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Design e ciberliteratura - RotineiraMente 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Design e ciberliteratura - RotineiraMente Design and cyberliterature - RotineiraMente Arakawa, Cristiane Mayumi; Universidade Anhembi Morumbi [email protected] Brandão, Marcello Silviano; Universidade Anhembi Morumbi [email protected] Figueiroa, Vinicius Batista; Universidade Anhembi Morumbi [email protected] Koepke, João Gabriel; Universidade Anhembi Morumbi [email protected] Sakamoto, Juliana; Universidade Anhembi Morumbi [email protected] Valinhos, Silvio; Universidade Anhembi Morumbi [email protected] Valiukevicius, Jéssica; Universidade Anhembi Morumbi [email protected] Resumo O presente artigo tem por objetivo discutir questões relacionadas à potencialidade da ciberliteratura. Para isso, foi feita uma pesquisa exploratória por meio de levantamento bibliográfico que resultou na adoção de três obras como objetos de estudo: La Huella de Cosmos (2005) e Tierra de Extracción (1998), de Doménico Chiappe, e Amor de Clarice (2008), de Rui Torres; cada uma delas com particularidades a serem destacadas. Com base nisso, foi desenvolvida uma peça digital, intitulada “RotineiraMente”; e um aplicativo mobile, intitulada “Galinha em fuga, fundamentadas em contos da escritora Clarice Lispector, a fim de reunir leitores que, convidados a interagir com a obra, façam parte de sua construção, trazendo à tona a busca pela compreensão do que representa o uso do computador como ferramenta criativa em meio à convergência de mídias e à conectividade entre os indivíduos através da rede. Palavras Chave: design; ciberliteratura; Clarice Lispector.

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O presente artigo tem por objetivo discutir questões relacionadas à potencialidade da ciberliteratura.

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Design e ciberliteratura - RotineiraMente

9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design

Design e ciberliteratura - RotineiraMente

Design and cyberliterature - RotineiraMente

Arakawa, Cristiane Mayumi; Universidade Anhembi Morumbi [email protected]

Brandão, Marcello Silviano; Universidade Anhembi Morumbi

[email protected]

Figueiroa, Vinicius Batista; Universidade Anhembi Morumbi

[email protected]

Koepke, João Gabriel; Universidade Anhembi Morumbi

[email protected]

Sakamoto, Juliana; Universidade Anhembi Morumbi

[email protected]

Valinhos, Silvio; Universidade Anhembi Morumbi

[email protected]

Valiukevicius, Jéssica; Universidade Anhembi Morumbi [email protected]

Resumo

O presente artigo tem por objetivo discutir questões relacionadas à potencialidade da

ciberliteratura. Para isso, foi feita uma pesquisa exploratória por meio de levantamento

bibliográfico que resultou na adoção de três obras como objetos de estudo: La Huella de

Cosmos (2005) e Tierra de Extracción (1998), de Doménico Chiappe, e Amor de Clarice

(2008), de Rui Torres; cada uma delas com particularidades a serem destacadas. Com base

nisso, foi desenvolvida uma peça digital, intitulada “RotineiraMente”; e um aplicativo mobile,

intitulada “Galinha em fuga”, fundamentadas em contos da escritora Clarice Lispector, a fim

de reunir leitores que, convidados a interagir com a obra, façam parte de sua construção,

trazendo à tona a busca pela compreensão do que representa o uso do computador como

ferramenta criativa em meio à convergência de mídias e à conectividade entre os indivíduos

através da rede.

Palavras Chave: design; ciberliteratura; Clarice Lispector.

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Abstract

This article aims to discuss issues related to cyberliterature's potential. Therefore, an

exploratory research was conducted through a bibliographic survey resulting on three works

taken as object of study: La Huella de Cosmos (2005) and Tierra de Extracción (1998), by

Doménico Chiappe, and Amor de Clarice (2008), by Rui Torres; each one of them with its

own particularities to be highlighted. Based on this, a digital work was developed and titled

"RotineiraMente"1; and a mobile work titled "Galinha em fuga"

2, both based on tales of

Clarice Lispector3, in order to gather readers and invite them to interact with the work being

part of its development, bringing up the quest for understanding what the use of the computer

as a creative tool represents amid the media convergence and connectivity between people by

the internet.

Keywords: design; cyberliterature; Clarice Lispector.

