arthur c. clarke - terra imperial

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    ORELHA

    TERRA IMPERIAL, do mesmo autor de Encontro com Rama, a obra maisrecente de Arthur C. Clarke, considerado um dos maiores escritores da modernaliteratura de fico cientfica e um dos que at hoje, neste campo, mais longelevaram a imaginao e a fantasia. 0 livro conta a histria de um homem nascido naera interplanetria e que vive no satlite Tit. Sua primeira peculiaridade ternascido segundo um processo novo, j que no teve me, mas apenas pai. Jhomem, retorna Terra, colonizadora de planetas - Terra Imperial. A ao se passano sculo XXIII e decorre em ambiente cheio de enigmas, mistrios.

    A intercesso imaginria dos vrios planetas (habitados ou no) junto a Tit dlugar s cenas mais desconcertantes, embora no totalmente imprevisveis... Mas ocentro de decises ainda permanece na Terra, que continua a ser, nessa poca, umEstado controlado por homens e no por mquinas. O romance leva da primeira basemarciana a Saturno e a outros mundos ainda hoje desconhecidos. Toda a narrativase passa ao mesmo tempo num plano de exatido cientfica e, evidentemente, defantasia, talvez proftica. O mundo dos atuais computadores, com suas experinciasj ento ingnuas, pode considerar-se ultrapassado. As escalas da viagem sechamam Ganimede, Mercrio e Eros. Terra Imperial um livro que abre novas

    perspectivas sobre um futuro longnquo mas absolutamente verossmil e com osmesmos problemas humanos, os mesmos sentimentos, as mesmas lutas. Uma dasobras mais extraordinrias de Arthur C. Clarke.

    Depois do Encontro com Rama, o pblico brasileiro elegeu Arthur C. Clarke comoum dos seus autores prediletos na grande linha de Jlio Verne, H.G. Wells e tantosoutros que despertaram a ateno do leitor contemporneo para a aventura dofuturo. As obras de Clarke abrem perspectivas novas na vida interplanetria: 2001:Uma Odissia no Espao, a que se seguiu o filme de Stanley Kubrick; Encontro comRama (edio Nova Fronteira), narrativa emocionante da explorao do espaodesencadeada com o fim de interceptar um asteride misterioso que ameaa a

    Terra. Prmio Kallinger, da UNESCO, Arthur C. Clarke no apenas um escritor jclebre, best-sellermundial, mas tambm um cientista que trabalhou estreitamenteligado ao programa espacial norte-americano, professor e conferencista em grandesuniversidades internacionais.

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    ARTHUR CLARKE

    TERRA IMPERIALUma fantasia de amor e discrdia

    Traduo deJOS SAENZ

    EDIO - LIVROS DO BRASIL - LISBOA

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    Ttulo original em ingls:IMPERIAL EARTH

    Copyright 1975 byArthur C. Clarke

    Diagramao:Celso NascimentoReviso:Luzia Ferreira de Souza

    Direitos adquiridos para a lngua portuguesa por:EDIO - LIVROS DO BRASIL - LISBOA

    Para um amigo perdido.Lembre-se deles como eram; e descreva-os

    Ernest Hemingway

    Pois todo homem tem negcios e desejo.

    Hamlet, Ato I, cena 4.

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    PARTE - I

    TIT

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    CAPTULO 1

    UM GRITO NA NOITE

    Duncan Makenzie tinha dez anos quando encontrou o nmero mgico. Foi purasorte; queria chamar a av Ellen, mas foi descuidado e seus dedos devem ter tocadoas teclas erradas. Notou logo que tinha cometido um engano, porque o vdeo da avtinha um atraso de dois segundos, mesmo em auto-gravao Este circuito surgiuimediatamente. Contudo no houve rudo de chamada e nenhuma imagem. A telaestava completamente branca, sem nem mesmo um pontinho de interferncia.Duncan sups que tivesse ligado para um canal de apenas-udio, ou que houvessealcanado uma estao em que a cmara estivesse desligada. De qualquer modo,certamente aquele no era o nmero da av e procurou interromper a ligao.

    A notou um som. Primeiro, pensou que algum estivesse respirando baixinho nomicrofone, na outra extremidade, mas rapidamente percebeu seu engano. Havia algode ocasional e nada humano naquele sussurro delicado; no possua um ritmoregular, e havia longos intervalos de completo silncio.

    Enquanto escutava, Duncan sentiu um crescente espanto. A estava uma coisa

    completamente fora da sua experincia cotidiana normal, no entanto reconheceuaquilo quase imediatamente. Nos seus dez anos de vida, as impresses de vriosmundos foram gravadas em sua mente e ningum que tivesse ouvido estes sons toevocativos poderia jamais esquec-los - estava ouvindo a voz do vento, quesuspirava e sussurrava atravs da paisagem sem vida, cem metros acima da suacabea.

    Duncan esqueceu-se completamente da av e aumentou o volume ao mximo.Reclinou-se no sof, fechou os olhos e tentou projetar-se no mundo desconhecido ehostil do qual estava protegido por todos os recursos de segurana que trezentosanos de tecnologia espacial puderam conceber. Algum dia, quando ele passasse nos

    testes de sobrevivncia, subiria at aquele mundo e veria com seus prprios olhos oslagos e abismos e as nuvens cor de laranja, aparentemente baixas, iluminadas pelosraios tnues e frios do sol distante. Havia esperado por esse dia no comentusiasmo, mas com tranquila expectativa - os Makenzies eram conhecidos por suafalta de entusiasmo -, mas agora percebeu subitamente o que estava perdendo. Talcomo uma criana da Terra, em algum deserto poeirento longe do oceano, quetivesse apertado uma concha contra o ouvido e escutado com saudade doentia amsica do mar inatingvel.

    No havia mistrio no som, mas, como o estava atingindo? Poderia estar vindo dequalquer dos cem milhes de quilmetros quadrados que ficavam acima da sua

    cabea. Em alguma parte - talvez numa construo abandonada de projeto ouestao experimental - um microfone em ordem foi deixado ligado, exposto aosventos gelados e venenosos do mundo superior. Era pouco provvel que

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    permanecesse desapercebido. Mais cedo ou mais tarde seria descoberto e desligado.Devia captar essa mensagem do mundo exterior enquanto ainda estivesse l; mesmoque soubesse o nmero que chamou acidentalmente, duvidava que pudesseestabelecer de novo o contato.

    A quantidade de material audiovisual que Duncan tinha armazenado sob a rubrica

    MISCELANEA era notvel, mesmo para uma criana curiosa de dez anos. No eraque lhe faltasse capacidade de organizao - esta era uma das qualidades maiselogiadas dos Makenzies -, mas estava interessado em mais coisas do que podiacatalogar. Agora estava comeando a aprender, prpria custa, que a informaoque no apropriadamente classificada pode ser irremediavelmente perdida.

    Pensou atentamente por um minuto, enquanto o vento solitrio soluava e mugiatrazendo o frio do espao para dentro do seu quartinho quente. A ele apertouALPHA INDEX SONS DE VENTO # REGISTRO PERMANENTE #.

    No momento em que apertou a tecla do # ou tecla EXECUTE, tinha comeado acaptar aquela voz do mundo superior. Se tudo corresse bem, poderia traz-la de

    volta a qualquer momento, usando o ttulo SONS DE VENTO do ndex. Mesmo setivesse cometido um erro e o programa de seleo do aparelho tivesse falhado emlocalizar a gravao, esta estaria em algum lugar da memria permanente einapagvel da mquina. Havia sempre a esperana de que pudesse um dia encontr-la de novo por acaso, como estava sempre acontecendo com as informaes quearquivou na categoria de MISCELNEA.

    Decidiu continuar gravando por alguns minutos mais, antes de completar a ligaointerrompida para a av. Como por acaso, o vento deve ter diminudo exatamente nomomento em que ele tocou a tecla EXECUTE, porque houve um longo e frustrantesilncio. Ento, surgindo do silncio, apareceu algo novo.

    Era vago e distante, contudo dava a impresso de uma fora incrvel. A princpioera um grito frio, que aumentou de intensidade a cada segundo, mas, seja como for,nunca se aproximou demais. O grito mudou subitamente para um uivo demonaco,com subtons de trovo. Depois desapareceu to rpido como tinha aparecido. Doincio ao fim durou menos de meio minuto. Depois ficou apenas o sussurrar dovento, ainda mais solitrio que antes.

    Por um longo e delicioso momento, Duncan saboreou o prazer inigualvel do medosem perigo. Depois reagiu como sempre fez quando deparava com algo novo ouexcitante. Ligou para o nmero de Karl Helmer e disse:

    - Escute isto.A trs quilmetros de distncia, na extremidade norte de Casis City, Karl esperou

    at que um fino grito morresse no silncio. Como sempre sua cara no revelava seuspensamentos. Disse imediatamente:

    - Vamos ouvi-lo novamente.Duncan repetiu a gravao confiante de que o mistrio seria logo resolvido. Pois

    Karl tinha 15 anos e, consequentemente, sabia tudo.Aqueles olhos ofuscantemente azuis, aparentemente to cndidos, porm j to

    cheios de segredos, encararam Duncan. A surpresa e sinceridade de Karl eramtotalmente convincentes quando exclamou:

    - Voc no reconheceu?Duncan hesitou. J havia pensado em vrias possibilidades evidentes, mas se

    opinasse errado Karl acharia graa dele. Melhor se garantir...- No - respondeu. - E voc?

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    - Claro - disse Karl, no seu tom de voz mais superior. Fez uma pausa para causarefeito, depois inclinou-se na direo da cmara, de modo que seu rosto cresceuenormemente na tela.

    - um Hidrossauro excitado.Por uma frao de segundo, Duncan o levou a srio, o que era exatamente o que

    Karl tencionava. Rapidamente se recuperou e sorriu de volta para o amigo.

    - Voc est maluco. Ento voc no sabe o que .Pois o Hidrossauro Rex, monstro que respirava gs metano, era uma brincadeira

    deles, o produto de imaginaes joviais, inflamada por figuras da Terra antiga epelas maravilhas que ela produziu no incio da criao. Duncan sabia perfeitamenteque nada vivia agora, ou jamais viveu, no mundo que ele chamava de lar; somente oHomem caminhou sobre sua superfcie gelada. Todavia, se o Hidrossauro pudesseter existido, aquele som medonho poderia de fato ter sido seu grito de batalha, nomomento em que pulasse sobre o calmo Carbotherium, chafurdando num lago deamnia...

    - Ah, eu sei o que fez aquele barulho - disse Karl com esperteza. - Voc no

    percebeu? Aquilo era a p de um navio-tanque fazendo uma coleta. Se voc chamaro Controle de Trfico, eles vo dizer a voc para onde estava indo.Karl tinha-se divertido e sem dvida a explicao estava correta. Duncan j tinha

    pensado nela, mas esperava algo mais romntico. Embora fosse talvez um exageroesperar monstros de metano, uma nave espacial como cotidiano era um anticlmaxdesalentador, Sentiu-se como que abandonado e ficou arrependido de ter dado aKarl uma outra oportunidade de esvaziar seus sonhos. Karl era bastante bom nisso.

    Mas, como todos os meninos sadios de dez anos, Duncan era teimoso. A magiano tinha sido destruda. Embora as primeiras naves tivessem partido da Terra trssculos antes do seu nascimento, o fascnio do espao ainda no havia sido extinto.

    Havia romantismo bastante num grito vindo do limite da atmosfera, enquanto onavio-tanque em rbita colhia hidrognio para abastecer o comrcio do SistemaSolar.

