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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS ARTES Artes visuais e construção de sentido: uma experiência com alunos do 3º ciclo do ensino básico APÊNDICE E - Sessões Anabela Lopes Pereira MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA Dissertação orientada pelo Professor Doutor João Pedro Fróis 2013

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS ARTES

Artes visuais e construção de sentido:

uma experiência com alunos do 3º ciclo do ensino básico

APÊNDICE E - Sessões

Anabela Lopes Pereira

MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

Dissertação orientada pelo Professor Doutor João Pedro Fróis

2013

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Índice

SESSÃO Nº 1 _ EDWARD HOPPER ................................................................................................. 1

S1A _ Grupo A _ Edward Hopper [15-04-2008] ........................................................................ 1

S1B _ Grupo B _ Edward Hopper [15-04-2008] ......................................................................... 8

S1C _ Grupo C _ Edward Hooper [15-04-2008] ....................................................................... 16

SESSÃO Nº 1 _ RENÉ MAGRITTE .................................................................................................. 23

S2A _ Grupo A _ René Magritte [24-04-2008] ........................................................................ 23

S2B _ Grupo B René Magritte [24-04-2008]............................................................................ 29

S2C _ Grupo C _ René Magritte [24-04-2008] ......................................................................... 35

SESSÃO Nº 3 _ EDVARD MUNCH ................................................................................................. 41

S3A _ Grupo A _ Edvard Munch [29-04-2008] ........................................................................ 41

S3B _ Grupo B _ Edvard Munch [29-04-2008] ........................................................................ 51

S3C _ Grupo C _ Edvard Munch [29-04-2008] ........................................................................ 60

S4A _ Grupo A _ Henri Matisse [13-05-2008] ......................................................................... 71

S4B_ Grupo B_ Henri Matisse [13-05-2008] ........................................................................... 81

SESSÃO Nº 5 _ LUCIAN FREUD .................................................................................................. 101

S5A_ Grupo A_ Lucian Freud [15-05-2008] ........................................................................... 101

S5B_ Grupo B_ Lucian Freud [15-05-2008] ........................................................................... 110

S5C_ Grupo C _ Lucian Freud [15-05-2008] .......................................................................... 118

SESSÃO Nº 6 _ MARTHA TELLES ................................................................................................ 129

S6A _ Grupo A _ Martha Telles [27-05-2008] ....................................................................... 129

S6B _ Grupo B _ Martha Telles [26-05-2008] ........................................................................ 141

S6C_ Grupo C_ Martha Telles [29-05-2008] .......................................................................... 154

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SESSÃO Nº 1 _ EDWARD HOPPER

S1A _ Grupo A _ Edward Hopper [15-04-2008]

Sim, podes falar Maria.

Maria – É um quadro simples, não é assim com muitos pormenores, é mais à base de luzes e

sombras, na parte da parede, a sombra da mulher, por exemplo. No braço é assim pinceladas

rápidas ao contrário, por exemplo, na paisagem da janela já tentou ser mais pormenorizado, acho

eu.

Quem é que quer acrescentar alguma coisa ao que a Maria disse?

Bartev – Eu acho, como a Maria disse, que há grande domínio da luz e da sombra porque a luz

reflete-se na pessoa, mesmo no quarto dá a sensação que está um dia de sol. Não concordo com o

que ela disse da maneira de pintar, uma pintura com pinceladas rápidas apesar de sentir diferenças

entre a parte do quarto e da janela… eu acho que é só isso. Em termos de sentimento eu acho que a

única coisa que posso dizer é desespero e dúvida!

Dúvida? Onde é que tu vês desespero e dúvida aqui representados? Em que é que te baseias?

Bartev – Baseio-me no momento em que olho para a imagem fica muitas coisas na cabeça e aí é que

eu digo que é dúvida. Desespero é da maneira como ela está, da maneira como reparo na cara dela.

Em termos da expressão da cara?

Bartev – Sim.

Além da expressão da cara, a maneira de como ela está, sem ser apenas a cara?

Bartev – Solidão…

Solidão? Porquê?

Bartev – O quarto em termos de… dentro do quarto a paisagem em si é morta, não é viva, lá fora

também não é assim tanto mas dá a sensação que lá fora tem mais vida do que dentro do quarto.

Há uma diferença de luz.

Bartev – Sim. Se formos imaginar parece que ela está dentro de um… está dentro de um quarto mas

também podemos imaginar que está dentro de uma cela. Daquelas prisões antigas…

Dá sensação de ser um espaço muito fechado. É isso? Ela esta e sentir esse…..

Bartev – E da maneira como está vestida e isso não parece que seja assim uma casa normal, dá a

sensação que ou está ser presa… qualquer coisa do género.

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Por que é que dizes que não é uma casa normal?

Bartev – O quarto em si é morto, a cama não é uma cama vulgar, na parede não tem nada, a janela

já mesmo em si é uma janela…. É mesmo… sensação de dúvida!

Dúvida. Dúvida porque quando olhas para lá faz pensar em muitas coisas?

Bartev – Muitas coisas. É isso mesmo.

Mas são coisas diferentes é?

Bartev – Sim.

Dá-me só um exemplo de coisas diferentes que isto te faz pensar.

Bartev – Posso dizer que dentro desse quarto não existe vida!

Sim. Uma das coisas… um quarto onde não existe vida. E outra… diz-me outra coisa que seja

contrastante com essa ideia!

Bartev –A luz.

A luz, o que é que te transmite?

Bartev – Da maneira como está representada tenta mostrar que apesar de não haver vida dentro

do quarto há luz. Com essa luz quero mostra que há vida, pelo menos é o que eu sinto!

A luz tem um sentido…

Bartev – De dar vida.

De dar vida… está bem. E onde é que está essa vida?

Bartev – Na pessoa.

É a isso que te referes, quanto a dúvida?

Bartev – Sim.

Suscita ligações que te parecem contraditórias. Mais, quem é que quer acrescentar alguma coisa da

sua visão?

Raquel – Eu acho, ao contrário do Bartev, eu acho que o que ela está a pensar não é dúvida. Eu acho

que ela está a olhar para a paisagem e está muito pensativa. Acho que é mais ou menos isso.

Que sentimento te transmite?

Raquel – Eu acho que ela quando está a olhar para a paisagem não pensa em mais nada … é só

mesmo isso.

O Pedro quer falar. Que é que tens a dizer?

Pedro – Nada.

Nada? No contexto do que os teus colegas têm dito partes de qualquer coisa. Por exemplo falar na

questão da dúvida, vamos tentar confirmar ou negar isso com aspetos formais. O que são aspetos

formais? São aspetos que têm a ver com a cor, com as linhas, que tipo de linhas estão aqui mais

usadas, mais vezes?

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Pedro – Retas!

São mais linhas retas. É?

Pedro – Sim. Acho que sim.

E são mais horizontais, são mais verticais? Ou é equivalente?

Pedro – As duas coisas.

As duas coisas. Há linhas de outro tipo?

Pedro – Há!

Aonde?

Pedro – Na mulher.

Sim. Basicamente só aí é que há linhas curvas, não é? Quando vocês olham, quando tu olhas para o

quadro que é que te prende a atenção primeiro?

Pedro – A cara dela.

Por que é que achas que isso acontece?

Pedro – Não sei, talvez por causa daquela linha…

Sim, continua a explicar.

Pedro – A cara dela …

A cara dela…

Pedro – É o centro da imagem.

É o centro. E ainda, aquela linha está…?

Pedro – A meio da cabeça dela.

A meio da cabeça dela! Exatamente. É uma vertical portanto nós olhamos e além de ser uma linha

vertical faz uma separação de quê?

Pedro – De cor.

De cor.

Pedro – Escuro/claro.

Escuro e claro exatamente. Quem é que continua…quem é que quer continuar esta análise? O que é

que vocês veem mais quando olham para ali? Concordam ou veem outra coisa?

Raquel – Eu acho que é mais uma mistura de cores mas na parede.

Olhas para parede primeiro é isso?

Raquel – Sim olho para a parede e parece que é… mistura de cores. Não sei porquê.

Bartev – Eu acho, como o Pedro disse, concordo da parte da cabeça, que da maneira como está a

linha vertical a dividir…

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É. Eu acho que sim.

Bartev – A cabeça dela, e também focamos mais na cabeça porque se formos reparar a imagem em

si é tudo cores claras enquanto na parte do cabelo é escura, o que chama mais a atenção e como o

cabelo está ligado a cabeça.

E a face como é que é?

Bartev – A face… Eu acho que está exagerado um bocadinho na parte do rosto aqui de lado por

estar demasiado vermelho e cor de laranja.

Mas em termos de luz é mais…

Bartev – É mais luz. Parece que está pálida. A base de cores é o castanho, cor de laranja, vermelho

clarinho.

Em termos de cores consegues arranjar alguma classificação?

Bartev – Quentes. Posso dizer quentes.

São mais cores quentes, é isso?

Bartev – Sim. Apesar da cama e mesmo o céu não ser mesmo aquelas cores que transmitem muito

mas vou dizer quentes.

Liliana – Eu acho que as cores são muito próximas umas das outras. Acho que essa cor é que traz a

tal tristeza ao quadro.

Qual cor?

Liliana – As cores são muito próximas.

Ah! O serem muito próximas.

Liliana – Não, de serem muito quentes, assim bases de laranja… enfim, muito amarelos. Tem pouca

profundidade, também, o quadro.

Tem pouca profundidade? Como assim?

Liliana – Eu acho que da parte da janela tem um bocadinho mas a parte da mulher não tem muito …

a profundidade não é tanta.

Também representa um espaço mais ou menos pequeno não é?

Liliana – Sim. É como o Bartev disse aquilo parece um quarto muito pequeno. Não sei, talvez está

presa como o Bartev disse.

Parece que está presa e será porquê? Podem começar pelos muitos aspetos que ainda não falaram, no

enquadramento… onde é que as coisas acabam…

Liliana – A cara dela parece que está presa mas… injustiça. Talvez a estejam a culpar por coisas que

ela não fez.

Então agora vamos falar do que é que significa. Que significados vocês atribuem? Queres falar Nelson?

Maria…

Maria – Em termos de sentimento, acho que o quadro transmite um sentimento de tristeza.

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Sim.

Maria – Não é como já vimos nos quadros dos ensaios não transmite tanta cor, a cor de alegria. É

assim cores neutras.

Estavas a referir-te a quais quadros?

Maria – Os que tivemos nos ensaios. Os que tinham mais cor. Por exemplo na paisagem há uma cor

mais viva enquanto cá dentro, dentro do quarto é uma cor mais neutra, mais pobre.

Sim, estão a ver essa diferença.

Maria – Que dá um sentimento de tristeza ou desilusão e também de esperança. Da maneira como

olhamos a primeira coisa que vemos é aquela luz e depois da luz olhamos para a cara e da cara

vamos na direção em que ela está a olhar, a olhar para a janela que dá um… uma coisa de esperança.

Trata se de um quadro triste, não é uma coisa muito alegre, quando ele o pintou devia estar com

esperança de alguma coisa mas ao mesmo tempo triste.

Quem é que quer acrescentar alguma coisa? Concordam? Têm outra visão? Mesmo que concordam

têm alguma palavra para acrescentar?

Mário – Então, é dúvida. Em vários sentidos pode ser no amor, trabalho, ou outras coisas como por

exemplo não me lembro mais…

Então? Explica um bocadinho melhor.

Mário – É de arriscar também.

Deve estar num momento em que está tentar decidir alguma coisa, é isso?

Mário – É, a cara dela. A face tal … está a olhar para fora, está a pensar, momento de decisão.

Alguém quer acrescentar alguma coisa quanto ao sentido? Acham é um bom quadro?

Maria – Em termos de quê?

Achas que está bem conseguido?

Maria – Sim, está. É um bom quadro porque está bem pintado e as coisas estão bem centradas, está

tudo no sítio, as linhas estão como deve ser, não há nenhuma mais torta nada disso, está tudo bem,

por exemplo ali na luz da janela … é um bom quadro, os contrastes estão bem definidos.

Os contrastes. Achas que é o essencial?

Maria – É porque, por exemplo, na parede onde está a janela é mais escura que a outra mas em

cima no canto superior está um bocadinho mais escuro e a escuridão da cor vai diminuindo.

A transição está bem feita?

Maria – Sim.

Bartev – Eu discordo daquilo que a Maria disse em termos de estar bem pintado porque ser formos

reparar na linha vertical que há eu acho que da linha para o lado direito há mais pormenores, há

mais sentido enquanto da linha para esquerda parece que está … Há um desequilíbrio, para ser

mais correto.

Desequilíbrio em termos de cor?

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Bartev – De cor e há mais de tudo, se formos reparar o lado esquerdo é tudo plano, não há quase

nada enquanto do lado direito vemos as linhas e muitos pormenores.

Então está mais vazio o lado esquerdo?

Bartev – Em termos do quadro em si está desequilibrado.

Então achas que por isso não é um bom quadro?

Bartev – Não diria… eu dizia é um bom quadro em relação à luz e às sombras.

Sim.

Bartev – Mas em termos gerais não dizia que é um bom quadro.

Em termos daquilo que transmite.

Bartev – Normal.

Nelson, querias dizer alguma coisa? Querias dizer se achavas que o assunto que vocês têm referido

solidão, tristeza, é um bom assunto para um quadro?

Nelson – É.

Por que é que achas que é?

Nelson – Porque o quadro muitas vezes em si pode inspirar uma pessoa, certo? Por exemplo, se for

de solidão a pessoa pode ficar inspirada e tentar sair mais de casa e ser mais sociável com as outras

pessoas.

Então achas que pode funcionar…

Nelson – Como uma inspiração. Para as outras pessoas.

Uma inspiração. Chamas isso a inspiração porquê? Elas veem-se ali retratadas?

Nelson – Não, mas põem-se a pensar. Se calhar.

Faz pensar. Pensar em quê?

Nelson – No caso, na solidão.

Na de outra pessoa que está a ver, é isso?

Nelson – Pois.

Na de cada um?

Nelson – Também pode ser.

Está bem.

Nelson, isso suscita-me uma pergunta. Qual é a função da pintura ou da arte?

Ruben – Transmitir sentimentos que o pintor está a passar na vida dele, acho eu.

Isso é importante?

Ruben – Eu acho que sim. Para o pintor é.

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Para o pintor é. E para nós, os observadores?

Ruben – Não é tanto.

Não é tanto.

Ruben – Não.

Mas também é?

Ruben – Eu dizia que não.

Bartev – Eu dizia que a arte tem várias formas. Podemos utilizar a arte para transmitir sentimentos,

podemos utilizar a arte para monumentos, podemos pintar para transmitir as nossas ideias ou

sentimentos, podemos pintar por momentos. Se formos um pintor muito rápido podemos ver um

acontecimento e começarmos a apanhar todo o acontecimento e pintarmos e depois transmitirmos

esse momento para as outras pessoas que não conseguiram apanhar.

Mas isso não será melhor com uma fotografia, por exemplo?

Bartev – Há pessoas que têm mais jeito para pintar do que fotografia.

É mais rápido, a fotografia.

Bartev – Sim mas que eu saiba, antigamente quando não existia a fotografia nas guerras eram

utilizados os pintores para representarem os momentos.

Portanto, tinha uma função de documentação?

Bartev – Sim.

Maria – Neste quadro acho que o pintor pretende socializar as pessoas. Ele neste momento estaria

triste e pintou o quadro para que as pessoas vissem e pensassem no que ele estava a passar ou o

que é que as próprias pessoas podiam estar a passar. Uma pessoa que está triste ao ver este quadro

ou fica mais triste se pensa na parte da desilusão ou então fica com esperança se pensar no quadro

como um quadro de esperança. Acho que é mais, como eles disseram, para transmitir os

sentimentos das pessoas.

Alguém quer dizer o que é comum ou que é diferente com a pintura anterior?

Nelson – Acho que é um bocadinho comum com a outra pintura ela estar a pensar e este também.

Ele também está pensativo, é isso? Mais coisas comuns?

Bartev – Acho que a única coisa comum é a pessoa sozinha a dar a sensação de solidão.

Maria – Em termos das cores e de contrastes de luz este quadro é mais iluminado do que o outro.

Tem pouca sombra, é só mais dentro do compartimento que tem sombra e o que tem em comum

com o outro é as linhas, as retas. É mais as linhas.

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Bartev – Acho que aquilo que o pintor tenta representar é as pessoas fechadas dentro de algo. O

primeiro que nós vimos, a mulher estava dentro do quarto, o segundo estava, se calhar, no seu

posto de trabalho mas mesmo assim estava fechado. Agora nós vemos duas pessoas dentro duma

casa e mesmo assim lá fora está fechado não tem quase nada, dá a impressão que ele quer

transmitir em todos os quadros até agora, que as pessoas estejam fechadas dentro de algo.

Maria – As cores, as frias e as quentes, por exemplo, em termos de dentro de casa e fora, dentro é

mais à base de cores frias e fora de cores quentes. Agora dentro de casa, a mulher está sentada no

sofá, o sofá é um azul frio e a mulher faz o contraste porque as cores que a mulher tem são quentes.

O homem já é o contrário, o fato é azul as paredes são azuis, dá a sensação de as cores fundirem-se,

da parede e do fato. Depois as cortinas é o que destaca mais a janela, as cortinas e o prédio lá fora

em amarelos.

[NOTA: estiveram presentes os alunos Nelson e Tiago do 9º C]

S1B _ Grupo B _ Edward Hopper [15-04-2008]

Voluntariamente, quem é que quer descrever o quadro? O que é que veem?

Raquel – Eu acho que é uma rapariga a olhar pela janela, para mim acho que significa que ela está

triste a pensar em alguma coisa que lhe pode ter acontecido de mal.

Porque é que dizes isso? Que ela está triste e que lhe terá acontecido alguma coisa de mal?

Raquel – Porque acho que está com uma cara triste.

Por causa da expressão do rosto?

Raquel – Sim. E está a olhar pela janela a ver a rua.

Alguém quer acrescentar alguma coisa que não tenha sido dita?

Maria Carolina – Eu acho que ela está triste por causa … a sensação de que dá ela estar triste é o

facto de ela estar a olhar pela janela e depois como não está a olhar para nós, está a olhar

diretamente para a rua, dá ideia de pensar, acho que é por causa disso que parece que ela está triste.

Então, está a dizer-me que é por causa da composição?

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Maria Carolina – Exato.

Do enquadramento, da maneira com as coisas…

Maria Carolina – Estão postas. E a cama. O facto de estar na cama. Normalmente quando as

pessoas não estão assim muito bem vão para o quarto, não é?

Mais alguém quer acrescentar alguma coisa? Continuemos na descrição.

Maria Carolina – Parece que está a amanhecer, como não vemos o sol mas vemos ainda um

bocado de céu, ou a anoitecer. Mas dá-me mais a sensação que está a amanhecer. Tem um hotel ou

um monumento.

Ana – Eu acho que ela tem um ar pensativo. Acabou de acordar, parece triste mas também está a

pensar no que lhe aconteceu.

Porque é que dizes que está a pensar?

Ana – Sei lá, eu acho que tem um ar pensativo.

Ela está a olhar para onde?

Ana – Está a olhar lá para fora.

Carolina – Acho que a sombra também dá destaque à expressão da cara porque a cara está de

frente para o sol, está mais claro, e atrás está mais escuro.

Estás a dizer-me que a maneira como está pintado, o facto de haver um grande contraste entre a luz e

a sombra, transmite uma ideia, é isso?

Carolina – Sim, sim.

Que é a ideia de …

Carolina – Tristeza.

Muito bem.

Raquel – Acho que outra coisa que dá a ideia de tristeza é o facto de as paredes estarem vazias.

Normalmente num quarto há quadros ou pinturas ou qualquer coisa nas paredes mas este…

A casa está muito vazia.

Raquel – Está tudo vazio e não tem muita cor.

Não parece muito habitado, é isso?

Raquel – Sim.

Portanto esta figura surge assim…

Raquel – Triste!

Clara – A mim, quando olho, dá-me a ideia de solidão. Parece uma mulher que está a acordar e vive

o dia-a-dia dela sozinha. Parece que está a acordar e está a preparar-se para mais um dia que, que

pelo que me parece, não é uma vida muito alegre. Parece-me solidão.

Estás a ver aí um aspeto melancólico, não é?

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Clara – Sim

Porque é que tu sentes essa solidão?

Clara – Porque a única coisa que se nota na pintura é a cama e ela não se vê mais nada. Vê-se ela a

olhar pela janela e o que parece uma fábrica.

Ana – Acho que na opinião da Clara ela prepara-se para uma vida monótona e não gosta disso.

E o que é que te dá essa ideia? Tu agora introduziste uma expressão nova, que ainda não tinha sido

utilizada: uma vida monótona.

Ana – Então, ela acorda… se calhar não gosta do emprego.

Mas o que é que te dá essa ideia?

Ana – Sei lá… o ar dela e a maneira do quarto, está muito vazio. Ela só lá entra para dormir e depois

volta para o trabalho quando acorda.

Vamos concentrar-nos nesta descrição que vocês estavam a fazer, e vocês já começaram a fazer isso

quando falaram da luz/ sombra, dos aspetos mais formais, das cores, do modo como está feita a

pintura, o modo como as formas estão desenhadas. Vejam se as cores e as formas contribuem para

esse sentido que vocês estão a dar ao quadro. A Carolina já disse que acha que ela está triste e isso

parece que também é representado pelo facto de lá fora estar sol e cá dentro estar sombra. Portanto,

há o dentro e há o fora e a janela faz essa comunicação ou separação como vocês quiserem ver, o que é

que acham?

Raquel – Eu acho que dentro do quarto há mais cores frias e lá fora, por exemplo, a fábrica, dá ideia

de mais quente. Concordo com a Carolina porque lá fora dá a ideia que está um dia de sol e cá

dentro está mais sombrio, ela está sozinha.

Podemos prosseguir por aí.

Maria Carolina – Eu acho que da parte de dentro tem mais a ver com o sentimento que a senhora

está a transmitir e da parte de fora dá ideia de ser a alegria da vida.

Estás a dizer, então, que parece que ela está fora de qualquer coisa.

Maria Carolina – Está no seu próprio mundo.

Está isolada no seu próprio mundo.

Maria Carolina – Depois as cores das paredes ajudam um bocadinho.

Portanto, a alegria da vida está lá fora e ela não partilha disso.

Maria Carolina – A janela é a separação.

A janela é a separação. Vês a janela mais como separação do que como comunicação?

Maria Carolina – Sim, é a separação.

Gostava que todos participassem… Então, vamos continuar. Depois de tudo aquilo que já falaram,

digam-me de que é que trata este quadro?

Raquel – Solidão.

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Mais… Carolina, concordas?

Carolina – O tema é a solidão.

Clara – O quadro também pode dar a ideia de calma, não está ali ninguém a chateá-la. Ela está

sozinha, pode estar a descansar.

Calma é uma coisa positiva. Então o quadro é um pouco ambíguo? Há ali uma mensagem

contraditória?

Clara – Sim, concordo.

Observem em termos de linhas da composição.

Raquel – É tudo muito reto não há muitas curvas, predominam as horizontais e verticais, mais as

verticais, talvez, a única coisa que tem curvas é a rapariga porque também as pessoas não são retas.

São as únicas que se destacam das outras, não é? O resto é a arquitetura e…

Raquel – Sim, até mesmo a sombra da janela é tudo muito reto.

Carolina – Basicamente concordo com a Raquel, à exceção da mulher é tudo muito reto. Depois

temos a cama horizontal e aquela coisa lá fora e depois o resto basicamente é tudo muito vertical, a

sombra, a janela.

Predominam as linhas retas e há mais ou menos um equilíbrio entre horizontais e verticais. E esse

predomínio das linhas retas contribui para alguma coisa? É importante? Não é importante?

Pedro – Sim. Para o significado da obra.

Para o significado da obra? Então, o que é que as linhas retas acrescentam ao significado da obra?

Raquel – Como é tudo muito reto é mais real.

É mais real? Pedro, disseste que contribui para o significado da obra, em que medida?

Maria Carolina – Para a personalidade do pintor, acho que ajuda a distinguir entre este pintor e

outros.

Achas que é uma característica deste pintor?

Maria Carolina – Sim, não conheço mais nenhum quadro mas…

Raquel – Acho que as linhas retas podem ser irreal ou real, por exemplo lá fora na fábrica torna-a

mais real mas na sombra da janela já não acho que tão real, normalmente as sombras são mais

irregulares. Por exemplo a sombra da rapariga está mais irregular, também ela é mais redonda.

Concordas com a ideia que parece um pouco um cenário, uma coisa um bocado irreal?

Raquel – Acho que é mais real lá fora e irreal cá dentro.

Clara – Eu acho que está tudo com as linhas muito retas, só as formas da mulher é que se

distinguem. Eu acho que a intenção é mesmo essa, é para captar mais a atenção para a mulher. Eu

acho que é por causa disso.

Quando nós olhamos para o quadro vamos logo olhar para a mulher por causa do contraste …

Clara – Do formato.

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Da forma, da execução da forma. E também por outro motivo, vejam lá esta reta de separação da

sombra e da luz na parede.

Raquel – Ela está ali mesmo no centro.

Ela está ali no centro, atravessa a zona de mais contraste do claro/escuro e que é mesmo uma reta e

ainda por cima é uma reta vertical que é uma reta que interpela mais o nosso olhar.

Raquel – E também a cor do vestido.

A cor do vestido que é …

Raquel – Uma cor quente.

Maria Carolina – Contrasta com o interior.

A cor do vestido faz uma espécie de ligação com o exterior. O que é que queres acrescentar? Agora o

Pedro vai responder, se acha que é um bom quadro.

Pedro – Depende das opiniões.

Eu estou a pedir a tua opinião.

Pedro – Se é um bom quadro?

Não pensaste nisso.

Pedro – Eu pensei, mas tudo depende da personalidade das pessoas.

Sim…

Pedro – Eu acho que não.

Achas que não? Porquê?

Pedro – Acho que não mas ao mesmo tempo acho que sim.

Estás indeciso, é isso?

Pedro – Sim. Acho que sim porque é uma realidade que acontece na vida das pessoas mas acho que

não porque…

Porquê? Porque é triste? Porque não é agradável? Não sei se é a isso que te referes.

Pedro – É. Por acaso é.

Clara – Na minha opinião é um bom quadro. Eu pelo menos gosto. Gosto da forma como está

pintado e desenhado, da perspetiva que está e acho que está a mostrar algo, quer transmitir algum

sentimento, alguma mensagem, é isso.

E achas que está bem conseguido, é isso?

Clara – Sim, pelo menos eu acho que como a pintura está feita acho que está bem para transmitir às

pessoas o que o pintor quer que a gente não sabe ao certo.

Qual é que tu achas que é a intenção dele?

Clara – Foi aquilo que nós estivemos a falar, da solidão principalmente.

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E achas que há alguma coisa que para ti não esteja bem ou que poderá ter sido difícil de conseguir?

Clara – Sim, não é assim muito fácil, pode haver muitas maneiras de ver a mensagem, o que quer

dizer, mas acho que está bem. Eu gosto do quadro.

Maria Carolina – Eu acho que é um quadro assim assim. Porque transmite uma mensagem, nós

percebemos que quer transmitir uma mensagem mas não sabemos ao certo qual é que é a

mensagem que ele quer transmitir.

Como é que tu poderias saber qual é essa mensagem?

Maria Carolina – Pelo título que o autor deu ao quadro.

Pelo título? Então vamos agora falar disso. O título é “O sol da manhã”.

Maria Carolina – Ah! Então o pintor não tinha sentimento nenhum quando estava a fazer isto!

Achas? Achas que o título é assim tão importante?

Pedro – Não!

Maria Carolina – Eu não pagava por este quadro. É um bocado irreal, tem pouca realidade, só que

não é abstrato nem é realista.

Porque é que não é realista?

Maria Carolina – Eu não acho.

Carolina – Eu acho um quadro bom e mau ao mesmo tempo. Bom por causa da maneira como a

mulher está desenhada e a sombra que ela faz na cama, mau por causa do realismo que há na

sombra, a sombra é muito definida e acho que isso fica um bocadinho mal, depois lá fora é tudo

muito vazio.

Eu não percebi aí o que e é que é bom e o que é que é mau.

Carolina – Bom é a sombra mas a da mulher e a maneira como está representada a mulher, mau é,

por exemplo, o limite a sombra da janela, acho que é muito definido, é muito regular e acho que isso

torna a imagem um bocado feia.

Raquel – Eu gosto do quadro. Acho que é um bom quadro, gosto da maneira como estão desenhada

a mulher e as sombras e apesar da sombra da janela estar muito definida também acho que é

porque a janela é uma coisa bem definida é um quadrado, logo a sombra da janela tem de ser

também bem definida. Acho que lá fora tem bastantes pormenores, gosto como a fábrica está

desenhada e o céu com a luz do sol a vir para este lado acho que também gosto da cama como está

desenhada.

E em termos globais, em termos de sentimento.

Raquel –O título é “O sol da manhã”, acho que pode transmitir uma coisa boa ou uma coisa má.

Aí está uma certa ambiguidade, não é?

Raquel – O título é “O sol da manhã”, pode ser ela começa mais um dia triste porque lhe aconteceu

alguma coisa ou porque não gosta da vida que leva ou pode ser “O sol da manhã” porque é mais um

dia em que ela tem esperança que aconteça alguma coisa de bom.

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Temos sempre os dois lados da moeda, estão sempre presentes, é mais ou menos o que vocês têm

estado a dizer.

Marta – Por um lado não acho que seja um bom quadro, como transmite tristeza e um pensamento

assim não muito bom não gosto lá muito. Mas por outro lado não desgosto porque transmite bem

esse sentimento.

Então, estás a dizer-me que apesar de não te agradar muito o tema achas que está bem feito. Estás a

emitir um juízo de gosto, a dizer que não gostas mas achas que é bom, estás a fazer duas coisas ao

mesmo tempo, separar o teu gosto da apreciação que fazes do quadro.

Mais alguém quer falar?

Quais são as principais diferenças e semelhanças?

Raquel – É ele também a olhar por uma janela.

Maria Carolina – Acho que é uma pintura mais pesada.

Esta? Porque é que dizes isso?

Carolina – Lá fora as cores do prédio fazem muito contraste na parede e acho que a vista não é tão

calma, no outro era mais vila ou campo e este é mais cidade.

Maria Carolina – Há uma coisa que na minha opinião se mantém que é as linhas retas dos edifícios

serem uma característica do pintor.

Ana – Eu acho que aqui há muitas cores frias e isso torna o quadro muito pesado, é isso na minha

opinião.

Pedro – Eu acho que ele utiliza quase sempre as mesmas coisas, a janela, a arquitetura, as linhas e a

expressão.

A primeira diferença, qual é?

Pedro – Há mais pessoas.

É como diz o Pedro, é mais uma vez a janela, as pessoas, a parede. Mas tem duas pessoas, achas que é

importante?

Dayita – Acho. Fica diferente.

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Clara – Eu acho que tem muita coisa ligada, é sempre a janela e a luz do dia ali a aparecer também.

E aquelas pessoas, o que é que estão a fazer?

Clara – Uma está ali sentada a ler o outro não percebo muito bem o que é que está fazer. Está a

fumar.

O que é que há de comum entre estas pessoas e as outras?

Clara – A expressão, parece que nunca estão assim muito contentes. O que é diferente é a mulher

que está de frente as outras estavam de lado.

Mas nunca estão a olhar para nós.

Clara – Era o que eu ia dizer, nunca estão a olhar para nós. Isso dá uma ideia de distante.

Pedro – Eu tenho uma dúvida, ele pintou os quadros todos na mesma altura?

Estes três são temporalmente muito próximos. Dois são do mesmo ano.

Pedro – Ah! Está bem.

Raquel – Eu acho que este está mais real. Para já o prédio que nós vemos é tipo aqueles prédios que

fazem esquina e temos logo a janela do vizinho mesmo ao lado. Acho que está mais real porque já

tem coisas na parede, já tem um espelho e aquele móvel já está mais preenchido.

Ana – Eu acho que este quadro é um bocado pesado em relação às cores, acho que tem muitas

sombras, é muito escuro e principalmente não se vê bem a cara da senhora.

Então, a que é que estão a dar mais importância?

Ana – Às sombras. E aos contrastes.

Carolina – Acho que este quadro também é incerto, nós não sabemos ao certo qual o sentimento

que o autor quer transmitir.

Mas qual é aquele que tu captas? Isso é mais importante.

Carolina – Tristeza. E calma também. Não, não sei, talvez… o homem está a fumar, não sabemos

bem o que é que se passou antes, o cigarro serve para acalmar. A falta de expressão dos olhos

também…

Marta – O autor destas obras faz quadros muito parecidos. Que é a janela, as paredes não estão

muito preenchidas, mesmo assim já tem cortinas.

Usa, sempre, mais ou menos os mesmos elementos, não é?

Raquel – Diz ali que é bom pintar tudo o que se vê mas depois também diz que é melhor pintar

tudo o que nós temos na nossa memória. Logo se nós virmos e memorizarmos, pintamos o que está

na nossa memória e não logo quando estamos a ver pintamos.

Qual será a diferença?

Raquel – Acho que quando pintamos e vemos fica mais real. Se nós estamos a ver tentamos sempre

imitar mas se pintarmos o que está na nossa memória há coisas que diferem quando passa para a

nossa memória.

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O pintor diz que isso é uma coisa positiva.

Raquel – Sim, ali também diz que temos que pintar apenas o que é necessário para o quadro ter

sentido ou não ter, alguns ficam coisas abstratas, e depois também diz que, assim, a nossa memória

não difere muito do que nós vimos.

Ana – Eu acho que aquilo que vai na nossa memória quando vamos pintar envolve mais a

imaginação.

Há uma maior intervenção da imaginação do que quando pintamos perante um modelo.

Carolina – Acho que o que fica na memória é bastante diferente, acho que transmite novidade.

Novidade em relação a quê?

Carolina – A tudo o que se vê, se estamos a pintar um prédio é muito real e na memória

misturamos tudo e não sabemos o que é que dali sai.

Obrigada! Vamos voltar aos registos escritos para finalizar.

S1C _ Grupo C _ Edward Hooper [15-04-2008]

Quem é que quer começar põe descrever a obra, o que é que veem?

Beatriz – Eu vejo uma mulher num estado pensativo.

O que é que te leva a dizer que está num estado pensativo?

Beatriz – A maneira dela olhar para fora da janela.

De que é que trata?

Hugo – Esta imagem parece que retrata o sentimento de esperança, isto porque ela tem o olhar

vidrado e os olhos não estão focados em nenhum ponto específico, é um olhar muito abstrato.

Um olhar longínquo, não é?

Hugo – Afastado.

O que é que está ali que te leve a essa interpretação? Consegues identificar?

Hugo – A expressão da cara e o olhar. A fixação do olhar.

Se ela estivesse a olhar para outro lado achas que mudava?

Hugo – Acho que sim, mas também acho que a luz e a sombra têm efeito.

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Desenvolve essa abordagem.

Hugo – A luz não é muito forte, é assim desfocada para o amarelado, então dá uma ideia de tremura

e de tristeza ao mesmo tempo.

Onde é que isso acontece?

Hugo – Por exemplo, ali no parapeito e as sombras da janela.

E na cama.

Hugo – Sim, também.

Que outro tipo de luz é que tu vês?

Hugo – O outro tipo de luz é, por exemplo, do lado de fora da janela, aquela luz, o contraste entre a

luz e o azul dá a ideia de esperança, de mudança.

Quem é que quer continuar esta observação, se concordarem. Ou não concordam?

Beatriz – A mim não me dá ideia de esperança, dá-me ideia de acções que ela tenha feito e que está

a pensar sobre a vida dela, não me dá ideia de esperança. Parece que está a pensar nas acções da

vida dela.

Alguém quer acrescentar mais alguma coisa?

Darpan – Eu não concordo com a Beatriz nem com o Hugo. Acho que esta imagem representa dor.

O que é tu estás a observar quando dizes isso?

Darpan – A cara, a maneira de sentar, a maneira como ela tem as mãos.

O que é que tem a maneira de sentar, ainda ninguém tinha referido isso.

Darpan – Parece morto, sei lá…

Estático, será isso?

Darpan – Sim.

Alguma ideia diferente destas? Então, podíamos passar a abordar os aspetos formais, vocês já falaram

um bocadinho, das cores, da maneira de pintar, da luz. Ainda, contornos, tipo de linhas,

enquadramento, são os aspetos formais, as decisões que o pintor tomou para que a imagem seja desta

forma e não de outra. Quem é que quer explicitar o que está a ver?

Beatriz – Não há muita profundidade, as linhas são todas muito retas. Tem atenção aos pormenores,

tanto lá fora no edifício como na mulher.

As linhas são muito retas. E há alguma direção predominante, são mais horizontais ou mais verticais?

Beatriz – Eu diria horizontal.

E há outro tipo de linhas?

Beatriz – Sim, no corpo dela.

Hugo, queres falar?

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Hugo – Além das retas existem linhas curvas para representar a expressão da cara e dar mais

sentimento.

Onde é que estão essas linhas curvas?

Hugo – Na cara dela, na face.

Resumem-se à figura humana.

Hugo – Não sei, também, até que ponto aquela diferença de sombreado entre o negro e a luz

influencia a obra. Faz-me lembrar um símbolo que é yin e yang, o símbolo do equilíbrio.

Muito bem. Eu acho que é muito importante aquela linha por várias razões. Aquela linha, onde é que

ela se situa? Mais ou menos no centro. E qual é que é a sua relação com a figura?

Hugo – Na parte da sombra a face da mulher está com luz e na parte clara existe sombra.

Se semicerrarem os olhos veem que as manchas são mais ou menos equivalentes, da parte da face em

luz e do volume do cabelo em sombra, como se aquela vertical, que separa luz e sombra na parede

frontal, fosse um eixo de simetria.

Para onde é que olhamos primeiro, quando olhamos para esta imagem?

Beatriz – Para a mulher.

Hugo – Para a cara.

Tu especificas ainda mais, para a cara, porquê?

Hugo – Por causa do contraste, da sombra na parede e da luz na cara.

Reforçado pelo facto de aquela linha vertical estar ali.

Hugo – A quebrar a harmonia.

Falaram mais da luz, e em termos de cor? Estiveram numa abordagem mais global, podem

particularizar.

Darpan – As cores parecem ser mais quentes, se fossem frias não demonstrava assim tanta dor.

A dominante é de cores quentes? E onde é que se encontram?

Darpan – Sim. Estão do lado de lá da janela.

Quais?

Darpan – As quentes, no prédio e no pôr-do-sol.

E dentro?

Darpan – No reflexo da luz no corpo dela.

Hugo – Eu acho que as cores de dentro podem ser cores quentes na base mas têm um bocadinho de

frio. Aquele amarelo da sombra é muito frio e a cama está em tons de branco e azulado.

A sombra no branco é dada pelo azul.

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Beatriz – Na parte de dentro as cores são mais esbatidas do que na parte de fora. Na parte de fora

mesmo o azul do céu está mais vivo. Na parte de dentro são mais leves.

Hugo – Menos intensidade na tonalidade da cor.

Darpan – Do lado de cá da janela há uma fusão entre as cores quentes e as frias.

E, em termos do enquadramento daquela figura, da composição, o que é que têm a dizer? Podem

começar por ver quais os objetos representados, em que ângulo é que eles nos são mostrados e como é

o preenchimento do espaço.

Beatriz – A cama ocupa uma área muito grande.

Ocupa uma área significativa, não é?

Beatriz – Sim.

E em redor?

Beatriz – Não parece haver muito espaço, a janela é logo ao pé. É muito simples!

Vamos continuar a vossa interpretação. Qual é que será o assunto deste quadro? O que é que

representa? Podem repetir-se.

Hugo – Esperança.

E achas que isso é um bom assunto para um quadro?

Hugo – Não é só esperança. E equilíbrio.

Podes explicar o equilíbrio, neste contexto?

Hugo – Equilíbrio porque parece que ela está triste, ela está com um ar de esperança mas parece

que triste por dentro.

Em termos temporais, eu acho que tu estás a valorizar um tempo, não é? Diz-me qual é.

Hugo – É o depois.

Nessa tua abordagem o que eu estou a ver é isso. Ela está triste, está a projetar-se no futuro e a

esperança está representada no exterior naquela luz quente. Alguém tem uma ideia diferente, sobre

qual poderá ser o assunto?

Darita – Tristeza. Porque o rosto dela está triste, medo também. Parece que ela perdeu alguém e

está a pensar na vida.

Darpan – Solidão.

O que está ali que te faça dizer isso?

Darpan – Parece só.

Parece só.

Darpan – É a expressão dela. A cara.

Mais alguma coisa que nós possamos identificar que contribui para te criar essa impressão?

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Hugo – Continuando o raciocínio do Darpan, é o isolamento porque aquela janela e as cores lá fora

e as cores de dentro representam logo uma diferença de posições.

Que caracterizam dois ambientes. Um dentro e um fora. Tu achas que ela está a projetar-se no de fora

mas poderíamos ter a leitura contrária, ela está presa…

Hugo – Dentro de si.

Parece-me que a Beatriz era mais dessa opinião.

Beatriz – Era mais por aí.

Portanto, um de vocês está a ver aquela janela como …

Hugo – Uma barreira.

Como uma barreira?

Darita – A janela é que parece ser a única coisa que…não é separação, é o contrário.

Um elo de comunicação, uma união?

Darita – Porque, por exemplo, o espaço de dentro é muito vazio, a única coisa que eu vejo é a cama,

o resto é tudo vazio. Solidão. E depois ali fora ela encontra…não sei. A janela não é barreira.

Achas que é um elemento de comunicação?

Darita – Sim.

Falaste da solidão, achas que é um bom assunto para um quadro? Em que medida é que esse assunto

pode ser interessante para as pessoas?

Darita – Interessante não sei, acho que não é interessante.

Então, como é que classificarias?

Hugo – Depende, depende da sociedade em contraste. Acho que se for num clima de conflito esta

imagem vai trazer calma e dar esperança mas se for num clima muito agitado acho que esta imagem

vai trazer harmonia, calma.

Estás a relacionar com a sociedade, com o período histórico que se vive. Mas só fizeste uma leitura,

acho eu, disseste que podiam ser duas. Se for num período agitado…

Hugo – …harmonia a calma. Num período de conflito pode transmitir esperança.

Está bem.

Beatriz – Cada pessoa interpreta um quadro à sua maneira, não há maneiras iguais de interpretar

um quadro, tanto pode ser num ambiente calmo ou agitado, não vejo diferenças. Depende da pessoa.

O Hugo está a fazer uma previsão, está a fazer uma extrapolação da sua interpretação individual para

um contexto.

Beatriz – Se eu estivesse num ambiente calmo e visse isto talvez não me transmitisse assim… este

quadro…

Suponhamos um ambiente calmo, ele só falou dos agitados. Qual é que é a tua ideia Hugo?

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Hugo – Por exemplo, se a minha autoconfiança estivesse em baixo, se eu visse este quadro a minha

autoconfiança descia mais.

Porquê?

Beatriz – Podes identificar-te com o quadro, percebes?

Hugo – Pois, mas …Porque é que a minha autoconfiança descia mais? Esta imagem faz-me lembrar

um facto verídico e então se a minha autoestima estivesse em baixo iria descer mais porque o

sentimento que está ali transmitido, também eu, já o senti.

Estás a relacionar com algo que tu viveste. Isso é uma coisa que a pintura permite.

Beatriz – Identificamo-nos com o quadro. Identificamo-nos com o pintor, com a maneira…Cada um

tem a sua forma de reagir à pintura.

E, isso está relacionado com quê? Porque é que é que achas que cada um tem uma forma de reagir?

Beatriz – Somos todos diferentes, não é? Temos todos sentimentos, opiniões e maneiras de ver

diferentes e quando vemos assim…a mim, por exemplo, eu gosto muito de ver quadros e essas

coisas e quando vejo este quadro, é como o Hugo diz, também não me sinto assim muito bem a ver

este quadro, não me sinto bem. Tem a ver com autoestima, concordo com o Hugo.

Arrasta-te para um sentimento negativo? Um momento negativo?

Beatriz –É. Sim… sozinha no mundo.

Tem um bocado esse poder.

Beatriz – Sim.

Estamos aqui a falar de quadros, já falaste de arte. Achas que a arte tem alguma função?

Beatriz – Tem, tem!

Qual? Se tem alguma?

Beatriz – Ia dizer qualquer coisa, mas já me esqueci o que era.

Disseste um “tem” tão prontamente. Ou ensina-nos alguma coisa?

Beatriz – Sim, também …não sei explicar. Eu sempre gostei de arte mas não sei explicar.

Gostava que vocês desenvolvessem essa ideia.

Beatriz – A arte pode ter várias funções, todos os quadros podem ter uma função.

Achas que este tem alguma?

Beatriz – Depende do pintor, o que é que o pintor está a tentar expressar ou dizer. Normalmente

alguns retratam aquilo que estão a sentir como nós vimos outro dia na biblioteca, a Frida Kahlo.

Posso dizer que o autor é um homem. Não é um autorretrato.

Hugo, estás aí a pensar, podes pensar alto.

Hugo – Uma moral, acho que todos os quadros têm uma moral a transmitir, um ensinamento.

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Beatriz – É isso!

O que é que entendes por uma moral?

