, também chamada de Cimitarra.Usualmente apresenta-se do lado direito, embora haja raroscasos descritos do lado esquerdo.

Artigo de Revisão / Review Article

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A sua incidência é cerca de 1 a 3 por 100.000 nascimentos[1].Caracteriza-se, principalmente, pela hipoplasia do pulmãodireito e por drenagem venosa pulmonar para a veia cavainferior, frequentemente abaixo do nível da hemicúpuladiafragmática direita.Na sua forma completa, esta síndrome consiste:• Hipoplasia do pulmão direito;• Drenagem pulmonar anómala ipsilateral, de parte ou

de todo o pulmão, para a veia cava inferior;• Dextrorrotação cardíaca;• Hipoplasia ou outra malformação da artéria pulmonar

direita;• Suprimento arterial anómalo sistémico, do lobo inferior

do pulmão direito, pela aorta subdiafragmática ou pelosseus ramos principais.

Pode também estar associado a outras malformações como,anatomia brônquica anormal, anomalias diafragmáticas(hérnia de Bochdalek ou eventração direita), pulmão emferradura, hemivertebras e anomalias do tractogenitourinário(Fig. 1).Embora 40 % sejam assintomáticos, mais de metade destesdoentes têm sintomas cardiorrespiratórios similares aosencontrados em doentes com hipertensão pulmonaroriginada por grandes shunts esquerda-direita [2]. Estescasos são frequentemente diagnosticados na infância,dependendo o seu desfecho clínico do tipo e da severidadeda anomalia cardíaca. Podem também apresentar infecçõesbroncopulmonares de repetição e hemoptises.Contudo, o síndrome da Cimitarra quando isolado écompatível com uma vida normal.

Foram descritas três formas desta síndrome:• Tipo 1 ou forma infantil: por vezes chamado de

sequestro, há um grande shunt entre a artéria anormalque supre o lobo inferior do pulmão direito e a aortasubdiafragmática;

• Tipo 2 ou forma adulta: há um pequeno shunt entre asveias pulmonares direitas e a veia cava inferior;

• Tipo 3: caracteriza-se por malformações adicionaiscardíacas e extra cardíacas.

O diagnóstico pode ser feito pela radiografia pulmonar,consistindo os achados característicos num pulmão direitode pequenas dimensões, com um hilo pequeno,vascularidade diminuída, desvio do mediastino para adireita e a aparência característica da veia anómala emforma de espada Turca, paralela ao bordo cardíaco direito.Contudo, estes achados podem não ser suficientes paraum diagnóstico esclarecedor, assumindo então a TAC umpapel decisivo.A TAC é um método não invasivo, que além de confirmaro diagnóstico, permite a identificação das anomaliasassociadas, muitas vezes relacionadas com o aumento damorbilidade.O Ecodoppler pode evidenciar a entrada da veia anómalana veia cava inferior e confirmar o fluxo venoso.A RM e, em particular a angioRM, permite uma excelentevisualização da anatomia vascular pulmonar, podendoidentificar a veia aberrante e delinear a artéria pulmonardireita, obviando a angiografia, particularmente seatendermos ao facto da maioria dos doentes pertenceremao grupo pediátrico.A Angiografia identifica a veia aberrante e delineia a artériapulmonar direita

Sequestro Pulmonar

O sequestro pulmonar é uma malformação pulmonar quese define pela presença de uma massa de tecido pulmonaraberrante, que não comunica com a árvoretraqueobrônquica através de uma ligação brônquica normale que recebe a sua irrigação arterial através de uma artériasistémica. Esta irrigação arterial geralmente provem daaorta torácica, mas também pode originar-se das artériascelíaca, esplénica, intercostais, subclávia, torácica internaou pericardiofrénicas, por ordem decrescente defrequência.A drenagem venosa é feita através do sistema ázigos, veiaspulmonares ou veia cava inferior.A sua etiopatogenia não é consensual. Para a maioria dosautores representa uma malformação com origem numadivisão traqueobrônquica embrionária anormal, que resultano desenvolvimento localizado de um fragmento pulmonarseparado, com retenção do fluxo arterial sistémico inicial.Para outros trata-se de um anomalia adquirida porobstrução brônquica inicial, que pode ter como etiologiaa infecção, seguida de fibrose e transformação cística dopulmão distal. Este processo inflamatório interromperia ofluxo sanguíneo pulmonar, levando à hipertrofia dasartérias sistémicas do ligamento pulmonar(Fig. 2).O sequestro pulmonar pode ser classificado em intralobare extralobar.

