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A ECONOMIA DO TURISMO NO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR Lúcia Aquino de Queiroz 1 I – A importância do território para o desenvolvimento turístico O turismo, uma das principais atividades econômicas da atualidade, vem atravessando, desde as últimas décadas, intensas transformações. A aceleração da globalização econômica, os avanços tecnológicos, os processos de descentralização política e re (valorização) dos governos locais, a valorização das culturas, a percepção das viagens como fonte de conhecimento e de reposição de energias diante dos desgastes da vida cotidiana, a ampliação dos relacionamentos entre os povos, dentre outros fenômenos, vêm provocando o despontar de um novo cenário turístico. Ao tempo em que a hegemonia do modelo convencional e dos espaços turísticos tradicionais passa a ser questionada, o turismo urbano adquire um novo impulso, respaldado pela valorização turística das novas experiências e do território, compreendido enquanto o “lócus” da realização da atividade turística. A importância do turismo nas cidades, espaços privilegiados de concentração criativa, simbólica e produtiva, é hoje 1 Doutora em Planejamento Regional e Desenvolvimento Territorial pela Universidade de Barcelona, Mestre em Administração, Especialista em Economia e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), consultora, pesquisadora e autora de diversos livros e artigos na área do Turismo.

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Page 1: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

A ECONOMIA DO TURISMO NO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR

Lúcia Aquino de Queiroz1

I – A importância do território para o desenvolvimento turístico

O turismo, uma das principais atividades econômicas da atualidade, vem atravessando,

desde as últimas décadas, intensas transformações. A aceleração da globalização

econômica, os avanços tecnológicos, os processos de descentralização política e re

(valorização) dos governos locais, a valorização das culturas, a percepção das viagens

como fonte de conhecimento e de reposição de energias diante dos desgastes da vida

cotidiana, a ampliação dos relacionamentos entre os povos, dentre outros fenômenos,

vêm provocando o despontar de um novo cenário turístico. Ao tempo em que a

hegemonia do modelo convencional e dos espaços turísticos tradicionais passa a ser

questionada, o turismo urbano adquire um novo impulso, respaldado pela valorização

turística das novas experiências e do território, compreendido enquanto o “lócus” da

realização da atividade turística.

A importância do turismo nas cidades, espaços privilegiados de concentração criativa,

simbólica e produtiva, é hoje indiscutível. Buscando adaptar-se à concorrência

estabelecida na etapa atual de crescimento pós-industrial e de globalização econômica e

manter uma posição hierárquica relevante, as cidades têm sido palco para a realização

de grandes investimentos em infra-estrutura, equipamentos e serviços. O turismo, ao

tempo em que se beneficia desses investimentos, tem possibilitado a que cidades,

situadas nos mais distintos pontos do planeta, estejam mantendo a sua competitividade

urbana2, e, até mesmo, ampliando-a, e solucionando questões desafiantes, como a

recuperação do seu patrimônio histórico-cultural e a sustentabilidade das suas áreas

centrais, ainda que estas soluções não estejam isentas de crítica e que algumas vezes

possam servir como um alerta a não adoção de estratégias similares em outras

realidades.

1 Doutora em Planejamento Regional e Desenvolvimento Territorial pela Universidade de Barcelona, Mestre em Administração, Especialista em Economia e Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), consultora, pesquisadora e autora de diversos livros e artigos na área do Turismo.2 Desde Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, às cidades européias como Paris, Barcelona, Bilbao, Málaga, Lisboa, norte-americanas, como Los Angeles e Nova Iorque, dentre outras.

Page 2: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

A percepção do “valor do lugar”, de sua cultura, de sua identidade, pela demanda

turística, em um cenário de intensa competitividade global, vem conduzindo à expansão

de novas modalidades de turismo associadas às cidades, e propiciando o fortalecimento

da segmentação turística. O crescimento do papel atribuído à cultura na definição dos

lugares e, mais especificamente, na composição de sua identidade, tem possibilitado a

que o turismo cultural se destaque como um segmento em franca expansão, um dos

grandes responsáveis pelo incremento da atividade turística mundial.

Aproveitando-se da valorização da cultura como um dos elementos centrais da oferta

turística, cidades, situadas nos mais distintos pontos do planeta, estão buscando

revitalizar e preservar o seu patrimônio cultural com vistas à ampliação da sua

competitividade urbano-turística. Entretanto, sendo o turismo um fenômeno

genuinamente territorial, que utiliza o território como espaço de consumo e de

produção, impactando-o e sendo por este impactado, positiva ou negativamente, o

desenvolvimento turístico irá pressupor, mais do que a necessária articulação a aspectos

externos, que, dentre outros fatores, podem viabilizar a qualificação da oferta local, uma

integração territorial, também compreendida como a capacidade de organização

socioeconômica e política dos territórios.

