artigo a economia do turismo no centro antigo de salvador
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A ECONOMIA DO TURISMO NO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR
Lúcia Aquino de Queiroz1
I – A importância do território para o desenvolvimento turístico
O turismo, uma das principais atividades econômicas da atualidade, vem atravessando,
desde as últimas décadas, intensas transformações. A aceleração da globalização
econômica, os avanços tecnológicos, os processos de descentralização política e re
(valorização) dos governos locais, a valorização das culturas, a percepção das viagens
como fonte de conhecimento e de reposição de energias diante dos desgastes da vida
cotidiana, a ampliação dos relacionamentos entre os povos, dentre outros fenômenos,
vêm provocando o despontar de um novo cenário turístico. Ao tempo em que a
hegemonia do modelo convencional e dos espaços turísticos tradicionais passa a ser
questionada, o turismo urbano adquire um novo impulso, respaldado pela valorização
turística das novas experiências e do território, compreendido enquanto o “lócus” da
realização da atividade turística.
A importância do turismo nas cidades, espaços privilegiados de concentração criativa,
simbólica e produtiva, é hoje indiscutível. Buscando adaptar-se à concorrência
estabelecida na etapa atual de crescimento pós-industrial e de globalização econômica e
manter uma posição hierárquica relevante, as cidades têm sido palco para a realização
de grandes investimentos em infra-estrutura, equipamentos e serviços. O turismo, ao
tempo em que se beneficia desses investimentos, tem possibilitado a que cidades,
situadas nos mais distintos pontos do planeta, estejam mantendo a sua competitividade
urbana2, e, até mesmo, ampliando-a, e solucionando questões desafiantes, como a
recuperação do seu patrimônio histórico-cultural e a sustentabilidade das suas áreas
centrais, ainda que estas soluções não estejam isentas de crítica e que algumas vezes
possam servir como um alerta a não adoção de estratégias similares em outras
realidades.
1 Doutora em Planejamento Regional e Desenvolvimento Territorial pela Universidade de Barcelona, Mestre em Administração, Especialista em Economia e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), consultora, pesquisadora e autora de diversos livros e artigos na área do Turismo.2 Desde Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, às cidades européias como Paris, Barcelona, Bilbao, Málaga, Lisboa, norte-americanas, como Los Angeles e Nova Iorque, dentre outras.
A percepção do “valor do lugar”, de sua cultura, de sua identidade, pela demanda
turística, em um cenário de intensa competitividade global, vem conduzindo à expansão
de novas modalidades de turismo associadas às cidades, e propiciando o fortalecimento
da segmentação turística. O crescimento do papel atribuído à cultura na definição dos
lugares e, mais especificamente, na composição de sua identidade, tem possibilitado a
que o turismo cultural se destaque como um segmento em franca expansão, um dos
grandes responsáveis pelo incremento da atividade turística mundial.
Aproveitando-se da valorização da cultura como um dos elementos centrais da oferta
turística, cidades, situadas nos mais distintos pontos do planeta, estão buscando
revitalizar e preservar o seu patrimônio cultural com vistas à ampliação da sua
competitividade urbano-turística. Entretanto, sendo o turismo um fenômeno
genuinamente territorial, que utiliza o território como espaço de consumo e de
produção, impactando-o e sendo por este impactado, positiva ou negativamente, o
desenvolvimento turístico irá pressupor, mais do que a necessária articulação a aspectos
externos, que, dentre outros fatores, podem viabilizar a qualificação da oferta local, uma
integração territorial, também compreendida como a capacidade de organização
socioeconômica e política dos territórios.
Dada a importância do território para o turismo, a ocorrência do desenvolvimento
turístico, compreendido enquanto ‘[...] um processo de mudanças que permita superar
problemas e construir uma sociedade mais justa, com significativa redução da pobreza,
e vivendo com mais qualidade de vida [...] (SILVA, 2003, p. 162) irá requerer o
emprego de instrumentos que possibilitem aos destinos turísticos a transformação de
vantagens comparativas, baseadas no aproveitamento intensivo dos recursos turísticos,
em vantagens competitivas, pautadas na flexibilização da oferta e no uso racional dos
recursos (REBOLLO, 1996, p. 87). Ou seja, a adoção de mecanismos de gerenciamento
e ordenamento territorial do turismo que viabilizem a qualificação de espaços turísticos,
contribuindo para a revitalização de áreas degradadas, possibilitando ao
desenvolvimento turístico atuar como “um ponto de arranque para a correção de
desequilíbrios espaciais” (ID., 1996, p. 89).
