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  • Revista Electrnica de Enseanza de las Ciencias Vol. 5 N2 (2006)

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    Cincia-Tecnologia-Sociedade: relaes estabelecidas por professores de cincias

    Dcio Auler1 e Demtrio Delizoicov2

    1Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. Email: [email protected] 2Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. Email: [email protected]

    Resumo: Buscou-se identificar compreenses de professores de Cincias sobre interaes entre Cincia-Tecnologia-Sociedade (CTS) com a finalidade de respaldar aes no processo de formao inicial e continuada de professores de Cincias. Metodologicamente a pesquisa configurou-se segundo dois eixos complementares: a explicitao e fundamentao de parmetros sobre interaes entre CTS e a realizao de entrevistas semi-estruturadas com um grupo de 20 professores, cuja anlise foi balizada pelos parmetros. Neste trabalho, apresentam-se e discutem-se as principais tendncias presentes na compreenso destes professores, bem como dimenses a serem consideradas no processo formativo: Endosso ao modelo de decises tecnocrticas, passividade diante do desenvolvimento cientfico-tecnolgico e a superao da perspectiva salvacionista/redentora atribuda Cincia-Tecnologia (CT).

    Palavras-chave: Compreenses de professores sobre CTS; formao de professores; no-neutralidade das relaes CTS.

    Title: Science-Technology-Society: relations established for science teachers

    Abstract: This study sought to identify the understanding of Science teachers about the interaction between Science, Technology and Society (STS) in order to support programs for the initial and continued education of Science teachers. Methodologically, the study was configured along two complementary tracks: the explanation and establishment of standards about the interactions between Science, Technology and Society that support the analysis of semi-structured interviews conducted with a group of 20 teachers. The paper presents and discusses the principal trends identified in the understanding of these teachers, as well as issues to be considered in their own education: Endorsement to the model of tecnocratics decisions, passivity ahead of the technological-scientific development and the overcoming of the saving perspective attributed to Science-Technology.

    Key words: Understandings of Teachers about STS; Teacher Education; Non-neutrality of STS relations.

    Introduo

    Em pesquisa realizada (Auler, 2002), buscou-se definir e fundamentar parmetros sobre interaes entre Cincia-Tecnologia-Sociedade (CTS), identificar compreenses de professores sobre tais interaes, bem como

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    dimenses a serem trabalhadas no contexto da formao inicial e continuada de professores.

    Metodologicamente a pesquisa configurou-se segundo dois eixos complementares. De um lado, a explicitao e fundamentao dos referidos parmetros, de outro, a realizao de entrevistas semi-estruturadas com um grupo de 20 professores de Cincias atuantes em Santa Maria/Brasil. As entrevistas focalizaram temticas contemporneas vinculadas Cincia-Tecnologia: manipulao gentica, clonagem, produo/distribuio de alimentos carncia alimentar, poluio, automao/robotizao desemprego, internet, crise energtica.

    Na anlise dos resultados das entrevistas, buscou-se avaliar o pensar do conjunto dos professores em termos de aproximaes e distanciamentos relativamente aos parmetros:

    Superao do modelo de decises tecnocrticas; Superao da perspectiva salvacionista/redentora atribuda Cincia-

    Tecnologia;

    Superao do determinismo tecnolgico. Estes parmetros, expressando uma concepo de no neutralidade nas

    interaes entre Cincia-Tecnologia-Sociedade, apontam para a superao de construes histricas consideradas pouco consistentes, postulando a democratizao das decises em temas envolvendo CT. Resultam da busca de uma aproximao entre pressupostos do educador brasileiro Paulo Freire (1987) e referenciais ligados ao movimento CTS. Considera-se que a busca de participao, de democratizao das decises em temas sociais envolvendo Cincia-Tecnologia (CT), defendida pelo movimento CTS, est em sintonia com a matriz terico-filosfica adotada por Freire, quando este defende que alfabetizar, muito mais do que ler palavras, deve propiciar a leitura crtica da realidade. Seu projeto poltico-pedaggico coloca-se na perspectiva de reinveno da sociedade, processo consubstanciado pela participao daqueles que encontram-se imersos na "cultura do silncio", submetidos condio de objetos ao invs de sujeitos histricos. Neste sentido, entende-se que, para uma leitura crtica da realidade, torna-se, cada vez mais, fundamental uma compreenso crtica sobre as interaes entre CTS, considerando que a dinmica social contempornea est fortemente marcada pela presena da CT.

    Compreenses sobre interaes entre cincia-tecnologia-sociedade

    Na literatura, compreenses de professores sobre interaes entre Cincia-Tecnologia-Sociedade (CTS) tm sido apontadas como um dos pontos de estrangulamento, emperrando, muitas vezes, a contemplao do enfoque CTS no processo educacional. Acevedo, em vrios trabalhos (1995, 1996, 2001), abarcando um perodo de intensas pesquisas sobre as compreenses de alunos e professores de Cincias sobre CTS, principalmente realizadas com a utilizao do instrumento denominado de VOSTS (Views on Science-Technology-Society), empreendeu uma exaustiva reviso bibliogrfica sobre as pesquisas at ento disponveis. Da sntese que Acevedo empreendeu, apresentam-se as tendncias consideradas mais

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    relevantes:

    A tecnologia considerada hierarquicamente inferior Cincia, sendo apenas uma aplicao desta;

    A tecnologia como sendo a aplicao prtica da cincia, no mundo moderno, para produzir artefatos com a inteno de melhorar a qualidade de vida ou para fabricar novos dispositivos;

    Endosso a uma viso tecnocrtica em decises envolvendo CT. Considera-se que os especialistas tm melhores condies para decidir devido aos seus conhecimentos;

    Considera-se que os governos esto mais capacitados, atravs de suas agncias especializadas, para coordenar programas de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Acevedo assinala que isso tambm supe uma posio favorvel a um modelo poltico tecnocrtico;

    Identificao da tecnologia com artefatos tcnicos. Segundo Acevedo, idia incompleta, mas que goza de grande apoio.

