arthur danto e a arte pós-histórica

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1 ARTHUR DANTO E A ARTE PÓS-HISTÓRICA Rachel Cecília de Oliveira Costa 1 RESUMO: O texto em questão questiona a análise progressiva da história explorada pelo filósofo Arthur Danto em seu livro “Após o fim da arte: arte contemporânea e os limites da história”. Esse questionamento visa demonstrar que a estrutura teleológica das narrativas da história é não somente a parte frágil do argumento do livro em questão tanto quanto é dispensável para asseverar o Fim da arte, o qual é seu objetivo final. Palavras chave: Fim da arte; história; narrativas. ABSTRACT: This text asks the gradual examination of the history explored by the philosopher Arthur Danto in his book "After the end of art: contemporary art and the limits of history". This question aims to demonstrate that the structure of the teleological narrative of history is not only a fragile part of the argument of this but is also dispensable to assert the End of Art, which is their ultimate goal. Keywords: End of art; history; narratives. 1. Introdução: O filósofo Arthur Danto ficou bastante conhecido durante as últimas décadas devido à afirmação contida no título de um de seus livros e em vários artigos precedentes acerca do “Fim da Arte”. Essa afirmação é de suma importância, pois não compreendê-la compromete o entendimento de sua teoria toda. Quando Danto proclamou o “Fim da Arte” ele asseverou que a história da arte como ela é conhecida acabou e toda a arte produzida após o fim da história da arte foi denominada pelo filósofo como arte pós-histórica. Meu objetivo com este artigo é questionar a interpretação progressiva da história da arte feita pelo filósofo Arthur Danto e vislumbrar a possibilidade de se pensar a sua teoria da arte pós-histórica sem a 1 Professora de Estética da Escola Guignard UEMG e doutoranda da linha de Estética e Filosofia da Arte do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFMG.

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Texto meu sobre a tese do fim da arte de Arthur Danto

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    ARTHUR DANTO E A ARTE PS-HISTRICA

    Rachel Ceclia de Oliveira Costa1

    RESUMO: O texto em questo questiona a anlise progressiva da histria explorada pelo filsofo Arthur Danto em seu livro Aps o fim da arte: arte contempornea e os limites da histria. Esse questionamento visa demonstrar que a estrutura teleolgica das narrativas da histria no somente a parte frgil do argumento do livro em questo tanto quanto dispensvel para asseverar o Fim da arte, o qual seu objetivo final. Palavras chave: Fim da arte; histria; narrativas. ABSTRACT: This text asks the gradual examination of the history explored by the philosopher Arthur Danto in his book "After the end of art: contemporary art and the limits of history". This question aims to demonstrate that the structure of the teleological narrative of history is not only a fragile part of the argument of this but is also dispensable to assert the End of Art, which is their ultimate goal. Keywords: End of art; history; narratives.

    1. Introduo:

    O filsofo Arthur Danto ficou bastante conhecido durante as ltimas

    dcadas devido afirmao contida no ttulo de um de seus livros e em vrios artigos

    precedentes acerca do Fim da Arte. Essa afirmao de suma importncia, pois

    no compreend-la compromete o entendimento de sua teoria toda. Quando Danto

    proclamou o Fim da Arte ele asseverou que a histria da arte como ela conhecida

    acabou e toda a arte produzida aps o fim da histria da arte foi denominada pelo

    filsofo como arte ps-histrica. Meu objetivo com este artigo questionar a

    interpretao progressiva da histria da arte feita pelo filsofo Arthur Danto e

    vislumbrar a possibilidade de se pensar a sua teoria da arte ps-histrica sem a

    1 Professora de Esttica da Escola Guignard UEMG e doutoranda da linha de Esttica e Filosofia da Arte do Programa de Ps-Graduao em Filosofia da UFMG.

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    estrutura das narrativas pressupostas no livro Aps o fim da arte: arte contempornea e os

    limites da histria.

    2. O futuro da arte ou a arte do futuro

    Danto diz em um artigo que antecipa o livro supracitado denominado O Fim da

    Arte2 que seu objetivo especular sobre o futuro da arte, mas no sobre a arte do

    futuro. Isso porque no seu objetivo vislumbrar como sero as obras de arte do

    futuro, at porque isso impossvel, j que [n]ada pertence tanto a sua prpria

    poca quanto o olhar que uma era dirige para o futuro (...) (DANTO, 2004, p.83).