Dada a importância do território para o turismo, a ocorrência do desenvolvimento

turístico, compreendido enquanto ‘[...] um processo de mudanças que permita superar

problemas e construir uma sociedade mais justa, com significativa redução da pobreza,

e vivendo com mais qualidade de vida [...] (SILVA, 2003, p. 162) irá requerer o

emprego de instrumentos que possibilitem aos destinos turísticos a transformação de

vantagens comparativas, baseadas no aproveitamento intensivo dos recursos turísticos,

em vantagens competitivas, pautadas na flexibilização da oferta e no uso racional dos

recursos (REBOLLO, 1996, p. 87). Ou seja, a adoção de mecanismos de gerenciamento

e ordenamento territorial do turismo que viabilizem a qualificação de espaços turísticos,

contribuindo para a revitalização de áreas degradadas, possibilitando ao

desenvolvimento turístico atuar como “um ponto de arranque para a correção de

desequilíbrios espaciais” (ID., 1996, p. 89).

Em essência, o gerenciamento e o ordenamento territorial do turismo tornaram-se

grandes desafios para muitas cidades, concomitantemente ao crescimento das

Page 3: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

expectativas para com o desenvolvimento do turismo urbano, e isso não apenas para as

urbes localizadas em países periféricos ou em desenvolvimento. Também nas

economias centrais espera-se que o desenvolvimento do turismo urbano possa

reequilibrar a economia urbana gerando novas e regenerando áreas defasadas.

Entretanto, para que essas ações possam obter sucesso como instrumentos de política

social, devem incorporar aspectos como a preocupação com a geração e manutenção de

empregos, redução da criminalidade, criação de um ambiente saudável, fornecimento de

moradia aos sem-teto, de transporte público, dentre outros. Ou seja, devem contemplar

não apenas os interesses do governo, das empresas ou dos turistas, mas dos diversos

segmentos representantes das comunidades locais na organização social e política do

território, o que se apresenta como um desafio ainda mais intenso quando se trata de

territórios permeados por conflitos políticos, econômicos e sociais, como os presentes

na cidade de Salvador.

II – A economia do turismo em Salvador

Salvador, capital da Bahia, mais importante cidade do Hemisfério Sul nos séculos XVII

e XVIII, herdou um grande patrimônio arquitetônico do período colonial, pelo qual

recebeu o título de Cidade Patrimônio da Humanidade, concedido pela Unesco em

1985, e também um rico legado cultural de origem africana, que a tornaram peculiar em

termos de musicalidade, de gastronomia, de religiosidade. O vasto patrimônio histórico

e artístico de Salvador, as condições climáticas — temperatura ao redor de 25º C — e

físicas de seu espaço urbano, que dispõe de aproximadamente 50 km de praias,

correspondentes a 1/3 da costa da Baía de Todos os Santos, e as atividades econômicas

e administrativas desenvolvidas no seu espaço urbano, conformam hoje uma cidade

miscigenada, dotada de belezas naturais e características próprias, que a diferenciam de

outras urbes do país e do mundo, singularizando-a e tornando-a atrativa para o turismo.

Reunindo um conjunto de atributos propícios à exploração de diversos segmentos

turísticos, como o histórico-cultural, de lazer litorâneo, náutico, de eventos,

gastronômico, de negócios, dentre outros, Salvador apresenta um amplo potencial para

expansão da economia do turismo. Para tanto, junto à superação de desafios estruturais,

decorrentes dos processos históricos de organização socioeconômica e política do seu

território, como os referentes ao quadro social — mendicância, violência urbana,

Page 4: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

marginalidade — e de deficiências da infra-estrutura urbana e turística — transporte

urbano, sinalização turística, limpeza urbana, acessibilidade aérea e terrestre, dentre

outros —, deverá potencializar os seus segmentos turísticos, a exemplo do turismo

cultural, para o qual possui uma expressiva oferta potencial a ser qualificada.