    Em outro estudo, constitudo de duas partes, tambm na Espanha, Solbes e Vilches (1992) analisam livros texto, bem como realizaram uma pesquisa com estudantes secundrios de 15 a 17 anos. Da anlise dos livros, destacam que estes oferecem uma imagem de cincia empirista, cumulativa e que no consideram aspectos qualitativos, do tipo histrico, sociolgico, humanstico, tecnolgico, etc. Em sntese, no aparecem interaes entre CTS. Em relao pesquisa com os estudantes, Solbes e Vilches concluem:

    Em relao aos cientistas: so considerados pessoas imparciais, objetivas, possuidoras da verdade, gnios, s vezes um pouco loucos, que lutam pelo bem da humanidade;

    Para a grande maioria dos alunos, a fsica e a qumica, ensinadas na escola, nada ou pouco tem a ver com a sociedade. Em outros termos, uma fsica e qumica desvinculada do mundo real.

    Extensa reviso bibliogrfica foi empreendida por Fernndez et al. (2002) relativamente vises simplistas, deformadas da Cincia, transmitidas pelo ensino, cujo questionamento fundamental para uma concepo epistemolgica mais consistente: a) Viso emprico-indutivista, aterica; b) viso rgida (algortmica, exata, infalvel); c) viso a-histrica, dogmtica; d) Viso exclusivamente analtica; e) Viso cumulativa, de crescimento linear; f) Viso individualista e elitista; g) Viso socialmente descontextualizada.

    No contexto brasileiro, so incipientes as pesquisas envolvendo compreenses de professores sobre interaes entre CTS. Dentre estas, pode-se destacar Loureiro (1996), a qual realizou pesquisa que buscou evidenciar idias e compreenses que professores de Escolas Tcnicas Federais tm acerca do papel que os mesmos atribuem tecnologia na sociedade. O aspecto mais marcante, desta, foi que todos os professores atribuem como papel tecnologia a produo de bem-estar social. Contudo, estando ausente a compreenso sobre como a tecnologia interage com outras variveis sociais. Em outros termos, sem entenderem como questes polticas, econmicas e culturais interagem na produo

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    desse bem-estar social.

    Tambm, no contexto brasileiro, Amorim (1995), em sua investigao, da trilogia CTS, focalizou o "S" (Sociedade). Entre os resultados, destaca-se a concepo que considera a sociedade como o que acontece l fora, o mundo l fora. H uma tendncia em encarar a sociedade como um mundo externo escola. Ao consider-la como um mundo l fora, os elementos da prtica social raramente iro adentrar no espao escolar. A prtica social do aluno acontece fora da escola ou num futuro prximo. O conhecimento a ser adquirido, a teoria, primordial e anterior ao desenvolvimento da prtica social (profisso, dia-a-dia do aluno). No h a busca de uma interao de mo dupla entre teoria e prtica.

    Os parmetros: aproximao entre pressupostos do educador Paulo Freire e o movimento cincia-tecnologia-sociedade

    Garcia et al. (1996) destacam que, a partir de meados do sculo XX, nos pases capitalistas centrais, foi crescendo um sentimento de que o desenvolvimento cientfico, tecnolgico e econmico no estava conduzindo linear e automaticamente ao desenvolvimento do bem-estar social. Argumentam que, por volta de 1960-1970, a degradao ambiental, bem como o seu desenvolvimento vinculado guerra, fizeram com que Cincia-Tecnologia (CT) se tornassem alvo de um olhar mais crtico. H especial destaque para o fato de que CT foram "deslocadas" do espao da suposta neutralidade para o campo do debate poltico.

    Em vrios pases, esta politizao em relao CT produziu desdobramentos curriculares tanto no ensino secundrio quanto no superior (Garcia et al., 1996). Em reviso bibliogrfica (Auler, 1998) encontrou-se que no h um consenso quanto aos objetivos, contedos, alcance e modalidades de implementao deste movimento no campo educacional. Constata-se que, (Auler, 1998), em sintonia com outros trabalhos (Caamao, 1995), o enfoque CTS abarca desde encaminhamentos que buscam contemplar interaes entre CTS somente como fator de motivao, passando por aqueles que postulam como fator essencial uma compreenso crtica destas interaes, at encaminhamentos que, levados ao extremo em alguns projetos, consideram secundria a abordagem de conceitos cientficos.

    Ainda segundo Garcia et al. (1996) um dos objetivos centrais desse movimento consistiu em colocar a tomada de decises em relao a CT num outro plano. Reivindicam-se decises mais democrticas (mais atores sociais participando) e menos tecnocrticas. Essa nova mentalidade/compreenso da CT teria contribudo para a "quebra do belo contrato social para a CT". Qual seja, o modelo linear de progresso. Neste, o desenvolvimento cientfico (DC) gera desenvolvimento tecnolgico (DT), este gerando o desenvolvimento econmico (DE) que determina, por sua vez, o desenvolvimento social (DS bem-estar social).