    Em algumas horas aquela carga preciosa estava caindo na direo do Sol,passando pelas outras luas de Saturno, passando o gigantesco Jpiter, paraencontrar-se com uma das estaes de abastecimento que giram em torno dosplanetas internos. Gastaria meses - mesmo anos - para chegar l, mas no haviapressa. Desde que o hidrognio barato corresse atravs da rede invisvel atravs doSistema Solar, os foguetes de fuso poderiam voar de mundo a mundo, assim comoantes os transatlnticos percorriam os mares da Terra.

    Duncan entendia deste assunto melhor do que qualquer garoto da sua idade. Aeconomia do hidrognio foi tambm a histria da sua famlia e dominaria seu futuroquando ele estivesse com bastante idade para participar dos negcios de Tit. Jfazia quase um sculo que seu av Malcolm percebeu que Tit era a chave paratodos os planetas e sabiamente usou este conhecimento em benefcio dahumanidade e dele prprio.

    Por isso Duncan continuou a ouvir a gravao depois de Karl ter desligado.Repetidas vezes reproduziu aquele grito triunfante de fora, tentando detectar omomento exato em que foi finalmente engolido pelos abismos do espao. Duranteanos aquilo iria perseguir seus sonhos: ele acordaria durante a noite, convencido deque o tinha ouvido de novo atravs do teto do rocha que protegia o Osis do deserto

    hostil acima da sua cabea.E quando finalmente adormecesse, iria sonhar novamente com a Terra.

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    CAPTULO 2

    DINASTIA

    Malcolm Makenzie tinha sido o homem certo, no momento certo. Outros antes delehaviam olhado com cobia para Tit, mas ele foi o primeiro a resolver todos osdetalhes de engenharia e a conceber o sistema total dos coletores orbitais,compressores e tanques baratos que pudessem reter seu hidrognio lquido comuma perda mnima, enquanto caam lentamente na direo do Sol.

    Anteriormente, em 2180, Malcolm fora um jovem e promissor desenhista espacialem Port Lowell, tentando fazer aeronaves que pudessem transportar cargas teis naatmosfera tnue de Marte. Naquela poca, ele era Malcolm Makenzie, porque oengano do computador que mudou irrevogavelmente seu nome de famlia no tinhaainda ocorrido at o momento da sua imigrao para Tit. Depois de gastar cincoanos em fteis tentativas de correo, Malcolm finalmente cooperou com oinevitvel. Foi uma das poucas batalhas em que os Makenzies admitiram a derrota,mas agora estavam orgulhosos deste nome diferente.

    Quando terminou seus clculos e roubou bastante tempo do computador-

    esboador para preparar um belo conjunto de desenhos, o jovem Malcolm j tinha seaproximado do Escritrio de Planejamento do Departamento de Transporte deMarte. No esperava crticas severas porque sabia que seus fatos e sua lgica eramimpecveis.

    Uma nave trans-espacial de fuso das grandes poderia usar dez mil toneladas dehidrognio apenas num vo, meramente como fluido de trabalho inerte. Noventa enove por cento deste fluido no tomavam parte na reao nuclear, mas eramlanados fora dos jatos sem transformao, a dezenas de quilmetros por segundo,fornecendo propulso s naves que dirigiam entre os planetas.

    Havia bastante hidrognio na Terra, facilmente obtido nos oceanos; porm, o

    custo anual de megatons propulsores no espao era tremendo. E os outros mundoshabitados - Marte, Mercrio, Ganymede, e a Lua - no podiam ajudar. No tinhamnenhum hidrognio extra.

    Claro que Jpiter e os outros gigantes gasosos possuam quantidades ilimitadasdeste elemento vital, mas seus campos de gravitao o guardavam mais eficazmenteque qualquer drago infatigvel que vigiasse o tesouro mtico dos Deuses. Em todo oSistema Solar, Tit era o nico lugar onde a natureza tinha concebido o paradoxo dabaixa gravidade e uma atmosfera notavelmente rica em hidrognio e seuscompostos.

    Malcolm tinha razo em supor que ningum poderia desafiar seus clculos, ou

    negar a falibilidade do esquema, mas um bondoso administrador encarregou-se deensinar ao jovem Makenzie os fatos polticos e econmicos da vida. Aprendeu, comnotvel velocidade, curvas de crescimento, descontos a longo prazo e dvidas inter-

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    planetares, e ndices de depreciao e de desuso tecnolgico, e entendeu pelaprimeira vez por que o solar era baseado, no em ouro, mas em quilowatts-hora.

    - um velho problema - seu mentor lhe explicava pacientemente. - De fato,origina-se bem no incio da astronutica, no sculo vinte. Ns no poderamos tertido vos espaciais comerciais, at que houvesse colnias extraterrestres florescentese no poderamos ter tido colnias at que houvesse transporte espacial comercial.

    Nessa situao de aperto, tem-se uma taxa de crescimento muito lenta, at que seatinja o ponto de largada. Ento, de repente, as curvas comeam a disparar paracima e voc est metido no negcio... Poderia ocorrer o mesmo com o seu esquemade reabastecimento de Tit... mas voc tem alguma idia do investimento inicialexigido? Somente o Banco Mundial possivelmente poderia financi-lo...

    - E o Banco de Selene? No dizem que mais corajoso?- No acredite em tudo que ouvir sobre os gnomos de Aristarco; so to precavi-

    dos como qualquer outro. Precisam ser assim; os banqueiros da Terra ainda podemcontinuar respirando, se fizerem um mau investimento...

    Porm foi o Banco de Selene, trs anos depois, que patrocinou os cinco megas-sispara o estudo inicial de viabilidade. Depois Mercrio se interessou, e finalmenteMarte. Nesta altura, claro, Malcolm no era mais engenheiro aeroespacial. Tornou-se - no necessariamente nesta ordem - especialista em finanas, conselheiro derelaes pblicas, manipulador de mdia e poltico sagaz. No espao incrivelmentecurto de 20 anos, os primeiros carregamentos de hidrognio estavam partindo nadireo do Sol, provenientes de Tit.

    A faanha de Malcolm foi extraordinria, agora bem documentada por dzias deestudos de doutorados, todos respeitosos, embora alguns pouco elogiosos. O que a

    tornava to notvel - mesmo nica - foi a maneira pela qual ele converteu suacapacidade tecnolgica, duramente obtida, em capacidade administrativa. Oprocesso foi to imperceptvel que ningum compreendeu o que estava acontecendo.Malcolm no foi o primeiro engenheiro a tornar-se chefe de Estado; mas foi oprimeiro, seus crticos apontavam amargamente, a estabelecer uma dinastia. E ele ofez contra obstculos que teriam desencorajado homens mais fracos.

    Em 2195, na idade de 44 anos, casou-se com Ellen Killner, recentemente emigradada Terra. Sua filha Anitra foi a primeira criana a nascer na pequena comunidade deFronteira Osis, naquela poca a nica base permanente em Tit, e passaram-sevrios anos at que seus devotados pais percebessem que a natureza lhes tinhapregado uma pea cruel.

    Mesmo quando beb, Anitra era bonita e confidencialmente lhe tinha sidovaticinado que quando crescesse estaria completamente mimada. Desnecessriodizer que ainda no havia psiclogos em Tit, de modo que ningum tinha notadoque a menina era exageradamente dcil, bem comportada demais e muito quieta. Squando j estava com quatro anos que Malcolm e Ellen finalmente aceitaram o fatode que Anitra nunca poderia falar e de que havia algum realmente pouco vontadenaquele encantador invlucro que seus corpos tinham criado.

    A culpa era dos genes de Malcolm, no dos de Ellen. Em algum momento durantesuas mudanas para c e para l entre a Terra e Marte, um fton errante, queestava cruzando o espao desde a aurora csmica, destruiu suas esperanas para o

    futuro. O dano foi irreparvel, como Malcolm descobriu, quando consultou osmelhores cirurgies geneticistas dos quatro mundos. Era um pensamento aterrador

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    saber que ele tinha sido at afortunado com Anitra. O resultado poderia ter sido pior,muito pior...

    Para tristeza e alvio de um mundo inteiro, Anitra faleceu antes dos seis anos e ocasamento dos Makenzies morreu com ela, numa rajada de mgoa e recriminao.Ellen se atirou ao trabalho e Malcolm partiu para o que seria sua ltima visita Terra. Ele viajou por quase dois anos e conseguiu muito nesse perodo.

    Consolidou sua posio poltica e determinou o padro de desenvolvimentoeconmico em Tit para a metade do sculo vindouro. E conseguiu o filho ao qualagora se dedicava de corpo e alma.

    O enxerto humano - a criao de rplicas exatas de outro indivduo a partir dequalquer clula do corpo, excetuando-se as clulas reprodutoras - j tinha sidoconseguido ainda no sculo vinte. Mesmo quando a tcnica tinha-se aperfeioado,seu uso nunca se generalizou, parte por causa de objees ticas, e parte porquehavia poucas circunstncias em que este uso se justificasse.

    Malcolm no era rico - no existiam no mundo grandes fortunas pessoais, havia jalgumas centenas de anos -, porm certamente no era pobre. Usava uma

    combinao habilidosa de dinheiro, elogios e as presses mais sutis para atingir suasmetas. Quando voltou a Tit, levou com ele o beb que era seu gmeo idntico,porm meio sculo mais jovem.

    Quando Colin cresceu, no havia maneira de distingui-lo do pai quando na mesmaidade. Fisicamente, era uma duplicata exata em todos os aspectos. Mas Malcolm noera Narciso, interessado em criar uma simples cpia carbono dele mesmo; queriatanto um parceiro quanto um sucessor. De modo que o programa educacional deColin concentrou-se nos pontos fracos de Malcolm. Embora Colin tivesse uma baseem cincia, especializou-se em histria, leis e economia. Enquanto Malcolm eraengenheiro-administrador, Colin era administrador-engenheiro. Quando tinha apenas

    vinte anos, j estava atuando como representante do pai, sempre que isso fosselegalmente permitido e algumas vezes quando no era. Juntos, os dois Makenziesformavam uma dupla imbatvel, e era um passatempo favorito em Tit a tentativa dedelinear diferenas psicolgicas sutis entre os dois.

    Talvez porque nunca tivesse sido obrigado a lutar por algum grande objetivo eporque tinha suas metas formuladas desde o nascimento, Colin era mais gentil edcil que Malcolm, e por isso mesmo mais popular. Ningum, fora da famliaMakenzie, jamais chamou o mais velho pelo nome; mas poucos chamavam Colin demais alguma coisa. Ele no tinha inimigos reais e s havia uma pessoa em Tit queno gostava dele. Ao menos se presumia que Ellen, a esquisita mulher de Malcolm,no o amasse, pois recusava-se a tomar conhecimento de sua existncia.

    Talvez olhasse para Colin como um usurpador, um substituto inaceitvel para ofilho que nunca pudera ter tido. Se isto era verdade, era de se estranhar a suasimpatia por Duncan.

    Mas Duncan tinha sido enxertado de Colin quase quarenta anos depois, e nestapoca Ellen havia sofrido uma segunda tragdia, que nada tinha a ver com osMakenzies. Para Duncan, ela era sempre Vov Ellen, mas j estava bastante crescidopara perceber que, em seu corao, ela combinava duas geraes e preenchia umvazio que pocas mais antigas tinham achado impossvel imaginar ou acreditar.