Em essência, o gerenciamento e o ordenamento territorial do turismo tornaram-se
grandes desafios para muitas cidades, concomitantemente ao crescimento das
expectativas para com o desenvolvimento do turismo urbano, e isso não apenas para as
urbes localizadas em países periféricos ou em desenvolvimento. Também nas
economias centrais espera-se que o desenvolvimento do turismo urbano possa
reequilibrar a economia urbana gerando novas e regenerando áreas defasadas.
Entretanto, para que essas ações possam obter sucesso como instrumentos de política
social, devem incorporar aspectos como a preocupação com a geração e manutenção de
empregos, redução da criminalidade, criação de um ambiente saudável, fornecimento de
moradia aos sem-teto, de transporte público, dentre outros. Ou seja, devem contemplar
não apenas os interesses do governo, das empresas ou dos turistas, mas dos diversos
segmentos representantes das comunidades locais na organização social e política do
território, o que se apresenta como um desafio ainda mais intenso quando se trata de
territórios permeados por conflitos políticos, econômicos e sociais, como os presentes
na cidade de Salvador.
II – A economia do turismo em Salvador
Salvador, capital da Bahia, mais importante cidade do Hemisfério Sul nos séculos XVII
e XVIII, herdou um grande patrimônio arquitetônico do período colonial, pelo qual
recebeu o título de Cidade Patrimônio da Humanidade, concedido pela Unesco em
1985, e também um rico legado cultural de origem africana, que a tornaram peculiar em
termos de musicalidade, de gastronomia, de religiosidade. O vasto patrimônio histórico
e artístico de Salvador, as condições climáticas — temperatura ao redor de 25º C — e
físicas de seu espaço urbano, que dispõe de aproximadamente 50 km de praias,
correspondentes a 1/3 da costa da Baía de Todos os Santos, e as atividades econômicas
e administrativas desenvolvidas no seu espaço urbano, conformam hoje uma cidade
miscigenada, dotada de belezas naturais e características próprias, que a diferenciam de
outras urbes do país e do mundo, singularizando-a e tornando-a atrativa para o turismo.
Reunindo um conjunto de atributos propícios à exploração de diversos segmentos
turísticos, como o histórico-cultural, de lazer litorâneo, náutico, de eventos,
gastronômico, de negócios, dentre outros, Salvador apresenta um amplo potencial para
expansão da economia do turismo. Para tanto, junto à superação de desafios estruturais,
decorrentes dos processos históricos de organização socioeconômica e política do seu
território, como os referentes ao quadro social — mendicância, violência urbana,
marginalidade — e de deficiências da infra-estrutura urbana e turística — transporte
urbano, sinalização turística, limpeza urbana, acessibilidade aérea e terrestre, dentre
outros —, deverá potencializar os seus segmentos turísticos, a exemplo do turismo
cultural, para o qual possui uma expressiva oferta potencial a ser qualificada.
Conforme estimativas ainda preliminares divulgadas pela Secretaria de Turismo (Setur)
que, junto à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), vem realizando
pesquisas objetivando aprimorar as estatísticas do turismo no Estado e dar continuidade
à produção de indicadores turísticos, a Bahia recebeu em 2008 um fluxo equivalente a
3,5 milhões de turistas, e, em 2009 deverão ser atraídos cerca de 4 a 4,5 milhões de
turistas ao Estado. Ainda segundo as previsões da Setur, o turismo tem proporcionado à
Bahia a geração de 172.053 empregos diretos e 400 mil indiretos, mantendo uma
participação de 6,8% no PIB estadual. Apesar da representatividade já alcançada, o
turismo ainda tem um amplo potencial a ser explorado na Bahia, assim como no Brasil,
país que respondeu por apenas 0,6% do fluxo e 0,56% da receita do turismo mundial em
2007, de acordo com dados do Ministério do Turismo e da Organização Mundial do
Turismo (OMT).
