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A FORMAÇÃO DO PROCESSO NAS AÇÕES REIPERSECUTÓRIAS MULTITUDINÁRIAS: A CITAÇÃO DE RÉUS INOMINADOS NA PETIÇÃO INICIAL Adriano Stanley Rocha Souza Mestre e Doutor em Direito Processual pela PUC MINAS, professor de Direito Civil da PUC MINAS e da Faculdade de Direito de Sete Lagoas. Advogado militante. 1. Introdução Constitui regra primeira no estudo do Direito Processual a necessidade da citação válida 1 do réu a fim de que se forme validamente o processo. Afinal, é pela citação que o réu, ou o interessado, é chamado a juízo a fim de se defender (art. 213 do CPC). Os limites da lide são fixados, sobretudo, em razão de dois elementos: do pedido e da delimitação das partes que sofrerão os efeitos da sentença. O primeiro elemento é a causa maior do processo. E o julgador está adstrito a apreciar tão somente aquilo que lhe é pedido, sob pena de sua sentença ser ultra petita, infra petita ou extra petita, padecendo, assim, de nulidade. O segundo elemento é condição sine qua non para a formação e desenvolvimento regular do processo. Com a citação válida, estabiliza-se o processo, delimitando-se os sujeitos que sofrerão os efeitos da sentença. Ora. Se o processo é fenômeno dialético, que pressupõe a faculdade de alguém em pleitear um direito que lhe é 1 Chamamos de citação válida aquela citação que é feita sem qualquer vício ou inobservância às prescrições legais, que possa gerar a nulidade do processo. Ex.: a citação de quem não é parte, a citação pessoal de quem não possui capacidade processual (incapazes), a ausência de citação, etc.

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Page 1: Artigo - Citação nas Ações Multitudinárias

A FORMAÇÃO DO PROCESSO NAS AÇÕES REIPERSECUTÓRIAS MULTITUDINÁRIAS: A CITAÇÃO DE RÉUS INOMINADOS NA

PETIÇÃO INICIAL

Adriano Stanley Rocha SouzaMestre e Doutor em Direito Processual pela PUC

MINAS, professor de Direito Civil da PUC MINAS e da Faculdade de Direito de Sete Lagoas. Advogado militante.

1. Introdução

Constitui regra primeira no estudo do Direito Processual a

necessidade da citação válida1 do réu a fim de que se forme validamente

o processo. Afinal, é pela citação que o réu, ou o interessado, é

chamado a juízo a fim de se defender (art. 213 do CPC).

Os limites da lide são fixados, sobretudo, em razão de dois

elementos: do pedido e da delimitação das partes que sofrerão os

efeitos da sentença. O primeiro elemento é a causa maior do processo.

E o julgador está adstrito a apreciar tão somente aquilo que lhe é

pedido, sob pena de sua sentença ser ultra petita, infra petita ou extra

petita, padecendo, assim, de nulidade.

O segundo elemento é condição sine qua non para a

formação e desenvolvimento regular do processo. Com a citação válida,

estabiliza-se o processo, delimitando-se os sujeitos que sofrerão os

efeitos da sentença. Ora. Se o processo é fenômeno dialético, que

pressupõe a faculdade de alguém em pleitear um direito que lhe é 1 Chamamos de citação válida aquela citação que é feita sem qualquer vício ou inobservância às prescrições legais, que possa gerar a nulidade do processo. Ex.: a citação de quem não é parte, a citação pessoal de quem não possui capacidade processual (incapazes), a ausência de citação, etc.

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garantido pelo ordenamento jurídico e, de outro lado, a obrigação de

outrem em respeitar este direito pleiteado, então, é necessário que as

partes envolvidas neste processo sejam devidamente identificadas e

qualificadas a fim de se determinar de modo preciso quem sofrerá os

efeitos da sentença. Sem tal identificação, todo o trabalho processual se

perde, em razão de ser considerado como nulo. Isto porque, a citação é

a “porta de entrada” do réu na instauração da relação processual. É o

seu convite a exercer o seu direito, constitucionalmente assegurado: o

contraditório.

