arruda, lucybeth camargo - naturalmente filmados artigo

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  • 7/23/2019 ARRUDA, Lucybeth Camargo - Naturalmente Filmados Artigo

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    Naturalmentefilmados: modos de atuar

    e viver nos postos indgenas do SPI

    em Mato Grosso1

    Lucybeth Camargo de Arruda2

    Universidade Federal do Oeste do Par

    RESUMO: Este artigo realiza um exerccio de olhar e pensar a partir de umaseleo de fotografias de trs colees fotogrficas produzidas pela Seo deEstudos () do Servio de Proteo aos ndios () em cinco Postos Indge-nas localizados no Estado de Mato Grosso, nos anos de 1942 e 1943. A partirde abordagens e mtodos de investigao que abarcam os campos da Antro-pologia, Fotografia e Histria, analisamos imagens produzidas pela equipede Foto-Cinematografia, tendo como suporte a documentao produzida

    pelo no perodo de 1910 a 1945. O objetivo central perceber a presenae a participao indgenas dentro do bloco monoltico chamado de PostoIndgena. Buscamos problematizar contextos inscritos na fotografia porsua ambiguidade inerente e encontrar os grupos indgenas Bororo, Bakairi,Terena, etc., atuando e participando do seu processo histrico. Conclumosque imagens e palavras se complementam e compem narrativas da Histriados ndios, atravs do , nas primeiras dcadas do sculo .

    PALAVRAS-CHAVE:Histria indgena, Posto Indgena, Servio de Prote-o aos ndios, antropologia, histria e fotografia.

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    Introduo

    Os Bororos sero naturalmente filmados nos seus trajes tpicos, e tam-bm vestidos. Na ocasio preciso evitar que eles se apresentem com suaroupa pior, como geralmente costumam fazer, para receberem outras no-vas3. Essa instruo foi dada ao encarregado do Posto Indgena Crrego

    Grande, o senhor Jos Alves de Arruda e, tambm equipe cine-fotogr-fica da Seo de Estudos (), do Servio de Proteo aos ndios (),em novembro de 1943. Nela transparece a inteno de querer do filmee da fotografia produzidos em meio aos grupos indgenas uma mostra derealidade. No entanto, a prpria orientao inscrita nesse documentodeixa evidente tambm a necessidade de construo, se necessrio, dascenas da vida social dos Bororo, a ponto de a palavra naturalmente nosinformar o quo meticulosamente essas cenas poderiam estar sendo pro-duzidas e arrumadas para as lentes dos fotgrafos-funcionrios do .

    Esta pesquisa um exerccio de reflexo a partir de fotografias que com-

    pem trs colees fotogrficas produzidas pela Seo de Estudos do em cinco Postos Indgenas localizados no estado de Mato Grosso, nos anos

    de 1942 e 1943. A partir de mtodos e investigaes nos campos da antro-

    pologia, fotografia e histria, e com o suporte terico de Edwards (2001),

    Barthes (1984), Certeau (1994) e Lefebvre (2006), fizemos leituras de al-

    gumas imagens que foram produzidas pela equipe de Foto-Cinematografia,

    colocando-as em dilogo com a documentao administrativa do , no

    perodo de 1910 e 1945, referente aos Postos Indgenas So Loureno e

    Crrego Grande (grupos Bororo), Cachoeirinha e Taunay (grupos Terena)

    e Simes Lopes (grupo Bakairi e diversos grupos da regio do Xingu).

    A inteno perceber a presena indgena dentro do bloco monol-tico chamado de Posto Indgena. Busca-se observar e problematizar, nomovimento ambguo da fotografia, o que est para alm da objetificao premente, absoluta em que a fotografia foi concebida e ainda muito

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    utilizada. As colees aqui estudadas foram produzidas a partir dessacompreenso da fotografia e o exerccio ser partir do ndio objetificadoe concebido como categoria genrica e, no percurso, lanar luz, descor-tinar e encontrar os Bororo, os Bakairi e os Terena, enquanto agentesdo seu processo histrico e parte integrante e importante da formaohistrica dos espaos onde foram instalados os Postos Indgenas. Assim,

    este trabalho produz, atravs de imagens e palavras (documentao do), um instrumento que complementa e compe narrativas da histriados ndios nas primeiras dcadas do sculo .

    Penso ser necessrio dizer que essa pesquisa fruto de um doutoradoem Antropologia Social e que, em princpio, as colees fotogrficas noeram o meu enfoque. O processo de pesquisa comeou por meio do en-contro das fontes textuais do , tendo como recorte analtico a InspetoriaRegional 06, o departamento que coordenava, em nvel regional, os Pos-tos Indgenas instalados no estado de Mato Grosso (recorte espacial queatualmente corresponde aos seguintes estados da federao: Mato Grosso,

    Mato Grosso do Sul e Rondnia). O plano era percorrer a documentaoadministrativa desses postos desde o momento de suas instalaes at umrecorte temporal que permitisse ver a conformao dos grupos nesses es-paos. Tendo em mos a documentao com esse enfoque, passaramos aanalisar as relaes estabelecidas entre ndios e no ndios, compararamosas administraes desses postos indgenas e analisaramos como os gruposindgenas respondiam a essa tutela. Mas, ao longo da prpria pesquisa,no processo de levantamento da documentao disponvel no acervo doMuseu do ndio4, alm dos microfilmes referentes Inspetoria Regional06 que dizem respeito aos postos instalados em Mato Grosso , resolvi

    separar tambm as imagens relativas a esses Postos Indgenas.Ao mergulhar no acervo imagtico, trs colees fotogrficas (Docu-

    mentrio Terena, Bororo e Posto Simes Lopes), produzidas nos anosde 1942 e 1943, se mostraram importantes e passaram a ser centrais na

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    pesquisa, principalmente pelo fato de serem fontes que agem com flexibi-lidade em sentidos opostos, ora como espelhos de atitudes conscientes eora como distores da realidade (Burke, 2004). Nem por isso deixamosde lado a documentao administrativa referente aos Postos Indgenas, queserviram de cenrios para as colees fotogrficas, at porque os corposdocumental, escrito e imagtico no esto descarnados uns dos outros.

    A fotografia e suas ambiguidades indicialidades e fraturas

    Desse movimento primeiro de olhar para as fotografias, identificamoselementos e movimentos que ganharam aberturas e desdobramentos,nos permitindo ver fissuras estruturais da amlgama Posto Indgena.

    Atravs das imagens podemos acessar um mosaico de elementos que,explorados, nos levam a um grande leque de assuntos ligados histriados ndios no Brasil.

    Etienne Samain (1998) l Roland Barthes atravs do livro A CmaraClara para pensar a antropologia visual atravs de dois elementos-cha-ve da regra estrutural formulada por Barthes. Esse autor afirma que aexistncia da fotografia tem a ver com a copresena de dois elementosdescontnuos e heterogneos. Refiro-me a studium e a punctum.

    Ao conferir essa regra, penso utiliz-la em uma ou outra situao comomtodo analtico, seja para separar as fotos aqui analisadas, seja para,de fato, refletir sobre ou a partir delas. Trago para o corpo do texto aexplanao desses elementos pelo prprio autor. O studium,

    (...) visivelmente, uma vastido, ele tem a extenso de um campo, quepercebo com bastante familiaridade em funo de meu saber, de minha

    cultura; esse campo pode ser mais ou menos estilizado, mais ou menos

    bem sucedido, segundo a arte ou a oportunidade do fotgrafo, mas remete

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    sempre a uma informao clssica. (...) desse campo so feitas milhares de

    fotos, e por essas fotos posso, certamente, ter uma espcie de interesse geral,

    s vezes emocionado, mas cuja emoo passa pelo revezamento judiciosos

    de uma cultura moral e poltica. O que experimento em relao a essas

    fotos tem a ver com um afeto mdio, quase com um amestramento. Eu no

    via, em francs, palavra que exprimisse simplesmente essa espcie de inte-

    resse humano; mas em latim, acho que essa palavra existe: o studium, queno quer dizer, pelo menos de imediato, estudo, mas a aplicao a uma

    coisa, o gosto por algum, uma espcie de investimento geral, ardoroso,

    verdade, mas sem acuidade particular (Barthes, 1984: 44 e 45).

