artigo de atualizaÇÃo/ updating...

4
COLUNA/COLUMNA. 2006;6(2):111-114 Osteotomia transpedicular nas deformidades pós-traumáticas da coluna Transpedicular osteotomy in post-traumatic spinal deformities Osteotomia transpedicular en las deformidades posttraumática de la columna ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO/UPDATING ARTICLE 1 Serviço de Ortopedia, Hospital de São João, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal. 2 Service d’Orthopédie et Traumatologie, Hôpital de la Pitié-Salpétrière - Paris. Recebido: 02/03/2006 - Aprovado: 04/01/2007 Nuno Neves 1 Jean-Yves Lazennec 2 Marc-Antoine Rousseau 2 Gérard Saillant 2 RESUMO As deformidades tardias acompanhadas de dor e ocasionalmente compromisso neurológico são uma complicação conhe- cida das fracturas toraco-lombares, apesar da melhoria dos métodos de tratamento. Contudo, são escassas as publicações referentes ao problema específico destas deformidades e ainda menos as referências à utilização da osteotomia transpedicular de encerra- mento nesta situação. Como conse- quência, não há um consenso quanto ao melhor tratamento para este pro- blema.Os autores apresentam a técnica cirúrgica da osteotomia transpedicular de encerramento no quadro das defor- midades pós-traumáticas e discutem as respectivas indicações, complicações e resultados esperados. DESCRITORES: Traumatismos da coluna vertebral/terapia; Osteotomia/métodos ABSTRACT Late deformities resulting in pain and occasionally neural compromise are a known sequela to thoracolumbar fractures. However, there are few reports addressing the specific problem of these deformities, and even fewer reporting on closing wedge osteotomies for this purpose. As a result there is no consensus as to the best management for this situation. The authors present the surgical technique of closing wedge osteotomy for post-traumatic deformities and discuss its indications, complications and expected results. KEYWORDS: Spinal injuries/ therapy; Osteotomy/methods RESUMEN Las deformidades tardías acompañadas de dolor y ocasionalmente de compromiso neurológico son una complicación conocida de las fracturas toracolumbares, a pesar de la mejora en los métodos de tratamiento. Por eso son escasas las publicaciones referentes al proble- ma específico de estas deformidades y aún mucho más, las referentes a la utilización de la osteotomía transpe- dicular de cierre en esta situación. Como consecuencia, no hay un consenso en cuanto al mejor tratamiento para este problema. Los autores presentan una técnica quirúrgica de osteotomía transpedicular de cierre en el cuadro de las deformidades postraumáticas, además de discutir las respectivas indicaciones, complicaciones y resul- tados esperados. DESCRIPTORES: Traumatismos vertebrales/terapía; Osteotomía/métodos 11_osteotomia_final.pmd 15/6/2007, 14:44 111

Upload: vukhuong

Post on 14-May-2018

216 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

111

COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):13-18COLUNA/COLUMNA. 2006;6(2):111-114

Osteotomia transpedicular nas deformidadespós-traumáticas da coluna

Transpedicular osteotomy in post-traumatic spinal deformities

Osteotomia transpedicular en las deformidadesposttraumática de la columna

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO/UPDATING ARTICLE

1Serviço de Ortopedia, Hospital de São João, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Portugal.2Service d’Orthopédie et Traumatologie, Hôpital de la Pitié-Salpétrière - Paris.

Recebido: 02/03/2006 - Aprovado: 04/01/2007

Nuno Neves1

Jean-Yves Lazennec2

Marc-Antoine Rousseau2

Gérard Saillant2

RESUMOAs deformidades tardias acompanhadasde dor e ocasionalmente compromissoneurológico são uma complicação conhe-cida das fracturas toraco-lombares,apesar da melhoria dos métodos detratamento. Contudo, são escassas aspublicações referentes ao problemaespecífico destas deformidades e aindamenos as referências à utilização daosteotomia transpedicular de encerra-mento nesta situação. Como conse-quência, não há um consenso quantoao melhor tratamento para este pro-blema.Os autores apresentam a técnicacirúrgica da osteotomia transpedicularde encerramento no quadro das defor-midades pós-traumáticas e discutem asrespectivas indicações, complicaçõese resultados esperados.