Sequestro Extralobar

O sequestro extralobar é composto por tecido pulmonarnão funcionante, consistindo em brônquios dilatados,ductos alveolares, alvéolos e tecido conjuntivo, cujaespessura varia de acordo com a idade do doente. Éresponsável por cerca de 25% dos casos de sequestropulmonar. Fig. 1 - Síndrome da Cimitarra. Angiografia – Observa-se veia anómala

em forma de espada turca (cimitarra), adjacente ao bordo cardíaco direito.

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Tem uma frequência cerca de 4 vezes superior no sexomasculino, sendo a maioria dos doentes diagnosticadosantes do primeiro ano de idade.O nome extralobar provém do seu próprio revestimentode pleura, estando localizado fora da pleura visceralnormal. Em cerca de 10% dos doentes, pode mesmoencontrar-se fora da caixa torácica, numa posiçãosubdiafragmática.Em 80% dos casos obtém o fluxo arterial através da aortatorácica ou abdominal.Em contraste com o sequestro intralobar, a drenagemocorre através do sistema venoso sistémico, maisfrequentemente via veia cava inferior, ázigos, hemiázigos

ou sistema venoso portal, resultando em shunt esquerda /direita.Macroscopicamente apresentam-se como lesões únicas,cujas dimensões variam de 0.5 cm a 15cm, com um aspectoesbranquiçado e forma piramidal ou oval.Muitas vezes encontra-se associado a outras anomaliascongénitas, especialmente eventração ou paralisia dohemidiafragma ipsilateral em cerca de 60% dos casos ehérnia diafragmática esquerda, presente em cerca de 30%[3].Uma comunicação com o sistema gastro-intestinal éfrequentemente observada no sequestro extralobar.

Sequestro Intralobar

O sequestro intralobar também se traduz por tecidopulmonar não funcionante, podendo, contudo, conter ar,através dos poros de Kohn ou de uma ligação a um pequenobrônquio. Embora esteja isolado do pulmão, partilha apleura visceral que muitas vezes se encontra espessada,com aderências ao mediastino e à pleura diafragmática.Usualmente é composto por parênquima fibroso denso,que substituiu o tecido pulmonar normal como resultadode inflamação crónica, e por múltiplos cistos que contêmmaterial gelatinoso.O fluxo arterial tem origem sistémica, via aorta torácicadescendente em cerca de 73% dos casos, aorta abdominal,artéria celíaca ou artérias intercostais, por ordemdecrescente de frequência. O fluxo venoso drena pelasveias pulmonares em 95 %, sendo a percentagem restantevia sistema ázigos ou artérias intercostais.Em contraste com o sequestro extralobar, o intralobar nãose encontra frequentemente associado a outrasmalformações congénitas. Este achado juntamente comoutros, como a diferença de idades na altura do diagnósticoe as alterações fibróticas / infecciosas demonstradas peloexame histológico, levou ao desenvolvimento da teoria deque o sequestro intralobar será um processo pós-inflamatório adquirido.O sequestro intralobar é responsável por cerca de 75 %dos casos de sequestro.É frequentemente diagnosticado na infância e, até, emadultos jovens. Não tem predilecção por nenhum dos sexos.Surge macroscopicamente como uma massa fibrosa, comcistos que variam de milimétricos a maiores de 5 cm, comforma triangular ou oval, na porção média ou basal, maisfrequentemente à esquerda. A maioria são clinicamentesilenciosos até infectarem e se manifestarem comopneumonias recorrentes.Contudo, podem apresentar-se, embora raramente, comuma hemorragia espontânea massiva, potencialmente fatal.Em 15% dos casos aparece associado com outrasanomalias congénitas, como, por exemplo, hérniadiafragmática.

Imagiologia do Sequestro Pulmonar

Os achados radiográficos variam, dependendo do tamanhoda lesão e se esta se encontra infectada ou não.Tipicamente, manifestam-se como uma opacidadetriangular, de bordos bem definidos, localizada no ângulo

Fig. 2 - Sequestro pulmonar – Observa-se opacidade no LID, em criançade sete anos de idade com infecções respiratórias de repetição.A – Face; B – Perfil.