Conforme estimativas ainda preliminares divulgadas pela Secretaria de Turismo (Setur)

que, junto à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), vem realizando

pesquisas objetivando aprimorar as estatísticas do turismo no Estado e dar continuidade

à produção de indicadores turísticos, a Bahia recebeu em 2008 um fluxo equivalente a

3,5 milhões de turistas, e, em 2009 deverão ser atraídos cerca de 4 a 4,5 milhões de

turistas ao Estado. Ainda segundo as previsões da Setur, o turismo tem proporcionado à

Bahia a geração de 172.053 empregos diretos e 400 mil indiretos, mantendo uma

participação de 6,8% no PIB estadual. Apesar da representatividade já alcançada, o

turismo ainda tem um amplo potencial a ser explorado na Bahia, assim como no Brasil,

país que respondeu por apenas 0,6% do fluxo e 0,56% da receita do turismo mundial em

2007, de acordo com dados do Ministério do Turismo e da Organização Mundial do

Turismo (OMT).

Salvador, principal destino turístico da Bahia, além dos seus atrativos, dispõe de uma

considerável oferta de equipamentos e serviços turísticos, que em parte requer

qualificação, formada por um parque hoteleiro com 404 meios de hospedagem, entre

albergues, pousadas, hotéis, apart-hotéis, flats, disponibilizando 15.122 unidades

habitacionais e 34.592 leitos, por 522 agências de viagem (BAHIATURSA,

EMBRATUR, 2008), além de diversos bares, restaurantes e equipamentos culturais, de

compras e lazer. Embora os indicadores de fluxo e receita turísticos ainda não estejam

disponíveis para a capital baiana, a pesquisa Caracterização e Dimensionamento do

Turismo Receptivo, da FIPE/Setur, realizada em julho de 2008, possibilita uma analise

do perfil do turista em visita a este destino. Conforme a pesquisa, o principal fluxo para

a capital é formado por residentes no próprio Estado. Dentre os turistas procedentes de

outros estados predominam os paulistas e mineiros. A faixa etária de maior incidência

situa-se entre 32 a 44 anos, registrando-se uma participação mais expressiva de

visitantes com nível médio e superior completos.

Segundo os entrevistados, o lazer foi o principal motivo de viagem, impulsionado,

sobretudo, pelos atrativos naturais, sendo também significativo o número de turistas

Page 5: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

cujo motivo da visita a Salvador foi atribuído a negócios ou trabalho. Apenas 1,6%

afirmaram terem sido motivados pelo turismo Étnico-Afro e, para esse conjunto, o

artesanato e a religião são os principais apelos da cidade. Com uma renda média situada

em torno de R$ 4 mil reais, os turistas efetuaram de 1 a 4 pernoites neste centro urbano.

As viagens individuais predominaram e os principais fatores para a escolha do destino

foram os comentários de amigos e parentes e o conhecimento prévio da localidade.

Dentre os meios de comunicação que mais influenciaram os turistas a internet tem

preponderância absoluta, seguida a larga distância, pela propaganda em revista,

televisão, folheto e, por fim, anúncio de jornal.

Ainda de acordo com a pesquisa Caracterização e Dimensionamento do Turismo

Receptivo realizada em Salvador, os atrativos naturais, o patrimônio histórico e cultural,

as manifestações populares e a hospitalidade foram itens considerados positivos pela

maioria dos turistas. No conjunto dos pontos elencados como negativos, sobressaem,

entre outros, a informação e a sinalização turística, os serviços médicos e as

comunicações. Os preços praticados na capital baiana foram considerados normais. A

maioria dos turistas entrevistados manifestou intenção em retornar ao destino e declarou

que o recomendaria para amigos e parentes.

Cidade à beira-mar dotada de rico conjunto arquitetônico colonial e de um patrimônio

imaterial singular, Salvador possui, inegavelmente, um amplo potencial turístico.

Entretanto, ainda são muitos os desafios que a capital baiana terá que enfrentar para se

constituir, de fato, em um destino turístico de expressão no mercado mundial de cidades

turísticas. Terá que superar desafios referentes ao seu grave quadro social à infra-

estrutura urbana e turística, à oferta de equipamentos e serviços de qualidade e com

preços competitivos, às ações de divulgação/promoção nacional e internacional, etc.

No que se refere aos equipamentos e serviços, estão previstos para o turismo da capital

baiana, entre 2009 e 2016, investimentos privados equivalentes a US$ 303 milhões, que

deverão acrescentar mais 2.707 Unidades Habitacionais ao parque de hospedagem da

cidade, gerando cerca de 2.844 empregos diretos. Salvador, que responde por quase

metade do fluxo turístico estadual, deverá receber investimentos privados equivalentes a

5,43% do total de recursos previstos para serem aplicados no turismo estadual. As áreas

com maior potencial de atração localizam-se, destacadamente, na Costa dos Coqueiros,

Page 6: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

que responde por 58,2% das inversões; em seguida aparecem, como zonas turísticas

mais demandadas pelos investidores, a Baía de Todos os Santos e a Costa do

Descobrimento, absorvendo, respectivamente, 16,9% e 14,9% dos investimentos

programados (dados da SETUR, 2009).