    Para pensar o lugar dessas imagens nessas colees e v-las como partede um material que estava sendo construdo a partir de uma polticaindigenista de Estado, importante olhar e identificar o studium dafotografia que inscreve um campo de informaes que envolve o inten-to do fotgrafo e o ambiente desse constructo. E buscar o punctum,

    considerado-o como aquilo que

    vem quebrar (ou escandir) o studium. Dessa vez, no sou eu que vou busc-lo

    (como invisto com minha conscincia soberana o campo do studium), ele

    que parte da cena, como uma flecha, e vem me transpassar. Em latim existe

    uma palavra para designar essa ferida, essa picada, essa marca feita por um

    instrumento pontudo; essa palavra me serviria em especial na medida em

    que remete tambm ideia de pontuao e em que as fotos de que falo so,

    de fato, como que pontuadas, s vezes at mesmo mosqueadas, com esses

    pontos sensveis; essas marcas, essas feridas so precisamente pontos. A esse

    segundo elemento que vem contrariar o studiumchamarei entopunctum;poispunctum tambm picada, pequeno buraco, pequena mancha, pequeno

    corte - e tambm lance de dados. Opunctum de uma foto esse acaso que,

    nela, me punge (mas tambm me mortifica, me fere) (Barthes, 1984: 46).

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    Esse segundo elemento teorizado por Barthes como punctum o queEdwards (2001) descreve na fotografia como o que est para fora, oque quebra, o que mostra descontinuidade, fratura, e Samain (1998:130), por sua vez, l como o silncio que, nela (a fotografia) fascina eperturba, faz gritar o corpo, quando o olhar procura de si aventura-seno seu espelho, no seu campo cego. Logo, a partir dessas referncias, ao

    modo de Barthes, exercito olhar como espectador, me interessando pelafotografia por sentimento; com o intuito de aprofund-la, no comouma questo (um tema), mas, como uma ferida: vejo, sinto, portantonoto, olho e penso (Barthes, 1984: 39).

    Nesse ato de estar, atuar, agir e viver, por meio das fotografias, nosdeparamos com atuaes/aes cheias de ambiguidades que nos permi-tiram refletir ora do olhar de quem produziu e ora do olhar de quem sedeixou reproduzir nas fotografias. O exerccio que fizemos nos permitiuencontrar vrios nveis de ambiguidades em vrias circunstncias. Si-tuao permitida pela ambiguidade inscrita na prpria fotografia, como

    afirma Edwards:

    A fotografia contm e constringe dentro de seus prprios limites, rom-

    pendo o equilbrio e o fluxo natural desses processos que so o centro do

    estudo histrico. O fragmento de espao e tempo transportado em sua

    totalidade aparente a espaos constitudos de forma diferente, em direo

    aos maus definidos limites entre ns e o passado, de presena e ausncia,

    de materialidade e imaterialidade. O tempo e o evento (ou o acontecimen-

    to, prefere-se) fundem-se, fazem-se realmente tempo, esse passado faz-se

    evento, as aparncias e significncias do momento elevados pela fotografia

    (Edwards, 1998: 43).

    No olho/olhar que mergulha na foto, deparamo-nos com esse aspectoinerente da fotografia que nos fez escolher partir das imagens como um

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    mtodo de pesquisa capaz de no nos prender aos prprios limites doenquadramento, permitindo-nos eleger um elemento, um gesto, umolhar, a paisagem ou ainda a intuio, o sentimento invocado e evoca-do e trilhar trechos da documentao escrita, etnografias do perodoou ainda anteriores produo fotogrfica. Como afirma Maresca, aodiscorrer tambm sobre a ambiguidade no campo da fotografia docu-

    mental, onde se misturam constantemente efeitos de conhecimentoe efeitos de viso, onde se conjugam, e mais frequentemente se em-baralham, uma capacidade de observao e a afirmao de um olhar(Maresca, 1998: 143).

    Nos Postos Indgenas, segundo a histria oficial, em linhas gerais, osndios passaram a trabalhar, a estudar e a se integrar sociedade nacio-nal. Como a inteno focar em aes que amide moviam os espaosdos postos, desloco meu olhar para o que est fragmentado nas imagens,num plano indicirio5, que est para alm da construo imagtica dondio selvagem versuso ndio caboclo e assimilado.

    Acredito que, seguindo os indcios que se colocam como fraturas,tanto nas fotografias, conforme Elizabeth Edwards (2001), quanto, naprpria documentao escrita, podemos nos dar conta da presena in-dgena transformando a noo fechada em quadrantes, denominadospelo , de Postos Indgenas. Com isso, deixo claro que no pretendoem nenhum momento tratar as imagens com uma viso positivista doreal, em que elas dizem por si s, mostrando o fato ou a situao semdistores, possibilitando um olhar sem engano, fechadas dentro de umcorpo especfico de prticas. Pelo contrrio, quero afirmar e reafirmar,como Elizabeth Edwards (2001: 5), que a fotografia is a vast disorder of

    object. atravs de sua aleatoriedade, de sua fluidez, de seu minuto deindicialidade que so inerentes ao seu prprio meio , que possvelvislumbrar uma interpretao para alm de uma nica e correta viso,podendo ampliar a compreenso de eventos e situaes.

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    A vivncia entre ndios e no ndios dentro desse espao criado, deli-mitado e denominado de Posto Indgena, nos coloca questes e hiptesesque configuram, em princpio, prticas e concepes que tm a sua gne-se cunhada por saberes conformados em contexto colonial e concebemmodos de ver e tratar o Outro, que ndio, em chaves designativas eclassificatrias.

    Tratando-as no conjunto como colees, as fotografias cumprem al-gumas funes que, na concepo do , estavam designadas de ante-mo pelo prprio discurso narrativo inscrito nas imagens em si, comopor exemplo, a funo de registro fotogrfico como prova das aesdo em curso. Serviam tambm como testemunho de que o trabalhoadministrativo-gerencial estava sendo realizado e, consequentemente,como atestado da integrao dos ndios sociedade nacional; a funode arquivo, no sentido do registro documental histrico da ao do Ser-vio, enquanto instituio e tambm como poltica de Estado; e, ainda,cumpriam a funo museolgica, do colecionismo do prprio ndio

    como objeto de museu, j que se tratava de registr-lo tambm em seuestado primitivo para a constituio de um acervo que o caracterizavacomo fiel depositrio da nacionalidade brasileira, a poro genuna dopovo brasileiro que precisava ser preservada em museu, j que estavaprestes a desaparecer em funo de sua gradual incluso sociedadenacional atravs da poltica integracionista.

    Inspirada em Edwards (2001), para alm de como a imagem estconstituda, minha indagao como a imagem se inscreve no e su-gere o passado. Ao levantar os elementos presentes nessa constituio,considerando o saber do fotgrafo (tcnico, cientfico, sociocultural),

    que, por sua vez, tambm levava instrues do Servio, tentei centrarnos aspectos que escapam e, por isso, me trazem questes. Tambmfoquei em elementos que permitam visualizar um cenrio mais amplono espao e no tempo. Sobretudo nesse caso, fiz uso de etnografias que

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    tinham sido produzidas at a dcada de 1940, ou anteriormente pro-duo das fotos, sobre os grupos revelados nas fotografias em questo.

    As principais obras etnogrficas so de Karl von den Steinen, resultadode sua expedio regio central do Brasil, chegando at ao Xingu nofinal do sculo ; Max Schmidt, que fez parte da expedio de vonden Steinen e que, depois, fez a sua prpria expedio no incio do s-

    culo , por volta de 1926; os padres salesianos Antonio Colbacchinie Csar Albisetti, com etnografias produzidas entre os anos de 1920 e1930; Herbert Baldus, com artigos etnogrficos entre os anos de 1930;e Egon Schaden, para citar os principais. Dessa forma, acercamos me-lhor o contexto de produo e a biografia das pessoas e coisas que foramnos saltando aos olhos. Assim, torna-se possvel tambm caracterizar aproduo do cotidiano desses espaos e das suas relaes, identificando,na medida do possvel, a participao de cada agente social, seja ele ofuncionrio do Servio, seja ele o Bororo, o Terena e/ou o Bakairi. Creioque, dessa forma, as imagens deram outras possibilidades de percepo

    sobre como, por exemplo, o Servio foi construindo esse Outro, que ondio imaginado e teorizado como localizado, integrado, trabalha-dor nacional, selvagem, brbaro, Bororo, Terena ou Bakairi,mas, tambm, como essas mesmas fotos dizem como o homem bororoou o grupo Terena se colocaram nessa construo.