Salvador, principal destino turístico da Bahia, além dos seus atrativos, dispõe de uma
considerável oferta de equipamentos e serviços turísticos, que em parte requer
qualificação, formada por um parque hoteleiro com 404 meios de hospedagem, entre
albergues, pousadas, hotéis, apart-hotéis, flats, disponibilizando 15.122 unidades
habitacionais e 34.592 leitos, por 522 agências de viagem (BAHIATURSA,
EMBRATUR, 2008), além de diversos bares, restaurantes e equipamentos culturais, de
compras e lazer. Embora os indicadores de fluxo e receita turísticos ainda não estejam
disponíveis para a capital baiana, a pesquisa Caracterização e Dimensionamento do
Turismo Receptivo, da FIPE/Setur, realizada em julho de 2008, possibilita uma analise
do perfil do turista em visita a este destino. Conforme a pesquisa, o principal fluxo para
a capital é formado por residentes no próprio Estado. Dentre os turistas procedentes de
outros estados predominam os paulistas e mineiros. A faixa etária de maior incidência
situa-se entre 32 a 44 anos, registrando-se uma participação mais expressiva de
visitantes com nível médio e superior completos.
Segundo os entrevistados, o lazer foi o principal motivo de viagem, impulsionado,
sobretudo, pelos atrativos naturais, sendo também significativo o número de turistas
cujo motivo da visita a Salvador foi atribuído a negócios ou trabalho. Apenas 1,6%
afirmaram terem sido motivados pelo turismo Étnico-Afro e, para esse conjunto, o
artesanato e a religião são os principais apelos da cidade. Com uma renda média situada
em torno de R$ 4 mil reais, os turistas efetuaram de 1 a 4 pernoites neste centro urbano.
As viagens individuais predominaram e os principais fatores para a escolha do destino
foram os comentários de amigos e parentes e o conhecimento prévio da localidade.
Dentre os meios de comunicação que mais influenciaram os turistas a internet tem
preponderância absoluta, seguida a larga distância, pela propaganda em revista,
televisão, folheto e, por fim, anúncio de jornal.
Ainda de acordo com a pesquisa Caracterização e Dimensionamento do Turismo
Receptivo realizada em Salvador, os atrativos naturais, o patrimônio histórico e cultural,
as manifestações populares e a hospitalidade foram itens considerados positivos pela
maioria dos turistas. No conjunto dos pontos elencados como negativos, sobressaem,
entre outros, a informação e a sinalização turística, os serviços médicos e as
comunicações. Os preços praticados na capital baiana foram considerados normais. A
maioria dos turistas entrevistados manifestou intenção em retornar ao destino e declarou
que o recomendaria para amigos e parentes.
Cidade à beira-mar dotada de rico conjunto arquitetônico colonial e de um patrimônio
imaterial singular, Salvador possui, inegavelmente, um amplo potencial turístico.
Entretanto, ainda são muitos os desafios que a capital baiana terá que enfrentar para se
constituir, de fato, em um destino turístico de expressão no mercado mundial de cidades
turísticas. Terá que superar desafios referentes ao seu grave quadro social à infra-
estrutura urbana e turística, à oferta de equipamentos e serviços de qualidade e com
preços competitivos, às ações de divulgação/promoção nacional e internacional, etc.
No que se refere aos equipamentos e serviços, estão previstos para o turismo da capital
baiana, entre 2009 e 2016, investimentos privados equivalentes a US$ 303 milhões, que
deverão acrescentar mais 2.707 Unidades Habitacionais ao parque de hospedagem da
cidade, gerando cerca de 2.844 empregos diretos. Salvador, que responde por quase
metade do fluxo turístico estadual, deverá receber investimentos privados equivalentes a
5,43% do total de recursos previstos para serem aplicados no turismo estadual. As áreas
com maior potencial de atração localizam-se, destacadamente, na Costa dos Coqueiros,
que responde por 58,2% das inversões; em seguida aparecem, como zonas turísticas
mais demandadas pelos investidores, a Baía de Todos os Santos e a Costa do
Descobrimento, absorvendo, respectivamente, 16,9% e 14,9% dos investimentos
programados (dados da SETUR, 2009).