Com restrita expressividade na captação dos investimentos privados previstos para o

Estado, Salvador terá que enfrentar, de fato, grandes desafios para ampliar a sua

competitividade turística. Dentre esses, destacam-se: a atração de investimentos que

possibilitem requalificar a orla marítima e constituir uma oferta adensada de

equipamentos e serviços turístico na área litorânea; o desenvolvimento de trabalhos em

parceria com outras capitais do Nordeste, objetivando, sobretudo, produção de estudos e

indicadores e fortalecimento do marketing regional; o fortalecimento da oferta turística

da área central da cidade, disponibilizando produtos e serviços competitivos para o

segmento do turismo cultural; a criação de produtos/serviços inovadores, dentre outros

diferenciais de expressão para atrair a demanda doméstica e das regiões vizinhas e para

ampliar o tempo de permanência dos visitantes; a integração econômica da cadeia

produtiva do turismo de modo a ampliar os ganhos dos agentes envolvidos com esta

atividade; o fomento à gestão descentralizada em distintas regiões turísticas da cidade e

o desenvolvimento de um trabalho efetivo de gestão colegiada da atividade turística da

capital e de ordenamento territorial do turismo.

III - O turismo no Centro Antigo de Salvador

O Centro Antigo de Salvador (CAS), aglutinando a maior parte da oferta turística da

cidade para o segmento do turismo cultural, composta pelo seu valioso patrimônio

arquitetônico — monumentos implantados entre os séculos XVI e XIX —, bem como

pelo patrimônio imaterial — os saberes e fazeres da população local; as manifestações

populares, etc. — apresenta elevado potencial para desenvolvimento do turismo. A

partir dos anos 1990, o conjunto das políticas públicas3 direcionadas ao CAS

possibilitou a conformação, do ponto de vista da economia do turismo, de um território

dotado de subáreas diferenciadas, que apresentam hoje uma dinâmica própria e

vivenciam problemas específicos, embora também convivam com questões desafiantes

3 Compreendendo as ações e as inações dos Poderes Públicos.

Page 7: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

que são comuns ao conjunto da Área Central e, até mesmo, a outras áreas da cidade de

Salvador.

III.1. Perfil qualitativo dos equipamentos e serviços turísticos do CAS

Subárea Pelourinho/Sé/Taboão

Pioneira na recepção dos investimentos públicos realizados nos anos 1990 com vistas à

recuperação do conjunto arquitetônico do Centro Histórico de Salvador (CHS) e à

formação de um enclave entre o Terreiro de Jesus e o Largo do Pelourinho, que

funcionaria como um “shopping center ao ar livre”4, estimulando as atividades

comerciais e de serviços, sobretudo turísticos, e deslocando a função residencial para as

áreas periféricas do CAS, esta subárea caracteriza-se por apresentar um número

expressivo de equipamentos direcionados ao turismo e atividades correlatas. Conforme

o Censo Empresarial Sebrae 2008, o Pelourinho/Sé/Taboão concentra a maior oferta de

serviços turísticos e de lazer e animação do CHS aglutinando grande parte dos

restaurantes (54,9%), bares (57,6%), lanchonetes, sorveterias, casas de suco (37,0%),

equipamentos de arte, cultura — destacadamente, museus, teatros e cinemas — esporte

e recreação (85,7%), além do comércio de bijuterias, suvenires e artesanato (82,1%) —

Tabela 1.

Tabela 1 — Atividades Turísticas e Correlatas — Sub-Setores Selecionados

Discriminação CHS Pelourinho/Sé/Taboão Carmo/Santo Antônio

Além do Carmo Total

Número % Número % Número %Número

%

Artes, Cultura, Esporte e Recreação (Cinema, Teatros, Museus, etc.)

1 14,3 6 85,7 0 0,0 7 100,0

Bijuterias, Suvenires, Artesanato e Artigos para Presente

0 0,0 32 82,1 7 17,9 39 100,0

Restaurantes e similares 11 21,6 28 54,9 12 23,5 51 100,0Bares e outros equipamentos especializados em servir bebidas

5 15,2 19 57,6 9 27,3 33 100,0

Lanchonetes, Pastelarias, Casas de sucos, Sorveteria, Banca de Lanches, etc.

9 33,3 10 37,0 8 29,6 27 100,0

Fonte: Censo Empresarial do Centro Histórico da Cidade de Salvador, Sebrae, 2008.

