artigo científico - "chaves: como as portas foram abertas" (tiago ferreira bittencourt)

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1 Chaves: como as portas foram abertas Tiago Ferreira Bittencourt RESUMO A linguagem audiovisual utilizada pelo seriado Chaves é o objeto de estudo. Os questionados aspectos técnico e artístico em contraponto com sua popularidade 40 anos depois da estreia edificam a discussão. Para compreender e avaliar os elementos que contribuíram para a disseminação do programa, foi realizada uma pesquisa exploratória e descritiva. Espectadores responderam a um questionário e os resultados foram comparados aos depoimentos de profissionais envolvidos na construção da obra. PALAVRAS-CHAVE: Chaves; audiovisual; seriado; popularidade; televisão. 1. INTRODUÇÃO A linguagem audiovisual utilizada em uma obra define o sucesso ou fracasso dela. Fundir sonoro, visual e verbal e saber trabalhar os seus códigos são tarefas para alcançar um produto final de qualidade. Esta configuração no seriado mexicano Chaves é alvo de questionamentos. Há atores com figurino infantil e cenário confeccionado de isopor, elementos distantes das pirotécnicas produções hollywoodianas ou do glamour das produções europeias. Ainda assim, anos após o fim das gravações, o programa continua com expressivos índices de audiência e retorno financeiro. Como um programa da década de 1970, de um país subdesenvolvido, com roteiro e técnica primários, ganhou popularidade mundial e em faixas etárias distintas? O objetivo deste artigo é identificar os elementos que agradam telespectadores e mantêm o seriado no ar em alguma parte do mundo há mais de 40 anos. Especificamente, pretende verificar o entendimento dos telespectadores de Chaves quanto a utilização de elementos audiovisuais do programa; compreender como os elementos audiovisuais foram empregados e como contribuíram para o mesmo, através também da ótica de profissionais que nele trabalharam.

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Chaves: como as portas foram abertas

Tiago Ferreira Bittencourt

RESUMO

A linguagem audiovisual utilizada pelo seriado Chaves é o objeto de estudo. Os

questionados aspectos técnico e artístico em contraponto com sua popularidade 40 anos depois da estreia edificam a discussão. Para compreender e avaliar os elementos que

contribuíram para a disseminação do programa, foi realizada uma pesquisa exploratória e descritiva. Espectadores responderam a um questionário e os resultados foram comparados aos depoimentos de profissionais envolvidos na construção da obra.

PALAVRAS-CHAVE: Chaves; audiovisual; seriado; popularidade; televisão.

1. INTRODUÇÃO

A linguagem audiovisual utilizada em uma obra define o sucesso ou fracasso

dela. Fundir sonoro, visual e verbal e saber trabalhar os seus códigos são tarefas para

alcançar um produto final de qualidade. Esta configuração no seriado mexicano Chaves

é alvo de questionamentos. Há atores com figurino infantil e cenário confeccionado de

isopor, elementos distantes das pirotécnicas produções hollywoodianas ou do glamour

das produções europeias. Ainda assim, anos após o fim das gravações, o programa

continua com expressivos índices de audiência e retorno financeiro.

Como um programa da década de 1970, de um país subdesenvolvido, com

roteiro e técnica primários, ganhou popularidade mundial e em faixas etárias distintas?

O objetivo deste artigo é identificar os elementos que agradam telespectadores e

mantêm o seriado no ar em alguma parte do mundo há mais de 40 anos.

Especificamente, pretende verificar o entendimento dos telespectadores de Chaves

quanto a utilização de elementos audiovisuais do programa; compreender como os

elementos audiovisuais foram empregados e como contribuíram para o mesmo, através

também da ótica de profissionais que nele trabalharam.

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Para tanto, foi realizada uma pesquisa exploratória e descritiva, contendo revisão

bibliográfica, entrevistas e aplicação de questionário (anexo I) em sites relacionados ao

seriado. Os resultados foram analisados e confrontados a depoimentos de profissionais

abarcados no processo de produção de Chaves.

2. PEÇAS-CHAVES: ELEMENTOS AUDIOVISUAIS

Em narrativas ficcionais, diversos elementos são agrupados para compor o

produto final consumido pelo público. É impossível pensar no roteiro e não descrever o

figurino; utilizar a linguagem adequada, mas com um cenário que não contextualize; ou

quando a qualificação do ator é superior a complexidade proposta pelo personagem e

vice-versa.

Alguns elementos audiovisuais ficam mais evidentes, outros fazem parte do

arranjo, mas passam despercebidos individualmente, explicitando a forma harmoniosa

que a produção deve trabalhar os diversos aspectos. Foram destacados e discutidos neste

artigo os elementos mais perceptíveis ao público médio.