    DC DT DE DS (modelo tradicional/linear de progresso). Esta busca de participao, de democratizao das decises em temas

    sociais envolvendo CT, parece estar em sintonia com a matriz terico-filosfica adotada por Freire (1987), quando este, em termos de

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    pressupostos educacionais, aponta para alm do simples treinamento de competncias e habilidades. A dimenso tica, o projeto utpico implcito em seu fazer educacional, a crena na vocao ontolgica do ser humano em ser mais (ser sujeito histrico e no objeto), eixos balizadores de sua obra, conferem, ao seu projeto poltico-pedaggico, uma perspectiva de reinveno da sociedade, processo consubstanciado pela participao daqueles que encontram-se imersos na "cultura do silncio", submetidos condio de objetos ao invs de sujeitos histricos.

    No entender de Freire (1987) e de seguidores que adaptaram a sua proposta para a educao em Cincias na escola, como, por exemplo, Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), a alfabetizao no pode configurar-se como um jogo mecnico de juntar letras. Alfabetizar, muito mais do que ler palavras, deve propiciar a leitura do mundo. Leitura da palavra e leitura do mundo devem ser consideradas numa perspectiva dialtica. Alfabetizar no apenas repetir palavras, mas dizer a sua palavra. Neste sentido, entende-se que, para uma leitura crtica da realidade, torna-se, cada vez mais, fundamental uma compreenso crtica sobre as interaes entre CTS, considerando que a dinmica social contempornea est fortemente marcada pela presena da CT.

    Assim, para esta compreenso crtica da realidade, considera-se fundamental a problematizao de construes histricas sobre a atividade cientfico-tecnolgica, consideradas pouco consistentes. Trs construes histricas foram objeto de discusso e problematizao: superioridade/neutralidade do modelo de decises tecnocrticas, perspectiva salvacionista/redentora atribuda Cincia-Tecnologia e o determinismo tecnolgico, construes balizadas, no nosso entender, pela suposta neutralidade da Cincia-Tecnologia. Entende-se que estas construes resultam do fato de, medida que o conhecimento cientfico-tecnolgico produzido, produz-se tambm discursos, formas de ver essa produo. Discursos aceitos, fomentados ou elaborados por determinados atores sociais, interessados em sua disseminao.

    Para melhor caracterizar a abrangncia da suposta neutralidade da CT, elaborou-se o esquema 1 reproduzido em seguida. Partiu-se do modelo tradicional, linear de progresso, apresentado anteriormente, articulando-o com elementos advindos da pesquisa.

    Esquema que expressa, no nosso entender, as interaes entre CTS, quando o balizamento dado pela suposta neutralidade da CT. Neste, as j referidas construes histricas so entendidos como pilares, alimentadores da concepo tradicional/linear de progresso.

    Para a sustentabilidade das concepes presentes neste esquema, o endosso ao modelo de decises tecnocrticas fundamental. Modelo decisrio justificado pela crena na possibilidade de neutralizar/eliminar o sujeito do processo cientfico-tecnolgico. O expert (especialista/tcnico) pode solucionar os problemas sociais de um modo eficiente e ideologicamente neutro. Para cada problema existe uma soluo tima. Portanto, deve-se eliminar os conflitos ideolgicos ou de interesse. Em sntese, a tecnocracia garante a eficcia deste esquema. Porm, este somente funciona se a ao humana puder ser neutralizada, se as relaes sociais em que CT so produzidas e utilizadas forem desconsideradas.

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    Esquema 1. Modelo tradicional/linear de progresso

    Contemporaneamente, no contexto do caminho nico, respaldado pelo discurso do pensamento nico, est havendo um superdimensionamento da tecnocracia em detrimento da democracia. Democracia pressupe a possibilidade de escolha, de eleio entre vrias possibilidades, entre vrios caminhos. Nesse contexto, o determinismo tecnolgico, outro pilar da concepo tradicional de progresso, reforado.

    Segundo Gmez (1997), h duas teses definidoras do determinismo tecnolgico:

    a) a mudana tecnolgica a causa da mudana social, considerando-se que a tecnologia define os limites do que uma sociedade pode fazer. Assim, a inovao tecnolgica aparece como o fator principal da mudana social;

    b) A tecnologia autnoma e independente das influncias sociais.

    Esta concepo tem sido o pano de fundo de muitas das denominadas exposies universais, nas quais apresentado o que h de mais atual no campo cientfico-tecnolgico. Expressando a submisso do ser humano, a de 1933, ocorrida em Chicago, tinha como lema:

    "A cincia descobre. A indstria aplica. O homem se conforma"

    Em 2004, no lema da feira de Hannover (Alemanha), tambm esto presentes marcas do determinismo tecnolgico. A moldagem do futuro, enquanto processo histrico, ocorre margem do conjunto da sociedade. O encaminhamento cientfico-tecnolgico, materializado na exposio, define o amanh:

    Veja o Amanh Hoje

    A defesa do determinismo tecnolgico consiste numa forma sutil de negar as potencialidades e a relevncia da ao humana, exercendo o efeito de um mito paralisante. Com a aceitao passiva dos milagres da tecnologia, com a adeso ao sonho consumista, a humanidade, como um todo, est perdendo a chance de moldar o futuro.

    DC DT DE DS

    Perspectiva salvacionista atribuda Cincia-

    Tecnologia

    Determinismo tecnolgico

    Neutralidade das decises tecnocrticas

    SUPOSTA NEUTRALIDADE DA CINCIA-TECNOLOGIA

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    A perspectiva salvacionista/redentora atribuda CT, outro pilar da concepo tradicional/linear de progresso, pode ser sintetizada:

    1) Os problemas hoje existentes e os que vierem a surgir, sero, necessariamente resolvidos como o desenvolvimento cada vez maior da CT;

    2) Com mais e mais CT teremos um final feliz para a humanidade.