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costofrénico posterior, usualmente adjacente à hemicúpuladiafragmática esquerda.Outros achados sugestivos são a presença de comunicaçãocom o sistema gastrointestinal e as malformaçõesassociadas, sobretudo no caso de sequestro extralobar.Um processo infeccioso indolente no segmentoposterobasal do lobo inferior, num jovem, com infecçõespulmonares de repetição, é sugestivo de sequestrointralobar.Um sequestro infectado pode assemelhar-se a umaconsolidação, associando-se por vezes a derrame pleurale a níveis hidro-aéreos intracístos.Por vezes o sequestro extralobar, dado poder terlocalização supra, intra ou subdiafragmática, aparece comoum ressalto diafragmático(Fig. 3).A distinção entre os dois tipos de sequestro é difícil apenasrecorrendo à radiologia convencional. Contudo, oconhecimento que as lesões extralobares são maisfrequentemente sólidas e se associam a outrasmalformações e que as intralobares têm aparência cística,com ar (se uma comunicação pulmonar existe) ajuda aacuidade.A TAC define a anatomia vascular, pondo em evidência,por vezes, opacidades não detectadas na radiografia.Geralmente encontramos uma opacidade homogénea, bemcircunscrita, com áreas císticas ocasionais.A demonstração da posição da lesão, do seu suprimentoarterial e drenagem venosa anormal, sugerem odiagnóstico.A ecografia evidencia no caso do sequestro intralobar, umamassa ecogénica intratorácica, que pode conter cístospreenchidos com líquido. O lobo inferior esquerdo é o localmais comum. O doppler pode demonstrar o fluxo arterialsistémico e a drenagem venosa anómala.O diagnóstico pré-natal do sequestro extralobar não é raro,sendo importante para a preparação cuidada do parto einício terapêutico.A RM demonstra o fluxo anómalo com precisão, podendoobviar a necessidade de angiografia.

Malformação Adenomatoide CísticaCongénita

A Malformação Adenomatoide Cística Congénita pensa-se resultar de uma paragem focal do desenvolvimentopulmonar, antes da 7ª semana de gestação, devido a umavariedade de agressões pulmonares. Dependendo do tipoe da duração das agressões, pode estar associada a outrasmalformações congénitas.A lesão básica é uma massa hamartomatosa de tecidofibroso e músculo liso, com origem dos tecidosrespiratórios terminais, usualmente com cístos numerosos,delineados com epitélio brônquico, que comunicam coma árvore traqueobronquica.Essencialmente, ocorre um super crescimento dosbronquíolos terminais, com diminuição consequente docrescimento alveolar(Fig. 4).Apenas um lobo é afectado, sendo o envolvimento de maisde um lobo ou o atingimento bilateral raros.A maioria é diagnosticada antes dos seis meses de idade,sendo destes 70% no primeiro mês de vida.

Esta malformação tem natureza expansiva, por vezes aoponto de ser ameaçadora à vida, condicionando, por vezes,hipoplasia pulmonar secundária no pulmão contralateral.Pode ser classificada, com base nos aspectos clínicos,radiográficos e histológicos, em três tipos:• Tipo I: É o tipo mais frequente, composto por cístos de

tamanho variado, com pelo menos um cisto com maisde 2 cm de diâmetro. Tem um prognóstico excelente.Apenas 5 % de malformações congénitas associadas.

• Tipo II: Corresponde a cerca de 41 % dos casos. Écomposto por cistos pequenos, de tamanho uniforme,até 2 cm de diâmetro (1-10 mm). Cerca de 50 %apresentam malformações congénitas associadas(renais, intestinais, cardíacas, esqueléticas).

• Tipo III: É o menos frequente, correspondendo a cercade 9 % dos casos. As lesões são compostas pormicrocistos, com aparência sólida à inspecçãovisual(Fig. 5).

A hidropsia fetal e o polihidrâmnios materno são comuns.Tem mau prognóstico devido às anomalias associadas eao compromisso respiratório.

Fig. 3 - Sequestro pulmonar, TC- massa heterogénia, com septos,captante do produto de contraste, em criança com febre e leucocitose.

Fig. 4 - Peça operatória de uma malformação adenomatoide cística.