2. Destinatário da petição inicial

Em regra, a citação deve ser feita pessoalmente ao réu, ou a

seu procurador legalmente autorizado (art. 215 do CPC).

Entretanto, há situações em que a citação pessoal do réu

não se faz possível. Esta impossibilidade pode se dar por diversos

motivos: o réu encontra-se em local ignorado, ou por tratar-se de réu

desconhecido ou incerto, ou mesmo porque são vários os réus e não é

possível ao autor individualizar de forma precisa, já em sua petição

inicial, a quem os atos judiciais deverão ser dirigidos. Esta última

hipótese é o objeto de nossos estudos no presente trabalho.

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2.1. Réu desconhecido ou incerto. Exceção à regra da citação pessoal. A Citação por edital (citação ficta).

Assim dispõe o artigo 231 do Código de Processo Civil:

Art. 231. Far-se-á a citação por edital:I – quando desconhecido ou incerto o réu;II – quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar;III – nos casos expressos em lei.

O inciso I do artigo 231 do CPC faz uso da expressão “réu

desconhecido ou ignorado”. O que vem a significar tal expressão, enfim?

Em precioso artigo escrito na REVISTA DE PROCESSO2,

SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA foi muito feliz em assim conceituar tal

expressão:

“Incerto é o réu nas situações jurídicas difusas, abstratas ou não personalizadas. Desconhecido quando, embora subjetivada a respectiva posição, não se definiu qual seu titular. O conceito de réu desconhecido, como se vê, é técnico-jurídico, e não o vulgar. O autor não poderia mover ação de indenização contra o causador de um dano e dizer que o desconhece, não sabendo se é gordo ou magro, alto ou baixo, homem ou mulher”

O desconhecimento ou a incerteza quanto à pessoa que

deva figurar no pólo passivo de uma demanda, a que alude o artigo 231,

2 “Ação Possessória contra Réu Inominado” – in Revista de Processo – vol. 94. São Paulo. 2000. p.132

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I do CPC portanto, não estão ligados ao fato de o autor, diante de uma

situação em que se depara com várias pessoas a quem gostaria que

fossem todos atingidos pela tutela jurisdicional perseguida, não sabe,

contudo, a quem deva citar.

Por exemplo: o fazendeiro que teve suas terras invadidas por

um grupo de posseiros. Este fazendeiro almeja à reintegração da posse

de suas terras. Este pedido de reintegração deverá recair sobre todos

aqueles posseiros. Não basta que recaia apenas sobre alguns destes,

uma vez que, aqueles que não integraram a lide não poderão sofrer os

efeitos da sentença. Não obstante, nesta situação, apesar de o

fazendeiro não saber a quem deva mandar citar, não se pode dizer que

o réu, nesta demanda, seja desconhecido ou incerto. Neste caso, as

pessoas a que deverão ser dirigidos os atos judiciais são certas e

conhecidas. O que não é possível, sim, é individualizar a todos de

maneira precisa, a fim de dar obediência ao que preceitua o artigo 215

do CPC. Daí não estar tecnicamente correto se lançar mão da citação

editalícia neste caso.

Como já tivemos a oportunidade de observar pelo artigo

acima citado, a expressão “réu desconhecido ou incerto” não está

tratando como equivalentes as duas situações ali mencionados

(desconhecimento/incerteza). A partícula “OU” utilizada pelo legislador

no artigo 231,I do CPC não tem a intenção de dar àquelas expressões o

sentido de sinônimas. Ao contrário disto, tal partícula quer destacar a

existência de duas situações distintas em que o réu poderá ser citado

por edital: quando o réu for desconhecido “OU” quando o réu for incerto.

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Para efeitos jurídicos, considera-se DESCONHECIDO o réu

ou terceiro interessado cuja identidade não se pode precisar, muito

embora a relação jurídica seja perfeitamente subjetivada. É o que

ocorre, por exemplo, nas causas que versam sobre usucapião, falência,

insolvência, etc.