Introdução

Com o advento das tecnologias digitais da informação, no último quarto do século XX,

observou-se um processo de fusão de diversos campos das atividades humanas em um único

meio – o meio digital - o qual tornou possível o armazenamento, registro e recuperação de

informação em escala que amplia drasticamente nossas capacidades. O computador entra em

cena com propriedades que o transformam em uma poderosa ferramenta para o processo

narrativo, ampliando as fronteiras da criação literária até então centralizado na mídia

impressa. O que tornou isso possível foi, em grande parte, a facilidade de acesso à internet e,

conseqüentemente, o alcance do hipertexto a um público crescente. Isso quer dizer que o

computador pessoal vem passando por uma transformação progressiva à medida que serve de

ferramenta para os processos de expressão e comunicação da subjetividade. Dessa forma, o

ponto de encontro entre a literatura e a tecnologia constitui elementos essenciais daquilo que o

autor Rui Torres classifica como ciberliteratura, isto é, a criação de textos literários que

exploram as potencialidades do meio digital, utilizando o computador como ferramenta

criativa. Esse procedimento tem despertado, além de grande interesse acadêmico, dúvidas

quanto às características que melhor a definem.

Utilizamos, então, três obras ciberliterárias como objetos de estudo - La Huella de

Cosmos (2005) e Tierra de Extracción (1998), de Doménico Chiappe, e Amor de Clarice

(2008), de Rui Torres – para que fossem ressaltadas suas principais características e

diferenças, assim como seus pontos positivos e negativos. Em La Huella de Cosmo, destaca-

se a criação coletiva e a metanarrativa; em Tierra de Extracción, a narrativa é multiforme e os

aspectos hipermidiáticos são explorados em abundância; já em Amor de Clarice, a

intertextualidade aparece como a característica principal. Portanto, essas três obras foram

usadas para que, de forma comparativa, fossem ressaltadas variadas formas de utilização do

potencial do meio digital no processo narrativo. Na primeira seção do artigo, mostramos de que forma a reunião dessas informações

resultou na produção de uma peça digital e de um aplicativo mobile, além de apresentar o

conceito de criação de ambos. Na segunda, são exibidos os elementos projetuais que

compõem tais peças como iconografia, paleta de cores e tipografia. Na terceira, apresentamos

1 A pun made of the word "Routinely"

2 Escaping chicken

3 A Brazilian writer

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o design de informação navegação e interação delas. Por último, explicamos o design de som

da peça digital.

Metodologia projetual

Para chegar ao desenvolvimento da peça digital “RotineiraMente” e do aplicativo

mobile “Galinha em fuga” houve, inicialmente, um processo de levantamento bibliográfico e

iconográfico que resultou em uma pesquisa teórica referencial. Escolhemos como objetos de

estudo para o tema “Design e ciberliteratura”, três obras ciberliterárias que contém

características diferentes entre si: La Huella de Cosmos (2005) e Tierra de Extracción (1998),

de Doménico Chiappe, e Amor de Clarice (2008), de Rui Torres. Essas características foram

identificadas e expostas de forma comparativa, com o objetivo principal de discutir aspectos

ligados à potencialidade da ciberliteratura e suas perspectivas de desenvolvimento no

ciberespaço. Com base nas informações e conceitos recolhidos na pesquisa, iniciamos a

construção de uma peça digital e de um aplicativo mobile que utilizassem esses conceitos de

forma criativa, conectando indivíduos através da rede e permitindo a troca de informação e

conhecimento a partir da criação (escrita) coletiva de uma obra ciberliterária.

Iniciamos, então, a construção de um painel semântico: palavras e conceitos-chave

retirados da pesquisa foram esquematicamente separados e agrupados a fim de que fossem

posteriormente representados através de imagens.

Figura 1: Agrupamento de palavras-chave para o painel semântico

Essas imagens foram separadas em cinco grupos principais dentro do painel: narrativa,

interação, criação, coletividade e virtual. Extraímos de cada grupo cores, texturas e formas

que sustentam e justificam os elementos que compõem nossa peça digital e aplicativo mobile.

Esse processo foi necessário para que as peças fossem bem fundamentadas nos conceitos da

pesquisa teórica referencial.

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Figura 2: Processo de construção do painel semântico

Figura 3: Painel semântico dividido em grupos principais

Em sequência, julgamos que a narrativa de Clarice Lispector oferece um grande

potencial para se trabalhar com a construção da literatura no ciberespaço. Utilizamos

conceitos retirados dos contos “A imitação da Rosa”, “Feliz Aniversário” e “Uma galinha”,

inseridos na coletânea Laços de família (1998), como base para o desenvolvimento das

interfaces da peça digital “RotineiraMente” e do aplicativo mobile “Galinha em fuga”, assim

como para as discussões propostas aos usuários dentro de cada uma delas.

“RotineiraMente” e “Galinha em fuga” são, portanto, o resultado final de todo esse

processo, em que, entre as principais referências bibliográficas levantadas estão os livros

Hamlet no Holodeck.: o futuro da narrativa no ciberespaço (2003), com questões importantes

abordadas por Janet H. Murrey a respeito dos desafios do desenvolvimento de uma linguagem

narrativa interativa para o meio digital; Cibercultura (1999), no qual Pierre Lévy, apresenta

seu ponto de vista em relação ao futuro dos sistemas de educação e de formação na

cibercultura; e a coletânea Laços de família (2008), que contém os contos da escritora Clarice

Lispector que utilizamos de forma intertextual na peça digital e no aplicativo mobile.

