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A INFLUÊNCIA DA BRINCADEIRA E DO JOGO NA IDADE PRÉ-ESCOLAR
Carolina de Oliveira
Darlene Soares Rodrigues
Edinei de Pontes
Eliene Silva
Érica Landim Medeiros
Josyane Cristine Ferreira Chaves
Ligia Pereira de Moraes
Lisday Soares de Castro
Valdirene Duarte Sobral*
RESUMO: Este artigo tem como objetivo apontar a influência da brincadeira e do jogo na
formação do comportamento social da criança na idade pré-escolar, a partir da teoria de
Vigotsky. Os principais elementos discutidos desta teoria são: a brincadeira como atividade
principal da criança na idade pré-escolar, a satisfação das necessidades da criança por meio
do brincar, o desenvolvimento da Zona de desenvolvimento proximal através da
brincadeira, a razão pela qual cada período do desenvolvimento pede brinquedos
específicos, a formação social da criança pré-escolar sob influência do Jogo Simbólico e do
Jogo de Regras e a influência do jogo e do brinquedo na formação social da criança pré-
escolar.
Palavras-chave: Jogo. Brinquedo. Comportamento. Vigotsky
A preocupação com a importância da influência da brincadeira e do jogo na
formação do comportamento da criança vem, a cada dia, ganhando maior importância entre
pais e educadores. O brincar, até algum tempo, era considerado perda de tempo, ócio, ou
uma coisa sem nenhum significado. A partir dos estudos realizados por estudiosos como
Vigotsky e Piaget, entre outros, comprovou-se que a brincadeira influencia a formação do
comportamento social da criança e que cada brinquedo, cada tipo de brincadeira, pode
trazer benefícios para criança que a acompanharão por toda sua vida. Conceitos morais,
* Alunos do terceiro semestre de Pedagogia das Faculdades Integradas do Vale do Ribeira – SCELISUL. Trabalho orientado pela professora Ms. Flávia da Silva Ferreira Asbahr, na disciplina Psicologia da Educação III.
sociais, formação de valores, socialização e comunicação podem ser desenvolvidos através
da brincadeira e dos jogos.
Segundo Vigotsky (1998), cada período do desenvolvimento tem uma atividade
principal. Na idade pré-escolar, essa atividade é a brincadeira. O brincar é de suma
importância para a criança, pois é através da brincadeira que esta passa a operar com
significados, ou seja, confere sentido aos objetos e não apenas os manipula. O sentido dado
a cada objeto é próprio de cada criança e, ao fazer isto, estará iniciando-se a formação do
pensamento abstrato.
Na idade pré-escolar, a brincadeira nasce a partir de um desejo não realizado, inicia-
se, então, uma contradição entre o querer e o não poder, ou seja, a criança deseja realizar
tarefas que não são próprias de sua idade, como, por exemplo, dirigir como seu pai, ou
cozinhar como sua mãe. Essa contradição é resolvida pelo brincar. O objetivo maior da
brincadeira é resolver essa contradição, essa necessidade. Vigotsky afirma neste sentido
que:
No princípio da idade pré-escolar, quando surgem os desejos que não podem ser
imediatamente satisfeitos ou esquecidos, e permanece ainda a característica do estado
precedente de uma tendência para a satisfação imediata desses desejos, o comportamento
da criança muda. Para resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se em
um mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizados, e
esse mundo é o que chamamos de brinquedo. (Vigotsky, 1998, p. 122)
Então, através da imitação, da imaginação, a criança repete comportamentos sociais,
antecipando o comportamento de idades futuras, fazendo coisas que ainda não pode.
Esforça-se, dessa maneira, para agir como adulto, ampliando o desenvolvimento de suas
ações futuras e criando conceitos sobre o mundo, a partir daquilo que já conhece sobre seu
meio e em razão de suas necessidades momentâneas. Com isso, será desenvolvida a Zona
de Desenvolvimento Proximal.