Hugo – Uma moral, algo que faça sobressair…Este quadro transmite algo a todas as pessoas de tal

forma que existe um ponto dentro dessas pessoas que sobressai, um sentimento que sobressai.

E, achas que é comum a todas as pessoas?

Hugo – Acho que sim. Porque este quadro tem muita tristeza, as cores são fracas.

Beatriz – Esbatidas.

Hugo, antes de concretizar neste quadro…Estavas a falar de a arte e a moral.

Beatriz – Todos os quadros transmitem sempre alguma coisa, podemos é interpretar de formas

diferentes.

Hugo – Moral, tipo aquelas histórias “A tartaruga e a lebre”.

Então, qual é que será a moral deste? Por aquilo tudo que tu disseste eu posso chegar a uma.

Hugo – Não desistir.

Exatamente. É aquilo que tu tens estado a dizer. Mais …?

Darpan – Esperança de vida.

Mais alguém tem alguma coisa a dizer? Então, vamos ficar por aqui, está bem?

Vejam se estabelecem semelhanças ou diferenças.

Hugo – Existe uma semelhança que é a representação de uma só figura humana e também está

dentro de uma divisão.

Também está a olhar para o exterior. Vamos ver outra imagem.

Não temos apenas uma figura, eu diria que essa é a diferença.

Darita – Também estão dentro de uma divisão.

Estão as duas pessoas dentro de uma divisão e qual é o foco da atenção?

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Darpan – É a mulher.

Darita – Eu diria o homem.

Hugo – O quadro.

Beatriz – O homem. É a linha vertical, está no centro, é para o que se olha logo.

Tem diferenças ou semelhanças com o primeiro?

Beatriz – Tem semelhanças e diferenças.

Hugo – Semelhanças, outra vez o contraste entre uma cor fria e uma cor quente.

O ambiente quente e frio. Sim, e diferenças?

Hugo – Diferenças, representação de duas figuras humanas e a expressão dessas figuras.

É importante para o sentido geral do quadro, estarem aqui duas figuras?

Hugo – Sim, porque representa o meio familiar.

Beatriz – Mas continua muito simples.

E o que é que essas figuras estão a fazer?

Beatriz – Semelhanças é que as figuras continuam distantes como na primeira imagem.

Não estão a interagir?

Beatriz – Não.

SESSÃO Nº 1 _ RENÉ MAGRITTE

S2A _ Grupo A _ René Magritte [24-04-2008]

Quem é que quer começar por descrever a pintura?

Maria – Acho que a pintura é um autorretrato do pintor. Também tem a ver com a imaginação, de

poder ver para além do objeto que se está a pintar, o pintor supostamente devia pintar um ovo mas

está a pintar um pássaro. Depois, é um quadro muito simples, é um quadro muito neutro, a única

coisa que se destaca ali mais é a cara do pintor por causa da cor e o ovo por ser tão branco. Não é

um quadro de muitas sombras, é um quadro muito simples. É uma tela, um cavalete, o pintor e um

ovo.

Poucos objetos?

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Maria – Sim. E estão muito distanciados uns dos outros, o cavalete bate na mesa e no pintor e o

pássaro fica ao centro na tela branca. É simples mas também é detalhado, apesar de na tela não se

ver muito bem os detalhes das tintas mas consegue-se ver que é detalhado e a parede não chama

muito a atenção porque é uma cor muito aborrecida.

É uma cor neutra.

Maria – Exato.

Quando dizes detalhado, estás a referir-te a quê?

Maria – Por exemplo, o pássaro a comparar com a pessoa. Acho que o pintor quando fez isso queria

ver as diferenças duma pintura e da realidade. Os detalhes do homem e os detalhes do pássaro são

muito diferentes, vê-se que o pássaro é uma pintura e o homem é mais um retrato, parece ser mais

realista, para se ver a diferença da pintura e do homem. O homem tem mais detalhes.

Muito bem! Quem é que quer continuar, acrescentar ou desenvolver alguma ideia da Maria?

Bartev – Concordo com aquilo que a Maria disse em termos de o foco da obra ser a cara do pintor

por causa da sua cor estranha mas, mesmo assim, o pássaro não deixa de chamar a atenção, que é

um contraste de branco com o preto. A tela é o mais branco que chama mais a atenção. Em termos

de ser uma pintura simples ou detalhada, ela estava indecisa.

Ela não estava indecisa, ela apontou uma zona que acha que é representada de uma maneira e outra

que é representada de outra, que é o homem e que é o pássaro, foi o que ela disse.

Bartev – Eu acho que em termos gerais tem muitos pormenores porque se formos reparar a

cadeira, em si, tem linhas demasiado perfeitas, o homem, em si, a cara, o cabelo, se repararmos na

mão, a sombra da mão sobre a tela, o pássaro em si, eu acho que é tudo detalhado e a obra não é

simples apesar de não haver muitas cores e as linhas serem quase sempre as mesmas.

Não é simples. O que é que não é simples na obra? Estás a referir-te à pintura, à maneira como é feita,

ou à ideia?

Bartev – À pintura mesmo porque a maneira como está representado não é simples.

Maria – Quando estava e referir-me ao simples e detalhado acho que não deixei bem claro, é

simples em termos dos objetos, é simplesmente uma mesa, uma tela e um homem. É um quadro

simples mas nos objetos é que estão os detalhes. As coisas destacam-se, estão para cá, não tem

profundidade porque…como é que eu hei de dizer?

Estás a dizer bem, continua!

Maria – É simples, não tem muitos detalhes, por exemplo outros quadros anteriores que nós vimos,

tinham muitos detalhes as ervas e isso tudo, isso não é um quadro simples porque tem muitas

coisinhas. Agora, por exemplo, a mesa, é uma coisa simples, a parte de cima é uma cor mais clara, a

lateral direita é mais escura e a parte frontal é mais escura que a de cima e mais clara que a outra. É

um quadro à volta de sombras, mas simples. Não tem muitos detalhes.

É simples a nível de economia de objetos, não é?

Maria – Sim, em termos de objetos é simples mas nos objetos é que estão os detalhes.

Exatamente. Já falaste da profundidade, não há profundidade porque temos ali uma parede que

funciona como uma espécie de cortina. Mas, em termos de objetos, os objetos têm volume?

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Maria – Sim, têm.

Em termos do contorno…

Maria – Está muito detalhado.

Está muito definido.

Maria – Por exemplo o cabelo. O homem ali parece que tem gel, está muito direito, já não tem

muitos detalhes dos cabelos, à frente é mais claro e depois tem o mais escuro que é a sombra. Não

tem muitos detalhes, é só mais os contornos, os contornos é que são os detalhes porque dentro dos

contornos não tem muito.

Muito bem.

Maria – E acho que aqui na parte do autorretrato, se aquele é o pintor, então o pintor quis

apresentar-se de uma forma elegante. Na minha opinião é difícil pintar assim todo engravatado. Ele

ali está todo engravatado a pintar.

Diz-me, Maria, porque é que estás a assumir que é um autorretrato? Ainda não vos disse o título mas

tu estás a interpretar, desde o início como um autorretrato. Em que é que tu te baseias para isso?

Maria – No pintor e na ideia.

Não sabemos se é o pintor, sabemos que é um homem.

Maria – Não é necessário, na minha opinião, que a pessoa que esteja no quadro seja o pintor, pode

ser na imaginação do pintor ele a pintar. E a parte do ovo e do pássaro é ainda mais a imaginação

dele, porque o homem que está ali eu não posso dizer se é o pintor ou não porque não sei. Mas que é

um autorretrato dele a pintar, não quer dizer que seja o mesmo homem que está ali.

De que é que tu achas que trata este quadro? Qual é o assunto?

Maria – Imaginação.

Este quadro representa a imaginação.

Maria – Vê-se no homem e no ovo.

Vê-se no homem e no ovo. Na atitude do homem?

Maria – Sim, por causa do fato e em vez de estar a pintar um ovo está a pintar um pássaro.

Qual é a relação que tu estabeleces entre isso?

Maria – Porque o ovo no futuro podia tornar-se um pássaro.

Então, o que é que ele fez aqui, se está a olhar para um ovo e representou um pássaro?

Maria – Representou o futuro.

Muito bem! Fez coexistir dois tempos diferentes.

Maria – O atual e o futuro.

Que é uma coisa que não é possível, por exemplo com…

Maria – …a realidade.

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Na realidade ou na fotografia. Está a assumir uma característica da pintura.

Bartev – Para mim não é um autorretrato. Se fosse um autorretrato não ia estar tão elegante, de

fato e com o cabelo assim tão detalhado. Olho para aquela pessoa e posso dizer que está vestido

para ir a uma festa ou um momento marcante. Pela maneira como ele agarra os objetos de pintura

eu dizia, de um lado tem um toque de pintor e de outro tem um toque de um homem arrogante e

convencido, falso. A cara como está representada, para mim não é um autorretrato.

Desenvolve essa ideia de falso.

Bartev – Se um pintor é um pintor não se vestia assim para pintar. Eu acho que é uma pessoa que

não se interessa muito pela pintura.

Estás a dizer isso por causa do ar formal dele, da maneira como está vestido, é isso?

Bartev – Sim, da maneira como está representada a pessoa. Eu acho que, no geral, esta obra quer

representar duas pessoas numa. Uma pessoa com habilidade de pintar muito, com imaginação e a

outra que é desligada de pintura.

Vocês estavam a falar sobre a imaginação. Quem é que quer explicar melhor como é que está

representada a imaginação, vocês acham que esta maneira de o pintor representar a imaginação é

uma boa maneira, é facilmente compreensível?

Maria – Como eu já disse, há pouco, acho que está bem representada a imaginação só pelo pássaro

e pelo ovo. Se eu soubesse quem era o pintor… Eu continuo a achar que é um autorretrato, se eu

soubesse quem é o pintor e visse que não era o homem que está na figura…

Este quadro é um autorretrato do pintor e o título é “A perspicácia”.

Maria – Eu acho que esse título tem a ver com o facto de normalmente quando nós estamos a

retratar uma coisa nós não estamos a desenhar ao mesmo tempo que estamos a olhar para a coisa,

convém olhar e depois desenhar. Ele, ali, está a olhar e a pintar ao mesmo tempo. Depois, a maneira

como segura na tela e a maneira como está sentado… está muito direitinho! Eu, por exemplo, não

pinto assim, não me dá jeito nenhum! E, o fato! Pintar todo engravatado não dá jeito! Incomoda a

maneira como está vestido!

Tu sabes o quer dizer perspicácia ou clarividência?

Maria – Essa parte do perspicaz é mais para o ovo e para o pássaro.

Cláudia – Eu acho que o senhor tem um ar ilustre, tem um ar importante e a maneira como ele

desenha… eu acho que ninguém consegue pintar assim todo encasacado!

Bartev – Eu acho que o título que encaixava mais nessa pintura era “O criador” porque aquilo que

ele está a imaginar é o pássaro a sair do ovo e o que ele está a criar é o pássaro, é a vida do ovo no

futuro.

Está a mostrar uma atitude criativa?

Bartev – Sim, agora que já sabemos que é um autorretrato de certeza que estava com esse fato. Mas

da maneira como ele está a pintar o pássaro ele queria fazer uma pintura rápida, se repararmos na

tela só está o pássaro, e que eu saiba uma pessoa que faz uma pintura rápida ou mesmo longa faz

alguns detalhes no fundo. Dava o título “O criador” e pronto, já está!

Para identificar o seu ofício, é isso?

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Bartev – Sim.

Maria – Também não concordo.

O Bartev disse que concordava mais com o título “O criador”

Maria – Sim, também acho. Em termos de perspicácia tem a ver com alguns pontos do quadro mas

em termos de título acho que não fica bem.

Porque é que achas que era melhor “O criador”?

Maria – Porque ele está a criar uma coisa que neste momento não existe.

Qual é a faculdade mental que nos permite fazer isso?

Maria – Como assim?

Ruben – A imaginação.

E achas que é um bom quadro?

Maria – Acho, em termos de imaginação e apesar de ser muito simples. Acho que, ele, por exemplo,

na tela podia dar um bocadinho de mais detalhes nas cores.

Mais alguém quer participar? Eu gostaria de ouvir outras pessoas.

Ruben – Eu acho que o pintor gostava do que fazia. Porque já vimos alguns autorretratos e eles não

estavam a pintar.

Não se representavam a pintar?

Ruben – Isso mesmo, e, este aqui, acho que tinha paixão pelo que fazia tanto que está a pintar-se a

pintar.

Portanto, identifica-se a ele próprio como uma pessoa que faz aquilo? É a característica mais

importante para ele?

Ruben – Sim, gosta do que faz.

Quem é que quer falar sobre esta pintura?

Cláudia – Este quadro são duas pessoas com as caras tapadas.

Consegues dizer alguma coisa sobre essas pessoas apesar de terem as caras tapadas?

Cláudia – Sim, é um homem e uma mulher. E em termos de desenho é um bocado escuro, por causa

das cores, aquele verde das árvores está muito concentrado. O que realça mais é o céu, é o azul, que

é a cor mais clara dali.

O azul. E, além do céu, haverá outro elemento?

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Cláudia – O branco também.

O que é que te causa estranheza, se alguma coisa te causa estranheza?

Cláudia – Sim, as pessoas com as caras tapadas.

Ruben – O que mais me chamou a atenção neste retrato é que uma das personagens do quadro está

outra vez todo engravatado, não sei se era uma coisa da altura. A pintura é muito escura, só o céu é

mais clarinho. Também acho é um homem e uma mulher pela forma de vestir.

E que significado e que terá o facto de eles terem as cabeças cobertas?

Ruben – Não sei.

Maria – Eu acho que este quadro em termos de tema tem a ver com o amor. Porque são duas

pessoas e acho que a razão de eles terem as caras tapadas tem a ver com aquela expressão para

dizer que o amor não escolhe, é…

… é cego.

Maria – Exatamente. É um homem e uma mulher juntos, tem a ver com a paixão. Isto transmite o

sentimento de paixão, também devido à posição em que têm a cabeça, se, por exemplo, eles não

tivessem a cabeça tapada via-se que a mulher estava a olhar para nós e o homem estava com a cara

encostada a ela, se calhar a olhar para ela.

Rodada um bocadinho para ela, não é?

Maria – Exatamente. Está com a cara encostada. E se se visse mais abaixo a pintura ele podia estar a

abraçado a ela. Porque nesta parte do canto inferior esquerdo parece que ele está assim, a agarrá-la.

Agrada-te, a pintura?

Maria – Sim, é uma pintura agradável. E acho que em termos de maneira de pintar tem muito a ver

com sombras. É uma pintura outra vez simples mas tem os seus detalhes, por exemplo, nas árvores

tem os detalhes das folhas, no céu tem as nuvens e ao lado das cabeças, onde está a erva, temos ali

os montes, onde está escuro. Depois no canto inferior direito parece que é outro monte, parece que

está a descer. Mas, também, não tem muitos detalhes na roupa do homem, vê-se que é uma roupa

toda preta e uma camisa muito simples branca. O que chama mais a atenção aqui é o plano da frente,

das cabaças tapadas. Dá para ver que são duas pessoas devido ao formato como estão tapados, por

exemplo, os narizes.

Bartev – Eu concordo, em relação ao sentimento de paixão que transmite. Acrescento outra coisa,

dá a sensação de que vão ser estrangulados, parece que estão postos sacos em cima e atados no

pescoço, dá a sensação que não tem ar lá dentro.

Então, em termos de significado o que é que isso te pode dizer?

Bartev – Dá a sensação que vão se estrangulados, que fizeram algo que vão pagar com a sua vida. E,

discordo que o amor é cego, apesar de a paixão por aquilo que eu sei, aquilo que eu penso, apesar

de não escolhermos a quem amamos eu acho que só amamos uma pessoa na vida e para nós

amarmos nós temos que conhecer bem a pessoa, irmos mais ao fundo. Discordo dessa parte de o

amor é cego, apesar de haver muita química aí, como a Maria disse dá a sensação que eles estão

abraçados.

Vou dizer-vos que o título deste quadro é “Os amantes”.

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Maria – Agora, depois daquilo que o Bartev disse em termos de que vão ser enforcados, acho que

realmente é verdade. Tem a ver com o amor e também parece que tem a ver, com o castigo. Tem

dois significados na parte dos amantes, as caras tapadas para não se saber quem são e também, as

caras tapadas, tem a ver com o castigo que eles vão ter.

O título é “A reprodução interdita” e é um retrato de um escritor.

Maria – Acho que com este quadro o pintor queria retratar aquilo que ele via e não aquilo que o

espelho transmitia.

Ele, o pintor?

Maria – Queria retratar o que ele via, o tal escritor e não aquilo que o espelho lhe transmitia, a

imagem.

Bartev – Eu concordo com a Maria. O espelho mostra a face que está virada para ele, mas o que o

pintor queria mostrar era a face que o espelho não mostrava. Quando nós pomos um objeto à frente

do espelho vai mostrar só uma face e o pintor queria mostrar a outra face escondida.

Flávia – A mim o quadro transmite-me uma forma de lidar com a morte. Quando uma pessoa morre

ou quando desaparece do universo a primeira reação que nós temos é virar a cara.

Virar as costas, é isso?

Flávia – Virar as costas ao mundo. Temos a tentação de ir ao nosso interior, de mostrar o que nós

sentimos só a nós próprios.

Fecharmo-nos, é?

Flávia – Fecharmo-nos dentro de nós próprios e nunca demonstrarmos o que sentimos. Ao mesmo

tempo transmitimos aquela dor, raiva, tristeza

S2B _ Grupo B René Magritte [24-04-2008]

A Clara quer começar.

Clara – Eu acho que para onde olho primeiro é para o homem que está a pintar. As formas estão

bem definidas, as linhas, tem pormenores e acho que as cores estão é um bocadinho mortas. Não há

cores muito vivas.

Porque é que tu olhas primeiro para o homem?

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Clara – Porque está no primeiro plano, acho eu. Por causa das cores também. Ele está vestido de

preto e aquela parte do quadro, da parede, é branca.

Pedro – Para onde eu olhei primeiro foi para o ovo na mesa. Pois eu penso que a cor da toalha está

a contrabalançar todas as outras cores do quadro.

É a única cor quente.

Pedro – Sim.

E é a cor mais dissonante das outras. Portanto, olhaste primeiro para o ovo porque está sobre aquela

cor?

Pedro – Sim. Também reparei num pormenor, é que na paleta ele só tem cores claras e no quadro

só tem cores mais escuras.

Dayita – Eu não concordo com o Pedro, eu acho que quando eu olhei primeiro, logo vi o homem e o

pássaro. Porque o pássaro é escuro enquanto a tela é branca e reparei mais no homem porque tem

a pele assim um bocado amarelada e está vestido de preto, uma cor escura que dá contraste.

Olhaste primeiro para o pássaro e para a tela por causa…

Dayita – Do contraste das cores.

E em termos da localização, achas que tem alguma influência?

Dayita – Está mesmo no meio. Enquanto que o ovo está mesmo ali no canto.

No canto…?

Dayita – No canto inferior esquerdo.

Marta – Eu concordo com a Dayita, foi a primeira coisa que eu vi, foi também, o pássaro por causa

das cores. Da sobreposição de cores, do preto e do branco e também olhei para o homem, não só

por causa da cor da cara dele mas pela expressão.

Como é que tu caracterizas a expressão do homem?

Marta – Está muito concentrado.

Está muito concentrado. E que parte da figura dele é que te chama mais a atenção?

Marta – A cara.

Raquel – Eu concordo com o Pedro, acho que olhei primeiro para o ovo mas olhei para o ovo não foi

bem por causa da toalha mas por causa de ser branco. Porque só há duas coisas brancas na pintura,

é o ovo e é a tela. Acho que olhei primeiro para o ovo e depois para a tela. O homem, acho que ele

está concentrado no trabalho. Gosto do quadro!

Achas que há alguma relação entre o ovo e a tela? São as duas coisas brancas, já é uma relação, mas

há mais alguma?

Raquel – Parece-me que ele está a olhar para o ovo para tentar imaginar como ia desenhar o

pássaro. Como não podia estar ali um pássaro senão voava, só se estivesse numa gaiola, pôs ali o

ovo.

Estás a dizer que o pássaro é uma representação do ovo?

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Raquel – Já transformado.

Carolina – A primeira coisa para onde olhei foi para a cara do homem e para o pássaro. A cara do

homem porque ele é muito amarelada e depois tem a roupa preta, dá um grande contraste. A mão

como está ali perto dá uma espécie de ligação ao pássaro, o pássaro é muito escuro e depois a tela à

volta passa a ser branca.

O foco é o homem e o que ele está a fazer.

Carolina – Sim. Depois também olhei para a toalha cor-de-laranja que é a cor mais quente que está

ali e para o ovo. Acho que esta pintura tem os contornos muito bem definidos, está tudo muito reto,

é claro que o humano não pode ser muito reto. Acho que o homem não está a olhar para o ovo,

como diz a Raquel, está muito concentrado só num ponto, lá para fora, está a olhar para um pássaro.

É uma espécie de desenho à vista do pássaro.

Que estará lá fora?

Carolina – Exatamente.

Maria Carolina – A primeira coisa que eu vi quando olhei para este quadro foi o pássaro e depois

acho que foi o pincel porque está numa posição completamente inversa às outras linhas, depois é

que vai para a cara do homem. Discordo da Raquel e da Marta que o homem esteja concentrado

acho que ele está bastante distante do que está a fazer. Este quadro dá muita importância ao

pássaro, acho eu, e nem sequer reparei no ovo.

Quando reparaste no ovo, isso mudou alguma coisa?

Maria Carolina – Mudou.

O que é que mudou?

Maria Carolina – Já não parecia que o homem estava assim tão distante e pensei que ele estava a

olhar para o ovo e a imaginar como é que o pássaro ia ser quando crescesse, quando saísse dali.

Depois, eu reparei na cadeira por causa daquela forma assim redonda que contrasta com todas as

linhas retas do quadro e é por isso, também, que reparei no pássaro, não só pela cor, mas também

por causa das suas linhas curvas, é claro que o pássaro não pode ser reto, também contrastou logo

quando o vi.

Pedro – Houve uma parte em que eu percebi o que é que a Maria Carolina disse, foi na parte do

pincel. Eu acho que o quadro está dividido em planos, que vai de cima para baixo. Primeiro é o

quadro, depois é a cara do pintor e depois o ovo.

É uma abordagem. Temos três elementos e eles vão aparecendo numa sucessão vertical. E, atribuis

alguma importância diferente ao que está mais em cima ou mais em baixo?

Pedro – Não, a diferença se calhar é mais pelas cores.

Então, mas existe uma hierarquia entre essas cores? Qual é a hierarquia?

Pedro – Exato, é primeiro o pássaro, depois o pintor e no final o ovo.

Raquel – Eu concordo com o Pedro nisso dos planos, apesar do que chama mais a atenção é o

quadro, primeiro, a seguir, a mim o que me chama mais a atenção não é o homem, é o ovo, mas está

em terceiro plano. Nós olhamos, eu olhei e pensei que ele estava a olhar para o ovo para desenhar

um pássaro e deixa-nos a pensar como é que um homem vai olhar para um ovo para desenhar um

pássaro! Acho que é estranho!

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Mas quem é este homem? Então, podes-te perguntar quem é este homem?

Raquel – Pois, se calhar é um homem que ficou a pensar em ovos e em pássaros e depois resolveu

desenhar. Talvez quando souber o título seja mais fácil.

Então, vou daqui a pouco dar essa informação.

Carolina – Acho que outra coisa que se destaca bastante do quadro é o cavalete porque é muito

vertical e é castanho, o quadro é branco e o pássaro é preto, faz um grande contraste.

Chama-te a atenção aquela vertical do cavalete, está quase no centro geométrico.

Maria Carolina – Eu acho que vou contrariar o que disse há bocado mas eu acho as duas coisas, eu

acho que o homem está a olhar para o ovo e a imaginar como é que o pássaro vai ser mas também

parece que ele está completamente distante do que está a fazer. Se ele estivesse a olhar para o ovo

os olhos tinham que estar numa direção mais para baixo e ele está a olhar muito na horizontal, ele

pode ter um campo de visão um bocado grande ou não ter campo de visão quase nenhum e estar

concentrado nalguma coisa lá fora. Parece-me que a luz vem do lado do ovo, do lado esquerdo, se

calhar ele está a olhar lá para fora mas não sei porque é que ele está a desenhar um pássaro, pode

estar a ver um pássaro ou assim.

Raquel – Pode mostrar o título?

Posso. É um autorretrato do pintor e o título é “A perspicácia”.

Pedro – Eu acho que ele tem uma imaginação muito futurista pois imagina o ser que ainda não está

criado.

Quem é que quer desenvolver esta ideia?

Raquel – O pintor é de que século?

O pintor é belga e a pintura é da década de 40 do século passado.

Raquel – Ele tem imaginação e perspicácia por estar a olhar para o ovo e a desenhar o pássaro.

Então, esta pintura representa o quê? Qual é o assunto da pintura?

Dayita – A imaginação.

Onde é que tu vês representada a imaginação?

Dayita – No ovo e no pássaro porque ele está a olhar para ovo enquanto está a desenhar o pássaro.

Ainda por cima o pássaro está representado com todos os detalhes. Eu acho que antes ele já terá

observado pássaros, só que não podia agarrar num porque começaria a voar. Na minha opinião,

acho que se inspirou num ovo para pensar que há de crescer e há de voar.

Além da imaginação, toma atenção à noção de tempo. O que é que acontece?

Dayita – Avança.

Pedro – Dentro do quadro há uma certa ordem cronológica.

Sim?

Pedro – Parte do ovo, depois o pássaro de asas abertas deve ser a sua primeira experiência em voar

e depois o pintor que é já um homem mais experiente, não é?

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Estás quase a dizer que há aqui uma representação de…

Pedro – …de faixas etárias.

Ou duma evolução em termos biológicos.

Pedro – Exato.

Ainda ninguém se tinha lembrado disso, duma evolução.

Maria Carolina – Eu não concordo com o Pedro quando diz que o pintor é futurista, eu não acho

que desenhar um pássaro seja alguma coisa futurista

Eu penso que ele utilizou essa palavra no sentido de representar o futuro.

Maria Carolina – Na minha ideia futurista quer dizer uma ideia muito avançada de alguma coisa

onde ele já chegou e mais ninguém chegou. Se ele estivesse a desenhar um computador nesta época

diria que era futurista. Agora estar a desenhar um pássaro!

Raquel – Futurista não é desenhar um pássaro, é desenhar um pássaro olhando para um ovo.

Bruna – Eu acho esta pintura um pouco estranha! São um homem e uma mulher certo?

Certo.

Bruna – Não vejo a expressão da cara deles portanto não posso dizer se estão tristes ou contentes.

Eu acho que eles se querem esconder.

Porque é que dizes isso?

Bruna – Por causa das cores do quadro.

Transmitem o quê?

Bruna – Tristeza. Eu acho este quadro um pouco estranho!

Dayita – Logo que olhei para o quadro fez-me lembrar mortos.

Porquê?

Dayita – Por causa dos filmes. Foi mesmo a primeira coisa que me lembrei, depois de observar bem

concordo com a Bruna, faz-me pensar mais em tristeza por não estarmos a ver a expressão das

pessoas e pelas cores.

Clara – Parece um casal que quer esconder-se de tudo e do todos, parece que está no meio do nada,

ali no fundo vê-se uma coisa escura, parecem folhas, não se vê mais nada. Só se veem os rostos

tapados.

O facto de os rostos estarem tapados, o que é que te transmite?

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Clara – Isolamento. Deve ter acontecido qualquer coisa ou então quer exprimir um sentimento.

Achas que se estão a tapar no sentido de se protegerem?

Clara – Sim.

Carolina – A primeira coisa que este quadro me transmitiu foi mesmo tristeza. Acho que um pintor

que pinta pessoas não vai tapar o rosto se elas estiverem realmente contentes. Só vai tapar o rosto

se elas estiverem com pensamentos maus. A roupa da mulher chama mais atenção, as cores são

parecidas com as do outro quadro. Na cor vê-se bem que é do mesmo pintor. Se formos observar os

contornos já não estão tão definidos.

Maria Carolina – A primeira coisa que eu senti quando olhei para o quadro foi isolamento. Eles

estavam isolados do resto do mundo, ou pode ter acontecido algum sequestro. Eu concordo com a

Bruna quando ela diz que este quadro é triste e que eles queriam estar longe do resto da

comunidade.

Dizes isso porque…?

Maria Carolina – Por causa dos rostos tapados. Os rostos tapados dão muita expressividade ao

quadro. Em relação às cores tem tudo a ver com o outro quadro, mas os contornos, principalmente

a camisola da mulher e a paisagem estão um bocadinho esbatidos, não se percebe muito bem onde

é que acaba e onde é que começa.

Raquel – Quando olhei, fez-me pensar duas coisas, ou tristeza ou igualdade. Porque há países em

que as mulheres andam tapadas, não é? Este quadro pode querer dizer que o pintor pensa que se

elas andam tapadas, porque não os homens? Porque é que as mulheres são menos do que os

homens? Pode ser isso ou pode ser tristeza.

Esse ponto de vista é interessante! Ainda ninguém abordou isso.

Bruna – Eu queria perguntar o título do quadro.

Querem que eu diga o título agora?

Carolina e Pedro – Não!

Bruna – Eu acho que, se calhar, é vergonha. Por isso é que se escondem.

Marta – É muito parecido com o anterior, possivelmente pelas cores, a única diferença que eu acho

é que este está menos delineado, tem menos pormenores.

Carolina – Ainda em relação há igualdade, aposto que toda a gente pensou que o rosto que está por

detrás é branco, e não uma pessoa de cor?

Queres dizer, então, que a igualdade pode ser entre os sexos ou entre as etnias?

Carolina – Pois.

Maria Carolina – Concordo completamente!

O título é “Os amantes”.

Clara – Eu acho que o casal foi descoberto e agora estão a fugir.

Raquel – Pode ser que a relação deles seja proibida e estejam a fugir ou pode ser que eles queiram

estar sozinhos e, então, tenham ido para ali.

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Raquel – Essa imagem é muito estranha! Ou o homem não tem cara ou o espelho é defeituoso!

Qual é a tua posição?

Raquel – Eu acho que ele tem muito cabelo então o cabelo foi para a frente!

Dayita – Eu não concordo, eu acho que ele não tem o cabelo para a frente. Se tiveres dois espelhos

tu consegues ver as tuas costas no espelho da frente. Eu acho que ele tentou desenhar nessa

perspetiva.

Clara – Eu acho que o pintor quis mostrar um rapaz que tem vergonha de ser como é.

É um retrato de um contemporâneo seu. É o retrato do escritor Edward James e o título é “A

reprodução interdita”

Maria Carolina – Eu acho que o homem tem vergonha de ser quem é. Para se mostrar ao mundo

ele quis fazê-lo com um reflexo um bocado estranho e com este quadro consegue perfeitamente

mostrar ao mundo que não gosta dele próprio.

Raquel – Eu acho que ou o senhor tem vergonha da cara dele ou o pintor fez isto porque resolveu

não identificar o rosto dele mas com o livro ali mostra que ele é escritor. Mas resolveu não mostrar

a cara.

Se calhar quer dizer que é mais importante a obra dele do que ele próprio, não?

Raquel – Sim.

Pedro – Eu acho que os quadros estão todos relacionados. São todos de esconder a cara, de se

basear em outros animais e de imaginação.

S2C _ Grupo C _ René Magritte [24-04-2008]

O Nelson quer começar por descrever a imagem.

Nelson – Para mim, esta imagem representa vida. Em termos de linhas, acho que tem mais linhas

horizontais do que verticais.

Porque é que dizes que representa vida?

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Nelson – Por causa do ovo. E o pintor em vez do pintar o ovo em si, usou a sua imaginação e pintou

o ser que pode estar lá dentro e desenhou um pássaro.

Então, achas que esta pintura é sobre…?

Nelson – A vida e a natureza.

Quem quer continuar, e acrescentar alguma coisa? Vamos começar a especular, quem será aquela

pessoa, aquele homem?

Beatriz – Eu interpretei que ele fosse um amante da natureza, não só por retratar a vida, por

retratar o pássaro olhando para o ovo como o Nelson disse, há assim um aspeto de liberdade.

Então, tem, também, a ver com representação de liberdade?

Beatriz – Sim.

Hugo – Aquele pássaro além de ter o aspeto de liberdade também transmite dor devido aquele

rasgo que parece sair do olho do pássaro, aquela cicatriz.

Vês ali uma linha?

Hugo – Sim, parece uma cicatriz e transmite dor. Não sei, também, se é por ser a preto e a tela

branca, não sei se é por causa disso.

Qual é para ti o elemento principal do quadro?

Hugo – A pomba.

O pássaro. Porquê?

Hugo – Porque acho que ocupa mais volume e está numa zona com bastante contraste.

Está numa zona clara, com bastante luz, não é? Além do pássaro, quais são outros, se é que os há,

elementos que estejam a competir para a nossa atenção?

Beatriz – A mão do pintor. O pincel e a mão dele.

Porque é que dizes isso?

Beatriz – Não sei, foi aquilo que eu olhei primeiro, foi para a mão dele, nem foi para o pássaro. Só

depois é que vi o que é que estava a pintar.

Qual é que será o elemento ou a característica que te faz olhar primeiro para a mão?

Beatriz – O contraste da tela com a mão.

E a iluminação, não é?

Beatriz – Exatamente.

Tiago – A mão parece que não é dele. É desproporcional ao corpo.

Desproporcional? Como assim?

Tiago – A mão é quase do tamanho da cabeça. E até devia estar mais pequena porque está mais

longe da cabeça.

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Achas que isso pode ser intencional?

Tiago – Pode, porque também é estranho ele estar a desenhar e estar a olhar para o ovo. Está a

tomar atenção ao ovo e …está a imaginar, não percebo porque é que está a olhar para o ovo. Se está

a imaginar não precisava de olhar para o ovo, olhava para o quadro.

Beatriz – Para se inspirar.

Mas achas que aquilo que ele está a representar tem alguma coisa a ver com o ovo?

Tiago – Claro que tem, é o futuro, o que irá sair do ovo. Ou o que ele espera que seja.

Estás a dizer-me que temos, ali, a representação de dois tempos?

Tiago – Sim. É o futuro e o presente.

Quem é que quer continuar? Qual é o assunto da pintura?

Tiago – Eu acho que é a esperança, como ele quer que seja, porque parece que o pássaro é muito

perfeito se calhar nem vai ser um pássaro, vai ser uma galinha. É a esperança do que ele quer que

seja, por exemplo como as grávidas e os filhos. Há grávidas que chegam a desenhar os filhos, como

querem que sejam, eu já vi!

Portanto, é uma representação da expectativa dele, é uma idealização?

Tiago – Sim.

Tiago – É tudo muito sozinho, só está lá mesmo a tela, uma mesa e o homem.

É muito económico, em termos de objetos representados.

Tiago – É, aquilo nem parece uma sala, um quarto ou assim. Não tem nada nas paredes, nem uma

janela nem nada.

E, em termos de cores?

Tiago – Em termos de cores é tudo muito em tons de cinzento, só mais a mesa é que não, é que

chama a atenção. A mesa e a parte do quadro.

E a forma como está realizada a pintura?

Tiago – Não tem muitas linhas retas, tem muitos pormenores, especialmente o pássaro. É muito

realista.

O quê, todo ele?

Tiago – O desenho, a pintura toda é muito realista.

Em termos de sentimentos, há alguma coisa que…

Tiago – Sentimentos, tem esperança, para mim, de resto mais nenhum.

O que é que te surpreende mais? Há aqui alguma novidade para ti?

Tiago – Ele estar a desenhar uma coisa que não está a ver.

É essa a maior causa de estranheza?

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Tiago – Sim.

Ele estar a desenhar uma coisa que não está a ver. O que é que isso te diz sobre a pintura ou sobre o

desenho, em termos gerais?

Tiago – Não sei.

Em que é que isso se distingue, por exemplo, da fotografia?

Tiago – A fotografia tem muito pouco sentimento, enquanto a pintura não, é diferente.

Raquel – É a liberdade, o pássaro significa liberdade para ele.

Mais, Raquel.

Raquel – O centro parece-me o pássaro, depois chamou-me a atenção o ovo por estar ali no meio

daquela cor, mais nada, não me diz assim muito este quadro.

Qual é o conteúdo deste quadro, a ideia principal?

Raquel – Só me vem à cabeça liberdade.

Por causa da representação do pássaro, está muito associada à ideia de liberdade, não é?

Raquel – Do pássaro e da expressão do homem, parece que acabou de sair de um mundo um

bocado fechado e que agora está a tentar recuperar e o pássaro é o elemento desse pensamento

dele, foi o que lhe surgiu.

O pássaro é um elemento do pensamento dele. Muito bem! Ele, para além de representar aquilo que vê

permite-se representar o que está a pensar ou imaginar.

Nelson – Era para voltar atrás.

Sim, podes voltar.

Nelson – A Raquel falou do ovo, estou a ver que o assunto pode ter a ver com a liberdade como a

Beatriz disse, se ele desenhasse o ovo não ia fazer sentido nenhum, se o pássaro estivesse dentro do

ovo é como se estivesse fechado dentro de uma gaiola, assim como desenha o pássaro na tela é

como se estivesse livre, em liberdade.

E em relação à expressão do homem.

Nelson – Tem uma cara estranha.

Tem uma cara estranha. O que é isso quer dizer?

Tiago – Transmite pouco, em sentimentos, em cores, em praticamente tudo, em objetos.

Então, qual é que é o interesse desta pintura?

Tiago – Não faço a mínima ideia.

Para ti.

Tiago – Para mim, acho que é mais a esperança como eu já disse. Também pode ser a dor como o

Hugo disse.

Hugo – É uma pintura um bocado geométrica.

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Hugo, podes deter-te na análise da pintura.

Hugo – É um bocado geométrica porque as formas estão muito definidas. Aquilo que o Tiago disse

que a imagem não tinha fundo é porque o pintor queria chamar a atenção para aquilo que está no

primeiro plano, se desenhasse qualquer coisa atrás desviava a nossa atenção.

Acho que sim. Aquele fundo que nós temos ali é quase uma cortina, nós não vemos mais nada.

Beatriz – Para nos concentramos só no que está à nossa frente.

William – Esta imagem parece que eles foram condenados à morte injustamente.

Porquê?

William – Estão com a cara tapada, não podem mais viver, vão morrer já a seguir. Estão prontos

para ser mortos.

Porque é que achas que vão ser mortos, vês ali alguma razão?

William – Parece que eles estão tristes por dentro.

Porque é que dizes isso?

Tiago – Eu acho que é devido à sua religião, como disse que é da década de 40 ou 50, foi mais ou

menos a 2ª Guerra Mundial, o que quer dizer que estavam a esconder a sua religião.

Então, seriam…

Tiago – ….judeus ou assim.

Então estariam a esconder-se?

Tiago – Sim.

Quem é que serão estas figuras, consegues identificá-las?

Tiago – Não, mas estão a esconder-se de alguma coisa que não querem que o exterior saiba.

Mas, mesmo com o rosto tapado consegues descrever um bocadinho as figuras.

Tiago – Sim, parece-me um homem e uma mulher, normal, como qualquer pessoa.

Hugo – O William estava a falar de medo e acho que falou qualquer coisa de morte, não sei mas… o

pano na cara do homem tem uma reentrância, parece que está a chorar.

O que é que representa para ti? Para o William representa morte, para o Tiago escondem a sua

religião e para ti? O Tiago quer continuar.

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Tiago – Para mim, também pode representar que têm uma doença os dois, uma doença se calhar

vergonhosa, e não que querem que o exterior saiba e que se escondem assim mas sofrem muito por

dentro.

Há alguma relação entre as duas figuras?

Tiago – Sim, estão a sofrer as duas juntas provavelmente pela mesma coisa.

Há interpretações diferentes?

Hugo – Agora vou puxar mais para uma área… um amor proibido.

Querem saber, agora, qual é o título? O título “Os amantes”.

Hugo – Um amor proibido, porque eles estão a tapar a sua cara porque acho que a sociedade em

redor não precisa de saber o que é que eles sentem um pelo outro.

Porque é que não precisa de saber?

Hugo – Porque é uma coisa própria…da pessoa.

Então é uma questão de intimidade?

Hugo – Sim.

Não é uma questão de condenação?

Hugo – Não, de intimidade. E acho que também estão assim porque estão com medo de represálias.

Não sei.

Beatriz – Eu acho que eles têm a cara tapada porque não interessa mesmo quem é que eles são.

Repete, Beatriz.

Beatriz – Eu, a primeira coisa que vi quando olhei para a imagem foi que não interessa quem eles

são, eles têm a cara tapada, pronto! Sabe-se que é um homem e uma mulher mas não interessa

saber mesmo quem é. Não interessa ter uma identidade certa.

Queres continuar?

Beatriz – Interessa é mesmo a vida deles, a professora falou do título e o Hugo falou de um amor

proibido, interessa terem-se um ao outro, não a cara deles. Foi por aí que eu fui mais.

Hugo – Um título para esta imagem “dupla personalidade”.

Tiago – Devido ao preto da camisola dele e devido a não mostrar a cara quer dizer que parece que

tem vergonha de alguma coisa que fez.

Mais, Paula? É uma imagem estranha!

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Paula – Sim, eu acho que é mais ali por onde o Hugo está, pela dupla personalidade, como se se

conseguisse desdobrar em duas pessoas.

Porquê?

Paula – Nunca se vê a cara, vê-se sempre as costas!

E, ele está a olhar para onde?

Paula – Sei lá, aquilo parecia ser um espelho.

Ele está a olhar para um espelho.

Paula – Eu acho que é esquisito ver a parte de trás.

Hugo – Porém, ao estar a olhar para o espelho, aqui nesta imagem faz parecer que o olhar é vidrado

porque a imagem é um pouco abstrata.

Abstrata?

Hugo – Sim. É o seguinte, isto parece ter alguma coisa escondida na imagem, por trás.

Darpan – É isso. O pintor ao realizar este quadro tenta dizer que o homem tenta esconder alguma

coisa que fez ou está intimidado com alguma coisa.

SESSÃO Nº 3 _ EDVARD MUNCH

S3A _ Grupo A _ Edvard Munch [29-04-2008]

Quem quer começar por descrever o quadro.

Maria – A primeira coisa que olhamos é o homem que dá um sentimento de dúvida. Mas depois

quando se olha com mais atenção, lá ao fundo ao pé do barco, tem um casal, em que aparece uma

mulher vestida de branco e um homem, acabaram de se casar ou assim e isso dá um sentimento de

tristeza. Pensa-se que o homem se calhar, podia estar a pensar que podia estar no lugar do homem

lá ao fundo, dá uns sentimentos tristes. Em termos da pintura o quadro não é com muitos

pormenores, ele só quis dar mais atenção ao homem próximo de nós e entre o mar e o casal lá ao

fundo, porque por exemplo, entre o homem aqui próximo e o mar é meio abstrato, não se percebe

bem o que está ali, parece rochas como parece areia.

Sim, estou a perceber.

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Maria – Por isso acho que o pintor só quis dar mais atenção ao homem e ao casal e, em termos de

expressão, vê-se que o homem está meio triste devido… para onde está direcionado o olhar.

E está a olhar para onde?

Maria – Para o mar e um bocadinho para baixo, dá essa expressão. E vê-se as cores do claro e do

escuro, por exemplo, no homem, a cara é muito clara, que é a primeira coisa que olhamos e depois

olhamos logo para o mar onde estão as cores mais claras nem olhamos para a roupa do homem nem

nada, em primeiro.

E a roupa do homem como é que está?

Maria – Parece só um manto, está muito preto, não tem pormenores, não tem nada. E o pintor

distinguiu bem as cores sem pormenores nem nada.

E a utilização de cores?

Maria – Então, distribuiu bem as cores, do claro do escuro, das frias e isso…

Tipo de linhas?

Maria – Curvas, não tem praticamente quase nada reto, é em termos de pinceladas rápidas, não

tenta fazer o pormenor de estar direito ou assim… é rápido! Em termos de profundidade está bem

feito.

Achas que ser rápido, não estar com muito pormenor, deriva de alguma incapacidade do pintor?

Maria – Não, o pintor pinta muito bem!

Ou é uma coisa intencional?

Maria – É intencional, o pintor vê-se que pinta bem logo aqui pelo que está entre o mar e o homem,

vê-se na parte das rochas, não sei se são rochas. Vê-se que ele pinta bem, só que só quis dar mais

atenção foi ao sentimento, penso eu.

Achas que é o mais importante neste quadro?

Maria – Acho que é o pintor querer socializar com quem vê o quadro, por assim dizer…

Comunicar.

Maria – Sim.

Quem é que queria falar?

Bartev – Para mim, a obra em si, representa muito de solidão, da maneira como está representada a

pessoa. Está sozinho, como a Maria disse, aquela parte entre o mar e a pessoa parece abstrato e

como ela referiu, na obra focamos mais a atenção na cara da pessoa. Eu acho que nos focamos mais

na cara da pessoa e naquela parte abstrata, que são partes redondas, eu acho que é a única parte da

obra mesmo que está estranha.

Que está?

Bartev – Está estranha mesmo.

Esta parte das curvas?

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Bartev – Sim, por isso é que nos chama a tenção. E a cara da pessoa chama-nos a atenção, a roupa

da pessoa é escura e aquela parte preta também é escura, e cara da pessoa está entre as duas coisas.