    Contudo, o desenvolvimento cientfico-tecnolgico no pode ser considerado um processo neutro que deixa intactas as estruturas sociais sobre as quais atua. Nem a Cincia e nem a Tecnologia so alavancas para a mudana que afetam sempre, no melhor sentido, aquilo que transformam. O progresso cientfico e tecnolgico no coincide necessariamente com o progresso social e moral (Sachs, 1996).

    A idia de que os problemas hoje existentes, e os que vierem a surgir, sero automaticamente resolvidos com o desenvolvimento cada vez maior da CT, estando a soluo em mais e mais CT, est secundarizando as relaes sociais em que essa CT so concebidas e utilizadas.

    Por exemplo, para reduzir/acabar com a carncia alimentar, com a fome, efetivamente, necessrio produzir alimentos em quantidade suficiente. Nesse aspecto, a CT podem contribuir significativamente, aproveitando-se, inclusive, os avanos da biologia molecular. Contudo, a CT no possuem nenhum mecanismo intrnseco que garanta a distribuio dos alimentos produzidos. CT so fundamentais no campo da produo. Porm, em termos de distribuio, h outras dimenses a serem consideradas.

    Tambm, relativamente a esta concepo, h mitos propagandsticos. Por exemplo:

    Com certeza, os transgnicos saciaro a fome no prximo milnio

    Torna-se necessrio, tambm, destacar que, conforme ressaltam Vilches e Gil (2003), em relao viso descontextualizada da Cincia, torna-se necessrio criticar tanto a viso que a coloca como fator absoluto de progresso, quanto aquela que considera CT como responsveis exclusivos dos problemas que afetam o planeta. O endosso a esta ltima viso significaria, no nosso entender, recair no determinismo tecnolgico, ignorando as relaes sociais em que esta CT so produzidas e utilizadas.

    Como resultado da busca desta aproximao entre pressupostos do educador brasileiro Paulo Freire (1987), referenciais ligados ao movimento CTS e o uso da concepo de Paulo Freire na educao escolar (Delizoicov, Angotti e Pernambuco, 2002), bem como da interao destes com elementos oriundos da entrevista com os professores, chegou-se aos parmetros sobre interaes entre CTS, associados s referidas construes histricas:

    Superao do modelo de decises tecnocrticas; Superao da perspectiva salvacionista/redentora atribuda Cincia-

    Tecnologia;

    Superao do determinismo tecnolgico. Estes expressam uma concepo de no neutralidade nas interaes

    entre Cincia-Tecnologia-Sociedade, apontam para a superao de

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    construes histricas consideradas pouco consistentes, presentes no esquema anteriormente discutido, postulam a democratizao das decises em temas envolvendo CT.

    Metodologia: as entrevistas

    Como estudo exploratrio inicial, recorreu-se adaptao de um instrumento, idealizado por Aikenhead e Ryan (1992), denominado de VOSTS, cujos resultados foram apresentados e discutidos no II Encontro Nacional de Educao em Cincias - II ENPEC - (Auler e Delizoicov, 1999). Como sntese deste estudo, pode-se destacar a presena de contradies no pensar dos professores integrantes do mesmo. Tal estudo, alm de apontar para a necessidade de um aprofundamento na avaliao das compreenses, trouxe contribuies significativas no sentido do amadurecimento e consolidao dos referidos parmetros sobre as interaes entre CTS.

    Aps este estudo exploratrio inicial, partiu-se para a construo de um novo instrumento, configurado no contexto da busca de uma aproximao entre o denominado movimento Cincia-Tecnologia-Sociedade (CTS) e o referencial freiriano (Freire, 1987). Na elaborao desse instrumento, consultou-se parte significativa dos livros didticos de Cincias (incluindo fsica, qumica e biologia) utilizados em Santa Maria e regio (Brasil), bem como jornais e revistas passveis de utilizao por parte dos professores.

    A pesquisa realizada, se, de um lado, focalizou um contexto especfico, o brasileiro, de outro, procurou estar em sintonia com questes mais amplas. Relativamente ao denominado movimento CTS, a caminhada esteve apoiada em pesquisadores como Aikenhead e Ryan (1992), Acevedo (1995, 1996 e 2001), Solbes e Vilches (1992, 1995 e 1997) e Garcia et al. (1996).

    Tratando-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, o instrumento foi dinamizado na perspectiva de uma entrevista semi-estruturada. Conforme Ldke e Andr (1996) e Trivinus (1987), a entrevista semi-estruturada desenvolve-se a partir de um roteiro bsico que permite ao entrevistador fazer as necessrias adaptaes ao longo da pesquisa.

    Esta flexibilidade caracterizou as referidas entrevistas, as quais focalizaram 9 situaes, apresentadas e descritas em Auler (2002), envolvendo temticas contemporneas vinculadas CT. Os textos, manchetes, citaes e falas, que compem estas 9 situaes, referem-se a temticas contemporneas, vinculadas CT: manipulao gentica, clonagem, produo/distribuio de alimentos carncia alimentar, poluio, automao/robotizao desemprego, internet, crise energtica.

    Dimenso fundamental na definio e elaborao das 9 situaes consistiu na necessidade de sua vinculao com os parmetros sobre CTS. Em outros termos, no processo de aperfeioamento do instrumento, do qual fizeram parte trs entrevistas preliminares, na forma de estudo piloto, buscou-se avaliar a possibilidade de, com a leitura que os professores fazem sobre estas situaes, explicitar seu pensar, seu posicionamento frente s construes histricas, indicando aproximaes ou distanciamentos em relao aos referidos parmetros. No anexo 1, apresentam-se as situaes 3, 4, 5 e 8, bem como o roteiro de questes formuladas durante a realizao da entrevista.