    Para justificar tal afirmao ele se utiliza da srie de imagens do artista francs Albert

    Robida denominada Le Vingtime Siecle que tem o intuito de retratar como seria o

    mundo em 1952.

    2 Publicado na coletnea The Philosophical Disenfrenchisement of Art e traduzido para o portugus em verso para uso com fins acadmicos pelo Professor Dr. Rodrigo Duarte.

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    Essas imagens, alm de demonstrarem claramente que toda a tentativa de

    imaginao se ancora, em seus pressupostos mais simples, na situao presente,

    mostram tambm que seria impossvel ao artista vislumbrar que em 1915 Duchamp

    faria After a broken arm. O que permite concluir que qualquer compreenso

    histrica deve se dar do presente em direo ao passado. Danto inicia sua anlise

    sobre o futuro da arte com Hegel, deixando clara sua inspirao para a estruturao

    de uma histria dialtica. nessa perspectiva que se encontra a idia de um

    movimento histrico sistemtico da arte rumo a sua auto-compreenso. Ele diz que

    Hegel nunca se preocupou com a arte do futuro, somente afirmou que a vocao da

    arte estava terminada em seu momento histrico. importante compreender que a

    no preocupao de Hegel com a arte do futuro no significa que ela vai acabar. Ele

    diz que a Idade da Arte est terminada, o que Danto interpreta como: a idade da

    arte como ele a conheceu est terminada (DANTO, 2004, p.84).

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    3. As narrativas da arte

    Para explicar a afirmao acerca do Fim da Arte, Danto realiza uma

    anlise dialtica da histria escolhendo duas narrativas da histria da arte como tese e

    anttese respectivamente e que o permitem propor uma sntese, com a terceira

    narrativa, a qual responde positivamente pergunta sobre o fim da arte.

    A primeira narrativa contextualizada historicamente por Danto atravs

    da afirmao com base em uma anlise da obra de Hans Belting denominada O

    Fim da Arte de que a arte antes de aproximadamente o sculo XV no era

    compreendida enquanto uma realizao humana, mas como algo miraculoso. Dessa

    forma, os conceitos de artista e de arte, como so conhecidos hoje, somente se

    formam a partir da Renascena, mais propriamente com Vasari (DANTO, 2006, p.

    4). Danto argumenta que o que aconteceu foi uma descontinuidade entre a arte de

    antes da era da arte e a arte da era da arte, assim como h uma descontinuidade entre

    a arte da era da arte e a arte aps o trmino dessa era (DANTO, 2006, p. 5). Essa

    anlise, que inicia o livro Aps o Fim da Arte, atesta a idia de haver um modelo

    histrico da arte que comea no renascimento, j que a prpria concepo de arte,

    segundo o pressuposto acima, surgiu nesse momento, o que significa que toda e

    qualquer manifestao artstica anterior a esse perodo foi nomeada como

    manifestao artstica a partir de critrios elaborados posteriormente. A partir disso,

    Danto argumenta que no h qualquer impossibilidade de se pensar o fim da arte,

    pois ela possui um comeo, e um comeo bastante delimitado temporalmente.

    A questo que gostaria de colocar a essa argumentao que para que se

    possa pressupor o fim da histria da arte s se necessita de um incio temporalmente

    demarcado se a concepo de histria esposada progressiva, e exatamente nesse

    quesito que minha crtica se encontra, pois para se estruturar uma evoluo

    progressiva de uma narrativa da histria necessrio pressupor que existe evoluo

    na histria da arte, ou seja, que existem obras de arte que expressam melhor o

    paradigma de uma narrativa que outras obras de arte. Alm disso, uma concepo

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    progressiva est fadada a eleger um paradigma como pressuposto, o que faz

    automaticamente um recorte ontolgico, i.e., coloca-se dentro da histria da arte

    parte das obras de arte produzidas e retira-se da histria da arte o restante. O que

    digno de nota a respeito dessa segunda crtica que em seu livro The Abuse of Beauty

    (O Abuso da Beleza) Danto critica a insero do conceito de beleza na definio

    filosfica de arte do sculo XVIII utilizando como argumento obras de arte

    produzidas antes e depois desse perodo que no tm qualquer relao com esse

    conceito. Seu exemplo principal so as vanitas, que foram produzidas durante vrios

    sculos e se constituem como obras de arte crists que tem com objetivo de ressaltar

    o carter finito e temporrio de todos os seres e coisas deste mundo. Para tanto, elas

    retratam caveiras e corpos em decomposio sem qualquer inteno de parecerem

    ou serem belas.