Primeiro, é importante entender o que é um roteiro, afinal nele está a obra

audiovisual em forma de texto. Contém personagens, diálogos, ações, cenários,

figurinos etc. De acordo com Comparato (1983, p. 15), três são as qualidades que um

roteiro deve ter:

LOGOS é a palavra, o discurso, a forma que daremos. É a organização verbal de um roteiro, sua estrutura geral. PATHOS é o drama, o drama humano. Portanto, é a vida, a ação, o conflito do dia-a-dia gerando acontecimentos. Mesmo na comédia temos o pathos do humor. ETHOS é a ética, a moral. É o significado da estória, suas implicações morais, políticas etc. É o conteúdo do trabalho, o que se quer dizer com ele.

Dentro desta constituição, a linguagem utilizada é basilar na concepção da

história. Os assuntos tratados e a forma de abordagem são fatores que determinarão a

familiaridade e/ou a frequência do público. Bergson (1983), no seu ensaio sobre a

significação da comicidade, relata situações da linguagem que são causas do riso.

Dentre elas, a repetição, quando uma situação peculiar acontece novamente na história;

e a interferência das séries, quando uma mesma situação é interpretada de duas ou mais

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formas por personagens diferentes. No uso da palavra, há a referência aos defeitos dos

outros e o gesto involuntário ou dizer inconsciente, além do uso de bordões.

Para discutir a construção das figuras dramáticas, vale ressaltar o

questionamento de Field (2001). Qual é a necessidade de um personagem? A

justificativa da sua existência origina-se do objetivo e das relações dentro da história.

Alcançada a resposta, parte-se para a construção. Quanto a isso, Comparato (1983) faz

algumas advertências e, dentre elas, a de que o personagem deve ser real, precisa

evidenciar valores universais e particulares e mostrar suas contradições, para que seja

verossímil.

O personagem precisa do ator para ganhar vida. Neste aspecto, a escolha do

elenco deve ser precisa. “Um intérprete adequado, além de ter as características

desejadas pelo autor, fará aflorar outros lados do personagem, lados obscuros, que só

um ator que compreenda bem o personagem poderá descobrir” (COMPARATO, 1983,

p. 220).

A importância da cenografia está na ambientação e na sensação que causa ao

espectador. Sem um cenário bem construído, perde-se o contextual e são provocadas

falhas na história. De acordo com Nero (2009, p.100),

Na maioria dos casos, a cenografia não se oferece como panaceia de marketing, não vem apenas para ajudar a vender, mas dá sentido ao que se queira dizer: empresta estilo, luz, projeções, cor, humanismo e grandeza. Lembra espaços em muitos estilos, proporciona evocações, desenha movimentos simbólicos, atribui historicidade.

Vale considerar que os elementos não devem ser vistos de forma separada.

Todos têm uma parcela de contribuição para delinear a narrativa. Assim se trata o

figurino. Sobre este recurso, Costa (2002, p. 40) expressa sua importância:

[...] o figurino serve à narrativa ao ajudar a diferenciar (ou tornar semelhante) os personagens, e ajuda a identificar em que arquétipo (ou em que clichê) o personagem se encaixa: seria tão difícil uma femme fatale ter o mesmo efeito sobre a plateia de um filme noir com roupas mais recatadas quanto seria acreditarmos em um super-herói capaz de realizar seus feitos incríveis se os figurinos de ambos os tipos não nos ajudasse a suspender a descrença e transfigurar a imagem do ator em um personagem.

Na discussão da sonoplastia, há a diferenciação entre trilha sonora e música.

Trilha sonora é todo o conjunto de sons de uma obra audiovisual, e nele está incluso a

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música. Tendo como base as classificações de imagens visuais estabelecidas pela

comunicóloga Lúcia Santaella, Carvalho (2007) propôs a diferenciação dos tipos de

sons:

1. Não-representativo: O som não-representativo é predominado pela música. [...] No entanto, é necessário que esta música desperte a atenção para as possibilidades de sentido e qualidades próprias de seus elementos, que são: a melodia, a harmonia, o ritmo, o timbre etc. 2. Figurativo: O som figurativo é predominado pelo efeito sonoro ou som ambiental. Consideraremos efeito sonoro aquele que tem predominância no registro da imagem/ação por sua necessidade de constituir signo e que se referem a um objeto “concreto”. São os sons ambientais, passos, barulhos de motores, de chuva, sinos, ou ainda efeitos produzidos eletrônica ou digitalmente. 3. Representativo: Predominam como representação as vozes, os diálogos entre os personagens, as locuções de um narrador etc. Estas vozes inserem-se num universo híbrido composto pela linguagem verbal e a oralidade.

No som figurativo se incluem as risadas de fundo, a “claque”. Após uma piada, o

efeito sonoro pontua e estimula o telespectador. Outro artifício é a trilha pontuada, ou

mickeymousing, muito utilizada em desenhos animados, em que o som reproduz a ação

de forma menos real e mais poética.

Por fim, um elemento que faz parte do conjunto da obra audiovisual, mas não

originalmente, é a dublagem. Luyken et al (1991, apud Santos, 2013, p. 27) define que

esta “envolve a substituição da fala original por outra voz que tenta acompanhar, na

medida do possível, o tempo, a frase e os movimentos labiais do diálogo original”.