A Zona de desenvolvimento proximal é o principal conceito da teoria de Vigotsky,
essa teoria afirma que:
“ A Zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento
real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível
de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob
orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” ”
(Vigotsky, 1994, p. 112).
A imitação amplia a Zona de desenvolvimento proximal da criança, criando
condições para que as habilidades se desenvolvam, auxiliando a desvincular os objetos
concretos e suas ações no plano simbólico. Através da imitação, a criança amplia sua
capacidade de imaginação, é o que Vigotsky denomina “função psíquica superior”. O
desenvolvimento dessas funções estimulará atitudes criativas diante de situações difíceis.
Quando falamos em brincar, logo imaginamos que a criança brinca apenas por
prazer. O brinquedo, segundo o referido autor, não é definido apenas pelo prazer, pois
algumas atividades tornam-se mais prazerosas que o brinquedo, como, por exemplo, chupar
chupeta, e outras são desagradáveis como em algumas brincadeiras que exijam esforço
físico para que se alcance os objetivos, ou aquelas em que a criança deseje muito vencer e
que considere perder uma humilhação. O prazer, então, não é a característica que define o
brinquedo nem é seu objetivo principal, mas sim, preencher necessidades da criança. Para
que essas necessidades sejam supridas, várias formas de brincar e vários tipos de brinquedo
podem ser utilizados pela criança.
O Brinquedo pode ser definido como qualquer objeto que a criança utilize para
brincar, não importa se comprados ou fabricados pelos pais a partir de materiais recicláveis,
podem até mesmo ser objetos utilizados pelos adultos, como comumente são utilizadas as
panelas pelas crianças menores. O importante é que possibilite à criança imaginar
possibilidades e dar definições variadas ao objeto. Cada fase exige novas formas de brincar,
pois o brinquedo preenche necessidades da criança e é necessário o incentivo em correto
em cada período e essa evolução de um período para outro, dá-se pela maturação das
necessidades da criança, que satisfaz seus desejos momentaneamente.
Cada período pede brinquedos específicos. Até os seis meses, no período em que a
criança está começando a manipular os objetos, por exemplo, é onde esta iniciando a
formação de conceitos sobre o mundo exterior. É importante oferecer à criança, brinquedos
que possam manipular, morder, brinquedos coloridos, de formatos interessantes, pois estes
irão propiciar o desenvolvimento auditivo e visual da criança e também o desenvolvimento
do tato. Essas atividades darão base para futuras aprendizagens. As bonecas levam as
meninas a imitar o comportamento da mãe e ensinam a compreender o papel que irá ocupar
futuramente. Da mesma forma o menino quando simula estar dirigindo. Os blocos de
montar desenvolvem o conceito de formas, tamanho, espaço. Os quebra-cabeças estimulam
o raciocínio, bem como a socialização.
A cada fase superada, os brinquedos da fase anterior deixam de ser interessantes. Na
idade pré-escolar, novas necessidades vão surgindo e com elas a necessidade de novos
brinquedos, por isso Vigostsky acredita que as atividades que não se realizam
momentaneamente se desenvolvem durante os anos escolares, se não fosse assim, essas
necessidades não existiriam, pois parecem ser formadas no momento em que o desejo de
realizar algo impossível no momento surge.
Em todos os períodos do desenvolvimento, a escolha dos brinquedos é de grande
importância e devem despertar o interesse de pais e educadores. Atualmente, os brinquedos
são vendidos através da propaganda que por muitas vezes é enganosa e são criados em
função do lucro e, a cada dia perdem o sentido. Não há, na maioria das vezes, uma
preocupação com o valor pedagógico do brinquedo. Os brinquedos com um fim em si
mesmo, ou seja, aqueles com uma única função, pouco contribuem para estimular a
imaginação da criança. Não é raro encontrarmos uma criança deixando de lado seu carrinho
de controle remoto, para brincar com os restos de madeira e outros materiais que, na visão
adulta, só são restos e nunca brinquedos. Isso acontece exatamente porque as crianças
buscam os objetos que lhes proporcionem criar novas relações com o mundo que as cerca,
criar novas possibilidades. O lúdico, em todas as suas dimensões, deve proporcionar à
criança, situações que desenvolvam a inferência, ou seja, sua capacidade de deduzir, de
levantar hipóteses, através da tentativa e do erro.