    Se a av tinha qualquer parentesco gentico real com ele, estes vestgios tinhamsido perdidos sculos atrs em outro mundo. E, contudo, por algum estranho desvio

    da sorte e da personalidade, ela tornou-se para ele a me postia que jamais tinhaexistido.

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    CAPTULO 3

    CONVITE PARA UM CENTENRIO

    - Mas quem diabo George Washington? - perguntou Malcolm Makenzie.- um fazendeiro de meia-idade da Virgnia, dirige um lugar chamado Mount

    Vernon...- Voc est brincando.- No estou. No h parentesco, claro, o velho George no tinha filhos, mas este

    o seu nome verdadeiro e ele perfeitamente autntico.- Presumo que voc o tenha verificado com a Embaixada.- Claro, e consegui uma cpia de cinquenta linhas de sua rvore genealgica. Mui-

    to impressionante: metade da aristocracia americana destes ltimos 300 anos. Umaporo de Cabots, Du Ponts, Kennedys e Kissingers. E, antes disto, um par de reisafricanos.

    - Isso pode te impressionar, Colin - interrompeu Duncan -, mas, agora que deiuma olhada no programa, tudo me parece um pouco infantil. Adultos fingindo serfiguras histricas. Ser que realmente vo jogar ch na Baa de Boston?

    Antes que Colin pudesse responder, o av Malcolm chegou. Uma discusso entreos trs Makenzies - o ,que era algo raramente presenciado por estranhos - tinhamais o carter de monlogo que de discusso. Porque suas trs personas diferiamapenas pelas influncias ambientais diversas e pela educao. Desentendimentosgenunos entre eles eram virtualmente desconhecidos. Quando estavam em jogodecises difceis, Duncan e Colin tomavam pontos de vista opostos e os debatiamdiante de Malcolm, que escutava sem dizer palavra, embora suas sobrancelhaspudessem ser muito eloquentes. Raras vezes tinha que dar um julgamento, pois osdois advogados atingiam uma sntese sem muita dificuldade. Mas, quando intervinhaera para liquidar o assunto. Era uma boa maneira de dirigir uma famlia ou um

    mundo.- Nada sei sobre o ch, o que certamente seria um desperdcio a cinquenta dlareso quilo, mas vocs esto sendo muito severos com o Senhor Washington e seusamigos. Quando temos quinhentos anos nas costas, um pouco de pompa e cerimnianos seriam perdoadas. E nunca se esqueam de que a Declarao da Independnciafoi um dos eventos histricos mais importantes destes ltimos trs mil anos. Sem elano estaramos aqui. Afinal, o Tratado de Fobos comea com as palavras: Quando,no curso dos eventos da humanidade, torna-se necessrio para um povo...

    - Muito inapropriado naquele contexto. No geral a Terra estava muito contente porver-se livre de ns.

    - Inteiramente correto, mas que os terrenos nunca ouam isto.

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    - Ainda estou confuso - disse Duncan meio queixoso. - Gostaria de saber exata-mente o que o bom General deseja de ns. Como podemos ns, rudes colonos,contribuir para os processos?

    - Ele apenas Professor e no General - replicou Colin.- Eles esto extintos,mesmo na Terra. Parecem-me um punhado de discursos bem feitos, traandoquaisquer paralelos que possam ser encontrados entre nossas situaes histricas.

    Um certo charme extico, sabe, um clima de fronteira, onde os homens ainda vivemperigosamente. A habitual virilidade brbara, to irresistvel para os decadentesterrenos de todos os sexos. E, tambm importante, uma gratido genuna, pormmirrada, pela inesperada doao de uma Terra aberta. Despesas pagas pela estadade dois meses com passagem de volta para Tit. Isto resolveria vrios de nossosproblemas e seria muito aprecivel.

    - a pura verdade - Duncan respondeu, pensativo -, mesmo que acabe comnossos planos para os prximos cinco anos.

    - No acaba com eles - disse Colin. - Adianta-os. Tempo ganho tempo criado. Esucesso em poltica depende de uma sbia administrao do imprevisvel, como voc

    gosta tanto de dizer. Bem, este convite certamente imprevisvel e tentarei control-lo. J mandamos os agradecimentos oficiais?- Somente um agradecimento de rotina. Sugiro que voc o complemente com um

    bilhete pessoal ao Presidente... hum, Professor Washington.- Ambos tm razo - disse Malcolm, relendo o convite formal. - Aqui diz: Respon-

    svel pela Comisso de Celebrao do Quinto Centenrio e Presidente da AssociaoHistrica de Virgnia". Pode-se escolher.

    - Temos que ser muito cautelosos a respeito disto, ou algum o apresentar naCmara. O convite era oficial ou pessoal?

    - No de governo para governo, felizmente, j que a Comisso quem

    patrocina. E est endereado ao Ilustre Malcolm Makenzie e no ao Presidente.O Ilustre Malcolm Makenzie, tambm Presidente de Tit, estava visivelmentesatisfeito com aquela pequena sutileza.

    - Posso perceber nisto o toque delicado do seu bom amigo, o Embaixador Farrel? -perguntou Colin.

    - Estou certo de que a idia nunca lhe ocorreu.- Tambm penso assim. Bem, mesmo que estejamos firmemente apoiados na lei,

    isto no impedir objees. Haver as acusaes costumeiras de privilgio e maisuma vez seremos tachados de estar governando Tit em nosso prprio benefcio.

    - Eu gostaria de saber quem comeou a divulgar a palavra feudado. Tenho queverificar isso.

    Colin ignorou a interrupo do velho. Como Administrador-Chefe, tinha queenfrentar os problemas cotidianos de governar o mundo e no podia se permitir apequena irresponsabilidade que Malcolm estava comeando a demonstrar na velhice.No era senilidade - o av tinha apenas cento e vinte e quatro anos -, mas adespreocupao, a atitude olmpica de quem j tinha visto e experimentado tudo esatisfeito todas as suas ambies.

    - H dois pontos a nosso favor - continuou Colin. - No h fundos oficiais envolvi-dos, de modo que no podemos ser criticados por estarmos usando o dinheiro dogoverno. E deixemos de lado a falsa modstia: a Terra est esperando um Makenzie.Se um de ns no for, poder at ser tomado como insulto. E como Duncan a

    nica possibilidade, isso resolve o problema.- Voc est inteiramente correto, claro. Contudo, nem todos o vero desse modo.

    Todas as famlias desejaro enviar seus filhos e filhas mais jovens.

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    - No h nada que os impea - interferiu Duncan.- Quantos poderiam se dar ao luxo? Ns no poderamos.- Poderamos se no tivssemos extras dispendiosos em vista. Tambm podem os

    Tanaka-Smiths, os Mohadeers, os Schwartz, os Deweys...- Mas, acho que os Helmers no.Colin falou despreocupadamente, mas sem humor. Seguiu-se um silncio no qual

    os trs Makenzies partilharam o mesmo pensamento. Ento, Malcon dissecalmamente:

    - No subestime Karl. Ns temos apenas poder e crebros, mas ele genial, e isto sempre imprevisvel.

    - Porm maluco - protestou Duncan. - A ltima vez que nos encontramos, tentouconvencer-me de que havia vida inteligente em Saturno.

    - Conseguiu?- Quase.- Se ele maluco - o que duvido, a despeito do seu famoso esgotamento nervoso

    -, ento ele ainda mais perigoso. Especialmente para voc, Duncan.

    Duncan no procurou responder. Seus gmeos mais velhos e sbios compreendi-am seus sentimentos, mesmo que nunca pudessem partilh-los inteiramente.- H um outro ponto - disse Malcolm pensativo -, e talvez seja o mais importante

    de todos. Podemos ter apenas dez anos para mudar toda a base da nossa economia.Se voc puder achar uma resposta para este problema em sua viagem, mesmo queum indcio de resposta, ser um heri quando voltar. Ningum ousar criticarnenhuma de suas outras atividades, pblicas ou privadas.

    - uma tarefa difcil. No sou mgico.- Ento, melhor comear a aprender. Se o Impulso Assimpttieo no pura

    mgica, no sei o que possa s-lo.

    - S um minuto! - disse Colin. - A primeira nave com Impulso A no deve chegaraqui nas prximas semanas?- A segunda. Houve aquele cargueiro, o Fomalhaut. Fui a bordo mas no me

    deixaram ver nada. Srio a primeira nave de passageiros com Impulso A. Vaientrar na rbita de estacionamento creio que em cerca de trinta dias.

    - Voc poder estar pronto nessa data, Duncan?- Duvido muito.- Claro que pode.- quero dizer, fisiologicamente. Mesmo num programa de coliso, leva-se meses

    de preparo para a gravidade terrestre.- Hum. Mas esta oportunidade boa demais para ser perdida. Tudo est

    encaixando perfeitamente. Afinal voc nasceu na Terra.- Voc tambm. Quando voltou, levou quanto tempo para se preparar?Colin suspirou.- Parecia-me ter levado sculos. Mas, atualmente, creio que devem ter melhorado

    as tcnicas. Eles agora esto usando neuro-programao enquanto se dorme, no?- Costuma causar pesadelos horrveis, e eu preciso de todo o sono possvel.

    Porm, o que bom para Tit...No precisou terminar a frase, que tinha sido criada por algum cnico desconhecido

    havia meio sculo. Durante trinta anos, Duncan nunca pusera realmente em dvidaesse velho clich, antes usado para ferir, agora virtualmente adotado na famlia

    como um lema.O que era bom para os Makenzies era mesmo bom para Tit.

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    CAPTULO 4

    A LUA VERMELHA

    Dos oitenta e cinco satlites naturais conhecidos, apenas Ganimede, lder doSistema Jupiteriano, excedia Tit em tamanho, e isso por pequena margem. Mas, emoutros aspectos, Tit no tem rivais. Nenhuma outra lua de qualquer planeta tinhamais que um vestgio de atmosfera. A de Tit era to densa que, se fosse deoxignio, teria sido fcil para um homem respirar.

    Quando este fato foi descoberto, no final do sculo vinte, ofereceu aos astrnomosum enigma de primeira classe. Por que um mundo pouco menor que a Lua,totalmente sem ar da Terra, poderia ser capaz de conservar alguma atmosfera,particularmente uma rica em hidrognio, o mais leve dos gases? H muito tempodeveria ter escoado no espao.

    E este no era o nico enigma. Como a Lua, quase todos os outros satlites erampraticamente sem cor, cobertos de rochas e poeira causada por eras de bombardeiosde meteoros. Mas Tit era vermelho, to vermelho quanto Marte, cujo brilho malignolembrava aos homens dos tempos antigos guerras e carnificinas.

    As primeiras sondagens de robs resolveram alguns dos mistrios de Tit, mas,como sempre acontece, levantaram uma enorme quantidade de novos problemas. Acor vermelha era originria de uma camada de nuvens baixas e densas, feita quaseque da mesma mistura desconcertante de compostos orgnicos como a da GrandeMancha Vermelha de Jpiter. Debaixo dessas nuvens, havia um mundo cem grausmais quente do que tinha qualquer direito de ser; de fato, havia regies em Titonde um homem precisava pouco mais que uma mscara de oxignio e uma simplesroupa trmica para movimentar-se no exterior. Para grande surpresa de todos, Titse apresentou como o lugar mais hospitaleiro do Sistema Solar, depois da prpriaTerra.

    Parte deste calor inesperado vinha de um efeito de estufa causado pela captaodos raios tnues do Sol distante pela atmosfera de hidrognio. Mas, muito mais doque isso, era devido a fontes internas; a regio equatorial de Tit abundava em - nafalta de uma expresso melhor - o que poderamos chamar de vulces frios. Emraras ocasies, de fato, alguns deles realmente vomitavam gua em estado lquido.