4 Este “shopping” teria por diferencial a fusão do lazer, da cultura e do consumo em uma área histórica (SANT’ANNA, op. cit., p 75).

Page 8: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

A subárea Pelourinho/Sé/Taboão também apresenta expressividade no total de

equipamentos de hospedagem e agenciamento do CHS e do CAS, embora, neste último

caso, a maior parte desta oferta esteja situada no Entorno do Centro Antigo. Em seu

conjunto, o CAS responde por 34,4% dos meios de hospedagem, 21,4% da oferta de

leitos e 22% das agências de viagem de Salvador (Tabela 2). Considerando-se

exclusivamente o CHS, a subárea Pelourinho/Sé/Taboão assume a liderança na oferta de

agências de viagens e de leitos, sendo, superada, porém, pelo Carmo/Santo Antônio

Além do Carmo em número de meios de hospedagem (Tabela 2).

Tabela 2 — Meios de Hospedagem (Mar./08) e Agências de Viagem do CAS (Jan./09)

NúmeroMeios de Hospedagem

%Meios de Hospedagem

Número Leitos % Leitos

Número de Agências Viagem

% Agências de Viagem

São Bento/Misericórdia 6 4,32 329 4,45 5 4,35

Pelourinho/Sé/Taboão 25 17,99 1080 14,61 17 14,78Carmo/ Santo Antônio Além do Carmo 27 19,42 839 11,35 9 7,83

Barroquinha/Ladeira da Praça 13 9,35 666 9,01 2 1,74CHS 71 51,08 2914 39,42 33 28,70

Campo Grande/Piedade /Mouraria 36 25,90 2679 36,24 21 18,26

Nazaré/Barbalho 18 12,95 759 10,27 5 4,35Contorno/Comércio 0 0,00 0 0,00 55 47,83Calçada/Água de Meninos 14 10,07 1040 14,07 1 0,87

Entorno do CHS 68 48,92 4478 60,58 82 71,30CAS 139 100,00 7392 100,00 115 100,00

Salvador 404 - 34.592 - 522 -CAS/Salvador - 34,41 - 21,37 - 22,03Fonte: Bahiatursa/Embratur

O estreito relacionamento entre as empresas do Pelourinho/Sé/Taboão e o turismo

conduz a que o desempenho empresarial desta subárea seja amplamente vulnerável ao

comportamento dessa atividade, sofrendo diretamente os impactos dos movimentos da

sua demanda. E além das influências de fatores externos, como as articulações e

interesses dos grupos empresariais que dominam esta atividade em termos globais, os

resultados da economia do turismo em escala mundial, nacional e local5, os reflexos da

política cambial, do modismo, da acessibilidade à capital baiana, dentre outros, o

turismo desta subárea é também impactado por questões internas atreladas à dinâmica

desse território.

5 Referindo-se à cidade de Salvador.

Page 9: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

Embora seja a subárea do CAS que concentra uma mais ampla oferta direcionada ao

turismo, o Pelourinho/Sé/Taboão também apresenta um conjunto de problemas que

dificultam a atração de um fluxo mais expressivo de visitantes e, até mesmo, de

residentes, o que compromete a viabilidade econômica das unidades empresariais aí

instaladas e a expansão da atividade turística desta subárea. A inexistência, desde os

primeiros anos da reforma até os dias atuais, de uma instituição com atribuições

definidas capaz de estabelecer um ordenamento e gerenciamento do território e de

conduzir os conflitos que naturalmente ocorrem entre moradores, comerciantes, turistas

e empresas de turismo, impediu o bom funcionamento e o crescimento harmônico das

atividades econômicas dessa subárea, levando a uma série de entraves como a

desorganização das vias de circulação, com a expansão de algumas unidades

empresariais para fora dos limites do seu negócio, ocupando os passeios com objetos,

anúncios, etc.; a poluição sonora gerada pelos próprios estabelecimentos, o assédio de

vendedores ambulantes, das “baianas”, dos menores pedintes, dentre outros, por todos

os lados, nas ruas, nas praças, inclusive dentro de bares e restaurantes; a marginalidade,

a prostituição6, a violência, as drogas; o despreparo da mão-de-obra local,

destacadamente para atendimento aos visitantes, sobretudo estrangeiros.