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1 Conceito de criação da peça digital

A ciberliteratura vem propor à criação literária novos meios de produzir e interagir com

o texto que, sem o computador, não poderiam acontecer. Uma das diferenças marcantes entre

a ciberliteratura e a literatura tradicional é a maneira como pensamos os processos de

produção e desenvolvimento de um texto. A criação de um texto ciberliterário tem como

objetivo, na maioria das vezes, a publicação no meio online, caracterizado pela possibilidade

de edição, compartilhamento, redistribuição e utilização de recursos multimidiáticos. Nesse

contexto, das características presentes nas três obras que usamos como objetos de estudo - La

Huella de Cosmos (2005) e Tierra de Extracción (1998), de Doménico Chiappe, e Amor de

Clarice (2008), de Rui Torres - separamos as que julgamos essenciais para sustentar a criação

de uma peça digital e de um aplicativo mobile, tais como: criação coletiva, utilização de

recursos multimidiáticos, distribuição de conteúdos através de redes sociais e atualização

infinita.

A peça digital, intitulada “RotineiraMente”, é estruturada de acordo com conceitos

presentes em três contos da escritora Clarice Lispector: Uma galinha, Feliz aniversário, A

imitação da rosa e O jantar, inseridos na coletânea Laços de família (1998), que reúne um

total de 13 contos. Essa escolha se deu devido a características presentes na narrativa de

Clarice Lispector, como o forte caráter psicológico, que aborda questões existenciais através

de conflitos vividos por todo ser humano em busca de um sentido para a vida. Em cada um

dos quatro contos, a estrutura familiar e os acontecimentos cotidianos são plano de fundo para

o desenrolar de uma narrativa introspectiva, que enfatiza a repercussão de determinadas

circunstâncias e acontecimentos nas personagens que os percebem, e não os fatos em si, fatos

esses que chegam a ser banais. Existe nos 13 contos da coletânea, um forte elemento

organizador, explorado ao longo da peça digital: a interrupção da rotina e volta a ela. Além

disso, o foco narrativo caracteriza-se pela onisciência do narrador, dando ao leitor a impressão

de estar inserido na mente das personagens. Clarice possui um estilo muito particular de

narrar, que se destaca não pela extensão, mas pela profundidade. Dessa forma, não há

preocupação de se contar uma história que tenha começo, meio e fim bem definidos, mas de

levar o leitor a refletir através de uma narrativa, sobretudo sensorial, fazendo um recorte de

uma situação rotineira que passa a ser vista com outros olhos depois de uma ruptura

decorrente no íntimo de cada personagem. Pode-se dizer que o ponto final é, do ponto de vista

do leitor, o ponto de partida para que esse novo olhar atinja um alcance ilimitado, pois,

segundo Brandão (1996, p. 36), “cada leitor lê com seus fantasmas, seus medos, suas paixões.

A ele cabe parte dessa criação que é o livro, e sua leitura o enriquece sempre de novos

sentidos”.

Portanto, o que nos interessa na obra de Clarice é a maneira como ela nos leva a olhar

pra dentro de nós mesmos e refletir sobre algo que é comum a todos: a ambiguidade de nosso

pensamentos, sentimentos e atitudes diante de conflitos criados por nossa própria mente.

“RotineiraMente” procura explorar esses conceitos através de cinco interfaces, de forma

intertextual, empregando a elas princípios da ciberliteratura. O objetivo principal é despertar

no usuário reflexões parecidas com as que são propostas nos contos da escritora, mas

utilizando o potencial do meio digital e promovendo o uso do computador como ferramenta

criativa para uma nova forma de ler e escrever a literatura.

A primeira interface (home) é composta por um espaço navegável onde existem três

grupos de elementos que levam o usuário às interfaces internas. Cada grupo faz referência a

um dos três contos escolhidos, por meio de ambientes descritos neles. “A imitação da rosa” é

representado por uma penteadeira com alguns objetos sobre ela e uma mesinha de centro com

um com um jarro de rosas silvestres; “Feliz aniversário”, por uma ambiente caseiro decorado

para uma festa de aniversário; e “Uma galinha”, por um ambiente externo que remete ao

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quintal de uma casa rural. Conceitualmente, esse espaço simboliza o cotidiano e a rotina, que

é quebrada por meio das discussões propostas nas interfaces internas. O usuário é convidado a

“caminhar” por esse cotidiano e, ao se deparar com qualquer um dos quatro grupos um dos

elementos o levará à interface interna, onde pode interagir: após ler o conteúdo existente e

refletir sobre o assunto proposto, é possível participar da construção (escrita) dessa narrativa

ciberliterária adicionando novos conteúdos.