Exatamente e o cabelo também.

Bartev – Sim, por isso é que chama a atenção. Aquela parte preta do manto que está no chão, aquilo

para mim, se começar a pensar muito parece uma sombra de uma pessoa, pelo menos dá-me a

sensação disso. Do lado esquerdo tem a perna o corpo e isso…

Sim, estou a perceber.

Bartev – Se repararmos no horizonte, estão duas pessoas lá, que suponho que sejam uma mulher e

um homem. Não percebo muito bem o canto superior direito que é aquela parte verde assim…

É uma paisagem.

Bartev –Acho que deve ter sido o quadro mais bonito até agora vi, para já.

É? Mais bonito porquê?

Bartev – Não sei, dá-me a sensação que, ao mesmo tempo que transmite a sensação de solidão,

transmite a sensação de fantasia, da maneira como está representado. E ilusão, se formos pensar

como vemos miragens e isso, dá a sensação que está destorcida, a dançar, a bailar.

Está assim um bocadinho a bailar realmente. Muito bem. Portanto, a maneira como ele pintou, é

muito importante para aquilo que transmite? É isso que me estás a dizer?

Bartev – Sim.

O facto de ter os contornos… Como é que são os contornos?

Bartev – São… podia dizer ondulados.

Tudo muito ondulado, sim. E é isso que te remete para a fantasia?

Bartev – Sim.

De tudo aquilo que nós vimos, é este o que tu gostas mais?

Bartev – Sim. É o que transmite mais… apesar de sentimentos maus, podemos considerar. Mesmo

assim eu acho que é o quadro que se tivesse de escolher entre os três escolhia este.

Imagina que ele estava representado como, por exemplo, com a técnica do pintor da aula passada?

Lembram-se como é que era?

Bartev – Mudaria tudo.

Se fosse a mesma posição, aqui o homem… Mas o tipo de pintura é diferente, o tipo de pintura mudaria

alguma coisa?

Bartev – Mudaria, porque o outro… este aqui se não me engano, na parte das curvas foi feito rápido,

a maneira como ele tem feito as linhas e isso. E também a junção das cores. É diferente!

Como é que elas estão aqui?

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Bartev – É mais como se estivesse preto e branco… contraste para fazer a vida… chamar mais a

atenção. Enquanto na pintura da aula passada, eu para mim, dizia que era mais detalhado em

relação a este aqui, tinha sombras, tinha tudo.

Esta, em termos de realismo, achas que se pode dizer que é uma pintura realista?

Bartev – Eu dizia, eu dizia que, a pessoa que está representada está no mundo real e o resto à volta

se calhar é imaginação dele. Se calhar é imaginação o que ele está a pensar, por isso é que fizeram

isso. Porque aquela parte preta dá a sensação que é um homem, que é a sombra de uma pessoa,

aqui não percebemos muito bem as formas e isso, como a Maria disse, como podem ser rochas ou

areia, as pessoas lá não reparamos muito bem, porque são pequenas, até aqui o nosso colega Mário

não tinha reparado. Eu acho que é isso.

E ao lado das pessoas? Vês mais alguma coisa ou não?

Bartev – Eu acho que há ali um barco.

Falámos de quase tudo, de quase todos os elementos que aqui estão não é? Quem é que quer dizer se

acha que é… Eu já percebi qual é a tua opinião, achas que é um bom quadro?

Bartev – É.

Porquê?

Bartev – Porque… os sentimentos que transmite.

Quem é que quer continuar com a interpretação? Que ideias diferentes é que têm? Posso adiantar que

o titulo desta obra é “A melancolia”, é assim que esperavam ver retratado este tema?

Maria – Sim, no abstrato.

Então esperavas, Maria, que a melancolia seria representada…

Maria – No abstrato.

Curioso!

Flávia – Eu acho que devia ser mais escuro.

Mais escuro?

Flávia – Uma pintura assim mais escura, assim mais pesada a nível…

Raquel – Eu também acho que era mais ou menos isso. Esse nome como título e uma praia acho

que não tem nada a ver.

Ruben – Eu esperava isso, porque sempre imaginamos a praia como… as pessoas costumam ir à

praia sozinhas quando estão muito tristes. E eu esperava isso porque ele vê-se pela cara que está

muito pensativo, muito triste, acho que é só isso…

Portanto achas que está adequado?

Ruben – Acho.

Bartev – Eu acho que o título condiz bem com a obra, porque como a Maria disse, aquilo que nós

pensamos, imaginação e isso é um bocadinho abstrato mas também não devemos exagerar

demasiado porque aquilo que nós imaginamos existe no mundo, aquilo que nós queremos imaginar

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tem que ser aquilo que nós… como hei de explicar? Aquilo que nós sentimos, aquilo que nós vemos

no dia-a-dia. Eu posso imaginar ser alto ou mesmo ter muita coisa, mas é uma coisa que se pode ter.

Enquanto abstrato, muito abstrato, não se tem nada, o que é que nós podemos abstrato? Que eu

saiba nada. Por isso não podia exagerar demasiado na imaginação e eu acho que uma parte que está

mal aí é a casa e as pessoas. Porque se se quer incluir a melancolia nessa obra, eu acho que a casa e

as pessoas estragam um bocadinho a obra. Que a parte que transmite pensar, imaginar, fantasia,

não incluiria… e também da maneira como está representado não incluía essa casa … se eu

imaginasse, não imaginava pessoas.

Maria – As pessoas do fundo ou as três?

Bartev – Não, as do fundo, que a pessoa em si parece mesmo que é realidade o resto é que parece

que é…

Maria – Porque se ele estivesse a dizer que eram as três, eu dizia que este sentimento não tinha

então nada de tristeza, que era pura e simplesmente uma praia, e pronto, assim já dava mais um

sentimento de tranquilidade.

Flávia – Dá a sensação de desespero, de medo, penso que a pessoa sente-se aprisionada por uma

pessoa que é obcecada…

Estás a referir-te à mulher ou ao homem?

Flávia – À mulher, de uma forma à mulher e ao mesmo tempo ao pintor, parece que, está obcecado

por aquela ideia de ela sentir medo, de sentir…

Achas que está aqui muito presente a ideia, o sentimento de medo?

Flávia – Sim.

Raquel – Culpa também.

Culpa? Onde é que tu vês a culpa?

Raquel – Nos dois! Eu acho que é nos dois.

Cláudia – Eu acho que é uma mulher desesperada mas, eu não percebo muito bem aquela parte ali

preta…

É um homem, que está com a cabeça virada…

Cláudia – Quem olha não nota assim muito… E acho que este acontecimento foi numa floresta.

Sim…?

Cláudia – Foi numa floresta… transmite mesmo o desespero!

Para onde é que tu olhas primeiro?

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Cláudia – Para a mulher.

Porquê?

Cláudia – Por causa das cores, por causa do branco

Das cores…

Cláudia – Sim, realça mais…

Bartev – Eu diria que dá a sensação que estamos na altura de1600 e tal, na altura das aldeias, por

causa da maneira como está representada a floresta, e também aquilo que nós sabemos dos filmes.

Naquela altura os padres tinham a tentação de estar… de ter amantes ou mulheres, e iam para as

florestas terem relações sexuais com elas. Neste caso dá a sensação que, dá-nos duas sensações, ou

a mulher quer e o homem ou seja o padre não quer, ou se não, os dois quiseram já tiveram a relação

e agora estão desesperados que alguém saiba ou qualquer coisa do género.

Portanto, há a sensação de culpa?

Bartev – Sim, há a sensação de culpa. Nós focamo-nos primeiro na mulher porque é branca a roupa

da mulher e a mulher está representada em amarelo clarinho. É ai que nós nos focamos, e também

no fundo, a floresta em si é verde escuro e por isso é que dá o contraste. Depois, focamo-nos na

pessoa, no homem que está todo preto e só a pele mesmo é que está branca. É só isso.

Maria – Eu acho que este quadro é abstrato, em termos da realidade, porque eu considero este

quadro... Eles estão dentro de uma casa, por assim dizer, em termos da imaginação porque é um

homem e uma mulher, um casal que, em que dá a sensação de a mulher estar desesperada por

alguma coisa e o homem está com culpa, está a redimir-se ou qualquer coisa assim. Eu digo que dá

uma sensação de ser uma casa porque, como é que eu hei de dizer, parece que onde a mulher está e

o homem, a parte branca inferior parece que tem pedras, cuja dimensão eu considero isso mais do

género de uma cama, se formos pensar na imaginação. E acho que a floresta representa um sítio

sem fim, está fechado numa casa mas é um sítio sem fim, por isso este também transmite o

sentimento de desespero. Acho que o pintor quis focar a atenção toda na mulher, porque a mulher é

que tem mais atenção, o homem simplesmente está numa posição curva em que parece que está a

culpar-se a redimir-se e acho que quis utilizar a parte da floresta e das pedras, a floresta para dizer

aquilo que eu já disse que foi um sítio sem fim, um sítio obscuro, e as pedras brancas, as pedras aqui

debaixo para representar, como é que eu hei de dizer…

Em que estás a pensar, que eu ajudo-te a formular a ideia?

Maria – Em termos de,… em cima o lado obscuro, sem fim…

Escuro e obscuro.

Maria – E em baixo o contrário…

A luz.

Maria – A luz, a esperança qualquer coisa assim.

A luz e as trevas é isso?

Maria – É, mais ou menos isso e, por exemplo, o vestido da mulher e o vestido do homem, a mulher

é o bom e o homem é o mau, por assim dizer.

Sim, associar o negro ao mau e o claro à luz, que significa o bom.

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Maria – O bom e o mau. E até mesmo na pele do homem, na cor da pele do homem, que está num

cinzento, está morto ou pálido, como o Bartev disse.

Muito bem. E que ligação há entre as paisagens e as figuras?

Maria – A mulher, por exemplo, está no centro da parte da floresta.

E distingues bem?

Maria – Distingue-se bem pelas cores frias, pelas cores claras.

Há um elemento que faz a ligação.

Maria – Como assim? Ligação da mulher e da floresta?

Sim.

Maria – Acho que é a parte dos braços.

Achas?

Flávia – Dá a sensação que é a parte do cabelo.

A parte do cabelo... oque é que acontece?

Flávia – Parece que o cabelo dá a sensação de raiz, e que dá terra à mulher. Eu acho que o pintor

quis passar para a tela a sua frustração, o medo que ele sentia e que de certo modo a mulher era

uma forma de o ajudar.

Explica isso um bocadinho melhor, agora não consegui perceber onde é que isso está.

Flávia – Dá a sensação que o pintor, na vida dele deve ter uma frustração que tenta passar, e a

mulher eu acho que é uma forma de o ajudar.

Mais alguém quer dizer alguma coisa sobre esta pintura?

Maria – Acho que também na parte do desespero, também se vê bem o vestido da mulher, em

termos de estar todo desabotoado, até vê-se as sombras na parte do peito, ele não quis dar muita

atenção a esse pormenor e acho que a mulher, como a Flávia disse, está mesmo a representar o

pintor, acho que ele representa-se mais na mulher do que no homem, acho que está a dizer “já

chega” ou qualquer coisa assim.

O título desta pintura é “Cinzas”. O título muda alguma coisa?

Vários alunos – Não.

As cinzas fazem-vos pensar em quê?

Maria – Morte.

Vocês não falaram disso aqui.

Maria – O homem parece que está morto.

Flávia – Dá a sensação que a mulher renasceu das cinzas, dá esperança que nunca morre.

Ruben – Agora que a professora disse o título podemos associar que pode ter sido um homicídio.

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De quem a quem?

Ruben – A mulher ao homem, porque o homem não representa nada, é como se não tivesse a fazer

nada, pode estar morto, e assim já explica mais o desespero da mulher.

Bartev – Eu associava duas coisas às cinzas, primeiro, associava a floresta em si, no momento em

que a floresta começa a arder e isso, muita cinza e essas coisas. Cinzas, como a Flávia disse, em

termos de nunca morrer a única coisa que eu associo a isso é o lendário Fénix, o pássaro que morre

e renasce através das cinzas, mas também não tem nada a ver com a obra.

Portanto achas que não tem nada haver?

Bartev – Cinzas em…Nesta obra não, eu acho que o título está mal escolhido.

Esta obra faz parte de uma série que ele fez que tinha a ver com morte, a temática geral.

Bartev – Mas cinzas não… Mas cinzas eu não estou a conseguir colar nesta obra.

Maria – Eu acho que, em termos de filme por assim dizer, acho que este quadro quer mais

representar um homem e uma mulher numa floresta, o homem tentou violar ou maltratar a mulher,

por causa do vestido e tudo, a maneira que ela está toda despenteada, e a mulher matou o homem. E

agora está na parte do desespero em que pensa “o que é que eu fiz?” Mas as cinzas acho que não

tem muito a ver.

Bartev – Se excluirmos o homem que está ali, dá-me a sensação que é uma pintura abstrata, apesar

daquela parte branca representar uma mulher ou uma alma, assim qualquer coisa, mas com o

homem ao lado, dá a sensação que perdeu alguém.

Quem é que perdeu?

Bartev –A suposta mulher ou a mãe, qualquer coisa do género.

O homem perdeu alguém, é isso?

Bartev – Sim. Ele tem a mão sobre o peito, não sei se aquilo é o coração...

É, é o coração.

Bartev – Sim, está apoiado sobre o coração. Dá a sensação que mesmo perdeu alguém e essa pessoa

está a sair, não sei se aquilo é um caminho ou à beira do mar. Dá a sensação que levanta e começa a

ir com o vento, é isso.

Porque é que dizes que será a mulher ou a mãe?

Bartev – A primeira coisa que me vem à cabeça e também que mais associava à pessoa, porque é

uma pessoa… Se perdesse a minha mãe é claro que… A minha mãe é… é a minha vida, posso dizer

isso.

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Flávia – Dá a sensação que o pintor quis representar o purgatório, que é o sítio onde as almas

sofrem. Duma certa forma parece que ele, de uma forma abstrata, quis representar o purgatório que

é o sítio onde vão as almas que se perderam.

Onde é que vês isso aqui? O que é que tem aqui que te lembra o purgatório?

Flávia – Vejo no homem. Vejo principalmente no homem, a cara dele está triste e ao mesmo tempo

a forma de ele colocar a mão no peito, como se sentisse dor, de estar ali, um peso! E ao mesmo

tempo uma solidão, porque se diz que no purgatório parece que se luta. Acho que é isso que

representa.

Raquel – Eu acho que ela também está certa porque, por exemplo, aquela sombra, está ali em frente

da mulher, das duas uma, ou está a tentar levá-lo para um sítio, para ele seguir a sombra, ou então

está a passar-lhe ao lado, como se ele não tivesse ninguém, estivesse sozinho.

Porque é que sentes que está a passar ao lado? Estás a referir-te à mulher, não é?

Raquel – Sim. Pode ser tipo… quando ela... quando se diz no purgatório, são todas as almas a

andarem de um lado para o outro, mas estão todas…

Há procura de um caminho?

Raquel – Sim, há procura de um caminho sozinhas.

Maria – Acho que este quadro representa a solidão porque, parece a realidade e o além. Do género,

o homem parece que perdeu a mulher e os filhos, eu digo os filhos porque em baixo, aquilo

vermelho, à primeira vista é uma planta, mas no entanto a mim parecem três crianças. Parece que o

homem está encostado à árvore com desejo de morrer, com a mão no coração porque perdeu

alguém, alguém que lhe era importante. A mulher porque aquilo parece a alma da mulher, não tem

cara não tem nada, é um vestido longo, e que parece que está a partir, que está a ir embora,

enquanto os filhos já não, os filhos estão ao pé do pai, parece que o estão a consolar antes de

partirem com a mãe.

Mas porque é que eles também vão partir? Os filhos?

Maria – Acho que os filhos partem … não. Acho que não partem. Espere aí, porque eu estou a ver… a

mão está a vermelho, o coração e os filhos também estão a vermelho. Parece que estão… que vão

partir, as almas deles vão partir, mas estarão sempre ligados devido às cores do coração e às cores

com que estão representados os filhos, parece que há uma ligação, na mão está o vermelho.

Com o vermelho?

Maria – Sim. E os filhos também estão em vermelho, parece que há uma ligação entre os dois. E a

cara do homem, a mão está muito branca ao contrário da cara.

Portanto a mão, achas que tem como função, a cor da mão, fazer a ligação ali com o vermelho?

Maria – Faz a ligação, parece que a mão, ao estar no coração dá aquela coisa de esperança, ainda de

ter um bocadinho de esperança de voltar.

O facto de ter vermelho, faz a ligação com esta parte de baixo que tu identificas com os filhos, é?

Maria – Sim.

Mas também tem branco.

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Maria – Também, que identifica a mulher. Porque acho que a mulher é a parte branca, é a parte da

esperança de voltar e o vermelho acho que representa o que fica.

Sim, o branco estás a dizer-me que é o…

Maria – A parte da esperança.

O eterno, o que não existe.

Maria – O vermelho é a parte da morte. E a cara, está de outra cor, parece que está pálido, que quer

morrer.

Que está a sofrer?

Maria – Ao estar encostado à árvore.

Bartev – Eu acho que, depois de tudo, o que eu ouvi, eu acho que, a mão nesta obra é muito

representante…

É o elemento mais significativo?

Bartev – Sim. É assim, nós sentimos que ele está a agarrar o coração para não sair. Eu acho que se a

mão não estivesse no coração, a mulher desaparecia, ia com o vento, mas, como ele não quer perder

alguém do coração, eu acho que a mão o impede e por isso acho que a mulher está da maneira como

está.

Achas que aquela mão branca e com aquela força está a tentar reter aquela imagem da mulher?

Bartev – Isso mesmo, está a tentar impedir que a mulher saia do seu coração, qualquer coisa do

género. Eu acho que a mão é o mais significativo dessa obra, se a mão não tivesse lá, eu acho que o

pintor não punha a mulher lá.

O título é “Separação”. Condiz com aquilo que vocês têm dito?

Bartev – Condiz. Porque até se formos a reparar, a cara da pessoa, a pele do pescoço para cima está

representado em verde, a mulher está representada em amarelo/ branco, e a mão também está

representada em amarelo/ banco. Porque eu acho que significa muito a mão com a mulher, com um

acontecimento...

Essa separação é como tu dizes, pode ter a ver com a mãe ou com a mulher.

Flávia – Acho que o pintor perdeu alguém.

O pintor perdeu de facto alguém. E essas perdas foram sempre de figuras femininas, ficou sem a mãe

aos cinco anos e mais tarde morreram duas irmãs.

Mário – Por isso é que fala sempre em morte, em cinzas.

Maria – Então acho que identificou-se com a mulher no quadro anterior e neste quadro identificou-

se com o homem.

É uma coisa muito importante, ele não rejeita a fotografia, mas tem esta frase que eu acho que diz

muito sobre o trabalho dele. Querem falar um bocadinho desta frase?

Bartev – Eu para mim, concordo com ele, máquina fotográfica só pode ser utilizada no momento, e

como ele está a dizer, não pode ser utilizada no céu e no inferno. Ele tem a ideia que a máquina

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fotográfica não pode ser utilizada na imaginação. Porque o pintor pode pintar aquilo que imagina,

aquilo que quer.

E com fotografia não consegue, não é?

Bartev – Sim. E dá a sensação que ele deve ter ido quase à beira da morte e depois voltou, e depois

quis representá-lo, e a única maneira de o representar era pintar, dá a sensação disso.

Maria, queres dizer mais alguma coisa? Ou já está tudo dito?

Maria – Acho que tem razão porque a máquina fotográfica só pode ser utilizada na terra, não no céu

ou no inferno, porque ninguém sabe se existe. E acho que ele também se referiu ao céu e ao inferno

devido às perdas que ele teve. Porque, ele com a pintura, pode representar a alma da mãe e essas

coisas no céu ou no inferno enquanto com a máquina ele só pode representar o que vive no

momento.

S3B _ Grupo B _ Edvard Munch [29-04-2008]

A Raquel quer começar por descrever o quadro.

Raquel – Acho que aquela parte é o mar. Só que não consigo perceber o que é isto aqui ao pé do

homem…

Já vamos ver se alguém diz.

Raquel – Aquilo parece-me areia da praia, não é? O monte ali atrás tem uma casa, está ali um barco

no mar, depois, aquilo que está ali, parece uma pessoa, não consigo perceber muito bem… Depois o

homem parece que está com uma cara triste, está ali sozinho.

A posição do corpo, o que é que te diz?

Raquel – Está a pensar, deve estar a olhar para o mar, não sei. Acho que utiliza tanto cores frias

como quentes porque o mar é frio, o céu também, mais ou menos e o monte mas depois há a areia e

o homem e as rochas, são mais cores quentes, acho que é isso.

Então vamos continuar na descrição. Quem é que queria falar?

Maria Carolina – Eu acho que o homem não está triste, acho que ele está mais pensativo do que

triste, acho que são sentimentos diferentes.

Sim.

Maria Carolina – Completamente!

O que te leva a dizer que ele está mais pensativo do que triste?

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Maria Carolina – A posição da mão e assim, e depois está a olhar.

E isso é uma posição em que…

Maria Carolina – Em que uma pessoa pensa, pelo menos eu penso assim. Acho que no céu, aquele

amarelo não chega bem a ser amarelo frio nem é um amarelo quente, é no meio, portanto, não se

pode dizer se está calor ou frio. Acho que é uma praia, mas não é muito frequentada por outras

pessoas. Parece-me ser um sítio especial para este senhor. Deve vir aqui muitas vezes quando tem

problemas. Ele está sentado nas rochas ou se calhar a descontrair, ou a isolar-se lá para estar

sozinho. Dá-lhe uma ideia que não está na praia, está a pensar, é diferente. Aquela coisa verde, pode

ser aquelas vegetações ao pé da praia, os picos. Aquela casa, pode ser dele ou não e acho que chega.

Carolina – Eu acho que esta pintura se concentra mais na expressão da cara do homem, em

primeiro plano.

Carolina – E depois, a cara é uma cor clara e está rodeada de cores escuras.

Quando está rodeada estás a referir-te…?

Carolina – À roupa e aquela parte da areia mais escura.

Exatamente.

Carolina – Não sei porque é que está escuro, talvez por ser um monte e depois fazer sombra, ou a

areia ali ser mais escura.

Maria Carolina – Está molhada, pode estar molhada.

Carolina – As rochas são um bocado esquisitas mas, sobressaem. Acho que é de manhã, por causa

da cor do céu … está aquela cor da manhã. Depois parece que está a fazer uma espécie de reflexo no

mar, aquilo também tem uma cor…

O que é que está a fazer reflexo no mar?

Carolina – O céu.

Sim. Há ali um contágio de cor entre a água e o céu, não é?

Carolina – Lá ao fundo parecem duas pessoas, aquilo ali, um barquinho e mais nada.

Clara – Acho que o homem está um bocadinho aborrecido. Parece que está a pensar nos problemas

por causa de como tem o olhar, parece triste, também parece que pode estar à espera de alguém e já

está ali há muito tempo. As formas não são muito definidas, as cores estão todas misturadas.

Sim. E os contornos?

Clara – Os contornos são pouco definidos, não se percebe muito bem, até a cara do homem parece

que não tem orelhas nem nada. Lá ao fundo há pessoas a passear, podem ser pescadores.

E em termos de sentimento, em termos globais, o que é que te transmite?

Clara – Tristeza, pensamentos, porque o homem está a pensar e calma.

E mais? Já fizeram a descrição, em termos de comunicação, como é que comunica?

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Raquel – Solidão, tristeza. Ele está pensativo. Acho que se concentra mais aí. Como a Carolina disse,

porque está em primeiro plano, a cara do homem, logo nós olhamos mais para ali, e aí começamos a

pensar.

Então o elemento mais importante…

Raquel – É a cara do homem.

É o homem. E o resto, que relação é que tem?

Raquel – Acho que a seguir da cara do homem vem as rochas, porque também estão mais perto.

Depois, talvez olhe mais para aquele lado porque a casa como é branca e está ali mesmo no meio de

uma cor escura acho que sobressai mais, e o verde também, porque é a única coisa verde que há na

pintura. Depois talvez, comece a andar da direita para a esquerda, até chegar ao mar, e ao barco e

aos pescadores.

Maria Carolina – Acho que a relação do homem com a paisagem, com o pensamento, acho que nos

ajuda a realçar mais pelo ambiente do quadro. O facto de ser de tarde ou de manhã, de ser na praia

e a praia estar praticamente deserta, o facto de o mar estar calmo, ajuda a pensar o que o homem

está a pensar, ajuda a realçar esse sentimento.

Queres explicar isso um bocadinho melhor? Alguém quer desenvolver esta ideia? Como é que se

relaciona a paisagem com o homem? Ou seja, se o facto de o homem estar inserido naquela paisagem é

importante? Se ele estivesse noutro sítio, naquela posição, mudaria alguma coisa?

Maria Carolina – Mudaria! Se por exemplo, se estivesse naquela posição, em cima de uma mesa

com uma data de cervejas pode ter outra interpretação. É por isso que o facto de o céu estar assim,

nem claro nem escuro, nem frio nem quente. O facto de a praia estar assim calma, parece sereno, e

quando a gente está a pensar as coisas são todas serenas! Agora, há pessoas que pensam com a

música aos berros, não é? Mas há outras que não. Mas procuramos sempre isolar-nos para pensar, e

isso ajuda a realçar aquele sentimento.

Então como é que classificarias este quadro, em termos de género de pintura? Uma pintura

paisagística, pintura de figura humana, um retrato?

Maria Carolina – De paisagem… paisagem, figura humana e retrato.

Se tivesses de escolher um.

Maria Carolina – Paisagem.

Valorizavas mais a paisagem, é? O Pedro valorizava o retrato, porquê?

Pedro –O retrato porque apresenta um homem, a paisagem apresenta tudo o que normalmente se

utiliza num retrato, certo?

O retrato pode não incluir uma paisagem. Pode desenvolver-se apenas num plano, não é? Mas dizes

que é retrato porquê?

Pedro – Não sei explicar.

Porque achas que isso é o mais importante?

Pedro – Porque se não estivesse lá a figura humana nós não conseguíamos interpretar tão bem o

quadro, podia ser só uma paisagem, uma paisagem em que o pintor estava e pronto, estava naquele

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local e estava a ver e gostou da paisagem e pintou, mas tendo a figura humana já representa outra

ideia.

Outra ideia. Qual é a ideia que representa? Ou o sentimento?

Pedro – Tristeza, solidão.

Querem saber o título? O título deste quadro é “Melancolia”. Parece adequado?

Raquel – Sim, porque se o quadro se chamasse alegria, é que já não parecia adequado, não é? Tem

mais ou menos a ver com os sentimentos que nós referimos.

Acho que sim.

Maria Carolina – Isso significa que o pintor conseguiu transmitir o que queria transmitir ao pintar

o quadro.

Parece-vos, não é?

Maria Carolina – Ou seja sabe transmitir o que sente ou o que tenta… espalhar.

Com base naquilo tudo o que tem dito, acham que é um bom quadro?

Raquel – Eu acho que é um bom quadro porque o pintor conseguiu transmitir, porque nós, quase

todos, dissemos que transmitia um sentimento de solidão, tristeza e o título tem mais ou menos a

ver com isso. Acho que é um bom quadro porque o pintor conseguiu transmitir a ideia que queria e

acho que também utilizou bem as cores. Conseguiu também transmitir uma ideia no céu, ideia de

tempo, se é de manhã ou de tarde, acho que sim.

Se eu dissesse vamos ver um quadro que se chama a melancolia, o que é que tu esperarias ver?

Raquel – Acho que, se calhar, até podia ter a mesma cara, porque ele está assim com um ar… podia

era não estar à espera desta paisagem, podia ser outra paisagem. Mas acho que a cara do homem

transmitia a mesma coisa.

Pedro – Não, esperava uma coisa mais chata.

E que era por exemplo?

Pedro – A mesma figura do homem, só que noutro tipo de paisagem, como a Raquel já tinha dito.

O tipo de paisagem era?

Pedro – Uma cidade deserta, uma coisa assim, ou sempre casa/ trabalho, trabalho/ casa, sempre…

Outra pessoa.

Raquel – Isso não é melancolia, é monotonia!

Pois, não sei se estas a confundir com monotonia.

Maria Carolina – Concordo com a Raquel.

Concordas com a Raquel. A Clara quer falar.

Clara – É para dizer se é um bom quadro ou não?

Por exemplo, se quiseres falar nisso, ou se esperarias ver assim representado este tema.

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Clara – Isso não sei. Eu gosto do quadro porque, como a Raquel disse, o pintor conseguiu transmitir

bem a ideia, porque conjugou bem a figura com a paisagem, as duas coisas conseguem mostrar bem

o que ele quer, o sentimento de melancolia. Eu gosto também da forma como ele pintou, acho que as

cores, apesar de assim misturadas, acho que estão bem definidas, transmitem uma imagem mais

colorida, mais ou menos, não é colorida é diferente e original.

Diferente e original, portanto, as cores não tem muito a ver com…

Clara – O real.

E porque é que isso acontecera?

Clara – Porquê?

Porquê? Se estamos ali a ver uma praia, porque é que as cores não são exatamente… as rochas não são

exatamente da cor, a areia não é exatamente… Porque é que achas que ele optou por alterar um pouco

as cores?

Clara – Então para ser diferente… para ter… não sei…

Já tinhas dito no teu discurso, é só organizares a tua ideia.

Clara – Então para ser original, para ter uma coisa diferente.

Imagina, se estivesse ali um mar vermelho e as ondas, também, era original?

Clara – Não, para conjugar as cores com o que ele transmitir e os sentimentos.

Está bem, pois era isso mesmo que estavas a tentar dizer.

Marta – Eu por um lado acho que o quadro é bom porque transmite mesma ideia que ele está triste,

mas por outro, eu acho que podia estar mais definido, podia perceber-se mais que, por exemplo,

aquilo eram umas rochas que o resto era a areia, e não tenho bem a certeza de ser um bom quadro

ou não.

Carolina – Acho este quadro, para além do que já disseram, que é um bom quadro porque

transmite bem os sentimentos. Acho que também requer imaginação.

Imaginação de quem?

Carolina – De quem? Do observador. Muito mais nossa mas também do pintor.

Pode ser de um lado ou de outro.

Carolina – Desenhar umas rochas … as rochas pintadas de amarelo e azul. E depois, a expressão da

cara, os sentimentos, acho que o ambiente também… Se tirássemos o homem e pedisse para

caracterizar a paisagem acho que dizia mais ou menos o mesmo.

Isso é importante.

Carolina – Depois o mar também transmite muita calma, não tem ondas nem nada disso, não

parece poluído, depois não tem ninguém aquela praia, tem aquelas coisinhas lá ao fundo.

Maria Carolina – São pessoas.

Sim, são pessoas, aparentam ser um casal. De branco a mulher, de preto o homem.

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Maria Carolina – Há uma coisa que eu não concordo com a Marta que é, ela disse que o quadro

podia ser melhor se estivesse mais definido, eu acho que não, porque se estivesse mais definido se

calhar não transmitia nem metade da evolução do quadro, porque assim nós a olharmos para aqui,

vamos pensar “está tudo esbatido”.

Esbatido, sim…

Maria Carolina – Até podemos pensar, na televisão quando as pessoas estão a pensar a imagem

fica mais turva, certo? E se isso estivesse muito definido… é um ponto de vista, acho eu…

Pode ser uma espécie de recurso para representar pensamento, não é?

Maria Carolina – Pode ser.

Vocês têm feito normalmente interpretações diversas, apesar de chegarem a acordo em muitas coisas

mas a ideia que depende muito de cada um de nós está sempre muito presente naquilo que vocês

dizem. O que eu quero saber agora é se será possível chegar a um consenso, a um acordo,

relativamente ao facto do quadro, ter características que todos conseguimos ver ou não?

Raquel – Sim. Todos dissemos que o homem estava com o ar de solidão, pensativo e de tristeza.

Mas quando dizemos isso, estamos a basear-nos em alguma coisa que estamos a ver. Em que é que

estamos…

Raquel – Na paisagem e na cara dele.

Portanto, achas que isso é comum?

Raquel – Sim.

Bruna – Ela tem um bocado cara de desesperada.. Vê-se que está sozinha, perdida! E não percebo o

que é aquela coisa preta…

Vários alunos – É um homem.

Bruna – Ah, pois! É um homem. E parece que está fugir.

Porque é que dizes que está desesperada?

Bruna – Porque… olhando para a cara dela, o facto de estar a agarrar no cabelo e tudo, e as roupas

estão rasgadas.

Quem quer continuar a falar?

Maria Carolina – Eu acho que o que faz parecer que a senhora está desesperada é a paisagem, ser

uma floresta, podem estar perdidos, podem estar desesperados ou pode ter discutido com o senhor,

pode ser marido dela ou irmão ou qualquer coisa. O ela estar na floresta e o facto de ela estar

agarrada ao cabelo ou à cabeça, de braço no ar e o senhor estar ali parece que está a chorar e ela em

vez de chorar grita.

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Carolina – Concordo com a Carolina, acho que também o que dá uma espécie de ligação entre a

mulher e a floresta é o cabelo.

Muito bem. Nós nem percebemos muito bem onde é que termina o cabelo.

Carolina – Pois!

E a posição da mulher porquê?

Maria Carolina – Como está despenteada!

Carolina – Os braços sobressaem muito porque estão na vertical.

Pedro – A cor também. E a posição.

Maria Carolina – Sim, a cor realça.

Carolina – O vermelho ali da camisola.

Pedro, disseste que uma outra coisa que faz sobressair ali a mulher é a posição não é? É a vertical não

é? Ou foi a Clara que disse?

Pedro – Eu disse a posição que é vertical.

Pois que é vertical como as árvores.

Pedro – Aquilo ali atrás parece um pântano, certo? E o cabelo dela parece que vai dar às raízes das

árvores?

Sim, nós não percebemos onde é que acaba! Há outra vez uma relação forte entre a paisagem e…

Pedro – E a presença humana.

Clara – A mim, parece-me que estão os dois perdidos na floresta, só que ela tem uma maneira

diferente de agir, ela parece que está em pânico, o facto de estar com as mãos na cabeça, e o homem

parece que é mais calmo.

Outro aluno – Mas o homem também se está a esconder.

Clara – Sim, mas parece também que está angustiado ou uma coisa assim. Nota-se muito no homem

por causa das cores, por causa do contraste, o vestido dela e aquelas coisas atrás são brancas e o

homem é todo preto. Depois nota-se muito na cara dele porque o casaco, ou lá o que é aquilo é preto

e o cabelo é preto e parte da cara e a mão é branca, também dá grande contraste.

Raquel – Professora, eu não sei onde é que se vê ali um homem, aquilo parece um mutante. Não

tem corpo!

Não tem corpo, porquê? Porque está menos definido? Podemos falar sobre isso…

Pedro – Porque está todo preto.

Marta – Eu acho que ela não consegue visualizar o homem por causa de tanto preto em volta.

Então, se calhar, faz com que a figura mais importante seja…

Vários alunos – A mulher.

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Raquel – Eu acho que a mulher também sobressai mais porque a mulher é amarela e depois, atrás,

a floresta é toda preta e castanha e verde e então ela sobressai mais, mais a cara, os braços e o

tronco, depois o vestido dela não sobressai tanto porque a base, o que está atrás dela é branco

também, por isso o vestido já não sobressai tanto.

Carolina – Acho que o pintor dá menos importância ao homem, a cor da roupa dele morre mais na

floresta do que a roupa da mulher, e depois, o homem parece deles todos, da paisagem toda, o que

tem os contornos menos definidos, por causa da mão.

Maria Carolina – Eu acho que o homem é o que está menos definido porque, também já no outro

quadro os contornos esbatidos davam uma sensação, e se calhar o pintor estava a pedir aos

observadores que diferenciassem os diferentes tipos de reações entre uma pessoa e outra.

Aqui, neste?

Maria Carolina – Sim, então para a mulher ele definiu, até tem o cabelo todo, quer dizer ali em

baixo não, mas aqui em cima está assim…

Então qual é a reação perante a mulher e perante o homem?

Maria Carolina – A mulher está desesperada e o homem está triste, o homem está a chorar, é um

desespero diferente.

Estás a falar que o homem e a mulher estão os dois a reagir ao mesmo acontecimento e o pintor

representou-os de formas diferentes?

Maria Carolina – Exato, e aí pintou-os de diferentes.

Maria Carolina – Qual é o titulo?

O título deste quadro é “Cinzas”.

Maria Carolina – Pode haver um incêndio e eles estão a fugir ao incêndio.

Para que é que remete o titulo “Cinzas”?

Maria Carolina – Para um fogo extinto.

Carolina – A principal semelhança entre os quadros e acho que a principal característica do pintor

é a expressão dos sentimentos.

A expressão dos sentimentos. Através das pessoas?

Carolina – Das pessoas e da paisagem também.

Bruna – Ele tem uma cara de enjoado, a cara está assim um bocadinho verde, e também não

percebo porque é que ele está ali agarrado…

Marta – Porque deve estar a agarrar no coração, como se estivesse a morrer.

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Raquel – Ah… sim está a morrer, está com sangue, sim deve estar com sangue. E aquilo parece a

imagem de uma mulher.

Priyal – Isto a mim transmite-me também a morte porque a mulher parece um fantasma e o

homem parece já estar morto. E por aquilo que eu acho o homem morreu por causa do coração.

E o que é que isso…

Pedro – Desgosto…

Priyal – Talvez.

Pedro continua…

Pedro – Desgosto amoroso, despedida, por exemplo, a mulher está a ir embora e ele com o coração

despedaçado. Aquilo para mim representa um caminho que o casal percorreu e depois acabou ali.

Espera aí, onde estás a ver esse caminho?

Pedro – O caminho em que ela está.

A forma é de que cor?

Pedro – Aquela amarela uma coisa assim.

A mais branca, a mais clara, o caminho.

Pedro – O caminho que eles percorreram e ali acabou tudo e ela foi-se embora.

Clara – Eu acho que este quadro está ligado com a ideia do anterior, com a morte, mais pelo homem,

que está agarrado ao coração e também por causa das cores, são escuras, faz a ideia da morte e

também parecem os dois fantasmas, ela mais porque não se notam as formas, e ele por causa das

cores.

Maria Carolina – Eu acho que aquela ideia de quando se diz que as pessoas morrem vão parar ao

céu, isto tem a ver com morte, acho eu, e o pintor está a retratar o que será quando as pessoas

morrem. Então aquela senhora pode ser um anjo, e o senhor acabou de morrer e vai ser guiado pelo

caminho pela senhora que o vai levar, o anjo.

O caminho por onde ela o vai levar?

Maria Carolina – Parece o rasto do vestido, como não está muito… como não sei onde acaba o

vestido e começa o caminho.

Carolina – Acho que, mais uma vez, o pintor expressa os sentimentos, e sobressai bastante a mão

por causa das cores. Acho que o homem deve estar quase a morrer e lá aquela mulher…

Achas que ele está a sofrer?

Carolina – Sim, por isso está com a mão no coração. E a mulher vai ajudá-lo.

O título é “Separação”.

Carolina – Retrata o que nós dissemos, mais ou menos.

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Raquel – Eu acho que isto pode simbolizar o que eles disseram, mas também pode ser, por exemplo,

o homem simbolizar as trevas, está escuro e a mulher pode simbolizar uma luz que aparece. O

homem pode estar a precisar de ajuda ou assim e a mulher vem ajudá-lo.

Vamos lá ver, a Maria Carolina acha que este pintor é mais recente que os outros que já vimos e o

Pedro?

Pedro – Eu acho que não porque, em termos de forma, como ele desenha, é diferente, mas os

sentimentos são sempre os mesmos.

Então, mas isso tanto pode ser de antigamente como de hoje em dia.

Maria Carolina – Eu acho que é mais recente porque os mais antigos tinham que pintar as coisas

como elas eram, e tinha que estar tudo bem definido, porque as coisas eram assim, porque é que

haviam de estar a inventar? Agora, à medida que ia avançando a liberdade das pessoas, houve

pessoas a terem outras ideias para pintar.

Isso é interessante!

Raquel – Eu acho que é da mesma época ou mais recente, não mais antigo, não é de certeza, porque

concordo com o que ela disse, porque antes, nós vimos aquela do pássaro e eles pintavam como era,

esta aqui, por exemplo, as rochas não são assim.

Por acaso, estas são as únicas pinturas do séc. XIX. Esta é de 1896.

O que queres dizer sobre esta frase, sobre a fotografia?

Pryial – Eu acho que o que ele está a tentar dizer é que nós ainda conseguimos desenhar diabos,

anjos e tudo ao mesmo tempo, fazer coisas imaginárias, enquanto com a máquina fotográfica só

conseguimos fotografar aquilo que vemos ou alguma coisa real. Na pintura podemos inventar coisas.

Raquel – Concordo com a Pryial, que nós quando pintamos, podemos pintar coisas irreais,

abstratas, quando é com a fotografia não, só podemos tirar ao nosso mundo. O céu e o inferno, nós

não podemos ir ao céu fotografar, nós podemos desenhar o céu ou o inferno.

S3C _ Grupo C _ Edvard Munch [29-04-2008]

A Beatriz quer começar por descrever o quadro.

Beatriz – Vejo uma praia, um homem sentado nas rochas, duas pessoas ao fundo, uma espécie de

canoa. Depois ali atrás tem uma casa, um tipo de campo ali, lá ao fundo, do lado direito e depois o

mar e mais nada.

Quem quer continuar?

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Hugo – É o seguinte, essa parte do mar e da areia está um bocado desfocado e leva a pensar que é

um género de sonho e pensamento e que não é real, é um bocado a fugir para o abstrato.

Sim…

Hugo – E, como a Beatriz disse o homem está no primeiro plano, tem uma cara muito pensativa, e

também aquelas duas pessoas lá ao fundo pode ser fruto do seu pensamento ou estar a acontecer

na realidade, mas aquele barco ali é representativo do que ele vai perder, neste caso, o seu amor.

Como é que tu associas o barco a isso?

Hugo – Porque… parece um género de fugida, qualquer coisa, um barco transmite um bocado de

distância.

Sim…

Hugo – E é por isso que aquele barco está ali para… fugida!

Para representar alguma coisa que lhe está a fugir é isso?

Hugo – Não…

Que ele está a perder?

Hugo – Sim, que ele está a perder.

E achas que essa coisa é o amor?

Hugo – É.

Beatriz – Pelo que o Hugo está a dizer, será que ele poderia estar para casar e perdeu isso, não sei…

Hugo – Eu acho que isso não é bem assim, eu acho que ela é a culpada de tudo.

Ela, aquela figura pequena branca?

Hugo – Sim. É a culpada de tudo.

Tenta fundamentar.

Hugo – É o seguinte, o ar dele transmite pensamento e parece que se está a focar em algo passado,

que já aconteceu, eu acho que esse passado que já aconteceu está relacionado com aquela figura, e

acho que ela lhe deu esperanças de algo, mas depois, não sei o que houve ali pelo meio, que pôs este

homem no sofrimento, e foi com outro.

Porque é que dizes que este homem está em sofrimento? O que é que há no quadro que te faça ter essa

ideia?

Hugo – Na parte dos olhos dele, tem ali um negro.

Ele está a olhar para onde?

Hugo – Está a olhar em frente, como se estivesse a olhar para um futuro, e a deixar para trás a

mágoa.

Se tu analisasses o quadro em termos de maneira como é feito, das cores que são utilizadas, do tipo de

linhas, desses aspetos mais da execução, são importantes para esse tipo de sentimento ou nem por isso?

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Hugo – Acho que sim, por exemplo, ali o mar faz lembrar coisas futuras e aquela parte de terra

escura faz lembrar coisas passadas, más.

Portanto associas as cores escuras às coisas passadas, más e as cores mais claras…

Hugo – Ao futuro.

Gostaria de ouvir mais alguém. Daniel, qual é a emoção geral que este quadro passa para ti? Ou ideia

em termos globais?

Daniel – Tristeza.

Beatriz – Desilusão.

Mais opiniões diversas.

Darpan – Arrependimento.

Darita – Infelicidade. Felicidade para uns e tristeza para outros

Achas que há aqui uma mistura das coisas. Quando dizes felicidade estás a referir-te a…?

Darita – Às duas pessoas.

Ao casal?

Darita – Sim, parecem um casal.

Hugo, querias dizer mais alguma coisa?

Hugo – Ódio, raiva.

Alguém quer falar em termos de execução, em termo das linhas por exemplo. O que é que tem de novo

em relação à aula anterior?

Hugo – Esta pintura não está bem definida, tirando ali aquela linha do horizonte, as linhas parece

que se misturam e esta parte aqui da rocha, parece ser o género de um esboço. Eu acho que o pintor

não se focou a desenhar o ambiente em redor, tornou-o indefinido e, a única coisa que existe

definida para além da linha do horizonte que é para chamar a atenção daquelas duas pessoas é a

roupa do homem e a cabeça do homem.

Achas que a roupa dele está definida?

Hugo – Está tudo através do contraste.

Contraste de…?

Hugo – Com a paisagem lá de trás com as rochas.

Beatriz – Vai para a parte que está definida, não para o sítio onde as cores estão negativas.

E onde tu achas que as cores estão definidas?

Beatriz – No homem, é logo o primeiro plano e lá atrás no pontão.