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    Essa primeira narrativa exposta pelo filsofo afirma que o objetivo da

    arte realizar a aproximao entre representao e realidade. Essa narrativa

    denominada equivalncia ptica e chegou ao fim com a inveno da fotografia, pois

    o paradigma perde o sentido com a existncia de um instrumento que o efetiva

    (DANTO, 2004, p.86-7). A conjectura de que a arte progride rumo a uma

    representao cada vez mais fiel da realidade mostra-se no mnimo incua se forem

    recordados, minimamente, os perodos da histria da arte e suas caractersticas. Seria

    quase jocoso afirmar que o barroco, principalmente o mineiro, possui tal intento.

    A segunda narrativa exposta por Danto baseia-se no seguinte paradigma:

    a arte toma o caminho da descritividade, desaparecendo gradualmente a pura

    equivalncia perceptual (DANTO, 2004, p.100). Primeiramente Danto ir associar

    a segunda narrativa teoria da expresso de Benedetto Croce, mas essa insuficiente

    para atingir seus objetivos de progressividade, pois a expresso no possui qualquer

    carter desenvolvimentista, o que impossibilita a afirmao de uma obra de arte

    como mais ou menos expressiva. Por isso ele elege a teoria da arte como planaridade

    de Clement Greenberg como paradigma dessa segunda narrativa.

    Essa narrativa mostra-se ainda mais restritiva que a primeira,

    desconsiderando grande parte da arte mundial - inclusive a europia - como parte do

    que Greenberg entendia como a tendncia da produo artstica mundial. Assim, a

    eleio de tal paradigma parece ainda mais arbitrria que a primeira, mostrando-o,

    no mnimo, como insatisfatrio para se pensar a arte. importante ressaltar que

    com ambos os paradigmas Danto pretende remontar o processo histrico da arte e

    justificar a afirmao de seu fim. Portanto, a questo que coloco a seguinte:

    realmente necessrio realizar uma estrutura to questionvel para justificar a

    afirmao acerca do fim da arte?

    Para respond-la importante entender que toda organizao em prol de

    uma definio acerca dos critrios que determinam um perodo artstico est

    diretamente associada com a necessidade de pressupor um critrio ontolgico que

    permita realizar a atitude valorativa de afirmar que um objeto obra de arte e outro

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    no . E isso exatamente o que Danto pretende com a pressuposio de uma arte

    ps-histrica, ele diz que [p]arte do que significa o fim da arte a libertao do

    que se encontrava para alm do limite, em que a prpria idia de um limite uma

    barreira excludente (...) (DANTO, 2006, p.11).

    4. A arte ps-histrica

    A arte ps-histrica se configura enquanto tal no momento em que os

    indiscernveis surgem, ou seja, no momento do desenvolvimento da histria da arte

    em que um objeto exatamente igual a outro objeto do cotidiano ganha status de obra

    de arte. Devido a essa configurao, Danto consegue demarcar o momento em que a

    histria da arte termina. Ele afirma que isso ocorre em 1964 com a exposio da Pop

    Art em Nova York em que Andy Wharol expe a Brillo Box. Proponho relativizar essa

    afirmao e dizer que isso ocorre na dcada de 1960 na arte com o minimalismo, a

    pop art e o conceitualismo.

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    Segundo Danto, Nesse momento o carter filosfico da arte verificvel

    enquanto pressuposto ontolgico da mesma, e ele s se apresenta devido s

    conjunes do processo histrico no qual ela se encontra. como mostrou o filsofo

    em relao ao artista Albert Robida, ou seja, cada manifestao artstica fruto do

    processo histrico no qual se encontra.