Figura 4: Interface inicial – grupo “A imitação da rosa”

Figura 5: Interface inicial – grupo “Feliz aniversário”

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Figura 6: Interface inicial – grupo “Uma galinha”

A segunda interface refere-se ao conto “A imitação da rosa”, que tem como centro uma

personagem chamada Laura que, após um período afastada da rotina de sua casa devido a um

problema de saúde, retorna. Em relação aos fatos visíveis, tudo o que acontece durante o

conto pode ser resumido em uma única frase: Laura espera seu marido, Armando, chegar do

trabalho para irem jantar na casa de um casal de amigos: Carlota e João. O ponto central da

narrativa é o monólogo interno que Laura mantém, dizendo a si mesma o que deve fazer,

numa tentativa de estabelecer alguma ordem na desordem de sua mente e assim, sentir-se

“bem” e curada. O ápice desse monólogo (o momento da quebra da rotina, da surpresa),

acontece quando Laura observa, com certo constrangimento, um vaso sobre a mesa da sala,

com pequenas rosas silvestres que havia comprado na feira, pela manhã. As rosas, pequenas e

perfeitas afrontavam Laura simplesmente por serem bonitas demais. Inicia-se aí um grande

conflito interno que envolve o fato de as rosas serem “impessoais na sua extrema beleza, na

sua extrema tranqüilidade perfeita das rosas”. O conto termina quando Armando entra em

casa e se depara com sua mulher sentada no sofá, dizendo a ele que o problema de saúde que

tivera (provavelmente uma crise de loucura), voltara.

Considerando que esse conto oferece múltiplas possibilidades interpretativas,

escolhemos uma delas para sustentar a discussão sugerida em nossa peça digital. Desse modo,

notamos que Laura passa por um processo de busca de identidade marcado por uma alteridade

disfarçada, que a leva a mecanizar sua existência como forma de aceitação. Isso quer dizer

que a personagem se preocupa com a maneira como os outros a vêem, olhando

constantemente para dentro de si na tentativa de encontrar-se. A partir disso, usamos o

espelho da penteadeira representada na home como metáfora para levar o usuário a olhar para

si e descrever-se através de um texto curto.

Essa interface tem por objetivo fazer com que os usuários criem uma narrativa coletiva

através do conteúdo que inserirem. Conceitualmente, pretende-se fomentar a reflexão sobre

quem somos e como nos definimos, tendo como resultado um texto denso e emaranhado que

se constrói sem que o usuário tenha acesso a todo o conteúdo já postado antes de postar o seu

próprio.

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Figura 7: Início da interação na interface referente ao conto “A imitação da rosa”

Figura 8: Etapa da interação na interface referente ao conto “A imitação da rosa”

Já a terceira interface refere-se ao conto “Feliz aniversário” em que a infelicidade e a

hipocrisia são retratadas por uma festinha familiar em comemoração ao aniversário de 89

anos de D. Anita. Filhos, netos, noras, tios, primos e sobrinhos reúnem-se em volta da grande

mesa de jantar devidamente organizada com pratinhos, copinhos e balões de festa. Esse

cenário é palco para uma narrativa discretamente perturbadora que Clarice constrói para nos

chamar a atenção sobre a superficialidade das relações familiares. Zilda, uma das filhas de D.

Anita, é uma personagem manipulada pela obrigação de preparar uma festa de aniversário

para sua mãe, o que acontece aparentemente de forma prazerosa. No entanto, a narração em

terceira pessoa concede ao leitor a onisciência da repercussão dos fatos no interior de cada

personagem. Todos estão ali por obrigação, mantendo sorrisos artificiais, esperando pelo

momento de cortar o bolo, comer e ir embora. É interessante notar que ao mesmo tempo em

que se criam máscaras, todos tem conhecimento da artificialidade daquele momento, inclusive

D. Anita que, em dois momentos surpreende a todos com gestos grotescos. Mantendo-se

sempre em silêncio, um silêncio enigmático e ameaçador, desprezando aqueles seres azedos

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que gerara, D. Anita de súbito cospe no chão, como quem não faz questão de sustentar os

desmoronados laços de família. Em seguida, a velha pede um copo de vinho, sob olhares

surpresos e encabulados da família: “- Vovozinha, não vai lhe fazer mal? insinuou cautelosa a

neta roliça e baixinha. - Que vovozinha que nada! explodiu amarga a aniversariante. - Que o

diabo vos carregue, corja de maricas, cornos e vagabundas! me dá um copo de vinho,

Dorothy! - ordenou.” (1998, p. 62). Tais reações violentas da velha acabam por encerrar a

festa antecipadamente. Os convidados esforçam-se para demonstrar naturalidade e cumprir o

script das festas de aniversário. Esperam à hora do „parabéns‟ e logo em seguida vão embora,

repetindo frases de despedida como quem não sabe ao certo o que dizer.