DESCRITORES: Traumatismos dacoluna vertebral/terapia;Osteotomia/métodos

ABSTRACTLate deformities resulting in pain andoccasionally neural compromise are aknown sequela to thoracolumbarfractures. However, there are fewreports addressing the specific problemof these deformities, and even fewerreporting on closing wedge osteotomiesfor this purpose. As a result there is noconsensus as to the best managementfor this situation. The authors presentthe surgical technique of closing wedgeosteotomy for post-traumatic deformitiesand discuss its indications, complicationsand expected results.

KEYWORDS: Spinal injuries/therapy; Osteotomy/methods

RESUMENLas deformidades tardías acompañadasde dolor y ocasionalmente de compromisoneurológico son una complicaciónconocida de las fracturas toracolumbares,a pesar de la mejora en los métodosde tratamiento. Por eso son escasaslas publicaciones referentes al proble-ma específico de estas deformidades yaún mucho más, las referentes a lautilización de la osteotomía transpe-dicular de cierre en esta situación.Como consecuencia, no hay un consensoen cuanto al mejor tratamiento paraeste problema. Los autores presentanuna técnica quirúrgica de osteotomíatranspedicular de cierre en el cuadrode las deformidades postraumáticas,además de discutir las respectivasindicaciones, complicaciones y resul-tados esperados.

DESCRIPTORES: Traumatismosvertebrales/terapía;Osteotomía/métodos

11_osteotomia_final.pmd 15/6/2007, 14:44111

112

COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):13-18COLUNA/COLUMNA. 2006;6(2):111-114

INTRODUÇÃOAs deformidades tardiasacompanhadas de dor eocasionalmente compromissoneurológico são uma com-plicação conhecida dasfracturas toraco-lombares,apesar da melhoria dos mé-todos de tratamento. Apresença de uma cifose curta,de ângulo agudo e croni-camente incapacitante égeralmente reconhecida comoum falhanço do tratamentoinicial1-2. Tratar estas defor-midades representa um desafio para ocirurgião. Os objectivos desta operação são:correcção da deformidade, estabilização,alívio da dor local e melhoria da funçãoneurológica3. Desde a descrição original daosteotomia da coluna por Smith-Petersen4,várias técnicas têm sido propostas para acorrecção da cifose toraco-lombar, funda-mentalmente no quadro da espondilite an-quilosante. Contudo, são poucas as publi-cações sobre o problema específico das defor-midades curtas, pós-traumáticas, e aindamenos as referências à utilização da osteo-tomia transpedicular de encerramento nestasituação. Como consequência, não há umconsenso quanto ao melhor tratamento paraeste problema5.

Apresentamos a técnica cirúrgica da osteo-tomia transpedicular de encerramento noquadro das deformidades pós-traumáticas,bem como as respectivas indicações, com-plicações e resultados esperados.

Técnica cirúrgicaNa presença de uma deformidade pós-traumáticaincapacitante, os doentes são avaliados radiograficamenteem face e perfil para a determinação do balanço coronal esagital. Ao contrário do que acontece nas deformidades dasdoenças inflamatórias, as curvas são cifoses agudas envol-vendo um número restrito de segmentos. Por conseguinte éútil a utilização da designada angulação regional traumática6.Este valor obtém-se retirando à cifose regional medida ovalor médio esperado para o segmento em causa, segundoos perfis obtidos por Stagnara7 (Figura 1). Desta forma temoso valor da correcção a obter.

Todos os pacientes com défices neurológicos incom-pletos ou sem alterações neurológicas são submetidos a umaangiografia pré-operatória para determinação da vas-cularização espinhal inferior. A presença de uma artéria deAdamkiewicz na proximidade da zona de correcção nãoimpede a cirurgia, mas obriga a ponderar criteriosamente

os riscos e a obedecer a uma técnica cuidadosa. O pacienteé colocado em decúbito ventral em mesa ortopédica de Judetpara uma abordagem posterior, centrada sobre o ápice dadeformidade. O primeiro passo consiste na implantação deparafusos pediculares nos níveis adjacentes (Figuras 2-A e3-A). Segue-se a laminectomia, acompanhada sistemati-camente de pediculectomia, artrectomia superior e ressecçãodas apófises transversas (Figuras 2-B e 3-B). Por via trans-pedicular o corpo vertebral é esvaziado com o auxílio deuma cureta e, de seguida, a sua parede posterior é impactadapara o seu interior (Figuras 2-C e 3-C). Nesta fase é ne-cessário prestar atenção especial para que não fiquem frag-mentos intracanalares livres que poderão constituir factorde conflito.