    Ao percorrer os registros documentais do , percebemos toda umaestrutura mental e ideolgica da construo dos ndios como categoriagenrica e em uma posio passiva, de serem direcionados, tutelados,sem condies de agir por conta prpria. As imagens, em muitas si-tuaes, no fogem desse arcabouo mental; no entanto, elas tambm

    oferecem, para alm da metfora, o espelho como memria. A positi-vidade desse exerccio est em partir das imagens procura da quebra,da ferida, daquilo que nos faz pensar, duvidar e tambm, imaginar e/ou nos inspirar.

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    Antes de iniciar o exerccio de ver e pensar a partir das imagens, julgonecessrio, brevemente, localizar os fotgrafos (Harald Schultz e HeinzFoerthmann) que participaram das expedies foto-cinematogrficas eproduziram as colees fotogrficas aqui estudadas. Schultz foi o autordas imagens dos grupos Terena que moravam nos Postos Indgenas de

    Assistncia, Nacionalizao e Educao () Cachoeirinha e Taunay,

    no ano de 1942. Heinz Foerthmann fotografou grupos de Bororo nosSo Loureno e Crrego Grande e grupos de Bakairi e ndios daregio do Xingu no Posto Indgena de Atrao () Simes Lopes, em1943. Foerthmann participou da expedio em que Schultz fotografouos Terena nos postos Cachoeirinha e Taunay e, na ocasio, fez as foto-grafias dos bastidores da expedio (still), alm de ser o responsvel pelagravao de disco.

    Ao situ-los, lanamos luz sobre a Seo de Estudos, onde esses pro-fissionais estavam lotados como funcionrios do , chegando at aosmembros do rgo normativo da poltica indigenista, o Conselho Na-

    cional de Proteo aos ndios (), cujos membros Cndido Ron-don, presidindo-o, Roquette Pinto e Helosa Alberto Torres foramresponsveis por criar e coordenar, desde o , os trabalhos da Seode Estudos. A hiptese que a participao de antroplogos no Conse-lho proporcionou a introduo dos conhecimentos especializados nasaes do Servio. Essa prtica de registro, inicialmente foto-cinema-togrfica e de coleta de peas etnogrficas, a partir do rgo oficial, serevela planejada a partir de um departamento especfico, dando nfaseao aspecto cientificista no tratamento dos grupos indgenas. Alm disso,contribuiu, de certa forma, para dar outros contornos poltica indige-

    nista, sobretudo visibilidade para fora, principalmente no sentido dasrelaes internacionais.

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    Imagem SPI00049 Equipe foto-cinematogrfica composta pelosSrs. Nilo Oliveira Vellozo, Heinz Foerthmann, Carlos Barreto de

    Souza e auxiliares Terena. Harald Schultz, 1942.

    Imagem SPI004046 Harald Schultz, chefe da equipe etnogrfica.fotografando menina terena fazendo trabalhos manuais.HaraldSchultz, 19427.

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    Imagem SPI02978 Hospital, casa de hspedes, moradia doencarregado e escola do Posto Indgena.Heinz Foerthmann, 1943.

    Imagem SPI02864 Vista geral do Posto Indgena So Loureno. Daesquerda para direita: estao telegrfica, escola, casa do encarregado(sede da Colnia Militar), casa de hspedes, hospital (em construo),

    casas dos empregados, casa de mquinas e aldeia.So Loureno. HeinzFoerthmann, 1943.

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    As imagens panormicas e as fissuras no bloco monolticodos Postos Indgenas

    O caminho que trilhei para olhar as imagens foi o de imaginar-me no lugar

    dos fotgrafos, no sentido de chegar e adentrar em um Posto Indgena, e as

    primeiras paisagens revelam um todo exterior, enquanto arquitetura, instala-

    o, vista geral e parcial desses espaos. As reflexes partem das imagens pa-normicas dos postos em questo, tomando, em princpio, o plano mtrico,

    o arquitetural e a expresso plstica espacial (ver Imagem SPI02978), cujos

    contornos materiais, dotados de limites fronteirios fsicos, culminam em

    fronteiras conceituais (sociais e simblicas). Essa imagem me fez ir atrs das

    instrues dessas construes para acompanhar como cada posto foi ganhan-

    do materialidade arquitetnica. No entanto, nesse processo de construo

    vamos percebendo espaos sendo construdos como reflexo dos sentidos de

    quem os concebeu. Dessa perspectiva diacrnica, percebemos multiplicida-

    des de configuraes espaciais nessa exterioridade que se apresenta.

    Ao olharmos para a fotografia panormica da povoao So Louren-o, imagem SPI02864, percebemos a intencionalidade de Foerthmannde registrar a materialidade do projeto civilizador assinado pelo Estadobrasileiro, atravs da poltica indigenista do . A legenda d a refernciadessas edificaes e confirma essa materialidade:

    Vista geral do Posto Indgena So Loureno. Da esquerda para direita:

    estao telegrfica, escola, casa do encarregado (sede da Colnia Militar),

    casa de hspedes, hospital (em construo), casas dos empregados, casa de

    mquinas e aldeia8.

    Essas operaes de orientao que circunstanciam a espacialidade doPosto Indgena So Loureno, por meio da composio entre fotografiae legenda, do conta da nomeao de toda a estrutura. Em princpio, a

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    Imagem SPI00936 Vista da rea do posto, estando direita a sede Cachoeirinha.Harald Schultz, 1942.

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    leitura se fecha para ver o empreendimento ordenado, regulado e orga-nizado, com edifcios estruturados que cumprem funes bem definidas:casa para o encarregado, casa para os empregados, escola, um lugar paraa comunicao (estao telegrfica), um lugar para o trabalho (casa demquinas), assim como uma casa para os hspedes, que nessa pocaestava ocupada pela equipe foto-cinematogrfica. A imagem do posto

    nos fornece a noo de um pequeno vilarejo beira do rio So Loureno. As fotografias panormicas dos postos Crrego Grande e Cachoei-

    rinha, imagens SPI02978 e SPI00936 (acima), respectivamente, no fo-gem ao padro de legenda da imagem SPI02864, onde se l: Hospital,casa de hspedes, moradia do encarregado e escola do Posto Indgena;Vista da rea do posto, estando direita a sede Cachoeirinha. O qued a entender, tomando ao p da letra, as edificaes como constituin-tes da substancialidade da poltica indigenista, levando-nos a sugerircomo leitura a concepo de espao nos termos da modernidadeapresentada por Lefebvre (2006: 06) como tendo caractersticas preci-

    sas: homogeneidade-fragmentao-hierarquizao. Ao ler essas fotos, oaspecto homogneo est no primeiro plano atravs da viso panormicageral ou parcial dos postos, idealizados como centros irradiadores e comintenes de fabricao de elementos e materiais (...), mtodos de ges-to e de controle, de vigilncia e de comunicao (Lefebvre, 2006: 06).

    Porm, h mais coisas para se olhar. Ou melhor, tomando a imagemSPI02864, percebemos que h elementos que aparecem na legenda eno necessariamente aparecem na fotografia. Ao querer abarcar todaa estrutura, o fotgrafo obrigado a fazer a foto da outra margem dorio, isto , de longe e, com isso, alguns elementos perdem a nitidez. A

    legenda indica a presena de uma aldeia casas dos empregados, casade mquinas e aldeia.9A necessidade de enquadrar as casas da admi-nistrao do posto fez com que a aldeia s aparecesse mesmo atravs dalegenda, ou ainda, atravs de outra fotografia que Foerthmann fez em

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    outro momento, durante a expedio, que a imagem SPI02872 (logoabaixo), cuja legenda indica a aldeia dos ndios Bororo junto ao posto.

    Retomando a fotografia da povoao So Loureno refiro-me quela

    com vista panormica (imagem SPI02864), feita a partir da margem do outro

    lado do rio So Loureno, ela revela nitidamente, como bem sugere a instru-

    o, as edificaes feitas pelo e para o Servio,mas no d conta de mostrar

    com a mesma evidncia as edificaes feitas pelos e para os ndios (aldeia).Aqui, chamamos a ateno, tambm, para o fato de que a legenda no men-

    ciona casas dos ndios, como faz para com outras instalaes da povoao,

    e sim a aldeia, revelada logo acima (imagem SPI02872). Essa nominao,

    penso, tem implicaes ou, no mnimo, pode ser indicativa para pensar em

    uma no transformao das moradias dos Bororo, mesmo com a presena da

    povoao que estava a menos de um quilmetro. Outra situao que chama

    a ateno na imagem feita da aldeia que no aparecem mais especificaes,

    no se apontando, por exemplo, o seu nome. Pois, na documentao, so at

    bem comuns as nominaes das aldeias bororo que estavam dentro dos limites

    da povoao e do Posto Crrego Grande, e daquelas localizadas nos entornosdos postos. Os funcionrios mencionam, por exemplo: Miao-Paro, Quejare10,

    Tadarimana-Paro, Tugukuri, Coqueidjaro e a Pobore11.