Deve-se acrescentar também a correspondência funcional da linguagem, considerando

as particularidades do idioma receptor. Em resumo, cabe à dublagem a obrigação de não

desviar a atenção do espectador.

3. E O QUE É SERIADO?

É curioso verificar que a procedência das narrativas seriadas audiovisuais

decorre do cinema, no início do século XX. Os filmes eram curtos, pois eram exibidos

em salas sem conforto, chamadas nickelodeons. Esta estratégia da fragmentação e

redução da duração era utilizada para não cansar o público (SADOUL, 1963).

As narrativas seriadas televisivas são norteadas por outras lógicas, por isso há as

classificações. Machado (2005, p. 84) define três formatos básicos de serialização:

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No primeiro caso, temos uma única narrativa (ou várias narrativas entrelaçadas e paralelas) que se sucede mais ou menos linearmente ao longo de todos os capítulos. É o caso dos teledramas, telenovelas e de alguns tipos de séries ou minisséries. No segundo caso, cada emissão é uma história completa e autônoma, com começo, meio e fim, e o que se repete no episódio seguinte são apenas os mesmos personagens principais e uma mesma situação narrativa. [...] É o caso basicamente dos seriados [...]. Nesse tipo de estrutura, ao contrário da modalidade anterior, não há ordem de apresentação dos episódios: pode-se invertê-los ou embaralhá-los aleatoriamente, sem que a situação narrativa se modifique. Finalmente, temos um terceiro tipo de serialização, em que a única coisa que se preserva nos vários episódios é o espírito geral das histórias, ou a temática, mas cada episódio é não apenas uma história completa e diferente das outras, como também são diferentes os personagens, os atores, os cenários e, às vezes, até os roteiristas e diretores.

Na acomodação do conceito de seriado, existe uma retroalimentação da obra

audiovisual. Para quem produz, há o benefício de manter diversos elementos, como

figurinos, cenários e adereços, reduzindo os custos. Para quem assiste, facilita a

assimilação, pois não exige atenção contínua sob risco de perder o fio condutor,

considerando que no espaço doméstico há comuns desvios de foco.

Analisando a característica da programação televisiva, o formato de seriado,

mais palatável, definido por Machado, é adequado à manutenção da audiência. Sob uma

ótica macro, os intervalos comerciais, que em geral viabilizam uma emissora,

fragmentam os programas em blocos, uma natural dispersão de atenção (BALOGH,

2002).

4. ORIGEM E CONTEXTO DE CHAVES

El Chavo del Ocho foi exibido pela primeira vez em 20 de junho de 1971, pela

Televisión Independiente de México. Antes da estreia, no entanto, o autor Roberto

Goméz Bolaños já havia feito uma esquete do personagem-título com Chiquinha e Seu

Madruga, no programa Sabados de la Fortuna (KASCHNER, 2006).

O enredo do seriado retrata a vida de pessoas de baixa renda, moradoras de uma

vila em um subúrbio do México. Os vizinhos se confrontam, mostrando costumes,

princípios e falhas, exacerbando pontos da personalidade. Há aspectos de comédia de

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bordões, de comédia de situação e de pastelão1. Diversas situações traduzem também

uma comédia de erros2.

Kaschner (2006, p. 119-120) reflete sobre a simplicidade da produção, o “erro”,

como perspectiva para a latinidade, tornando a identidade cultural uma marca que

promoveu a popularidade do programa, já que a América Latina continua o principal

polo exibidor.

A estética simplória, beirando o trash sob uma ótica atual [...], bem como o enredo das histórias, calcado constantemente no “pastelão” e em situações esdrúxulas, contrapõem-se às narrativas vitoriosas dos heróis dos EUA, chamando a atenção para a autêntica realidade latino-americana, com todas as suas contradições e problemáticas. A “solucionática” de Chaves é calcada na afirmação de uma identidade latina, muito mais para Seu Madruga do que para Batman.

Para Silveira, Wlinger e Silva (2012), houve influência da conjuntura sócio-

política mexicana na criação do seriado:

[...] ocorre a crise econômica de 1976, que se prolonga até 1982, considerada a Década Perdida. Nessa crise, o peso mexicano foi desvalorizado e, até o ano 2000, era normal ocorrer a desvalorização da moeda e um período de recessão no final de cada mandato presidencial [...]. Observando esse contexto, percebemos como a Televisa, submissa ao governo do PRI

3, usa o programa Chaves para manter a ordem e a

esperança dos menos favorecidos, pois, em 1978, a série passa a ter episódios especiais em Acapulco, em que o elenco já citado demonstra as chances de qualquer cidadão mexicano conhecer o “paraíso”.

No cenário apontado por Renó (2009), no entanto, identifica-se em Chaves

propriedade para subverter este momento histórico, com críticas sociais discretas,

distanciando-se do elo “nocivo” entre o Governo e o veículo de comunicação.

1 Informações do site da Enciclopédia Britânica (Cf. http://global.britannica.com. Acesso em: 07 mai.

2014.).