O jogo simbólico e os Jogos de regras
No jogo simbólico, o objetivo está na própria brincadeira e não vai, além disso.
Vigotsky considera que: “A situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém
regras de comportamento” (Vigotsky 1998 p.124). Por exemplo, a criança que brinca de
ser um caixa de supermercado e não aceita que seu colega leve as mercadorias sem pagar
durante a brincadeira, já sabe como funciona essa ação social. Então, através dessa
imitação, faz-se um elo de ligação com a realidade. As regras no jogo simbólico estão
implícitas e a criança passa por modificações, à medida que vai desenvolvendo a intuição e
a operação. Através da imitação, a criança busca fazer conexão com a realidade. O lúdico e,
de uma forma mais abrangente o jogo simbólico, numa perspectiva compartilhada, favorece
a troca de significados e construções de novas representações acerca do mundo.
Na idade pré-escolar, o raciocínio lógico ainda não permite que a criança dê
explicações coerentes a respeito das coisas, pois a fantasia ainda é mais forte que a
capacidade de explicar. É através do jogo simbólico que a criança desenvolve sua
capacidade de pensar, passando a representar, simbolicamente, suas ações e também suas
atividades motoras, porque neste período, já corre, salta, enfim, realiza inúmeras atividades
que propiciam desenvolvimento a essas habilidades. O uso da imaginação, entre outras
atividades lúdicas, são de grande importância e influenciam no desenvolvimento cognitivo
e, também, o equilíbrio emocional.
Os jogos simbólicos tornam-se jogos de regras e as regras são o objetivo do jogo, e
essas, por sua vez, têm que ser respeitadas para que se alcance o objetivo do jogo. Ao
aprender a trabalhar com as regras, as crianças passam a desenvolver um conceito moral,
apropriação das normas sociais, etc. Toda brincadeira tem uma regra e, a partir dessas
regras, a criança passa a imitar e reproduzir o papel social, não apenas da sua família, do
seu meio, mas também, da sociedade em geral. Através do respeito às regras do jogo, são
assimilados conceitos do mundo real e das relações concretas, e então, a criança passa da
individualidade para a socialização.
Com o desenvolvimento do pensamento abstrato, a criança não precisa mais do
pensamento simbólico e sim, dos jogos de regras. Com eles e com o domínio das regras, ela
aprende a controlar seu próprio comportamento e a se apropriar do mundo adulto.
Brinquedos que possibilitam a imaginação, como os de montar, por exemplo, estimulam o
desenvolvimento, pois possibilitam que a criança atribua vários significados ao mesmo
objeto, ampliando sua capacidade de pensar e criar hipóteses. O jogo, aplicado numa
perspectiva de cooperação, faz-se necessário, aplicado de maneira correta, excluindo a idéia
de competição e individualismo e estimulando a convivência, a interação e principalmente
a comunicação.
Separação do objeto e significado
No brinquedo, a criança se comporta de forma mais avançada do que nas atividades
da vida real e, também aprende a separar o objeto de seu significado. Na idade pré-escolar,
a criança inicia divergências entre o significado e a visão, pois até então, “os objetos ditam
à criança o que ela tem que fazer: uma porta solicita que a abram e fechem, uma escada que
a subam, uma campainha que a toquem (...) os objetos tem uma força inerente no que diz
respeito às ações de uma criança muito pequena”(Vigotsky, 1998, p.126). Isso acontece
pelo fato de a percepção de uma criança muito pequena ainda não está separada da
atividade emocional e motora. Por isso, para uma criança que atravessa esse período é
impossível separar o significado daquilo que está vendo no momento. Ela não consegue
afirmar nada que não esteja realmente vendo, ou seja, se pedirmos para que ela afirme que a
mamãe está sentada, quando a vê em pé, com certeza a criança pequena afirmará o que está
vendo e não o que lhe pedem para afirmar. Esse comportamento muda, na transição de um
período para outro, e ao iniciar-se a idade pré-escolar: “No brinquedo, o pensamento está
separado dos objetos e a ação surge das idéias e não das coisas: um pedaço de madeira
torna-se um boneco e um cabo de vassoura torna-se um cavalo” ( Vigotsky, 1998, p.128).