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    A investigao foi conduzida com um grupo intencional no sentido de terem sido priorizados professores imbudos da busca de uma prtica pedaggica diferenciada. Este professor pode ser caracterizado como aquele que esboa movimentos de busca, de participao em cursos, encontros, projetos, tanto de formao inicial quanto continuada, destinados ao repensar da prtica pedaggica. Nesse sentido, os primeiros contatos foram feitos com professores que, direta ou indiretamente, j haviam participado de atividades em que o prprio pesquisador esteve envolvido. Num segundo momento, solicitou-se que estes indicassem outros professores que se enquadrassem nesse perfil. Esse processo permitiu, com relativa facilidade, o trabalho com os 20 professores participantes da pesquisa.

    Aproximadamente uma semana antes da realizao da entrevista, o professor recebia o material contendo as 9 situaes, tendo sido solicitado que fizesse uma anlise crtica sobre as mesmas. A realizao destas ocorreu de uma forma bastante dialgica. Em relao a cada uma das situaes, inicialmente, eram colocadas questes bem abertas, gerais. Questes como: O que, nessa situao, chamou a sua ateno?, Qual a anlise que voc faz em relao aos aspectos apresentados nessa situao?, Que aspectos voc poderia comentar em relao a essa situao?. No decorrer da entrevista, questes mais especficas foram sendo colocadas como, por exemplo, e esta afirmao aqui, qual a tua opinio sobre ela?.

    As entrevistas ocorreram de uma forma bastante agradvel, tendo em vista o interesse dos professores em dialogar sobre essas temticas relacionadas CT. Foram bastante freqentes manifestaes do tipo: Eu nunca havia parado para pensar sobre isso. Essa falta de reflexo, de discusso sobre temas contemporneos foi evidenciada, pela maioria dos entrevistados, quando questionados sobre a presena desses no seu processo formativo. Significativo o fato de que apenas dois professores lembraram de temas atuais que tivessem sido contemplados no curso de graduao.

    Houve a realizao de um total de 20 entrevistas, alm de trs denominadas de entrevistas preliminares, as quais tiveram a finalidade de ajustes no instrumento de pesquisa, no sendo consideradas para efeito de anlise e discusso. As entrevistas foram realizadas com professores formados em cursos universitrios de formao de professores. Das 20 entrevistas, cinco foram realizadas com professores formados em Cincias, cinco em Fsica, cinco em Qumica e cinco em Biologia. Por problemas tcnicos ocorridos no processo de degravao, uma das entrevistas foi desconsiderada. Assim, o conjunto dos professores ficou restrito a 19.

    Na anlise dos resultados das entrevistas, buscou-se avaliar dimenses recorrentes, tendncias no pensar do conjunto do professores, identificando, assim, aproximaes e distanciamentos relativamente aos parmetros.

    Resultados e discusso

    Como sntese dos resultados, pode-se apontar uma tendncia no endosso ao modelo de decises tecnocrticas, assim como um posicionamento,

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    diante do avano cientfico-tecnolgico, prximo do determinismo tecnolgico. Portanto, compreenses prximas das construes histricas consideradas pouco consistentes e distantes dos parmetros. Por outro lado, representando uma tendncia que se aproxima do parmetro, houve uma significativa rejeio da perspectiva salvacionista, redentora atribuda Cincia-Tecnologia.

    Tal qual ocorrera no estudo exploratrio inicial, os resultados sinalizam para a ausncia de uma coerncia interna, na compreenso da maioria dos professores sobre as interaes entre CTS, estando presentes contradies em seu pensar quanto superao das construes histricas. Apenas dois professores apresentaram indicativos de superao das trs referidas construes. Como exemplo, apresenta-se falas de um destes professores:

    Quanto democratizao das decises (superao do modelo de decises tecnocrticas):

    No tenho a menor idia, porque se a gente for pensar assim, uma coisa bem democrtica, seria ns decidirmos, mas ns...(...) ns, a populao. Tu no achas que se fosse bem democrtico, ns a populao deveramos dizer, sei l, um plebiscito uma coisa assim, sim ou no aos transgnicos se fosse uma democracia n (resposta questionamento feito na situao 5, reproduzida no anexo 1)

    Tambm, sinalizando para a superao da perspectiva salvacionista atribuda CT:

    Eu no sei se para isso que eles esto a, eu no sei se para isso. (...) Por enquanto, eu no vejo eles como saciadores da fome de ningum (resposta questionamento feito na situao 4, anexo 1)

    Na fala do mesmo professor tambm comparecem indcios de no endosso ao determinismo tecnolgico, ao ser questionado sobre a manchete de jornal proposta para reflexo:

    Impe sua presena. Eu no concordo, aqui, condutora dos rumos da civilizao. (resposta questionamento feito na situao 3, anexo 1).

    Contudo, esta coerncia interna no a tnica. Predomina, amplamente, no conjunto dos professores, um perfil marcado por contradies. Este aspecto exemplificado pelas falas de um destes professores:

    Eu acho que todas as pessoas. Eu acho que todas as pessoas tm direito a opinar sobre isso. Porque envolve todo mundo. A populao tambm envolvida nisso. Por que no opinar? (resposta questionamento feito na situao 5, anexo 1)

    e

    Eu acho que resolver o problema de alimentos, essa questo de problemas de alimentos, acho assim, tambm uma questo poltica n, porque os mercados esto abarrotados de enlatados. Eu acho que alimento suficiente existe no mundo, o que no existe uma distribuio. (resposta questionamento feito na situao 4, anexo 1)

    H, nestas duas manifestaes, indcios de reivindicao de um modelo de decises democrticas e de no endosso ao salvacionismo atribudo CT. Porm, conforme falas do mesmo professor, reproduzidas em seguida,