A dinâmica atual do Pelourinho/Sé/Taboão indica ser esta a subárea do CAS em que o

desafio da sustentabilidade tende a ser mais intenso. Após a intervenção dos anos 1990

esta subárea transformou-se em um território muitas vezes identificado como artificial e

carente de “interações sociais plurais e história”7. Esta “perda de historicidade”8 embora

não percebida pelo conjunto dos seus visitantes, desagrada a muitos, sobretudo aos

adeptos de um turismo que valoriza a autenticidade cultural. Em face aos conflitos e

tensões cotidianas, as empresas de turismo – operadoras, agências e guias de turismo –

estão optando pela promoção de um tour restrito e pontual no Centro Histórico,

privilegiando unidades empresariais com as quais mantém acordos de parceria ou

comissionamento, ou direcionando-se a uma rápida visitação a monumentos mais

divulgados e procurados. O perfil dos turistas de maior freqüência a este espaço passou

a ser caracterizado, sobretudo, por estrangeiros, mochileiros, de baixo poder de

consumo que muitas vezes vêm em busca do exótico, da integração com novas pessoas

6 Não se pode negar que este é também um fator de atração para alguns turistas, e que necessita ser amplamente coibido quando relacionado a menores.7 Expressão utilizada por Paoli, em análise do Centro Histórico do Recife (LEITE, apud QUEIROZ, 2007,).8 Jamelson, apud Sant’Anna, op. cit., p. 51.

Page 10: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

e culturas, interagem sem muitos problema com a população local, participam das

atividades, sobretudo as gratuitas, mas propiciam um retorno pouco expressivo para as

atividades econômicas aí desenvolvidas (RABÊLO, Ângela, ED/2009). Identifica-se

uma falta de integração entre os diversos agentes da cadeia do turismo, o que dificulta a

realização de atividades em parceria e o incremento de ganhos mútuos. As empresas que

comercializam produtos e serviços turísticos, sobretudo artesanato e artigos de

vestuário, em geral estabelecem uma concorrência predatória via preços, sem oferecer

grandes diferenciações nos artigos comercializados. A retração da demanda além de ter

conduzido ao fechamento de diversas unidades empresariais9, vem dificultando a

manutenção da qualidade das empresas aí localizadas (BRANDÃO, Paulo, ED/2009).

Esta subárea convive ainda com a carência de fortes ações de publicidade nos principais

destinos emissores de turistas do país e do exterior, de espaços de estacionamento

gratuitos ou que pratiquem preços acessíveis, aspectos que, junto aos demais,

comprometem a sua competitividade turística.

Subárea Carmo/Santo Antônio Além do Carmo

Até inícios dos anos 2000 esta subárea caracterizava-se como predominantemente

residencial, apresentando a maior densidade populacional de todo o Centro Histórico,

com 64,3% dos imóveis considerados próprios (no Pelourinho-Sé apenas 14,2%

apresentavam esta condição - Censo 2000). Nesta subárea, as intervenções realizadas

através de programas como o Monumenta, Pró Moradia e o Rememorar, objetivaram,

sobretudo, a recuperação de imóveis com fins residenciais e a qualificação de áreas

ocupadas em situação de risco e de extrema pobreza. O grande diferencial do Santo

Antônio-Carmo, que até este momento tem sido, inclusive, o elemento central na

atratividade de turistas e investidores, reside no amplo patrimônio imaterial aí existente,

engrandecido pela ambiência especial proporcionada pela Baía de Todos os Santos. As

tradições, a religiosidade, as celebrações locais organizadas pela comunidade, o jeito de

viver dos residentes, configuram um cenário bucólico, fruto de um ambiente interiorano

e, ao mesmo tempo, internacionalizado.

Embora a intervenção pública nesta área tenha ocorrido de forma distinta do observado

no subespaço Pelourinho/Sé/Taboão, com a recuperação de imóveis residenciais, com

9 Conforme Clarindo Silva (ED/2009), empresário atuante no CHS, desde 2004 cerca de 52 unidades empresariais encerraram suas atividades nesta parte da cidade.

Page 11: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

vistas à permanência da população local, esta subárea tem sofrido transformações

expressivas em decorrência da expansão da atividade turística. Desde 2005 o

Carmo/Santo Antônio vem atraindo empreendimentos turísticos direcionados a um

público de mais elevado poder aquisitivo, em grande parte estrangeiro, com destaque

para hotéis, “pousadas de charme”, restaurantes e bares temáticos.

Como registram os dados do Censo Empresarial do Centro Histórico da Cidade de

Salvador, o Carmo/Santo Antônio, com uma ampla gama de serviços turísticos,

concentra 29,6% das lanchonetes, 27,%3 dos bares e 23,5% dos restaurantes e similares

do CHS (Tabela 1). Conforme informações da Bahiatursa/Embratur, esta subárea lidera

a oferta de meios de hospedagem do CHS e concentra cerca 7,8% das agências de

viagem do CAS (Tabela 2) .