Com restrita expressividade na captação dos investimentos privados previstos para o
Estado, Salvador terá que enfrentar, de fato, grandes desafios para ampliar a sua
competitividade turística. Dentre esses, destacam-se: a atração de investimentos que
possibilitem requalificar a orla marítima e constituir uma oferta adensada de
equipamentos e serviços turístico na área litorânea; o desenvolvimento de trabalhos em
parceria com outras capitais do Nordeste, objetivando, sobretudo, produção de estudos e
indicadores e fortalecimento do marketing regional; o fortalecimento da oferta turística
da área central da cidade, disponibilizando produtos e serviços competitivos para o
segmento do turismo cultural; a criação de produtos/serviços inovadores, dentre outros
diferenciais de expressão para atrair a demanda doméstica e das regiões vizinhas e para
ampliar o tempo de permanência dos visitantes; a integração econômica da cadeia
produtiva do turismo de modo a ampliar os ganhos dos agentes envolvidos com esta
atividade; o fomento à gestão descentralizada em distintas regiões turísticas da cidade e
o desenvolvimento de um trabalho efetivo de gestão colegiada da atividade turística da
capital e de ordenamento territorial do turismo.
III - O turismo no Centro Antigo de Salvador
O Centro Antigo de Salvador (CAS), aglutinando a maior parte da oferta turística da
cidade para o segmento do turismo cultural, composta pelo seu valioso patrimônio
arquitetônico — monumentos implantados entre os séculos XVI e XIX —, bem como
pelo patrimônio imaterial — os saberes e fazeres da população local; as manifestações
populares, etc. — apresenta elevado potencial para desenvolvimento do turismo. A
partir dos anos 1990, o conjunto das políticas públicas3 direcionadas ao CAS
possibilitou a conformação, do ponto de vista da economia do turismo, de um território
dotado de subáreas diferenciadas, que apresentam hoje uma dinâmica própria e
vivenciam problemas específicos, embora também convivam com questões desafiantes
3 Compreendendo as ações e as inações dos Poderes Públicos.
que são comuns ao conjunto da Área Central e, até mesmo, a outras áreas da cidade de
Salvador.
III.1. Perfil qualitativo dos equipamentos e serviços turísticos do CAS
Subárea Pelourinho/Sé/Taboão
Pioneira na recepção dos investimentos públicos realizados nos anos 1990 com vistas à
recuperação do conjunto arquitetônico do Centro Histórico de Salvador (CHS) e à
formação de um enclave entre o Terreiro de Jesus e o Largo do Pelourinho, que
funcionaria como um “shopping center ao ar livre”4, estimulando as atividades
comerciais e de serviços, sobretudo turísticos, e deslocando a função residencial para as
áreas periféricas do CAS, esta subárea caracteriza-se por apresentar um número
expressivo de equipamentos direcionados ao turismo e atividades correlatas. Conforme
o Censo Empresarial Sebrae 2008, o Pelourinho/Sé/Taboão concentra a maior oferta de
serviços turísticos e de lazer e animação do CHS aglutinando grande parte dos
restaurantes (54,9%), bares (57,6%), lanchonetes, sorveterias, casas de suco (37,0%),
equipamentos de arte, cultura — destacadamente, museus, teatros e cinemas — esporte
e recreação (85,7%), além do comércio de bijuterias, suvenires e artesanato (82,1%) —
Tabela 1.
Tabela 1 — Atividades Turísticas e Correlatas — Sub-Setores Selecionados
Discriminação CHS Pelourinho/Sé/Taboão Carmo/Santo Antônio
Além do Carmo Total
Número % Número % Número %Número
%
Artes, Cultura, Esporte e Recreação (Cinema, Teatros, Museus, etc.)
1 14,3 6 85,7 0 0,0 7 100,0
Bijuterias, Suvenires, Artesanato e Artigos para Presente
0 0,0 32 82,1 7 17,9 39 100,0
Restaurantes e similares 11 21,6 28 54,9 12 23,5 51 100,0Bares e outros equipamentos especializados em servir bebidas
5 15,2 19 57,6 9 27,3 33 100,0
Lanchonetes, Pastelarias, Casas de sucos, Sorveteria, Banca de Lanches, etc.
9 33,3 10 37,0 8 29,6 27 100,0
Fonte: Censo Empresarial do Centro Histórico da Cidade de Salvador, Sebrae, 2008.
4 Este “shopping” teria por diferencial a fusão do lazer, da cultura e do consumo em uma área histórica (SANT’ANNA, op. cit., p 75).
A subárea Pelourinho/Sé/Taboão também apresenta expressividade no total de
equipamentos de hospedagem e agenciamento do CHS e do CAS, embora, neste último
caso, a maior parte desta oferta esteja situada no Entorno do Centro Antigo. Em seu
conjunto, o CAS responde por 34,4% dos meios de hospedagem, 21,4% da oferta de
leitos e 22% das agências de viagem de Salvador (Tabela 2). Considerando-se
exclusivamente o CHS, a subárea Pelourinho/Sé/Taboão assume a liderança na oferta de
agências de viagens e de leitos, sendo, superada, porém, pelo Carmo/Santo Antônio
Além do Carmo em número de meios de hospedagem (Tabela 2).