2 Escrita por Willian Shakespeare, “A comédia dos erros” é uma peça teatral do gênero farsa. A obra

apresenta dois irmãos gêmeos com o mesmo nome – Antífolo -, que causam enganos nas pessoas que

interagem com eles. O apelido de Roberto Gómez Bolaños – Chespirito –, inclusive, é um diminuitivo de

Shakespeare.

3 O Partido Revolucionário Institucional governou o México de 1929 a 2000. Sob acusações de corrupção

e clientelismo, recebia críticas de opositores também por ser um regime paternalista e autoritário, com

medidas repressivas contra a população. (Cf. AFP. Mexicano PRI é partido que governou mais tempo

na América Latina. G1. 2012. Disponível em: <http://www.g1.globo.com/mundo/noticia/2012/07/pri-

do-mexico-o-partido-que-governou-por-mais-tempo-na-america-lat ina.html>. Acesso em: 11 abr. 2014.)

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4.1. OS PERSONAGENS

Chaves (Roberto Goméz Bolaños): Garoto de oito anos, órfão, por vezes passa

fome e costuma se refugiar em um barril no pátio. Usa roupas velhas e gorro. Seus

principais bordões são "isso, isso, isso", "foi sem querer querendo" e "ninguém tem

paciência comigo".

Chiquinha (Maria Antonieta de las Nieves): Filha do Seu Madruga, é a mais

inteligente entre as crianças da vila e engana Chaves e Quico. É baixa, tem sardas e usa

óculos. Seus principais bordões são "pois é, pois é, pois é" e "o que você tem de burro,

você tem de burro".

Quico (Carlos Villagrán): Filho de Dona Florinda, sua marca é as grandes

bochechas e sua roupa é de marinheiro. Tem todos os brinquedos que os amigos

gostariam de ter, mas sua inteligência é baixa. Seus principais bordões são "gentalha,

gentalha!", "cale-se, cale-se, cale-se, você me deixa louco" e "você não vai com a minha

cara?".

Seu Madruga (Ramón Valdés): Suas características mais marcantes são o

bigode e a magreza. Usa camisa escura e calça jeans, mais um velho chapéu pescador.

Eterno desempregado, não paga há 14 meses o aluguel ao Senhor Barriga. É perseguido

por Dona Florinda, que comumente o agride. Seus principais bordões são "quê que foi,

quê que foi, quê que há?" e "só não te dou outra porque...".

Dona Florinda (Florinda Meza): Usa bobes nos cabelos e avental. Só se desfaz

do mau humor pelo seu filho ou quando encontra Professor Girafales, por quem é

apaixonada. Atribui culpa ao Seu Madruga quando Quico chora. Seus principais

bordões são "vamos, Tesouro, não se misture com essa gentalha" e "e da próxima vez,

vá beliscar a sua avó".

Dona Clotilde (Angelines Fernandez): É uma idosa que usa vestido e chapéu

de folhas azuis. As crianças têm medo dela porque acham que é uma bruxa - a “Bruxa

do 71”. É apaixonada pelo Seu Madruga, mas não é recíproco.

Professor Girafales (Rubén Aguirre): Mantém a cartola na cabeça e um

charuto na boca, mesmo para dar aula às crianças. Homem alto e elegante, oferece

buquês a Dona Florinda, por quem é apaixonado, mas não se declara. Os principais

bordões são "tá, tá, tá, tááááá, tá!" (irritado) e "quero saber por que causa, motivo, razão

ou circunstância...".

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Sr. Barriga (Edgar Vivar): Pai de Nhonho (interpretado pelo mesmo ator), é

dono da vila, mas nunca consegue receber os 14 meses de aluguel do Seu Madruga.

Sempre que chega, desatenciosamente Chaves o agride. A obesidade é o mais marcante.

É pai de Nhonho (interpretado pelo mesmo ator). Seus principais bordões são “tinha que

ser o Chaves mesmo!” e "pague o aluguel!".

4.2. DO MÉXICO PARA O MUNDO

Nas primeiras exibições, El Chavo agradou ao público e apresentou índices de

audiência expressivos. Ocupou o primeiro lugar na televisão do México, superando o

Telesistema Mexicano, emissora líder. Com a incorporação da Televisión Independiente

de México ao Telesistema Mexicano em 1973, surgiu a Televisa e foi ampliado o

orçamento do programa (EDITORIAL TELEVISA, 2012).

Neste mesmo ano, houve a distribuição principalmente para a América Latina.

Em outros continentes, Chaves foi transmitido em países como China, Japão, Coréia do

Sul, Tailândia, Marrocos, Grécia, Rússia, Índia, Angola e Itália, com dublagem em 50

idiomas4. Foram cerca de 120 países no total (VALLADARES, 1999). A popularidade de

Chaves foi percebida mundialmente quando alcançou a marca de mais de 350 milhões

de telespectadores a cada semana. No México, em 1975, registraram-se números entre

55 e 60 pontos de audiência (MORENO, 2011).