Se calhar, nós, também temos tendência para olhar mais para as figuras humanas, não é? Procuramos

mais imediatamente a representação humana.

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Beatriz – Sim. E está mais bem definido, é aquilo onde a gente olha logo.

Há alguma relação entre a paisagem e este homem?

Hugo – Sim. Transmite um sentimento de calma.

E qual foi o recurso que o pintor utilizou para isso?

Hugo – Acho que o silêncio.

Silêncio, sim.

Beatriz – O mar é o elemento que transmite mais isso.

Como é que está o mar?

Beatriz – Calmo, sereno é isso o que o Hugo está a dizer.

Sim, possivelmente. Mais? Querem saber qual o título do quadro?

Vários alunos – Sim.

O título do quadro “Melancolia”. Acham que é um nome adequado?

Beatriz – Realmente é o que transmite, depois de saber o título. Tem uma certa melancolia é

verdade.

Se eu vos dissesse, vamos ver um quadro com o título “Melancolia” era isto que vocês esperavam ver?

Beatriz – Não bem…

O que é que tu imaginarias?

Beatriz – Não sei…mas não era assim, não sei explicar.

Hugo – A parte do sentimento mais carregado, mais óbvio.

Acham que é um bom quadro?

Hugo – Sim.

Porquê?

Hugo – Está sempre atualizado.

Sempre atualizado, então estás a referir-te àquilo que ele comunica, é? Por isso está sempre

atualizado. Então, podíamos falar um bocadinho sobre que época é. Acham que é anterior, ou

posterior àqueles que temos vistos até agora? Mais recente, mais antigo ou acham que é

contemporâneo?

Beatriz – Eu acho que ia mais para o contemporâneo.

Contemporâneo de nós, ou contemporâneo dos outros? É que os outros que nós tínhamos visto eram à

volta de 1940, lembram-se?

Beatriz – Pois.

Hugo – Isto faz lembrar aquela altura do renascimento.

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Porquê, diz lá?

Hugo – Porque foi nessa altura que os pintores começaram mais a focar-se no sentimento.

No tempo do renascimento começaram a focar-se mais no homem, não é? Mas acham que esta pintura

será dessa época? Não é claro para vocês de que época será. Mas, relativamente à aula passada, por

exemplo, este é antes ou depois? Ou acham que é mais ou menos da mesma altura?

Beatriz – Tem um estilo diferente!

Pois, é um estilo diferente, como é que caracterizarias este estilo?

Beatriz – Não sei…

Então, em que é que é diferente?

Beatriz – A professora está a fazer-me perguntas difíceis! Em relação aos da aula passada era tudo

muito realista, as linhas estavam bem definidas, as cores tudo isso e aqui não, é diferente!

Em relação da utilização da cor, por exemplo? O que acontece? As rochas, por exemplo, como são? São

daquela cor na realidade?

Beatriz – Não, está ali uma mancha azul.

E a areia, normalmente? É daquela cor?

Beatriz – Não.

Então o que é que acontece?

Beatriz – Distorção da realidade?

Porque há uma distorção da realidade? Achas que é intencional, ou achas que resulta de uma

incapacidade técnica do pintor?

Beatriz – É intencional. Porque aquilo para onde ele quer que a gente olhe mais, é para o homem, é

logo aquele ponto… tudo o que está à volta está mais desfocado, o nosso olhar vai logo para as

partes mais perfeitinhas, para aquilo que está direito.

O sítio com linhas mais definidas será talvez o rosto, não?

Beatriz – Sim.

Hugo, esse afastamento da realidade em termos de cor, resultará de uma incapacidade do pintor ou de

uma intenção?

Hugo – Intenção.

Porque achas isso? Ou melhor, qual será a intenção? Porque é que ele distorceu as cores?

Hugo – Para tornar o sentimento mais óbvio, para transmitir melhor a mensagem.

Sim. Portanto, comparem outra vez com a aula passada, vocês aqui tem falado muito de sentimento,

na aula passada falaram mais de quê? Falaram muito de sentimento?

Beatriz e Hugo – Não.

Pois não, falamos mais de quê?

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Beatriz – Foi mais em termos de realidade e passado, não, como é que era? Futuro, o que é que ele

estava a ver e o que não estava a ver, mais isso.

Falaram de imaginação?

Beatriz – Sim.

E falaram da ideia, segundo eu creio, foi o mais constante não é? Falaram mais de ideia e hoje falaram

mais de sentimento. Também falaram de imaginação no outro, aqui também está presente?

Beatriz – De imaginação… eu diria que… não sei, não sei explicar.

O que é que vocês acham que é imaginação?

Beatriz – A definição de imaginação?

Sim. Explica-me um bocadinho. Será que para nós imaginarmos alguma coisa será melhor termos o

seu conceito, não é? Como é que será? Explica-me lá o que é que é imaginação.

Beatriz – É complicado uma definição…

Não, explica-me, não uma definição correta, é uma aproximação, faz uma aproximação.

Paula, o que é a imaginação?

Paula – Sei lá! Pensamento, ideias… imaginar? Uma pessoa quando diz imaginar tem a ver com

pensamentos e…ideias … não sei…

Hugo – Imaginar tem a ver com um contraste de ideias, nós não imaginamos uma coisa que não

tenha um bocadinho de realidade.

Portanto a imaginação parte da realidade.

Hugo – Para uma coisa que nós queremos, ou…

Que pode não ser…

Beatriz – É mentira! A gente pode imaginar uma coisa que não seja realidade, ele está a dizer que…

Sim, mas o que o Hugo está a dizer é que se parte da realidade, não é? O estímulo é a realidade, mas

depois podemos fazer…

Hugo – Transformá-la!

Transformações ou ligações não é? Portanto, a imaginação será uma faculdade mental que permite

pensar coisas…

Beatriz – Que não são totalmente realidade.

Vamos passar a ver as outras imagens deste pintor. Quem quer começar?

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Beatriz – Arrepiante! Perturba um bocado.

Paula – Espanto.

Darpan – Desespero.

Desespero de quem?

Darpan – Da mulher.

Beatriz – E dele também.

Darpan – Dele não, parece que está morto.

E dele também, Beatriz? Porquê?

Beatriz – Sim, porque tem as mãos na cabeça.

Daniel – As mãos parece que são fundidas com a cara.

Sim, com muito pouco pormenor. Então o que é que representa? O que é que se destaca mais?

Vários alunos – A mulher.

Porquê?

Darpan – Porque leva as mãos à cabeça e pensa como se ela dissesse “O que é que eu fiz?”

Beatriz – O fundo é muito escuro e as cores ali são muito claras, iluminam logo, é para onde se olha

logo é para a mulher.

Como é que o pintor faz a ligação entre a paisagem e as figuras?

Beatriz – É monótona, a paisagem lá atrás é monótona.

Hugo – Vai começando a definir a paisagem aos poucos e poucos.

Sim. Onde é que existe…

Hugo – A partir da existência daquelas primeiras pedras, para cá, vai-se tornando mais definida.

E a mulher, o que acontece em relação à paisagem?

Beatriz – O cabelo da mulher está em cima do homem.

Consegues perceber onde é que ele acaba?

Beatriz – Na cabeça, acho eu.

Não.

Daniel – Então, confunde-se com a paisagem.

Confunde-se com a paisagem. Então nós já estamos aqui a ver alguma constante, não é? Da relação da

paisagem com o homem, no outro quadro, e aqui…

Daniel – É o cabelo da mulher.

É através do cabelo da mulher, que há essa ligação.

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Hugo – Agora que eu vi o homem, onde é está, a expressão dele parece que está a pôr de parte

aquela pessoa, aquela mulher, está a ser posta de parte.

Ele está a pôr de parte, é?

Beatriz – É mais ele do que ela.

Quem saber o título da pintura?

Darpan – Professora, nesta pintura, parece haver indícios de luta porque a mulher está

despenteada, tem os botões da roupa abertos.

Sim, ainda ninguém comentou. Alguma interpretação? O título desta pintura é “Cinzas”. O título altera

alguma coisa?

Vários alunos – Não.

Darpan – Eu acho que esse título não tem pés nem cabeça, professora. Não tem nada a ver com a

pintura, cinzas.

Se eu vos disser as cinzas, o que é que as cinzas…

Beatriz – Algo destruído.

Sim. Algo destruído, já faz sentido?

Darpan – Faz um pouco, mas mesmo assim…

As cinzas, o que é que lembra mais? Façam associações…

Beatriz – Como assim?

As cinzas, algo destruído.

Beatriz – Uma relação.

Hugo – Renascer!

Pode ser, mais…?

Beatriz – Renascer de quê?

Nós usamos a expressão, renascer das cinzas.

Daniel – Uma relação destruída, não?

Uma relação destruída... Pode ser, alguma coisa destruída.

Daniel – A roupa dela está toda destruída.

Mais nada?

Hugo – Não sei porquê, mas aquele homem transmite muito mal!

Beatriz – Desespero!

Hugo – Parece o Frankenstein!

Acho que já ouvi isso na turma anterior.

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Hugo – Só lhe faltam os parafusos!

Darpan – É que a anterior era um pouco leve e depois vemos uma mulher com uma cara de medo!

Com as mãos à cabeça!

Beatriz – Essa era assim mais serena…

Esta exprime uma ação? A outra á mais…

Beatriz – É mais quieta.

Darpan – Era mais o som do mar.

Mas acham que há alguma coisa de comum na maneira como é realizada? Parece-vos que é da mesma

pessoa?

Hugo – Sim. Não sei porquê mas aquele homem é parecido com aquele que está lá no pontão ao

fundo, de preto. E a mulher está pintada da mesma forma que o outro homem.

Beatriz – Só se fores a dizer os contrastes das cores porque o que estava no primeiro plano do

outro também tinha o mesmo contraste que a mulher.

Daniel – E a mulher tem fato branco, também pode se relacionar com aquela lá do fundo, do pontão.

Vamos ver o próximo e depois falamos dos três.

Quem quer começar por descrever ou fazer uma interpretação?

Hugo – Uma alma, aquela coisa branca faz-me lembrar uma alma.

Uma alma?

Hugo – E parece que o homem está a sofrer, parece que o coração dele está a arder.

Sim. O que é que vos transmite?

Paula – Sofrimento, dor…

Sofrimento e dor porquê?

Paula – Porque está agarrado ao coração, está verde… dá uma sensação de dor.

Beatriz, querias falar sobre as árvores.

Beatriz – Sim, porque as copas das árvores estão negras, e isso transmite logo uma sensação de…

não sei!

Hugo – Tristeza, não?

Beatriz – Sim, tristeza, sofrimento.

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Temos outra vez as cores um bocadinho alteradas, não é?

Beatriz – Sim, e o homem está verde! Tem a mão branca e a cara verde.

Hugo – Parece que tem duas personalidades, e está a tentar evitar ao pôr a mão no coração que

uma das personalidades sobressaia!

Porque é que tu dizes duas personalidades? Onde é que tu vês isso?

Hugo – A cara dele parece estar a transformar-se e a mão parece ainda ter um bocado de uma

personalidade.

Mas achas que é por causa das cores diferentes na pele? A mão está branca e a cara esverdeada, achas

que é por causa disso?

Hugo – É.

Parece que não pertence aquela a pessoa? É isso que estás a tentar dizer?

Hugo – Algo apoderou-se dele, acho que esse algo que se apoderou dele tem a ver com aquela alma

que está ao lado. Acho que, por exemplo, não sei se ele sofreu alguma coisa, mas deve ter sofrido, e

acho que ele tem vários sentimentos e está a tentar evitar que o sentimento da raiva sobressaia. Ou

então, por exemplo, ele também pode estar a lutar entre as ideias do pensamento e as ideias do

coração.

Estás a dizer-me que há ali uma luta entre o pensamento e o coração? O sentimento e a razão, é isso?

Hugo – Sim.

Darpan – Professora, esta imagem parece ser muito a continuação da primeira e da segunda que

vimos.

Quais são as ligações que estabeleces?

Darpan – O homem e as cores.

Sim. O homem está sempre com umas roupas negras.

Darpan – Pois é.

Qual é o primeiro elemento que vês quando olhas para ali? O que é que te atrai?

Darpan – A mão do homem agarrado ao peito.

Estão ali duas figuras, uma masculina e uma feminina, haverá alguma relação entre elas? Podemos ir

explorar esse campo, não é? A relação entre elas, e se calhar podemos começar até por analisar a

posição em que elas estão, relativamente uma à outra.

Darpan – São opostas.

São opostas? E em que posição é que elas estão? Para onde é que elas olham?

Darpan – Para sentidos opostos.

Para sentidos opostos, portanto não estão em comunicação, não é?

Darpan – Não… caminhos diferentes.

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Caminhos diferentes. Ora bem, querem que eu vos diga o título?

Vários alunos – Sim.

O título é “Separação”.

Beatriz – As mulheres estão sempre representadas de branco e os homens de negro.

Darpan – Aquilo parece ser o mar, de cor amarela. Em que a mulher está lá.

Parece que a mulher está no mar?

Darpan – Quero dizer… não é mar, mas é parecido.

Beatriz, diz qual é a outra visão do caminho?

Beatriz – A cauda do vestido da mulher parece que abraça o caminho, daí a separação.

O vestido da mulher confunde-se com o caminho?

Beatriz – Sim, confunde-se com o caminho, exatamente. E depois há aquela sombra para o mar que

me dá a sensação que o mar só começa depois da sombra, por exemplo, aquilo é a sombra de um

muro ou de um tipo de caminho, uma coisa assim.

Onde é que está visível essa separação?

Daniel – Porque a mulher está a virar as costas para o homem e o homem está a agarrar no coração

dele, pelo menos é o que parece.

Será uma separação, de que tipo?

Daniel – Amorosa, não?

Hugo – É o seguinte, a separação também está ali, o caminho do vestido dela, não se toca com…

aquela parte verde. E quanto ao tipo de separação, acho que é do género de uma ilusão e o sonho

acabou, caíram na realidade.

Porque é que dizes que é ilusão?

Hugo – Porque a mulher parece ser má.

Por causa da maneira como está representada? Quem está mais definido, o homem ou a mulher?

Daniel – O homem.

Hugo – A mão do homem.

Vejam a relação a relação forte entre a mulher e a paisagem.

Daniel – Sim, o cabelo dela confunde-se com a paisagem, também.

Hugo – Parece que ela era a luz na vida dele e agora está a afastar-se.

Daniel – O anjo dele.

Beatriz – Estou a tentar estabelecer uma relação entre a mão dela e a mão dele.

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E então? A mão dele agarra o coração. O coração está junto ao corpo. A mão dela não está junto ao

corpo, pelo contrário.

Beatriz – Pois, dá uma sensação de distância.

Hugo – É o seguinte, supondo que o homem estava mesmo todo verde e a mão dele estava

vermelha. Parece que existe um traço dela nele, na mão.

Como assim? A cor?

Hugo – Sim. Tanto que no fim da mão dela é branco e também ele tem ali branco e os tons são

iguais.

Portanto a mão dela e a mão dele terminam em branco? Pelo tom podem representar…

Darpan – Uma alma gémea.

Se o título é “Separação”, pressupões que antes da separação houve o quê?

Beatriz – Uma relação.

Então se calhar a mão… vocês estão a estabelecer essa relação pela cor das mãos? É isso?

Daniel – O pintor pode através das suas pinturas transmitir os sentimentos que quer demonstrar, e

a máquina fotográfica não, é só uma cópia do real.

Hugo – A máquina fotográfica não consegue focar uma imagem … uma máquina fotográfica não

fazia sobressair, ficava tudo bem definido, por exemplo e ele aqui consegue.

Não faz alterações ao real? E o pintor, pode fazer isso. O que é que significará aqui o céu e o inferno?

Hugo – Ora bem, céu bem, inferno mal. Céu razão, inferno pensamento.

Razão e pensamento não é mais ou menos a mesma coisa?

Hugo – Não, não. Céu razão, inferno coração.

Se eu vos disser que aquela pintura, “Cinzas”, faz parte de uma série de pinturas que ele fez sobre o

tema morte… ele tem um conjunto sobre a vida e um sobre a morte. Que relação é que isso tem com a

vida e morte, o céu e o inferno?

Hugo – Não sei porquê, mas céu aqui representa morte e o inferno representa vida.

Achas?

Hugo – Acho.

Céu representa morte e o inferno vida, pode ser. O que eu acho aqui é que os temas que interessam têm

fundamentalmente a ver com isto, não é? Tem a ver com a morte e a ver com os aspetos dolorosos da

existência, não é? Acho que nós percebemos isso das três imagens.

SESSÃO Nº 4 _ HENRI MATISSE

S4A _ Grupo A _ Henri Matisse [13-05-2008]

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O Pedro quer começar por descrever o quadro.

Pedro – Vejo ali um fundo vermelho, ali aquela senhora, aquilo parece-me ser frutas, está ali um

quadro… acho que é um quadro ou uma janela. Uma cadeira ali, ali uns vasos.

Cláudia, queres acrescentar mais alguma coisa?

Cláudia – Sobre as cores?

Sobre a descrição da obra. Estamos a falar sobre as formas, enquadramento, contorno, o espaço, o

volume, as cores…

Cláudia – O espaço é assim um bocado pequeno…

O espaço é pequeno.

Cláudia – Parece uma sala. Tem alguns pormenores, o que realça mais é ali o amarelo, o branco da

saia da senhora. Depois aquilo é uma janela, parece-me com um bosque e em termos de pintura tem

muitas formas.

Formas de que tipo? Tipo de linhas?

Maria – Acho que o pintor neste quadro não quis dar muita atenção ao pormenor, podemos, por

exemplo, ver isso na decoração da parede e da toalha, porque a cor da parede e da toalha é igual,

por isso não são coisas que ele achasse importante. O que ele achou mais importante foi a

decoração da mesa, em termos das frutas e a mulher. Depois, também digo que não quis dar

atenção a muitos pormenores, por exemplo, ali, no canto superior esquerdo pode ser uma janela,

mas também pode ser um quadro, porque ele não põe vidros, não põe nada, outro aspeto que ele

não achou importante. O que ele achou mais importante foi, o facto de a mulher estar arrumar a

mesa, as coisas estão todas espalhadas e ela está a arrumar. Em termos de cor, o pintor só usou as

cores mais vivas para a fruta e para a mulher, logo, o que é mais importante para ele. Acho que o

vermelho não chama muito a atenção, o pintor não se interessou por isso, ele simplesmente pintou

o fundo todo de vermelho, depois fez a mesa, os pormenores azuis da toalha e isso.

Não se interessou pelo…

Maria – Por esses aspetos, da parede ser amarela ou vermelha, ele não se interessou.

Da cor real dos objetos?

Maria – Sim. Como por exemplo, a mesa, também não se interessou por isso, o que ele se interessou

mais foi a mulher e a posição dos objetos, também pelas cadeiras ele não se interessou, porque a

cadeira, do canto inferior esquerdo, falta-lhe uma perna na parte de trás. É outro pormenor que ele

também não se interessa muito, se a janela também for vista, também não se interessou, vê-se logo

pelas árvores. Em relação a linhas, o pintor usa mais as linhas curvas, usa as retas para a cadeira e

para a mesa, para ali para o quadro ou para a janela e pronto.

Dirias que o principal assunto…

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Maria – É… depende, se o quadro for antigo, ele quis retratar o seu tempo, se o quadro for mais

recente, ele quis retratar o tempo antigo, lá para o século XX. Digo antigamente, que era a mulher só

de gola alta e mangas compridas e a mulher trabalhava em casa e o homem ia trabalhar.

O quadro é de início do séc. XX.

Maria – Qualquer coisa assim.

Susana – Ela esteve a falar sobre a mulher que parecia uma dona de casa, e depois falaram sobre o

marido trabalhar fora mas para mim, quando eu olhei, quando eu vi para o quadro pareceu-me uma

criada, antigamente. Que trabalhava muito, era quase obrigada a fazer as coisas porque se ela não

fizesse mais ninguém fazia e parece-me muito solitária, quase não fala com ninguém.

Flávia – Eu concordo com a Susana porque a mulher transmite que é uma governanta daquelas

mais antigas, parece que ela se dedicava aos patrões, que era a única empregada lá naquela casa e

que fazia tudo. Era a governanta, a amiga, parece que … transformou-se num móvel da casa. Que ela

é o essencial.

Dizes que ela se tornou num móvel da casa por alguma coisa que tu estejas a ver ali?

Flávia – Pelo ar dela, parece que é uma rotina.

Susana – Parece insignificante.

Insignificante. Acham que a importância da figura e dos objetos é semelhante?

Susana – É o mesmo.

Raquel – Eu acho é que ela tem mais é um ar triste, ou então está mesmo concentrada a fazer o que

quer.

Acham que as cores foram bem escolhidas?

Maria – Depende.

Depende?

Maria – Se o objetivo do pintor era retratar essencialmente a mulher e a posição dos objetos, foi

bem escolhida, agora se ele queria dar importância a tudo, foi mal escolhida.

Então vamos partir da primeira suposição, se o que ele queria era dar mais importância à mulher a

aos objetos, foi bem escolhida porquê?

Maria – Porque é o que chama menos a atenção, e é porque é o que é mais pobre por assim dizer, é

o azul e o vermelho, depois o azul é muito escuro e o vermelho também, é uma coisa que não dá

muita importância, tal como fez exatamente a mesma decoração na parede e na toalha.

Raquel – Eu acho que as cores estão bem e não estão bem por causa do vermelho e do azul, para o

tipo de casa que é, se for uma casa antiquada até que ficava bem, naquele tempo era mesmo assim, é

tudo muito escuro. Agora, se fosse mais um retrato de há pouco, as cores já não estão lá muito bem

escolhidas porque já não se usa muito este tipo de cores.

E alguém quer fazer alguma observação relativamente à representação do espaço? Existe

profundidade, perspetiva, tridimensionalidade?

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Maria – O único que parece que dá profundidade e mesmo assim é muito pouca, é a janela ou é o

quadro que eu não sei o que é aquilo. Devido às cores, o verde da árvore, aquele verde azulado.

Porque se distingue do resto porque à volta é tudo vermelho, depois na moldura ou no parapeito da

janela é o amarelo e vai distinguir-se um pouco com o azul no fundo.

Então qual é o efeito que nós já vimos em algumas outras obras e em alguns trabalhos vossos? Do

vermelho, laranja e do verde, em termos visuais, e do azul? Como é que tu classificas essas cores?

Maria – Quentes e frias.

E o que é que fazem as cores frias? Em termos de efeito visual?

Maria – Profundidade. Não… sim! Profundidade.

Profundidade.

E as cores quentes?

Maria – Proximidade. O vermelho é quente devido ao escuro que é e aquelas cores são mais claras,

as da janela ou do quadro.

Portanto, achas que a única representação de profundidade…

Maria – É mesmo aquele espaço só, porque até a cadeira parece que está a vir cá para fora, a

cadeira do canto inferior esquerdo.

Qual é que vocês acham que é o assunto… já me disseram muitos que é a vida quotidiana noutros

tempos. E agora gostaria de ouvir o que vocês pensam, a pessoa que fez este quadro dava mais

importância às linhas, às cores, aos contornos, em termos visuais, a que é que esta pessoa está a dar

mais importância?

Liliana – Eu acho que está a dar mais importância aos objetos, não liga muito…

Mas será, em termos de elementos visuais, às linhas ou às cores?

Liliana – Às duas coisas.

Às duas coisas?

Liliana – Sim…

Ou às superfícies…

Liliana – Não, mesmo onde os objetos estão situados…

Isso é as superfícies onde eles estão.

Liliana – Sim, e não liga muito à cadeira nem à mesa e aquele azul.

Vocês olham primeiro para quê?

Liliana – Para o meio, para aquela que está a segurar a fruta.

Para aquela fruteira que está no meio. Alguém tem uma opinião diferente?

Maria – Não, eu tenho a mesma opinião, estava a dizer da pergunta há pouco… era o que é que o

pintor…

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Valorizava mais em termos de elementos…

Maria – É a cor, nem sequer é a linha porque nas frutas a linha não esta muito bem distinguida,

acho que é mesmo só a cor porque não tem sombras nem nada. Só quis mesmo representar a cor.

Não tem sombras, isso é importante, ainda não tinham reparado. Ele não faz a utilização de uma coisa,

que é uma estratégia para dar volume que vocês utilizam vosso desenho, que é a passagem do mais

claro para o mais escuro. Isso não acontece aqui, pois não?

Maria – O único que há é na camisola da mulher, só que é…

É ligeiramente.

Raquel – Eu acho que isso do mais escuro aplica-se nos contornos que ele fez na mesa como na

parede.

Mas isso não quer dizer que seja sombra.

Raquel – Sim, não tem nada a ver com sombra, é mais distinguir a cor escura, como o desenho é

todo à base de cores quentes ele então fez isso mais para realçar o desenho em si.

Flávia – Eu discordo da Raquel, eu acho que a linha ali mais escura na parede é para demonstrar a

fronteira entre a parede e a mesa.

Estás a falar desta linha horizontal?

Flávia – Sim.

É a fronteira…

Flávia – Entra a parede e a mesa.

E então onde é que termina a mesa?

Raquel – Não termina, acho eu.

Pedro – Acho que a mesa continua para cá.

Nós ali não estamos a ver o seu limite, em termos de conteúdo, o que é que significará? Ou em termos

de sentimento o que é que vos transmite?

Raquel – Eu acho que vermelho e aquele azul misturado fazem um bocado de tristeza.

Flávia – Parece que é uma casa pesada, a nível de um pouco de tudo.

Está muito preenchido o espaço. Nesta pintura quais terão sido as principais dificuldades? Detectam

incapacidades ou dificuldades nesta pintura?

Raquel – Eu acho que na parte de fora, eu ainda não sei bem se aquilo é um quadro ou uma janela,

mas se por acaso for uma janela, eu acho que ele não fez as ervas nem as árvores todas bem

feitinhas, nem parece que é uma janela, parece que é um quadro feito assim como…

Achas que isso é uma incapacidade?

Raquel – Pode não ser incapacidade mas o que eu sei é que ele não fez isso bem.

Maria – Não teve dificuldade porque o que a Raquel disse da parte da janela foi o que eu também já

estive a explicar há pouco, que o que interessa é só a fruta e a mulher, mais nada, por isso ele não

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deu muita atenção aos pormenores. Ele não fez a erva do fundo, simplesmente pintou tudo mas a de

cá da frente já fez, foi mesmo só por não querer ligar àquilo.

E que tipo de ligação é que vocês conseguem estabelecer com esta obra? Ligação que tenha a ver mais

com ideias, mais com emoções…

Maria – Ideias. Sim, isto, emoção não me traz nenhuma.

Não desperta nenhuma emoção?

Maria – Simplicidade só.

Para ti representa simplicidade?

Maria – Sim.

O que é que vos atrai mais nesta pintura? É o tema representado ou é o estilo de representação? Ou

seja, a forma como foi feito.

Maria – O estilo, porque nós primeiro vemos a obra, pensamos na obra e só depois é que vemos o

que é que tem a ver e isso tudo.

Então, estás a dizer-me… isso é interessante. Desenvolve essa ideia.

Maria – Primeiro vejo a obra, olho para o centro, a primeira coisa que olhei foi a fruteira no meio,

depois olhei para a mulher, depois é que vi a posição dos objetos. Ao princípio não notei a linha da

mesa, vi a linha da mesa a separar a da parede mas não liguei, depois é que comecei a ver que a

parede era igual ao que supostamente podia ser a mesa. Depois é que comecei a ligar mais aos

pormenores, e só depois disso tudo é que pensei qual seria o tema.

Muito bem, queres dizer que primeiro és sensível aos aspetos puramente visuais.

Maria – As cores e isso. E só depois disso tudo é que penso em qual seria o tema.

Muito bem, mais alguém quer continuar? Parece-vos um bom quadro? Querem emitir algum juízo de

valor?

Cláudia – É um bom quadro mas não gostei muito, acho que foi um dos quadros que eu menos

gostei.

Porquê?

Cláudia – Porque aquelas imagens ali estão um bocado mal.

Em termos de quê?

Cláudia – Não ficam assim muito bem no quadro e depois as cores também não têm nada a ver

umas com as outras e por isso eu não gosto muito.

E achas que não é um bom quadro, então?

Cláudia – Mais ou menos.

Consegues fazer alguma distinção entre é um bom quadro e “eu não gosto por isso é mau”?

Cláudia – Não, é um bom quadro mas eu não gosto.

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Em que é que te baseias para fazer essa distinção? Como é que tu fazes isso? Eu já percebi o que é que

tu não gostas mas então porque é que tu não dizes que é mau?

Cláudia – Porque aos olhos do pintor ele quis retratar um momento, pode-se dizer assim, mas o

que ele quer dizer está lá.

O que é que ele quererá dizer?

Cláudia – Acho que é isso da vida quotidiana.

Um momento na vida daquela mulher?

Cláudia – Sim, exatamente.

Liliana – Eu gosto do quadro, acho que é um bom quadro.

Consegues tentar dizer-me porquê?

Liliana – Eu gosto porque as formas estão bem feitas, as cores não estão muito bem interligadas

mas gosto!

Não estão interligadas?

Liliana – São muito distintas, são umas das outras e acho que é um bom quadro porque representa

a vida de muitas mulheres que fazem o que gostam e às vezes são desvalorizadas por isso.

Daí consegues começar a dar uma ideia do que para ti é importante na arte, o que é que é importante?

Liliana – Mostrar o que as outras pessoas gostam de fazer, o que elas realmente gostam.

Imagina que estamos em 1908, a data desta pintura. Por exemplo, se eu tivesse a dar aulas numa

turma feminina em 1908, tu estarias a ver com os mesmos olhos que estás a ver agora? Tu como

observadora serias igual? Tu achas que muda alguma coisa o facto de o público de 1908 olhar para

isto para o facto de ser o publico de 2008?

Liliana – Porque a mentalidade é diferente.

Maria – A liberdade que se tem agora e que não se tinha antigamente. Uma mulher de casa que faz

isso agora é porque gosta, antigamente era porque tinha que fazer porque não tinha outro remédio.

Mas em termos da tua opinião, gostas?

Maria – Em termos de quadros eu acho que todos os quadros são bons, seja feito por quem for.

Porque é que todos são bons?

Maria – Acho que todos os quadros são bons. A minha opinião foi sempre: toda a gente consegue

desenhar e pintar, mesmo não sendo bem, desenhou, é por isso que eu acho que todos os quadros

são bons, porque toda a gente que desenha gosta daquilo que desenha. Agora, em termos de opinião

pessoal, se eu gosto ou se eu não gosto, este não é um dos quadros que eu gosto mais. Prefiro

quadros abstratos ou então quadros reais, não gosto nem desgosto.

E em termos de época, tu em 1908, imagina o que é que mudaria enquanto espectadora?

Maria – Eu não gostaria do quadro de certeza absoluta, porque estaria a representar aquilo que eu

tinha de fazer sendo obrigada. Por isso eu não ia gostar.

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Raquel – Eu gosto de umas partes do quadro mas há outras que não gosto. Não gosto da parte da

tal janela, não gosto como ele como ele fez aquilo “mesmo à balda”, desculpem lá a expressão, mas

também gostei dos desenhos que ele fez também na parede e na mesa.

Então achas que foi isso que te surpreendeu?

Raquel – Foi! Porque é assim, sempre gostei muito de fazer esses desenhos assim.

Desenhos mais decorativos?

Raquel – Sim o que ele fez ali não está assim tão mal como parece, agora se ele tivesse mais cuidado

com a parte da janela acho que até ficava fixe.

Flávia – Considero um bom quadro porque eu acho que o pintor transmite para a tela o que podia

transmitir mas não faz o meu género de quadro. Eu prefiro coisas assim mais… que retratem outras

coisas. E como observadora de hoje ou observadora de antigamente eu acho que a minha opinião

iria mudar porque antigamente as mulheres eram educadas para fazerem o que está no quadro.

Então queres dizer que hoje há um distanciamento deste assunto.

Flávia – Sim, hoje em dia até a educação não se centra muito nesta parte. Eu acho que as mulheres

antigamente tinham uma certa pressão por todas as partes, a mãe, o pai, a avó. Hoje em dia não, é

mais a mãe que chama à parte.

Susana – Eu acho que antigamente… este quadro, como já é muito antigo, as pessoas na altura que

olhavam para este quadro, as raparigas, penso que talvez achassem isso normal, no tempo delas.

Agora nós estamos mais modernizados… não damos tanta importância…

Já não faz parte do vosso dia-a-dia?

Susana – Sim.

Quem é que quer falar um bocadinho desta imagem?

Cláudia – É um quadro muito simples, as figuras não estão mal desenhadas. O pijama do homem é

bonito. O azul da parede é o que chama mais a atenção, acho que ela ali tem uma mancha na testa,

não é?

Flávia – Considero um bom quadro, é bonito, eu gosto. Transmite simplicidade e harmonia entre o

homem e a mulher.

Raquel – Gostei do quadro, até nem é assim tão mau… tirando a parte da parede ser todo azul, a

cadeira ser azul. Uma pessoa quando está a olhar para isso … a mulher está sentada no ar, não se vê

a cadeira.

Mas depois consegues vê-la?

Raquel – Sim, depois vê-se os contornos, mas o que eu acho que está mal no quadro é ser tudo à

base de azul e depois o vestido da mulher é logo preto, estão a ver? Acho que não é lá muito fixe.

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Liliana – O contraste das cores, o preto e o azul.

O que é que tem?

Liliana – Até acho que fica bem, é um bom contraste, depois ali o verde mistura muito as cores.

Achas que tem muita cor?

Liliana – Não, não a mistura das cores… estão bem. Qual é o titulo do quadro?

Maria – Eu acho que não existe contraste nenhum entre o azul e o preto, porque o azul é escuro e o

preto também é escuro. Não existe contraste, onde existe o contraste é no verde e no azul da janela.

Agora em termos de representação do quadro eu acho que isto é uma viúva que precisa de um

bocadinho de carinho humano, porque está vestida com um grande decote, e um homem de pijama,

eu acho que isso não é muito normal mas pronto.

Liliana – Qual é o titulo do quadro?

O título é “Conversa”.

Raquel – Este quadro aqui tem mais a ver com… é mais tipo um quadro abstrato? É por causa ali do

jardim, não parece…

É abstrato? Nós dizemos que é abstrato quando não representa algo que nós conseguimos identificar,

ou nomear.

Raquel – Então nesse caso…

Maria – Parece ser desenhado por uma criança.

Porquê?

Maria – Porque o meu irmão faz assim as árvores.

Quantos anos é que tem o teu irmão?

Maria – Tem oito. Como a professora já disse o título, o principal que ele quis era o homem e a

mulher, mais nada, de resto ele fez ali umas coisinhas a vermelho, que eu não sei o que é aquilo na

janela, uma árvore assim, com dois troncos, e sem folhas sem nada, pura e simplesmente não se

interessou!

Portanto temos outra vez…

Maria – Aquilo que tínhamos no outro quadro. Só se interessou por fazer o essencial, o que ele

queria, o resto é à parte.

Estão o que é que será mais importante, a cor, a linha, as superfícies, a profundidade, a perspetiva?

Maria – A interação entre os dois.

A interação entre os dois?

Maria – Porque… devido às expressões de cada um, o homem está a olhar para baixo e a mulher

está a olhar para cima.

Exato, portanto eles estão a comunicar?

Maria – Sim. Foi pelas expressões que ele se interessou mais.

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Qual é a diferença essencial entre estas pessoas e esta janela e as outras que nós já vimos?

Maria – Os outros quadros das outras aulas?

Que têm uma situação semelhante. Têm pessoas dentro de um espaço e têm uma janela.

Maria – Nas primeiras aulas, vimos aquilo que não tem nada a ver com isto, estava a pessoa dentro

de casa e a janela mas, em termos de…

Significado?

Maria – Significado, é completamente diferente porque vimos um em que era a mulher sozinha no

quarto e que aí já tinha sombra e já era mais pormenorizado, ao contrário deste. Eu acho que este

pintor ao contrário do outro o que quer dar mais importância aqui é as expressões, é o… não é

expressões, é o… não sei explicar o que ele pretende com as pessoas. Nos outros quadros, acho que

os pintores pretendiam mais com a paisagem do que com as pessoas, este aqui pretende mais com

as pessoas… não me estou a explicar, professora…

Por acaso eu se calhar até dizia o contrário.

Maria – Não… porque eu acho que as paisagens, neste aqui, não significam nada, nos outros tinham

mais significado.

Se calhar também tinham mais significado porque as pessoas estavam a olhar para fora, não é?

Maria – Também.

Vamos falar então sobre esta pintura, alguém a quer descrever ?

Raquel – Eu acho que tem muitas cores e que tem mais vida que o primeiro que a gente viu, não

tem assim tanto peso. Tem mais cores frias e também tem várias misturas, na parte da parede

temos um castanho e depois um azul.

E em termos da figura humana? O que é que vos parece que significa ou o que é que está a acontecer?

Flávia – Parece que o pintor mudou de técnicas. A única coisa que o pintor manteve foi as linhas

curvas, só a única coisa que ele manteve.

Linhas curvas? Mas por exemplo, relaciona com o primeiro, há muito mais coisas em comum.

Flávia – Os olhos da mulher, as linhas, os olhos da mulher… neste quadro ele usou mais cores.

Ainda preencheu mais.

Maria – Acho que o pintor aquilo que pretende, como eu já disse da outra vez, eu acho que ele aqui

pretende mais com as pessoa do que o resto à volta porque aqui a mulher está a sonhar.

Maria – Aqui como a mulher está a sonhar acho que ele…

Porque é que tu dizes que está a sonhar e não dizes que está a dormir?

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Maria – Por causa do que está a volta. Devido á técnica, está… muito solto, por exemplo, ali está o

vaso mas as plantas estão para o lado, na parte superior esquerda, está o vaso mas as plantas estão

ao lado. Eu acho que com essa técnica diferente ele conseguiu representar exatamente isso, o sonho,

a fantasia, porque as flores que estão coladas à parede ou a voar ou assim.

O título é “Natureza morta com mulher adormecida”. Compara com os anteriores, há muita coisa em

comum ?

Maria – Sim, as mesas e isso, mas por exemplo, nos outros estava tudo muito estático porque as

pessoas estavam acordadas, aqui já não, quanto à mesa está assim às voltinhas.

Então quer dizer que o rodopio é um elemento que dá mais liberdade não é?

Maria – Tipo fantasia ou assim…

S4B_ Grupo B_ Henri Matisse [13-05-2008]

A Maria Carolina quer começar por descrever o quadro.

Maria Carolina – Acho que este quadro tem uma cor muito berrante mas depois, mesmo por

detrás dessa cor berrante, há outros sentimentos que vêm detrás, aquelas flores murchas. Portanto,

logo ao princípio parece que é um quadro alegre, não é? Feio mas alegre, mas depois se observamos

melhor, vimos as flores murchas e já parece ser triste.

Carolina – Mas eu não sei onde estão flores murchas…

Maria Carolina – Aqui, se isso não é murcho, é parecido.

Estás a falar dos azuis em primeiro plano?

Maria Carolina – Sim. Depois há coisas aqui que não batem lá muito certo como a cadeira em cima

da mesa.

A cadeira em cima da mesa?

Maria Carolina – Esta coisa aqui na ponta… depois, lá fora acho que é a única coisa que tem

alguma piada. Aquelas árvores e aquela casa.

Vou pedir-vos para se centrarem na descrição.

Carolina – Acho que este quadro não é… os objetos não são proporcionais uns com os outros.

Depois, apela muito à imaginação, acho que isto é tudo menos real. Aquilo lá fora, acho que vai

contrariar tudo o que está cá dentro, são outros estilos de cores. Cá dentro são cores mais alegres a

de lá fora já está tudo mais triste.

E é só por isso que vai contrariar?

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Maria Carolina – E a cara dela. Cá dentro… eu acho que a cara dela também contraria o ambiente,

talvez por estar a olhar para baixo, não é? Tanto pode estar a arranjar as flores ou a fruta ou pode

estar deprimida. Acho que a cara dela combina com a rua e depois as frutas e essas coisas todas às

cores combinam com a cor viva que está atrás.

Carolina – Aquilo lá fora é muito vasto enquanto cá dentro está muito cheio, muito mais juntinho,

temos as florezinhas, aquelas plantinhas que estão ali amarelas e lá fora só há uma arvorezinha e

uma casinha lá ao fundo.

Mais simples é isso?

Carolina – Sim é muito mais simples e aqui, o pintor concentrou-se mais em pormenorizar o que

está aqui mais sobressaído, esta parte cor-de-rosa enquanto lá fora, assim para variar um

bocadinho…

Maria Carolina – Para simplificar. Parece que já estava com preguiça e…

Carolina – Não tinha mais nada com que fazer.

Raquel – Eu acho que até é um quadro muito vivo, com muita cor e também concordo com a

Carolina no que ela disse de as cores de dentro são muito diferentes com as de fora, mas não

concordo que as cores de fora sejam muito tristes porque depois temos ali o céu que é muito azul e

a casa também é cor-de-rosa. Cá dentro há muito cor-de-rosa, muito choque, lá fora, há mais o verde

e o azul. Acho que o que também sobressai um bocado cá dentro é a mulher porque está numa

camisola azul num fundo cor-de-rosa e o cabelo dela também e esta cadeira, deste lado aqui

também sobressai. Depois a mesa não se percebe muito bem onde acaba a toalha da mesa porque é

da cor da parede e também acho um bocado estranho porque ela está a pôr frutas separadas em

cima da mesa é um bocado estranho.

O que é que isso te faz lembrar, te faz pensar? Alguma justificação para isso?

Raquel – Pois, aquilo parece ser uma taça de fruta e depois com uma jarra de flores lá dentro. Não

sei o que é que me faz lembrar.

Pryial – Concordo, como a Raquel disse, eu acho que a toalha confunde-se com as paredes, o facto

de ser da mesma cor e também ter a mesma estampagem das flores azuis.

Elas estão onde?

Pryial – Na parede e na toalha. Quando eu olhei para aqui a primeira coisa que deu mais nas vistas

foi mesmo o rosa e o amarelo da cadeira e depois foi a saia branca da mulher. E depois, da primeira

vez que olho para o quadro parece de muita alegria mas se formos a ver com mais pormenores eu

acho que a cara da mulher tem um bocado de um ar mais triste e, a comparar com a parte de dentro

e a parte de fora, a parte de fora é mais triste que a parte de dentro.

Porque é que é mais triste?

Pryial – Por causa das cores, porque as cores da casa são vivas de mais e as de fora têm um tom

mais claro.

Não será simplesmente porque o verde é uma cor fria?

Pryial – Não sei, é também por causa do céu, é uma cor viva, não digo que não mas dá um ar mais

triste, eu acho que é a mistura de dois sentimentos.

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E o interior vermelho, não seria mesmo vermelho? Não sei, tu disseste a cor de dentro, o facto de ser

daquela cor, achas que é a cor real ou que é uma cor alterada?

Pryial – Alterada.

Clara – Eu acho que o pintor quando fez este quadro não quis dar pormenores a nada. As formas

não estão muito definidas, o que está mais só se for a cadeira, porque a mulher, a forma da cara e

tudo não está bem definido e as cores também, as cores… quase nenhuma casa é dessa cor, depois

tem aquelas coisas na parede, não sei o que é aquilo, deve ser umas pinturas na parede. E também

acho aquilo que eles já disseram, o lado cá dentro da casa faz muito contraste com o lado de lá de

fora, deve ser essa a intenção.

E então, porque é que as estarão alteradas?

Clara – Deve ser para mostrar um sentimento diferente, uma ação diferente, não sei…

E em termos de elementos visuais, quais é que predominam? Linhas, cores, manchas… o que é que te

parece?

Clara – As cores, que há uma parte que está amarela e outra já está cor-de-rosa e outra já está azul,

está tudo misturado.

O que é que te parece mais importante? É a cor, a linha…

Clara – As cores e as linhas também são muito…

Muito? Diz a palavra…

Clara – Onduladas… não são tipo formas geométricas nem nada disso, não está nada definido.

Carolina – Na parte de dentro, outra coisa que distingue também bastante os sentimentos é temos

ali as frutas e aquelas flores, que estão ao lado da cadeira de fundo, amarelas vivas e depois aqui

mais em primeiro plano temos linhas mais curvas, flores como elas diziam, praticamente murchas e

eu acho que são duas formas de exprimir sentimentos.

Então, que sentimentos é que te comunica?

Carolina – Então, aqui os roxos tristeza e os amarelos e as frutas mais alegria, mais ânimo.

Mas algum deles predomina?

Carolina – Eu acho que é a tristeza.

Maria Carolina – Eu acho que predomina a alegria porque a casa como é maior choca mais. E as

coisas mais tristes acho que não são assim tão destacadas. Eu acho que quando o pintor estava a

fazer este quadro, estava com dois sentimentos na sua cabeça… na vida pessoal, não sei. Acho que

quando as pessoas pintam têm sentimentos, e vai fluindo… depois como ele estava a sentir duas

coisas ao mesmo tempo transmitiu isso para o quadro e acho que isso ele conseguiu

E achas que predomina a alegria?

Maria Carolina – Predomina a alegria, acho que estava mais feliz do que triste.