O direcionamento de parte expressiva das suas empresas para o turismo também implica

na grande dependência do Carmo/Santo Antônio para com esta atividade. Mas, embora

apresente carências comuns ao Pelourinho/Sé/Taboão, que dificultam à expansão da

atividade turística, sobretudo no que se refere a aspectos relativos à infra-estrutura de

serviços urbanos — limpeza e segurança — e a carências de espaços para

estacionamento e de mecanismos de divulgação, as unidades empresariais dessa subárea

apresentam-se mais competitivas do que as da primeira, principalmente no que se

tocante à oferta de serviços diferenciados e às iniciativas de trabalho em parceria ente os

diversos agentes do turismo10.

Outras Subáreas do CHS

A subárea São Bento/Misericórdia, embora pioneiro na cidade na recepção de

empreendimentos turísticos, inclusive de alto padrão, como o Hotel Chile, de

propriedade do Sr. Júlio Rodrigues, edificado na primeira década do Século XX, que se

vangloriava de ter a preferência de Ruy Babosa, e o Pálace Hotel, construído em 1934

(QUEIROZ, 2002, p. 25), caracteriza-se na atualidade por concentrar atividades

10 Conforme Eric Gouguenheim, proprietário da Pousada das Flores (ED/2009), foi criada nesta subárea a Associação dos Amigos o Bairro do Santo Antônio, entidade ainda não regulamentada, que objetiva propiciar melhorias e organização ao bairro, principalmente nos quesitos segurança pública e limpeza urbana. No Pelourinho/Sé/Taboão as organizações empresariais existentes — grupo Chama e Associação dos Comerciantes do Pelourinho — estão praticamente desativadas, caso da primeira dentre elas, ou enfrentando intensas dificuldades para desenvolver as suas atividades, situação em que se pode enquadrar a segunda (RABÊLLO e LIBÂNIO, Marcos, ED/2009).

Page 12: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

comerciais (28,4% das suas empresas) e de serviços especializados (22,1%),

predominando, dentre esses últimos, os escritórios de advocacia e contabilidade

(18,3%), conforme o Censo/Sebrae. De acordo com a Bahiatursa/Embratur, esta subárea

oferta 4,4% dos leitos disponíveis no CAS e idêntico percentual de agências de viagens

(Tabela 2).

A Barroquinha-Ladeira da Praça caracteriza-se como uma subárea de restrita incidência

de equipamentos e fluxos turísticos. Com 13 meios de hospedagem e 02 agências de

viagens, responde por 9,0% da oferta de leitos do CAS e por 1,7% das unidades

empresariais direcionadas ao agenciamento (Tabela 2). Embora sem tradição turística,

este subespaço está sendo contemplado atualmente com um novo projeto na área

cultural que poderá provocar mudanças na sua recepção de fluxos de visitantes,

residentes ou não na cidade: o Espaço Cultural da Barroquinha.

Entorno do CHS

No Entorno do CHS o Campo Grande/Piedade/Mouraria sobressai na oferta de meios de

hospedagem, apresentando, conforme Bahiatursa e Embratur, o maior número de leitos

de todo o CAS (2.914 unidades), além de 18,3% das agências de viagens (Tabela 2).

Nesta subárea, situada próxima a bairros tradicionalmente ocupados pela população de

mais elevados rendimentos, estão localizados equipamentos culturais de expressão,

como o Teatro Castro Alves e o Teatro Vila Velha, além de inúmeros bares e

restaurantes direcionados tanto às classes de maior poder aquisitivo, quanto à população

de renda média a baixa, ofertando, assim, um leque diversificado de opções para os

turistas.

O subespaço Nazaré/Barbalho, respondendo por cerca de 10% da oferta de leitos e por

4% das agências de viagem do CAS (Bahiatursa/Embratur), apresenta importantes

equipamentos de lazer, esporte e cultura, como o Dique do Tororó e o Centro Cultural

Barroco da Bahia, na Saúde. Compondo o projeto Barroco da Bahia, que objetiva

revitalizar e estimular, na forma mais autêntica possível, a música clássica em geral e

sacra, em especial, na cidade de Salvador, o Centro Cultural dispõe de uma sala para

música de câmara, com um piano de cauda e um órgão de tubos, a "Sala Dom Lucas

Moreira Neves", o "Berlin-Café" e uma pousada, com vinte e cinco unidades

Page 13: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

habitacionais. Conforme informações prestadas por Ricardo Vieira, administrador

(entrevistado em 27/03/09), a pousada recebe, sobretudo, turistas estrangeiros (60%),

com destaque para os alemães. De forma a contribuir com a revitalização do seu

entorno, e também melhorar a ambiência para os seus clientes, o Centro Cultural

Barroco da Bahia restaurou a fachada de três casarões localizados nas suas

proximidades.