A conceituada revista americana de economia e negócios Forbes comparou a

audiência de Chaves com a de uma final de campeonato de futebol americano.

[...] 20 anos desde o último episódio original e a comédia não mostra sinais de cansaço, com média de 91 milhões de pessoas que assistem ao programa diariamente em todos os países onde ele é transmitido. Nos Estados Unidos, onde geralmente Chaves consta no top 5 dos programas transmitidos em língua espanhola por TV a cabo, o programa é líder de audiência no gênero sitcom nas faixas etárias de 6 a 11 anos e de 18 a 49 anos no canal a cabo Galavision. Financeiramente, Chaves é igualmente impressionante. Desde que cessou a produção em 1992, estima-se que o programa rendeu à Televisa cerca de US$1,7 bilhão, relativos aos direitos do seriado. [...] A conta não inclui renda de merchandising e outros produtos licenciados fora da televisão, o que gera anualmente pelo menos 24 milhões de dólares para a Televisa [...] (ANTUNES, 2012, tradução nossa).

4 Cf. http://www.chespirito.com. Acesso em: 10 abr. 2014.

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4.3. A CHEGADA AO BRASIL

Em 1981, o comunicador Silvio Santos iniciou as transmissões da TV Studios

(TVS). A tarefa, então, para a precursora do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) era

criar uma programação diversificada (MACHADO, 2000). Desde 1982, a emissora

transmitia produções mexicanas vendidas pela Televisa, de custo mais baixo do que

uma produção própria. Em uma das remessas, chegou o desconhecido “El Chavo del

Ocho”, avaliado pela cúpula do SBT com a dublagem de alguns episódios

(KASCHNER, 2006).

Arlindo Silva (2006, p. 112), jornalista que escreveu a biografia de Silvio Santos

e trabalhou com o apresentador, revelou a sua opinião sobre o seriado nesta época, que

era compartilhada – a parte negativa - pelos outros diretores.

[...] se tratava de um produto barato, sem qualidades em termos de televisão atual, que pecava pela iluminação, pecava nas cores, sempre muito fortes; enfim, percebia-se que o cenário simples da vila era de papelão. Mas comentei que preferia ver minha filha de quatro anos assistindo a esse humor puro, de circo, [...] ao humor que víamos nos Trapalhões, impregnado de erotismo desnecessário.

Rebatizado de “Chaves”, a estreia foi em agosto de 1984, como quadro do

Programa do Bozo. Em 1987, Chaves ganhou horário próprio na emissora, agora SBT.

Em 1988 estreou no horário nobre, entre 20h30 e 21h30 (JOLY; THULER; FRANCO,

2005).

Durante todo o tempo de exibição, Chaves conseguiu feitos sobre a Rede Globo,

como diminuir a audiência do Jornal Nacional, do Globo Esporte e da TV Globinho.

Em 1999, superou em telespectadores a estreia e vários dias posteriores do programa

Mais Você (KASCHNER, 2006). Por isso, o SBT utiliza o seriado como “coringa”, nos

horários em que precisa alavancar a audiência.

5. METODOLOGIA

Foi feita uma pesquisa bibliográfica para conceituar o tipo de narrativa ficcional

na qual se enquadra Chaves, bem como os elementos audiovisuais mais relevantes no

seriado, versando sobre diferentes aspectos artísticos e técnicos da teledramaturgia. A

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fim de levantar a aplicação práticas de tais códigos, foram realizadas entrevistas com

profissionais envolvidos no seriado.

Na etapa seguinte, foi realizada uma pesquisa descritiva, com a aplicação de

questionário (anexo I), com versões em Português e em Espanhol. Os questionários

foram formatados no www.drive.google.com. Os sujeitos da pesquisa deviam participar

de algum dos cinco fóruns sobre Chaves pré-selecionados na internet, sendo dois

brasileiros e três de outros países latino-americanos: www.forumchaves.com.br,

www.forumch.com.br, www.chavodel8.com/foro, www.forochespirito.byethost32.com

e www.chavodel8.eclipseforo.com. Para os frequentadores dos fóruns de fora do Brasil,

não foi abordada a pergunta sobre dublagem, pois não era aplicável.

O período de aplicação foi de 19 a 22 de maio de 2014. No terceiro dia, um

administrador do www.forumchaves.com.br divulgou o questionário na página do

fórum na rede social Facebook5, o que provocou um crescimento significativo do

número de sujeitos.

As respostas foram quantificadas percentualmente e analisadas, sendo

confrontadas à ótica de profissionais envolvidos na obra.

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A amostra foi apurada em 1009 respondentes. Destes, seis foram originados dos

fóruns hispânicos. Diante da insignificância deste quantitativo (0,59%), optou-se por

excluí- lo.