    Essa atividade, provocada pelo calor radioativo gerado nas profundezas de Tit,lanava megatons de compostos de hidrognio na atmosfera e, continuamente,continha sua perda no espao. Um dia, evidente, as reservas enterradas - como ospoos de petrleo extintos da Terra - desapareceriam, porm os gelogos calcularamque Tit poderia manter o vcuo do espao cercado por, pelo menos, dois bilhes de

    anos. As atividades humanas mais vigorosas para obter atmosfera teriam apenasuma influncia mnima nesta cifra.

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    Como a Terra, Tit tinha diferentes estaes - embora fosse difcil aplicar o termo"vero" onde a temperatura na metade do dia raras vezes subia para cinquentaabaixo de zero. E, como Saturno, levava quase trinta anos para completar seu giroem torno do Sol, cada uma das estaes de Tit tinha mais de sete anos terrenos dedurao.

    O pequeno sol, levando oito dias para cruzar o cu, era raras vezes visvel atravs

    da capa de nuvens e havia muito pouca diferena entre a temperatura diurna e anoturna; ou tambm entre os polos e o equador. Tit, portanto, no tinha clima, maspodia, em determinadas ocasies, produzir sua espetacular espcie de clima.

    O mais impressionante fenmeno meteorolgico era a chamada Mono deMetano, que frequentemente - embora no invariavelmente - ocorria com osurgimento da primavera no Hemisfrio Norte. Durante o longo inverno, um poucodo metano da atmosfera condensava-se em pontos frios localizados e formava lagosrasos, que alcanavam at mil quilmetros quadrados, mas raras vezes mais do quealguns metros de profundidade e frequentemente cobertos por montes de formasfantsticas e blocos flutuantes de gelo de amnia. Contudo, era necessria a

    temperatura extremamente baixa de menos cento e sessenta graus para manter ometano liquefeito, e nenhuma parte de Tit era to fria durante tanto tempo.Um vento "quente" ou uma falha nas nuvens, e os lagos de metano

    transformavam-se subitamente em vapor. Era como se na Terra um dos oceanosfosse evaporar aumentando abruptamente centenas de vezes o seu volume, e assimmudando completamente a atmosfera. O resultado seria catastrfico, e em Tit svezes era pouco menos do que isso. As velocidades do vento foram registradas emmais de quinhentos quilmetros horrios ou, para ser mais exato, estimadas a partirde seus efeitos. Duravam apenas alguns minutos, porm era mais que suficiente.Muitas das primeiras expedies foram aniquiladas pela Mono, antes de ser

    possvel predizer sua vinda.Antes dos primeiros pousos em Tit, no comeo do sculo vinte e um, exobilogosotimistas esperavam encontrar vida em torno dos osis relativamente quentes dosquais conheciam a existncia. Esta esperana desvaneceu-se lentamente e por umtempo foi revivida pela descoberta das estranhas formaes de cera nas famosasCavernas de Cristal. Mas, no final do sculo, era absolutamente certo no ter jamaisexistido vida autctone em Tit.

    Nunca houve expectativa de se encontrar vida em outras luas, onde as condieseram ainda mais hostis. Somente Iapetus e Rhea, com menos da metade de Tit,tinham um pequeno trao de atmosfera. Os demais satlites eram ridosagrupamentos de rocha, bolas de neve exageradamente crescidas ou uma misturade ambas as coisas. Em meados do ano 2200, mais de quarenta tinham sidodescobertos, tendo, em sua grande maioria, menos de cem quilmetros de dimetro.Os exteriores - a vinte milhes de quilmetros de Saturno - moviam-se em rbitasretrgradas e eram evidentemente visitantes temporrios do cinturo de asteroidesHouve muita discusso sobre se deveriam ser considerados satlites genunos, etc.Embora alguns tenham sido explorados por gelogos, muitos jamais foramexaminados, exceto atravs de sondas-rob espaciais, mas no havia razo parasupor que tivessem grandes surpresas.

    Talvez um dia, quando Tit ficasse prspero e se tornasse um tanto montono,futuras geraes aceitassem o desafio daqueles mundinhos. Alguns otimistas

    pensavam em tornar estas bolas de neve, ricas em carbono, em zoolgicos orbitais,aquecendo-se ao calor de seus prprios sis de fuso e pululando de estranhasformas de vida. Outros sonharam com redomas de recreio particulares e refgios de

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    baixa gravitao e ilhas no espao para experimentos em estilos de vida supertecnolgicos. Mas no passavam de fantasias de um utpico futuro. Tit necessitavaagora de todas as suas energias para resolver a crise em marcha, neste ano de meiomilnio de 2276.

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    CAPTULO 5

    A POLTICA DO TEMPO E DO ESPAO

    Quando apenas dois Makenzies falavam um com o outro, sua conversa era aindamais concisa e telegrfica do que quando todos trs estavam presentes. Intuio,processos paralelos de pensamento e experincia j partilhada preenchiam aslacunas que tornariam grande parte de sua conversa completamente ininteligvelpara estranhos.

    - Controlar? - perguntou Malcolm.- Ns? - respondeu Colin.- 31? Garoto!O que poderia ser traduzido em linguagem simples como:- Voc acha que ele poderia controlar o trabalho?- Voc tem alguma dvida de que podemos?- Aos 31? No tenho certeza. Ele apenas um garoto.- De qualquer maneira, no temos escolha. Esta uma oportunidade enviada por

    Deus ou por Washington que no podemos perder. Ele ter que submete-se a um

    treinamento intensivo sobre assuntos terrenos, aprender tudo o que necessriosobre os Estados Unidos...

    - Isso me faz lembrar: o que sero os Estados Unidos atualmente? Perdi a conta.- Agora existem quarenta e cinco Estados - Texas, Novo Mxico, Alasca e Hava

    retornaram Unio, ao menos para o ano do Centenrio.- E o que significa isto legalmente?- No muito. Eles pretendem ser autnomos, porm pagam suas taxas regionais e

    globais como todo mundo. um compromisso tipicamente terrestre.Malcolm, relembrando suas origens, algumas vezes achava necessrio defender

    seu mundo natal desses comentrios cnicos:

    - Pois eu gostaria que tivssemos aqui um pouco mais de compromissos do tipoterrestre. Seria timo injet-los em nosso primo Armand.Armand Helmer, Superintendente de Recursos, no era de fato primo de Malcolm,

    porm sobrinho de sua ex-mulher Ellen. Contudo, naquele pequeno e fechadomundo que era Tit, todos, com exceo de imigrantes recentes, eram parentes. Asdesignaes tio, tia, sobrinho, primo eram lanadas ao acaso com alegre inexatido.

    - Primo Armand - disse Colin com satisfao - vai ficar muito aborrecido quandosouber que Duncan est a caminho da Terra.

    - E o que poder fazer? - perguntou Malcolm suavemente.

    Era uma pergunta adequada, e por um momento ambos os Makenzies ficaramcismando sobre a rivalidade crescente entre sua famlia e a dos Helmers. Sob certos

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    aspectos, era bastante comum. Tanto Armand como seu filho Karl haviam nascido naTerra e tinham trazido com eles, atravs de um bilho de quilmetros, aquelaenlouquecedora aura de superioridade que tinha sido to frequentemente a marcaregistrada do mundo de origem. Alguns imigrantes finalmente conseguiram erradic-la, embora o processo fosse difcil. Malcolm s tinha conseguido depois de trsplanetas e uma centena de anos, mas os Helmers nunca tinham tentado. E embora

    Karl tivesse apenas cinco anos de idade quando deixou a Terra, parecia ter passadoos anos subsequentes tentando tornar-se mais terrestre que os terrestres. E nem eracoincidncia todas as suas mulheres terem vindo da Terra.

    Porm isto foi mais um assunto de diverso que de aborrecimento, at uns dozeanos atrs. Quando crianas, Duncan e Karl tinham sido inseparveis e no houvecausa de conflito entre as duas famlias, at que a rpida subida de Armand atravsda hierarquia tecnolgica de Tit o levou a uma posio de poder. Agora oSuperintendente de Recursos no se preocupava em esconder sua idia de que trsgeraes de Makenzies j tinham sido suficientes. Se foi realmente ou no o criadorda frase "O que bom para os Makenzies...", certamente a citava com prazer.

    Para fazer justia a Armand, sua ambio era mais concentrada em seu filho nicodo que nele mesmo. Apenas isto j teria sido o suficiente para pr alguns freios naamizade entre Karl e Duncan, mas provavelmente ela teria resistido s pressespaternas de ambos os lados. O que tinha causado o rompimento final ainda era algonebuloso e associado a um esgotamento nervoso que Karl tinha sofrido quinze anosatrs.

    Ele emergiu do esgotamento nervoso com todas as suas capacidades intactas, mascom uma notvel mudana de personalidade. Depois de se ter formado com louvorna Universidade de Tit, dedicou-se a uma srie de atividades de pesquisa, quevariavam desde a medio das ondas galcticas de rdio ao estudo dos campos

    magnticos em torno de Saturno. Todos os seus trabalhos tinham muita importnciaprtica e Karl tambm desempenhou papel importante no estabelecimento e namanuteno da rede de comunicao da qual Tit dependia. Todavia, bem verdadeque seus interesses eram mais tericos que prticos e que algumas vezes tentavaexplorar este fato sempre que o debate sobre as "Duas Culturas" surgia novamente.

    A despeito de alguns sculos de invectiva de ambas as partes, ningum realmenteacreditava que os Cientistas, com C maisculo, possussem mais cultura (seja o quefosse o significado desta palavra) do que os Engenheiros. A pureza do conhecimentoterico era uma aberrao filosfica que provavelmente teria sido ridicularizada pelospensadores gregos, aos quais foi impingida, mais de mil anos depois. O fato de queo maior escultor da Terra comeou sua carreira como desenhista de pontes, e de queo melhor violinista de Marte ainda estava fazendo um trabalho original, em teoria dosnmeros, no provava nada nem para um lado nem para o outro. Mas os Helmersgostavam de argumentar que j era tempo de mudar. Os engenheiros tinhamgovernado Tit por bastante tempo e eles possuam a substituio perfeita que trariadestaque intelectual para seu mundo.

    Aos trinta e seis anos, Karl ainda possua o charme que tinha cativado todos osseus camaradas, mas parecia a muitos - e certamente a Duncan - que ultimamentehavia algo de inflexvel, calculado e levemente repelente em tudo aquilo. Ele aindapodia ser amado, mas tinha perdido a capacidade de amar. E era estranho quenenhum de seus casamentos espetaculares tivesse produzido descendentes.

    Se Armand desejava desafiar o regime dos Makenzies, o fato de Karl no possuirherdeiros no era o nico problema. Qualquer coisa que os Sete Mundos dissessemsobre sua independncia, o centro do poder ainda permanecia na Terra. Tanto como

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    h 2.000 anos os homens iam a Roma buscar justia, prestgio ou conhecimento,nesta era o Planeta Imperial atraa os filhos espalhados. Nenhum homem poderia serlevado a srio na arena da poltica solar a no ser que tivesse relaes pessoais comas figuras-chave dos negcios terrestres e houvesse traado seu caminho ao menosuma vez atravs dos labirintos da burocracia terrestre.