    A partir da revelao da aldeia nos espaos dos postos, seguimos com Lefe-

    bvre que afirma que a homogeneidade revela falsos conjuntos e oculta as

    relaes e os conflitos, e que, a partir dessas relaes, h tambm produes

    de fragmentaes,

    (...) pois paradoxalmente (ainda) esse espao homogneo se fragmenta:

    lotes, parcelas. Em migalhas! O que produz guetos, isolados, grupos pavi-lhonares e pseudoconjuntos mal ligados aos arredores e aos centros. Com

    uma hierarquizao estrita: espaos residenciais, espaos comerciais, espa-

    os de lazer, espaos para os marginais etc. (Lefebvre, 2006: 07).

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    Imagem SPI02872 Aldeia dos ndios Bororo junto ao posto.Heinz Forthmann, 1943.

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    Ao olhar para essas panormicas, hospital, casa de hspedes, moradiado encarregado e escola do Posto Indgena,12enxergamos o Posto In-dgena como mquina administrativa, lugar feito para os ndios, pormhabitado pelos funcionrios do Servio. O que as imagens revelam nessaaparncia do posto como um corpo arquitetnico estrutural fechado uma fissura fsica e, por conseguinte, uma fissura mental dessa con-

    cepo inscrita no ato de instalao e construo de um espao para osndios e no um espao dos ndios, concebidos por eles.

    No que o espao dos ndios no existisse. Sim, ele estava dentrodesse constructo. Inclusive, ele aparece nas fotografias, porm de for-ma apartada (posto de um lado, aldeia do outro). De fato, para osndios ainda h a aldeia, cuja continuidade no espao do posto, deforma materializada, torna-se perceptvel. nesse ponto, em especial,que as imagens foram tratadas como espelho da memria, pois os de-talhes nelas impressas evidenciam mais que a documentao escrita,posto que a aldeia ainda estava montada e materializada pelos seus

    moradores, Bororo e Terena. Pois, em muitos momentos, os registrosescritos nos do a entender que a aldeia no existia mais, em virtudeda instalao e da construo dos prdios do posto. No entanto, aaldeia continuava no mesmo lugar, mesmo depois da edificao doPosto So Loureno, iniciado em 1912 e, praticamente edificado, at1914. No entanto, a aldeia continuava engajada de agenciamentosde seus moradores, assim como o posto. Pois, no limite da ten-tativa de se construir uma relao de oposio entre a agncia dosindivduos e arcabouo institucional, evidencia-se um contrapontoinegvel, mas obscuro, por conta de o posto aparecer mais na docu-

    mentao do que a aldeia: atravs dos indivduos que as instituiesfuncionam (Douglas, 2007)13.

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    Posto e Aldeia como espaos praticados

    Como afirma Certeau (1994), o espao se articula com a sua prtica eessa, pela dinmica do fazer para saber, de certo modo animada peloconjunto de movimentos que a se desdobram (Certeau, 1994: 202), deapropriaes, ocupaes e vivncias que conformam corpos, cognies e

    rede de significados. Logo, passamos a olhar para as imagens procura dosespaos do posto e da aldeia, marcados pelos movimentos a inscritos, isto, o posto e a aldeia como espaos praticados. Na mesma direo, vale fri-sar, como afirma Ludmila Brando (2002), o espao passa a ser resultadodas relaes entre seres e objetos. No caso aqui em questo, a construodas imagens analisadas deixa evidente a dplice relao entre sujeitos emcontextos de campo: o olhar de quem retrata e o ato do outro em se dei-xar fotografar. O conjunto de fotografias permite uma anlise heursticadas mesmas, sugerindo que os fotgrafos, ao penetrarem no interior dospostos, seguiam os caminhos e ramificaes que partiam da sede ou a ela

    chegavam e revelavam os ptios das aldeias, encontrando, consequente-mente, os Bororo e os Terena. Da, os ndios aparecem nas fotografiascomo construo discursiva da imagem tanto no espao do posto (ptio,escola, hospital) quanto no espao da aldeia (principalmente no ptio).

    No demais frisar que o espao do posto foi planejado e elaboradopara que os grupos indgenas o concebessem como prprio. Mas, por serconcebido para e no por eles, percebemos algumas marcas representati-vas desse espao penetradas de ideologias que esto longe de serem dosgrupos indgenas neles localizados, como bem mostram as cenas (Ima-gens SPI00865 e SPI00982, logo acima). Produzidas no espao do posto

    Cachoeirinha, as legendas informam, respectivamente, Alunos Terenana cerimnia de hasteamento da bandeira nacional e Fase da dana doBate-Pau. Duas situaes que me fazem pensar, antes de tudo, na am-biguidade imbricada na poltica indigenista e revelada, principalmente,

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    Imagem SPI00982 Fase da dana do Bate-Pau. Harald Schultz,1942.

    Imagem SPI00865 Alunos Terena na cerimnia de hasteamento dabandeira nacional.Harald Schultz,1942.

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    pela ao da Seo de Estudos atravs da equipe foto-cinematogrfica.Na primeira foto, a expresso mxima das intenes de concepo doPosto Indgena marcado pela vivncia da aprendizagem cvica e nacio-nalizadora. Projeto levado a cabo, sobretudo, com as crianas indgenas,que, na imagem, fazem-nos pensar em modos de fazer naturalmentecomo uma ao cotidiana do posto; mas os olhares das crianas e ado-

    lescentes para o fotgrafo, procurando exercer a ao e ao mesmo tempoolhar e tentar posar para aquele que direciona a cena, nos faz indagarsobre a eficcia integracionista e se essa foto no seria mais uma cenaproduzida especialmente para Harald Schultz.

    Na imagem seguinte, a cena que a equipe necessitava captar com ointuito de documentar e guardar como uma prtica que estava com diascontados, mas que tampouco os funcionrios tinham a inteno de incen-tivar, a dos Terena na dana do Bate-Pau. Aqui, o contraponto se colocacom o significado de se danar o Bate-Pau no espao do posto, e no daaldeia, nas proximidades da igreja, instituio parceira do SPI no Posto

    de Nacionalizao e Educao Cachoeirinha Terena. Essa ao, para essegrupo, poderia ter um significado de inscrio de sua vivncia no lugar deestabilidade do Outro, Estado nacionalizador, com gosto de uma sobrepo-sio de camada simblica terena, agora como espao praticado por eles,modificando o uso, alterando-o com fragmentos de trajetrias.

    Para fechar a breve discusso da prtica do posto, concordo com Lefe-bvre (2006) que a representao do espao domina e subordina o espaode representao, reduzido a figuras simblicas. Isso para falar de algunsmonumentos e constructos dentro do posto que exercem essa funo.Fao essa referncia para me referir ao cdigo mximo que demonstrava

    o domnio do Estado-Nao dentro do cerco de paz14 o mastro dabandeira nacional brasileira em frente s sedes dos postos.

    A imagem (SPI02742) demonstra a ao grupo de alunos bakairi

    participando do hasteamento da bandeira nacional. Esse era um espao de

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    Imagem SPI02742 Grupo de alunos bakairi assistindo ao hasteamentoda Bandeira Nacional. Heinz Foerthmann,1943.

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    nacionalizao, construo e imposio de uma identidade nacional (Ferrei-

    ra, 2007). Esse espao cvico, do mastro e da bandeira nacional, foi utilizado

    muitas vezes pelos funcionrios do SPI sob vrias justificativas, fosse para

    um ato comemorativo (datas comemorativas como Dia da Ptria, Dia

    da Proclamao da Repblica etc.), ato poltico ou ainda, ato memorial,

    como o que aconteceu em Simes Lopes. O telegrama do inspetor Estigar-

    rbia dizia respeito morte do republicano Ildefonso Simes Lopes, que foihomenageado desde ento, passando a ter o Posto Bakairi o nome de Posto

    de Atrao Simes Lopes, bem ao estilo positivista de marcar o nome na

    histria oficial do pas, retirando de cena o nome do povo Bakairi.