Por outro lado, “incerto é o réu nas relações difusas,

abstratas ou não personalizadas”3. Em outras palavras: incerto é o réu

de cuja existência não tem menor idéia o autor: de quem poderia ser; de

quantos poderiam ser, etc. É o que ocorre, por exemplo, “quando a ação

é proposta contra espólio, herdeiros ou sucessores, já que às vezes o

autor não terá condições de descobrir quem são as pessoas que

sucederam o de cujus”4. Se é que as há.

2.2. Pluralidade de réus que, embora conhecidos, não podem ser satisfatoriamente individualizados na petição inicial.

Diante de tudo o que foi dito até então, percebemos que as

situações previstas pelo artigo 231, I do Código de Processo Civil, que

permitem a citação editalícia do réu ou de terceiros interessados, são

situações limitadíssimas em que: 1. ou o autor, embora tenha

informações de quem possa ser a pessoa que deva figurar no pólo

passivo de sua demanda, não tem condições de citá-la pessoalmente

ou; 2. o autor sequer tem conhecimento exato de sua existência.

Pela própria peculiaridade da citação editalícia, que quebra

de forma excepcionalíssima o princípio de que a citação deva ser feita 3 Op. cit4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. V. 01. Rio de Janeiro. Forense. 2001. P.233

Page 6: Artigo - Citação nas Ações Multitudinárias

pessoalmente ao réu ou a terceiros interessados (art. 215 do CPC), tal

procedimento não pode ser aplicado de forma analógica em qualquer

situação em que a citação dos interessados for complexa ou apresentar

outras dificuldades que não aquelas já previstas no artigo 231, I do CPC.

É o caso, por exemplo, da hipótese acima aventada, em que

um fazendeiro tem a sua fazenda tomada por um grupo de posseiros.

Neste caso, poderíamos dizer que os réus são

desconhecidos, nos termos propostos pelo artigo 231, I do CPC?

Evidentemente que não. O fazendeiro sabe perfeitamente quem são os

invasores de suas terras. Eventualmente, o fazendeiro pode até mesmo

conhecer alguns pelo próprio nome. Entretanto, é impossível conhecer a

todos, haja vista o grande número de invasores que há no local. Não há

que se falar, portanto, em réus desconhecidos.

Muito menos ainda, poderíamos dizer que os réus são

incertos. Ora. Eles estão ali. A certeza de sua existência é facilmente

comprovada. O que lhes falta é a devida IDENTIFICAÇÃO. Neste caso,

portanto, tal falta não pode ser suprida pela citação editalícia, uma vez

que esta forma de citação não prevê tal hipótese, não podendo, assim,

ser aplicada por analogia, sob pena de trazer prejuízos irreversíveis aos

interessados no feito.

Da mesma forma, não é possível proceder com a citação

pessoal dos réus, como recomenda o artigo 215 do Código de Processo

Civil, já que o autor não tem condições de identificar a todos.

Como deveria, então, dar-se a citação dos réus e terceiros

interessados em hipóteses como estas?

Page 7: Artigo - Citação nas Ações Multitudinárias

3. As regras e as suas respectivas exceções no Código de Processo Civil brasileiro.

No estudo do ordenamento jurídico pátrio, podemos verificar

que em diversas passagens o nosso Código de Processo Civil prevê

situações excepcionalíssimas, onde é admitida a quebra de algumas

regras processuais.

Vejamos, por exemplo, o que ocorre em relação ao pedido: o

artigo 286 do CPC na primeira parte de seu caput, estabelece que “o

pedido deve ser certo ou determinado”. Entretanto, na segunda parte

deste mesmo caput, o próprio legislador se ocupa em prever algumas

situações em que a regra do pedido certo e determinado pode ser

quebrada, podendo o autor, assim, apresentar pedido genérico:

Art. 286. (...) É LÍCITO, PORÉM, FORMULAR PEDIDO GENÉRICO (quando):I - nas ações universais, se não puder o autor individuar na petição os bens demandados;II - quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato ilícito;III - quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu (grifos e destaques nossos).