Raquel – Eu acho que este quadro é alegre porque para mim as flores roxas não transmitem muita

tristeza porque como estão em menor quantidade do que o rosa e as cores mais vivas, acho que não

transmite assim muita tristeza. E acho que é um quadro alegre que transmite alegria e vivacidade

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porque as cores estão muito vivas. E lá fora, também, o azul… o verde até pode não ser uma cor

muito alegre mas depois como tem o azul lá atrás acho que parece que está um bom dia e isso assim.

Vamos concluir a descrição já falamos nas formas, já falamos nas linhas, nos objetos também falamos.

Não falámos ainda dos contornos, nem do espaço nem do volume.

Raquel – Então, os contornos da mesa não se distinguem muito bem por causa da cor da parede e

dos desenhos pintados que são os mesmos. Depois, acho que o pintor preocupou-se em

pormenorizar o que está cá dentro, como elas já disseram, por exemplo, as taças onde está a fruta

está muito mais pormenorizado do que lá fora. Lá fora também está, as árvores e isso, mas aqui

dentro acho que está mais, a cadeira, os recortes da cadeira fazem parecer que aquilo é uma cadeira

de palha.

E em termos do volume dos objetos, e de profundidade do espaço?

Raquel – Dá-nos uma sensação que o pintor está perto da mesa, acho que é isso.

Pryial – A professora estava a falar de dimensão, eu acho que só a parede tem espessura, que

mostra que tem a terceira dimensão.

A terceira dimensão está representada naquela espessura. A laranja e amarelo, é?

Pryial – Sim.

E os objetos?

Pryial – Tem assim mais ou menos um bocadinho de sombra e tal mas não se destaca tanto como a

parede.

Maria Carolina – Eu concordo muito com a Pryial, por acaso não tinha reparado naquele

pormenor.

O resto não tem volume?

Maria Carolina – Não, acho que a mulher parece que está pintada na parede.

Recortada?

Maria Carolina – Sim.

E os frutos?

Maria Carolina – Os frutos… alguns sim, outros não. Por exemplo, aqueles ali que estão na mão

dela parece que estão pintados na parede, mas aqueles tomates, ou abóboras já parecem a sério,

não sei, já parece que têm algum volume. As plantas também parece que estão estampadas na

parede, aquelas lá em cima parecem pintadas e estas fazem-nos deduzir que estejam pintadas.

Aquela cadeira é um bocado estranha, parece que são duas cadeiras empilhadas porque tem…

bolinhas, muitas bolinhas. Aquela coisa verde com folhas é arbustos?

Sim.

Pryial – Professora, pode dizer o título?

A tradução mais conhecida em português é “Harmonia em vermelho”.

Maria Carolina – Isso não é vermelho. É magenta!

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Maria Carolina – Harmonia, não acho nada que tenha harmonia.

Não achas que tenha harmonia?

Maria Carolina – Não, não acho.

Não achas porquê?

Maria Carolina – Não gosto da disposição das coisas, acho que há sítios muito cheios e há sítios

muito vazios.

Raquel – Eu acho que as coisas têm um ar harmonizado porque as cores estão bem dispostas pelo

quadro, por exemplo em cima da mesa há muitos amarelos, depois aqui em baixo e lá em cima há

mais azuis, aqueles desenhos, lá fora mais os verdes e eu acho que assim está bem.

Há uma compensação na distribuição das cores, não é? Mais alguém quer falar sobre o título do

quadro?

Clara –A mim parece-me harmonioso por causa de estar em casa, eu acho que a cor é uma cor

alegre e por causa da mesa ter lá as frutinhas, as florezinhas dá um…

O que é que simboliza a mesa para ti?

Clara – Dá um ar tipo familiar...não sei… é uma coisa harmoniosa.

Vocês acham que é um bom quadro ou não e porquê?

Clara – Eu pessoalmente não gosto do quadro. Não gosto porque não gosto como as formas estão

desenhadas e não me traz assim muito interesse. Não gosto muito das cores, também, acho que são

um bocadinho chocantes de mais, acho que estão umas cores muito vivas, o amarelo, aquela cor

toda.

E a forma como está desenhado ou pintado? Não te agrada em quê?

Clara – As formas, por exemplo a cara da mulher, o quadro parece harmonioso mas depois a cara

da mulher não parece muito alegre, acho que não fica muito bem.

Então achas que é um mau quadro?

Clara – Não é ser um mau quadro, mas não gosto muito.

Marta – Eu não gosto do quadro por causa… também da cor, acho que é demasiado vermelho e

também há muitos objetos, devia estar com menos coisas.

Os objetos?

Marta – Os desenhos, e tudo em cima da mesa… fica um bocado pesado.

Raquel – Eu acho que é um bom quadro, porque apela à nossa imaginação. Porque é que o pintor há

de ter pintado assim? Porque não é uma coisa real, ninguém ia ter uma mesa destas em casa nem

uma parede, acho eu. Mas gosto do quadro, acho que utilizou bem as cores, porque se ele queria

transmitir uma ideia de alegria ou de diversidade acho que, se era isso que ele queria transmitir,

acho que conseguiu porque as cores são bastante fortes. Para o quadro que quer transmitir acho

que está bem assim.

E o que é que te atrai mais? É o tema ou o estilo, a maneira como foi feito?

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Raquel – O estilo.

Que novidades é que encontras? Relativamente ao que temos estado a ver?

Raquel – Acho que é mais redondo tudo mais… com linhas menos retas, porque nos outros só as

pessoas são mais redondas. Gosto mais destes quadros assim menos, como menos linhas retas.

Carolina – Eu pessoalmente não gosto do quadro, ao contrário de todos que já vimos, este é o que

menos transmite. É o que menos volume tem, acho que está muito borrado por causa do vermelho

ou do rosa. Os ângulos não estão lá muito definidos, acho que o volume só se nota naquela parte da

janela, ali o amarelo, laranja, acho que é aí. Depois as linhas, é tudo muito curvo, eu detesto coisas

muito curvas, eu gosto mas não pode ser tudo curvo. As cores, são muito vivas, transmite muito…

assim por exemplo, estamos a ver uma imagem toda preta e aparece isto à frente dá muito…

exaltação aos olhos e pronto.

Maria Carolina – Eu não gosto do quadro, sou da opinião dos meus colegas. Eu não gosto do

quadro também pela cor, acho que a cor foi muito mal escolhida.

Onde é que vês isso?

Maria Carolina – Porque o quadro, se nós observamos o quadro transmite uma coisa, mas como

tem a aquela cor berrante por detrás dos objetos…

Achas que há uma contradição?

Maria Carolina – Há uma contradição de sentimentos. A alegria e a tristeza são sentimentos

completamente opostos. Acho que as cores não ficam bem umas com as outras.

Que tipo de cores é que são? Em termos daquilo que vocês já aprenderam da classificação das cores?

Maria Carolina – São cores quentes e frias.

Carolina – Quentes cá dentro e frias lá fora.

Carolina – São cores primárias.

Quais são? Enumera-as.

Carolina – Amarelo, magenta e azul.

Por isso é que os contrastes são muito fortes. As cores primárias, são aquelas que têm menos mistura,

são as mais puras.

Carolina – O branco ali puxa muito a atenção a seguir ao cor-de-rosa.

Por isso é que é tão forte.

Carolina – Mas eu não gosto do quadro, não gosto do tipo de desenho.

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Raquel – Eu acho que este quadro vê-se mesmo que é do mesmo pintor por causa de uma coisa,

quero dizer, eu não vi muitos ainda mas a cadeira, a cadeira é igual à mesa do outro quadro, não se

percebe bem onde acaba, é como o outro, este é azul o outro é rosa mas é a mesma coisa. Eu gosto

mais deste quadro do que do outro, gosto mais deste. Eu gosto muito é da parte de fora, acho que a

árvore é diferente das outras que ele desenhou, está diferente das outras, está mais gira. E depois

ali atrás também onde está cor-de-rosa e cor de laranja parece um edifício. Cá dentro é um

bocadinho estranho porque só se vê a cadeira o homem e a mulher depois aqui não se vê onde

acaba o chão, nem onde começa a parede, não tem nada na parede.

O que é que tem de comum com o anterior?

Raquel – A cadeira. A cor, não se percebe onde é que acaba. Só que, acho que este está diferente do

outro, o outro estava mais cheio cá dentro e mais vazio lá fora e este parece que está mais vazio cá

dentro e mais cheio lá fora.

E o facto de existir aqui uma janela e em outros trabalhos que nós vimos de outros pintores também

existir uma janela?

Raquel – O sol parece que está a vir mais para este lado porque o homem está mais iluminado do

que a mulher, e também o que chama a atenção é a mulher, porque o homem é azul e a mulher está

toda de preto. E a grade também, a grade da janela também chama a atenção.

E em termos de relação entre as figuras, parece que existe alguma ou não?

Raquel – Sim, parece que eles estão a interagir um com o outro, estão a olhar um para o outro.

Bruna – Eu concordo com a Raquel, a única coisa que eu não gosto neste quadro é a mulher, não

gosto muito da cara dela.

Mas a cara, é a expressão ou é a forma?

Bruna – É a forma e a expressão dela.

Então, explica lá melhor.

Bruna – A forma parece que ela… está a cair para o lado. Sim, está a apagar. E a cor da pele dela não

é a mesma do que a do homem, mas está mais amarela, mais pálida e isso parece… parece que está

morta. É uma grande diferença entre o homem e a mulher.

Carolina – O homem está mais bronzeado.

Bruna – E eu gosto mais do homem do que da mulher.

Carolina – O que eu acho que mais diferencia entre este quadro e o outro é lá fora. Aqui o pintor

preocupa-se mais em caracterizar o exterior, nas plantas no caminho e um edifício lá ao fundo.

Depois, o que caracteriza o pintor, acho que são duas coisas, a falta de transmissão do início e do

fim das coisas, dos contornos, tudo mal definido, aquelas cores todas, mal se percebe onde é que ela

acaba onde é que começa, e outra coisa, também, as formas aqui na grade aquela coisa preta é tudo

muito redondo. E não concordo com a Raquel quando ela diz que a luz era para aquele lado, eu acho

que é para o outro porque acho que a cara da mulher está muito mais clara que a do homem e a do

homem vê-se ali uma espécie de sombra, está aqui tudo… parece que tem aqui uma manchinha

mais branca que a da mulher só se vê luz, a roupa dela é que é mais escura.

E em termos de espaço, de profundidade, perspetiva?

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Carolina – Não tem. É… não tem. E o outro sempre tinha um bocado de volume na janela, este aqui

não.

Maria Carolina – Acho que o que caracteriza este pintor é as formas recortadas, parece que foi

recorta cola, recorta cola.

São planas as cores, não é?

Maria Carolina – São.

Posso dizer que no final da sua carreira ele dedicou-se às colagens.

Maria Carolina – Ah! Pois.

Não te surpreende?

Maria Carolina – Não me surpreende. Eu acho que o pintor deu mais importância também à rua,

só que o ar das pessoas dá a ideia de pensar ou que acabaram de ter uma discussão e estão a olhar

um para o outro tipo “eu não acredito que fizemos isto”. Eu gosto da árvore mas parece uma árvore

assim desenhada à menino da primária.

Mas porque é que ele desenha assim? Não sabe desenhar melhor?

Maria Carolina – Não, se calhar gosta. Não acredito que um pintor que tenha sido reconhecido não

saiba desenhar melhor que isso, se não até eu desenhava melhor que isso.

Outro aluno – Ou não…

Maria Carolina – Ou não, também acho.

Maria Carolina – E ela tem uma testa preta não sei porquê, se calhar levou porrada…

Outra – Ou então foi para o carnaval.

O título pintura é” Conversa”.

Clara – Ao contrário da outra pintura, eu não acho isto assim tão harmonioso por causa das cores e

por causa… a mulher parece que está ali á algum tempo a apreciar a paisagem parece que o homem

acabou de acordar e parece-me que está de pijama, acabou de acordar… parece que estão ali a falar

mas não parecem muito contentes, a expressão da cara. A expressão da cara… não parecem muito

contentes. Mas a pintura não me parece tão harmoniosa como a outra.

Raquel –A luz, eu disse que a luz vinha para o lado do homem porque o homem parece mais escuro,

parece que a luz está a ir para ele só que como a janela acaba antes aquela parte da testa e daqui de

lado já não apanha tanta luz.

Carolina – Acho que nesta pintura o pintor não usa tanta cor, usa também cores primárias, vê-se

logo pelo fundo, aquilo é tudo azul.

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Bruna – Se calhar gosto mais deste quadro do que dos outros dois. Porque não tinha assim tantas

cores pesadas.

A técnica é diferente, também.

Bruna – Sim, a técnica. E parece mais… as outras eram mais para o triste, este não, talvez não, não

sei… gosto dos pormenores, gosto mais deste.

O que é que há de comum? Disseste-me o que é que há de diferente, agora diz-me o que há de comum,

se é que há alguma coisa.

Bruna – Talvez não se identifique onde acaba, onde é o chão…

Acho que sim…

Raquel – O quadro que eu mais gostei foi o segundo e acho que este identifica-se mais com o

primeiro, devido às plantas que são parecidas.

Maria Carolina – Não, não são.

Raquel – E a sua forma redonda e isso… e acho que este… percebe-se… já se percebe mais onde

acaba a parede e a mesa… não se junta com o chão mas não se percebe muito bem é a posição da

mulher por que o fato dela é quase todo igual.

O que é que te parece que ela está a fazer?

Raquel – A dormir. Depois aquilo parece um vaso ao pé da parede, só que não se vê onde é que está

o caule das plantas, eu acho, mas também gosto deste quadro.

O título do quadro é “Natureza morta com mulher adormecida”..

Maria Carolina – Ainda assim, consegue ser o mais bonito deles todos, mas é feio na mesma. Acho

que agora algumas coisas já têm volume, aquele pote, a mesa, o outro pote, o cabelo dela, acho que

essas coisas já têm volume mas continua a haver muitos recortes, continua a ter uma cadeira e

continua a ter umas cores um bocado fora da realidade, as plantas não, não é? Mas a mesa, uma

mesa roxa não é muito comum ver-se, o fato da mulher não é muito comum, aqui usa poucas linhas

retas, vê-se mesmo que é à mão, que não usou qualquer tipo de aparelho ou material para desenhar,

gosto daquele pote ali, é parecido com o da minha avó… a sério! E estas plantas parecem-me

exageradamente grandes! Este senhor tem capacidade para exagerar.

Clara – Eu não gosto das outras duas imagens mas gosto desta, por causa das cores, acho que já

gosto mais de destas, parece que já não são tão pesadas, a que mais se destaca é a roxa, a mesa que

é roxa. As formas também não são muito definidas, mas acho que percebe-se melhor e a mulher eu

acho que se percebe, acho que parece que ela esteve a trabalhar, que o que ela tem na mão parece

aquelas coisas de limpar o pó, parece que ela esteve a trabalhar e agora está a descansar, ali na

mesa, está sentada e adormeceu. E acho que está um bocadinho diferente dos outros por causa das

cores, já não são tão iguais, a mesa já não é da mesma cor da parede, como acontecia nos outros

casos, a cor da cadeira era igual à parede e a cor da mesa era igual à parede, aqui já não. É só.

S4C_ Grupo C_ Henri Matisse [13-05-2008]

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Gostaria que começassem por fazer a descrição daquilo que veem e tentar dar atenção aos aspetos

puramente visuais está bem? Quem quer começar?

Paula – Então é uma mulher a pôr fruta numa mesa, uma sala assim toda pintada, toda decorada ao

lado de uma janela. Aquilo parece ser campo lá fora. Acho que a base é cores quentes, depois tem ali

algumas frias no que toca à janela.

Que efeito visual predomina na cor fria?

Paula – Era a profundidade.

As frias… que estão localizadas?

Paula – Na janela, no exterior.

E no interior? O que é que acontece?

Paula – Quase não se nota profundidade, pelo menos ali a mesa, quase que nem se nota a mesa.

Mais alguma coisa que não tenha sido dito e tu queiras acrescentar à descrição?

Bartev – Eu olhando para a obra não dizia que era uma janela, dizia que era até um quadro, porque

como o pintor escolheu essas cores para representar, também podia ter representado o quadro

para dar mais atenção, supostamente também é o que chama mais a atenção, aquele amarelo a

separar o verde entre o vermelho, eu acho que focamos mais lá. Eu acho que a base fundamental

para chamar a atenção é o amarelo.

A linha horizontal amarela?

Bartev – Sim, e também aquelas pintinhas que são as frutas, eu acho que o amarelo chama-nos a

atenção.

Achas que dentro do quadro é o amarelo que chama a atenção?

Bartev – Sim, é o amarelo que chama a atenção. Tem ao lado a face oculta, que eu chamava assim, a

parte da mesa, que ele quer representar a sua mesa aquelas flores ou ramos, qualquer coisa do

género. E também daria a sensação que, nesse quadro, existe alguma coisa de esperança, por causa

das flores e lá no fundo na parede está representada uma árvore e eu acho que a árvore simboliza a

vida, a esperança.

Ainda na descrição vamos só concluir aquela ideia da mesa e da parede. Porque é que há confusão?

Bartev – Porque o pintor se calhar quis transmitir que não tem profundidade dentro de casa, ou no

quadro ou lá fora tem profundidade.

Darpan – No lado de dentro da habitação as linhas são retilíneas, do lado de fora não, são

curvilíneas.

São mais curvilíneas lá fora, sim.

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Darpan – Do lado de dentro não parece mas também há.

William – Parece que foi pintado a guache.

Porquê?

William – Por causa do parapeito da janela, parece professora. As linhas do parapeito da janela.

O que é que tem que te faça parecer que foi pintado a guache?

William – Por causa das pinceladas, dá para ver mesmo que é feito a guache.

Explica melhor.

William – São definidas.

As cores são bem definidas, é isso? E há algo mais óbvio é que na parede e na mesa a cor é a mesma.

William – O que separa é ali aquela linha preta.

Como é que é o volume dos objetos? Que objetos estão virados para a pessoa…

Bartev – Que está observando a imagem.

Que está a observar exato. Parece que estão muito perto, não é?

Bartev – Sim. Porque, da maneira como nós estamos a ver a parte da janela ou do quadro, estamos

a ver mesmo de frente enquanto a cadeira ou aquele suporte da fruta e isso estamos a ver como se

estivéssemos de cima, no ângulo de visão.

Tiago – Eu não acho a mesma coisa que ele, eu acho que as figuras são mesmo planas, parece que

estão lá só estampadas, tipo autocolante, são mesmo planas, por isso é que não tem profundidade o

desenho.

Eu acho que também é por isso que para ao William parece que é pintado a guache, porque as cores

são planas, exatamente.

Tiago – Até a mesa parece que é plana.

Vamos começar a falar da interpretação. Do que é que esta pintura trata? Qual é que vos parece que é

o assunto?

Hugo – Professora, existem duas interpretações da imagem, uma é o quotidiano e outra é que ela

pode estar à espera de alguém porém, esse alguém, ela sabe que não vai aparecer.

Porque é que não vai aparecer?

Hugo – A expressão dela. Tem tristeza e está ali uma cadeira vaga.

Sim.

Bartev – Eu dizia mais a solidão. O que está representado para mim é mais a solidão. Tem ali uma

cadeira sem ninguém, mas também concordo com uma coisa que o Hugo disse, que está à espera de

alguém e esse alguém, eu acho que simboliza o que pintor quis representar em termos da árvore

que está na parede. Eu acho que ela está à espera de alguém, de uma pessoa significativa da vida

dela. Eu acho que se calhar está á espera do filho ou mesmo do marido, mas também temos a

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sensação que perdeu alguém, tem aquele ar deprimente, parece que já perdeu a sua vida, já não tem

significado.

Mais alguém com opinião diferente? Sobre a mulher?

Darpan – Eu acho que ela é a empregada. Deve estar a pôr a mesa para os patrões, pelo seu

vestuário parece ser empregada.

Então, se for empregada, ainda achas que ela está triste?

Darpan – Acho que ela está triste sim. Que não lhe apetece estar aí.

E as cores foram bem escolhidas? Esperavam ver estas cores utilizadas desta forma?

Tiago – Eu não gosto e parece que não é real!

Parece que não é real, porquê?

Tiago – Porque é tudo muito da mesma cor.

A cor não obedece à realidade?

Tiago – Sim. A realidade tem várias cores.

E isso muda alguma coisa? No sentido global?

Tiago – Claro, muda tudo. Transforma-se no irreal.

Transforma-se no irreal.

Tiago – Sim, parece desorganizado.

O que é que te dá essa sensação?

Tiago – A cor. Mesmo a cor.

Desorganizado, então, mas o facto haver uma cor dominante não te organiza visualmente o espaço?

Tiago – Não.

Então o que é que tu estás a valorizar? Não é o fundo vermelho?

Tiago – Sim, para mim é o fundo vermelho. Por ser tudo da mesma cor é que me faz confusão. Nada

na natureza é assim, tem sempre duas cores pelo menos.

Duas cores?

Tiago – Sim, por exemplo o azul e o verde na terra. Aquilo é tudo vermelho, faz confusão.

Em que mais ocasiões há duas cores?

Tiago –O mar e o céu.

Como assim?

Tiago – É mais verde, depois o céu é azul… nunca é da mesma cor.

Tem nuances da mesma cor é isso?

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Hugo – Professora, posso voltar um bocado atrás?

Sim.

Hugo – Aquilo que acho que todos estavam a dizer que parecia estampado é porque não há

sombras.

Ah! Pois, não há sombras e não há claro/escuro, era o que tu estavas quase a dizer também, não é?

Essa passagem progressiva dentro de um tom para outro não é? Não há sombras por isso é que…

Hugo – Parece plano, estampado.

Porque é que não haverá sombras? Porque o pintor não sabia fazê-las?

Hugo – Não. Sabia fazê-las mas não fez propositadamente porque se ele fizesse as sombras ia

distrair dos elementos principais, ia expandir o olhar, o campo visual que nos atrai iria ficar

ampliado. E acho que é por isso que não representou as sombras.

Porque assim ele consegue…

Hugo – Captar o nosso olhar para o essencial da imagem.

Porque é que será o essencial da imagem?

Hugo – O essencial da imagem parece ser dentro da casa e parece ser aquela zona à volta da

fruteira.

Bartev – Eu acho, da maneira como está pintado, como não tem sombras, eu acho que um pintor

quando põe sombras numa obra, a obra é mais detalhada e sem sombras é difícil vermos uma obra

detalhada. Eu acho que aquilo que ele quis representar é uma obra sem sombras e sem detalhes,

porque se tivéssemos detalhes, como o Tiago disse, não seria plano, a mulher que nós vemos ali

parece que foi colada, como o Tiago disse, parece um autocolante, um adesivo.

Eu até acho difícil identificar a expressão daquela mulher.

Bartev – Por causa da maneira como a cabeça está para baixo, a olhar para baixo temos aquela

sensação de estar deprimida.

Mas se ela estiver a pôr a mesa…

Hugo – Mas isso também deve ser por causa da cara ser muito plana.

Eu acho que sim, pode-se atribuir ao facto de a cara estar também muito plana, tira-lhe expressão não

é? E o retirar expressão…

Hugo – Fica homogéneo.

Podem interpretar como tristeza…

Hugo – A pessoa que observa.

O título é ”Quarto vermelho” mas na tradução portuguesa costuma aparecer como ”Harmonia em

vermelho”.

Um aluno – Harmonia isso?

Não é harmonia porquê?

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Tiago – É muito irreal e isso… eu não acho nada de harmonia.

O que quer dizer harmonia?

Tiago – Harmonia quer dizer paz, sossego, aquilo não, aquilo parece irritação até parece que se vê

as veias, aquelas flores azuis.

Diz lá.

Tiago – Aquelas flores ou ramos ou o que é aquilo até parecem veias.

Porque é que parecem veias?

Tiago – Porque parecem as veias, são da mesma cor e parece irritação mesmo.

Interessante.

Hugo – Interpretando o pintor, talvez ele queira falar de harmonia em termos do contraste entre o

vermelho e o azul.

Então, mas o contraste é exatamente o contrário de harmonia, não é?

Hugo – Sim.

Não sei, estou a perguntar.

Hugo – Depende porque… é o seguinte aqueles ramos não são sempre… não têm uma única linha,

dividem-se.

Sim.

Hugo – E acho que esta divisão para os lados é para tentar entrar em contacto com a superfície

vermelha.

É verdadeiro, de facto dividir uma forma aumenta a área de contacto. E portanto tu interpretas isso

como harmonia?

Bartev – A única parte onde eu não arranjo uma linha única é mesmo na árvore e naquele lado

direito, no canto inferior porque no do meio naquele lado esquerdo tem a linha principal é claro

que…

Mas o Hugo está a falar destas ramificações.

Bartev – Sim, mas tem a sua linha única, o que o Hugo disse que não tinha, nesse aí tem e no do lado

esquerdo também tem, é claro que tem divisões, começa a entrar… como o Hugo disse.

Como os ramos das árvores.

Bartev – Sim. Pelo meio adentro, mas que eu vejo linhas únicas eu vejo, discordo nessa parte.

Então harmonia, não?

Bartev – Harmonia não, porque o vermelho e azul para mim é o contrário, como o Tiago tinha dito,

harmonia é sossego, paz, é calmo. E isso não é calmo, as cores que tem…

Então é o quê?

Bartev – Confusão, se calhar.

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Hugo –A minha ideia veio daqueles ramos que estão na mesa, existe ali uma parte em que aqueles

ramos parecem ser um segmento de um ramo principal e parece que o vermelho passa por cima.

Parece que passa por cima… Sim.

Hugo – E ali ao fundo também parece que existe uma quebra com o azul e o vermelho.

Estás a tentar dizer-me que parece que há alturas em que o primeiro plano é o azul e em outras em

que parece que o primeiro plano é o vermelho, é isso?

Hugo – Sim.

E que é nessa fusão que estabeleces a harmonia, é isso?

Bartev – Se nós reparamos nas linhas azuis, dá-me a sensação que são flores ou ramos e isso a

crescerem, até porque começam de um ponto e começam a crescer, mas já está ali uma que eu acho

que está debaixo da vela ou qualquer coisa género que não sai de nenhum lado, parece que aparece

assim do nada.

Esta?

Bartev – Essa mesma. Porque se formos reparar a árvore, a árvore começa no lado direito que é na

cadeira e depois acaba naquela parte da vela, também não corta a linha. Mas naquela linha

horizontal não vemos isso. Parece que não está a crescer…

Porque está tapada pelo vermelho nessa zona… Mais? Concordam ou não com a harmonia em

vermelho?

Vários alunos – Não.

Que sentimentos é que encontram neste quadro?

Hugo – Ora bem, como já falámos, é de tristeza, e também parece existir um sentimento de

renascença, renascimento, voltar a nascer. Parece que algo correu mal e que estão a renascer.

Vês isso onde? Através de quê?

Hugo – Dos ramos.

Os ramos…

Hugo – Não é das árvores de fora é das de dentro, os azuis, não existe uma base para eles

renascerem, estão simplesmente lá.

Bartev – Eu acho que a coisa mais interessante que me chamou a atenção foi a mesa, que não tem

profundidade.

Vamos por aí, o que é que simboliza a mesa? Em termos genéricos.

Bartev – Eu acho que o sentimento oculto, porque a mesa parece que está oculto, é invisível e falta

aquele sentimento que… não sei qual seria e ele se calhar quis representar com a mesa, é um

sentimento oculto…

A mesa tem um papel importante, ali?

Bartev – Para mim tem. Pelo menos aquilo que eu…

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Qual é a simbologia da mesa para ti? Em termos genéricos.

Hugo – Em termos genéricos, um ponto de encontro.

Ponto de encontro, mais?

Hugo – Um locar de convívio.

Hugo – Posso continuar com o raciocínio do Bartev?

Podes.

Hugo – Então, a mesa é um sentimento oculto e acho que esse sentimento oculto que está presente

na mesa deve-se à divisão do pano e do chão, não existir divisão.

É verdade que não existe, mas eu agora não consigo perceber. Explica de outra maneira.

Hugo – Não se nota onde é que é o chão e por isso o sentimento oculto está escondido, porque é

uma continuação.

A mesa continua para onde, então?

Hugo – A mesa dissipa-se no chão.

Dissipa-se no chão, muito bem explicado. A mesa dissipa-se no chão no âmbito do campo visual do

quadro, mas quando nós observadores estamos numa sala, nós estamos lá dentro, o que é que

acontece à mesa?

Hugo – Parece que há chão e parede.

Bartev – Não sei se vou responder ao que a professora queria mas, a mesa, nós temos a sensação

que aqueles ramos, aquelas flores dá a sensação que são as pernas da mesa e aquela linha verde

seja o chão. Se aquilo é mesa, aquilo é o chão, supostamente como é um desenho plano, não tem

profundidade, não tem sombras nem nada, como é que a cadeira está a passar o chão abaixo?

Aquela parte da cadeira é uma explicação que…

Qual é a palavra que encontram para isso?

Hugo –A imagem não é antiga?

De 1908.

Hugo – Pois, é que aquele não parece ser o chão, parece ser mesmo já efeito da idade.

Tiago – Aquilo que o Bartev disse e tinha razão a cadeira está ali mal, aliás, eu acho que a cadeira já

nem é plana tem mesmo profundidade. É a única coisa que tem profundidade.

Há alguma incongruência na cadeira?

Tiago – Tem, supostamente na parte de trás não tem o suporte, a madeira.

A perna traseira. Então há ali uma serie de ambiguidades, não é? É essa a palavra, não é? As coisas

misturam-se, não estão muito definidas.

Gostaria que vocês me falassem agora se gostam e porquê, se é um bom quadro e porquê. E quais

terão sido as principais dificuldades do pintor, ou não houve dificuldades nenhumas? E há alguma

coisa na vossa opinião que não foi conseguida, que não foi bem sucedida.

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Hugo – É o seguinte, este quadro não tem… se fosse para fazer dinheiro com este quadro, em

termos de comercialização, não dava lucro, acho que o pintor não se importou em comercializar

este quadro mas sim em tentar transmitir qualquer coisa que cativasse o observador só para

cativar a atenção mas não para vendê-lo.

Eu estou a perceber o que estás a dizer, mas isso não será uma contradição? Isso quer dizer que o

observador não quer ser cativado?

Hugo – Não…

É isso que eu quero que desenvolvas.

Hugo – Cativa o observador, mas não é uma atração à primeira vista.

É nisso que eu precisava que vocês se empenhassem.

Hugo – É uma atração que vem de dentro de nós, e essa atração é feita geralmente pela sociedade

em que vivemos.

Hugo – Professora, se nós vivêssemos, por exemplo…

Olha pode te ajudar, podes comparar se quiseres, hoje 2008 e 1908. Quais terão sido as reações a este

quadro?

Hugo – Talvez em 1900 e tal, o vermelho estivesse na moda para decorar as casas.

Mas tu estás a dizer-me que de qualquer forma, este quadro comunica com o observador?

Hugo – Sim, comunica.

Então se não está na moda, o que é que comunica?

Hugo – Passe ao seguinte, depois…

Bartev – Em relação ao Hugo, eu discordo logo no início quando ele disse se este quadro fosse para

vender não lucrava, eu acho que um pintor que seja um bom pintor quando pinta não se interessa

pelo seu valor, interessa-se pela arte, porque a pintura abstrata, o que é que é aquilo? É abstrato

pronto, não percebemos, e vale muito. Uma pintura de linhas, de quadrados vale milhões, às vezes

mais do que obras com muitos detalhes. Em relação se eu gosto ou não do quadro, tenho duas

opiniões, gosto por causa da maneira como ele representou aquilo que queria ocultar, a mesa,

aquela parte da cadeira que não tem parte detrás e não gosto porque é uma confusão, as cores,

como estão representado as coisas, plano, sem sombras, sem detalhes e isso.

Estavas a dizer-me quando um artista faz ou pinta um quadro não está interessado em vender, posso

perguntar-te se achas que a arte tem algum papel?

Bartev – Eu acho que é representar aquilo que… eu acho que é transmitir sentimentos ou o que a

pessoa passou na sua vida.

Numa perspetiva pessoal?

Bartev – Isso mesmo. Porque também há artes ao longo dos anos, a arte ganhou algumas técnicas,

como a pintura abstrata e isso e nisso há pessoas que conseguem ver muitos sentimentos e outras

que não conseguem ver.

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Quem é que estabelecerá o que é que é bom e o que é mau, o que é que vale dinheiro e o que não vale

dinheiro? Como é que isso se separará na tua opinião?

Bartev – Da pintura abstrata eu não sei.

Sim. Podes partir de outra.

Bartev – Mas eu acho que aquilo que se valoriza no quadro é da maneira como foi representado. O

que pode ou não significar, aquilo de se calhar, tem uma técnica única. Eu acho que os pintores têm

uma maneira única.

E o público? Todo o público tem aptidão para perceber essa técnica única?

Bartev – Nem todos.

Então, o valor da obra depende do observador? Pode-se tirar esta conclusão?

Bartev – Em parte sim, em outra parte eu podia dizer que o valor da obra vem mais dos outros

pintores.

Como assim?

Bartev – Vamos supor que nesta turma somos todos pintores, eu pinto como o Tiago pinta, e nós

todos vemos da maneira como ele pintou, porque somos pintores sabemos o que é que ele fez, que

técnica é que utilizou e damos valor a essa pintura, a essa obra. Eu acho que é assim que é

valorizada a obra.

Então, estás a dizer-me que a obra é avaliada dentro do meio que a produz? Dentro de um meio

restrito?

Bartev – Sim. E da parte dos observadores.

Estás a dizer-me que implica conhecimento?

Bartev – Sim, eu posso trazer uma obra falsificada, bem feita e vender a um milionário, e o

milionário não sabe nada, compra só para enfeitar a casa. Agora a pessoa…

E isso não é válido?

Bartev – Isso não é válido. Uma pessoa que dá valor à obra é porque gosta da obra, é porque sabe

técnicas, é porque sabe apreciar a obra.

Por um lado estás a falar da técnica por outro lado estás a falar dos sentimentos?

Bartev – Isso já é da parte do observador, sentimentos, porque eu posso não perceber muito de

pintura e essa pintura transmite-me coisas.

Mas achas que são coisas igualmente importantes? Ou uma é mais importante que outra?

Bartev – É mais importante da área conhecida que são os pintores.

Hugo –A parte que mais cativa nesta imagem eu acho que são os sentimentos, porque eu não estou

a ver muitos pintores a comprarem uma obra, estou mais a ver o observador a comprá-la. E quanto

à pintura abstrata acho que o Bartev disse que valiam milhões por isso mesmo, como é abstrato a

pessoa pode tirar a conclusão que quer da obra.

Uma obra mais aberta.

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Tiago – O espectador normalmente compra os quadros porque gosta do quadro e da cor

principalmente, ou a cor ou uma mensagem e como isto está tão desorganizado e a cor está muito

igual eu acho que não fazia sucesso nenhum.

Eu posso-vos dizer que na altura não fez mesmo nenhum.

Bartev – Aquilo que o Hugo disse e que a Beatriz também disse pelo que eu ouvi, foi abstrato não

tem vida, aquilo simplesmente não tem vida, abstrato é abstrato, não sabemos aquilo que significa.

Hugo – Parece que a mulher está a ser julgada pelo homem.

Achas?

Hugo – Sim, porque o homem está em pé, dá a ideia de superioridade. Porém, existe outra

perspetiva, que é a mulher estar a julgar o homem, isto devido ao homem estar difuso no azul e a

mulher sobressair e isso tem poder sobre o homem.

Bartev – Eu discordo completamente daquilo que o Hugo disse.

Ainda bem.

A Bartev – Sobre a mulher ser julgada. Aquilo que me dá a sensação é que o homem está de pijama

e dá a sensação que o mundo à sua volta sem ser aquele quadrado verde, que tem vida, eu acho que

ele está num sonho, por ele estar de pijama, e aquilo que ele está a sonhar eu acho que… está a ser

julgado pela morte, o que quero dizer é que a mulher simboliza quem o vai julgar, se vai viver ou

morrer, pela maneira como ela está representada a preto… sim. E a vida como o Tiago disse, para

além do quadrado é a vida e para cá é a morte, e eu acho que o homem está a ser julgado pela

mulher, num sonho.

O título é “Conversa”. Não sei se ajuda alguma coisa.

Bartev – Conversa…

Hugo – Se olharmos nos olhos.

Sim, há uma interação.

Bartev – Mesmo assim. Fico com a minha opinião. Não chamava conversa, chamava “Ao encontro

da morte”.

Hugo – É muito homogénea e existe sempre uma parte em comum entre todos os quadros que é a

parte da janela. Aquela parte ali também existe em comum e curiosamente também existem frutos e

árvores.

Tiago – É bastante igual ao quadro anterior, tem pessoas que estavam planas, depois tem aqui uma

parte, outra vez um quadrado com um retângulo, onde está lá exatamente o oposto do que está lá

dentro. É tudo da mesma cor cá dentro e depois lá fora é absolutamente a realidade.

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William – É semelhante à pintura anterior porque na figura anterior a parede era vermelha e a

mesa era vermelha e aqui, a parede é azul e a cadeira é azul e o pijama do homem também é azul.

Qual é a primeira opinião?

Bartev – O sonho de uma tarde.

O título é “Natureza morta com mulher adormecida”. O que é que há de comum com o primeiro?

Hugo – Uma mulher.

Darita – Os ramos, os frutos, a mesa…

O ambiente, não é?

Darita – Sim. E muita confusão no interior.

Muitas formas, muito volume muito espalhadas, mais?

Bartev – Aquilo que tem de semelhante com a primeira obra é tudo. A mesa, a mulher, eu acho que

aquilo são frutas em cima da mesa, as plantas, que no primeiro nós vimos com o contorno em azul.

Eu acho que aquilo deve ser um espelho ou qualquer coisa, ou um quadro, para mim significava a

mesma coisa que no primeiro que também parecia um quadro.

Hugo – A mulher, existe uma mulher em todos os quadros que nós aqui vimos hoje.

Hugo – E também, é de quando?

Este é de 1940.

Hugo – Eu acho que isto é para mostrar uma evolução, do primeiro quadro e depois do segundo,

acho que é esse o tema.

Mas a técnica também parece diferente, não é?

Hugo – Pois, para mostrar a evolução do pintor.

Tiago – Eu acho que o espírito dele nessas duas décadas mudou bastante, porque ele desenhava

tudo muito plano, muito homogéneo, e agora está muito… também é plano, mas agora está muito

mais colorido, tem muito mais objetos, é muito mais diferente. As cores, até as próprias cores estão

mais juntas, as frias e as quentes.

Hugo – Ainda não tem sombra, as linhas continuam definidas mas já existe um contraste de divisão

entre as frutas, devido àquele branco.

Devido aos brancos…

Bartev – Não tem completamente nenhuma profundidade, aquilo que eu acho que mudou do

simplesmente a pessoa, ele representava tudo plano e a mulher em si também contínua plana só

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que tem aqueles pormenores que nós sentimos que o pescoço passa para a cabeça, sentimos que as

cores que ele utilizou na pessoa dá-nos a sensação que no pescoço é mais escuro e na cara é mais

claro, o cabelo também ajuda.

Já há algum claro/escuro. Isso também é da técnica, por ser uma técnica mais aguada, a outra é uma

tinta mais opaca.

[NOTA: participou o aluno Bartev do 9ºA]

SESSÃO Nº 5 _ LUCIAN FREUD

S5A_ Grupo A_ Lucian Freud [15-05-2008]

Vamos começar pela descrição do quadro, quem é que quer começar?

Susana – Este quadro é um autorretrato e parece que o pintor quer mostrar que é muito

autoconfiante e não tem medo de se mostrar como é com os seus defeitos. Acho eu… e acho que é só

isso.

Porque é que dizes isso? Que é autoconfiante e que não tem medo de se mostrar?

Susana – Porque está com um ar de superioridade parece que não tem medo das coisas, do que lhe

aconteça ou do que possa a vir acontecer e por isso é que eu acho.

E esse ar de superioridade como é que é transmitido?

Susana – Pela postura dele, está de cabeça levantada e pelo olhar.

Cláudia – Como ela já tinha dito, é um autorretrato e o pintor para se caracterizar não usa cores

muito claras, é à base de cores escuras, é um homem que tem uma postura de importante pelo

formato do rosto, que não tem grandes preocupações e que gosta de viver no seu próprio espaço

sem ser incomodado.

Porque é que dizes isso?

Cláudia – Porque é o que me transmite a imagem.

Eu estou a referir-me a essa última parte. Podes explicar melhor?

Cláudia – É um homem que não que não dá muita importância ao resto. É como é! E penso que está

um pouco aborrecido, dá essa intenção com a mão na cara.

Maria – Acho que aqui o pintor autorretratou-se mas quis mostrar, como elas já disseram, a

maneira como ele é confiante e quis retratar-se de uma maneira arrogante. Ao mesmo tempo isso

era para dizer que apesar dos defeitos dele, ele não se importava, porque, ele por exemplo, colocou

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o nariz torto, o queixo torto, a boca, a orelha está muito para baixo, eu acho que aí ele quis acentuar

os seus defeitos.

Defeitos físicos?

Maria – Sim, defeitos físicos, e no retrato acho que ele quer transmitir uma mensagem do género

“apesar dos meus defeitos eu gosto de ser como sou” acho que o que ele quis retratar foi isso.

Em termos mais de descrição. Na maneira como é pintado, ou do ângulo da composição da maneira

como é representado…

Maria – Acho que ele quis chamar mais a atenção foi para a expressão da cara, por exemplo, a parte

dos olhos a olhar diretamente para nós, o objetivo dele era a expressão da cara. Quando a gente

olha realmente é o que vê, por exemplo, o queixo torto e isso, que foi o que eu só vi há pouco, que o

queixo está torto, a boca… essas coisas…

Em termos técnicos…

Maria – Em termos técnicos o pintor preocupou-se com as cores, porque ele em vez de pintar tudo

de uma cor, escolheu uma base de cor branco e creme, foi isso que ele escolheu, porque já no cabelo

aquilo não é preto, aquilo também tem um pouco de cinzento, que acho que foi a mistura das cores

da pele com o preto. Depois no fundo, ele não pintou simplesmente nada, fez uma parte mais escura

que a outra, fez só riscos por assim dizer, a parte do fundo não lhe interessava, porque o que ele

queria acentuar era só a cara. Usou bem as sombras, porque um lado da cara está mais escuro que

outro.

Podes dizer de onde é que vem a luz neste quadro?

Maria – Do lado direito. Foi com… as cores foram muito densas, não foram aguadas nem nada…

Não foram…?

Maria – Aguadas, foram espessas.

Espessas, sim.

Maria – Preocupou-se com os traços nos sítios onde estava a cor, nos sítios onde a cara é mais

redonda ou assim, essas coisas.

Em relação, por exemplo, aos contornos e à linha, o que é que é mais importante?

Maria – É a mancha e a cor. A linha ele… não definiu bem a linha mas o que lhe importou mais foi a

cor.

Relativamente à composição, o que é que podes dizer?

Maria – Como assim?

A maneira como é representado, porque é que ele escolheu estes limites para se representar, não

fez ,por exemplo, uma representação de todo o corpo.

Maria – Porque acho que o que ele queria representar era a expressão da cara dele e a parte dos

defeitos e isso. Por exemplo, o pescoço está demasiado comprido, ele ali já devia começar o resto do

corpo, mas ele simplesmente continuou com o pescoço. Acho que ele só queria mesmo representar

a cara, mais nada, a expressão.

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Alguma coisa que não tenha sido ainda dita pelos colegas? Vamos continuar. Em termos de

sentimentos, o que é que expressa?

Cláudia – Acho que é o seu estado de espírito e também, como a Maria disse, ele quer focar-se na

sua cara, acho que é isso que demonstra.

E que sentimentos é que encontras?

Cláudia – Alguma arrogância.

Susana – Também me parece uma pessoa muito fria e não tem… como é que hei de dizer… aquele à

vontade com as pessoas.

Tatiana – Anti-social.

Susana – Mais ou menos. É isso!

Onde e que tu achas que isso está retratado?

Tatiana – No olhos.

Susana – Como ela disse, nos olhos.

Tatiana, acrescenta o que tu querias dizer.

Tatiana – Eu acho que é uma pessoa orgulhosa.

Flávia – Eu acho que o pintor com este autorretrato, como todos na turma já disseram, quis

demonstrar que ele se centra muito nele próprio, como a Tatiana disse, é uma pessoa que dá a

entender que é rancorosa, antissocial. Na forma como se pintou, na expressão demonstra que é uma

pessoa que só se preocupa com ele mesmo, que se o mundo desabasse ele continuava lá em pé, não

se importava. Ele aí centrou-se muito nele.

Mas dirás isso porque não está mais ninguém representado à volta dele?

Flávia – Sim também, é pela expressão dele e por ele se ter retratado simplesmente ele e cores à

volta.

Como é que são as cores?

Flávia – Como a Maria disse, branco e creme mas ao mesmo tempo ele mistura cinzento como se o

mundo fosse cinzento e ele é a cor que faz a diferença no mundo.

Achas que ele é a cor?

Flávia – Sim, ele quis retratar-se de uma certa forma como se ele fosse a cor que faz a diferença

neste mundo.

Mas tu não vês ali cores muito diferentes nele, relativamente ao fundo, vês?

Flávia – Não mas…

Então o que é que te faz dizer isso?

Flávia – Ele dá uma expressão de muito brilho, parece que o braço e uma parte da testa, acho que é

do lado direito, parece que brilha, sobressai.