    Tendo falecido ontem nesta capital ilustre republicano Dr. Ildefonso Simes

    Lopes, a quem a Nao e o SPI devem inolvidveis servios e benefcios pelos

    quais em justa homenagem, consagramos patrono do PIA base dos nossos

    trabalhos nos rios Paranatinga e Xingu. Diretoria pede-vos determinado en-

    carregado Posto Simes Lopes, mantenha bandeira hasteada a meio em sinal

    de luto durante sete dias contas data falecimento. Assinado: Estigarrbia15.

    Esse espao foi praticado inmeras vezes pelos funcionrios do epor parte dos grupos indgenas que neles estavam localizados por contade ritos cvicos que exercitavam o pertencimento ao Estado-Nao quese construa em aproximadamente cem pontos geogrficos do pas coma participao indgena. Nos postos em que havia escolas, como SimesLopes por exemplo, a prtica cvica fazia parte da rotina diria, pelo menosatravs das narrativas dos relatrios e das imagens que foram produzidas as crianas em fila, em frente ao mastro, na posio de sentido, para

    ouvir e cantar o hino nacional do Brasil. Porm, os pequenos aprendizesda nao mostravam-se essencialmente desconfortveis com a ao emcurso. A composio da fotografia sugere que o sol estava a pino, fazendoda prtica uma rdua tarefa. A imposio da disciplina tambm sugerida,

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    Imagem SPI03086 Meninos bororo tomando caldo com ajuda de conchasfluviais.Heinz Foerthmann, 1943.

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    estampada nos rostos cansados das crianas, que no s no aguentavamo sol, mas tambm mal conseguiam sustentar os pesados uniformes es-colares feitos de brim e a posio de sentido, necessria para o ato cvico.Os sapatos do menino encostado ao mastro pareciam apertar ou, mesmo,o tempo de ficar em p era bem maior do que o tempo da execuo dohino nacional. Por isso, o desconforto se revela, sugerindo-nos a leitura

    de fissura expressa em corpos que se colocam para o rito os funcionriosque entendiam o significado da ao , em oposio aos corpos que foramcolocados nesse espao de representao, as crianas bakairi.

    No sentido de evidenciar a atuao e presena dos ndios extrapo-lando as casas administrativas (a sede, a cozinha, os galpes, a escola,etc.), dessa vez estendendo para outras searas circunscritas nos limitesdos postos, gostaria de referir-me viso perifrica, ao espao da aldeia,percebida, atravs das imagens panormicas, somente depois dos galpesdas mquinas ou, ainda de forma mais explcita, atravs da legenda daimagem informando Vista geral do Posto (...) escola, casa do encarre-

    gado (sede da Colnia Militar), casa de hspedes, hospital (em constru-o), casas dos empregados, casa de mquinas e aldeia16.

    Utilizo-me de trs imagens para ver os movimentos e atividades dosndios que configuraram, ou ainda, mantiveram, o espao de aldeia den-tro do limite dos postos. Na prtica de olhar, no podemos deixar deconsiderar os olhares da equipe etnogrfica elegendo os movimentosna aldeia tanto quanto no espao do posto. Ainda h que considerar osroteiros pr-determinados, direcionando o que fotografar e filmar.

    A primeira fotografia (SPI03086) tem ao centro do enquadramentoseis meninos Bororo em volta de uma panela de barro, Aria(panela

    grande), tomando um preparado, mencionado na legenda caldo ,utilizando conchas de rio como colheres. De acordo com Colbacchinie Albisetti (1942), os Bororo fabricam cermicas de uma argila preta,chamada de rotu. Essa fabricao trabalho das mulheres. Tomado

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    coletivamente, o caldo, contedo da panela, poderia ser vrias coisas,pois grande parte da alimentao dos Bororo cozida nessas panelas debarro. A hiptese um mingau que eles denominam genericamente boekugu, coisa lquida (Colbacchini e Albisetti, 1942). Outra situao quesalta aos olhos que os meninos, no espao da aldeia, no esto vesti-dos com roupas dos ditos civilizados. As notas etnogrficas informam

    que as crianas andam nuas at os oito ou dez anos. Outra observao de uma separao de gnero desde cedo, os meninos se renem embrincadeiras diferentes daquelas das meninas, mas ambos, at essa idade,pertencem sociedade das mulheres. Os meninos passam a fazer parte dasociedade dos homens a partir de um rito de iniciao, em que recebemo b, o estojo peniano, que normalmente feito de uma tira de folha dapalmeira de babau ou uaguass, dando um formato de argola cnica.

    A fotografia revela que pelo menos trs meninos esto com pinturas

    faciais. Os Bororo pintam a face com uma resina denominada de kiddoguromisturada com p de carvo. Olhando da esquerda para a direita, o primei-

    ro traz uma pintura que uma listra preta, contornando desde o meio datesta at a fonte, e descendo da, simetricamente, at a ma do rosto, indo

    terminar um pouco acima do canto dos lbios e se fechando, ao percorrer

    o lbio superior. O segundo tem a parte do rosto coberto com tintura de

    urucum, que d a colorao vermelha. E na outra criana possvel perceber

    a pintura no rosto, semelhante do primeiro menino, com a diferena de

    que a listra preta no se fecha em cima dos lbios, mas se finaliza no canto

    da boca. Seguindo essa sequncia, ele o quinto ou o segundo, olhando do

    lado direito em direo ao esquerdo. De acordo com Colbacchini e Albisetti

    (1942: 59), os desenhos feitos de Kiddogurotinham fins ornamentais, mas

    tambm curativos, pois o carvo tido como medicinal. Utilizo os dadosde Colbacchini e Albisetti para tecer algumas linhas descritivas sobre os

    desenhos faciais, pois a hiptese de um olhar informado da equipe sobre

    essas pinturas corporais, atravs das etnografias desses dois padres salesianos.

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    A imagem SPI03047 do ptio da aldeia Miao-Pare, localizadadentro do Posto So Loureno. Os Bororo se fazem presentes na foto-grafia. No momento do clique, os caminhos que atravessam a aldeiaesto sendo usados por eles. Homens, mulheres e crianas do vida aldeia, no sentido da prtica cotidiana de se locomover e circunscre-ver o espao, moldando os caminhos que chegam e saem das casas.

    O que chama ateno nessa imagem o fato de as pessoas que esto emmovimento, transitando, no pararem para posar, mesmo percebendoa presena do fotgrafo.

    Diferentemente do espao do posto em que as fotografias contaramcom um suporte documental volumoso, as aes realizadas nas aldeiasquase no aparecem na documentao. Para no dizer que no encon-tramos nada dessa parte apartada do posto, estamos considerando os re-latos de pedidos de artefatos e utenslios indgenas, como atividades queforam realizadas no espao da aldeia, pois, ao analisar as fotografias, essaprtica de confeco se revela como constitutiva do cotidiano da aldeia.

    Fora esse tipo de relato, nada mais. Porm, essa ausncia no sentenciao desaparecimento dos modos indgenas no posto pelo contrrio: asimagens, mais uma vez como espelho de memria, revelam onde osndios estavam quando no apareciam para o trabalho da lavoura ouquando as crianas faltavam s aulas, como este relatrio da povoaoSo Loureno, informando Inspetoria:

    Infelizmente, no se pode contar muito com o auxlio do ndio, a menos que

    no se queira escravizar. O Bororo mais adiantado e nas ocasies mais precisas

    ainda abandona o trabalho remunerador por caadas, pescarias e perambula-

    gens pelo serto.A populao ndia, adulta, de S. Loureno atualmente,cerca de sessenta almas, e no trabalho das roas nunca mais de oito a dez

    indivduos,de idades entre dezoito a quarenta anos17[grifos meus].

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    Imagem SPI03047 Uma aldeia dos ndios Bororo chamada Miao-Pare.Heinz Foerthmann,1943.

    Imagem SPI03088 - ndias Bororo confeccionando esteiras e abanos. Heinz Foerthmann,1943.