Dos 1003 sujeitos originados dos fóruns brasileiros, 863 (86%) tem idade maior

de 18 anos (Tabela 1). Na Tabela 2, tem-se que a audiência do seriado começou na

infância para 93% das pessoas. Apesar disso, pode-se inferir que o programa não é

destinado apenas ao público infantil, uma vez que 98% dos respondentes referiu ainda

ser fã do seriado (Tabela 3). Esse percentual corrobora a popularidade do seriado nos

dias atuais, uma vez que a amostra não foi segmentada apenas a fóruns de interesse

restrito, e sim ampliada à rede social Facebook, permitindo uma diversidade dos perfis

respondentes. Além disso, quando questionados sobre a qual faixa etária seriam

destinadas as piadas, 97% referiram ser a todos os públicos (Tabela 4), expressando a

5 Disponível em: <https://www.facebook.com/chavesechapolin/posts/586591988106514 >. Acesso em:

21 mai. 2014.

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amplitude do alcance da linguagem de Chaves. Isso comprova a afirmação do autor

Roberto Gómez Bolaños: “meus programas são para toda a família. Minha maneira de

fazer as pessoas rirem é saudável, mas não isenta de picardias, embora sempre com bom

gosto e respeito"6.

A forma de abordagem facilita o entendimento do público. Frequência e

repetição são a tônica, como referencia o ator Carlos Villagrán (in KASCHNER, 2006,

p. 97) a um levantamento no seriado: “[...] deu uma média de uma piada, tanto visual

como verbal ou por situação, a cada nove segundos. Era uma metralhadora de tiradas

boas, ruins, regulares, novas, seminovas, de todo tipo. As pessoas acabavam rindo”.

Tabela 1: Qual a sua idade?

10

692

130171

0 a 11 anos

12 a 18 anos

19 a 29 anos

mais de 30 anos

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Tabela 2: Com quantos anos você começou a assistir ao seriado Chaves?

44

929

325

2 0 a 11 anos

12 a 18 anos

19 a 29 anos

mais de 30 anos

Não sei/ nãolembro

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

6 (Cf. <http://azteca21.com/n/index.php/secciones/espectaculos/1924>. Acesso em: 23 mai. 2014.)

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Tabela 3: Você se considera fã do seriado Chaves?

985 16Sim

Não

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Tabela 4: Para qual público as piadas do seriado são destinadas?

227 6

968

Infantil

Jovem

Adulto

Todos os públicos

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Para averiguar o nível de interesse dos sujeitos da pesquisa, foi perguntado se

eles gostavam mais de outro seriado de humor do que de Chaves; em quantos dias da

semana mantinham contato com algo relacionado a Chaves; e como esse contato era

feito. Verificou-se ampla favorabilidade ao programa, com 81% dos entrevistados

referindo ter preferência pelo programa estudado (Tabela 5). Analisando a Tabela 6,

observa-se que o seriado é comum ao dia-a-dia dos respondentes, com índice de 51% de

contato de cinco a sete dias da semana e 27% de três a quatros dias. Dentre as formas de

contato mais referidas tem-se a televisão (81%), internet (83%) e conversas com amigos

(51%) (Tabela 7). Destaca-se que nesse item foi permitido escolher mais de uma opção.

Sendo assim, mais de 50% da amostra referiu ter pelo menos três formas de contato com

o seriado.

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Tabela 5: Existe outro(a) seriado/série de humor que você gosta mais do que Chaves?

191

812

Sim

Não

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Tabela 6: Quantos dias na semana você tem contato com algo relacionado a Chaves?

23

203

510

267

Zero

1 a 2 dias

3 a 4 dias

5 a 7 dias

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Tabela 7: Como você faz contato com o seriado Chaves?

813 837

138

512

50

100

200

300

400

500

600

700

800

900 Televisão

Internet

Produtos

relacionados

Conversa com

amigos

Nenhuma anterior

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Afim de avaliar o conhecimento dos respondentes a cerca de alguns dos

principais elementos audiovisuais, perguntou-se qual seria o grau de importância desses

para o seriado. Feita uma análise comparativa entre os aspectos, verificou-se que em

todos eles as classificações “nada importante” e “pouco importante” tiveram baixa

expressividade. As classificações “importante”, “muito importante” e “importância

fundamental” junto ao público foi de 96,3% para histórias, 98,4% para piadas, 98,8%

para personagens, 98,6% para atores, 83,8% para cenários, 82,3% para figurinos,

88,3% para músicas, 73,7% para risadas de fundo, 96,2% para dublagem (Tabela 8).

Page 14: Artigo científico - "Chaves: como as portas foram abertas" (TIAGO FERREIRA BITTENCOURT)

14

Tabela 8: Qual o grau de importância dos seguintes elementos no seriado

Chaves?