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Gostaria agora que emitissem a vossa opinião sobre se é um bom quadro, se é um assunto que vos

surpreende, se é um assunto que vos agrade ver retratado ou se pelo contrário, vos causa algum tipo

de sentimento de rejeição, como é que é a vossa primeira reação? Quem é que quer falar sobre isso?

Flávia – Eu acho que é um bom quadro, de uma certa forma toca-me muito pelo que ele tenta

representar. Não só porque ele tenta mostra-se a ele próprio mas também porque ele tenta

demonstrar os sentimentos dele, de uma certa forma de ser superior, indiferente, irreverente, firme,

ser uma pessoa que pense que faça a diferença.

Que faça a diferença… muito bem. Então achas que isso é o assunto do quadro?

Flávia – Sim, sem dúvida.

E mais?

Maria – Como eu disse na aula passada, eu acho que todos os quadros são bons e este quadro é

mesmo muito bom, porque apesar de não ter linhas definidas, de não ser muito realista nem nada,

tem um bom uso de cores, a maneira como ele pinta e isso, por isso acho que o quadro é bom. Agora,

em termos da minha opinião pessoal, eu não gosto do quadro, porque eu não gosto de retratos, é

uma coisa que não me chama a atenção.

De qualquer retrato, de qualquer estilo?

Maria – Há uns retratos que eu até sou capaz de gostar mas é aqueles que são mais realistas mesmo

ou aqueles que são…

Este não é realista?

Maria – É, mas não é este tipo de realista, é aqueles que têm a linha definida, realista, tipo fotografia,

ou isso, ou aqueles que são praticamente quase abstratos.

Então estás a dizer-me que apesar de não gostares muito achas que é um bom quadro?

Maria – É um bom quadro porque…

Então onde é que reside a diferença entre uma coisa e outra?

Maria – Bom quadro, eu considero um bom quadro aquele que está bem pintado, mas há uns que

são melhores que são aqueles…

Tu achas que este é muito bom.

Maria – Muito bom, devido à maneira como o pintor pintou, deu atenção, apesar de não ter a linha

definida.

À técnica, à execução?

Maria – Apesar de não ter linha definida e ter a cara praticamente da mesma cor, está cheio de

manchas, ele deu atenção às sombras, conseguiu fazer as sombras na mesma e conseguiu transmitir

aquilo que ele queria. Por isso é que eu acho que é um bom quadro e só se focou realmente naquilo

que ele queria, porque o que eu acho que o que ele tem de mais realista são os olhos, por causa

disso. E opinião pessoal é porque eu não gosto muito de autorretratos ou retratos.

Este é realmente um autorretrato de um pintor. Outro que vocês tinham visto numa sessão anterior

também era um autorretrato de um pintor, não sei se estão lembrados.

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Outra – Aquele em que ele estava a pintar.

Sim, foram os únicos dois autorretratos . Que relações é que vocês conseguem estabelecer?

Maria – Ambos são pintores e ambos estavam representados de forma arrogante.

E as diferenças?

Maria – As diferenças… o outro era representado de forma mais realista, com mais linhas, mais real

e este aqui não, mas mesmo assim os dois, em termos de expressão representam a mesma coisa.

E em termos de técnica?

Maria – A técnica é muito diferente, o outro pintor… focam-se os dois naquilo que querem mas o

outro usa uma técnica para representar as coisas de forma mais real, quase como fotografia, e este

aqui, simplesmente foca-se mais naquilo que ele quer, que é a expressão da cara, e não liga ao resto.

Mas achas que são mais semelhantes ou mais diferentes?

Maria – Em termos de técnica são muito diferentes mas em termos de expressão são iguais.

Ruben, diferenças e semelhanças com aquele quadro que estávamos a referir?

Ruben – A diferença é que o outro pintou o corpo todo e este pintou só a cara. Via-se muito mais.

Sim, continua.

Ruben – O outro, mostrou-se a trabalhar.

Exato, tu aqui dirias que era o pintor?

Aqui não.

Pedro – Parece um pedreiro.

Outro aluno – Parece um frade.

Sabias o ofício dele?

Ruben – Não porque não mostra o que está a fazer, não mostra nada.

Mais?

Ruben – O outro, como a Maria disse, foi mais detalhado, este não.

Em termos de gosto pessoal qual é que te agrada mais?

Ruben – Gosto mais deste.

Consegues-nos explicar porquê?

Ruben – Porque é o meu gosto, não?

Então se não estás a valorizar o que é mais realista, o que é que tu estás a valorizar, a dizer que é o teu

gosto?

Ruben – Não sei, a maneira de pintar se calhar.

A maneira deste… a técnica dele?

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Ruben – Sim.

Como é que tu caracterizavas, como é que tu pensas que é executado?

Ruben – Assim à pincelada, não tanto como o outro.

Achas que nascem da mesma maneira na tela?

Ruben – Não.

Então como é que tu imaginas esse processo? Estavas perto quando falaste da pincelada. Ou em

termos de tempo de execução por exemplo.

Ruben – Este demora menos, acho eu. Este tem ar de ser uma técnica mais rápida.

Muito bem, o Pedro vai explicar-me porque é que este tem cara de pedreiro. É a opinião dele, portanto

ele vai explicar porquê.

Pedro – Não, não…

Diz lá.

Pedro – Porque parece que tem cimento na cara.

Cimento é a cor cinzenta?

Pedro – É.

Flávia – Eu concordo com o Pedro, porque não parece ser um padre, parece mais uma estátua

porque a própria expressão transmite isso, parece… transmite que seja uma estátua.

Parece mais uma escultura?

Flávia – Sim, uma escultura do que propriamente um quadro, pela cor e pela expressão.

O que é que há de comum e diferente?

Flávia – De comum, eu acho que são os olhos, de uma certa forma, no outro quadro os olhos é que

diziam tudo, dizia o que ele pensava e o que ele sentia e neste quadro é o mesmo.

É o mais importante.

Flávia – Sim.

E em termos de sentimentos que estes olhos expressam, são parecidos, são diferentes?

Flávia – Eu acho que este quadro já não transmite tanta autoconfiança, é mais tristeza, solidão.

E o facto de a pintura aqui ser tecnicamente diferente, tem alguma importância? É uma técnica

diferente, consegues ver isso bem, não é?

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Flávia – Sim, de uma certa forma tem muita importância, ele no outro quadro para além da cara e

do homem tudo o resto parece que é rabiscado, ele não dá importância, colocou lá a tinta e pronto.

Aqui não, aqui ele optou por alisar a tinta, dar-lhe um certo toque.

E isso em termos de sentimento que expressa, muda alguma coisa?

Flávia – Alivia mais aquele sentimento de arrogância, aqui não se encontra nenhum sentimento de

arrogância do meu ponto de vista.

Tu disseste que era?

Flávia – Tristeza.

Além do olhar há mais alguma coisa que contribua para essa tristeza?

Flávia – A expressão do rosto também, tem o rosto fechado, no meu ponto de vista é um rosto

fechado. Ele no outro podia não se estar a rir mas pelo contorno da boca mostrava que ele era uma

pessoa confiante.

E aqui?

Flávia – É mais uma pessoa que quer estar no seu canto.

Estás a descrever atitudes muito diferentes, quase opostas, não é?

Sim.

Maria – Em termos de diferenças, a primeira diferença é a técnica, no outro era mais para o

abstrato, este aqui é mais para o real, não fez manchas e preocupou-se com as linhas, com as

sombras, fez tudo. Em termos do que ele pretendia, o objetivo aqui também é diferente, num

autorretratou-se como confiante, arrogante e isso, neste aqui, retratou-se de forma pálida…

Não é um autorretrato, é um retrato. Aqui é uma rapariga, é uma mulher.

Maria – Mas eu pensava que era um autorretrato. Mas isto foi antes ou depois?

Foi antes.

Maria – Então acho que a técnica aqui mudou, mudou de técnica.

Ele começou com esta técnica.

Maria – Então pronto, ele começou com uma técnica mais real depois deve-se… como hei de

explicar…? Depois deixou-se libertar mais usando a técnica do abstrato, mostrar aquilo que ele

queria não ser tão realista, como fazia antigamente.

Então agrada-te mais este?

Maria – Nem por isso.

Como tinhas dito que preferias um retrato mais realista.

Maria – Não gosto muito deste porque acho que é demasiado simples, é um retrato pálido, triste,

não me chama muito a atenção, se tivesse a passar num museu e visse os dois, dava mais atenção ao

outro. Tem grandes diferenças de um para o outro.

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Maria – O que eu reparei foi desde o quadro mais recente para trás, é que a única coisa que lhe

importa nos quadros é os olhos, porque por exemplo neste aqui, vemos a mulher os olhos sempre

grandes, todas as outras pinturas anteriores os olhos são sempre grandes, ao contrário da pintura

mais recente em que os olhos são pequenos mas mesmo assim transmitem coisas. Por exemplo, o

homem lá ao fundo, apesar de estar escuro, vamos supor que a figura estava como os olhos

fechados, parecia que aí ele estava a lamentar, mas como ele está com os olhos abertos a olhar para

a mulher, parece que quer vingança, parece que quer que a mulher desapareça ou uma coisa assim.

Portanto, isto transmite-te um sentimento… entre eles os dois… Que sentimento é que te transmite?

Maria – A maneira da mulher como está com a mão e como está deitada na cama, está doente e está

preocupada mas acho que está preocupada em relação a ele.

Portanto achas que há uma relação emocional entre os dois?

Maria – Sim. E ele acho que ele despreza a mulher ou uma coisa assim parecida.

Mário – Bate na mulher.

Mais alguém quer falar sobre esta questão? Eu proponho que explorem agora um bocadinho a questão

da relação entre as personagens. Como vocês têm visto, apesar de termos visto quadros de uma pessoa,

tendo procurado por sempre alguns, para vocês tentarem perceber que tipo de relação é que há ou se

não há.

Flávia – No meu ponto de vista, este quadro parece um pouco abstrato, porque parece que as

pessoas estão, parece que foram sugadas…

Estão a ser sugadas?

Flávia – Sim, dá a sensação que pela cara… têm a cara muito “chupada”… parece que de dia para

dia…

Definhada?

Flávia – Sim, parece que o sentimento que os unia parece que já não existe, parece que agora só

existe rancor, dor.

Mas porque é que dizes que o sentimento que os unia, achas que…

Flávia – Dá a sensação que eles eram casados, que são casados… que se amavam.

Contínua, estavas a falar da questão do sentimento que os unia. Eu gostava que tentasses exemplificar

no quadro como é que tu dizes que o sentimento que os unia está a desaparecer, não sei se era isso que

me estavas a dizer.

Flávia – Sim, era. Dá a sensação que eles são casados e que um dia já se amaram até pela forma

como o homem olha para a mulher, a forma como a mulher está, a mão na cara…

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Mário – Eu acho que a mulher leva porrada daquele senhor, é agredida por aquele senhor, e ele está

a lamentar, por exemplo, que ele lhe bateu e ela está com a mão na cara… deve ter levado uma

chapada.

Ruben – Eu concordo com a parte de ela ser agredida e acho que foi por isso que o pintor onde está

o senhor, pintou mais escuro como sendo ele o vilão da história.

Aquele senhor será quem?

Ruben – O marido dela… o marido ou namorado, o companheiro. Também podemos ver isso

porque se calhar a cama é para dois e do outro lado não está ninguém e está o senhor. Vê-se que é

agredida porque ela está com a mão na cara, tipo a queixar-se de alguma coisa. Acho que é só isso.

Cláudia – Este quadro transmite-me o sofrimento da senhora, e concordo com o que o Ruben disse

em relação a ela ser agredida e o homem agora estar a lamentar, e por isso é que o pintor…

Mas achas que é uma agressão física? Quando dizes agredida é fisicamente?

Cláudia – Sim e… mas é estranha porque não se nota muito na cara, pode ser agressão física ou

então a senhora pode estar a sofrer por alguma doença ou assim e o homem não poder fazer nada,

por isso é que o pintor o pintou mais escuro.

Relativamente ao facto de existir aqui uma janela. As janelas que temos visto noutras situações.

estabelecem alguma relação? Alguma diferença, tem alguma importância, do que se vê para lá neste

contexto?

Flávia – Eu acho que a janela de uma certa forma tem importância, porque, se repararmos, a

mulher está longe da janela, enquanto o homem parece que está muito perto da janela,

praticamente encostado. E se o homem está praticamente encostado à janela, como é que ele está

tão escuro? Torna-se estranho, porque a mulher está longe e está muito mais clara do que o homem.

E então? Porque é que o pintor terá optado por retratar o homem escuro?

Flávia – Como eles disseram, se calhar por ele ser o vilão da história, eu acho que ele agride física e

psicologicamente a mulher.

Maria – Eu não concordo com a parte que eles estão a falar sobre a lamentação do homem, porque

pelo que eu vejo pelo ar do homem, o homem está a desprezar a mulher.

Ruben – Foi o que eu disse.

Maria – Tu disseste que estava a lamentar. Estava a dizer que não concordo com o homem estar a

lamentar porque acho que ele está com um ar… está a desprezar.

Desdém?

Maria – Sim, e também concordo com o que eles disseram sobre ser o vilão da historia.

Se eu vos disser que isto é um autorretrato dele. Não sei se já pensaram nessa hipótese.

Maria – Acho que então isto está a representar a companheira dele. Isto é uma história, sendo por

exemplo, vítima de uma doença e ele não pode fazer nada e aí sim já concordo com a parte da

lamentação ou então pura e simplesmente ele não gostava da companheira.

É a primeira mulher dele.

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Maria – Então acho que aqui não tem nada a ver com um vilão, sendo a primeira mulher dele e

sendo um autorretrato acho que já não tem nada a ver com ele desprezar a mulher ou ser o vilão da

historia, acho que pura e simplesmente ele está a representar a mulher cheia de vida e ele não, do

género, ele estar…

Estar cinzento? Estás a falar da questão da falta de cor?

Maria – Sim porque… não sei explicar, aqui parece que a mulher é…

Posso dar-vos mais alguns elementos. É o casal numa altura do início de vida em comum em Paris.

Portanto é uma relação, realmente. O título é “Quarto de hotel”

Ruben – Ela parece pelos olhos que perdeu o filho.

Raquel – Eu não acho nada disso, eu acho que ela, já por causa deles serem um casal, ela está

doente e ele está a preto porque ele tem uma certa pena dela por ela estar como está.

Maria – Só sei que ele cada vez que representa uma mulher representa-a de forma triste, sofrida,

por isso só há duas opções, ou ele sofreu grandes perdas e representou-as assim ou então ele

simplesmente desprezava as mulheres.

Flávia – Concordo com a Maria, porque é assim, ele deve ter perdido as primeiras mulheres da vida

dele, deve ter perdido muito depressa, então aí ele passou a desprezar as seguintes.

Raquel – Eu não acho, acho que em todos os retratos que ele já fez dá sempre importância mais às

sombras dos olhos porque mesmo ele, tem sempre umas sombras no meio dos olhos, dá sempre um

ar de sofrimento.

S5B_ Grupo B_ Lucian Freud [15-05-2008]

Vamos começar pela descrição do quadro, relembro mais uma vez que podem falar sobre o

enquadramento da composição, o contorno das formas, o espaço, o volume. Em termos de descrição

podem focar-se nestes aspetos.

Maria Carolina – Este quadro tem essencialmente formas não retas, são curvas algumas, como o

cabelo do homem, acho que se destaca. A cara do homem, aquelas manchas de cor transmitem

sentimentos, aquela mão é um bocado estranha porque não se percebe se ele está apoiado em

algum objeto, ou se é a mão de uma outra pessoa, pode ser a mão de outra pessoa a dar-lhe um

murro. A cor atrás do homem dá ideia que está dentro de uma sala mas não deu muita importância

às formas, então... pintou só assim. E aquela cor avermelhada pode ser que haja uma janela por

detrás porque na cara do homem há uns tons de luz e na mão também. O nariz do homem é assim…

pequenino, parece e bicudo. Há pouca definição de onde começa e acaba… não…

Do contorno?

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Maria Carolina – Sim, isso. Há pouca definição de contorno, ali os olhos estão quase sumidos.

Mas têm alguma expressão?

Maria Carolina – Têm alguma, alguma, mesmo muita! As orelhas do homem, acho que estão bem

desenhadas. Não se vê muito bem os lábios e tem veias no pescoço.

Carolina – Eu acho que o pintor, como se vê, acho que dá muito mais importância ao homem e o

fundo é só mesmo para dar alguma expressividade. As formas, por exemplo o braço não se percebe

onde é que acaba, eu acho que o braço é do homem, por causa do tom, também tem aquelas

manchas, depois os contornos estão muito mal definidos. Há essencialmente curvas e acho que o

pintor utiliza aquelas… tipo, parece sujidade na cara do homem, para exprimir os sentimentos, acho

que se nota mais a forma, a expressão da cara com aquela… por causa da mudança, e acho também

que isto é um autorretrato.

E que sentimentos é que tu vês ali expressos?

Carolina – Nos olhos vejo cansaço, depois na cara, assim mais pormenorizado vejo… sei lá… dor,

sofrimento, é só basicamente à volta desses.

E achas que isto é um autorretrato porquê?

Carolina – Não sei… acho que é!

Maria Carolina – E já agora é um autorretrato, ou não?

Mais alguém quer comentar esse assunto? Eu já respondo, está bem?

Raquel – Eu também não sei se é um autorretrato ou não, mas se for deve ter sido num período em

que o pintor estava a passar uma má fase porque isto não parece um quadro muito alegre. A

questão do braço, a mim também me parece que é dele, por causa disso que ela disse das manchas e

depois também não se percebe muito bem a expressão, percebe-se, mas os contornos não. Acho que

é mais por causa das manchas que ele tem na cara, também não dá muito bem para ver os

contornos, e depois o resto é o que ela estava a dizer.

É um autorretrato.

Carolina Santos – A sério?

É. Eu gostava de saber como é que vocês chegaram lá.

Raquel – Porque a maioria dos pintores que pintam pessoas assim em primeiro plano

normalmente é sempre…

Carolina – Por exemplo, em relação ao fundo, eu sei que o fundo não se percebe muito bem e que

não tem muita expressividade mas se formos observar com mais cuidado e isso, podemos ver talvez

a mudança de tom também do fundo, acho que a cara do pintor está muito… sobressai muito!

Portanto o que é importante aqui? O que é mais importante a ver…

Vários alunos – A cara e a expressão.

Portanto já chegaram ao tema, é uma autorrepresentação. Que outros sentimentos é que encontram

no quadro?

Maria Carolina – Sofrimento, aterrorizado ou pode… estar a sofrer por sofrimento alheio.

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Sim.

Maria Carolina – Sim… o horror também.

Raquel – Acho que exprime tristeza, dor, porque acho que ele está a sofrer porque… pela expressão.

Acho que são basicamente sentimentos de tristeza e que sejam assim tão maus…

Clara – A mim não me parece tanto que ele esteja numa expressão de sofrimento.

Parece mais de…?

Clara – Não sei, mas parece que ele também está pensativo, por causa de ter a mão no rosto. E

também dá… parece que dá uma expressão de um homem duro, dureza, porque não parece tanto

sofrimento, só se for mesmo pelos olhos..

Então achas que as cores foram bem escolhidas para aquilo que tu estás a entender do quadro?

Clara – Sim.

Porque…?

Clara – As cores não são vivas, não são muito… e está muito misturado, as cores são sempre as

mesmas, os tons… não é uma cor definida.

É uma paleta reduzida, não é?

Clara – Sim.

Priyal – Como a Clara disse, eu acho também que isto não é propriamente sofrimento, eu acho que

ele tem uma expressão aborrecida do tipo que não tem anda para fazer, só está ali mesmo por estar.,

E relativamente à execução? O que é que traz de novo em relação aos que nós vimos anteriormente?

Ou não traz nada de novo? A maneira de pintar…

Priyal – A forma de pintar sim. É completamente diferente.

O que é que a caracteriza?

Priyal – Enquanto que na sessão 4 [Matisse] nós vimos aquelas cheias de cores, com as cores

misturadas mas a mistura era de uma forma diferente porque era sempre contínua, não dava para

ver as tais pinceladas enquanto que neste quadro dá para ver tudo, utiliza o mesmo pincel e

misturou as cores todas praticamente.

E como é que é a transição entre as cores?

Priyal – Ali não dava para ver, não dava para ver quando se misturava, era só misturava-se …

Eram cores distintas.

Clara – Muda repentinamente.

Priyal – É isso, enquanto que aqui não dá para perceber isso.

Relativamente à luz? A iluminação do quadro, não é importante também aqui?

Priyal – E parece que a luz vem do lado direito.

E incide…?

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Vários alunos – Na cara do homem.

Priyal – Sim, na cara dele e no braço.

Carolina – E no pescoço.

Maria Carolina – E aqui nas maçãs do rosto.

Clara – Sim, porque a outra parte tem a cor escura e aquela parte é clara.

Maria Carolina – Eu acho que aquele escuro também pode ser uma tentativa forjada de tentar

fazer barba.

Tentar fazer?

Maria Carolina – A barba… fazer o desenho.

Representar. Quais parecem ter sido as dificuldades neste trabalho?

Clara – As cores, principalmente.

Porque é que dizes isso?

Clara – Eu acho que… o que mais se nota aqui para além do rosto e da expressão é as cores que o

rosto tem, não são normais.

E isso terá sido porquê? Porque o pintor não tinha mais tintas no ateliê?

Clara – Não! Era para mostrar o que ele queria transmitir, o que ele estava a sentir, pode ser

sofrimento, como elas estavam a dizer, solidão, tristeza.

Ou aquilo que tu também tinhas dito que era…

Clara – Sim, um ar duro, a firmeza.

Raquel – Aquelas manchas eu não consigo perceber muito bem o que é, porque se fosse sombras…

eu acho que não são sombras porque se fosse sombras, toda esta parte, toda a parte da testa estava

clara, a parte das bochechas também estava e o pescoço, e continua com aquelas manchas, não se

consegue perceber muito bem o que é que é aquelas manchas…

Carolina – Eu acho que a principal dificuldade foi o pintor escolher, na cara do homem, onde vai

pôr o reflexo da luz e as manchas para exprimir melhor os sentimentos do homem.

E achas que isso é conseguido?

Carolina – Acho sim.

O que é que tu captas daqui? Qual é a emoção mais forte ou a primeira reacção?

Maria Carolina – Para mim é sofrimento. A mim, a primeira reacção…

Desenvolve essa ideia.

Maria Carolina – A primeira reacção que eu tive quando olhei para o quadro foi… eu assustei-me.

Eu assustei-me, qual é que é a piada? Eu assustei-me porque… eu imaginei logo uma história, tipo,

ele podia ter… por causa das manchas escuras, podia ter estado à luta e… mas depois quando

observei melhor depois já pensei “não, luta não pode ter sido, deve ter sido outra história por trás

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para me assustar”. Em relação às cores eu acho que não consigo definir… é assim, eu estou mais

inclinada para as cores frias, mas não sei se consigo definir isso como cores frias ou quentes.

Gostaria que me respondessem a duas questões; se gostam ou não gostam e porquê, e se acham que é

bom ou não como trabalho.

Maria Carolina – Eu gosto do quadro, é um bom trabalho, embora seja um bocado difícil de

interpretar os sentimentos do pintor, mas ele transmite sentimentos, nós sabemos que os

sentimentos estão lá, agora saber…

Ler o impacto.

Maria Carolina – Sim, exatamente. Agora saber exatamente, o que é que ele quer com o quadro

já…

E porque é que tu gostas?

Maria Carolina – Eu gosto da maneira de pintar, gosto daquelas coisas assim… riscos… aqueles

riscos a pincel, eu gosto.

E então sobre estas pinceladas, numa fase inicial ele começou por ganhar prémios de desenho, tinha

um desenho muito rigoroso, esta é uma fase posterior. A partir de uma certa altura, experimentou um

pincel diferente, que eram uns pincéis que ele comprou mais baratos, de pior qualidade, não

permitiam o contorno nem permitiam o pormenor, ele gostou do aspeto que isso dava, que é um

aspeto mais rude, não é? E então continuou a trabalhar com esse tipo de pincel para explorar essa

faceta.

Clara – Eu também gosto deste quadro, gosto da maneira com as formas estão definidas, o rosto e

tudo, e principalmente das cores. Acho que as cores estão muito bem escolhidas porque ele não

usou as cores básicas, parece que ele as misturou para formar novos tons, e acho que é um bom

quadro.

E é um bom quadro porque…?

Clara – Porque acho que está… nota-se as expressões, não é um quadro muito fácil e não é muito

comum também.

Não é muito comum… eu entendo e não é muito fácil… eu também entendo, mas porque é que tu

entendes que não é fácil?

Clara – Porque ele baseou-se só no rosto, não se baseou em mais… usou formas e objetos para

mostrar o que ele queria, os sentimentos, as expressões.

Muito bem, então agora, neste momento, como isto é um autorretrato podes fazer a comparação deste

autorretrato com o outro que nós vimos de um pintor, que era aquele em que ele estava a olhar para o

ovo e a pintar um pássaro. Queres fazer a comparação entre os dois? São dois pintores a fazer os seus

autorretratos.

Clara – Eu acho que é completamente diferente.

Então tenta caracterizar sumariamente cada um.

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Clara – No outro notávamos mais o que ele queria transmitir pelos objetos e pelo que ele estava a

fazer e não pelas expressões do rosto. Aqui é só mesmo a expressão do rosto, só mostra essa parte.

Lá era uma sala, tinha mais objetos, o que ele estava a fazer.

Então percebias logo a profissão dele?

Clara – Sim. Eu acho que é diferente.

À partida não temos essa informação.

Raquel – Eu acho que é um bom quadro mas não gosto nem desgosto.

Não gostas nem desgostas… é um bocadinho difícil eu aceitar isso relativamente a esta pintura.

Raquel – É assim eu gosto da maneira como está pintado mas não gosto do quadro porque nunca

fui muito de gostar de quadros de autorretratos, porque não gosto de quadros assim em que as

pessoas são o mais importante no quadro, gosto mais de coisas mais abstratas, mas gosto da

maneira como está pintado, acho que é um bom quadro e que ele conseguiu transmitir os

sentimentos que queria, se ele queria transmitir sentimentos mais para a tristeza.

Então consegues dizer-me que não gostas muito mas que é um bom quadro. Qual é que é a diferença

entre o teu gosto e os critérios que tu utilizas para fazer a apreciação de que é um bom quadro? Estás

a usar critérios diferentes, então?

Raquel – Pois, porque eu não gosto muito do quadro porque não gosto muito de quadros pintados

com retratos humanos mas, acho que as cores e as formas como estão pintadas acho está bem para

um retrato humano, porque se alguém não gostar da pintura…

E o que é que isto traz de novo relativamente a outros pintores que nós vimos? O que é que te

surpreendeu?

Raquel – Então, a forma de pintar, a cara está um bocado estranha por causa daquelas manchas e

isso.

A gestualidade da técnica ,não é?

Vários alunos – Parece que está a morrer.

Maria Carolina – Está doente, mete medo, está assombrada, está pálida, espero que seja uma

mulher, não é?

É uma mulher sim.

Maria Carolina – Os olhos dela estão esbugalhados, ele pode estar assustada com alguma coisa.

Raquel – Eu acho que esta mulher mete mais medo do que o outro, porque o outro sempre estava

assim com a mão, ela parece que viu qualquer coisa, parece que viu assim qualquer coisa meio

esquisita. E acho que nesta os contornos são muito melhor definidos. A boca, já tudo está melhor

definido, o cabelo…

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Raquel – E já atrás, a sala ou parede já não é pintalgada, já é mais…

Carolina – É um desenho mais real.

Raquel – É.

Clara – Eu acho que também concordo com ela, a mulher dá-me pena não sei… parece que lhe

aconteceu alguma coisa, está assim desesperada não sei… também é das cores, não têm nada aqui a

ver as cores e o cabelo, são mais definidas, as formas também…

Carolina – Dá a sensação que a mulher está a morrer e que o homem quer que ela morra, que está

ali todo…

Outro aluno – Relaxado.

Carolina – E depois como está escuro também, o escuro transmite um medo…. o que ele disse … sei

lá.

A nossa parte sombria?

Carolina – Sim. E também não percebo lá muito bem onde é que o pintor quer dar mais atenção. O

homem por estar… a cor estar muito diferenciada das outras ou se é a mulher por estar com os

contornos bem definidos, depois a paisagem de fundo, a casa acho também que está muito

pormenorizada para ser um fundo.

Maria Carolina – E a cama também.

Carolina – Sim. E acho que aquilo lá do fundo serve para ver que cá dentro isto parece tipo um

hospital porque numa casa as janelas não são… não é tudo vidro, e no hospital acho que já é, tem

uma cortinas mas é só isso.

Maria Carolina – Eu concordo com ela nalguns aspetos, noutros não. O homem está a querer que

ela morra e ela está muito doente e está de cama. Agora não concordo que seja um hospital, acho

que é mais um bairro social, onde eles estão no último piso, daqueles prédios de quatro andares e

aquilo é um sítio degradante.

Degradante? Degradado?

Maria Carolina – Isso degradado e é um sitio degradado e o facto de ver a casa de lá, não se

percebe o que está lá dentro, não é? Mas vê-se duma janela para outra, vê-se as outras casas, não

tem cortinas.

Está cinzenta e está vazia, só tem um objeto dourado.

Maria Carolina – Eu gosto muito deste quadro, muito!

Gostas muito porquê?

Maria Carolina – Porque me transmite muita coisa, muitos sentimentos…

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Continua…

Maria Carolina – É que por um lado, o homem pode estar a crer que ela morra, por outro lado ele

pode estar ao pé da janela, pode estar com um sentimento de culpa, pode estar a fazer muita força

para que ela sobreviva e isso…

É um quadro muito ambíguo.

Maria Carolina – É.

Portanto parece que o homem…

Maria Carolina – Tanto parece que vai fazer uma boa acção como está a tentar corrigir os seus

erros.

E agrada-te isso?

Maria Carolina – Agrada.

Raquel – Eu acho que o homem está a olhar para ela com cara de quem não se importa muito com

ela. Acho que o que ele dá mais importância é a mulher porque a mulher como tem o cabelo loiro e

depois a roupa verde, acho que sobressai na cama toda branca, mas depois pelo contrário, há ali o

homem que como está muito escuro, também sobressai no quarto. Acho que a casa lá do fundo está

pormenorizada, apesar de no interior não se ver muita coisa, por fora tem as janelas e os tijolos e

isso tudo, acho que está pormenorizado. Transmite-nos talvez um bocado de tristeza, por a mulher

estar lá no hospital e…

Clara – Eu também acho que a mulher parece triste, parece que aconteceu alguma coisa, está

deitada na cama e está com uma expressão… acho que está com a mão na cara, parece uma

expressão triste. E o homem, ele a mim, parece-me que não se está a importar, não só por causa das

expressões, mas também da cor. Na mulher as cores são claras, a cama é branca, o cabelo é loiro e

no homem é tudo muito escuro a roupa parece que dá um ar sombrio ou assim.

Carolina – Acho que, como já se pode ver, o estilo do pintor é a figura humana. Depois o que

diferencia este quadro do outro, também acho que são bastantes coisas, os contornos, o tipo de cor,

neste de caso está muito mais vivo.

Outro aluno – A proporção...

Carolina – A maneira de pintar, e também o facto deste quadro ter mais objetos, ter mais… o outro

está mais disperso, está mais…

Despojado?

Carolina – Sim, o outro está mais… como é que eu hei de dizer… está mais abandonado enquanto

este está mais preenchido.

Se eu vos disser que aquele homem ali é o pintor, que isto é um autorretrato, muda alguma coisa?

Carolina – Muda. O quê não sei, mas muda alguma coisa. É porque normalmente os autorretratos

não são assim.

Pois, mas é uma autorrepresentação. É ele e a primeira mulher numa altura do início de vida em

comum em Paris. O título é “Quarto de hotel”.

Carolina – Ele gostava da mulher, realmente? É que isto não parece.

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Carolina – Mas o homem não lhe está a ligar a nada.

Maria Carolina – Das duas, uma, ou o homem não gostava dela ou ela não gostava do homem.

Carolina – A minha opinião alterou completamente ao saber que é um autorretrato.

Outro aluno – Então e ele trata assim a mulher?

Ela não gostou nada de se ver retratada assim, também já li isso.

Carolina – Não admira!

Mas achavam que existia alguma ideia de ligação entre eles mesmo antes de eu vos dizer que era o

pintor e a mulher?

Vários alunos – Sim, isso sim.

Segundo uma autora que eu li, uma portuguesa que escreveu sobre este quadro nas várias

interpretações indicava o inicio de uma crise…

Outra – Conjugal.

Carolina – Se calhar queria avisar a mulher do que vinha para aí.

S5C_ Grupo C _ Lucian Freud [15-05-2008]

Quem quer começar por descrever esta imagem?

Darpan – Esta imagem não me desperta nada, é uma seca… é uma seca, sei que há uma mistura

entre cores frias e quentes, não vejo mais nada.

Achas que o principal em termos de elementos, é a cor?

Darpan – Sim.

William – Essa figura para mim representa a fadiga e o cansaço, representado na cara do homem.

Tiago – Para mim representa o medo, até porque parece que está alguém a vigiar.

Parece que…?

Tiago – Está sempre alguém a vigiar-nos ou a controlar.

Ele é que parece que está a vigiar-nos a nós?

Tiago – Sim, parece que nos está a controlar.

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Então quem é que tem medo?

Tiago – Eu. E até porque faz reflexo ali para aquela janela e olhar para a janela ainda faz mais medo,

parece que alguém está a controlar-nos, faz-me lembrar um professor, não sei porquê mas faz.

Outro aluno – O professor de matemática.

Não, ele não está a falar em nenhum professor em particular, está a falar na figura do professor.

Tiago – Sim, parece mesmo professor, porque é… parece ser severo, parece ter as qualidades para

ser professor.

Hugo – Eu acho que esta imagem tem a ver com medicina, devido à cara estar muito bem definida, e

a pintura faz lembrar os músculos e os nervos na cara

Tem um ar muito tenso, não é? Portanto achas que estão ali muito representados os músculos. E achas

que isso deriva de um interesse pela medicina?

Hugo – Acho que sim.

Nelson – Eu discordo com o Hugo porque acho que a imagem tem mais a ver com economia em vez

de medicina porque parece que está desesperado porque o negócio dele ou está a correr mal ou

está a ir por água abaixo.

Achas que representa desilusão ou preocupação?

Nelson – Preocupação.

Preocupação…

Bartev – Eu associo esta obra a um ator, a um ator bailarino, não sei bem o nome, não sei se a

professora deve reconhecer, já entrou no Dirty Dancing 2, ele é americano. Associo muito porque a

cara é mesmo quase igual, menos a parte do cabelo.

Patrick Swayze

Bartev – Isso mesmo. Associo muito a esse ator mas em relação à obra, eu acho que é… nota-se

mais o cansaço.

Onde é que te parece que está representado esse cansaço?

Bartev – Na maneira como está a cara, tem a mão posta sobre o rosto e como estão representados

os olhos e a boca dá o ar cansado. Mas também tenho a sensação que aquela mão, aquele braço não

seja dele, porque da maneira como está elevada à cabeça, não parece que o braço tenha feito… a

posição que tenha posto no rosto, até porque se o pescoço é assim, eu acho que me dá a sensação

que tinha lá algum corpo mas parece que não, parece que cortaram o pescoço e puseram em cima

de alguma coisa, é essa sensação que dá.

O facto de parecer que cortaram o pescoço, pode ter a ver com o enquadramento, não é?

Bartev – Mas o braço da maneira como está posto…

A sua representação acaba ali.

Bartev – Sim, mas da maneira como está representado o braço está representado… está muito

desproporcionado com a cabeça, a mão está desproporcionada com a cabeça, é muito pequena em

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relação há cabeça. Parece que é a mão de outra pessoa. Em relação à pintura são utilizadas muitas

cores em termos de quentes, ele utiliza as sombras variando com as cores.

Portanto faz uma utilização das sombras através…

Bartev – Das sombras através das cores.

Muito bem , utilizando as cores. A sombra não tem assim necessariamente…

Bartev – De ser em preto.. Eu acho que é só…

Em termos técnicos apresenta alguma novidade em relação ao que temos visto até agora? Alguma

mudança?

Bartev – De mudança nem por isso, nem nada de novo para mim.

William – Para mim, onde representa mais o cansaço da imagem é na mão e no fundo porque

parece que está tudo desfocado e ele não… só consegue pensar no cansaço e não consegue pensar

no resto e só se foca nele, parece que o mundo já não gira à volta dele, está mesmo muito cansado,

só quer mesmo ir dormir.

Há aqui uma coisa que eu não percebi. Parece que só se foca nele?

Tiago – Sim, por exemplo, a imagem, o resto desapareceu, foi para baixo.

Sim. Nós estamos a vê-lo a ele.

Tiago – Foi para baixo, ele foi abaixo, género isso.

Hugo – Esta imagem faz lembrar o género de um boneco de cera.

Porquê?

Hugo – Porque a definição e o rosto, principalmente o lado faz… parece ser de cera. Mas eu estou a

falar de cera, mas não é de cera de mesmo ser cera… é… não sei se a professora já viu a casa de cera?

O museu?

Hugo – Não, é um filme de terror, é que parece, ou então, não sei se ele sofre de lepra.

Porque é que dizes isso?

Hugo – Devido ao lábio, está assim feito do tipo rachado, um género de corte, depois parede ali o

nariz também parece que está cortado.

Bartev – Eu discordo com o Hugo daquilo que ele disse parecer cera porque a técnica que aqui está

utilizada é… ele representa o corpo humano com várias cores, é a maneira dele representar as

pessoas. O Hugo disse que daquele lado direito do rosto parece cera mas não é, aquilo é iluminação,

por isso é que dá a sensação, discordo totalmente com o que ele disse.

Então a luz vem de onde?

Bartev – Vem do lado direito para o esquerdo. Por isso é que do lado esquerdo temos a cara quase

toda escura mas mesmo assim não quer dizer que não tenha lá variação de cores. Ele falou daquela

parte do nariz, isso tem a ver também com ele utilizar essas cores assim, escuras e claras, na parte

do lado direito a dar a sensação que são os músculos, não é cara plana.

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Exato.

Bartev – Tem aquela sensação de altos e baixos é por isso que está representado do preto… do

escuro ao claro, mas em relação a cera não tem nada a ver.

Vocês se calhar falaram nisso porque os contornos não estão muito definidos, não é? As zonas não

estão muito definidas.

Bartev – Não.

Em termos de desenho, a linha não é muito presente…

Bartev – Não, porque ele utiliza… como é que eu hei de dizer? Não é bem aquela passagem do preto

e depois começa a clarear… é…

Ele faz claro/escuro mas não é ….

Bartev – Sim, não é aquela passagem logo direta.

Esbatida.

Bartev – Sim, é isso mesmo, ele faz a tal passagem do claro/escuro um bocadinho depressa, não

tem aquelas variações que vão do claro a cinzento, começa a clarear mais até ao branco.

Então achas que é isso que causa uma certa deformação aparente em algumas zonas da morfologia

da cara, não é?

Bartev – É isso mesmo. Sim, nós reparamos na parte dele do lado esquerdo, no cabelo com o fundo,

no lado direito já não acontece a mesma coisa, e também aí é um bocadinho estranho, do lado

direito o fundo é escuro, a cara do lado direito é clara, o que supostamente vem a luz daquele lado, e

do lado esquerdo o fundo é claro, a cara é escura.

Hugo – Para equilibrar.

O que é que isso gera em termos de efeito visual?

Hugo – Eu acho que é para equilibrar as cores, para não ser muito claro de um lado nem muito

escuro do outro, ele tenta contrastar para equilibrar.

Portanto onde no primeiro plano, digamos assim, está claro…

Hugo – No fundo está escuro e vice-versa.

Bartev – Eu entendi o que é que o Hugo disse mas não associo muito bem essa parte, porque nas

obras anteriores que nós vimos ouve partes em que as pessoas estavam representadas muito

escuras e mesmo o fundo atrás dessas pessoas, estava representado também escuro, e não quer

dizer que se está ali uma pessoa com roupa escura o fundo atrás da pessoa tenha que ser branco

para equilibrar, não. Eu acho que é a técnica dele desenhar, de pintar e essas coisas, agora, de um

lado dá aquela sensação de equilibrar dá, mas não dizia isso para equilibrar toda a obra porque

também já vimos obras, onde estavam lá coisas escuras e o fundo atrás dessas coisas estava escuro.

Relacionas o equilíbrio com esta obra, ou não?

Bartev – Não.

Daniel – Estava a dizer que o braço estava no lado da cara que é escuro e o fundo também é claro,

por isso o braço ainda é mais claro que o fundo.

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E o enquadramento da composição? Porque é que está representado assim tão próximo, porque é que

corta a figura, está naquela posição?

Tiago – Está demasiado perto para se perceber o que a personagem está a sentir e por isso corta o

resto do corpo porque não é interessante, não afeta nada, não é por estar a mudar o corpo que vai

mudar o sentimento que ele está a sentir, por isso não interessa.

Então qual é que tu achas que é o assunto desta pintura? O que é que é mais importante…

Tiago – Para mim é mais a severidade e o controlo.

Então tem a ver com um estado de espírito daquela figura?

Tiago – Para mim não é o cansaço por causa do olhos dele, não faz parecer o cansaço, faz mais

parecer o controlo e a severidade e isso. Por isso é que me faz lembrar um professor, parece que

está a controlar-nos

É uma imagem de certa forma intimidante?

Tiago – Sim.

Hugo – Ele talvez tenha pintado a imagem assim tão próximo de nós, para sobrecarregar o que está

presente na imagem e talvez assim pudesse aumentar a definição e transmitir melhor a mensagem

que o pintor quer passar.

Quais são os sentimentos que este quadro passa?

Hugo – A omnipresença.

Explica melhor. O que queres dizer com omnipresença?

Hugo – Parece que está sempre presente.

Isso vai de encontro à ideia do controlo. É isso?

Hugo – É.

Que mais sentimentos é que encontram neste quadro?

Darita – Ele parece que está desiludido com alguma coisa não sei. Devido aos olhos que estão assim

para baixo e mão que ele pôs ali na cabeça a apoiar.

Qual é que tu achas que é o conteúdo ou ao assunto principal deste trabalho?

Darita – Cansaço também…

Em termos da escolha de cores, achas que a escolha de cores está bem-feita? Achas que a cor é

aplicada de forma realista?

Darita – Não, como o Bartev disse, esta parte está escura e depois esta parte direita está clara.

Então eu acho que vem o reflexo para aquele lado, uma luz, não é mesmo dele a cor.

William – Parece que não tem vontade de viver em termos económicos, o chão abriu-se aos pés

dele, está num beco sem saída.

Porque é que tu dizes isso?

William – Tem cara de quem se vai suicidar.

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Vocês têm encontrado aqui coisas muito diferentes, sentimentos e atitudes muito diferentes. É um bom

quadro ou não?

Tiago – Qual é o título?

É precisamente ”Autorretrato”.

Hugo – Este quadro diria que não é um bom quadro porque… é um bom quadro para pôr num

museu mas para ter em casa não é um bom quadro, porque no museu transmite mais aquele ar

sério assim de… elevado, uma ar mais forte, e se fosse para nossa casa acho que as nossas casas têm

um ar mais leve, mais familiar.

Penso que outra diferença é que em casa o convívio com a pintura seria diário e ao museu tu vais

esporadicamente. O que é que te faria sentir em casa diariamente?

Hugo – Acho que chamava demais a atenção aquela pintura.

Chamava demasiado a atenção?

Hugo – Cansava o olhar.

Daniel, falas de medo porquê?

Daniel – Não sei… a maneira como ele desenhou aquilo, tudo defeituoso.

A técnica?

Daniel – É. Os pincéis com pressa, deu umas pinceladas, deu uma pincelada para cada lado…

É verdade. Nós iremos ver coisas de uma fase anterior. Ainda bem que alguém falou dos pincéis, ele

passou para uns pincéis mais baratos, de pior qualidade em que não conseguia definição mas depois

percebeu que isso lhe agradava e então continuou.

Beatriz – Eu acho que é um bom quadro porque o objetivo de cada pintor é passar uma mensagem,

transmitir o sentimento do momento, certo? E é aquilo que ele conseguiu fazer, portanto ele

transmite sempre uma mensagem, e essa mensagem pode ser interpretada de várias maneiras, mas

é a mensagem que ele conseguiu passar, portanto eu acho que é um bom quadro.

Qual é para ti a mensagem?

Beatriz – É mais de cansaço, fadiga… essas coisas assim.

Mas é um quadro que comunica, é o que tu queres dizer? É uma peça que comunica?

Beatriz – É. Talvez pelo olhar da figura.

Portanto tu achas que é importante essa questão?

Beatriz – Comunicar com as pessoas deste lado! Isso é que liga as pessoas à arte.

É isso que faz a ligação.

Beatriz – Exatamente.

É isso que tu esperas da arte? Sentir uma ligação…

Beatriz – Claro!

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E que tipo de ligação? Dá-te prazer olhar para esta obra ou pelo contrário?

Beatriz – Não, prazer não dá, mas também não me dá repulsa, é normal… não… não me suscita

interesse porque não é das artes que eu… não é o tipo de arte que eu mais goste.