Tabela 2 — Meios de Hospedagem (Mar./08) e Agências de Viagem do CAS (Jan./09)
NúmeroMeios de Hospedagem
%Meios de Hospedagem
Número Leitos % Leitos
Número de Agências Viagem
% Agências de Viagem
São Bento/Misericórdia 6 4,32 329 4,45 5 4,35
Pelourinho/Sé/Taboão 25 17,99 1080 14,61 17 14,78Carmo/ Santo Antônio Além do Carmo 27 19,42 839 11,35 9 7,83
Barroquinha/Ladeira da Praça 13 9,35 666 9,01 2 1,74CHS 71 51,08 2914 39,42 33 28,70
Campo Grande/Piedade /Mouraria 36 25,90 2679 36,24 21 18,26
Nazaré/Barbalho 18 12,95 759 10,27 5 4,35Contorno/Comércio 0 0,00 0 0,00 55 47,83Calçada/Água de Meninos 14 10,07 1040 14,07 1 0,87
Entorno do CHS 68 48,92 4478 60,58 82 71,30CAS 139 100,00 7392 100,00 115 100,00
Salvador 404 - 34.592 - 522 -CAS/Salvador - 34,41 - 21,37 - 22,03Fonte: Bahiatursa/Embratur
O estreito relacionamento entre as empresas do Pelourinho/Sé/Taboão e o turismo
conduz a que o desempenho empresarial desta subárea seja amplamente vulnerável ao
comportamento dessa atividade, sofrendo diretamente os impactos dos movimentos da
sua demanda. E além das influências de fatores externos, como as articulações e
interesses dos grupos empresariais que dominam esta atividade em termos globais, os
resultados da economia do turismo em escala mundial, nacional e local5, os reflexos da
política cambial, do modismo, da acessibilidade à capital baiana, dentre outros, o
turismo desta subárea é também impactado por questões internas atreladas à dinâmica
desse território.
5 Referindo-se à cidade de Salvador.
Embora seja a subárea do CAS que concentra uma mais ampla oferta direcionada ao
turismo, o Pelourinho/Sé/Taboão também apresenta um conjunto de problemas que
dificultam a atração de um fluxo mais expressivo de visitantes e, até mesmo, de
residentes, o que compromete a viabilidade econômica das unidades empresariais aí
instaladas e a expansão da atividade turística desta subárea. A inexistência, desde os
primeiros anos da reforma até os dias atuais, de uma instituição com atribuições
definidas capaz de estabelecer um ordenamento e gerenciamento do território e de
conduzir os conflitos que naturalmente ocorrem entre moradores, comerciantes, turistas
e empresas de turismo, impediu o bom funcionamento e o crescimento harmônico das
atividades econômicas dessa subárea, levando a uma série de entraves como a
desorganização das vias de circulação, com a expansão de algumas unidades
empresariais para fora dos limites do seu negócio, ocupando os passeios com objetos,
anúncios, etc.; a poluição sonora gerada pelos próprios estabelecimentos, o assédio de
vendedores ambulantes, das “baianas”, dos menores pedintes, dentre outros, por todos
os lados, nas ruas, nas praças, inclusive dentro de bares e restaurantes; a marginalidade,
a prostituição6, a violência, as drogas; o despreparo da mão-de-obra local,
destacadamente para atendimento aos visitantes, sobretudo estrangeiros.