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    h fortes indcios da presena da concepo do determinismo tecnolgico ou da incapacidade de reao diante do desenvolvimento cientfico-tecnolgico:

    Obrigados no, totalmente. Mas a nvel mundial acho que no tem como, hoje, reverter o quadro. Dizer no vamos, ningum vai usar transgnicos. Acho que isso impossvel hoje. (resposta questionamento feito na situao 5, anexo 1)

    Penso que realmente uma, um meio de progresso n, e querendo ou no, realmente se impe s pessoas, aos indivduos e acho que tambm vai conduzir o rumo da civilizao, porque uma gerao que vem a, trabalhando com a internet... (resposta questionamento feito na situao 3, anexo 1)

    Em sntese, exceto a compreenso apresentada por dois professores, os resultados sugerem a ausncia de uma coerncia interna na compreenso da maioria dos professores sobre as interaes entre CTS, focalizadas nesta pesquisa.

    Este pano de fundo, ou seja, a falta de coerncia nas compreenses individuais, alicerou o encaminhamento dado anlise das entrevistas e perspectiva de continuidade do presente trabalho. No se buscou identificar o pensar individual de professores. Buscou-se identificar tendncias na compreenso do conjunto dos professores, expressadas em termos de proximidade ou afastamento dos parmetros, cuja discusso e problematizao faz-se necessria no processo de formao e atuao dos professores.

    So plurais as possibilidades de abordagem das tendncias identificadas. Pela opo terico-metodolgica que orientou a investigao, a partir das anlises empreendidas, aponta-se para a continuidade do trabalho, sinalizando para dimenses/compreenses a serem consideradas, problematizadas no processo formativo, quando o objetivo for contemplar interaes entre CTS na prtica poltico-pedaggica:

    a) Endosso ao modelo de decises tecnocrticas;

    b) Passividade diante do desenvolvimento cientfico-tecnolgico. Compreenso prxima do determinismo tecnolgico;

    c) Superao da perspectiva salvacionista/redentora atribuda CT.

    Quanto ao endosso ao modelo de decises tecnocrticas:

    Relativamente democratizao das decises (superao do modelo de decises tecnocrticas), pode-se destacar que, dos dezenove professores entrevistados, apensas cinco apresentaram, em sua compreenso, indicativos da democratizao das decises em temas envolvendo CT. Na compreenso dos demais, no h indicativos da postulao de uma participao mais direta da sociedade civil. Nesse sentido, pertinente destacar que a fronteira entre o modelo de decises tecnocrticas e o governo tomando as decises bastante nebulosa. Muitas vezes, essas duas formas de tomada de deciso esto imbricadas, considerando que, em vrios casos, so mencionados rgos tcnicos, secretarias do governo que estariam respaldando as decises a serem tomadas por este.

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    Tal qual discusso anterior, as decises tomadas por especialistas so encaradas como portadoras de certezas, decises neutras, tomadas longe do campo poltico e econmico. Por exemplo, segundo um dos professores:

    Eu acho que seriam as pessoas que tivessem o menor envolvimento, menor comprometimento com alguma empresa. Eu acho que comprometimento com a cincia mesmo. (...) Vrias pessoas. Eu acho que teriam que ser professores, cientistas, no caso, que esto trabalhando nas universidades (professor respondendo sobre quem deveria estabelecer critrios em relao ao desenvolvimento cientfico-tecnolgico - clonagem e transgenia -, situao 2, Auler, 2002).

    Vinculado infalibilidade das decises tecnocrticas, mesmo sem que houvesse um questionamento explcito nas entrevistas, dez professores manifestaram que somente usariam produtos geneticamente modificados se tivessem certeza de que no fazem mal. Exemplificando:

    Os laboratrios de repente, porque esto lidando com isso. Mais pesquisa, a gente no sabe ainda o que que vai acontecer com o meio ambiente, com as pessoas que esto consumindo esses alimentos (...). O pessoal que investiga n, para largar um produto com mais certeza, mais confivel, porque, por enquanto, a gente no sabe, com certeza, os efeitos.

    Nesta manifestao, alm de uma justificada preocupao com a sade, com o ambiente, expressa uma concepo epistemolgica que situa CT no campo das certezas absolutas, das respostas definitivas. Assim, se CT fornecem certezas, nada melhor do que o tcnico, o especialista para decidir.

    O absoluto, as certezas, constituem-se de compreenses inclinadas para a tecnocracia no para a democracia. Certezas excluem decises polticas, dificultam a participao democrtica. Acevedo, j citado, assinalou que a tendncia em apoiar um modelo de decises tecnocrticas parece acentuar-se em estudantes de cincias. Poder-se-ia pensar que um estudante de Cincias e, portanto, um possvel futuro professor de Cincias, no atual processo formativo, unicamente disciplinar, tem a quase totalidade do seu tempo e seu universo cognitivo ocupado com preocupaes restritas ao campo cientfico. Assim, esse campo fornece os critrios para as decises.

    Quanto passividade diante do desenvolvimento cientfico-tecnolgico:

    O endosso ou no ao determinismo tecnolgico foi avaliado a partir de posicionamentos dos professores em relao Internet (Anexo 1, situao 3), ao desemprego (Auler 2002, situao 6) , bem como sobre os transgnicos (Anexo 1, situao 5). Assim:

    Em relao internet: h uma tendncia geral, entre o conjunto de professores, 15 deles, em revelar concordncia com a afirmao O alfabeto do futuro: A internet estabelece o ritmo do progresso, impe sua presena em todas as dimenses da vida e se converte em condutora dos rumos da civilizao, no manifestando nenhum posicionamento crtico em relao mesma.