Mas achas que é bom?

Beatriz – Sim.

Então consegue estabelecer uma distinção entre “é bom mas eu não gosto”? Consegues fazer isso?

Beatriz – Sim, consigo.

Bartev – Para mim, é um bom quadro, é bonito da maneira como ele representa as cores, a

posição…

Como está executado?

Bartev – Sim, a maneira como ele executou mesmo o trabalho. Em relação ao que o Hugo disse, é

uma obra para estar ali num museu não para estar em casa, isso também depende da pessoa.

Para ti?

Bartev – Para mim vem da pessoa, porque há pessoas…

Não, mas para ti. Quererias levar para casa?

Bartev – Eu não comprava para levar, se me oferecessem levava, mas não comprava, até entendo

da maneira como o Hugo disse, é uma obra que chama muito a atenção. Mas eu levava só mesmo

pela maneira como foi executado, pela maneira como foram representadas as cores.

Não gostas muito daquilo que te transmite, é isso que estás a dizer?

Bartev – Não é bem aquilo que transmite, é aquilo que está representado, a pessoa.

Não gostas muito daquela pessoa?

Bartev – Sim.

Gera-te um sentimento de…

Bartev – Autorretrato não é aquela coisa que chama muita a atenção, mas só levava mesmo por

causa da maneira como foi executado, a técnica, as cores.

Então há alguma novidade nesta técnica.

Bartev – Se calhar foi as cores que ele utilizou para representar as sombras, os pontos mais altos,

os baixos e essas coisas.

A maneira de representar a luz?

Bartev – Sim, mas uma coisa que eu discordo totalmente ali é mesmo onde está situado a orelha.

Anatomicamente?

Bartev – Sim, está mal.

Parece-te incorreto é isso?

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Bartev – Isso mesmo.

Hugo – Parece um boneco de porcelana e tem um olhar vidrado.

Não está a olhar para nós ?

Hugo – Não, está a olhar para um sítio abstrato ou quer ter uma visão global de alguma coisa.

Porque é que parece porcelana?

Hugo – Muito bem definido, cabelo também muito bem definido.

Há alguma coisa de comum com o retrato anterior?

Hugo – A representação de uma figura humana e a cara, é sempre a cara.

Bartev – Eu discordo totalmente com o Hugo em termos de porcelana, Da maneira como está

representado isso para mim eu acho que é uma obra mais detalhada, com as linhas mesmo perfeitas,

em termos de quase tudo. A esta obra eu vou dar o exemplo ao Hugo que eu disse que aquela obra

não era equilibrada porque até aqui nós vemos partes claras e o fundo ainda mais claro. Aquela

parte… o olho esquerdo, parece que ela foi agredida, dá-me a sensação disso.

Porquê?

Bartev – Não sei… aquele olho parece que esta inchado, parece que está qualquer coisa desse

género. Ele representa… parece que ela está pálida, de um lado.

Se calhar foi por isso que o Hugo falou em porcelana.

Bartev – Não, mas mesmo assim eu não referia isso em termos de porcelana, muito detalhado a

esse ponto não diria que era porcelana. Acho que isto é…

Dirias que representa uma pessoa real?

Bartev – Diria, mas com as cores muito exageradas para o claro, porque uma pessoa também não é

assim tão clara e a luz que ele utiliza no fundo, pelos vistos a luz… iluminação, parece que é muito

clara, por isso é que ele a representou assim. Até porque o preto não é assim tão claro. E o que tem

em comum eu acho que é mesmo só o retrato, que parece ser autorretrato ou mesmo um retrato de

outra pessoa.

Gostava de voltar um pouco atrás para vos pedir uma comparação com o outro autorretrato que nós

vimos nestas aulas, que vocês já viram na segunda sessão.

Bartev – Aquele do pássaro?

Pois, foi o único para além de este.

Bartev – O que associava, eu acho que, o pescoço para cima associava ao quadro que nós vimos,

daquele do pintor e do pássaro.

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Mas estás a falar deste, eu estou a falar do outro anterior que é um autorretrato.

Hugo – É parecido ao ovo.

Isso é o tipo de pintura, que e uma pintura muito realista, por isso é que é muito parecida com o ovo,

mas eu estava-me a referir ao anterior, [muda a imagem] eu estava-me a referir a este, porque este é

que é o autorretrato.

Bartev – Muito diferente.

Muito diferente!

Tiago – Em cores. Em cores, sombras e detalhes, é muito diferente! O outro tem o fundo muito

branco, parece que dá esperança, e este não.

Beatriz – Mas tem o mesmo objetivo. Foi aquilo que tu disseste há bocado, o outro tinha o fundo em

branco para nós nos focarmos só num sítio e este tem o fundo assim para nós só nos focarmos no

sentimento dele.

Hugo – A mulher significa ali esperança, devido às cores, é mais clara, mais viva, e o homem parece

ter uma sentimento obscuro, morte, tristeza, qualquer coisa assim.

Bartev – Discordo.

Aguarda um pouco e escuta-o, depois terás mais argumentos para argumentar. Existe alguma relação

entre estas personagens, ou não?

Hugo – Existe.

Eu estou a perguntar isto porque tenho tido o cuidado de colocar quase sempre um quadro com duas

figuras para vocês poderem pensar sobre o tipo de relação que estabelecem.

Hugo – Existe porque parecem estar no mesmo plano, muito próximas e isso dá a ideia que existe

uma relação, embora o homem esteja distante por algum motivo e acho que esse motivo é porque

vai perder algo de que gosta muito.

E aquela janela lá ao fundo, tem alguma relação com o quadro?

Hugo – Um túnel sem saída.

A janela lá ao fundo? Porquê? O que é que é sem saída? É uma janela, está aberta.

Hugo – Não. Não porque fora existe vida e lá dentro parece obscuro.

Onde é que estás a ver a vida lá fora?

Hugo – A vida está no foco dos raios solares.

Ah! Na luz.

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Hugo – E dentro parece obscuro, talvez seja por isso, talvez sejam vizinhos. Aquela é a casa daquele

homem. E aquela taça que está lá dentro da outra janela faz lembrar uma memória desta mulher.

Portanto há uma relação entre eles e aquela casa? E como é que é aquela casa?

Hugo – Triste… parece que as paredes agarraram as más recordações que vivem dentro dessa casa

que por sua vez vivem dentro daquele homem.

Tiago – Isto para mim é completamente diferente, a mim faz-me lembrar que a mulher está doente,

parece uma cama de hospital e ele, ou parece que quer fazer mal ou parece-me que está a proteger,

não sei bem qual deles é que é.

Bem! São sentimentos muito diferentes…

Tiago – Faz-me lembrar as duas coisas, parece que quer fazer mal por estar escuro e isso, mas

também faz lembrar que está a proteger porque parece que alguém a colocou lá e ele está escuro

porque está a protegê-la, a impedir que alguém mexa nela, para não fazer mal. E quanto há janela lá

ao fundo, nem sei o que é que aquilo está lá a fazer, acho que não tem nenhuma ligação.

Hugo – Então porque é que aquela taça dourada está lá?

Tiago – Pode ser uma janela sei lá… uma janela não, um espelho, sei lá… qualquer coisa.

Hugo – Mas aquilo sobressai bastante.

Tiago – Para mim não.

Hugo – Para mim sobressai.

Bartev – Aquilo que o Hugo está a dizer a taça dourada está a sobressair mais, da maneira como ele

descreveu a outra casa, parece que ele via mais a outra casa do que esta onde eles estão

representados e isso é completamente absurdo, porque nós a única coisa que vemos é uma janela e

uma casa, uma taça e podemos ver a parede. Ele estava a falar de uma maneira como se estivesse

dentro da outra casa a olhar para esta casa onde eles estão e eu discordo totalmente com isso. O que

eu acho é que eles não estão num prédio porque onde o homem está… a visão, não ia ser uma janela

tão grande, dá a sensação que eles estão noutro mundo.

Não pode ser simplesmente uma varanda?

Bartev – Não diria isso, porque como está representada a cama, supostamente a cama deve ter

altura e a parede onde está situado o homem e isso… não diria que seria uma varanda. Em relação

há mulher, ou miúda, dá-me a sensação que teve uma desilusão ou chorou ou qualquer coisa do

género por causa da maneira como tem a mão sobreposta no rosto. E o homem, eu acho que teve

alguma relação em termos de… eu acho que foi a razão que fez com que ela ficasse assim.

Portanto, estão de acordo, em que há uma relação, qualquer tipo de ligação entre as duas pessoas.

Bartev – Para mim eu faço essa ligação porque ele está representado a preto e isso dá-me a

sensação que ele teve alguma razão para a miúda estar assim.

Está a culpar-se. Está a representar-se como um culpado é isso?

Bartev – Eu acho que sim.

Hugo – Ora bem, eu acho que a parte lá do fundo parece ser um espelho, eu acho que aquilo é um

espelho e está a reflectir a imagem que está deste lado.

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Mas a imagem em termos reais ou em termos simbólicos?

Hugo – Em termos simbólicos.

Certo, assim percebo.

Bartev – E então, dessa forma, parece que o homem não é real mas sim o espectro e está

representado no espelho. Fez mal à mulher mas porém, na cara dela, parece transparecer um

sentimento que embora ele lhe tenha feito mal ela sente a sua falta.

Bartev – Aquilo que o Hugo disse, eu acho que se fosse um espelho em termos realistas ou

simbólicos eu não associava. Se fosse realista tinha que estar a mesma coisa deste lado no outro

lado também, em termos simbólicos, eu não acho porque apesar de ser um quarto, não está

representada a janela, não está representada a taça e essas coisas, e por isso digo que eles estão

num mundo à parte.

Se eu disser que isto é também um autorretrato do pintor com a sua mulher, no primeiro ano de

casados, em Paris. Ela tinha 22 anos. O título é “Quarto de hotel”.

Bartev – Eu não diria que isso era um casamento.

Bartev – Dá a sensação… ela tem uma cara como se tivesse 14 anos.

Hugo – Voltando à ideia que aquilo é um espelho, a professora está a ver ali aquela parte na parede,

existe assim uma parte mais escura…

Uma porta. Ou um nicho.

Hugo – Eu estou a dizer que aquilo é o género de um apoio do espelho e depois se nós fizermos uma

horizontal perpendicular a isso, vemos que existe uma segunda cama que não está ocupada.

E onde é que está essa segunda cama? É que eu não vejo…

Hugo – Posso ir lá apontar, professora?

Podes.

Hugo – Ora bem, isto aqui é a base onde está fixo ao espelho e depois aqui assim existe uma

segunda cama.

Isso em termos de interpretação global diz-nos alguma coisa?

Hugo – Sim, ela deviria estar acompanhada mas realidade está só.

Bartev – Agora que reparei aquilo parece que tem aquela parte do contorno de um espelho, mas

aquilo não é nenhum espelho, nós sentimos que aquilo é parede pronto.

Queres dizer mais alguma coisa?

Bartev – Como está representada a mulher, eu acho que é uma forma muito estranha, como está

representada a cama e ela…

Vocês sentem que há alguma cumplicidade entre as pessoas?

Bartev – Entre as pessoas não, o que me chama mais a atenção ao olhar para esta obra é mesmo a

mulher, da maneira como está, parece que seja de ferro, agarrada e posta sobre a cama, porque a

cama não tem aquele ar que está lá uma pessoa, só vemos isso mesmo na almofada.

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Estou a perceber, tem um ar rígido, pedra não é?

Bartev – É mesmo pedra.

[NOTA: Participação do aluno Bartev do 9ºA]

SESSÃO Nº 6 _ MARTHA TELLES

S6A _ Grupo A _ Martha Telles [27-05-2008]

Gostaria que alguém começasse a descrever esta pintura. Acho que já não é preciso dar muitas

indicações, começam livremente a falar dela.

Maria – O pintor nesta obra, em termos de sentimentos, quis transmitir o sentimento de solidão, e

para caracterizar isso, para mostrar isso ele utilizou a janela e a sombra, que foi como já vimos

noutras obras. A sombra… como é que hei de explicar…? Ele usou a sombra que era para a sombra

tapar tudo, como se não tivesse nada nem ninguém e utilizou a luz da janela só para iluminar a

rapariga que é o ponto que ele quer focar mais, que é a solidão da rapariga, e por isso também a

colocou em cima de uma cadeira grande no centro e pintou-a de branco que é para chamar a

atenção.

Começaste por falar a nível de sentimento, agora retrocede um bocadinho e analisa a nível de

composição, de cor, de formas, de maneira de pintar.

Maria – Em termos de formas, o pintor só usou as formas onduladas, redondas na rapariga e usou

mais as formas retas nos pormenores da janela. Em termos de cores, o pintor para tudo, usou cores

escuras menos no espaço que ele queria focar, que era a rapariga e a luz que vem da janela.

Começaste por dizer que este quadro era sobre solidão, certo?

Maria – Sim.

Que se via na sombra e na janela, na sombra já me explicaste, na janela ainda não explicaste, queres

continuar por aí?

Maria –A janela é porque é o… como é que eu hei de dizer…? É o que ilumina. Ele quer representar

a solidão na rapariga e a janela é o que ilumina a rapariga, não sei se é em termos de sentimento um

pouco de esperança ou se é pura e simplesmente para mostrar a rapariga, porque se estivesse tudo

preto, sem janela sem nada, só uma rapariga aí não fazia sentido, a janela serve só para iluminá-la.

Bartev – Entendi muito bem o que a Maria disse, mas eu acho que nesta obra o fundamental é

representar a janela para dar a profundidade ao quarto, eu acho que sem exagerar…

Para dar profundidade…?

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Bartev – Ao quarto, ao sítio em que ela está.

Ao espaço.

Bartev – Sim ao espaço. Sem a janela nós não tínhamos luz e não sabíamos a profundidade porque

no escuro não temos a sensação de profundidade. Em termos de sentimento, transmite-nos a

solidão mas eu também dizia que transmite a educação que os pais dão, porque tem uma mente do

tipo… nessa idade nós temos muito receio, muito medo do escuro e se calhar o pintor quis

transmitir uma criança dessa idade que consegue ter a postura que deve ter diante do seu medo,

consegue afugentar esse medo.

Portanto estás a dizer-me que é uma criança que está representada?

Bartev –É uma criança que esteja com a sua vontade e com a de alguém a querer afugentar algum

medo.

Está a enfrentar o medo, é?

Bartev – Isso mesmo.

Onde estará o medo está representado?

Bartev – No quarto, no espaço em si.

Porque é que tu dizes que ela está a enfrentar o medo?

Bartev – Porque da maneira… se fosse de solidão, não dizia que a cadeira ia ser representada dessa

maneira, porque é uma cadeira assim muito moderna, muito valiosa se calhar. Agora em relação ao

espaço e isso, está tudo vazio, se a cadeira estivesse diferente ou ela não tivesse a cadeira, até

mesmo aquela caixa que pode ser um presente, podia mesmo dizer que era solidão, tristeza, mas

dizia mais solidão, medo, o ensino da vida.

Uma lição de vida, uma coisa assim? Um aspeto moral é? Que tu vês ali…

Bartev – Isso.

Continua um bocadinho, estás a conduzir o teu discurso para uma moral, não é? Qual é a moral que

está aqui?

Bartev – Eu acho que o pintor se calhar representou essa criança como alguém da família dele, e

quis transmitir o que ele passou na sua infância.

Flávia – No meu ponto de vista o pintor quis também retratar um pouco a inferioridade e eu acho

que isso demonstra-se pela cadeira, não só pela cadeira mas também pelo espaço porque se formos

a ver bem, tudo é maior que a rapariga, parece que dá a sensação que ela sente-se inferior e o pintor

quis retratar isso.

Estás a falar da diferença de escala entre a cadeira…

Flávia – Entre a cadeira e a rapariga.

E a rapariga.

Flávia – Parece que ela torna-se pequena, inferior em relação à cadeira e ao resto do espaço.

E o é que tu achas que é o protagonista aqui deste quadro? Qual é o objeto que é o protagonista?

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Flávia – Eu acho que é a rapariga em si mesmo, eu acho que ela sofre de descriminação do meu

ponto de vista. Sofre de descriminação…

A primeira coisa para onde olhas quando olhas para o quadro? É a rapariga?

Flávia – Para a rapariga e para a cadeira.

E em termos de sentimentos o que é que isto te transmite?

Flávia – Medo, tristeza…

Mais alguém quer acrescentar alguma coisa?

Maria – Porquê a prenda?

Pois, vais tentar tu dar uma resposta.

Maria – Eu disse que o sentimento era a solidão por causa também da prenda porque,

supostamente, quando se entrega prendas é num aniversário ou uma coisa assim e ela está

completamente sozinha e acho que a sombra então também serve para tapar, se tivesse pessoas a

seu redor, para tapar as pessoas. Como ela disse, inferioridade e essas coisas.

Aponta para uma época festiva não é?

Maria – Sim.

Mais alguma coisa ali que aponta para isso?

Bartev – O contorno da parte cima da…

As flores da cadeia.

Bartev – Sim. E o vestido dela parece que… ia a algum batizado ou ia ser batizada.

Maria – Eu acho que a parte da solidão também é pelo aspeto físico dela.

Bartev – Mas o que eu acho que chama mais atenção à obra é aquela parte da prenda, porque

apesar de a criança ser representada a branco e o contorno ser preto, está em cima do fundo que é

branco já. Só que a prenda é mesmo branca e quase ao seu lado todo o contorno é escuro, eu acho

que é a prenda que se salienta mais na obra.

Quem quer mais falar sobre a prenda?

O título é precisamente “A prenda”.

Bartev – Agora que a professora disse o título, eu associei àquilo que disse em relação à lição de

vida, de ela estar a passar uma fase que pode ser difícil mas que depois no futuro tem o seu fruto.

Porque eu acho que isso se relaciona com a prenda. Pode ser pequeno em relação ao momento que

ela está a passar, mas no futuro vai ser muito…

O que é que é pequeno? O objeto?

Bartev – O objeto.

E isso simboliza…?

Bartev – Simboliza mesmo o que no futuro pode ser grande.

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Pode simbolizar o futuro daquela criança é isso?

Bartev – Isso mesmo.

Vocês acham que tem alguma indicação aqui se é uma pintura realizada por um homem ou por uma

mulher ou se não é importante ou ainda não pensaram nessa questão?

Maria – Não consigo perceber a assinatura.

Não é para perceber a assinatura exatamente. Mas a pintura é feita por um homem ou uma mulher,

um pintor, uma pintora ou ainda não pensaste nisso? Relativamente às outras que tu viste?

Maria – A maioria das pinturas que tivemos a ver era de homens.

E relacionas esta com alguma das outras que nós vimos?

Maria – Só a janela.

A janela… e em termos dos outros pintores que nós vimos antes? Em termos de maneira de pintar? Ou

em termos até de conteúdo?

Maria – É semelhante. É a pessoa, as sombras e mais a janela, é o que estava nos outros quadros

também, normalmente uma janela e uma pessoa.

Exato, é o que há de comum em quase todos eles não é? E em termos de forma de representação,

aquilo a que dá importância, maneira de desenhar?

Maria – Os outros pintores conseguiram dar sempre importância ao que eles queriam e este aqui

também que é o sentimento. E depois é, acho que foi na aula passada que vimos, o pintor focou-se

no que ele queria e o resto não ligou nenhuma como aqui, colocou o preto à volta para esconder e

focou-se na rapariga, nos pormenores e isso.

Bartev – A professora perguntou se nós associávamos a maneira de pintar ou qualquer coisa com

outras aulas, e eu dizia da maneira de pintar, da maneira de representar, com a obra que nós vimos

do autorretrato do ovo e do pássaro.

Sim, por ser muito realista e mais?

Bartev – Sim e também por ser muito detalhado, a troca das cores, daquela parte da cadeira das

pernas que é a preto vai para o azul, há a aquela troca de cores mesmo…

Uma passagem muito suave.

Bartev – Associava àquele pintor que fez o autorretrato.

Achas que as cores foram bem escolhidas para esta representação?

Bartev – Acho.

Achas que há alguma coisa que não este bem conseguida que tu mudarias?

Bartev – Não sei… eu acho que não. A única que faz um bocadinho aquela dúvida de porque é que

está ali é aquelas flores em cima da cadeira.

Sim, já responderam do presente, agora tentem responder das flores.

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Maria – A prenda deve ser… aquilo deve ser uma altura festiva e as flores também são para isso,

para representar essa ideia.

Bartev – Mas não faz muito…

Maria – Mas as flores hás de reparar que estão a fazer um arco em volta da rapariga e a rapariga é o

ponto da obra, é o centro.

Bartev – Está bom, mas não faz muito sentido tão escuro com uma cadeira dessas…

Maria – Por isso mesmo para representar a rapariga.

Bartev – Com esse fato, dá-me a sensação que é época festiva, não tem essa lógica…

Maria – Imagina se fosse o aniversário em tempos antigos, era assim que as raparigas se vestiam.

Bartev – Está bom, um aniversário não pode ter assim cores muito escuras.

Maria – Mas por isso mesmo, ele quer representar a rapariga.

Cada um na sua vez para podermos ouvir os dois, vamos lá.

Maria – A rapariga é o que ele quer representar, a solidão por isso é que ele usa a sombra para

esconder o que está á volta.

Bartev – Eu estou a perceber o que é que tu estás a dizer, agora em relação à escuridão que tem …

se não tivéssemos aquela janela, até porque a janela está representada como se fosse uma varanda

e nós não temos quase nada para além da varanda.

Maria – Mas a janela só serve para iluminar a rapariga porque é o ponto principal.

Bartev – Como nas outras obras que nós também já vimos, ele podia representar o quarto todo

escuro e focar, como tu disseste, o que mais interessava, a rapariga.

Vamos interromper um bocadinho, vocês já continuam. Se eu vos disser que é um autorretrato, muda

alguma coisa?

Maria – Então é uma pintura e retratou a sua infância, a solidão que teve em pequena.

Num determinado momento?

Maria – Num determinado momento, por exemplo no aniversário ou assim. A solidão, por isso é

que a sombra está a representar, está a afastar o resto e está a focar-se nela.

Bartev – Eu agora fiquei com muitas dúvidas em relação ao que a Maria disse. Ela disse logo no

início que o pintor tentou focar-se mais na criança, e nas outras pinturas que vimos havia pintores

que só se focavam naquilo que queriam e o resto podia ser de qualquer maneira, agora nesta parte

a Maria disse que ele se calhar tentou focar-se mais na criança e o resto escolheu um fundo escuro e

depois com uma janela. Para se focar mais na criança não punha a janela nem a prenda, nem as

flores nem nada, ele até podia por um fundo escuro e depois só a criança de branco em cima da

cadeira.

Então o mais importante para ti não é a criança, é isso que estás a dizer?

Bartev – Para mim não é a criança, é mais aquilo que está a volta da criança.

Maria – Não.

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Bartev – Porque se ele quisesse focar-se mais na criança, não tinha posto aquelas flores e a prenda

um bocadinho longe da criança, não tinha feito a janela e isso tudo.

Eu já disse que isto é um autorretrato, como é que explicas isso sabendo que é um autorretrato.

Bartev – Sendo um autorretrato eu associo…a única coisa, associei a janela com um espelho.

Desenvolve, não estou a entender.

Bartev – Porque se é um autorretrato, também a pintora não tinha essa idade quando fez esse…

Pois não.

Maria – É um autorretrato da infância.

Bartev – Por isso mesmo, o que quer dizer a janela como um espelho?

Maria – A janela é para iluminar.

Bartev – Muitas vezes nós temos ilusões como nos filmes ou nas profecias e lendas, nós olhamos

para a água e vemos o futuro ou o passado.

Vemos o reflexo.

Bartev – Sim vemos o reflexo, podemos ver da infância ou…

E então ali janela é o quê nesse teu ponto de vista?

Bartev – Nesse meu ponto de vista a janela para cá é a infância, para lá é o futuro.

Qual é a diferença? Como é que tu caracterizas a infância?

Bartev – Eu acho que ela, da maneira como está representada, apesar de ter tido uma infância feliz

à sua volta, em termos de transmissão por dentro os sentimentos foram tristes.

Portanto tem uma recordação triste dum certo momento na infância.

Bartev – Sim.

E ali a parte do espelho remete-te para…?

Bartev – Para o… supostamente se estivéssemos nesse momento ia ser o futuro em que ela fez o

autorretrato. No momento em que ela fez o autorretrato.

Então refletiria um momento triste ou não?

Bartev – Não.

Não estou a perceber…

Bartev – Nessa parte do espelho não.

Seria diferente o sentimento?

Bartev – Seria diferente, sim.

Então estás a dizer que há aqui a coexistência de dois tempos com sentimentos diferentes, é isso?

Bartev – Sim.

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Agora quero saber se gostam ou não gostam e porquê. Se consideram uma boa pintura ou nãoe

porquê.

Liliana – Eu gosto. Acho que está muito bem representado, a vida, o passado da senhora que pintou

o quadro.

O que é que te atrai mais? É o tema ou o modo como está feito?

Liliana – O modo.

Especialmente…?

Liliana – O contraste entre a rapariga e a cadeira.

Ah! Contraste de escala.

Liliana – É.

Portanto, esta desproporção não será porque o pintor não sabia como pintar?

Liliana – Não, ele quis mesmo fazer a cadeira maior e a rapariga mais pequenina.

Achas que é uma boa pintura?

Liliana – Acho.

Porque…?

Liliana – Está a representar bem… está a demonstrar bem a vida como era.

Cátia – Eu não gosto nem deixo de gostar, acho que é uma pintura interessante porque mostra que

antigamente as festas de aniversário era do género a criança mais os pais, cantavam os parabéns,

comiam o bolo, abria uma única prenda que é a prenda dos pais e acabava aí a festa. Se fosse como

agora, não se representava assim, representava-se com muita luz e com muita gente num só espaço

e acho que é interessante porque é para mostrar a diferença dos tempos antigos e de agora.

Bartev – Aí sozinha, não associo à mesma coisa que a professora disse.

Ruben – Solidão.

Bartev – Mas pelo menos devia ter alguma coisa, alguma pessoa íntima, por isso acho que está mal

representado.

Cátia – Não, exatamente, até podia estar lá o pai e a mãe mas…

Cátia aproxima-te mais, se faz favor. Raquel, enquanto a Cátia vem para aqui.

Raquel – Eu acho que antes da rapariga neste caso, saber que ninguém vinha à festa ela até se

calhar estava contente mas quando ela começou a perceber que ninguém vinha é como se tudo

desabasse e daí o quarto estar escuro e só haver uma luz porque ela ficou triste.

Cátia – O Bartev disse que não teria a presença de mais ninguém, eu acho que é como eu já disse,

antigamente os pais eram muito conservadores, então é como se a criança vivesse num mundo só

de adultos, não tivesse amigos, não tivesse nenhuma criança próxima dela, logo era uma festa

solitária e estava sozinha.

E achas que isso é a memória que ela quis representar aqui, é isso?

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Cátia – Sim.

Cláudia – Isto parece-me ser um salão mas um bocado para o solitário, ainda por cima ali a boneca

representa uma criança assim solitária. Aquilo é um bolo de aniversário, aquilo ali no centro da

mesa? Pois, é a solidão. Mas o mais estranho é que a pessoa não aparece é só mesmo a cadeira, o

bolo e a boneca, por isso é mesmo a criancinha.

Susana – A mim parece-me a continuação da outra pintura é que… como a menina estava sentada

na cadeira sozinha, e como a professora já contou a história que ninguém apareceu à festa, aqui

parece-me o salão onde iam fazer a festa e não apareceu ninguém. Ficou o bolo à espera de ser

cortado. Depois aquela boneca parece ser da menina que ficou ali abandonada, não é? É isso.

E em termos de modo de representação e de diferenças de iluminação em relação ao anterior? Parece

que está a representar o mesmo momento mas este modo de representação é diferente.

Susana – Sim, é mais iluminado.

Outro aluno – Mais cores.

Susana – Sim, é mais colorido.

Mais colorido, mais?

Outro aluno – Tem menos sombras.

Susana – Tem mais espaço, é mais aberto.

O que é que dá essa noção? Do que o espaço aqui é mais aberto?

Susana – É o chão.

Caracteriza o chão.

Susana – Parece ser tipo redondo… sei lá.

Achas que é o chão que dá a noção disto aqui ser um espaço aberto?

Susana – Sim.

O outro era um espaço fechado?

Susana – Não era fechado mas era mais pequeno e lá também onde a menina estava não tinha

muitos objetos que ocupassem o lugar onde ela estava. O retrato estava só concentrado nela, ou a

pintura e por isso também não mostrava tanto o sítio onde ela estava mas este aqui mostra a sala

num todo, mostra poucos objetos e pronto… o chão…

E em termos de conteúdo? A mesma coisa ou é diferente?

Susana – Sim, um pouco de solidão.

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Raquel – Eu acho que o pintor nesta pintura deu mais pormenores ao chão do que na pintura

anterior, isto se for o mesmo a pintar.

É a mesma pintora sim.

Raquel – Então ela deu mais uso à forma do chão.

Esta é uma pintura anterior em termos de percurso na sua carreira.

Raquel – Na pintura anterior estava tudo muito escuro e nesta aqui já tem mais cores, é mais

colorida, apesar de transmitir sempre a mesma solidão.

Mas achas que transmite a mesma coisa?

Raquel – Transmite porque está tudo sozinho, só o bolo e a boneca caída no chão.

Flávia – Eu acho que no meu ponto de vista, os sentimentos que a pintora foi sempre guardando,

como de inferioridade e de medo de ficar sozinha… eu acho que ela quis retratar-se na boneca.

Porque as pessoas podiam não estar presentes mas eu acho que os pais também não lhe davam a

atenção que ela achava que merecia, então eu acho que ela se sentia como uma boneca dentro de

uma caixa, mas neste caso ela preferiu retratar a boneca dentro de uma sala porque ela sentiu que

os pais deviam trabalhar muito e deixavam-na sozinha dentro de uma sala a brincar com uma

boneca, então eu acho que é isso, ela sentia-se muito só. Eu acho que ela se retratou na boneca

porque ela sentia que ninguém brincava com ela...

Se é isso que pretende representar porque é que não terá representado uma menina e terá

representado uma boneca?

Flávia – Porque ela, se calhar, sentia-se como uma boneca, um monte de trapos a quem ninguém

dava atenção… acho que é isso.

Maria – O tema é o mesmo só que ela aqui quis representar a solidão numa maneira de pintar

diferente, com mais iluminação. O bolo representa a prenda na outra pintura e cadeira no espaço

vazio representa uma única pessoa que deve ser a rapariga e a boneca também está ali para

representar essa rapariga. Ali na cadeira devia estar a rapariga e muita gente mas não está e a

boneca está no chão e parece que o chão está a cair, e ela quis fazer esse efeito para demonstrar…

como é que se diz… é um espaço vazio para demonstrar a…

A imensidão…?

Maria – A imensidão do espaço.

O facto de ser grande é isso?

Maria – O facto de ser grande e não ter lá ninguém e ter um bolo de aniversário mesmo no meio,

está a representar a época festiva em que ela deve ter ficado traumatizada.

Bartev – A primeira coisa que eu ia falar é o que a gente disse em relação ao chão. O chão está

representado de uma maneira esquisita que nem sabemos se está pormenorizado ou não, mas

aquilo que não reparamos é… tem um nome especifico… dois objetos formam-se milhares. E o que

nós vemos no chão é sempre a mesma coisa.

Portanto, é um padrão.

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Bartev – Sim o padrão. E eu acho que isso para mim não é pormenorizado. Em relação à maneira

como está representada a obra está desequilibrado, da maneira como está, a perspetiva da mesa, a

mesa em relação ao espaço não está certa.

Qual deles é que não está certo?

Bartev – A mesa, porque a parte de cima está representado de uma maneira que não encaixa muito

bem no suporte, a cadeira também não encaixa muito bem em relação ao boneco, porque o

tamanho do boneco parece que é da mesma altura da cadeira. A única coisa que dessa obra está

bem representado são as janelas, dá-nos a sensação que a parte do fundo ou visão mesmo, é… tem

uma curva e as janelas estão bem representadas em relação a essa curva, em relação á

profundidade, nós vemos mais por causa da luz, é por causa das janelas e da luz que nós sentimos a

profundidade.

E não pelo chão?

Bartev – E não pelo chão, é mais pela…

Qual é o efeito que o chão representado desta forma sugere?

Bartev – Para mim, quando olho para o chão, começo a pensar em duas coisas. Primeiro dá a

sensação que é como se fosse o mundo, ou em cima do mundo, dá a sensação que está a escorregar,

e a outra quando ficamos a olhar mais detalhadamente, sentimos que está longínquo, está tem

profundidade. É isso.

Das três obras a primeira que ela fez foi a do meio, esta é de 1980.

Maria – Ela nasceu em…?

Em 1930.

Maria – Se calhar queria representar o melhoramento da sua vida, por assim dizer…

Começa por descrever.

Maria – Em termos de pormenores está tudo muito bem representado, representou bem as

cadeiras onde as senhoras estão sentadas, a profundidade, está ali, acho que é o mar, uma

montanha, no lado direito. As árvores mais perto estão mais escuras as mais longe estão mais claras,

o que dá profundidade, em termos de cores…

Dá profundidade as mais longe estarem mais claras?

Maria – As mais claras dão profundidade, porque ela lá ao fundo nem sequer nem fez muitos

pormenores.

Confunde-se um bocadinho, não é?

Maria – O mar e o céu…

Com o mar e com o céu…

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Maria – Representou bem as sombras, pormenores, até os pormenores do tronco da árvore. Esta

pintura foi mais pormenorizada do que as outras duas. Talvez o melhoramento na sua pintura ao

longo dos tempos, não sei…

Quais são os elementos a que achas que ela dá mais importância, a importância é distribuída por

vários elementos?

Maria – A importância eu acho que está… que tem as árvores tem a ver com as pessoas.

Como assim?

Maria – Dá a sensação de cada árvore para cada pessoa, por assim dizer…

Cada árvore para cada pessoa?

Maria – Sim, porque…

Como é que se pode explorar isso?

Maria – Não é normal estarmos assim num jardim com a erva bem curtinha com as cadeirinhas e

árvores, muitas árvores. Acho que as árvores, não sei qual é o significado, mas devem ter algum

significado para ela, não sei é qual.

Ela nasceu na Madeira.

Maria – Mas ela aqui já não estava na Madeira, pois não?

Já não vivia na Madeira. Nessa altura vivia no Canadá.

Maria – Então queria representar a Madeira, o sítio onde ela viveu e as pessoas com quem viveu.

E o que é que transmite este quadro? Em termos de conteúdo?

Maria – Alegria. Neste quadro já é mais alegria no outro era solidão, porque acho que as pessoas

aqui já estão velhas. Ela aqui deve…

Ela já tem 50 anos nesta altura.

Maria – Ela tem 50 anos, então acho que era os amigos de lá, só que representou-os mais velhos, e a

criança e o cão… deve ser neto ou uma coisa assim. As pessoas que estão aqui têm sentimento para

ela.

Sim.

Maria – Têm sentimento…Ali por exemplo podem os filhos lá ao fundo, o filho e a namorada do

filho ou assim. Ela quis representar pessoas que lhe eram importantes.

Bartev – Em relação à composição da obra, o que para mim desvaloriza a obra, é as cores das

árvores, estão demasiado escuras em relação à obra. Com uma obra tão colorida tão bem

pormenorizada as árvores eu acho que baixa um bocadinho o valor.

Maria – Deste lado é sombra, vê-se no chão, só o outro lado é que é o Sol, por isso é que estão

escuras.

Bartev – Agora em relação ao que a Maria disse das árvores serem para uma pessoa… árvore

também tem o símbolo da vida.

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Sim.

Bartev – Que nós vimos noutra aula passada, estava representado na parede, eu até disse que dava

a sensação que havia esperança que havia vida naquilo, e se formos reparar cada pessoa tem a sua

árvore. O homem está do lado direito, tem a árvore do lado direito, a mulher também tem, a criança,

o conjunto de três pessoas também tem três árvores e só não associo muito bem aquelas duas

pessoas que devem ser jovens.

Têm duas árvores, uma de cada lado.

Bartev – Lá do fundo…

Não, sendo assim também têm duas árvores, aquelas duas iguais…

Bartev – Mas eu associava aquela do lado esquerdo mais à terceira pessoa que está do lado

esquerdo.

Porque é que tu dizes que a árvore é o símbolo… Como é que tu disseste?

Bartev – Simboliza a vida.

Porquê?

Bartev – Não sei… eu acho que já…

É uma ideia tua ou já viste isso representado?

Bartev – Já vi isso representado antes e também é uma ideia que tenho desde pequeno.

Mas o que é que pode haver de comum?

Bartev – Não sei…

Explica um bocadinho melhor.

Bartev – Se calhar no momento em que nós nascemos… a árvore tem um tronco e nós somos o

tronco e depois tem as suas raízes e as raízes devem ser as memórias de acontecimentos da nossa

vida, e chega a uma parte e a raiz para, se calhar como se diz, nós na nossa vida temos várias portas

e algumas portas abrem-se mais cedo do que as outras e algumas dão para outras.

Estás a ver isso como o crescimento, estás a fazer a analogia com o crescimento.

Bartev – Isso mesmo.

Desde as raízes até depois às ramificações e às hipóteses de crescimento, não é?

Bartev – Isso mesmo. Uma coisa que a Marina estava quase e mesmo assim não chegou lá, é que

nessa obra nós sentimos a profundidade e as três fases de profundidade que é o primeiro plano,

aqui o segundo e depois o terceiro lá.

Sim, exatamente.

Cátia – Eu concordo também um bocado com o que a Maria disse de cada pessoa ser uma árvore,

mas acho também que, como a Maria disse, ali estão representadas pessoas que fizeram parte da

sua vida mas acho que as árvores podem representar as pessoas que com quem ela convivia na sua

infância quando ainda estava na Madeira.

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Uma memoria também de infância?

Cátia – Sim, as pessoa que estão ali, é com quem ela convive agora, quando está no Canadá, e as

árvores representam, como o Bartev disse uma árvore a crescer, ela imagina as pessoas com quem

conviveu na sua infância a crescerem também, mas como não tem nenhuma imagem dessas pessoas

representa por árvores, como o Bartev disse a árvore representa a vida.

Neste conjunto de obras que vocês virão, das três, há alguma semelhança que vocês estabeleçam com

alguns pintores anteriores?

Bartev – A primeira obra que eu vi é como eu disse tem mais a ver com a maneira de como foi

pintada com aquele pintor do autorretrato, e este aqui só vejo a semelhança nas sombras das

árvores, a relva e… mesmo o chão, só vejo o chão, da maneira como foi escolhida a troca de cores é

que associo a esse pintor que fez o autorretrato de resto…

Alguma coisa nas obras de hoje é importante pelo facto de ser de uma mulher, notam isso em algum

aspeto?

Bartev – Eu diria mais que era um homem.

Dirias mais que era um homem?

Bartev – Por causa das cores.

Maria – Se a professora não dissesse que era um autorretrato eu não sabia. A primeira era capaz de

dizer que era uma mulher…

Bartev – Uma coisa que eu associava mesmo nisso, essa obra, da maneira como está representado,

é o que nós vimos mesmo no primeiro placard na aula. Aquele dos camponeses…

Exatamente, quando tu falaste nos planos eu lembrei-me desse. Que era do séc. XVI.

S6B _ Grupo B _ Martha Telles [26-05-2008]

A primeira parte já sabem, descrever a obra. Já sem grandes orientações.

Raquel – Eu acho que este quadro parece que dá muito realce à menina na cadeira porque tudo é

escuro à volta. Nas paredes não tem nada, é tudo escuro mas depois tem a janela a iluminar mesmo

aquele sítio. Eu gosto deste quadro, acho que é giro e gosto especialmente das flores na cadeira

acho que ficam bem. Depois, este quadro tanto utiliza linhas retas como curvas. Linhas retas mais

na janela e na cadeira, mas a cadeira também é mais para o redondo e a rapariga também. Acho que

as cores estão bem utilizadas, porque a cor do cimo da cadeira é a mesma de lá de fora, parece que

está a combinar.

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Bruna – Eu também gosto deste quadro, primeiro porque é muito diferente dos anteriores, do

anterior que vimos e só não percebo uma coisa, porque é que há tanta cor e depois é uma sala

escura. Há tanta cor na cadeira e na menina e na janela e depois a sala está escura!

Que hipótese é que tu tens para isso?

Bruna – Talvez que realce…

Realça o quê?

Bruna – A menina, a cadeira, o presente e a janela.

Carolina – Não gosto do quadro, gostava mais do último, mas este também é melhor que o

penúltimo. Acho que neste caso a pintora concentrou-se mais numa só linha, a descrever e realçar

um plano, tudo numa sala, que é a prenda, a cadeira, a menina e aquela coisa lá fora que eu não sei o

que é que é. Depois há linhas retas tanto na porta como lá nas grades, na prenda, nalguma parte da

cadeira, linhas curvas nas pessoas, na menina como é normal. Também há a existência de algumas

sombras, parte da luz que vem da janela… mais? Mais nada.

O que é que não gostas? Começaste por dizer que não gostas.

Carolina Santos – O que é que eu não gosto? É muito vazio.

Muito vazio, e isso transmite alguma coisa?

Carolina Santos – O que é que me transmite? Não me transmite nada. Talvez a única que me

transmite é pela cara da menina, por ela estar assim… talvez vergonha e acho que ela está ali com

uma espécie de sorriso improvisado. E pronto, talvez as flores transmitam alguma alegria… mais

nada.

Maria Carolina – Eu também não gosto do quadro e discordo da Raquel quando ela disse que as

cores estavam bem combinadas, eu odeio estas cores e não ficam nada bem umas com as outras,

acho eu.

Odeias estas cores?

Maria Carolina – Sim.

Não sabia que havia cores que tu odeias, quais são?

Maria Carolina – Roxos e assim… o vermelho muito, muito vivo mas depende também do

vermelho vivo, porque há vermelhos vivos que eu gosto, depende do sítio onde está o vermelho.

Ah!

Maria Carolina – E portanto também depende do roxo onde está…

Então não é bem as cores que tu odeias?

Maria Carolina – É a cor aplicada.

É o contexto da sua utilização?

Maria Carolina – Exatamente. Depois vê-se perfeitamente que a luz vem da janela, vê-se no chão

que há um tom arroxeado mais claro, a prenda, acho eu, que é a maneira de dar importância às

prendas quando as coisas são vazias. E eu acho que o quadro ficava mais giro se fosse por exemplo

uma prenda no meio, sem mais nada, uma sala vazia com uma prenda no meio, acho que isso

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transmitia mais coisas e assim combinava com as flores. Eu não consigo sentir nada, não consigo,

com as flores! Se a cadeira não tivesse flores eu talvez dissesse que a menina estava envergonhada,

triste mas tinha ali uma prenda e se calhar não tinha o nome dela ou assim qualquer coisa e ela não

ia abrir.

Então as flores são importantes na cadeira?

Maria Carolina – São.

Contrariam o que estás a dizer?

Maria Carolina – Contrariam porque assim…

Então, ficas na dúvida?

Maria Carolina – Exatamente.

Entre…?

Maria Carolina – Entre a menina estar feliz e estar ali a prenda que ela vai abrir quando conseguir

saltar da cadeira. E a menina estar triste porque a prenda não é para ela. E eu não gosto do quadro

também por causa disso, é essencialmente por causa disso.

Não gostas por causa disso?

Maria Carolina – Dos sentimentos que ele não transmite.

Não transmite ou não consegues identificar?

Maria Carolina – Ou isso, não consigo identificar.

Já me disseste uma serie deles.

Maria Carolina – É isso, eu não consigo identificar.

Mas não consegues decidir, não é? E agora queria que tu voltasses à questão das cores, de tu dizeres

que odeias aquelas cores, mas tu já me disseste que não é bem isso.

Maria Carolina – Não é bem isso. É a maneira como está aplicado.

Como está aplicado, estão o que é que faz aqui neste quadro com que tu odeies o vermelho e o roxo?

Maria Carolina – Porque o roxo aqui é associado à morte, eu acho. E o vermelho aqui é associado à

vida, e isto contraria-se outra vez e não gosto. Estou farta de dizer que não gosto!

Está bem. Priyal, querias falar?

Priyal – Eu concordo, também não gosto muito, não aprecio muito este quadro, e também concordo

com a Maria Carolina sobre as cores, não gosto de ver o roxo nem o vermelho.

Mas não gostas dessas cores?

Priyal – Eu acho que não ficam bem.

Ou não gostas aqui?

Priyal – Aqui. Não, eu não gosto aqui…

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Da sua utilização?

Priyal – Sim, é isso porque eu acho que as cores não estão bem combinadas.

Porque é que tu dizes que não estão bem combinadas?

Priyal – Não sei, não fica bem, aquilo dá um ar estranho.

Dá um ar estranho…

Priyal – E não dá para perceber os sentimentos das pessoas, baralha a forma de pensar de uma

pessoa.

Estas cores baralham a forma de pensar de uma pessoa?

Priyal – Sim e o facto de a parede estar escura também porque da janela vem bastante luz e a

parede está escura.

Sim.

Priyal – Ou seja, se o branco geralmente indica a paz e a alegria, o escuro indica geralmente a morte

e a tristeza, então aqui ficamos na dúvida também.

Então, é por isso que tu não gostas do quadro?