Levando em conta que todos nós já passamos por situações iguais ou parecidas a essa, a

interface referente ao conto “Feliz aniversário”, procura discutir a hipocrisia e a falsidade das

aparências através de imagens, fazendo com que os usuários reflitam e discutam a respeito

das máscaras que determinadas situações nos obrigam a usar. Eles serão convidados a inserir

uma imagem que, de alguma forma, represente alguma dessas máscaras.

Figura 9: Introdução à interação na interface referente ao conto “Feliz aniversário”

Figura 10: Etapa da interação na interface referente ao conto “Feliz aniversário”

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1.1 Conceito de criação do aplicativo mobile

A quarta interface da peça digital faz referência ao conto “Uma galinha”, que conta a

história de uma fuga. Como quem assiste um domingo rotineiro de uma família comum,

Clarice narra, com certa ironia e comicidade, a tentativa de captura de uma galinha para o

almoço. Pulando entre telhados, muros e chaminés, a galinha, “que não devia ter em si

nenhum anseio” acaba capturada. Sua vida, porém, é prorrogada devido a um ovo que botara

logo após a captura. A indiferença da família foi então substituída por compaixão e afeto,

diante da galinha que até então estava pronta para o abate. Adotaram-na como animal de

estimação, transformaram-na na rainha da casa. Afinal, “que é que havia nas suas vísceras que

fazia dela um ser?”. O conto termina narrando a quase coragem da galinha de tentar uma nova

fuga quando pareciam tê-la esquecido. “Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-

se anos”.

Mais uma vez, a maneira como os fatos são narrados cria uma narrativa simples em que

aparentemente nada de extraordinário acontece. No entanto, a escritora consegue fazer uma

série de críticas de forma sutil, envolvente e cômica, utilizando a vida de uma galinha como

metáfora. Nós, leitores, somos levados a refletir sobre o valor da existência, a procura

consciente (homem) e inconsciente (galinha) da sobrevivência e a influência ora da razão, ora

da emoção sobre nossas ações. Além disso, a frase final “passaram-se anos” nos remete à

idéia de que tudo se repete (rotina).

A interação nessa interface só pode ser feita através de um aplicativo móbile (para

Iphone e Android), disponível para download dentro da própria interface. O aplicativo,

intitulado “Galinha em fuga”, consiste em promover a criação coletiva de uma história sobre

o itinerário da galinha baseado em dados reais da localização do usuário através de um

localizador geográfico (geolocation). Procura-se, assim, explorar o lado cômico do conto,

permitindo que a narrativa seja atualizável somente através do aplicativo mobile. Na interface

correspondente do site existe um mapa que mostra as informações já enviadas e de onde elas

foram enviadas, construindo assim, o trajeto e a história da galinha fugitiva.

Figura 11: Interface referente ao conto “Feliz aniversário” – trajeto da galinha

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Figura 12: Interface introdutória do aplicativo “Galinha em fuga”

Figura 13: Interface intrerna do aplicativo “Galinha em fuga”

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2 Elementos projetuais

Iconografia

A iconografia que sustenta a escolha da paleta de cores e das tipografias utilizadas na

peça digital e no aplicativo mobile, assim como a construção de suas interfaces, foi retirada do

painel semântico apresentado anteriormente. Sendo assim, separamos as imagens coletadas de

acordo com os cinco grupos principais identificados no painel: narrativa, interação, criação,

coletividade e virtual.

O grupo “narrativa” foi criado a partir de qualidades presentes nas obras analisadas ao

longo da pesquisa teórica referencial, do ponto de vista da narrativa. Levamos algumas dessas

qualidades para a construção do conceito da peça digital, tais como: interpretativo,

investigativo, referencial e ambíguo. Estas se aplicam a todas as interfaces, pois todas fazem

referência a contos de Clarice Lispector e podem ser interpretadas de maneiras diferentes.

Quanto às cores, alguns tons de marrom, verde e cinza foram retirados desse grupo.

O grupo “interação” procura ilustrar qualidades como dinamismo (movimento) e

imersão do ponto de vista da interação. Na peça digital, utilizamos o movimento como forma

de navegar e interagir com o site, especialmente na interface inicial. Retiramos dele, tons de

marrom e cinza.

O grupo “Criação” representa uma das principais qualidades da ciberliteratura

exploradas em nossa peça digital. Estão diluídas nele características como colaborativo e

cômico. A primeira é explorada em todo o site; a segunda, especificamente na interface

referente ao conto “Uma galinha”, em que a interação é feita através do aplicativo mobile.

Retiramos dele, tons de roxo, azul e rosa.

O grupo “coletividade” refere-se à maneira de escrever ciberliteratura, por indivíduos

conectados através da rede. Qualidades como autocrítica, conectado, compartilhado e

participativo estão diluídas “RotineiraMente”. Utilizamos alguns tons de amarelo e cinza

presentes nesse grupo na construção da nossa paleta de cores.