    Sobre a afirmao em relao aos transgnicos A onda irreversvel, tambm constata-se uma tendncia (13 professores) de endosso a esta

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    afirmao, sinalizando para a incapacidade de reverso do processo. Nesse pensamento majoritrio, no h a percepo de outros possveis encaminhamentos.

    Relativamente ao desemprego, h uma tendncia majoritria que no visualiza perspectivas diante do atual cenrio, constituda por 12 professores.

    Em sntese, no tem sido freqente o endosso ao determinismo tecnolgico tal como caracterizado anteriormente. Poucas tm sido as manifestaes explcitas que consideram a tecnologia autnoma e independente das influncias sociais. Contudo, pode-se identificar uma forte tendncia vinculada ou que possui alguma semelhana com o determinismo tecnolgico. Trata-se de uma caracterstica, de um eixo que perpassa o conjunto das manifestaes, a qual sugere a ausncia de reflexo, passividade e, acima de tudo, a incapacidade de reao, a ausncia de perspectivas quanto encaminhamentos alternativos em relao ao desenvolvimento cientfico-tecnolgico contemporneo e sua repercusso na sociedade. Parece haver uma aproximao quilo que Winner (1987) chama de sonambulismo tecnolgico.

    Neste sentido, h indicativos de que os professores em geral e mesmo aqueles com um perfil mais prximo dos parmetros, repetem, acriticamente, alguns dos discursos constantemente veiculados por meios de comunicao. Por exemplo, passam a concordar com discursos que, tal qual aquele sobre a Internet, carregam marcas do determinismo tecnolgico. Parece haver um endosso acrtico, um assumir que possivelmente decorre da falta de problematizao dos mesmos, da ausncia de reflexo, aspecto que sinaliza desafios para o ensino de Cincias.

    Quanto superao da perspectiva salvacionista/redentora atribuda CT:

    Uma terceira tendncia, a superao da perspectiva salvacionista/redentora atribuda CT, foi analisada focalizando-se dois temas contemporneos: o problema da carncia alimentar (anexo 1, situao 4) e a poluio (Auler, 2002, situao 7). Em relao ao problema da fome, h uma rejeio quase total. Dezessete (17), dos 19 professores entrevistados, no endossam a posio de que mais CT, no caso os produtos geneticamente modificados, venham a solucionar esse problema. Relativamente poluio, na anlise realizada, apenas trs professores endossam a perspectiva salvacionista.

    Em relao ao problema da fome, apesar de ocupar grande espao na mdia, a idia de que os transgnicos venham a saciar a fome, foi amplamente rejeitada. Isso sinaliza para a superao do mito da perspectiva salvacionista, ou seja, da relao linear entre incremento em CT, produo de alimentos e resoluo do problema da fome. Nas falas, h uma compreenso bastante clara quanto apropriao desigual dos resultados desse desenvolvimento.

    A perspectiva salvacionista, no combate poluio, segundo a qual um simples incremento de CT seria suficiente para resolver tal problemtica, tal como j acontecera em termos de suprir a carncia alimentar, recebeu um

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    apoio bastante restrito por parte dos professores. Contudo, apesar de minoritrias, h posies de endosso:

    Por mais que cada vez que os anos passem a poluio seja muito maior, mas as solues tambm vm junto n. (...) No meu ver elas caminham juntas. Aumenta a poluio, aumentam os problemas, mas as solues vm junto. Quer dizer, no junto, mas logo atrs, tentando. (Auler, 2002, situao 7).

    Consideraes finais

    H indicativos de que a falta de coerncia interna, anteriormente mencionada, esteja associada a uma compreenso confusa, ambgua sobre a no neutralidade da Cincia-Tecnologia. Este aspecto requer novas investigaes. Contudo, h elementos que autorizam esta hiptese. Tanto a pesquisa bibliogrfica, quanto elementos da pesquisa realizada com os professores, convergem para este ponto. Assim, em relao primeira, pode-se destacar as discusses de Garcia et al. (1996), dentre outros, quando apontam o surgimento do movimento CTS naqueles contextos em que emerge uma nova compreenso sobre o papel da CT na sociedade, deslocando-as do mbito da suposta neutralidade, remetendo-as para o espao da debate poltico.

    Em relao aos resultados das entrevistas, mesmo de forma difusa, parecem estar apontando para a ausncia, no pensar destes professores, dessa nova compreenso do papel da CT na sociedade. Mesclam-se, na compreenso destes, concepes de neutralidade e de no neutralidade da CT, dependendo do fenmeno, da temtica em questo, sinalizando para a forte presena de ambigidades.

    Essa falta de clareza, a ambigidade parece estar relacionada complexidade do tema, considerando que a no neutralidade da CT pode, efetivamente, ser discutida a partir de vrios ngulos. No decorrer do processo de investigao, foi-se constatando a necessidade da clarificao e explicitao de dimenses/critrios que contribussem em precisar estes significados. Assim, no contexto da pesquisa (Auler, 2002), a suposta neutralidade da CT foi analisada e problematizada a partir de quatro dimenses, interdependentes:

    O direcionamento dado atividade cientfico-tecnolgica (processo) resulta de decises polticas;

    A apropriao do conhecimento cientfico-tecnolgico (produto) no ocorre de forma eqitativa. o sistema poltico que define sua utilizao;

    O conhecimento cientfico produzido (produto) no resultado apenas dos tradicionais fatores epistmicos: lgica + experincia;

    O aparato ou produto tecnolgico incorpora, materializa interesses, desejos de sociedades ou de grupos sociais hegemnicos. Portanto, no se sustenta uma compreenso consagrada pelo senso comum, que afirma mais ou menos o seguinte: A tecnologia no nem boa e nem ruim, tudo depende do uso que dermos a ela. Alm disto, nesta compreenso, est implcito de que h o "bom" e o "ruim". Ou seja, o que bom para um, bom universalmente.