    E para faz-lo era preciso ir Terra. Como nos dias dos Csares, no havia

    alternativa. Aqueles que acreditavam - ou fingissem acreditar - no contrrioarriscavam-se a ser rotulados com a temida palavra "colonial".

    Talvez fosse diferente se a velocidade da luz fosse infinita; mas era a bagatela deum bilho de quilmetros por hora, e, consequentemente, uma conversa em temporeal sempre seria impossvel entre a Terra e qualquer pessoa que estivesse alm darbita da Lua. A aldeia global eletrnica, que tinha existido durante sculos nomundo de origem, jamais poderia ser estendida para o espao. Os efeitos polticos epsicolgicos dessa realidade eram enormes e ainda no totalmente compreendidos.

    Por geraes e geraes, os habitantes da Terra tinham-se acostumado a ficar napresena uns dos outros mediante o toque de um boto. Os satlites de

    comunicao tornaram possvel, e mais tarde inevitvel, a criao de um EstadoMundial em tudo, menos no nome. E, apesar de muitos receios antigos, era umEstado ainda controlado por homens e no por mquinas.

    Havia talvez mil indivduos-chave e dez mil pessoas importantes que secomunicavam incessantemente de plo a plo. As decises necessrias paragovernar o mundo tinham que ser tomadas, s vezes, em alguns minutos, e para istoa alimentao instantnea da conversa cara a cara era essencial. Durante umafrao de segundo-luz, era fcil conseguir estabelecer este contato, e, durantetrezentos anos, os homens ficaram certos de que a distncia no poderia maisafast-los uns dos outros.

    Mas, com o estabelecimento da primeira Base Marciana, esta intimidade terminou.A Terra podia falar com Marte, mas as palavras levavam pelo menos trs minutospara chegar at l e a resposta tomava exatamente o mesmo tempo. A conversa era,portanto, impossvel, e todos os negcios tinham que ser feitos por telex ou seuequivalente.

    Teoricamente, isto podia ser satisfatrio e comumente o era. Mas havia exceesdesastrosas: aconteciam mal-entendidos inter-planetares onerosos e algumas vezesfatais, porque dois homens nas extremidades dos circuitos no se conheciamrealmente ou no compreendiam as maneiras de pensar um do outro, porque nuncatinham tido um contato pessoal.

    E o contato pessoal era essencial nos altos escales do governo e daadministrao. Os diplomatas sabiam disso h muitos mil anos, com suas misses,embaixadores e visitas oficiais. Somente depois desse contato, onde a inevitvelavaliao do carter tivesse sido feita e os laos sutis de entendimento mtuo einteresse comum fossem estabelecidos, que se podia fazer negcios atravs dacomunicao a longa distncia com alguma confiana.

    Malcolm jamais poderia ter adquirido sua posio em Tit, sem as amizades feitasquando de sua volta Terra. Houve tempo em que considerou estranho que umatragdia pessoal o tivesse levado ao poder e responsabilidade, muito alm de todosos sonhos da juventude. Mas, ao contrrio de Ellen, tinha enterrado seu passado eeste j no o atormentava havia muito tempo.

    Quando Colin repetiu o exemplo, quarenta anos depois, e voltou a Tit com opequeno Duncan, a posio do cl ficou imensamente fortalecida. Para a maior parteda raa humana, a lua maior de Saturno era, agora, virtualmente identificada com os

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    Makenzies. Ningum podia pensar em desafi-los, se no possusse a rede decontatos pessoais estabelecida por eles, no somente na Terra mas em todos oslugares que importavam. Era atravs dessa rede, e no dos canais oficiais, que osMakenzies, e isto at os seus opositores admitiam de m vontade, Conseguiam Fazeras Coisas.

    E agora uma quarta gerao estava se preparando para consolidar a dinastia.

    Todo mundo sabia que isso aconteceria finalmente, mas ningum esperava que fosseto cedo.

    Nem mesmo os Makenzies. E principalmente os Helmers.

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    CAPTULO 6

    NAS LINDAS, LINDAS MARGENS DO LAGO HELLBREW

    Antigamente, Duncan sempre ia de bicicleta, ou de carro eltrico, para a casa daav Ellen, toda vez que tinha de levar alguma coisa para a casa. Desta vez, porm,carregava quilos de peso cuidadosamente distribudos que, apesar disso, ainda lhederam dez quilos de peso extra. Se ele soubesse que antigamente existiamcontrabandistas, certamente sentiria uma forte afinidade com um daqueles tipos,que usavam casacos elegantes forrados de barras de ouro.

    Colin o tinha presenteado com um complexo equipamento, cheio de bolsas ecorreias, dizendo com alvio:

    - Graas a Deus no vou us-lo de novo! Sabia que o tinha posto em algumaparte, mas levei dias para encontr-lo. verdade que os Makenzies jamais jogamcoisa alguma fora.

    Duncan descobriu que precisava de ambas as mos para tirar aquela coisa de cimada mesa. Quando correu o fecho clair de um dos muitos bolsinhos, descobriu quecontinha uma haste do tamanho de um lpis de um metal opaco, tremendamente

    pesado.- O que isto? - perguntou. - mais pesado do que ouro.- sim. Se no me engano, uma super-liga de tungstnio. O peso total de

    setenta quilos, mas no comece a us-lo todo imediatamente. Comecei comquarenta e acrescentei dois por dia. O importante manter a distribuio uniforme eevitar aquecimento.

    Duncan fez uns clculos mentalmente e achou os resultados bastantedeprimentes. A gravidade da Terra era cinco vezes maior do que a de Tit. Contudo,esse aparelho diablico simplesmente dobraria o seu peso local.

    - impossvel - disse tristemente. - Nunca serei capaz de caminhar na Terra.

    - Bem, eu consegui, embora a princpio no tivesse sido fcil. Faa tudo o que osmdicos mandarem, mesmo que parea bobagem. Passe todo o tempo que pudertomando banho ou deitado. No se envergonhe de usar cadeiras de rodas ouaparelhos ortopdicos pelo menos nas duas primeiras semanas. E nunca tentecorrer.

    - Correr!- Cedo ou tarde voc esquecer que est na Terra e poder quebrar uma perna.

    quer apostar comigo?

    Apostas eram um dos vcios teis dos Makenzies. O dinheiro ficava na famlia e operdedor sempre aprendia uma lio valiosa. Embora Duncan achasse impossvelimaginar cinco gravidades, no podia negar que Colin tinha passado um ano na

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    Terra e sobrevivera para contar a histria. Logo, esta no era uma aposta queprometesse lucros.

    Agora estava comeando a acreditar nas previses de Colin e quase no notava opeso extra, pelo menos enquanto estava se locomovendo em linha reta. Somentequando tentava mudar de direo que se sentia dominado por uma forairresistvel. Sem contar os visitantes da Terra, ele era provavelmente o homem mais

    forte em Tit. No que o seu corpo estivesse ganhando novas foras; em vez disso,estava retomando potenciais latentes que tinham sido abandonados, esperando pelomomento em que seriam postos novamente em uso. Dentro de alguns anos, o queestava tentando agora seria muito tarde.

    O tnel de quatro metros de largura tinha sido aberto com laser anos atrs, nabeira da pequena cratera que circundava Osis. Originalmente, havia sido umconduto para os petroqumicos de amonaco do apropriadamente chamado LagoHellbrew, um dos recursos naturais mais importantes da regio. A maior parte dolago tinha sido usada para abastecer as indstrias de Tit; mais tarde, a suco docalor interno da lua, como parte do projeto de engenharia planetria local, provocou

    a evaporao do que restava.Houve um resmungar surdo quando Ellen Makenzie tornou claras suas intenes,mas o Departamento de Recursos bombeou o gs de hidrognio-metano para forado tnel, e agora retirava seu oxignio para a amolao anual dos auditores, noinventrio, como parte das reservas de ar da cidade. Havia duas comportas operadasmanualmente, assim como os selos de fechamento da cidade. Algum queultrapassasse a segunda comporta por conta prpria estaria correndo riscos, mas istoera desprezvel. O tnel corria atravs de rocha slida, e como a presso interna eramaior que a externa, no havia perigo de que os venenos de Tit se infiltrassem.

    Uma meia dzia de tneis laterais, todos eles agora bloqueados, levava

    passagem principal. Quando foi pela primeira vez quele lugar, Duncan emprestou smanivelas seladas algo de fantstico e mgico. Agora sabia que elas apenascontrolavam a passagem para as cmaras de gs, abandonadas h muito tempo.Contudo, embora todo o mistrio estivesse dissolvido, ainda lhe parecia que aquelescorredores estavam assombrados por dois fantasmas. Um era o de uma mocinha quehavia sido conhecida e amada apenas por um punhado de pioneiros; o outro era umgigante que tinha sido chorado por milhes.

    Havia centenas de piadas com o nome de Robert Kleinman [Kleinman significa,literalmente, em alemo, homem pequeno (N. Do T.)], porque ele tinha quase dois metros dealtura bem proporcionada. E seu talento igualava o fsico; foi mestre-piloto com aidade de trinta anos, a despeito da dificuldade que tinha em adaptar-se com asroupas espaciais de tamanho padro. Duncan nunca o considerou especialmentebonito, mas nesse aspecto foi vencido por um batalho de mulheres que o achavam,inclusive Ellen Makenzie.

    A av tinha conhecido o Capito Kleinman apenas um ano depois da separaodefinitiva de Malcolm. Ela poderia ter estado numa crise emocional, mas elecertamente no estava. Porm, aps o encontro, o Capito jamais olhou para outramulher, e foi um desses casos de amor famosos em muitos mundos. Durou todo operodo de planejamento e preparao para a primeira expedio a Saturno e fixao

    da Challengerna rbita fora de Tit. E, pelo menos do lado de Ellen Makenzie, esseamor jamais morreu; ficou congelado para sempre no momento em que a nave

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    atingiu o seu misterioso e inexplicvel fim nas profundezas das rotas de jatos daZona Temperada do Sul.

    Caminhando um pouco mais lentamente do que quando comeou o passeio,Duncan chegou comporta final. No dia do centsimo aniversrio da av, os

    membros mais jovens da famlia haviam pintado a comporta com brilhantes coresfluorescentes que no tinham ainda desbotado naqueles ltimos doze anos. ComoEllen nunca se referiu a este gesto, e como nunca escutava perguntas que nodesejava responder, no houve meio de descobrir se ela tinha gostado dahomenagem.

    - Estou aqui, Vov - disse Duncan, atravs do intercomunicador antigo que haviasido presenteado a sua av por um admirador annimo, muito tempo atrs. (Aindavia-se a marca bem ntida: "Feito em Hong-Kong", e estava datado de cerca 1995. vergonhoso contar, mas tinha havido uma tentativa de roub-lo, embora o roubo emTit fosse praticamente desconhecido. Talvez fosse apenas uma brincadeira de

    criana ou um gesto anti-Makenzie.)Como sempre, no houve resposta, mas a porta destrancou imediatamente eDuncan penetrou no minsculo vestbulo. O eletro-ciclo da av continuava no lugaronde estava havia muitos anos. Duncan verificou a bateria e deu um chute nospneus, como sempre o fazia, com grande cuidado. No havia necessidade de encheros pneus ou carregar a bateria desta vez: se a velha sentisse de repente o impulsode ir cidade, no havia nada que a pudesse impedir.