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    A terceira e ltima fotografia (Imagem SPI03088) ndias Bororoconfeccionando esteiras e abanos foi feita na aldeia do Posto Crre-go Grande18. Para pensarmos o espao praticado, a imagem traz umadas atividades que foi muito requisitada, no s dos Bororo, mas simde muitos grupos indgenas atravs da mediao dos encarregados dospostos indgenas com a inspetoria regional e a diretoria do . Na do-

    cumentao, aparecem vrias solicitaes de confeco e transporte dosartefatos indgenas que serviram para presentear autoridades de Estado,ou ainda para homenagear os que fizeram visitas aos postos indgenas.Outro contexto anterior a esse era a relao de troca que os artefatospropiciaram em situao de contato. Inspirada nessa foto de confecode esteiras e abanos, dispensei um tempo para analisar outras fotografiasdas colees em questo, alm da documentao administrativa, com ointuito de elencar quais outros artefatos eram feitos pelos ndios. No casodos Bororo, h remessas de arcos e flechas, esteiras e abanos. A povoaoSo Loureno servia como um posto-referncia para outros postos que

    foram montados para os Bororo em rios afluentes do rio So Lourenoe localidades prximas da regio.

    Em junho de 1922, o inspetor Antonio Estigarrbia faz a seguinteinstruo ao Sr. Marcelino Barreto:

    Recebi Perigara19artefatos indgenas pedindo-os ao empregado Fernando e

    levai-os para S. Loureno onde sr. Bandeira encaixotar com etiquetas para

    descerem pela lancha e serem despachados Rio. Artefatos dos Perigaras so

    os seguintes: 5 arcos, 4 (sic.), 7 abanadores, 4 peneiras, 1 par de orelhas, 2

    cordas (sic.), 1 corda cabelo e 2 chapus20[grifos meus].

    No Posto Crrego Grande possvel ver fotografias de confeco de cor-da de fibra de tucum e arcos e flechas. Essas duas atividades eram feitaspor homens bororo. Na coleo do documentrio Terena, h cenas de

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    confeco de cermica, tecedura de rede (atividades femininas) e confec-o de chapu com folhas de carand (atividade masculina). possvelver na documentao algumas remessas de redes de tucum feitas pelosndios Bakairi aos funcionrios do (inspetores, ao Coronel CndidoRondon), trocadas por mercadorias e tambm pelo valor em espcie.Pelos relatos, essa circulao de artefatos indgenas acontecia entre os

    funcionrios do e, principalmente, atravs do Coronel Rondon.Depois da criao da Seo de Estudos e atravs do em 1940,

    o SPI passou a contar com uma insero cientfica que era pauta dentroda poltica indigenista, e esses objetos/artefatos passaram a ter um valorcientfico e etnogrfico e, de maneira mais sistemtica, passaram a serreunidos21. Em agosto de 1943 foi feita uma guia de remessa de enco-mendas formuladas ao Dr. Estigarrbia para pagamento dos artefatosque lhe foram fornecidos pelos ndios, destinados Casa do ndio.

    Para a ndia Maria Aguaich Arixe: vestido xadrez, N. S. da Penha; Para

    a ndia Mariana: Vestido xadrez; Para a ndia Anita Apodo: vestido; ParaOna, filho do ndio Joo Comprido: Enxada 4 paus 2 Carretel Elefante

    n. 20; Para o ndio Paulo Tori: rede e mala; Para o ndio Jos Mariano

    Icacorogode: cobertor cinza; cala de brim lenhador, camisa de brim Ale-

    gre; Para o ndio Otopaite: caldeiro c. 4.500 gramas; Para o ndio Cap.

    Vitorino: cobertor cinza, par de sapatos para crianas; para o ndio Fran-

    cisco Bugre: cinto cartucheira; para o ndio Quirino Adugogore: cobertor

    fantasia, camisa de brim; para Icocorugoduche: pratos louados, colheres

    Lyra; para Odogo-gorido: vestido xadrez22.

    Ao olharmos para a imagem SPI03088 ndias Bororo confeccionandoesteiras e abanos e refletirmos a partir desse documento sobre essas en-comendas, em primeiro lugar possvel constatar que essas aes faziamdo espao da aldeia, em uma prtica que configurava, inclusive, trabalho,

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    porm muito diferente das imagens de trabalho feito pelos ndios noespao do posto, em que se percebe a dureza e a disciplina inscritas noscorpos indgenas. Mesmo ao encarar a cmara, a ndia bororo (a terceiraque compe a imagem, no terceiro plano, considerando a profundidadede campo) que tece a palha o encara com os ombros relaxados, sem arigidez do fazer. Ainda pode-se perceber o ptio da aldeia como o lugar

    em que a prtica era catalizadora de muitos processos, entre eles, o deespelhamento de experincia de percepo cognitiva e constitutiva dosBororo ou dos Terena. A processualidade do modo de fazer para saber,para continuar praticando, como um espao-tempo para assegurar cons-tituio de pessoa e de coletivo percebida nas imagens da aldeia.

    Cruzando as imagens com os relatos, como esse trecho citado acima de uma produo considervel de artefatos para a Casa do ndio, noRio de Janeiro , constata-se a confeco de artefatos enquadrada nessaconcepo etnogrfica e de registro documental atravs da coleta siste-mtica para o circuito museolgico e, consequentemente, de exposio.

    Seguindo um pouco mais no recorte temporal aqui proposto, encontra-mos o seguinte telegrama, de novembro de 1950, da inspetoria para oposto So Loureno.

    Roupa Guri seguir primeira oportunidade. Deveis recomendar ao ndio

    Guri para ele se ocupar exclusivamente de fabricao arco e flechassobre

    outros artefatos temos encomendas da Diretoria. Pagamento ser feito

    mediante entrega referidos artefatos23[grifos meus].

    A hiptese sobre o significado que os artefatos indgenas ganharam a

    partir da dcada de 1940, atravs do , que houve uma insero nomercado museolgico, ou seja, em um merc ado especializado, at entoexplorado pelos etnlogos em expedies cientficas em determinadosgrupos localizados, em diversos lugares no interior do Brasil24. Essa

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    prtica, em nossa leitura, contribuiu para estampar a ambiguidade que seevidenciou ainda mais no rgo, com a interveno de uma antropologiavia e Seo de Estudos25. Esse documento acima muito revelador,no sentido de que, mesmo que a confeco de artefatos tenha entradoem um mercado especializado, com ganhos financeiros e polticos parao , a prtica teve um efeito contrrio poltica transformadora e na-

    cionalizadora dos ndios rumo integrao to desejada.A confeco de artefatos e utenslios para um consumo externo ao

    universo cultural indgena, de acordo com o relato, colocou ndios egrupos indgenas em um processo de produo mercadolgica. Nessecaso, com claras evidncias de explorao do trabalho indgena, mas, aomesmo tempo, atravs de tal prtica, muitos encontraram uma forma decontinuar a produzir bens materiais e culturais que mantinham algumasvivncias que os constituam enquanto grupo e aldeia. Para esses Bororoenvolvidos nessa ao, nossa hiptese de que o controle do encarregadodo posto foi menos rgido, na obrigao dos afazeres nos espaos dos

    postos e, mais, de que a confeco de artefatos fixava uma prtica noespao da aldeia, dando motivos para a manuteno desse lugar, que,atravs dos discursos dos encarregados, parecia instvel, efmero.

    Incidindo sobre os corpos Tipos Indgenas

    Nesse percurso de olhar as imagens, passei tambm a perceber o cartercientificista, mais que cientfico, que o tomou com a criao da Seode Estudos, pois, alm das micro-espacialidades dos postos, as fotogra-fias estavam povoadas por rostos indgenas, inclusive com imagens deinspirao somatolgica.

    A nosso ver, essas imagens feitas ao modo antropomtrico tm um as-

    pecto intuitivo, no sentido de inaugural. Explico: a prtica de fotografar os

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    Sequncia 01- Homem Bororo com aproximadamente 65 anos de idade.Heinz Foerthmann,194326.

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    postos no era nova dentro do , sendo feita, inicialmente, via ramificao

    administrativa pela Comisso Rondon e, depois, produzida atravs de con-

    tratao avulsa de fotgrafos. No entanto, apenas a partir da equipe da ,

    comea a ser exteriorizada, explicitamente, via instrues, a preocupao

    de registrar os remanescentes do povo brasileiro, entendidos como uma

    parte fundamental dessa formao que enquadrava a raa ou as raas

    indgenas em uma clara concepo museolgica, por conta da teoria de queos grupos indgenas estavam caminhando, a passos largos, para a extino.

    Alm das imagens de tipos indgenas, a viso racializada do ndioaparece em vrios momentos na documentao e normalmente comoparte de um vocabulrio que abarca outras concepes, demonstrando umconjunto de doutrinas de diferentes temporalidades que foram inseridas,

    justapostas e sobrepostas nos vrios contextos locais e institucionais. Comisso, importante destacar, como bem observa Schwarcz (1993: 43), que a

    entrada coletiva, simultnea e macia dessas doutrinas acarretou, nas lei-

    turas mais contemporneas sobre o perodo, uma percepo por demaisunvoca e mesmo coincidente de todas essas tendncias. Tais modelos,

    porm, foram utilizados de forma particular, guardando-se suas concluses

    singulares, suas decorrncias tericas distintas.