A perda de altura vertebral, consequente ao traumatismo,diminui o potencial de correcção e torna esta grande

Figura1Angulação regional traumática

Figura2Esquema da correcção cirúrgica

Neves N, Lazennec JY, Rousseau MA, Saillant G

11_osteotomia_final.pmd 15/6/2007, 14:44112

113

COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):13-18COLUNA/COLUMNA. 2006;6(2):111-114

ressecção posterior mandatória, especialmente se énecessária uma correcção assimétrica que permita otratamento de deformidades tanto no plano sagital comocoronal. O nível de ressecção é ajustado de forma a permitirum contacto entre os arcos posteriores adjacentes com boacompressão uma vez encerrada a osteotomia. Para este passoservimo-nos da mesa ortopédica: hiperelevação dosmembros inferiores e translação da parte superior da mesa(Figura 3-D). A elevação dos membros pode ser assimétricatanto no plano vertical como horizontal. Desta forma aredução é progressiva, evitando-se forçar o material;nenhuma força de redução é exercida sobre os parafusospré-implantados. Contudo podem servir de ponto dealavanca para evitar a translação lateral ou anteriorinadvertidas da coluna.

A fixação rígida com placas Domino (Stryker Spine, NJ,USA) permite um ajuste final com aplicação de compressão(Figura 2-D e Figura 3-E). Todo o cuidado deve serempregue para manter uma charneira anterior e evitar assima abertura inadvertida do corpo vertebral que pode ser causade perda de correcção (Figura 2-E). Os pacientes são imobili-zados num colete gessado moldado e progressivamenteverticalizados (Figura 3-F). O seguimento é feito comavaliação radiográfica seriada até à consolidação que ocorrehabitualmente pelos 3 meses. (Figura 4)

DISCUSSÃOO tratamento cirúrgico do desequilíbrio sagital pode serconseguido por várias técnicas envolvendo abordagensanteriores, posteriores ou combinadas1,2,3,8,9,10. A cifose pós-traumática é caracterizada por uma angulação curta e fixa,tornando a estratégia de correcção naturalmente diferentedas longas curvas típicas das doenças inflamatórias. Estadiferença associada ao escasso número de publicações sobreo assunto leva à ausência de consenso quanto à melhorestratégia terapêutica para este problema5.

Pela exigência técnica desta operação deve-se ser par-ticularmente criterioso na selecção dos doentes: desequi-líbrio sagital causando dor incapacitante, particularmente

se acompanhado de compromisso neurológico. Acirurgia deve ser discutida com o paciente apre-sentando realisticamente os resultados esperados eos riscos associados.

São várias as vantagens de uma abordagem ex-clusivamente posterior para a correcção da defor-midade sagital, nomeadamente o facto de se tratarde um único tempo cirúrgico, associado a reduzidamorbilidade, abordagem directa do ápice da defor-midade, criação de forças compressivas ao nível daosteotomia e correcção máxima com um númeromínimo de osteotomias11. Com esta técnica evitam-se complicações vasculares, instabilidade nos pla-nos coronal e sagital causada por abertura anterior,risco de estenose, compressão radicular e tracção12.

A utilização de montagens curtas previne a lesãoinadvertida de níveis saudáveis adjacentes, e, graças

ao contacto perfeito de superfícies amplas de osso esponjosoem compressão e rigidamente estabilizadas, não são de es-perar pseudartroses. Contudo, uma imobilização temporáriaé absolutamente necessária.

As correcções regionais obtidas rondam os 40º conformedemonstram vários artigos sobre o tema1-2,9-10,13-14. Se para atransição toraco-lombar esta correcção será na maioria doscasos suficiente, para os níveis lombares inferiores é muitasvezes necessária uma correcção maior, o que não é possívelcom esta técnica conforme tivemos oportunidade deapresentar previamente15. Resta demonstrar que este déficede correcção possa ter uma tradução clínica que justifique

Figura3Técnica da osteotomia transpedicular

Figura 4Casos clínicos. A- Correcção de 29º; B- Correcção de 49º

Osteotomia transpedicular nas deformidades pós-traumáticas da coluna

11_osteotomia_final.pmd 15/6/2007, 14:44113

114

COLUNA/COLUMNA. 2006;5(1):13-18COLUNA/COLUMNA. 2006;6(2):111-114

intervenções mais agressivas. Dificuldades de cicatrização ouinfecções locais são possíveis, particularmente em face de lesõesneurológicas completas, mas desde que se siga uma técnicameticulosa não são de esperar complicações vasculares ouneurológicas de novo.