    A cozinha, que era uma pea retirada intacta de um pequeno veculo orbital detransporte de passageiros, estava mais arrumada que de hbito; presumivelmenteuma das ajudantes voluntrias tinha acabado de fazer sua visita semanal. No

    obstante, o cheiro azedo, enjoativo, habitual de desintegrao culinria lenta ereciclagem inadequada, estava pesando no ar, e Duncan prendeu a respiraoenquanto atravessava rapidamente para a sala de estar. Ele nunca aceitava mais queuma xcara de caf na casa da av e temia um envenenamento acidental se algumavez se atrevesse a retirar amostras de produtos de seu rob reconstituidor. Mas,Ellen parecia vontade; atravs dos anos ela deve ter estabelecido uma espcie desimbiose com sua cozinha. Ainda confiava na garantia do fabricante, emboraproduzisse os mais estranhos odores. Sem dvida a av nunca os notou; Duncanpensava no que ela ia fazer quando o desastre final ocorresse.

    O salo principal estava superlotado como sempre. Apoiada em uma parede, aestante com rochas cuidadosamente etiquetadas: uma mineralogia completa de Tite das outras luas pesquisadas de Saturno, bem como amostras de cada um dosanis. At onde Duncan podia se lembrar, havia apenas uma prateleira vazia, comose, ainda agora, sua av estivesse esperando pela volta de Kleinman.

    A parede oposta era mais esparsamente ocupada com os equipamentos decomunicao e informao e prateleiras de micro-mdulos que, se completamenteocupadas, poderiam conter mais conhecimento do que todas as livrarias da Terra ato sculo vinte e um. O resto da sala era uma pequena oficina cujo cho era quasetotalmente ocupado por mquinas que sempre fascinaram Duncan desde sua maistenra infncia e s quais ele associaria sua av Ellen enquanto vivesse.

    Havia microscpios petrolgicos, ferramentas de polir e de cortar, limpadoras

    ultra-snicas, facas de laser, e toda a brilhante parafernlia dos gemologistas ejoalheiros. Duncan tinha aprendido a usar a maioria delas com o passar dos anos,embora no tivesse adquirido mais que uma frao da habilidade de sua av, e lhe

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    faltasse quase inteiramente o seu talento artstico. O que realmente compartilhavacom ela era o seu interesse pela matemtica, exemplificado pelo pequenocomputador com um painel hologrfico.

    O computador, bem como a cozinha, j estavam obsoletos h bastante tempo.Mas era completamente autnomo, de modo que a av no precisava depender demaneira alguma das imensas vantagens de armazenagem da cidade. Embora seu

    computador tivesse a memria apenas um pouco maior que a do crebro humano,era o suficiente para suas modestas necessidades. Seu interesse em minerais levou-ainevitavelmente cristalografia, depois teoria de grupos, e depois para a obsessoinofensiva que dominou a maior parte da sua solitria existncia. Vinte anos atrs,naquela mesma sala, ela contagiou Duncan com essa mesma obsesso. No seu caso,a doena no era mais virulenta, tendo percorrido o seu ciclo no prazo de algunsmeses; mas ele sabia, com uma certa tolerncia divertida, que poderia sofrerrecadas de tempos em tempos. Como era incrvel que cinco quadradosperfeitamente idnticos pudessem criar um universo que nem o homem ou umcomputador poderiam jamais ser capazes de explorar inteiramente...

    Nada tinha mudado naquele lugar desde sua ltima visita, trs semanas atrs.Podia at imaginar que sua av no tinha sado do lugar; ela ainda estava sentadaem sua mesa de trabalho, selecionando rochas e cristais, enquanto s suas costas atela vermelha do computador produzia intermitentemente solues de um problemaque estava analisando. Como sempre, a av usava vestido longo, que a faziaparecer-se com uma matrona romana, embora Duncan tivesse a certeza de quenenhum vestido de matrona romana pudesse parecer to descuidado ou, para serperfeitamente sincero, to necessitado de ser lavado. Desde que Duncan a conhecia,o cuidado que Ellen dedicava sua aparelhagem jamais se estendeu sua aparnciapessoal.

    Ela no se levantou, mas ergueu ligeiramente a cabea para que ele lhe desse seuafetuoso beijo habitual. Assim que ele o fez, percebeu que o mundo exterior, pelomenos, tinha sofrido mudanas.

    A vista da janela da sala de sua av era famosa mas somente pela reputao, umavez que poucas pessoas tinham tido o privilgio de t-la apreciado com seus prpriosolhos. Sua casa era parcialmente embutida na orla de uma encosta que dava para oleito seco do Lago Hellbrew e o desfiladeiro que levava a ele, o que lhe oferecia umpanorama de cento e oitenta graus da paisagem mais pitoresca de Tit. Algumasvezes, quando as tempestades silvavam atravs das montanhas, a paisagemdesaparecia durante horas por trs das nuvens de cristais de amnia. Mas hoje otempo estava limpo e Duncan podia ver a uma distncia de, pelo menos, vintequilmetros.

    - O que que est acontecendo l fora? - perguntou ele.A princpio ele pensou que era uma das fontes de fogo que algumas vezes

    entravam em erupo em reas instveis. Mas, nesse caso, a cidade estaria emperigo e ele saberia h mais tempo. Ento percebeu que a coluna brilhante, emboraenfumaada, de luz queimando firmemente no alto do morro, a uns trs ou quatroquilmetros de distncia, s podia ser obra do homem.

    - H um fusor funcionando em Huygens. No sei o que esto fazendo, mas aquilo combusto de oxignio.

    - Ah, um dos projetos de Armand. No a incomodam?

    - No... acho que lindo. Ademais, precisamos da gua. Olhe para aquelas nuvensde chuva... chuva de verdade. E acho que h alguma coisa crescendo l adiante.Percebi uma mudana nas cores das rochas desde que essas chamas comearam.

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    - bem possvel... o pessoal da bio-engenharia deve estar a par disso. Um diavoc ter uma floresta para olhar ao invs desta rocha nua.

    Duncan estava brincando, claro, e ela o sabia. Excetuando reas muito restritas,nenhuma vegetao poderia crescer ali no espao aberto. Mas experincias comoessas eram um incio, e um dia...

    L longe, na montanha, uma usina de fuso de hidrognio estava em

    funcionamento, derretendo a crosta de Tit para retirar todos os elementosnecessrios s indstrias daquele pequeno mundo. E como metade daquela crostaconsistia em oxignio, agora somente necessrio em muito pequena quantidade nociclo econmico fechado das cidades, foi simplesmente permitida sua queima.

    - Voc percebe, Duncan - disse a av subitamente -, como esta chama simbolizanitidamente a diferena entre Tit e a Terra?

    - Bem, eles no tm que derreter as rochas para obter tudo o que precisam.- Eu estava pensando em algo muito mais fundamental. Se o terrqueo quer fogo,

    acende um jato de hidrocarbono e deixa-o queimar. Ns fazemos exatamente ooposto. Botamos fogo num jato de oxignio e o deixamos queimar na nossa

    atmosfera de hidro metano.Este era um fato to elementar da vida - na verdade um lugar-comum ecolgico -que Duncan ficou desapontado; estava esperando, por uma revelao maissurpreendente. Seu rosto deve ter revelado seus pensamentos, porque sua av nolhe deu oportunidade de fazer comentrios.

    - O que estou procurando dizer - continuou - que pode no ser to fcil vocadaptar-se na Terra, como deve estar pensando. Voc pode saber, ou pensa quesabe, quais as condies que so iguais s daqui, mas seu conhecimento no estbaseado na experincia. Quando voc precisar dela, numa emergncia, no estarpresente. Seus instintos de Tit podero dar respostas erradas. Portanto, aja

    devagar e sempre pense duas vezes antes de movimentar-se.- No tenho escolha quanto a movimentar-me com lentido. Meus msculos deTit se encarregaro disto.

    - Quanto tempo vai ficar ausente?- Cerca de um, ano. Meu convite oficial para dois meses, mas agora a viagem

    est sendo paga, de modo que terei dinheiro para uma estada mais longa, e parece-me uma pena desperdiar esta oportunidade, j que nica.

    Ele tentou dar sua voz o tom mais alegre e otimista que podia, emboraconhecesse perfeitamente bem os pensamentos que deveriam estar passando pelamente de Ellen. Ambos sabiam que este encontro poderia ser o ltimo que teriam;cento e quatorze anos no eram uma idade avanada para uma mulher, mas,verdadeiramente, o que tinha agora a av para se dedicar? A esperana de v-lonovamente, quando voltasse da Terra? Gostava da idia...

    E havia tambm um outro assunto bailando no ar, ao qual no poderia nunca sereferir. A av sabia perfeitamente bem o objetivo principal de sua visita Terra, eesse conhecimento era como uma facada em seu corao, mesmo aps todos estesanos. Ela nunca perdoou Malcolm; nunca aceitou Colin; ser que continuaria aaceit-lo quando ele retornasse com o pequeno Malcolm?

    Agora a av estava procurando algo, com uma falta de jeito muito diferente dosseus precisos movimentos normais, num dos escaninhos de sua mesa de trabalho.

    - Isto uma lembrana para voc levar.

    - O qu... oh, lindo!Ele no estava sendo excessivamente corts. Sua reao fora forada por uma

    surpresa genuna, A caixinha rasa, com tampa de cristal, que estava agora

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    segurando era, de fato, uma das obras mais delicadas da arte geomtrica que jamaistinha visto. E a av no poderia ter escolhido um objeto mais evocativo de suajuventude e do mundo que, embora estivesse prestes a deixar, deveria ser sempre oseu lar.

    Enquanto olhava para o mosaico de pedras coloridas que ocupava inteiramente acaixinha, saudando cada uma daquelas formas familiares como um velho amigo,

    seus olhos se marearam e os anos pareciam retornar. Sua av no havia mudado,porm ele estava apenas com dez anos...

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    CAPTULO 7

    UMA CRUZ DE TITANITA

    - Voc j bastante adulto para compreender este jogo, Duncan... embora sejamuito mais que um jogo.

    Seja o que for, no parece muito estimulante, pensou Duncan. O que se podefazer com cinco quadradinhos iguais de plstico branco, com dois centmetros delado?

    - Bem - continuou a av -, o primeiro problema ver quantos padres diferentesvoc pode fazer colocando todos estes quadradinhos juntos.

    - Enquanto eles estiverem deitados sobre a mesa?- Sim, com as beiras combinando exatamente: no se pode vir-los.Duncan comeou a mexer nos quadradinhos.- Bem - comeou ele -, posso coloc-los todos em linha reta, assim... a posso

    mexer com o ltimo e formar um. L... e um da outra ponta e fazer um U...Rapidamente formou meia dzia de composies diferentes dos cinco

    quadradinhos e depois descobriu que estava se repetindo.

    - Acho que tudo... Ah, que burrice.Havia esquecido da figura mais bvia de todas: a cruz ou X, formado com um

    quadrado no meio e os outros quatro em volta.- A maior parte das pessoas - disse a av - descobre este em primeiro lugar. No

    sei o que isto prova a respeito do seu processo mental. Voc acha que descobriutodas as formaes?

    Duncan continuou a escorregar os quadradinhos de c para l e finalmentedescobriu mais trs figuras. Depois desistiu.

    - Isto agora tudo - anunciou com segurana.- E esta aqui? - disse a av, movimentando os quadrados rapidamente para formar

    uma figura que parecia um F corcunda.- Ah!- E esta...Duncan comeava a sentir-se meio tolo e ficou muito aliviado quando a av

    continuou.- Voc saiu-se bastante bem... s esqueceu estes dois. Ao todo so exatamente

    doze destes padres: nem mais nem menos. Aqui esto eles. Pode procurar vontade que jamais encontrar outros.