    A partir de ento, essas vertentes deixaram legados que sedimentaramcorrentes de pensamento e um conjunto de termos (selvagem, silvcola,nmade, infelizes, alma, brbaro, autctone, filhos da selva, primitivoetc.) colhidos no fervor da cientificidade que pairava nos trpicos nofinal doe que estavam presentes em vrias instituies representati-

    vas, a ponto de ser comprometedor afirmar que uma nica concepode raa ou de indianidade habitava as mentes dos assistentes, chefesde postos do ou ainda dos membros da equipe da Seo de Estudos,atravs das sries de fotografias de tipos indgenas.

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    O que possvel afirmar que nessas aes havia um mosaico de ex-perincias inscritas, a ponto de desvelarem outros tantos panos de fun-do para alm do tecido branco esticado em uma parede externa dasede do posto , seja na documentao, seja a partir dessa prtica foto-grfica que buscava neutralizar ao mximo os elementos que circunda-vam o tipo indgena. Devido a isso, percebemos o uso indiscriminado,

    difuso e ambguo de termos que estavam colocados com a intenoevidente de localizar e reforar a condio de inferioridade do ndio,sem muitas outras pretenses, como, por exemplo, a de demonstrar umafiliao doutrinria.

    O exerccio de centrar-se no retrato antropolgico permite mais doque apenas perceber as noes biologizantes de raas, de marcao dadiferena e da demonstrao da diversidade de grupos indgenas, aindamais do que apreender as noes que os inferiorizavam. Esse conjuntode retratos de frente e de perfil, para alm do debate sobre raa e/ouraas indgenas, leva para uma discusso dos agenciamentos indgenas

    atravs dos gestos, da expresso do olhar ao encarar a cmera e, conse-quentemente, o fotgrafo.

    Todas as sries de tipos mostram que as pessoas esto sentadas e ofotgrafo centrando a objetiva um pouco abaixo da parte torxica ato rosto. O que poderia indicar uma inteno de produo dos tiposcom possibilidades de estudos futuros em somatologia ou ainda para oarquivo de conjunto de povos, mas talvez houvesse mais inteno do quepossibilidades reais, pois as fotografias revelam, alm do improviso, umadose de amadorismo, perceptvel na quantidade de imagens para cadasequncia, totalizando seis, sendo duas em cada posio (frente, perfil

    inclinado e perfil vertical). A quantidade pode exprimir tambm o desejode fazer uma composio fotogrfica perfeita, demonstrando um rigorprofissional em fazer mais de uma vez a mesma pose com a inteno deter opes de escolha entre duas ou mais fotos.

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    Na tentativa de refletir sobre as sries fotogrficas explorando as in-tenes dos gestos dos fotografados, as disposies das poses, o fato deestarem em p ou sentados, a roupa ou ausncia dela, se h ornamentosou no, se sorriem ou no, se mostram o corpo rgido ou relaxado, seh seriedade, suavidade ou movimento , torna-se perceptvel que todosesses elementos expressam dados relevantes para o exerccio etnogrfico.

    Demonstram tambm que, mesmo que essas imagens exibam mais situa-es de imposio ou de intenes cientficas, elas tambm do conta desituar o fotografado, de modo a transcender esses interesses e objetivos deprticas coloniais, sob os quais a imagem refletida insiste em demonstrarapenas categorias classificatrias de identificao (pertencimento a umgrupo indgena), gnero e idade aproximada, como no caso da sequnciafotogrfica 01. O que faz essa anlise comungar com a ideia de

    explorar a capacidade de agncia27daqueles aos quais se aplica a retrica

    e de quem se extraiu a imagem como passo analtico prvio, o qual sem

    dvida deve se abrir na prtica de campo manifestao diversificada dasagncias no processo de significao. Muitas fotos j clssicas da etnografia

    no s representam o passado mas seguem emitindo informao atravs

    do tempo. No representam simplesmente objetos, mas suas imagens ad-

    quirem novas nuances que ajudam a situar e transcender o interesse ideo-

    lgico, comercial ou simplesmente extico (...)(Bux I Rey, 1998: 178).

    Com isso, os pequenos gestos aportam dados relevantes, mobilizandotambm sentimentos e emoes. Ainda conforme a leitura que Bux IRey fazem da noo de performance fotogrfica em Deleuze e Guatta-

    ri, a cmara um terceiro olho ao qual a pessoa fotografada devolve oolhar, fazendo que seu rosto e corpo entrem e saiam do discurso paramanifestar sensaes, sentimentos e ideias (Bux I Rey, 1998: 183).Pois atravs da performance, o agente se situa, atua.

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    O dia marcado para a produo das fotografias de tipos indgenasdeve ter sido um acontecimento dentro do posto, pelo fato de todosterem que comparecer a algum lugar do ptio onde fora montado ocenrio ao modo de um bureau danthropologie. Atrs dos fotografadosh uma tela (pano branco esticado) como fundo fotogrfico tentandoconstruir o ambiente de estdio.

    Considero as duas sries que trago (Sequncias 01 e 02) como provo-cao e como confronto do que est para fora nas fotografias, fazendo oexerccio sugerido pelos prprios produtores desses tipos de imagens emfechar o campo para extrair os dados do objeto. Mas, ao tomar esseobjeto como pessoa de carne e osso e ao prestar ateno nos detalhesdo contedo, no sobressaem medidas e traos bororo, e sim gente quese expressa, fala por gestos e devolve no olhar o que deveras sente.

    Ao centrar o foco nas poses dos tipos fotografados, percebemosuma tentativa do fotgrafo em control-las por meio da postura, in-clinao da cabea e posio dos ombros e braos. Chama a ateno a

    maneira como o fotografado posiciona esses membros. Alm do olharindagador conjugado com as rugas enrijecidas da testa, os braos e osombros tambm se expressam fugindo do padro de uma posio desubjugado para uma posio mais altiva (ltima foto da sequncia). Essasrie apresenta nove fotografias, saindo do padro (normalmente seisfotografias), talvez porque o fotografado, Homem Bororo com aproxi-madamente 65 anos de idade, se mostrou mal-humorado e com poucavontade de se adequar s posturas mtricas, revelando mais expressesfaciais de descontentamento atravs da testa franzida, para alm da peleenrugada, denunciada pela sua idade. A hiptese de que o fotgrafo fez

    uma foto a mais, na tentativa de captar a face naturalmente enrugadae flexvel sem a rigidez no olhar com a expresso fechada.

    Na coleo, tambm h uma srie que contou com apenas trs foto-grafias. O fato de que a srie conta com apenas trs, e no seis ou, ainda,

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    Sequncia 02 Homem Bororo com aproximadamente 45 anos. Heinz Foerthmann,194328.

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    nove poses, como a sequncia 01, apresentada anteriormente, nos trazquestes. Essa srie com trs imagens apresento-a como sequncia 02:Homem Bororo com aproximadamente 45 anos de idade29. Acreditoque essa sequncia foi abandonada durante o processo de produo e astrs fotografias j produzidas seriam descartadas, pois o homem fotogra-fado apresenta uma expresso facial e corporal de total descompromisso

    em posar para o fotgrafo, alm de trazer nas duas primeiras imagensum cigarro no vo das mos. Na ltima fotografia, o homem mostraum sentimento visvel de descaso pela cmera e, consequentemente,pelo fotgrafo. O Homem Bororo at ensaia em se colocar em posefrontal, mas o faz sua maneira, que no parecia ser a mesma determi-nada pelo fotgrafo ou pelo produtor. Na segunda pose, um sorriso sutilainda demonstra a vontade em continuar na brincadeira, vontade quedesaparece no terceiro e ltimo movimento, quando se mostra desinte-ressado, dando maior importncia ao movimento das mos, desta vez

    j sem o cigarro entre os dedos; deve ter sido sugerido deix-lo. Ainda

    cercando a srie de trs fotografias, visvel uma abstrao em relaoao que parecia estar colocado como acontecimento um dia de sessofotogrfica no posto indgena , situao que tinha importncia para aequipe de foto-cinematografia que estava ali, mas, no necessariamente,para o Homem Bororo com aproximadamente 45 anos30.