A ação da criança passa a ser determinada por idéias e não pelos objetos, esse é um
processo demorado, pois é difícil para a criança separar o significado de uma palavra dos
objetos. Por isso, inicialmente, para que ela consiga imaginar que está brincando de andar a
cavalo, necessita de algo, de um elo de ligação entre o objeto e o significado. No caso, a
criança utilizará um cavalo de pau ou um cabo de vassoura, pois ainda não consegue
imaginar que um livro pode ser um cavalo durante uma brincadeira e não poderá usá-lo
como tal, exatamente por não conseguir separar o objeto de seu significado. Vigotsky
explica que os objetos deixam de determinar a ação da criança, ou seja, perdem sua força
determinadora, a criança vê um objeto, mas age de maneira diferente em relação ao que vê.
Assim, é alcançada uma condição em que começa a agir independentemente daquilo que vê
(Vigotsky, 1998, p.127). Nesse jogo, onde os objetos passam a adquirir outros sentidos,
seja de forma individual ou coletiva, a criança demonstra seu caráter participativo em seu
processo de desenvolvimento, onde constrói e reconstrói simbolicamente sua realidade e
recria a existente.
Considerações finais
A partir da teoria de Vygotski, compreendemos a influência da brincadeira e do
jogo na formação do comportamento da criança e que, na idade pré-escolar, a criança tem o
brincar como principal atividade. Essa atividade proporciona à criança o desenvolvimento
daquilo que Vygotski chama de funções psíquicas superiores e atua na formação na Zona
de desenvolvimento proximal. Este é um assunto de grande importância no que tange à
educação. Os profissionais da educação, conhecedores deste tema, terão possibilidade de
compreender por qual período seu aluno está passando, podendo então, de maneira correta,
aplicar atividades lúdicas indicadas para cada um.
O professor, enquanto mediador do conhecimento, poderá criar situações oportunas
para poder observar os indicadores que cada criança dá e, a partir disso, trabalhar, junto aos
jogos e brincadeiras, a Zona de desenvolvimento proximal de cada um. Através de
atividades próprias para cada período do desenvolvimento do educando, o professor poderá
auxiliá-lo a desenvolver sua capacidade de criar hipóteses de inferir, lembrando aqui, que
esse é um dos requisitos básicos para o sucesso na educação infantil. A brincadeira
espontânea da criança já estimula seu desenvolvimento por si só e muito mais, far-se-á por
ela se o professor estiver preparado para auxiliá-la nesse momento de grande importância.
É também responsabilidade dos educandos alertar os pais, informando-os da importância do
brincar, para que compreendam esse momento de seus filhos, não como um passatempo,
mas como puro desenvolvimento. É direito da criança o brincar e muito mais que isso, é
nesse momento que estarão se formando futuros cidadãos, que conduzidos de maneira
correta e consciente, com certeza serão pessoas com valores morais, que sabem respeitar
regras, participativos, sociáveis, e também, autônomos e conscientes.
Referência bibliográfica
Vygotski, L.S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes.1998
Bibliografia
Kishimoto, T. M. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira, 1994.
Vieira, A. G. & Sperb T. M. O brinquedo Simbólico como uma narrativa. CADERNO
CEDES. Síntese da dissertação de mestrado-UFRGS. Porto Alegre, 1998.
Volpato, G. Jogo e brinquedo: reflexões a partir da teoria crítica. CADERNO CEDES.
Síntese da dissertação de mestrado- UNESC. Campinas, 2002.