    Ela empurrou para o lado os cinco quadradinhos e colocou na mesa uma dzia depedaos de plstico brilhantes e coloridos. Cada um tinha um formato diferente e

    juntos formavam um conjunto completo de doze figuras que, Duncan estava agorabem preparado para admitir, era tudo o que pode ser feito com cinco quadradosiguais.

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    Mas certamente havia algo mais que aquilo. O jogo no podia ter terminado ainda.No, Vov deveria ter ainda algo escondido na manga.

    - Agora, Duncan, preste ateno. Cada uma destas figuras - chamam-sepentomins, alis - so obviamente do mesmo tamanho, j que so feitas de cincoquadrados iguais. E temos doze ao todo, logo a rea total de sessenta quadrados.Correto?

    - Hum. .. correto.- Bem, sessenta um bom nmero par, que voc pode dividir de vrias maneiras.

    Vamos comear com dez multiplicado por seis, o mais fcil. a rea desta caixinha:dez unidades multiplicadas por seis. Logo as doze peas devem caber exatamentedentro dela, como um simples quebra-cabeas.

    Duncan estava procurando armadilhas: Vov gostava de paradoxos verbais ematemticos, nem todos compreensveis para uma vtima de dez anos de idade, masno conseguia encontrar nenhuma. Se a caixa tinha realmente o tamanho que a avdizia, ento os doze pedaos deveriam caber dentro dela. Afinal ambos tinhamsessenta unidades de rea.

    Um momento... a rea pode ser a mesma, mas a forma pode ser errada. Pode nohaver jeito de colocar todos os doze pedaos dentro desta caixa retangular, mesmoque o tamanho esteja correto.

    - Vou deixar voc com o problema - disse Vov, depois que ele movimentou osquadrados por alguns minutos. - Mas, garanto-lhe uma coisa: isso pode ser feito.

    Dez minutos mais tarde, Duncan estava comeando a duvidar. Era bastante fcilcolocar dez pedaos na caixa e uma vez conseguiu colocar onze. Infelizmente o lugarvazio do quebra-cabeas no era do mesmo formato da pea que permanecia emsua mo, embora, claro, fosse exatamente a mesma rea. O vazio tinha forma deX e a pea era um Z.

    Trinta minutos depois, ele estava quase estourando de frustrao. A av o tinhadeixado completamente s, enquanto mantinha um srio dilogo com seucomputador; mas de vez em quando atirava-lhe um olhar divertido, como sedissesse: - V... no to fcil assim...

    Duncan era bem teimoso para a idade; a maioria dos meninos de dez anos j teriadesistido (nunca lhe ocorreu que a av estivesse fazendo tambm um hbil trabalhode teste psicolgico). Ele no pediu ajuda durante quarenta minutos. ..

    Os dedos da av adejaram pelo mosaico. O U, o X e o L deslizaram dentro dosseus restritos limites e de repente a caixinha ficou completamente cheia. Os pedaostinham se encaixado perfeitamente no quebra-cabeas.

    - Bem - disse Duncan, um tanto sem jeito -, voc j conhecia a soluo.- A soluo? - replicou Vov. - Voc est interessado em saber de quantas

    maneiras diferentes estas peas podem ser colocadas dentro da caixinha?Duncan estava certo de que havia algum truque ali. Ele no tinha encontrado uma

    nica soluo em quase uma hora de esforo e devia ter tentado no mnimo umacentena de arranjos. Mas era possvel que houvesse apenas... ah, uma dzia desolues diferentes.

    - Acho que pode haver umas vinte maneiras de colocar as peas na caixa -respondeu, decidido a se garantir.

    - Tente de novo.Isto era um sinal de perigo. Evidentemente, havia muito mais coisas naquilo do

    que parecia e seria bom no se comprometer.Duncan balanou a cabea.- No consigo imaginar.

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    - Menino sensato. A intuio um guia perigoso, embora algumas vezes seja onico que temos. Ningum poderia adivinhar a resposta certa. H mais de duas milmaneiras diferentes de colocar estes doze pedaos dentro da caixa. Para ser exata,2.339. que acha disto?

    No era provvel que Vov estivesse mentindo. Todavia, Duncan sentiu-se tohumilhado pela sua total incapacidade de achar ao menos uma soluo, que

    estourou:- No acredito!A av raras vezes se mostrava zangada, embora se tornasse fria e afastada

    quando ele a ofendia. Desta vez, porm, ela simplesmente riu e bateu umasinstrues no computador.

    - Olhe para isto - disse ela.Um desenho de luzes claras apareceu na tela, mostrando o conjunto dos doze

    pentomins encaixados numa moldura de seis por dez. Permaneceu por algunssegundos e foi logo substituda por outra claramente diferente, embora Duncanpossivelmente no pudesse se lembrar da forma anterior apresentada to

    rapidamente. Depois uma outra... e mais uma, at que a av cancelou o programa.- Mesmo neste ritmo rpido - disse ela - levaria cinco horas para passar todos. E,garanto-lhe, embora nenhum ser humano tivesse conferido todos eles ou mesmopudesse faz-lo, so todos diferentes.

    Duncan olhou durante muito tempo a coleo das doze decepcionantementesimples figurinhas. medida que assimilava vagamente o que sua av havia dito,teve sua primeira revelao matemtica genuna. O que a princpio tinha parecidoum jogo de criana lhe revelara infinitas possibilidades e horizontes, embora um dosmeninos mais brilhantes de dez anos no pudesse imaginar a total extenso douniverso que agora se abria diante dele.

    Este momento de glorioso encantamento e espanto tinha sido puramente passivo;uma exploso muito mais intensa de alegria intelectual ocorreu quando ele descobriusua primeira soluo verdadeira para o problema. Durante semanas, carregou comele os doze pentomins em sua caixa plstica, brincando com eles a todo momento.Passou a conhecer cada uma daquelas doze formas como se fossem amigos,chamando-os pelas letras com as quais mais se assemelhavam, embora em algunscasos com bastante distoro imaginativa: o bizarro grupo F, I, L, P, N e a ltimasequncia alfabtica T, U, V, W, X, Y.Z.

    E uma vez, numa espcie de transe geomtrico ou xtase que jamais foi capaz derepetir, descobriu cinco solues em menos de uma hora. Nem Newton, Einstein ouChen-Tsu poderiam ter sentido identidade maior com os deuses da matemtica emseus momentos de verdade...

    No lhe custou muito tempo para perceber, sem nenhuma orientao da av, quetambm seria possvel arranjar figuras em outras formas alm do retngulo de seispor dez. Pelo menos teoricamente, os doze pentomins poderiam ocupar exatamenteretngulos de cinco por doze, quatro por quinze e at a faixa estreita de trs delargura por vinte de comprimento.

    Sem muito esforo, encontrou vrios exemplos de retngulos de 5x12 e 4x15.Depois passou uma semana decepcionante tentando arranjar as doze peas numa

    faixa perfeita de 3x20. Repetidas vezes criou retngulos ainda mais estreitos, massempre sobravam algumas peas, e afinal achou que aquela forma era impossvel.

    Derrotado, procurou a av novamente e recebeu outra surpresa.

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    - Estou contente por voc ter-se esforado - disse ela. - Generalizando, explorandotodas as possibilidades, isto a matemtica. Mas voc est errado. Pode ser feito.H apenas duas solues, e se voc achar uma delas encontrar tambm a outra.

    Encorajado, Duncan continuou a caada com vigor renovado. Depois de outrasemana, comeou a perceber a magnitude do problema. O nmero de diferentesmaneiras pelas quais doze simples objetos poderiam ser colocados basicamente

    numa linha reta, desde que se admitisse que a maioria deles poderia ter no mnimoquatro orientaes diferentes, era estarrecedor.

    Mais uma vez apelou para a av, apontando a injustia das probabilidades.- Se houvesse apenas duas solues, quanto tempo gastaria para ach-las?- Vou dizer - respondeu ela. - Se voc fosse um computador sem crebro e colo-

    casse as peas num ritmo de um segundo para cada possibilidade, voc poderiapassar todo o conjunto em... - fez uma pausa para causar efeito - cerca de uns seismilhes, milhes de anos.

    Anos de Tit ou da Terra?, pensou o apavorado Duncan. No que isso tivessemuita importncia...

    - Mas voc no um computador sem crebro - continuou a av. - Voc pode vernum segundo, categorias inteiras que no se encaixariam no padro. Logo noprecisa se ocupar delas. Tente de novo.

    Duncan obedeceu, embora sem muito entusiasmo ou sucesso. E a teve uma idiabrilhante.

    Karl estava interessado e aceitou o desafio imediatamente. Pegou o conjunto depentomins e Duncan no o viu durante muito tempo.

    Mais tarde Karl o chamou, parecendo um pouco desanimado.

    - Voc tem certeza que pode ser feito? - perguntou.- Absolutamente. Na verdade h duas solues. No encontrou uma pelo menos?Pensei que fosse bom em matemtica.

    - Sou mesmo. Por isso sei como difcil esta tarefa. H mais de um quatrilho depossibilidades a serem verificadas.

    - Como que voc resolve esta dificuldade? - perguntou Duncan, deliciado pordescobrir algo que surpreendesse seu amigo.

    Karl olhou para um pedao de papel coberto de esboos e nmeros.- Bem, excluindo proposies proibidas e permitindo simetria e rotao, chegamos

    ao fatorial doze vezes dois elevado a vinte e um. Voc no entenderia por qu! umnmero grande, aqui est ele.

    Levantou o papel no qual tinha escrito em nmeros grandes a fileira imponente dealgarismos: 1 004 539 160 000 000.

    Duncan olhou para o nmero com satisfao; no duvidava da aritmtica de Karl.- Ento voc desistiu.- No! Estou apenas lhe dizendo como difcil.E Karl, aparentando inflexvel determinao, desligou.No dia seguinte, Duncan teve uma das grandes surpresas de sua jovem vida.

    Apareceu na tela um Karl de olhos mortios, que evidentemente no tinha dormidodesde a ltima conversa.

    - Aqui est a resposta - disse ele. Exausto e triunfo rivalizavam na sua voz.

    Duncan mal podia acreditar no que estava vendo; Estava convencido de que asprobabilidades contra o sucesso eram demasiado grandes. Porm ali estava uma

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    estreita faixa retangular de apenas trs por vinte, formada pelo conjunto completodas doze peas...

    Com dedos levemente trmulos pela fadiga, Karl tomou as duas partes daextremidade e movimentou-as, deixando a parte central do quebra-cabeas intacta.

    - E eis a segunda soluo - disse ele. - Agora vou para a cama. Boa-noite, ou bom-dia, se j for dia.

    Por um bom pedao de tempo, um Duncan bastante castigado ficou olhandoparado a tela em branco. No entendia o que estava acontecendo, apenas sabia queKarl tinha ganho, a despeito de todas as razoveis expectativas.

    No que Duncan realmente se importasse. Gostava muito de Karl para ressentir-se com sua pequena vitria e era realmente capaz de alegrar-se com os triunfos dosseus amigos, mesmo quando estes eram sua custa. Mas havia algo estranhonaquilo. Algo quase mgico.

    Tinha sido o primeiro contato de Duncan com o poder da intuio e da capacidade

    misteriosa da mente de ultrapassar os fatos disponveis e contornar os processos dalgica. Em algumas horas, Karl tinha completado uma pesquisa que deveria exigirquatrilhes de operaes, e teria ocupado inteiramente o mais rpido computadorexistente por uma aprecivel quantidade de segundos.