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900H

istó

rias

Pia

das

Per

son

agen

s

Ato

res

Cen

ári

os

Fig

uri

nos

sica

s

Ris

ad

as

de

Fu

nd

o

Du

bla

gem

Nada importante

Pouco Importante

Importante

Muito importante

Importância fundamental

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Quando questionados sobre a identificação com os personagens, 74% dos

sujeitos responderam que se identificam com os mesmos (Tabela 9), atestando

verossimilhança destes com a população retratada, além de atrelar o sentimento de

humanidade. Isto pode ser associado à visão de Bolaños (in SOARES, 2004 apud

KASHNER, 2006, p. 124) sobre o assunto: “criei personagens humanos, cheios de

valores e princípios universais, para que qualquer pessoa pudesse se identificar com

eles”. A proximidade dos personagens com o público independente da nacionalidade ou

do contexto demográfico também foi observada na presente pesquisa. Apenas 13% dos

respondentes referiram que a história do jeito que é estruturada só poderia se passar no

México (Tabela 10).

Page 15: Artigo científico - "Chaves: como as portas foram abertas" (TIAGO FERREIRA BITTENCOURT)

15

Tabela 9: Você se identifica em algum personagem do seriado?

744

259

Sim

Não

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Tabela 10: Na sua opinião, a história do seriado Chaves (local onde acontece, pessoas, situações, objetos,

etc.) poderia acontecer fora do México?

523

132

348

Apenas noMéxico

Apenas naAmérica Latina

Em qualquerparte do mundo

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Foi observada a aproximação dos respondentes com as situações cotidianas do

seriado, uma vez que apenas 1% deles não vivenciou situações comuns aos personagens

e cinco das 11 situações apresentadas foram ou são comuns a mais de 50% dos

respondentes (Tabela 11). Intérprete do personagem Quico, Carlos Villagrán (2014)

segue o mesmo raciocínio: “[...] em todos os países você vai encontrar o menino pobre,

a solteirona, os vizinhos que interagem. Creio que o cotidiano dos personagens é uma

realidade muito sul-americana. E as pessoas se identificam com os personagens, por isso

o sucesso”.

Page 16: Artigo científico - "Chaves: como as portas foram abertas" (TIAGO FERREIRA BITTENCOURT)

16

Tabela 11: Marque a(s) situação(ões) abaixo que já aconteceu/aconteceram com você ou alguém da sua

casa.

218

451343

882 877

114

476518

668

204

706

11

0

200

400

600

800

1000

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

1. Estender roupa em um varal coletivo.

2. Pagar aluguel da casa onde mora.

3. Acreditar que um(a) vizinha(a) ou conhecido(a) é uma bruxa.

4. Criar brincadeiras com objetos do dia-a-dia (vassoura, caixa de sapato, lata, tampinhas de garrafas).

5. Fazer piada sobre a fala do professor na escola.

6. Levar uma fruta para o professor.

7. Receber bonificações por bom comportamento na escola.

8. Ter medo do “Velho do Saco”.

9. Ter um amigo que não empresta os brinquedos .

10. Ter uma vizinha que usa bobes nos cabelos .

11. Ter uma vizinha que briga com as pessoas.

12. Nenhuma opção anterior.

Sobre a necessidade de cada personagem no seriado, 90% dos respondentes

atestam que todos são essenciais para a história, sendo esta prejudicada caso algum

fosse excluído (Tabela 12). Esta ideia de especificidade e essencialidade dos

personagens foi relatada por Bolaños (in KASHNER, 2006, p. 231) quando definiu a

existência de cada um como imperativa: “fiz cada personagem tratando de que fosse

congruente com suas características físicas, sociais e psicológicas, mas, sobretudo,

pensando na relevância do papel que cumpriria dentro do seriado”.

Page 17: Artigo científico - "Chaves: como as portas foram abertas" (TIAGO FERREIRA BITTENCOURT)

17

Tabela 12: Algum personagem poderia ser excluído sem que isso prejudicasse a história do seriado?

96

907

Sim

Não

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Bolaños (in SOARES, 2004, apud KASHNER, 2006, p. 124) exalta o elenco que

montou: [...] selecionei atores excelentes, que enriqueceram muito os personagens”. Por

“enriquecer”, pode-se entender que o elenco selecionado compreendeu os personagens e

foi além do idealizado pelo autor. Este aspecto foi percebido por 97% dos sujeitos da

pesquisa quando referiram que o ator ou atriz selecionado interpretou bem o respectivo

personagem (Tabela 13). Em consonância, Villagrán (2014) discute a possibilidade de

haver outros atores tão capazes quando o seriado foi originalmente exibido:

Não houve na época e creio que ainda não há. Onde encontrar um comediante excelente como Ramón Valdés, por exemplo? Individualmente, todos éramos bons atores, mas o conjunto todo tinha uma química única. Por isso digo que nunca houve uma estrela, a estrela era o programa. O grupo era como uma família, e isso se transmitia em cada capítulo.

Tabela 13: Na sua opinião, algum ator/atriz não representa bem o seu personagem?

33

970

Sim

Não

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Apesar da identificação com os atores, 82% dos respondentes referiram que não

gostariam que os personagens tivessem a voz original (Tabela 14). Assim, conclui-se

que a dublagem brasileira cumpriu o papel de não desviar a atenção do espectador do

enredo, promovendo empatia junto ao público, conforme pensamento de Sandra Mara

Page 18: Artigo científico - "Chaves: como as portas foram abertas" (TIAGO FERREIRA BITTENCOURT)

18

Azevedo (2014), primeira dubladora da personagem Chiquinha: “acho que a minha voz,

que encarna a interpretação única da Chiquinha, é tão importante que não pode ser

mudada. Os fãs [...] reconhecem as mudanças e não suportam [...]”.