A dinâmica atual do Pelourinho/Sé/Taboão indica ser esta a subárea do CAS em que o
desafio da sustentabilidade tende a ser mais intenso. Após a intervenção dos anos 1990
esta subárea transformou-se em um território muitas vezes identificado como artificial e
carente de “interações sociais plurais e história”7. Esta “perda de historicidade”8 embora
não percebida pelo conjunto dos seus visitantes, desagrada a muitos, sobretudo aos
adeptos de um turismo que valoriza a autenticidade cultural. Em face aos conflitos e
tensões cotidianas, as empresas de turismo – operadoras, agências e guias de turismo –
estão optando pela promoção de um tour restrito e pontual no Centro Histórico,
privilegiando unidades empresariais com as quais mantém acordos de parceria ou
comissionamento, ou direcionando-se a uma rápida visitação a monumentos mais
divulgados e procurados. O perfil dos turistas de maior freqüência a este espaço passou
a ser caracterizado, sobretudo, por estrangeiros, mochileiros, de baixo poder de
consumo que muitas vezes vêm em busca do exótico, da integração com novas pessoas
6 Não se pode negar que este é também um fator de atração para alguns turistas, e que necessita ser amplamente coibido quando relacionado a menores.7 Expressão utilizada por Paoli, em análise do Centro Histórico do Recife (LEITE, apud QUEIROZ, 2007,).8 Jamelson, apud Sant’Anna, op. cit., p. 51.
e culturas, interagem sem muitos problema com a população local, participam das
atividades, sobretudo as gratuitas, mas propiciam um retorno pouco expressivo para as
atividades econômicas aí desenvolvidas (RABÊLO, Ângela, ED/2009). Identifica-se
uma falta de integração entre os diversos agentes da cadeia do turismo, o que dificulta a
realização de atividades em parceria e o incremento de ganhos mútuos. As empresas que
comercializam produtos e serviços turísticos, sobretudo artesanato e artigos de
vestuário, em geral estabelecem uma concorrência predatória via preços, sem oferecer
grandes diferenciações nos artigos comercializados. A retração da demanda além de ter
conduzido ao fechamento de diversas unidades empresariais9, vem dificultando a
manutenção da qualidade das empresas aí localizadas (BRANDÃO, Paulo, ED/2009).
Esta subárea convive ainda com a carência de fortes ações de publicidade nos principais
destinos emissores de turistas do país e do exterior, de espaços de estacionamento
gratuitos ou que pratiquem preços acessíveis, aspectos que, junto aos demais,
comprometem a sua competitividade turística.
Subárea Carmo/Santo Antônio Além do Carmo
Até inícios dos anos 2000 esta subárea caracterizava-se como predominantemente
residencial, apresentando a maior densidade populacional de todo o Centro Histórico,
com 64,3% dos imóveis considerados próprios (no Pelourinho-Sé apenas 14,2%
apresentavam esta condição - Censo 2000). Nesta subárea, as intervenções realizadas
através de programas como o Monumenta, Pró Moradia e o Rememorar, objetivaram,
sobretudo, a recuperação de imóveis com fins residenciais e a qualificação de áreas
ocupadas em situação de risco e de extrema pobreza. O grande diferencial do Santo
Antônio-Carmo, que até este momento tem sido, inclusive, o elemento central na
atratividade de turistas e investidores, reside no amplo patrimônio imaterial aí existente,
engrandecido pela ambiência especial proporcionada pela Baía de Todos os Santos. As
tradições, a religiosidade, as celebrações locais organizadas pela comunidade, o jeito de
viver dos residentes, configuram um cenário bucólico, fruto de um ambiente interiorano
e, ao mesmo tempo, internacionalizado.
Embora a intervenção pública nesta área tenha ocorrido de forma distinta do observado
no subespaço Pelourinho/Sé/Taboão, com a recuperação de imóveis residenciais, com
9 Conforme Clarindo Silva (ED/2009), empresário atuante no CHS, desde 2004 cerca de 52 unidades empresariais encerraram suas atividades nesta parte da cidade.
vistas à permanência da população local, esta subárea tem sofrido transformações
expressivas em decorrência da expansão da atividade turística. Desde 2005 o
Carmo/Santo Antônio vem atraindo empreendimentos turísticos direcionados a um
público de mais elevado poder aquisitivo, em grande parte estrangeiro, com destaque
para hotéis, “pousadas de charme”, restaurantes e bares temáticos.
Como registram os dados do Censo Empresarial do Centro Histórico da Cidade de
Salvador, o Carmo/Santo Antônio, com uma ampla gama de serviços turísticos,
concentra 29,6% das lanchonetes, 27,%3 dos bares e 23,5% dos restaurantes e similares
do CHS (Tabela 1). Conforme informações da Bahiatursa/Embratur, esta subárea lidera
a oferta de meios de hospedagem do CHS e concentra cerca 7,8% das agências de
viagem do CAS (Tabela 2) .