A importância do grupo “virtual” está no fato de que, por estar no ciberespaço e ser

construída de forma coletiva, a ciberliteratura tende a ser mutável, editável e transmissível.

Além disso, esse grupo representa a distribuição de conteúdos e a atualização infinita. Dele

foram extraídas as cores branca e preta.

Paleta de cores

Como visto, a paleta de cores foi extraída das imagens que compõem o painel

semântico. Optou-se, devido aos principais conceitos da peça digital e do aplicativo mobile,

pelo uso predominante de cores claras. Na interface inicial as cores usadas têm a finalidade de

transmitir a tranqüilidade acompanhada de certa monotonia que a rotina nos faz sentir. O

branco é usado para causar a impressão de que a superfície do chão é infinita. Tons de azul e

roxo são usados no céu. Já nas interfaces internas, há predomínio de marrom, amarelo claro e

cinza. Preto é usado nos textos em gral. As outras cores que compõem a paleta (tons de verde,

rosa e cinza) são usadas em detalhes das cenas.

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Figura 14: Paleta de cores retirada do painel semântico

Tipografia

A fonte Sudestada é usada no título do site. Foi escolhida por representar um tipo de

letra manuscrita com peso alternativo e um grande número de variações de traço, fornecendo

ao texto um caráter mais realista de escrita à mão. Em relação ao painel semântico, a escolha

dessa fonte se baseia no grupo “interação”, pelas formas curvas e assimétricas de algumas das

imagens.

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z

a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Helvetica Neue (Ultra Light) é a fonte padrão escolhida para textos das interfaces

internas, avisos e botões. É uma fonte sem serifa e sua escolha se deu pelo seu peso e

legibilidade. Levando em consideração que a tipografia pode indicar valores emocionais de

um texto reforçando sua estrutura temática, o formato e o peso da Helvetica Neue Ultra Light

(traços finos e delicados em contraste com traços retos e formas sólidas) conferem ao texto

sentidos relacionados ao conceito e ao layout do site, como clareza e serenidade

(representadas pela interface inicial) acompanhada de certa densidade nossos conflitos

psicológicos (representados pelas discussões das interfaces internas).

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

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A fonte Dakota é usada especificamente na interface referente ao conto “A imitação da

rosa”, no momento em que uma frase é escrita no espelho da penteadeira. Essa fonte foi

escolhida por seu caráter manuscrito a fim de causar a impressão de que a frase foi escrita

com o dedo. Ela possui variação de peso e seus traços não seguem um padrão de uma letra

para outra.

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t u v w x y z

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

3 Design de informação, navegação e interação da peça digital

Quanto às necessidades informacionais, “rotineira-mente” não possui uma estrutura

convencional, pois se trata de um site experimental. Isso quer dizer que em um primeiro

momento, o usuário não sabe ao certo que tipo de informação pode encontrar e, conforme

navega desenvolve mecanismos de organização da informação para desvendá-la. Além disso,

a mesma informação pode ser interpretada de uma forma diferente por cada usuário, pois as

referências feitas aos contos de Clarice Lispector podem não ser explícitas (especialmente se

o usuário não os conhece). No entanto, ao entrar no site, existe uma splash page com breves

informações a respeito do conceito do site, que visa preparar o usuário para a experiência que

terá. Um botão o leva até a interface inicial (home), através de uma transição de fade in, onde

pode navegar entre os grupos. Essa navegação acontece pelo movimento do mouse (para cima

ou para baixo), que leva o usuário para o próximo ou para o anterior, em uma superfície

circular que rotaciona a partir de seu eixo central. A partir dessa interface, é possível acessar

as outras três, que também fazem ligação entre si. Isso quer dizer que, ao entrar em uma das

interfaces internas, o usuário tem a possibilidade de voltar para a home, ir para a próxima ou

para a anterior.

Figura 15: Mapa de navegação da peça digital

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Esse tipo de navegação é justificado pelo conceito do site. Nos contos de Clarice

Lispector, a rotina é quebrada por um conflito que acontece na mente de cada personagem.

No entanto, ele sempre retorna à mesma rotina, mas passa a enxergá-la de um jeito diferente.

Da mesma forma, as interfaces internas do site representam a quebra de uma rotina e levam o

usuário a refletir sobre determinado assunto. Ao voltar a ela (home), o usuário poderá

perceber que suas ações dentro do site despertaram reações.

Quando à interação, existem elementos de feedback indicando ao usuário quais dos

objetos os levarão para as interfaces internas. Ao passar o mouse sobre o espelho da

penteadeira (A imitação da rosa), os retratos na parede (Feliz aniversário) e o mapa jogado no

chão (Uma galinha), o usuário saberá que se trata de um link. As transições da home para as

interfaces internas são feitas através de zoom in nos objetos mencionados acima.