CONCLUSÃOA osteotomia transpedicular no tratamento da cifose pós-traumática é um procedimento tecnicamente exigente, contudopermite uma cirurgia eficaz e relativamente segura nas defor-midades da charneira toraco-lombar em que mais não é necessáriodo que a correcção da cifose do corpo vertebral. Pelo contrário,na coluna lombar inferior esta técnica é muitas vezes insuficiente,levando a um flatback residual que pode, contudo ser bemtolerado e aceite, particularmente em pacientes para os quaismúltiplos tempos cirúrgicos não serão aconselháveis.

REFERÊNCIAS1. Gertzbein SD, Harris MB. Wedge

osteotomy for the correction of post-traumatic kyphosis. A new techniqueand a report of three cases. Spine.1992; 17(3):374-9.

2. Wu S, Hwa SY, Lin LC, Pai WM,Chen PQ, Au MK. Management ofrigid post-traumatic kyphosis. Spine.1996; 21(19):2260-6; discussion 2267.

3. Bohm H, Harms J, Donk R, Zielke K.Correction and stabilization of angularkyphosis. Clin Orthop Relat Res. 1990;(258):56-61.

4. Smith-Petersen MN, Larson CB,Aufranc OE. Osteotomy of the spinefor correction of flexion deformity inrheumatoid arthritis. Clin Orthop RelatRes. 1969; 66: 6-9.

5. Berven SH, Deviren V, Smith JA,Emami A, Hu SS, Bradford DS.Management of fixed sagittal planedeformity: results of the transpedicularwedge resection osteotomy. Spine.2001; 26(18):2036-43.

6. Guigui P, Lassale B, Deburge A.Fractures et luxations récentes durachis dorsal et lombaire de l’adulte.Encycl Med Chir Appareil Locom.1998; 15829-A10.

7. Stagnara P, De Mauroy JC, Dran G,Gonon GP, Costanzo G, Dimnet J,Pasquet A. Reciprocal angulation ofvertebral bodies in a sagittal plane:approach to references for theevaluation of kyphosis and lordosis.Spine. 1982; 7(4):335-42.

8. Jodoin A, Gillet P, Dupuis PR,Maurais G. Surgical treatment of post-traumatic kyphosis: a report of 16cases. Can J Surg. 1989; 32(1):36-42.

9. Lehmer SM, Keppler L, Biscup RS,Enker P, Miller SD, Steffee AD.Posterior transvertebral osteotomy foradult thoracolumbar kyphosis. Spine.1994; 19(18):2060-7.

10. Suk SI, Kim JH, Lee SM, Chung ER,Lee JH. Anterior-posterior surgeryversus posterior closing wedgeosteotomy in posttraumatic kyphosiswith neurologic compromisedosteoporotic fracture. Spine. 2003;28(18):2170-5.

11. Schufflebarger HL, Clark CE.Thoracolumbar osteotomy forpostsurgical sagittal imbalance. Spine.1992; 17(8 Suppl):S287-90.

12. Lazennec JY, Saillant G, Saidi K,Arafati N, Barabas D, Benazet JP, etal. Surgery of the deformities inankylosing spondylitis: our experienceof lumbar osteotomies in 31 patients.Eur Spine J. 1997; 6(4):222-32.

13. Danisa OA, Turner D, RichardsonWJ. Surgical correction of lumbarkyphotic deformity: posteriorreduction “eggshell” osteotomy. JNeurosurg. 2000; 92(1 Suppl):50-6.

14. Murrey DB, Brigham CD, KiebzakGM, Finger F, Chewning SJ.Transpedicular decompression andpedicle subtraction osteotomy(eggshell procedure): a retrospectivereview of 59 patients. Spine. 2002;27(21):2338-45.

15. Lazennec JY, Neves N, Rousseau MA,Boyer P, Pascal-Mousselard H, SaillantG. Wedge osteotomy for treating post-traumatic kyphosis at thoracolumbarand lumbar levels. J Spinal DisordTech. 2006; 19(7):487-94.

Correspondência

Nuno Neves

Serviço de Ortopedia –Hospital de São João

Al. Prof. Hernâni Monteiro,

4200 Porto

Portugal

Tel: +351934142782

E-mail: [email protected]

Neves N, Lazennec JY, Rousseau MA, Saillant G

11_osteotomia_final.pmd 15/6/2007, 14:44114