No que tange, portanto, ao pedido, o próprio legislador

percebeu a possibilidade de, em alguns casos, o autor não ter condições

de fazer o seu pedido de forma certa ou determinada. Em sendo assim,

se não lhe fosse dado o direito de fazer pedido genérico, seguramente,

Page 8: Artigo - Citação nas Ações Multitudinárias

o pedido do autor não seria adequado a lhe garantir a tutela jurisdicional

esperada. Isto porque, há mesmo impossibilidade material de se prever

quais os procedimentos deverão ser suportados pelo réu a fim de que se

proceda a restitutio in integrum ao autor.

É o caso, por exemplo, daquele pai que procura um

advogado a fim de pedir providências jurídicas contra um hospital que,

durante o trabalho de parto de sua mulher, causa lesões na criança que

está nascendo.

Ora. As seqüelas que restarão a esta criança são

imprevisíveis. Não existe a possibilidade, portanto, de se fazer um

pedido certo e determinado sobre algo cujas conseqüências do ato ou

do fato ilícito ainda não são possíveis de serem determinadas (art. 286,

II do CPC).

O autor não possui condições materiais para se fazer um

pedido certo ou determinado. Somente com o decorrer do tempo as

conseqüências daquele ato ganharão corpo. Portanto, quanto mais

genérico for o seu pedido, maiores serão as chances de o autor ter os

seus prejuízos (ou seus traumas) diminuídos.

Neste exemplo, então, um pedido do autor no sentido de o

juiz condenar o hospital a arcar com todas as despesas fisioterápicas,

ortopédicas e psicológicas (atuais e futuras) necessárias à plena cura da

criança, seria um pedido genérico hábil a garantir ao autor uma

satisfação que, seguramente, se aproximaria mais de suas expectativas.

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Uma outra exceção prevista em nosso Código de Processo

Civil é a exceção à regra de que os atos processuais realizam-se na

sede do juízo (no edifício do fórum).

O artigo 176 do Código de Processo Civil assim preceitua:

Art. 176 - Os atos processuais realizam-se DE ORDINÁRIO NA SEDE DO JUÍZO . PODEM, TODAVIA, EFETUAR-SE EM OUTRO LUGAR, em razão de deferência, de interesse da justiça, ou de obstáculo argüido pelo interessado e acolhido pelo juiz (grifos nossos).

O legislador foi de grande sensibilidade ao prever a

possibilidade da ocorrência de algum obstáculo às partes que,

eventualmente, possa vir a impedi-las de comparecer no edifício sede

do juízo para a realização de algum ato judicial.

Ordinariamente, as audiências realizam-se no fórum. É ali

que se dá, por exemplo, a oitiva das testemunhas. De ordinário, é

também ali que as provas deverão ser produzidas.

Contudo, não são poucas as situações que podem ocorrer

na vida de qualquer das partes, provocando a impossibilidade de seu

comparecimento no fórum. É o caso, por exemplo, de testemunha

essencial ao feito, na busca da verdade real, que encontra-se acamada

(art. 410, III do CPC). Ou de interditando incapaz de locomover-se ou de

ser conduzido à presença do juiz (art. 1.181 do CPC).

Aqui vale lembrar ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS5,

quando diz:5 SANTOS, Ernande Fidélis dos. “Manual de Direito Processual Civil”. São Paulo. Ed. Saraiva. 2001. P.231.

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“(...) O motivo relevante deve ser examinado, criteriosamente, pelo juiz, sem, contudo, ater-se a excesso de rigor. Perfeitamente desculpável a uma mãe a recusa de passar pela rua do fórum, onde o filho fora fatalmente atropelado”.