Priyal – É isso porque baralhamos as ideias todas.

Coloca-te dúvidas?

Priyal – Sim é isso.

Clara – Eu também não gosto do quadro mas discordo com elas em relação às cores, eu ao contrário

delas, gosto das cores como estão aplicadas, apesar de também concordar que o quadro não me

transmite uma ideia certa, não consigo observar uma ideia certa no que o quadro quer transmitir

mas por um lado gosto de como as cores estão, principalmente a parte da parede que elas falaram.

Gosto como está a luz a refletir-se na parte do chão onde está a menina. Eu gosto da utilização das

cores desse modo, mas também gosto da parte das cores como são aplicadas mas não gosto do

quadro mesmo assim.

E consegues explicar-me porquê?

Clara – Também por aquela razão de não me transmitir uma ideia certa e também acho que o

quadro… por exemplo a parte de fora da janela acho que devia estar diferente, devia ter lá qualquer

coisa, não se percebe muito bem o que é aquilo, aquilo é suposto ser o céu, não se percebe muito

bem e também pelas formas, não gosto muito da forma da menina, a cara dela não se percebe muito

bem, porque as ideias contrariam-se todas umas às outras, como a Maria Carolina disse.

O que é que não percebes na cara dela?

Clara – Como a Carolina disse ela parece que está, por um lado parece tímida, pela sua posição,

com os braços e a maneira como ela está vestida, o cabelinho e tudo parece ser muito tímida e

também como elas disseram parece que ela está a fazer um esforço para estar ali, não parece

contente ao estar ali.

Raquel – Eu concordo com a Clara na parte das cores, acho que estão bem aplicadas, gosto

especialmente dos quadrados que faz lá fora azuis escuro e aquele azul esverdeado e também gosto

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da parte que está mais clara, mais roxa clara na parte da janela em relação ao roxo que está na parte

escura e acho que o quadro transmite-me qualquer coisa… não me baralha muito, transmite-me

mais alegria do que tristeza porque como já tinha dito ao princípio o que a pintora realçar acho que

foi à menina e à cadeira e logo aí essa parte transmite-me mais alegria do que a parede. A menina

parece que está com uma cara de envergonhada mas ao mesmo tempo acho que parece que está

muito feliz por causa das flores, dá um aspeto mais de felicidade.

Quais são os primeiro elementos para onde tu olhas quando vês este quadro?

Raquel – Para a cadeira e a menina.

Maria Carolina – A primeira coisa que para onde olhei foi para as flores, depois para a cadeira,

depois para a menina e depois para a prenda.

Flores, cadeira, menina, prenda.

Maria Carolina – E depois da prenda prossegui pelo roxo até dar à janela.

Carolina – Foi a prenda, menina, cadeira, lá fora e depois voltei outra vez para a prenda.

E depois voltas outra vez para a prenda.

Carolina – E outra coisa que eu também queria dizer é que o que eu acho outra coisa estranha

neste quadro é o facto de as flores estarem ali, acho que é um estilo diferente. Temos a menina, é

tudo… a sala muito vazia, umas cores muito mortas, para mim, e depois temos as flores que

supostamente transmitem vivacidade…

Maria Carolina – Mas também pode ser para um funeral.

Carolina – E acho que aqui contrariam muito, acho estranho o estilo de desenho, também acho

diferente.

Achas parecido com alguma coisa que nós vimos anteriormente? Relacionas com alguma coisa?

Carolina – O quadro em geral?

Sim.

Maria Carolina – Eu não sei se é o segundo que eu estou a ver, eu estou a ver um que tinha as

cores assim vivas, só roxo, só não sei quê…

Mas já vimos a muito tempo ou há pouco tempo?

Maria Carolina – Há algum tempo.

O que é que tinha representado?

Maria Carolina – Era só… só coisas feias. Ah! Já sei, foi aquele que a Raquel adorou e nós não

tínhamos gostado, só por causa da cor!

Marta – Em relação ao que a professora perguntou, eu olhei primeiro para as flores e para a cor da

sala porque é supostamente o contrário, a sala é vazia, não tem nada a não ser o vestido dela e a

cadeira, e depois cheia de flores… A cadeira está completamente cheia enquanto a sala está quase

vazia, e é assim um bocado…

Então tu olhas primeiro para as flores e depois para o resto da sala é isso?

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Marta – Sim.

Priyal – Eu acho que quando olhei para o quadro, a primeira coisa que eu vi foi a parte de fora da

janela por estar a contrariar a parede.

Sim. Em termos de…

Priyal – De cor. Porque a parede é muito escura e o lado de fora é muito claro e o vestido da menina

também. Acho que foi isso, depois foi o vestido e depois é que foi a prenda por estar em cima de um

roxo.

Falaram da cadeira, da menina, das flores, do presente e da janela, como é que vocês identificam esses

objetos em termos de significado?

Maria Carolina – O místico deste quadro é precisamente aí.

É, pois é.

Maria Carolina – Foi ali que a pintora se focou quando estava a pintar.

Exatamente, já chegámos a essa conclusão.

Maria Carolina – Eu acho que a menina com o sorriso amarelo, liga-se às flores, as flores com a

diversidade ligam-se à prenda, a prenda como é azul liga-se à rua. As flores e o sorriso amarelo acho

que têm o mesmo significado, não é? Depois as flores como são vivas, normalmente uma pessoa

recebe uma prenda fica alegre, as flores são alegres e a prenda também, portanto ligamos à prenda,

depois quando nós abrimos uma prenda estamos com curiosidade…

Aquela prenda não está aberta.

Maria Carolina – Por isso mesmo, curiosidade.

A menina tem curiosidade?

Maria Carolina – Sim. Acho que sim, está ali envergonhada, “Vou ou não vou..”

Carolina – Eu acho que posso ligar a menina à prenda porque o que caracteriza uma criança

normalmente que é que elas gostam… quando se pergunta a um familiar “trouxe alguma prenda

para mim?” Acho que é isso que liga uma prenda a uma criança. Depois, vou pegar um bocadinho no

que ela disse, que é a parte da curiosidade, não sabemos o que é que está lá dentro, e depois a

prenda em relação ao exterior, nós também não sabemos o que está no exterior, ali apenas vemos

uma mudança de cor entre o azul e o claro para o branco e também tem alguma curiosidade, o que é

que está lá fora para além da varanda.

Estás a fazer uma relação entre o exterior e a prenda.

Carolina – Sim. E entre a prenda e menina.

Não sabemos o que está representado lá fora e não sabemos o que está dentro da prenda porque está

fechada, é isso que tu estás a dizer?

Carolina – Sim.

Raquel – Já me lembrei do que ia a dizer, era sobre aquilo que a professora tinha dito sobre com

qual quadro é que nós relacionávamos este. Eu relaciono mais com o Matisse porque pelos quadros

que eu vi, quase todos tinham uma janela e depois tinha a parte de dentro, não é? E depois a janela

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iluminava assim uma parte mais concreta, por exemplo aquele que era um homem e uma mulher.

Só que a única diferença é que nessa janela via-se o que estava lá fora, nesta aqui é o que elas

disseram é a curiosidade do que está lá fora, da prenda e isso tudo. Em relação aos elementos, como

é que se ligam, acho que a cadeira liga-se com a sala, porque parece ser o único objeto fixo na sala. E

depois a menina liga-se mais com a prenda, porque está naquela dúvida se abre ou não abre, como

elas disseram, depois a janela, faz parte da sala mas acho que também combina com as outras coisas

e serve para dar um realce à cadeira e…

À iluminação?

Raquel – Sim.

Clara –A mim também me transmite dúvida por aquilo que elas já disseram e também pela prenda,

eu discordo com o que elas disseram da curiosidade de abrir a prenda ou não. A mim parece-me

que uma das coisas que dificulta saber o que o quadro transmite é a prenda, não me parece que ela

esteja com curiosidade de abrir a prenda.

Porque…?

Clara – Porque ela, para já, não está a olhar para lá. Está a olhar para um local completamente

diferente, ela está na cadeira e a prenda está no chão e ela parece que não está minimamente

interessada na prenda, a mim pelo menos não me transmite curiosidade. Parece que puseram ali a

prenda e ela não está a ligar nenhuma àquilo, é uma das coisas que me confunde, é a prenda ali.

É não haver uma reação?

Clara – Sim porque normalmente as crianças quando veem uma prenda têm sempre curiosidade

em ir abri-la. E ela parece-me completamente o contrário, não tem curiosidade em saber o que lá

está.

O título é “O presente”. Isso muda alguma coisa?

Clara – Pois, é como eu estava a dizer, eu não percebo…

Maria Carolina – Quando ela disse que a menina podia não estar a ligar nenhuma à prenda e já

consegui relacionar a cara dela com o sorriso amarelo e com a prenda.

Sim.

Maria Carolina – Deram-lhe a prenda e ela provavelmente não gostava da pessoa e para ser má

não foi abrir a prenda de propósito para a outra pessoa ficar… poderá estar atrás do plano, não é?

Poderá estar para cá?

Maria Carolina – Para a outra pessoa ficar magoada e assim ela sorri sorrateiramente. Gosta de

receber prendas só que ela não quer satisfazer a pessoa que lha deu.

Então está a conter-se?

Maria Carolina – Está a conter-se.

Raquel – Eu não concordo com o que ela disse porque ela não parece estar com um riso de “Ah!

Não vou abrir a tua prenda”, não parece, pode não estar a olhar para a prenda mas não parece estar

a não querer satisfazer a outra pessoa, é o que eu acho. Ela pode estar, por exemplo, numa pose

para tirar uma fotografia e ela não ia estar ali a olhar tipo “A minha prenda! “, não é?

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Mas dizes que está a tirar uma fotografia porquê?

Raquel – Parece.

Parece, algum momento…

Raquel – Sim, como ela está com um vestido branco e isso.

Bruna – Aniversário.

Aniversário, pode ser um aniversário. Que elementos tens aí que te possam fazer pensar em

aniversário?

Bruna – O vestido, o presente, a maneira como a cadeira está, as flores na cadeira.

Os enfeites?

Bruna – Sim, podem estar como os enfeites do aniversário dela ou de outra pessoa. Está vestida

como se fosse para uma festa.

Clara – Eu agora depois de saber o título, depois do que elas disseram já mudei a minha opinião em

relação à prenda.

Então o que é que mudou?

Clara – Eu agora também já acho que ela está com curiosidade de abrir a prenda, mas por estar a

fazer alguma coisa não pode ou por estarem a tirar-lhe uma fotografia, ou até podem estar a pintar

um quadro dela, não sei. Parece que ela quer abrir a prenda e não pode e por isso está assim com

aquele sorrisinho, com as mãos como quem está à espera, está ansiosa por abrir a prenda.

Carolina – Eu acho que está criança é filha da pintora.

Esta criança é filha da pintora, porquê?

Carolina – Não sei… é que são uns sentimentos assim… só os pais é que conhecem os filhos, aposto

que por detrás disto ainda há mais sentimentos para além daqueles todos que a gente disse.

Achas que há um sentimento muito íntimo naquela figura?

Carolina – Sim, acho.

Partilhas dessa opinião, Maria Carolina?

Maria Carolina – Partilho, já consigo relacionar com o fora, com o facto da sala estar vazia em

relação à minha outra opinião de ela estar a ser má, já consigo relacionar o roxo da sala.

E então?

Maria Carolina – O roxo para além da morte é mal, eu acho que é para os maus. Os maus

normalmente nos filmes pintam os olhos de roxo, não é? Então se ela estiver a ser má consegue ter

uma relação entre a sala roxa e as flores completamente contrárias e a prenda; e eu já consegui

relacionar tudo.

Mas eu não consigo perceber como é que tu o fizeste.

Maria Carolina – A pessoa que lhe deu a prenda gosta muito dela mas ela não gosta da pessoa. Ela

decorou a cadeira com as flores que a menina mais gosta e deu-lhe uma prenda, a menina

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simplesmente sentou-se na cadeira e “Não vou abrir a prenda!”. Relaciono o roxo que é o mau, que é

o sentimento que a menina está a ter naquele momento. E já consegui relacionar tudo!

Ela aceita sentar-se na cadeira mas não aceita a prenda?

Maria Carolina – Exato.

Então há ali um conflito de sentimentos de…

Carolina – Porque ela gosta da pessoa só que está a fazer birra, e não conseguiu resistir à cadeira

que adorou.

Sabem porque é que as crianças fazem birra?

Outro aluno – Porque a prenda é pequena.

Não, estou a falar em geral, porque é que as crianças normalmente fazem birra?

Maria Carolina – Quando são contrariadas, quando… nunca pensei nisso.

Tu dizes que ela está a fazer birra é porquê? Para contrariar? O que é que ela pretende com a birra?

Maria Carolina – É conseguir aquilo que ela quer.

Quem é que falou aqui que devia ser a filha da pintora? Então e se eu disser que é a própria pintora?

Que é uma autorrepresentação.

Raquel – É o que eu ia dizer. Eu ia dizer que podia ser a própria pintora quando era criança, ela viu

uma fotografia dela e resolveu pintar. E acho que ela que como pintou a rapariga tímida se calhar

era mesmo para mostrar os sentimentos que ela tinha naquela altura, como é que ela era, era tímida,

acho que é isso.

Ana – Com que idade é que a pintora começou a pintar?

Eu creio que ela começou a pintar nova, ela entrou aos 25 anos no curso de Belas Artes no Porto mas

eu creio que ela já pintava antes. Isto é uma pintura de 1980, nesta altura ela tinha 50 anos, ela

nasceu em 1930.

Bruna – Concordo com a Raquel que ela era tímida e que queria exprimir os sentimentos que ela

tinha nessa altura e relembrar a infância dela.

E o que é que vos transmite da infância dela? Que emoção é que transmite?

Bruna – Tímida e…

Maria Carolina – Isso não me parecia nada uma relação com ela…

Carolina – A mim parecia, mas ser ela mesmo!

Vou dar-vos mais alguma informação sobre o quadro e depois continuamos, está bem? Representa um

aniversário, como alguns de vocês já disseram, representa o aniversário dela. Esta menina nasceu na

Madeira, é de nacionalidade portuguesa e viveu na Madeira até aos 15 anos depois é que veio para o

continente, casou…

Vários alunos – Casou com 15 anos?

Sim, mas não era muito estranho naquela altura, em 1930.

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Outra – Então teve um filho com que idade? Aos 16?!

Sim, acho que sim. Segundo a própria pintora, representa um aniversário em que por motivos de

alteração das condições meteorológicas, uma tempestade na ilha da Madeira, os convidados não

compareceram.

Vários alunos – Ah! Coitadinha! Então por isso é que está com essa cara…

Carolina – Então e a prenda? Se os convidados não apareceram de onde vem aquela prenda?

Vários alunos – Os pais.

“É a primeira vez que a minha opinião muda”, estavas a dizer, Maria Carolina, tenta explicar.

Maria Carolina – Então a minha opinião mudou, com a opinião dos meus colegas, mudou. Depois

de ter sabido o título do quadro também mudou, depois de saber a história do quadro também

mudou e a minha opinião hoje esteve sempre a mudar.

Esteve sempre a mudar, hoje?

Maria Carolina – Eu olhei para o quadro e não senti rigorosamente nada, depois observei melhor e

comecei a sentir contradiçoes o que me estava a desagradar profundamente. Depois comecei a

relacionar as coisas umas com as outras embora seja uma história rocambolesca mas foi a única

maneira que eu arranjei para relacionar. Quando a professora disse que isto foi uma festa de anos

passada, percebi exatamente a cor roxa, percebi a única prenda que a menina recebeu, percebi a

cara dela, ela está feliz e triste e daí o sorriso amarelo, as flores talvez façam parte da decoração da

festa. A varanda, a luz se calhar foi a única luz que ela sentiu durante o dia e a minha opinião ficou

assim.

E neste momento quando olhas para o quadro já não dizes que não te transmite nada, que não sentes

nada?

Maria Carolina – Não, agora já sinto qualquer coisa, já sinto a tristeza da menina que viu a sua

festa fracassada.

E neste momento gostas ou não gostas do quadro?

Maria Carolina – Agora já gosto.

Gostas?

Maria Carolina – Mas continuo a não gostar do roxo mas já gosto do quadro.

E achas que é um bom quadro ou não?

Maria Carolina – Agora é.

Agora é? E porque é que achas que é uma boa pintura?

Maria Carolina – Agora é, os sentimentos que isto me transmite, para mim um quadro tem que

transmitir algo forte e agora já me transmite sentimentos fortes, e por isso é que eu gostava do

pintor anterior.

É algo imediatamente forte, é.

Maria Carolina – É logo assim chocante. Aquele da mulher que estava a morrer …

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Aquele com o casal? Em que a mulher está na cama?

Maria Carolina – Até o meu coração acelerou mas pronto... E este aqui ao princípio era

completamente feio e agora já acho um bom quadro.

E o que é que tu fizeste para mudar de opinião? Fizeste alguma coisa?

Maria Carolina – Eu fui ouvindo, fui pensando no que estavam a dizer e mudei de opinião.

Mas estiveste a pensar sobre…?

Maria Carolina – Sobre o que as pessoas estavam a dizer, não estavam a falar para o boneco, acho

eu!

Maria Carolina – Isto era o salão onde estava o bolo, isto está vazio!

Carolina – Eu acho que é aí que as imagens se ligam.

Quem é que quer começar a falar?

Maria Carolina – Agora é provavelmente outra divisão da casa que mais uma vez… agora já sinto

aquilo que eu queria sentir quando disse que o quadro era bonito se tivesse só a prenda, agora o

quadro é bonito só por ter estes objetos, não gosto da cor amarela, não é? Acho que o azulejo é mal

escolhido mas pronto. Mas eu agora gosto deste quadro. Pegando na história do quadro anterior,

transmite-me o vazio do fracasso da festa, mas se não tivesse…

Achas que a temática é a mesma, então?

Maria Carolina – É a mesma temática mas se eu não tivesse visto o outro quadro para um

sentimento de vazio.

Isso é dado porquê? Esse sentimento vazio, como é transmitido?

Maria Carolina – Pelo global.

O que é que tu estás a ver?

Maria Carolina – Ver… paredes de dia, umas janelas com luz que é o único sítio donde vem a luz a

incidir no bolo…

Sim…

Maria Carolina – A boneca no chão, pode ter sido da menina estar arreliada de ninguém ter ido,

manda a sua boneca preferida para o chão e vai para o quarto, onde se senta e fica com a prenda... a

olhar para a prenda… porque é dia de festa…

Carolina – Acho que o que relaciona este quadro ao outro é o bolo. Este quadro também é muito

vazio, não há convidados, foi toda a gente embora, portanto solidão. A prenda estava fechada e o

bolo por comer. Outra coisa, a cadeira, os pés é o mesmo estilo, depois a mesa não sei… E o chão

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aqui à frente, isto não parece chão, vem dali detrás, muda… o tipo de azulejos do chão, não parece

tão 3D.

Sim, sim estou a perceber. Lá ao fundo junto à janela parece?

Carolina – Parece, aqui já não.

Que está em três dimensões.

Carolina – Sim, e aqui já não.

E aqui o que é que te parece?

Carolina – Parece simplesmente um plano.

Um plano?

Carolina – Sim. E o que talvez dê… pronto, que pareça que é uma espécie de continuação é a

boneca, porque a boneca é chão…

Priyal – Parece que a mesa e a boneca estão desenhadas no chão.

Raquel – Acho que este quadro está relacionado com o outro. Por causa do bolo e por causa da

boneca, acho que a maior diferença que há neste quadro para o outro é a iluminação porque aqui

está todo o quadro muito iluminado, no outro estava só mesmo a menina, também tem três janelas,

o outro só tinha uma. Eu gosto deste quadro como gostava do outro, este acho que é mais giro, mais

vivo, as cores são mais giras… e acho que só tivesse o outro quadro, relacionava mais este com o

que a professora disse do outro com o outro propriamente dito porque este tem o bolo. E é assim

uma divisão maior sem ninguém ali com uma boneca no chão. Acho que relacionava mais o que

dissemos sobre o outro com este se não tivesse o outro.

Clara – Eu estava a dizer que a mim parece-me também que pode ser uma maneira diferente…

pode ser o mesmo sítio mas está representado de maneira diferente, aquela cadeira pode ser onde

ela estava ou não, ela podia estar a olhar para o que estamos a ver agora, para a sala vazia sem

ninguém porque pela forma do rosto como ela estava parecia que ela estava a olhar com tristeza.

E isto aqui pode ser o ponto de vista dela?

Clara – O ponto de vista dela, a mim parece-me isso.

Raquel – Eu acho que este quadro já não tem muito a ver com os outros, porque já nem se vê a

menina, não está aqui, estão outras pessoas muito diferentes e a mulher que está abraçada ao

homem parece que tem uma raqueta de ténis na mão.

Pois parece.

Raquel – E depois como aqui há pessoas muito mais velhas do que mais novas, só há ali uma

criança e depois aqueles dois parecem ser mais jovens, os outros são todos mais idosos. Isto

normalmente não há assim cadeiras num jardim por isso deve ser o jardim de uma casa ou então

não iam com as cadeiras na mão, não é? Parece ser o estilo de uma casa ou de um lar. Estão ali as

senhoras mais separadas dos senhores, de idosos só há um homem, está ali sozinho. Depois estão

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ali as três senhoras no tricô e não sei quê… e depois está ali a outra senhora com regador na mão,

deve estar a regar plantas, depois está o cão a brincar com a bolinha e o menino.

E em termos de sentimento ou de conteúdo o que é que te transmite?

Raquel – Transmite-me bem-estar, felicidade.

É diferente dos outros?

Raquel – Acho que sim, porque já não tem a ver com a festa dela.

Bruna – Eu acho que está a caracterizar a ilha, talvez a ilha da Madeira e que se calhar um dia ela foi

lá passear com a família e quis desenhar a ilha, onde está, onde se calhar se sentia bem naquele

jardim.

Clara – Eu pensei numa coisa, pode não ter nada a ver, uma relação deste quadro com os outros,

com o primeiro pelo menos, aquilo era um autorretrato dela, ela quando desenhou aquilo já era

adulta. Ela desenhou-se em criança, aqui também há um contraste de idades, há os idosos, aquelas

pessoas que estão a ir embora parecem adultos normais, jovens, e depois ali uma criança. Eu acho

que nos quadros ela relaciona muito os tempos de juventude, os idosos… Não sei se tem a ver mas

em mim encontrei essa ideia… pode ter a ver os quadros com isso…

E em termos das pessoas que estão ali representadas, de algum modo relacionas com alguma delas?

Carolina – Eu concordo com a Bruna quando ela disse que isto está a representar a Madeira, lá ao

fundo aquilo parece uma espécie de uma costa com o mar e isso, depois acho que isto é um lar de

idosos e que eles estão a receber visitas, e apesar daquela mulherzita que a Raquel diz que está com

uma raquete na mão, acho que é ela.

E achas que aquela é ela?

Carolina – Acho, acho que é ela. Representa uma escala de idades; criança, depois, a professora diz

que ela tem 50 anos não é?

Sim, este é de 1980 também.

Carolina – Ah ,está bem! Ali aquela rapariga com quê? 25, 30 anos ou menos e depois ela… uma

destas, aquela lá ao fundo ou esta aqui com 50 anos.

Actualmente ou…?

Carolina – Não, eu acho que lá ao fundo, onde ela está com aquele rapaz, acho ela mais

antigamente e uma destas mulheres…

Está a representar-se em idades diferentes dentro do mesmo quadro?

Carolina – Sim.

Raquel – Eu acho que ela deve ser aquela senhora que está de roxo que vai ter com o homem que

pode ser o marido dela.

Carolina – Ela vai regar as árvores e isso…

Raquel – Pode ter ido regar e agora está a ir ter com o homem.

Outro aluno – Professora, como é que se chama o quadro?

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O título é “Férias na Montanha”

Maria Carolina – É ela?

Não sei, não tenho elementos para responder a isso…

Carolina – É a família, professora!

É a família?

Outro aluno – É a família dela…

S6C_ Grupo C_ Martha Telles [29-05-2008]

Podem começar por descrever o que vêm.

Tiago – Eu vejo uma menina que está triste, acho que estava contente algum tempo antes mas

agora está triste por algum motivo. Porque uma criança estar a ignorar uma prenda acho que é

muito difícil, portanto ela está mesmo triste ou chateada e foi para aquele quarto preto, escuro…

para fugir ao problema em vez de ir para fora, para a felicidade.

Porque é que tu dizes que ela está triste?

Tiago – Porque está sentada como se estivesse triste, não está a fazer nada o que não é normal para

uma criança e está num quarto completamente escuro e está ali… completamente normal. Eu acho

que ela está mesmo muito triste.

Porque é que achas que ela num tempo anterior não estava triste?

Tiago – Por causa da roupa dela.

O que é que tem a roupa?

Tiago – É branca…

Sim.

Tiago – Significa paz e a serenidade e ela parece que está bem vestida, está bem arranjada, tem

flores na cadeira… ela parecia que estava feliz antes. Até pela porta também, parece que ela veio de

lá, parece que ela estava contente e a prenda também diz que ela estava contente até receber aquela

prenda ou…não sei…

A prenda está fechada.

Tiago – Sim. Se calhar viu de quem era e não gostou ou se calhar tinha um recado.

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Hugo – Continuando o raciocínio do Tiago, eu acho que isto dá a ideia de tristeza porque esta

imagem não transmite movimento.

Sim, muito bem. É muito estática?

Hugo – É, é muito…

Parada?

Hugo – Parada, calma mas é calma na imagem em si, mas as cores transmitem… tiram essa calma,

cortam a calma da imagem.

Estás a dizer-me que é calma na composição e no desenho, é isso?

Hugo – Mas as cores cortam essa calma.

Mas as cores cortam… Porquê?

Hugo – Porque, ora bem, se nós tivéssemos só a cadeira com flores e a miúda nós diríamos que era

calma e que estava tudo em ordem. Agora, este ambiente, o fundo preto em contraste com o branco

dá a ideia de… um choque, um confronto de ideias.

Estás a falar do branco que estás a ver…?

Hugo – Para além da porta e na roupa… dá ideia de um confronto de ideias, que nesse caso o Tiago

associou a sentimentos.

E tu? Associas a quê?

Hugo – A sentimentos também.

Então explora essa ideia pelas tuas palavras.

Darpan – Eu discordo com o Tiago quando ele disse que a menina está triste, pelo contrário, acho

que ela está a sorrir, é um sorriso maldoso. Mas… está a sorrir. Parece que é a alma do diabo ou

qualquer coisa assim, está num quarto escuro e está a ignorar uma prenda, não é qualquer criança

que ignora, não é?

Porque é que ela estará a ignorar aquela prenda?

Darpan – Porque está de lado e está quase do lado oposto da cara dela, a prenda.

Sim, ela está rodada ligeiramente para o outro lado.

Darpan – E está com um sorriso maldoso por isso… e em baixo também não desperta nada por isso.

Quando tu olhas, qual é que achas que é o principal ponto de atracção naquela imagem?

Darpan – É a cadeira.

É a cadeira.

Darpan – Porque tem o dobro do tamanho da menina.

Por causa da diferença de proporções é isso? Muito bem. E mais porque…?

Darpan – Pelas cores.

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Pelas cores, mais?

Darpan – E porque está centrada.

Está centrada sim, também é importante mais?

Beatriz – É o único sítio de onde vem a luz.

Muito bem, é o único sítio onde vem a luz, mais?

Beatriz – Não concordo com o que os meus colegas disseram porque eu acho que não dá para

perceber nem a emoção que a menina está a sentir nem nada do género, a única coisa que dá para

perceber é o ambiente em ela está envolvida, que é um ambiente de tristeza e solidão, e só no meio

que é onde ela está, é que existe luz e cor. Isto é o meu ponto de vista, agora eu acho que não dá

para perceber a emoção da menina.

Então o que é que te transmite em termos de sentimento ou de conteúdo?

Beatriz – Que só a menina é que interessam, que esta envolta por alguma escuridão e solidão e a

ação passa-se mesmo ali, quer dizer…

Qual é a ação deste quadro?

Beatriz – Não sei explicar, isso não sei explicar… Para já eu não percebo a pintura.

Quando tu dizes que não percebes…?

Beatriz – Não percebo o que é que quer transmitir, não sei ao certo… é isso que me…

É isso que te incomoda?

Beatriz – Incomoda-me um bocado… É, porque inventei demais, nas outras não precisei de

inventar tanto, foi mais fluído.

Então esta tem uma leitura mais…

Beatriz – Complicada…

Menos clara! Mais ambígua.

Beatriz – É.

Hugo – Nesta imagem este uma grande dissipação das cores.

Hugo – Sim.

Hugo – No chão a cor dissipa-se, não sei como fizeram isso mas, por exemplo, eu sei que com as

canetas de cor, se nós pusermos água a cor fica assim.

Sim, sim exato.

Hugo – Dissipa-se. E depois faz lembrar um contraste entre paz e conflitos. E também ali na cadeira,

as cores que vão depois da cadeira para a almofada que está na cadeira dissipam-se e não só… não

sei porque é que na cadeira existe uma cor tão clara.

Tiago – Eu acho que a autora só utiliza a luz nos objetos que quer, por exemplo, na cadeira, como o

Hugo, se calhar não dissipa, se calhar transmite a luz naquilo que ela quer. Por exemplo a prenda

tem bastante luminosidade e está bastante longe da porta e eu acho que a luz não vem dali para a

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prenda, portanto eu acho que ela só quer transmitir a luz para aquilo que necessita e deixa o resto

de fora.

Então estamos a chegar à leitura que o que interessa do quadro é a prenda?

Tiago – A prenda, a menina, a cadeira, as flores e o outro lado da sala mais nada, só aquilo que tem

luz.

Darpan – A personagem também pode estar a observar alguma coisa.

Sim.

Tiago – Por causa do reflexo da parede e um pouco no chão, havendo uma mistura entre as cores da

parte de dentro e do reflexo vindo de lá de fora.

Hugo – Concordo com o Tiago porque se nós formos a ver a linha que separa no chão de cá existe

uma diferença de cores, mas se nós por exemplo imaginássemos que a luz estava daquele lado, para

a luz vir nesta direção a prenda não apanharia tanta luz e é por isso que eu também concordo com o

Tiago.

Então é intencional aquela iluminação? Se calhar um bocadinho artificial para a orientação da luz, é

isso que está a dizer?

Tiago – Também as posições da luz, acho um bocado estranho porque se a luz não viesse do quarto

não veríamos a cara da menina nem o corpo da menina.

Só viesse lá de trás?

Tiago – Se viesse lá de trás.

Claro, estaria em contraluz.

Tiago – Mas o chão mostra que só vem lá de trás.

Tiago – E então não percebo, tinha que vir de dois lados para se ver o corpo da menina e isso.

Então é uma iluminação que não é muito realista, é isso que estás a dizer?

Tiago – Sim, mais me dá razão para dizer que ela só ilumina aquilo que quer.

Beatriz – Em relação àquilo que o Tiago disse de ser realista e não ser eu acho que o pintor é

realista naquilo que representa, nas formas, na forma humana, nas flores, nos objetos.

Exato.

Beatriz – Mas não tão realista assim, naquilo que ele estava a dizer em termos de luminosidade.

Na envolvência?

Beatriz – Exatamente.

Se eu vos perguntar se vos remete para um acontecimento presente, anterior ou futuro o que é que

fosses acham?

Darpan – Anterior.

Beatriz – Foi a consequência de algo.

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Anterior? Consequências de algo… porque é que dizem isso?

Beatriz – Não sei… eu já disse que eu não percebo bem este quadro.

Mas se tu dizes isso!

Beatriz – Dá a entender que aconteceu qualquer coisa antes e que ela está ali sentada por algo ou

por algum motivo ou porque está ali sozinha por algum motivo.

Hugo –O Tiago já falou nisso, que era da parte exterior que… na parte de fora estava contente e

quando entrou ficou triste, a sua expressão mudou.

Darpan – Segundo o raciocínio da Beatriz eu acho que já aconteceu porque ela já está refletida nas

cores escuras.

Já aconteceu?

Darpan – Já aconteceu, e a luz da esperança, a luz clara vem de fora, se fosse ao contrário, se

houvesse uma luz clara e uma luz preta por fora isso poderia acontecer não sei…

Então para ti qual é que é o assunto desta pintura?

Darpan – É alguma coisa que já aconteceu com ela e acho que aquela luz branca, a parte clara é uma

esperança.

Então valorizas mais as formas que estão representadas? Ou a maneira como isso foi feito? Os objetos

ou o modo?

Darpan – O modo.

É a conclusão que eu estou a chegar pelo que tu dizes.

Hugo – Qual é o título?

O título é “A prenda”.

Hugo – Não se compreende.

Darpan – Pois é…

Não se compreende?

Hugo – Mas não se compreende!

Darpan – Pois é, porque se fosse… se o título estivesse referir-se a isso o ponto fulcral devia ser a

prenda.

Hugo – Ou então a miúda estava virada para a prenda.

Então vá, a miúda não está virada para a prenda porquê? É uma boa pergunta.

Hugo – Está a tentar evitar, repelir…

Exatamente, muito bem.

Hugo – Controlar-se.

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Tiago – Mas se calhar se ela estivesse a olhar para a prenda não dava tantos sentimentos, não

dávamos tanta atenção à prenda como a autora quer. Nós estamos a ver que ela ignora a prenda e

sabemos isso tudo, ela dá desprezo, faz isso tudo mas se ela estivesse a dar atenção à prenda se

calhar não chamava tanto a atenção para ela.

Era uma atitude mais natural?

Tiago – Era.

E esta atitude é que já não é natural?

Tiago – E essa atitude já não é natural porque é uma prenda!

Então interroguem-se. Perguntem-se porque é que a criança…

Tiago – Porque é que a criança está a ignorar a prenda?

Porque é que a criança está a ignorar a prenda? Alguém quer avançar alguma hipótese? Eu acho que

é uma boa pergunta.

Hugo – Eu acho que isto é para dar a sensação de velhice. As pessoas quando já têm uma certa

idade, quando a mente já está mais desenvolvida dão atenção ao momento e não ao que os rodeia.

Sim, mas estamos perante a uma representação de uma criança. Como é que tu me dizes que isto tem a

ver com velhice? Explica.

Hugo – Passe ao Darpan, depois…

Não, mas explica um bocadinho, estou interessada, não estou a contradizer. Se não conseguires agora

depois voltamos a isso.

Darpan – Também poderá ser uma prenda inesperada que ela não queira!

Pronto, então eu vou vos dar mais alguns dados sobre o quadro para nós avançarmos, está bem? Se eu

vos disser que isto é uma autorrepresentação. Um autorretrato.

Tiago – Eu diria que ela não teve uma infância feliz, que não lhe davam atenção, se calhar davam-

lhe só prendas e não atenção que é o que ela precisa. Eu achava que ela não tinha uma infância feliz.

Isto não representa um momento feliz da infância?

Tiago – Não.

Hugo – As flores, não sei até que modo o contraste da flores com a cadeira em si, a madeira, a cor da

cadeira, as flores transmitem … não transmitem aquela ideia que uma flor normal transmite.

Porquê? Como é que estas estão?

Hugo – Não é por estarem misturadas, mas existe uma confusão, mais uma vez o conflito das cores

até nas flores porque flor branca depois lilás, cor-de-laranja…

Esta pintora nasceu na Madeira em 1930, depois veio para o continente, estudou no Porto, foi para

França, depois ficou no Canadá muitos anos onde foi professora e naturalizou-se canadiana na década

de 70 e isto representa uma altura que ela explica da seguinte forma, uma festa de aniversário quando

ela vivia na Madeira, e como o tempo na Madeira muda bruscamente, acho que houve uma

tempestade, uma trovoada qualquer coisa que não permitiu que os convidados comparecessem na

festa, e então foi um dia de aniversário sozinha em que as suas expectativas…

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Tiago – Como eu disse alguma coisa tinha acontecido anteriormente e ela estava vestida como se

estivesse contente e já não está.

Darpan – Então donde vem aquele sorriso? Supostamente ela devia estar triste, não feliz.

Pois eu nunca tinha reparado nesse sorriso até tu mencionares, sabes?

Darpan – Não devia estar feliz…

De qualquer maneira, o sorriso é assim tão importante, é que a postura dela não tem nada a ver com o

sorriso, não é?

Darpan – Pois é.

A postura física.

Darpan – Da mão e da posição dos pés. Nota-se que está triste mas só o sorriso é que estraga tudo.

Gostaria que me dissessem se gostam ou não e se acham que é um bom quadro e porquê.

Darpan – Depois de compreender o quadro acho que sim é bom.

Depois de compreender… quando é que tu passaste a compreender? Quando é que tu dizes que

compreendeste o quadro?

Darpan – Depois da descrição.

Que nós todos fizemos?

Darpan – Sim, inicialmente não significava nada.

Exatamente, porque resistes-te muito. Então e agora o que é que significa?

Darpan – Transmite moralidade.

Transmite moralidade… o que é que isso quer dizer?

Darpan – Não sei explicar…

Mas se tu agora estivesses a apresentar-me este quadro e eu não conhecesse nada dele, como é que tu

me apresentavas o quadro?

Darpan – Da mesma forma que a professora apresentou. Seguia as cores, os fundos, a

profundidade… só. E o ponto fulcral, neste caso é a cadeira e a menina.

Quem mais é que quer falar sobre este assunto?

Tiago – Eu acho a mesma coisa que o Darpan, depois de compreender o quadro acho que sim é um

bom quadro, mas à primeira vista não.

À primeira vista qual foi a tua reação, o que é que tu pensaste?

Tiago – Que era estranho, só depois de pensar muito, de estar muito tempo a olhar e a pensar

muito é que percebi.

E quando tu dizes percebi o que queres dizer?

Tiago – Que percebi o que é que significava e não era só uma menina sentada.

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Então…?

Tiago – Tinha mais sentimentos atrás.

Então achas que está bem feito?

Tiago – Acho, transmite bem.

Darpan – Este quadro arrepia-me!

Hugo – Outra vez?

Outra vez o quê?

Hugo – Anos!

Explica lá isso Hugo.

Tiago – Um esplendor para mim.

Hugo – Está outra vez um bolo de anos na mesa e está uma cadeira, só que desta vez a cadeira não

está ocupada e não sei se este quadro representa o depois. Isto dá a ideia que a boneca era o que

estava na prenda.

Sim. Achas que a temática é a mesma?

Hugo – Sim. Mas porque é que o chão é em forma de esfera?

O chão como assim?

Hugo – É oval. Faz lembrar aquelas bolinhas que estavam nos tetos das discotecas antigamente.

E o que é que isso dá em termos de profundidade?

Hugo – Dá brilho e dá uma certa distância em relação à janela.

Sim, bastante não é?

Darpan – O padrão no chão puxa uma imagem.

É muito forte, não é?

Darpan – Puxa muito…

E o que é que faz visualmente? Porque é que isso é importante?

Darpan – Sei lá…

Vamos começar a analisar, quando tu olhas para ali, olhas para primeiro para…?

Darpan – Para a boneca no chão.

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Para a boneca no chão, porque…?

Darpan – Por causa da sua posição parece que está morta.

Qual é que achas que é a temática, o assunto desta pintura?

Darpan – Solidão.

Tem alguma coisa a ver com a anterior?

Darpan – Tem.

O quê?

Darpan –É mais pelo raciocínio porque a professora explicou na outra imagem em que ela está

chateada, aborrecida porque ninguém apareceu no seu aniversário.

Sim.

Darpan – E depois no meio da imagem vemos uma mesa com um bolo de aniversário no meio.

Então transmite…?

Darpan – Solidão.

Tiago – Se esta imagem fosse para continuar a história ou o passado, se tivesse a ver com a última,

eu achava que era outra divisão da sua casa. Que ela ficou a saber que ninguém podia vir, ficou

triste, deixou o bolo onde estava, saiu da cadeira, mandou a boneca para o chão e foi para o quarto

triste, é o que eu acho e não acho que a boneca seja a prenda, acho que era uma boneca de brincar,

aquelas que todas as miúdas têm. Agarrou-a e atirou-a para o chão e foi para o quarto.

Portanto achas que o tema é o mesmo?

Tiago – Sim, só há uma coisa que não me faz ter a certeza que é… está bom tempo e pelos vistos as

pessoas podiam vir, e assim parece que não podem vir. Não percebo porquê.

Mais alguém quer falar sobre esta imagem?

Darpan – Esta imagem representa muita harmonia.

Muita harmonia. Porquê?

Darpan – Não tem nada a ver com as outras duas que vimos. Há convívio.

Há convívio sim…

Darpan – O fundo é completamente diferente, há muita profundidade.

Muita profundidade…

Darpan – Há muita luz. Só… só isso.

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Tiago – Para mim esta imagem tem muita harmonia como o Darpan disse, mas eu acho que isto

também tem a ver muito com as fases da vida, tem criança, tem ali depois o casamento, depois tem

idosos e depois tem do lado direito a solidão que é tudo bastante mais escuro e sozinho. E também

acho que tem ali um ovo ou uma bola ali ao pé do cão, não sei se é um ovo, se for um ovo mais me

faz parecer as fazer da vida, que é o nascer, crescer, casar, ficar velho…

Então está a representar as várias etapas da vida?

Tiago – Para mim acho que sim.

E em termos de sentimento o que é que te transmite?

Tiago – Também me transmite que… isso, porque ali por exemplo naquele casal lá ao fundo, há

duas árvores ali que parece que estão mesmo a comemorar a cerimónia, mesmo a criança está feliz,

logo a infância feliz e depois é a solidão mais à direita, já parecem dois viúvos.

Mas em termos gerais…

Tiago – Em termos gerais é tudo harmonia.

Hugo – Não sei, mas acho que esta imagem foi feita numa fase em que a pintora já estava mais velha.

Tens toda a razão, podes continuar.

Hugo – Porque ela representa mais figuras idosas do que jovens.

Só por isso?

Hugo – Sim, mas acho que numa certa altura ela devia ser casada e acho que se deve ter divorciado

e depois foi para o convívio com as amigas.

Portanto, tu achas que isto tudo é muito autobiográfico, é o que queres dizer com essa interpretação

não é?

Hugo – Sim.

Agora, porque é que tu dizes que ela se terá divorciado?

Hugo – Porque está ali um homem e está ali outra mulher, estão separados.

Não estão a interagir.

Hugo – Estão separados, distantes.

E em termos da representação da infância neste quadro?

Hugo – Muito simples, acho que a infância dela foi simples.

Darpan – Continuando o raciocínio do Hugo, eu acho que esta imagem representa as fases da sua

vida, há mais peso na sua vida adolescente e idosa do que na sua vida jovem quando era criança.

Porque é que dizes que há mais peso?

Darpan – Porque vê-se mais pessoas adultas, um casal e uma mulher sozinha no canto.

E quando tu olhas para a imagem qual é o primeiro ponto para onde tu olhas?

Darpan – Acho que não há.

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Não há um centro, é isso?

Darpan – Não há.

Beatriz – Não há um centro?

Há um centro geométrico, mas não achas que esse é o centro visual?

Darpan – Pois é. Não há um ponto de atenção. Está muito espalhado, e isso faz com que não haja

um centro.

E isso tem alguma coisa a ver com harmonia?

Darpan – Tem.

Explica melhor.

Darpan – Há muitas pessoas reunidas, um conjunto de senhoras idosas já e depois aquele casal lá

ao fundo, a criança e o cão estão a brincar, é normal.

Em termos de sentimentos, é diferente dos anteriores ou é parecido?

Darpan – É muito diferente.

O que é que tu sentes ao ver isto?

Darpan – Paz, felicidade, alegria.

Qual é que te agrada mais?

Darpan – Este.

Pelo facto de transmitir sentimentos mais positivos ou por outro aspeto?

Darpan – Por estar a transmitir sentimentos mais positivos.

Beatriz – Aquilo que a mulher tem na mão lá ao fundo entre aquelas duas árvores é o quê? Uma

raqueta?

Sim.

Beatriz – Ele estava a dizer que era uma coisa de borboletas, para apanhar borboletas. Não estou a

perceber o sentido…

O que é que isso representa, é um momento…

Darpan – De diversão.

A raqueta pode ter a ver com isso, assim como está aqui uma bola e um triciclo.

A Beatriz viu logo no primeiro momento que o nome era Martha Telles, portanto perceberam logo que

era feito por uma mulher, mas vocês em algum momento questionaram isso ou pensaram isso?

Vários alunos – Não.

Então quer dizer ou não que há uma pintura feminina e uma pintura masculina?

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Tiago – Eu acho que há. Os homens são muito mais sentimentalistas nos quadros, trazem muitos

mais sentimentos que as mulheres e transmitem muito menos cores, normalmente têm sempre

uma cor igual e outra… vá duas cores iguais.

Tiago, os quadros que nós vimos para trás, todos os cinco eram de homens.

Tiago – Exatamente, era normalmente sempre as mesmas cores.

Era?

Tiago – Eram duas cores diferentes, tinha sempre montes de sentimentos, alguns outros não, mas

isso depende do homem. As mulheres não tanto, transmitem outros sentimentos, às vezes

desenham sem sentimento nenhum, à toa, só por desenhar. Só para ver cores e mais nada.

Também só viste um.

Beatriz – Eu acho que nenhum quadro é importante por ser feito por homem ou por mulher, eu

acho que num quadro aquilo que é importante é o que transmite e a mensagem que o pintor quer

passar.