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Frequentemente, o diagnóstico é feito por acaso, aquandoda realização de uma ecografia pré-natal.Os efeitos patofisiológicos podem ser divididos em pré-natais e pós-natais:• Lesões grandes estão associadas ao desenvolvimento

de hidropsia fetal. Pensa-se resultarem da compressãoda veia cava inferior que, compromete o retornovenoso, diminui a função cardíaca e origina efusões,características da hidropsia;

• Hipoplasia pulmonar, que poderá provocar stressrespiratório no pós-parto;

• Parto prematuro;• Associa-se a polihidrâmnios pela pressão intratorácica

elevada, que comprime o esófago fetal, inabilitando-ode engolir;

• Infecções respiratórias de repetição;• Risco de transformação maligna.

Após o nascimento, o diagnóstico é obtido pela radiografiapulmonar. Frequentemente aparece como uma massaexpansiva (pelo aprisionamento de ar) que desvia omediastino, com densidade de tecidos moles, contendomúltiplos cistos com ar, de variadas dimensões.Inicialmente, pode apenas observar-se uma opacidadepulmonar homogénea, como resultado da demora doesvaziamento alveolar via brônquios ou via sistemaslinfático e circulatório, que evolui então para multicística.Os cistos estão separados entre eles por bandas de tecidopulmonar opaco(Fig. 6).O pulmão afectado pode ter aspecto esponjoso, mas,ocasionalmente, há um grande cisto que predomina sobreos outros.Pode ser observado pneumotorax.Usualmente a TAC não é necessária para o diagnóstico,podendo ser usada nos casos confusos encontrados nainfância ou vida adulta ou para o planeamento de cirurgia.Os achados em TAC consistem em:• Áreas de pequenos cistos, com menos de 2 cm de

diâmetro, associadas a outras anormalidades;• Lesão multicística, com mais de 2 cm de diâmetro,

associadas ou não a outras anormalidades;• Áreas de baixa atenuação são agregados de microcistos;• Pode haver níveis ar-líquido.

A malformação adenomatoide cística congénita pode serdiferenciada de outras malformações císticas congénitaspor cinco características:• Ausência de cartilagem brônquica (a não ser que tenha

sido envolvida pela lesão);• Ausência de glândulas tubulares brônquicas;• Presença de epitélio colunar mucinoso;• Super produção de estruturas bronquiolares terminais,

sem diferenciação alveolar, excepto nas áreassubpleurais;

• Distensão massiva do lobo afectado, que desvia asestruturas adjacentes.

Fig. 5 - Malformação adenomatoide cística- observam-se vários cístosde paredes finas e tamanho variado; envolvimento unilobar; A-Face; B-Perfil.

Fig. 6 - Malformação adenomatoide cística, TC- Várias imagens císticas,de conteúdo aéreo, ao nível do LID.

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Cisto Broncogénico

Os cistos broncogénicos incluem-se nas malformaçõespulmonares, representando uma reduplicação cística daárvore traquebrônquica.Desenvolvem-se entre a 26ª e a 40ª semana de gestação, apartir de uma ramificação anormal do intestino ventral.A maioria localiza-se no mediastino (precarinais,paratraqueais e retrocardíaca) ou regiões hilares, podendotambém ser observados dentro do parênquima pulmonar.São constituídos por uma cápsula fibrosa, por vezes comcartilagem, delineados por epitélio respiratório, contendomaterial mucoide víscoso.Embora os cistos broncogénicos sejam lesões congénitas,apresentam-se muitas vezes no adulto como uma massaacidental no mediastino ou no parênquima pulmonar. Nainfância, os cistos de grandes dimensões podem causarcompressão do esófago e da traqueia, traduzindo-se pordisfagia e estridor. Se infectarem, associa-se um quadroclínico de febre e de stress respiratório(Fig. 7).