Nestes casos, obviamente, não faria o menor sentido ater-se

ao rigorismo de buscar a todo custo a realização daqueles atos no

prédio do fórum a custa de sacrifício para as partes ou suas

testemunhas. O que fez o legislador, então, foi viabilizar a realização

daqueles atos através de um tratamento excepcional aos casos dotados

de situações excepcionais. É o uso do bom senso, que deve reger as

atitudes de qualquer aplicador do Direito, em substituição ao apego

exagerado à norma, chegando a prejudicar (ou até mesma inviabilizar) o

direito daquele que busca socorro no Poder Judiciário.

Ora. Excepcional também é a situação em que o proprietário

ou o possuidor de uma gleba de terra tem o seu imóvel tomado por

tantas pessoas, que a identificação precisa de cada uma delas se torna

praticamente impossível.

Já pudemos perceber, por tudo o que foi acima exposto, que

se a citação pessoal dos réus, neste caso, não é possível, a citação

editalícia também não é a adequada. Isto porque, os réus não são

desconhecidos. Muito menos incertos. Portanto, aplicar a forma

editalícia para citar os réus em casos como este, data maxima venia,

configura erro grave de forma. Seria o mesmo que calçar os pés com

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um sapato pequeno e desconfortável sob o pretexto de que “na falta de

outro melhor, este já serve”.

É bem verdade que o nosso Código de Processo Civil não

conta, como este estudo vem demonstrar, com nenhuma disposição que

venha se enquadrar nesta hipótese. E nem deve ser esta a pretensão do

legislador: criar uma norma para cada evento ou cada fato que possa vir

a acontecer em nossas vidas. Se fosse assim, não bastaria este mundo

para guardar tantas normas, tantos códigos, etc.

O que propomos, então?

4. Sugestão para a citação de réus conhecidos, certos, mas de difícil identificação

Não pode o julgador, a pretexto de que o réu deva ser citado

pessoalmente, indeferir aquela petição inicial cujos réus não estejam

satisfatoriamente identificados, por impossibilidade absoluta de fazê-lo o

autor.

Não agiria com acerto também o julgador que exigisse a

citação editalícia destes réus. Ali não há réus desconhecidos nem

incertos.

O que propomos, então, é que em situações excepcionais

como a acima descrita, os nossos juízes abram exceção ao requisito

exigido pelo artigo 282, II do CPC.

Ora. Por que não admitir então que, em casos como aquele,

a petição inicial, ao invés de qualificar os réus (o que de resto se tornara

impossível), identifique com precisão a área sobre a qual se pede a

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proteção possessória e o oficial, no cumprimento do mandado de

citação, se incumba de qualificar todas as pessoas que ali se

encontrarem e que por ele forem citadas?

É de se notar que, em casos em que os réus não podem ser

precisamente identificados pelo autor em sua inicial, face ao grande

número daqueles, a citação é justamente o meio que o julgador da

causa possui para que tal falha seja suprida.

Neste momento, o julgador expediria mandado de citação

determinando ao senhor oficial de justiça que, à medida que fosse

procedida a citação de cada um dos ocupantes daquela área, o próprio

meirinho procedesse com a individualização dos réus.

Em qualquer situação, é obrigação processual do autor

indicar de forma precisa o objeto de sua demanda. Entretanto, em

situações como a discutida neste trabalho, tal obrigação por parte do

autor se fará ainda mais rigorosa, em se acatando a sugestão acima

lançada. Isto porque, já que os réus não podem ser satisfatoriamente

identificados pelo próprio autor em sua inicial, restando-o tão somente a

referência da área por aqueles ocupada; e não tendo o julgador, então,

outro meio para individualizar os réus, a perfeita descrição da coisa

litigiosa é que possibilitará ao oficial de justiça que este proceda com a

identificação de todas as pessoas que estejam ocupando a área descrita

pelo autor. Pessoas estas que, forçosamente, deverão ser por ele

citadas.

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Nem se argumente que tal sugestão seria inviável, porque

implicaria em sacrifício enorme para o oficial de justiça a identificação de

cada uma das partes que estiverem ocupando aquela área.