A interação na interface referente ao conto “A imitação da rosa” se inicia com uma

animação introdutória que mostra a frase “quem és tu que me lês, és meu segredo ou eu sou o

teu?” sendo escrita no espelho. O usuário é, então, convidado a habilitar seu microfone e

webcam para que possa ver-se no espelho. Caso o usuário não tenha webcam, a discussão

proposta nessa interface não será prejudicada. No caso da ausência de microfone, a mesma

interação poderá ser feita por um botão da interface. Supondo que já exista um conteúdo

inserido por outros usuários, ao baforar no microfone esse conteúdo se torna visível, mas

pouco legível devido ao “vapor” no espelho. No entanto, a última frase inserida aparece

sempre legível e, em seqüência, um espaço para que o usuário insira seu próprio texto. Após

inserir o novo conteúdo, a parte desfocada do texto se torna legível e esse usuário terá acesso

a todo o conteúdo criado até aquele momento. Além disso, ele terá a possibilidade de enviar o

conteúdo que inseriu para seu Twitter e/ou Facebook, com a finalidade de convidar seus

amigos e seguidores a visitar o site e participar da construção dessa narrativa.

Em relação à interface referente ao conto “Feliz aniversário”, trechos retirados do

próprio conto são mostrados a fim de introduzir o assunto proposto ao usuário. Em seguida,

uma pergunta é feita a ele: “Qual é sua máscara?”. Nesse momento, esse usuário é convidado

a fazer upload de uma imagem que represente sua máscara. Caso não queira participar, existe

a opção de pular essa etapa. Essa imagem, assim como as postadas por outros usuários,

aparece, então, em uma das molduras à parede. Existe, também, a possibilidade de aproximar

(zoom) cada quadro e inserir comentários sobre a imagem no verso dele. Pretende-se, assim,

promover discussões entre os usuários e troca de informações e conteúdos referentes aos

principais conceitos encontrados no conto de Clarice: a fragilidade das aparências e a

hipocrisia humana. Caso o usuário tenha escolhido não inserir uma imagem e decida fazê-lo,

um botão na interface final permite que ele volte à etapa de inserir sua imagem.

Sobre a interface referente ao conto “Uma galinha”, logo ao entrar, ouve-se uma

narração sobre o início da história da fuga de uma galinha (parte do conto de Clarice),

enquanto uma animação mostra suas pegadas. Essa narração introduz o conceito dessa

interface ao usuário. Em seguida, é possível visualizar um mapa que mostra os locais por

onde a galinha já passou e o texto que cada usuário inseriu. Existe também um aviso

informando que para participar da construção da história da galinha fugitiva, é necessário

fazer o download o aplicativo mobile “Galinha em Fuga” (para iPhone e Android), disponível

na própria interface.

Após interagir com as três interfaces internas e voltar para a home, algumas mudanças

serão notadas em relação à disposição dos objetos de cada grupo: o espelho da penteadeira

estará quebrado e o ramo de rosas não estará mais no vaso; os objetos em cima da mesa de

aniversário estarão fora do lugar, o bolo cortado e as bexigas estouradas, como se a festa já

acontecera; a cerca quebrada, etc.

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Esse tipo de navegação é justificado pelo conceito do conceito principal do site. Nos

contos de Clarice Lispector, a rotina é quebrada por um conflito que acontece na mente de

cada personagem. No entanto, ele sempre retorna à mesma rotina, mas passa a enxergá-la de

um jeito diferente. Da mesma forma, as interfaces internas do site representam a quebra de

uma rotina e levam o usuário a refletir sobre determinado assunto. Ao voltar a ela, o usuário

poderá perceber que suas ações dentro do site despertaram reações.

Além das mudanças na disposição dos objetos, a interação do usuário nas três interfaces

internas faz surgir uma pequena bolinha de luz flutuando sobre o espaço da home. Cada uma

delas representa um usuário que interagiu, participando leitura e da escrita de narrativas na

rede. Clicando sobre elas, é possível inserir conteúdos textuais que tem a finalidade de

promover a troca de informações entre os usuários, após a reflexão sobre os assuntos

propostos nas interfaces.

3.1 Design de informação, navegação e interação da peça

mobile

Esse aplicativo foi desenvolvido com a finalidade de explorar um recurso dos

aparelhos mobile que não teria o mesmo efeito se fosse utilizado em terminais fixos de

computadores. Trata-se do localizador geográfico, que identifica o local no globo terrestre

onde determinado usuário se encontra, em tempo real. Dessa forma, o aplicativo mobile

“Galinha em fuga” utiliza o sistema de GPS do iPhone como ferramenta fundamental para a

interação com a interface 4 do site.