    Se essa pressuposio est correta, o carter progressivo da histria em

    Danto serve apenas como suporte para correspondncia do advento do FIM DA

    ARTE com a idia da autoconscincia da arte pressuposta na filosofia hegeliana como

    justificao da aproximao da mesma da verdade do esprito absoluto, i.e., da

    aproximao entre arte e filosofia. Pois a arte ps-histrica pode ser justificada

    enquanto resultado de um processo histrico no teleolgico ou progressivo, pois

    mesmo sem isso os indiscernveis podem vir a fazer parte da histria da arte, e

    nesse momento que o carter propriamente filosfico da arte se apresenta. O que

    no pode ser pensado a justificao de tal teoria sem historicidade. Ela pode ser

    pensada dentro de outro pressuposto, como por exemplo, uma histria da arte

    anacrnica como a de Didi-Huberman, ou uma histria apenas enquanto demarcao

    temporal de eventos. Porque a importncia real das narrativas para a configurao de

    um momento ps-histrico est no fato de que todo perodo/estilo/narrativa da

    histria da arte pressupe uma definio de arte de acordo com os pressupostos de

    aparncia do objeto artstico (se considerarmos as artes visuais como costuma faz-lo

    o prprio Danto). E qualquer tentativa de fazer tal tipo de definio recai no

    problema de no abarcar a pluralidade do mundo da arte atual, principalmente aps

    os indiscernveis. O que configuraria, da mesma forma, a emergncia dos mesmos

    como o fim da histria da arte, pois, a partir do momento em que qualquer coisa

    pode ser uma obra de arte, e existe uma teoria que abarca essa possibilidade, no h

    mais qualquer necessidade de se formular uma nova teoria, ou seja, no h mais

    subseqncia histrica de teorias devido a modificaes ocorridas no universo

    artstico.

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    Isso pode ser percebido na afirmao de Danto de que no h critrio

    estilstico na arte contempornea que permita a confeco de uma narrativa acerca

    do perodo. A caracterizao da arte como ps-histrica se d justamente por isso

    (DANTO, 2006, p.15). No existe critrio a priori para a arte contempornea

    (DANTO, 2006, p.7). E, por conseguinte, Danto diz que nem ps-moderno, nem

    contemporneo so adjetivos suficientes para designar a arte que est sendo

    produzida agora. Da a preferncia do filsofo pelo adjetivo ps-histrico (DANTO,

    2006, p.14-15).

    5. Concluso:

    Ao retomar a teoria da arte ps-histrica de Danto pode-se perceber essa

    caracterstica atemporal de seus pressupostos. Segundo Virgnia Aita na

    Transfigurao do Lugar Comum Danto prope cinco condies necessrias e

    conjuntamente suficientes para identificar uma obra de arte:

    (...) 1) que so sempre sobre alguma coisa, tm contedo semntico; 2)projetam um ponto de vista ou atitude sobre aquilo que so sobre; 3)projetam esse ponto de vista por meio de elipses retricas/metforas; 4) requerem uma interpretao que constitutiva da sua identidade (artstica); e finalmente, 5)esta interpretao historicamente localizada num mundo da arte pertinente (AITA, 2011, p.155)

    Essa estrutura ontolgica, segundo a autora, metafsica e existe sem o

    pressuposto historicismo, se configurando como uma generalidade abstrata.

    Portanto, posso concluir que a filosofia da arte de Danto pressupe historicidade,

    mas no progressividade histrica e que, inclusive, ela se torna mais atraente se

    percebida nestes moldes.

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    Referncias Bibliogrficas

    AITA, Virginia. Arthur Danto: narratividade histrica sub specie aeternitas ou a arte sob o olhar do filsofo. Disponvel em: http://www.cap.eca.usp.br/ars1/arthurdanto.pdf Acessado em: 20/09/2011

    DANTO, Arthur C. A transfigurao do lugar comum. So Paulo: Cosac Naify, 2005

    _______. Aps o fim da arte: a arte contempornea e os limites da histria. So Paulo: Odysseus Editora, 2006.

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    _______. The Philosophical disEnfranchisement of art. New York: Columbia University Press, 2004.

    _______. Marcel Duchamp e o fim do gosto: uma defesa da arte contempornea. ARS (So Paulo), Dez 2008, vol.6, no.12, p.15-28.

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    DUARTE, Rodrigo A. de Paiva. A desartificao da arte segundo Adorno: antecedentes e ressonncias. Revista Artefilosofia, Ouro Preto, n.2, p. 19-34, jan. 2007.

    _______. O tema do Fim da Arte na Arte Contempornea. In: PESSOA, Fernando (org). Arte no Pensamento. Seminrios Internacionais Museu Vale do Rio Doce, 2006.

    RAMME, Noli. A esttica na filosofia da arte de Arthur Danto. Revista Artefilosofia, Ouro Preto, n.5, p. 87-95, jan. 2008.

    http://www.cap.eca.usp.br/ars1/arthurdanto.pdf