O direcionamento de parte expressiva das suas empresas para o turismo também implica
na grande dependência do Carmo/Santo Antônio para com esta atividade. Mas, embora
apresente carências comuns ao Pelourinho/Sé/Taboão, que dificultam à expansão da
atividade turística, sobretudo no que se refere a aspectos relativos à infra-estrutura de
serviços urbanos — limpeza e segurança — e a carências de espaços para
estacionamento e de mecanismos de divulgação, as unidades empresariais dessa subárea
apresentam-se mais competitivas do que as da primeira, principalmente no que se
tocante à oferta de serviços diferenciados e às iniciativas de trabalho em parceria ente os
diversos agentes do turismo10.
Outras Subáreas do CHS
A subárea São Bento/Misericórdia, embora pioneiro na cidade na recepção de
empreendimentos turísticos, inclusive de alto padrão, como o Hotel Chile, de
propriedade do Sr. Júlio Rodrigues, edificado na primeira década do Século XX, que se
vangloriava de ter a preferência de Ruy Babosa, e o Pálace Hotel, construído em 1934
(QUEIROZ, 2002, p. 25), caracteriza-se na atualidade por concentrar atividades
10 Conforme Eric Gouguenheim, proprietário da Pousada das Flores (ED/2009), foi criada nesta subárea a Associação dos Amigos o Bairro do Santo Antônio, entidade ainda não regulamentada, que objetiva propiciar melhorias e organização ao bairro, principalmente nos quesitos segurança pública e limpeza urbana. No Pelourinho/Sé/Taboão as organizações empresariais existentes — grupo Chama e Associação dos Comerciantes do Pelourinho — estão praticamente desativadas, caso da primeira dentre elas, ou enfrentando intensas dificuldades para desenvolver as suas atividades, situação em que se pode enquadrar a segunda (RABÊLLO e LIBÂNIO, Marcos, ED/2009).
comerciais (28,4% das suas empresas) e de serviços especializados (22,1%),
predominando, dentre esses últimos, os escritórios de advocacia e contabilidade
(18,3%), conforme o Censo/Sebrae. De acordo com a Bahiatursa/Embratur, esta subárea
oferta 4,4% dos leitos disponíveis no CAS e idêntico percentual de agências de viagens
(Tabela 2).
A Barroquinha-Ladeira da Praça caracteriza-se como uma subárea de restrita incidência
de equipamentos e fluxos turísticos. Com 13 meios de hospedagem e 02 agências de
viagens, responde por 9,0% da oferta de leitos do CAS e por 1,7% das unidades
empresariais direcionadas ao agenciamento (Tabela 2). Embora sem tradição turística,
este subespaço está sendo contemplado atualmente com um novo projeto na área
cultural que poderá provocar mudanças na sua recepção de fluxos de visitantes,
residentes ou não na cidade: o Espaço Cultural da Barroquinha.
Entorno do CHS
No Entorno do CHS o Campo Grande/Piedade/Mouraria sobressai na oferta de meios de
hospedagem, apresentando, conforme Bahiatursa e Embratur, o maior número de leitos
de todo o CAS (2.914 unidades), além de 18,3% das agências de viagens (Tabela 2).
Nesta subárea, situada próxima a bairros tradicionalmente ocupados pela população de
mais elevados rendimentos, estão localizados equipamentos culturais de expressão,
como o Teatro Castro Alves e o Teatro Vila Velha, além de inúmeros bares e
restaurantes direcionados tanto às classes de maior poder aquisitivo, quanto à população
de renda média a baixa, ofertando, assim, um leque diversificado de opções para os
turistas.
O subespaço Nazaré/Barbalho, respondendo por cerca de 10% da oferta de leitos e por
4% das agências de viagem do CAS (Bahiatursa/Embratur), apresenta importantes
equipamentos de lazer, esporte e cultura, como o Dique do Tororó e o Centro Cultural
Barroco da Bahia, na Saúde. Compondo o projeto Barroco da Bahia, que objetiva
revitalizar e estimular, na forma mais autêntica possível, a música clássica em geral e
sacra, em especial, na cidade de Salvador, o Centro Cultural dispõe de uma sala para
música de câmara, com um piano de cauda e um órgão de tubos, a "Sala Dom Lucas
Moreira Neves", o "Berlin-Café" e uma pousada, com vinte e cinco unidades
habitacionais. Conforme informações prestadas por Ricardo Vieira, administrador
(entrevistado em 27/03/09), a pousada recebe, sobretudo, turistas estrangeiros (60%),
com destaque para os alemães. De forma a contribuir com a revitalização do seu
entorno, e também melhorar a ambiência para os seus clientes, o Centro Cultural
Barroco da Bahia restaurou a fachada de três casarões localizados nas suas
proximidades.