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    Por exemplo, determinado professor considera que a tecnologia no neutra, argumentando que h uma apropriao desigual. Ao mesmo tempo, considera a tecnologia uma ferramenta neutra, nem boa e nem ruim, utilizvel para o bem ou para o mal, ignorando que esta carrega as marcas, os interesses e caractersticas de sociedades ou de grupos hegemnicos em determinado momento histrico. Ou seja, mesclam-se, na compreenso destes, concepes de neutralidade e de no neutralidade, dependendo da situao, da temtica em questo:

    Acho que no resolve o problema da fome. Essa tecnologia chega para todo mundo? (posio de no neutralidade, segunda dimenso anteriormente elencada)

    e

    Neutro, meio assim, a neutralidade, ela t a: pode ser utilizado paro o bem e para o mal (posio de neutralidade, quarta dimenso anteriormente elencada).

    sintomtico que, dos 19 professores entrevistados, 16 concordam integralmente, inclusive com comentrios como este ltimo, com a segunda afirmao presente na situao 8 (anexo1), reproduzida em seguida:

    A tecnologia no nem boa e nem ruim, nem positiva e nem negativa em si mesma. uma ferramenta neutra que pode ser tanto utilizada para o bem quanto para o mal. Tudo depende do uso que dermos a ela.

    Destaca-se, assim, a necessidade de, de um lado, considerar, no processo formativo, as dimenses: Endosso ao modelo de decises tecnocrticas, passividade diante do desenvolvimento cientfico-tecnolgico e a necessidade da superao da perspectiva salvacionista/redentora atribuda CT. De outro, aprofundar investigaes sobre concepes relativamente suposta neutralidade da CT, considerando que, uma compreenso ambgua, incompleta pode ser uma das causas das contradies presentes no pensar dos professores, aspecto que dificulta uma compreenso mais crtica sobre as interaes entre CTS. A suposta neutralidade pode estar, tambm, legitimando, no campo ideolgico, modelos decisrios de cunho tecnocrtico.

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    Anexo 1

    SITUAO 3

    O ALFABETO DO FUTURO: A internet estabelece o ritmo do progresso, impe sua presena em todas as dimenses da vida e se converte em condutora dos rumos da civilizao.

    Roteiro de questes:

    - Nessa situao 3, temos uma manchete do Jornal Zero (ler). Para voc, o que esta manchete transmite? Voc concorda com ela?

    - Diz aqui: ...a internet estabelece o ritmo do progresso e se converte em condutora dos rumos da civilizao. O que voc pensa disto?

    - O agir humano, a ao da sociedade interfere ou pode interferir nos rumos da civilizao, no ritmo do progresso estabelecido pela internet?

    - Ou o ritmo do progresso, os rumos da civilizao, esto fora da interferncia da sociedade?

    - A humanidade estaria perdendo o controle sobre a internet?

    SITUAO 4

    A situao quatro constituda de dois textos curtos. O primeiro fala da carncia alimentar e o segundo sobre os transgnicos, sendo, neste, focalizada a afirmao:

    Com certeza os transgnicos saciaro a fome no prximo milnio.

    Roteiro de questes:

    - Na situao 4, h uma discusso sobre o problema da fome e outra sobre organismos geneticamente modificados. Voc poderia comentar algo sobre estes dois aspectos?

    - Na Segunda parte, aqui embaixo, diz: Com certeza, os transgnicos saciaro a fome no prximo milnio. Voc concorda com esta frase? Qual a anlise que voc faz desta?

    Ento, com o desenvolvimento dos produtos geneticamente modificados, o problema da carncia alimentar, que afeta boa parte da populao do planeta, estar sendo resolvida?

    SITUAO 5

    A situao cinco est constituda de um texto sobre os produtos geneticamente modificados. O foco da entrevista a frase: A onda irreversvel. Por mais forte que seja a desconfiana em relao aos produtos geneticamente modificados, no h mais como fugir deles.

    Roteiro de questes:

    - No texto, Tem comida estranha na geladeira, h algo que voc poderia comentar?

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    - Aqui, no incio, uma frase que diz o seguinte: A onda irreversvel. Por mais forte que seja a desconfiana em relao aos produtos geneticamente modificados, no h mais como fugir deles. Voc concorda com ela? Qual a tua opinio sobre a mesma?

    - A onda irreversvel. No h mais como fugir deles. No futuro, seremos obrigados a produzir e consumir produtos geneticamente modificados. Voc concorda com isto?

    - Ento, de que maneira esta onda poder ser revertida?

    - No texto est falando da soja transgnica. Vamos pegar o caso do RS, onde a liberao ou no do plantio da soja transgnica bastante polmica. Quem, para voc, deveria decidir quanto ao plantio ou no dessa soja geneticamente modificada?

    SITUAO 8

    Considerando a neutralidade da tecnologia, esta pode ser utilizada em qualquer contexto, justificando-se a transferncia tecnolgica de um contexto para outro, de um pas para outro sem problemas.

    A tecnologia no nem boa e nem ruim, nem positiva e nem negativa em si mesma. uma ferramenta neutra que pode ser tanto utilizada para o bem quanto para o mal. Tudo depende do uso que dermos a ela.

    Roteiro de questes:

    - Nessa situao 8, h uma afirmao que diz o seguinte: (ler primeira frase) Voc concorda com ela? Comente-a.

    - H uma outra afirmao dizendo: (ler segunda frase). Voc concorda plenamente com esta afirmao, parcialmente, discorda da afirmao? Eu gostaria que voc comentasse a sua resposta.