    Um dia Duncan perceberia que todos os homens possuam esses poderes, masapenas poderiam us-los uma vez na vida. Em Karl, este privilgio eraexcepcionalmente bem desenvolvido. Daquele momento em diante, Duncanaprendeu a levar a srio at mesmo suas mais abusivas especulaes.

    Aquilo se passara h vinte anos. O que teria acontecido quele pequeno conjuntode peas de plstico? Ele j no se lembrava de quando as tinha visto da ltima vez.

    Mas ali estavam elas reencarnadas em minerais coloridos, o peculiar granitorosado das Montanhas de Galileu, a obsidiana do Planalto de Huygens, o pseudomrmore da Escarpa Herschel. E ali - era inacreditvel, mas impossvel duvidar -estava a mais rara e misteriosa das pedras preciosas encontradas neste mundo. D Xdo quebra-cabeas era feito de titanita. Ningum poderia confundir aquele brilhonegro-azulado com pontos dourados. Era a pea maior que Duncan tinha visto e nopodia nem adivinhar o seu valor.

    - No sei o que dizer - gaguejou. - lindo... nunca vi nada parecido.Colocou os braos em torno dos ombros magros da av e percebeu, com pesar,

    que estavam tremendo incontrolavelmente. Abraou-a delicadamente at que otremor passasse, sabendo que no havia palavras para certos momentos, epercebendo como nunca que ele era o ltimo amor em sua vida vazia e que a estavaabandonando s suas memrias.

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    CAPTULO 8

    CRIANAS DOS CORREDORES

    Havia um sentimento de tristeza e fim em quase tudo o que fazia naqueles ltimosdias. Algumas vezes isto intrigava Duncan. Ele deveria estar excitado, antecipando agrande aventura que apenas um punhado de homens do seu mundo poderiapartilhar. E apesar de nunca se ter afastado de seus amigos e familiares por mais dealgumas horas, tinha a certeza de que um ano de ausncia passaria rapidamente,entre as maravilhas e as distraes da Terra.

    Ento, por que essa melancolia? Se estava se despedindo das coisas de suajuventude, era apenas por um tempo curto, e as apreciaria ainda mais quandovoltasse...

    Quando voltasse. A, claro, estava a raiz do problema. Num verdadeiro eprofundo sentido, o Duncan Makenzie que estava deixando Tit agora jamaisretornaria. Na realidade este era o propsito da experincia. Como Colin, havia trintaanos, e Malcolm, quarenta antes de Colin, ele estava se dirigindo para o Sol embusca de conhecimento, poder, maturidade e, sobretudo, em busca de um sucessor

    que seu prprio mundo nunca pudera lhe dar. Pois, claro, sendo uma duplicaode Malcolm, tambm trazia em suas entranhas o gene fatal dos Makenzies.

    Mais cedo do que esperava, teve que preparar sua famlia para receber o novomembro. Depois de um nmero habitual de experincias prvias, ele estabeleceu seular com Mirissa, havia quatro anos, e amava tanto os filhos dela, tinha certeza, comose fossem sua prpria carne e sangue. Clyde tinha agora seis anos e Carline trs. Ascrianas, por sua vez, pareciam gostar de Duncan tanto quanto gostavam de seuspais reais, que eram agora considerados membros honorrios do Cl Makenzie. Maisou menos a mesma coisa tinha ocorrido na gerao de Colin; ele tinha adquirido ouadotado trs famlias, o mesmo acontecendo com Malcolm. O av nunca tinha-se

    dado ao trabalho de casar-se de novo depois que Ellen o tinha abandonado, masnunca tinha ficado sem companhia por muito tempo. Somente um computadorpoderia manter as pegadas das idas e vindas na periferia do cl. Frequentementeparecia que todo Tit era aparentado dos Makenzies, de uma maneira ou de outra.Um dos maiores problemas de Duncan, naquele momento, era resolver quem ficariamortalmente ofendido se ele no procurasse para se despedir.

    Excetuando o fator tempo, tinha outros motivos para fazer o mnimo possvel dedespedidas. Cada um dos seus amigos e parentes, bem como algumas pessoasquase completamente estranhas, pareciam ter algum pedido para fazer, algumamisso que desejavam que cumprisse assim que chegasse Terra. Ou, pior ainda,

    havia alguma coisa especial ("No vai dar nenhum trabalho") que queriam quetrouxesse quando voltasse. Duncan calculou que teria que fretar um cargueiroespecial se atendesse a todos os pedidos.

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    Todas as tarefas tinham que ser agora divididas em duas categorias: havia coisasque tinham de ser feitas antes de deixar Tit, e coisas que poderiam ser adiadas atque tivesse embarcado. Estas ltimas incluam seus estudos sobre a atualidadeterrestre, que iam sendo postergados, apesar da frentica insistncia de Colin ematualiz-los.

    Subtrair-se de seus deveres oficiais tambm no era tarefa fcil e Duncan

    percebeu que dentro de mais alguns anos isso seria quase impossvel. Ele. estava seenvolvendo em coisas demais, embora isto fosse uma poltica j deliberada pelafamlia. Mais de uma vez ele j tinha reclamado de que seu ttulo de AssistenteEspecial do Administrador-Chefe dava-lhe responsabilidade e nenhum poder. A isso oAdministrador-Chefe Colin respondeu:

    - Voc sabe o que significa o poder em nossa sociedade? Dar ordens a pessoasque as cumprem... somente quando o desejam e se as aceitarem.

    Esta crtica era um tanto severa, claro, para a burocracia de Tit, que atfuncionava surpreendentemente bem e com um mnimo de formalidades. Porquetodas as pessoas-chave se conheciam, uma quantidade imensa de transaes era

    feita atravs de contato pessoal. Todos que tinham vindo para Tit haviam sidoselecionados pela inteligncia e capacidade e sabiam que a sobrevivncia dependiada cooperao. Aqueles que tinham vontade de abandonar suas responsabilidadessociais primeiro tinham que praticar a respirao de metano a cem abaixo de zero.

    Tinha sido poupado de uma situao possivelmente embaraosa. No poderiadeixar Tit sem despedir-se do seu ex-amigo ntimo, mas, afortunadamente, Karl noestava em Tit. Muitos meses atrs Karl tinha embarcado num dos nibus espaciaispara juntar-se a uma nave de pesquisa terrestre, investigando as luas externas.Bastante ironicamente, Duncan tinha invejado esta oportunidade de Karl conhecermundos desconhecidos. Agora seria a vez de Karl invej-lo.

    Podia imaginar muito bem a frustrao de Karl ao ser informado de que Duncanestava a caminho da Terra. O pensamento lhe dava mais tristeza do que prazer. OsMakenzies podiam ter defeitos mas no eram vingativos. Porm, Duncan no podiaimpedir-se de pensar na frequncia com que os sonhos de Karl agora se dirigiriampara o Sol e tambm nos momentos passados em que as emoes de ambosestavam ligadas ao mundo original.

    Duncan tinha apenas dezesseis anos e Karl vinte e um, quando a nave de passeioMentor fez o seu primeiro, e amplamente esperado, nico encontro com Tit. Eraum cargueiro de fuso convertido, lento mas econmico, desde que suprimentosadequados de hidrognio pudessem ser obtidos em pontos estratgicos.

    Mentor parou em Tit para seu abastecimento final, na ltima etapa de um GrandTour que a tinha levado a Marte, Ganimede Europa, Palas e Iapetus e que haviaincludo pequenas paradas em Mercrio e Eros. Logo que tinham carregado cerca dequinze mil toneladas de hidrognio, sua exausta tripulao planejou encaminhar-separa a Terra na rbita mais rpida que pudessem computar, se possvel depois deabandonar todos os passageiros.

    O cruzeiro deve ter parecido uma boa idia quando o consrcio de universidadesterrenas o tinha planejado havia alguns anos. E de fato o foi, na longa viagem, poisos recm-formados da Mentorprovaram o seu valor atravs do Sistema Solar. Mas,

    quando a nave desequilibrou-se na sua rbita de estacionamento, sob o comando deum capito prematuramente envelhecido, todo o empreendimento pareceu umdesastre de primeira grandeza.

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    Os problemas para manter quinhentos adultos jovens ocupados e fora de perigodurante um cruzeiro de seis meses, mesmo a bordo da maior nave espacial, notinham sido encarados com o devido cuidado. Do professor de direito, que haviaassumido o posto de Master-at-Arms, tinha-se ouvido mais tarde a queixa amarga deque nos almoxarifados da nave havia ausncia completa de armas hipodrmicas egases atordoantes. Por outro lado, no houve mortes ou prejuzos srios, apenas

    uma pequena gravidez, e todos aprenderam um bocado, embora no necessaria-mente nas reas pretendidas pelos organizadores. As primeiras semanas, porexemplo, foram ocupadas na sua maior parte por experincias de sexo em gravidadezero, a despeito dos avisos de que era um vcio oneroso para os obrigados a passara maior parte de suas vidas em superfcies planetrias.

    Outras atividades a bordo - a opinio era geral - no eram to inofensivas. Haviarelatrios sobre fumar tabaco, no realmente ilegal, claro, mas um comportamentopouco sensato quando havia tantas outras alternativas seguras. Ainda maisalarmantes eram os persistentes boatos de que haviam contrabandeado umAmplificador de Emoes para bordo da Mentor. As chamadas "Mquinas de alegria"

    estavam proibidas em todos os planetas, a no ser sob estrito controle mdico.Porm, sempre haveria pessoas para quem a realidade no era suficientementeagradvel e que tentariam buscar coisas melhores.

    No obstante as histrias de terror irradiadas pelos outros portos de escala, Titestava ansioso para receber os jovens visitantes. Pensava-se que acrescentariam umcerto colorido ao ambiente social e ajudariam a estabelecer um contato proveitosocom a Me Terra. E, ademais, seria apenas por uma semana...

    Felizmente ningum tinha pensado que duraria dois meses. Isso no foi culpa daMentor;Tit tinha toda a responsabilidade.

    Quando a Mentor instalou-se na sua rbita de estacionamento, a Terra e Tit

    estavam envolvidos numa daquelas suas disputas peridicas sobre o preo dohidrognio, Potencial Gravitacional Zero, F. O. B. (Referncia Solar). Os 15% deaumento propostos causariam o colapso do comrcio interplanetrio, gritavam osterrestres. Qualquer quantia abaixo de 10%, juravam os titanianos, os levaria falncia e tornaria impossvel a importao de qualquer dos artigos dispendiosos quea Terra estava sempre tentando vender. Para qualquer historiador econmico odebate era tediosamente conhecido.

    Sem conseguir um bom preo, a Mentor ficou encalhada em rbita, com ostanques de combustvel vazios. A princpio, o capito no ficou muito infeliz. Ele e atripulao poderiam se arranjar com o resto, agora que os passageiros tinham idopara Tit e desaparecido por todos os cantos do infeliz satlite. Porm, uma semanase prolongou para duas, depois trs, depois um ms. A esta altura, Tit estavadisposto a liquidar de qualquer maneira. Infelizmente a Mentor havia perdido suacondio favorvel de trajetria e ainda passariam mais quatro semanas at que aprxima janela de lanamento fosse aberta. Durante esse tempo, os quinhentosvisitantes se divertiam, como de costume muito mais que seus anfitries.

    Para os jovens titanianos foi um perodo muito excitante, que recordariam toda avida. Num mundo pequeno onde todos se conheciam, chegaram quinhentoses