Ora. Se para o oficial de justiça (que como auxiliar do juízo

conta com o poder de polícia para a realização de seus atos) esta

empreitada é custosa, o que dizer, então, do que representaria cobrar

do procurador do autor a identificação de cada um dos réus? Tal

empreitada seria mesmo impossível, já que o advogado não conta com

as prerrogativas dos serventuários de justiça.

Comunga deste nosso pensamento o professor SÉRGIO

SÉRVULO DA CUNHA6:

“Requisito de toda inicial é também o requerimento para a citação do réu (art. 282, VII, CPC). Se o autor não individuou o réu, nem por isso está dispensado de requerer sua citação. Portanto, deve oferecer ao juízo todas as indicações necessá­rias para fazer-se a citação e identificar-se, nesse ato, a pessoa apontada como ré. Embora seja inadmissível ação reipersecutória sem a perfeita descrição da coisa, esse requisito de procedibilidade cresce em importância quando não foram identifi­cados os réus. Ao realizar a citação, cabe ao oficial de justiça suprir a omissão da inicial, reconhecendo os réus a partir do seu vínculo com a coisa, e identificando-os na certidão”.

Em assim se procedendo, não há o risco do réu argüir em

sua defesa o desrespeito ao princípio do contraditório, como ocorre

6 Op. cit.

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corriqueiramente nos casos de ações reipersecutórias, revestidas das

peculiaridades acima descritas, cuja citação se dá por edital.

Da mesma forma, não fica o autor tolhido de exercer o seu

direito de ação e de defesa de sua propriedade, ou de sua posse, pela

impossibilidade de identificar precisamente em sua inicial o pólo passivo

da demanda.

Não estamos, com tal sugestão, propondo a alteração da

relação processual de AUTOR x RÉU para AUTOR x COISA CUJA

POSSE SE DISPUTA. Ora. Nas palavras daquele mesmo autor, “a

relação processual não se estabelece entre o autor e a área, mas entre

o autor e os que tenham sido citados como ocupantes da área. Se

algum ocupante da área não foi nominado na inicial, nem citado, não

pode sofrer efeito da sentença”.

O que buscamos é, tão somente, adequarmos a exigência da

citação às hipóteses que não podem ser enquadradas corretamente

nem na citação pessoal (art. 215 do CPC), nem na citação editalícia (art.

231 do mesmo diploma).

Page 15: Artigo - Citação nas Ações Multitudinárias

5. Sugestões de reforma do artigo 231 do CPC

Da mesma forma que o nosso Código de Processo Civil

prevê situações excepcionais, em que regras processuais podem ser

suplantadas em benefício da prestação da melhor tutela jurisdicional,

como nos dois exemplos acima citados (pedido genérico e realização

dos atos processuais fora do edifício sede do foro), acreditamos que o

nosso legislador processual poderia, também no campo da citação,

inovar, criando “norma processual em branco”, de modo a recepcionar

outros casos excepcionais que não podem ser enquadrados na forma

da citação por edital.

A criação, por exemplo, de mais dois parágrafos no artigo

231 do CPC, nos seguintes termos:

§ 3°. Sendo conhecidos os réus, mas tendo o autor

dificuldades para identificá-los satisfatoriamente, em razão de sua

quantidade, rotatividade, ou outro motivo qualquer, é lícito que o autor

peça a citação de todos os réus que porventura o oficial de justiça

encontre e que estiverem ligados ao objeto da demanda.

§ 4°. Na ocorrência da hipótese do parágrafo anterior,

caberá ao oficial de justiça, citar o réu e identificá-lo satisfatoriamente

em sua certidão, cabendo ao autor, posteriormente, proceder ao

recolhimento das custas processuais complementares.

Page 16: Artigo - Citação nas Ações Multitudinárias

Salvo melhor juízo, acreditamos que com a criação de tais

dispositivos, estaria sanada, de forma definitiva, a discussão

jurisprudencial da citação por edital em casos de pluralidade de réus em

ações reipersecutórias.

Referências bibliográficas

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