Na radiografia pulmonar, a maioria dos cistosbroncogénicos são vistos como uma massa bem delimitada,usualmente única, de localização próxima às vias aéreasprincipais. Assim, um dos bordos do cisto contacta as viasáreas, sendo o local mais frequente a região adjacente àtraqueia inferior ou brônquios principais proximais.Embora o cisto seja estável no tamanho, excepto quandoinfecta, pode aumentar de dimensões, desviando asestruturas adjacentes, sobretudo o esófago e o pulmão, masnão as vias aéreas centrais, excepto nas crianças pequenas.O cisto pode conter ar, frequentemente por complicaçãoinfecciosa.A radiografia pulmonar permite o diagnóstico de massapulmonar ou mediastínica, mas a diferenciação ecaracterização da sua natureza sólida ou líquida deveráser efectuada por TC ou RM.A ecografia pode ser utilizada em crianças pequenas,quando a lesão pode ser acedida pelo feixe de ultrassons.A TAC é a técnica standard, revelando massa cística deparedes espessas (com poucos milímetros, se nãocomplicado), moldadas às estruturas broncovascularesadjacentes.Esta moldagem pode configurar o cisto com um aspectopontiagudo. A maioria são uniloculados, podendo noentanto, ter aspecto multilocular.Os achados em TAC são característicos quando a lesãoexprime densidade de água.Quando se observa uma densidade de tecidos moles, adiferenciação entre cisto, nódulo linfático ou lesão sólidaé dificultada. Estas densidades altas poderão reflectir umconteúdo proteico, por infecção ou hemorragia ou, em raroscasos conteúdo leitoso de cálcio.A RM pode ser utilizada no diagnóstico de cistobroncogénico, embora pareça não apresentar vantagensespeciais em relação à TAC.

Enfisema Lobar Congénito

Esta malformação pulmonar apresenta-se com umahiperinsuflação de um lobo, por vezes de dois, porobstrução brônquica. Esta obstrução, pensa-se ter comoetiologia uma forma de aplasia, hipoplasia ou displasiadas estruturas de suporte brônquicas, que funcione comoum mecanismo de válvula. Contudo, a causa exacta não éclara em cerca de 50% dos casos.O lobo mais frequentemente afectado é o lobo superioresquerdo, seguido pelo lobo médioO termo “enfisema” não é usado correctamente, uma vezque não é observada destruição das paredes alveolares.Esta patologia associa-se a outras anomalias,nomeadamente, a malformações cardíacas congénitas.(Fig. 8)A maioria dos casos de Enfisema Lobar Congénitomanifesta-se no período neonatal com stress respiratório,que pode mesmo ser fatal.Myers descreveu três tipos clínicos da patologia:• Tipo I: sintomático na infância;• Tipo II: sintomático na infância tardia;• Tipo III: achado acidental.

Fig. 7 - Cisto broncogénico- visualiza-se massa hipodensa, adjacenteao hilo direito.

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Conclusão

A radiologia continua uma especialidade em expansão,sendo em muitos casos indispensável no diagnóstico deentidades clínicas estudadas por várias especialidadesmédicas. Também no caso das malformações pulmonarescongénitas assume um papel importante, conformeobservamos.

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A Radiologia permite o diagnóstico, desempenhando aradiografia pulmonar e a TAC torácica um papelfundamental na sua aquisição.O achado radiográfico mais comum é a hiperinsuflaçãode um lobo ou segmento isolado de um pulmão, usualmenteum lobo superior ou médio. Este lobo expandido podeoriginar atlectasias de compressão, desvio do mediastinoe da hemicúpula diafragmática. Estes achados obrigam aodiagnóstico diferencial com pneumotorax e com cistopulmonar expansivo. Uma observação atenta doparênquima pulmonar afectado, revela a existência devasos sanguíneos no caso de enfisema lobar.(Fig. 9)

Fig. 9 - Enfisema lobar congénito- Observa-se em localização típica(LSE), lobo opaco e homogéneo, contendo fluidos fetais.

Em alguns casos, o lobo afectado encontra-se distendidocom líquido, pensando-se resultar de líquido amnióticopreso a montante de uma obstrução brônquica.Radiograficamente, comporta-se como uma massa comdensidade líquida, de carácter expansivo. Se o líquidodrenar, transforma-se na forma convencional de enfisemalobar congénito, podendo assumir níveis hidroaéreos antesda drenagem completa e um padrão reticular difuso querepresenta vasos linfáticos distendidos.(Fig. 10)Embora o diagnóstico muitas vezes seja feito através daclínica e da radiografia pulmonar, a TAC confirma a suapresença e permite a avaliação dos achados associados.

Fig. 8 - Peça operatória de Enfisema lobar congénito.

Fig. 10 - Enfisema lobar congénito, TC- observa-se hiperinsuflação lobarcom herniação contralateral, compressão e desvio das estruturasadjacentes.

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Correspondência

Madalena PimentaRua da Mainça 127, 3º esq4465-197 S. Mamede [email protected]