A importância da dublagem é confirmada pelo dublador do personagem Seu

Madruga, Carlos Seidl (2014).

Na dublagem, sem dúvida, a voz é importante, tem que se adequar perfeitamente ao ator que está sendo dublado, mas mais importante que a voz, o que transmite ao espectador as emoções e desperta o interesse, ou não, é a interpretação, porque a dublagem é um trabalho de ator e um trabalho especializado, onde o ator tem que adaptar seu ritmo e sua intenção ao que já está estabelecido na tela. Dessa forma, foi fundamental o talento e o carisma de Ramon Valdés e do resto do elenco, que deram base para uma dublagem cativante e que conquistou um grande numero de fãs em todo o país.

Tabela 14: Você gostaria que os personagens tivessem a voz original dos atores mexicanos ao invés da

voz dos dubladores brasileiros?

182

821

Sim

Não

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

No aspecto da cenografia, os respondentes atestam que o cenário do seriado foi

objetivo na intenção de ambientar e contextualizar a história (Tabela 15). Para 93%, a

vila representa a moradia dos personagens de classe social baixa a qual pertencem, o

que é ratificado por Villagrán (2014):

É uma típica vila pobre da periferia do México dos anos setenta, com casas simples. Assim como em todo país, não? O mundo muda diariamente, então nem precisava ser uma vila pobre, poderia ser um edifício com apartamentos. Mas aí você sempre vai encontrar um Kiko, uma dona Florinda, um Chaves, um Seu Madruga. Por isso o programa dura tanto.

Page 19: Artigo científico - "Chaves: como as portas foram abertas" (TIAGO FERREIRA BITTENCOURT)

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Tabela 15: Analisando apenas o cenário, a vila parece um ambiente onde moram pessoas de baixa renda?

932

71

Sim

Não

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Sobre os figurinos, 99% dos respondentes disseram estar adequados aos

personagens (Tabela 16). Esta foi a resposta com maior percentual em todo o

questionário, o que retrata a apropriação aos arquétipos e como houve a suplantação dos

personagens sobre os atores, na observação dos espectadores.

Tabela 16: Na sua opinião, as roupas ou acessórios são adequados aos personagens?

990

13

Sim

Não

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Nas questões que concercem a sonoplastia, embora único elemento audiovisual

em que a classificação “importância fundamental” não foi superior a todas as outras na

Tabela 8, a Tabela 17 mostra que as risadas de fundo estimulam 68% dos espectadores a

rirem.

Ampla maioria, 98%, se recorda de alguma canção do seriado (Tabela 18), de

onde se conclui que houve empatia com o público. Há uma relação efetiva entre as

músicas e o objetivo de comédia da produção. O músico Jean-Jacques Perrey (2014) se

inspirou na Marcha Turca, de Beethoven, para criar The elephants never forgets, tema

original de abertura de Chaves. Segundo Perrey, houve uma sintonia instantânea: “Eu

imediatamente percebi que era uma peça que poderia facilmente se transformar em algo

Page 20: Artigo científico - "Chaves: como as portas foram abertas" (TIAGO FERREIRA BITTENCOURT)

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humorístico. O ritmo e a melodia eram ambos cativantes, e logo ouvi na minha cabeça

como poderia ser transformado”. Pecebe-se que a canção cumpre sua função de

despertar o público para as possibilidades de sentido, no caso o humor, o que para o

músico é uma busca natural no seu trabalho: “Como em quase todas as minhas músicas,

eu estou tentando fazer as pessoas se sentirem bem e felizes, para provocar um sorriso

em seu rosto”.

Tabela 17: As risadas de fundo estimulam você a rir das piadas?

678

325

Sim

Não

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

Tabela 18: Você sabe cantar alguma(s) música(s) do seriado?

982

21

Sim

Não

Fonte: Pesquisa própria, 2014.

7. CONCLUSÃO

A pesquisa revela uma grande aproximação dos respondentes/espectadores com

o seriado Chaves, situação que remete à infância, mas permanece na vida adulta. O

programa alimenta-se de condições universais, reflexo de que mesmo as

particularidades mexicanas atingem a diversos públicos.

Apesar da época em que foi produzido o seriado, a utilização dos elementos

audiovisuais destacados é bem recebida pelo público, independente da faixa etária de

quem avalia.

Page 21: Artigo científico - "Chaves: como as portas foram abertas" (TIAGO FERREIRA BITTENCOURT)

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A partir do resultado desta pesquisa, cabe inferir a orientação do público

frequente de um produto audiovisual no propósito de criação de outras obras. Em que

pese as novas tecnologias, muito mais avançadas do que à época de gravação de

Chaves, há de se buscar identificação de aspectos para além das técnicas da moda.

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