A navegação pelo aplicativo é simples. Uma interface inicial apresenta o nome do

aplicativo, um botão “entrar”. Um pequeno texto informativo disponibiliza um link da peça

digital, caso o usuário tenha acesso ao aplicativo antes de visitar a peça. Em seguida, um

trecho retirado do conto “Uma galinha” introduz ao usuário a história da galinha fugitiva.

Logo depois, a galinha aparece no mapa, que aponta a localização do usuário naquele

momento. Existe um campo de inserção de texto na parte inferior da tela que envia o

conteúdo adicionado para a interface correspondente do site.

Figura 16: Mapa de interação da peça digital e do aplicativo mobile

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4 Design de som

O design de som da peça digital como um todo, tem a finalidade de tornar a experiência

do usuário mais interessante, inserindo-o em um ambiente rotineiro, tranqüilo e com alguns

momentos de tensão e comicidade, tais quais se baseiam os contos de Clarice Lispector.

Sendo assim, a interface inicial é composta por um som ambiente instrumental que transmite

sensações como sossego e serenidade, interrompidos por alguns picos de agitação. Essa trilha

se repete por todo o tempo em que usuário permanecer nessa interface, reforçando a idéia da

rotina.

Na interface referente ao conto “A imitação da rosa”, existe som apenas no início da

interação, enquanto a frase introdutória é escrita no espelho. Nesse momento, ouve-se um som

que nos faz imaginar um dedo em atrito com o espelho. Enquanto isso existe uma trilha que

nos transmite sensação de mistério e angústia.

Na interface referente ao conto “Feliz Aniversário”, o início da interação que mostra

trechos do conto é acompanhado por sons de murmúrio e cochichos, como vozes

emaranhadas e sobrepostas quando muitas pessoas falam ao mesmo tempo em um mesmo

ambiente. Esse som tem o propósito de representar a festa de aniversário de D. Anita,

personagem do conto em questão.

Já na interface referente ao conto “Uma galinha”, a interação se inicia com uma

narração das primeiras frases do conto, enquanto uma animação mostra as pegadas da galinha

fugitiva. Essa narração tem a finalidade de iniciar a história da galinha que será continuada

pelos usuários, através do aplicativo mobile.

5 Considerações finais

Utilizar o potencial do meio digital para a criação literária requer que não pensemos

nesse meio em termos analógicos, uma vez que estaríamos, dessa forma, limitando e anulando

o que é idiossincrático a ele desde a seu nascimento. Isso quer dizer que o meio digital não

deve ser pensado como continuidade do livro impresso, mas como uma nova proposta que

possui sua própria linguagem. Definir o termo ciberliteratura é uma questão que deve ser

analisada com cuidado, pois ainda é cedo para sabermos como ela irá de fato se concretizar. O

que importa, sobretudo, é a maneira como o computador pode influenciar o processo de

criação literária, como ferramenta dessa criação.

Em vista das características presentes nesse meio, é possível concluir que, sendo a

narrativa uma maneira de interpretar o mundo de acordo com sentimentos e percepções

particulares de cada autor, não existe um meio mecânico que o substitua na mesma proporção.

O meio digital, portanto, deve ser pensado de acordo com as particularidades que ele possui.

Como comenta Murray (2003, p. 194), “Nosso questionamento deveria ser: como tornar esse

novo e poderoso meio para histórias multiformes tão capaz de exprimir a voz do escritor

quanto o é a pagina impressa? A autora diz ainda que (2003, p. 40) “se a arte digital alcançar

o mesmo nível de expressividade dos meios mais antigos, não mais nos preocuparemos com o

modo pelo qual estaremos recebendo as informações, apenas refletiremos sobre as verdades

que ela nos contar”.

Nesse contexto, a internet assume um papel fundamental à medida que permite maior

acesso do público a essas obras que acontecem no ciberespaço, além da troca de

conhecimento e informações entre si. Sendo assim, é possível dizer que a obra ciberliterária

não acontece sem o leitor, fato que vem transformar a relação tradicional entre autor, obra e

leitor. O resultado é o surgimento de uma nova modalidade de texto, criado de forma coletiva.

Portanto, a peça digital “RotineiraMente” e o aplicativo mobile “Galinha em fuga”

foram criados com a finalidade de levar a narrativa de Clarice Lispector ao meio digital,

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explorando recursos encontrados apenas nesse meio. Buscou-se utilizar o computador como

ferramenta de criação de narrativas coletivas, possibilitando o compartilhamento de conteúdos

através da rede.

Referências bibliográficas

BRANDÃO, Rosa S. Literatura e psicanálise. Porto Alegre, Ed. da Universidade, 1996.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

LISPECTOR, Clarice. Laços de família. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998.

MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São

Paulo: Itaú Cultural: Unesp, 2003.

Objetos de estudo:

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ispon vel em: <http://www.domenicochiappe.com/antoHome/tierra.html>. Acesso em 29

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TORRES, Rui. Amor de Clarice. Online, 200 . ispon vel em: <http://www.

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