O subespaço Contorno/Comércio, e, sobretudo, a Av. Contorno, vem sendo ocupado
por empreendimentos, como restaurantes, marina e flats, empresas de eventos, dirigidos
a um público seleto, de alto poder aquisitivo. Nesta área estão localizadas 47,8% das
agências de viagem do CAS, conforme a Bahiatursa/Embratur, em sua grande maioria,
direcionada para o turismo emissivo. Há que se ressaltar a elevada presença de
empreendimentos turísticos nesta área, a exemplo de locadoras de automóveis e
agências de viagens, que aproveitando os incentivos fiscais oferecidos pela prefeitura
municipal — redução do Imposto sobre Serviço (ISS), de 5% para 3% — associaram-se
a escritórios virtuais, transferindo os seus endereços para a região do Comércio, embora
permanecessem atuando em outras partes da cidade. Com o fim do incentivo para esse
tipo de empreendimento, estas empresas estão migrando para outros bairros de Salvador
(BARBOSA, A. ED/2009)
Cabe também mencionar a implantação de um importante equipamento cultural neste
subespaço, o Museu Du Ritmo, inaugurado em fevereiro de 2008. Ocupando o antigo
Mercado do Ouro, edificado em 1879, este empreendimento, que congrega área para
espetáculos musicais, teatrais, e para os mais diversos eventos culturais, como
exposição de arte, dentre outros, tem atraído um público significativo de visitantes para
a região do Comércio, sobretudo durante o verão baiano.
A subárea Calçada/Água de Meninos, detentora de um número pouco expressivo de
agências de viagens (apenas uma unidade encontra-se registrada na
Bahiatursa/Embratur) e de uma oferta de meios de hospedagem equivalente a 14,1% do
total disponível no CAS (Tabela 2), apresenta apelos turísticos como a Feira de São
Joaquim. Centro cultural e de comércio existente há 42 anos, onde são encontrados
produtos típicos – desde alimentos a vestuários e artesanatos — e artigos utilizados nos
cultos de origem afro, a feira tem despertado a atenção de alguns visitantes, sobretudo
estrangeiros, interessados no turismo étnico, e de agências de viagem que já estão
incorporando este atrativo nos seus roteiros turísticos definidos para Salvador.
III.2. Análise das potencialidades do patrimônio cultural para a atividade turística
do CAS
O Centro Antigo de Salvador se constitui, sem dúvida, na área da cidade que congrega
um maior número de equipamentos culturais e que apresenta uma maior atratividade
para os adeptos do turismo cultural, definido pelo Instituto Brasileiro de Turismo
(Embratur) como “aquele que se pratica para satisfazer o desejo de emoções artísticas e
informação cultural, por meio da visita a monumentos históricos ou relacionados a
obras de arte, relíquias, antiguidades, concertos, museus, pinacotecas (EMBRATUR,
apud QUEIROZ, Mércia, 2009, p. 220)11.
Segundo o Censo Cultural 2002-2006, o CAS responde por 91,4% dos equipamentos
culturais da capital baiana. Nesse conjunto, destacam-se, em termos de número de
equipamentos, as bibliotecas (correspondendo a 27,2%), os museus (16,2%), as igrejas e
os conventos (13,2%) e as galerias (11,1%). Pesquisa realizada recentemente pela
Secretaria da Cultura nos equipamentos culturais de Salvador, com uma amostra
correspondente a 96,1% do universo, revelou que a maior parte desses equipamentos
está concentrada no Entorno do CHS (40,3%), com destaque para a subárea Campo
Grande/Dois de Julho (25,5%), e no CHS (39,8%), sobretudo, no Pelourinho/Sé/Taboão
(17,9%) e São Bento/Misericórdia (16,3%) – Gráfico 1.
Gráfico 1 – Equipamentos Culturais no CAS, 2009
11 In: QUEIROZ, Lúcia Aquino de e SOUZA, Regina Celeste de Almeida. Caminhos do Recôncavo, Programa Monumenta/Unesco/BID/Minc, 2009.
Fonte: SECULT - Pesquisa dos Equipamentos Culturais