O subespaço Contorno/Comércio, e, sobretudo, a Av. Contorno, vem sendo ocupado

por empreendimentos, como restaurantes, marina e flats, empresas de eventos, dirigidos

a um público seleto, de alto poder aquisitivo. Nesta área estão localizadas 47,8% das

agências de viagem do CAS, conforme a Bahiatursa/Embratur, em sua grande maioria,

direcionada para o turismo emissivo. Há que se ressaltar a elevada presença de

empreendimentos turísticos nesta área, a exemplo de locadoras de automóveis e

agências de viagens, que aproveitando os incentivos fiscais oferecidos pela prefeitura

municipal — redução do Imposto sobre Serviço (ISS), de 5% para 3% — associaram-se

a escritórios virtuais, transferindo os seus endereços para a região do Comércio, embora

permanecessem atuando em outras partes da cidade. Com o fim do incentivo para esse

tipo de empreendimento, estas empresas estão migrando para outros bairros de Salvador

(BARBOSA, A. ED/2009)

Cabe também mencionar a implantação de um importante equipamento cultural neste

subespaço, o Museu Du Ritmo, inaugurado em fevereiro de 2008. Ocupando o antigo

Mercado do Ouro, edificado em 1879, este empreendimento, que congrega área para

espetáculos musicais, teatrais, e para os mais diversos eventos culturais, como

exposição de arte, dentre outros, tem atraído um público significativo de visitantes para

a região do Comércio, sobretudo durante o verão baiano.

A subárea Calçada/Água de Meninos, detentora de um número pouco expressivo de

agências de viagens (apenas uma unidade encontra-se registrada na

Bahiatursa/Embratur) e de uma oferta de meios de hospedagem equivalente a 14,1% do

total disponível no CAS (Tabela 2), apresenta apelos turísticos como a Feira de São

Joaquim. Centro cultural e de comércio existente há 42 anos, onde são encontrados

produtos típicos – desde alimentos a vestuários e artesanatos — e artigos utilizados nos

cultos de origem afro, a feira tem despertado a atenção de alguns visitantes, sobretudo

Page 14: Artigo a Economia Do Turismo No Centro Antigo de Salvador

estrangeiros, interessados no turismo étnico, e de agências de viagem que já estão

incorporando este atrativo nos seus roteiros turísticos definidos para Salvador.

III.2. Análise das potencialidades do patrimônio cultural para a atividade turística

do CAS

O Centro Antigo de Salvador se constitui, sem dúvida, na área da cidade que congrega

um maior número de equipamentos culturais e que apresenta uma maior atratividade

para os adeptos do turismo cultural, definido pelo Instituto Brasileiro de Turismo

(Embratur) como “aquele que se pratica para satisfazer o desejo de emoções artísticas e

informação cultural, por meio da visita a monumentos históricos ou relacionados a

obras de arte, relíquias, antiguidades, concertos, museus, pinacotecas (EMBRATUR,

apud QUEIROZ, Mércia, 2009, p. 220)11.

Segundo o Censo Cultural 2002-2006, o CAS responde por 91,4% dos equipamentos

culturais da capital baiana. Nesse conjunto, destacam-se, em termos de número de

equipamentos, as bibliotecas (correspondendo a 27,2%), os museus (16,2%), as igrejas e

os conventos (13,2%) e as galerias (11,1%). Pesquisa realizada recentemente pela

Secretaria da Cultura nos equipamentos culturais de Salvador, com uma amostra

correspondente a 96,1% do universo, revelou que a maior parte desses equipamentos

está concentrada no Entorno do CHS (40,3%), com destaque para a subárea Campo

Grande/Dois de Julho (25,5%), e no CHS (39,8%), sobretudo, no Pelourinho/Sé/Taboão

(17,9%) e São Bento/Misericórdia (16,3%) – Gráfico 1.

Gráfico 1 – Equipamentos Culturais no CAS, 2009

11 In: QUEIROZ, Lúcia Aquino de e SOUZA, Regina Celeste de Almeida. Caminhos do Recôncavo, Programa Monumenta/Unesco/BID/Minc, 2009.

Fonte: SECULT - Pesquisa dos Equipamentos Culturais