    Sobre o fato de ignorar uma ao que est no seu entorno, no casodos Bororo, h pelo menos duas observaes etnogrficas que encontreie que vale a pena trazer, no sentido de mostrar tambm elementos, comoum gesto, que tampouco foi intencional do fotgrafo captar ( o quenos sugerem apenas trs imagens da sequncia revelada), mas que est

    explcito na fotografia, nos chamando a ateno para o fato, ou melhordizendo, para o gesto em si. Karl von den Steinen, em 1888, e HerbertBaldus, em 1935, fizeram observaes em que o descaso ou melhordizendo, o fazer pouco de, que foi apontado como uma caracterstica

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    dos Bororo. A situao flagrada por von den Steinen refere-se aos presen-tes doados pelos brancos e que foram descartados em seguida ou aindadesconsiderados por no ter sido encontrada utilidade alguma para eles,ou ainda pelo simples fato de no considerarem o presente numa escalavalorativa, referindo-se a eles como porcaria.

    Essas sequncias de tipos indgenas bororo nos faz indagar sobre o

    seu significado nesse contexto de prticas naturalizantes e naturalizadas emassociar o ndio palavra raa. Exterioridade, caracterstica do retratoantropolgico em que as personagens posam frente de um pano brancosuspenso em um varal ou estendido contra uma parede(Maresca, 1998:150). Em nossa leitura, o aspecto racial a evidenciado, enquadrado apartir de uma noo de antropologia, colocado como inovador no modode olhar para os ndios, era uma particularidade do e do , mate-rializado na Seo de Estudos e esses conselheiros-antroplogos, Rondone os fotgrafos se pautaram pelos modelos advindos dos finais do.

    As fotografias dos tipos indgenas, de uma forma geral, poderiam

    ser utilizadas para vrios fins, seja para estudos de origem somtica, sejapara compor conjuntos de imagens sobre povos indgenas do Brasil, ouainda de povos indgenas das Amricas, ou ainda de povos e culturas noocidentais. Todas essas possibilidades estavam em uma chave de enten-dimento de um modo antropolgico de estilo cientfico para justificara natureza biolgica da cultura (Calvo, 1998: 128).

    Concluso

    Desse pequeno conjunto de fotografias e de muito mais possibilida-des de leituras e apreenses, fiz uma breve incurso entrando no postoindgena, clula mater onde o apoia toda sua ao civilizadora, e,por conseguinte, toda a beneficncia oficial, em favor dos amerndios

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    brasileiros31,e espero ter mostrado que em meio s relaes pautadaspor situao colonial, como bem aponta o documento acima, os Bororo,Bakairi etc. conseguiram se movimentar nas fronteiras espaciais e concei-tuais do posto/aldeia imprimindo agenciamentos e dinmicas prpriasno modo de estar, de atuar, de participar e de viver sob a tutela do .

    Ao adentrar os limites dos postos e no ato de descortinar, encontra-

    mos fotografias das fachadas com casas de alvenaria, ptio limpo de-monstrando imagens contnuas, fotografadas com a inteno de mostrara estrutura una. Ao eleger os elementos que compem o cenrio dessasfachadas, encontramos uma rea sombreada por essas edificaes de alve-naria a aldeia. Essa zona praticamente velada da fotografia aparecia nadocumentao escrita, em muitos momentos como parte de um tempopassado, primitivo e longnquo. Ao eleger os elementos das imagens,encontramos dois mundos dentro de um, com casas dos postos de umlado e casas das aldeias de outro. Duas concepes de casa vivenciadaspelos Bororo, Terena e Bakairi, de forma a permitir refletir sobre as aes

    e atuaes desses grupos nessas micro-espacialidades caracterizadas comoo Posto Indgena. Como afirma Certeau (1994: 202):

    O espao um cruzamento de mveis. de certo modo animado pelo

    conjunto dos movimentos que a se desdobram. Espao o efeito produ-

    zido pelas operaes que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e

    o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou

    de proximidades contratuais.

    Ao procurar dentro desses espaos, encontramos os grupos indgenas

    produzindo essas operaes de orientao e circunscrio que nos permi-tiram v-los atuando, agindo e vivendo nos Postos Indgenas, inclusivese colocando para serem fotografados e devolvendo no olhar expressesde sentimento, e no expresses de posturas somatolgicas.

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    Notas

    1 Este artigo resultado de um esforo de sntese de dois captulos (e ) datese de doutorado em Antropologia Social/Unicamp, cujo ttulo Natualmentefilmados: modos de atuar e de viver nos postos indgenas do na dcada de1940, sob a orientao do Professor Doutor John Manuel Monteiro (in memo-riam). Alm disso, ele est baseado na comunicao apresentada noCongressoda Associao Portuguesa de Antropologia () realizado em Vila Real, Portugal,entre 9 e 13 setembro, 2013, no painel P47: Transformaes do espao amerndionas antigas misses na Amrica do Sul, coordenado por Susana Viegas (Universi-dade de Lisboa) & Jos Glebson Vieira (Universidade do Estado do Rio Grandedo Norte).

    2 Professora Adjunta no Programa de Antropologia e Arqueologia da UniversidadeFederal do Oeste do Par.

    3 Instruo de 03 de novembro de 1943. Microfilme 197. Fotograma 000889. . .

    4 Acervo Arquivstico e Audiovisual do Museu do ndio, localizado na cidade do Riode Janeiro.

    5 Conforme C. Ginzburg (1990).6 A referncia de identificao das fotografias o prprio cdigo de acesso na base

    de dados do Museu do ndio. Ao me referir fotografia no corpo do texto noutilizarei a identificao de numerao arbica, e sim o cdigo de acesso.

    7 A legenda produzida pelo Arquivo do Museu do ndio traz primeiramente a autoriado fotgrafo. Aqui, fao a inverso por entender que a principal informao alegenda que revela alguns elementos (mesmo que exguos) da pessoa fotografada eento, depois, o nome do fotgrafo. A referncia de identificao da imagem ocdigo de acesso na base de dados do Museu do ndio. Ao me referir fotografiano corpo do texto no utilizarei a numerao arbica, e sim o cdigo de acesso.

    8 Informaes de poca datilografadas no lbum de contato SPI SE 01-02. Legendada imagem SPI02864. . .

    9 Legenda da imagem SPI02864. Informaes de poca datilografadas no lbum decontato 01-02. . .

    10 O nome da aldeia Quejare aparece na documentao do SPI com mais de umagrafia, ora como Quedjare, que deve ser a forma mais aproximada da pronnciaBororo, ora como nesse documento, Quejare.

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    11 Pela documentao, havia ainda na regio vrias outras aldeias Bororo, podendoestar nas proximidades dos limites da povoao, sem estarem dentro dos limites deoutros postos (Perigara, Jardore, Crrego Grande) criados na regio para os Bororo.

    12 Legenda da Imagem SPI02978.13 Estou considerando aqui a expresso instituio conforme Mary Douglas utiliza

    em sua publicao Como as instituies pensam no sentido de um agrupamentosocial legitimado (2007: 56). Alm disso, ao palmilhar a documentao, comungo

    com Mary Douglas (2007: 12) que em nveis mais elevados de organizao, oscontroles sobre os membros que a constituem, situados em nveis mais baixos,tendem a ser mais fracos e mais difusos, permitindo, assim, agenciamentos atravsdas aes dos indivduos presentes nesses espaos.

    14 Conforme Antnio Carlos Souza Lima (1995).15 Telegrama do inspetor da regional 06 A. Estigarrbia ao encarregado de posto.

    Microfilme 263. Fotograma 1656. . .16 Informaes de poca datilografadas no lbum de contato SPI SE 01-02. Legenda

    da imagem SPI02864. . .17 Relatrio anual da inspetoria com dados da povoao So Loureno, 1915. Micro-

    filme 379. Fotograma 1064. . .18 Informao colhida na base de dados do Museu do ndio.19 Perigara era outro posto montado nessa regio habitada pelos Bororo. Era um

    Posto de Criao, montado para a criao de animais (cavalos e gado) para sub-sidiar outros postos na regio. Por conta disso, o grupo de Bororo a instaladoera pequeno.

    20 Instruo do inspetor Estigarrbia ao encarregado de posto Marcelino Barreto,em junho de 1922. Microfilme 221. Fotograma 647 e 648. . . (Grifonosso).

    21 Nesta altura, necessrio dizer que a questo de a coleo de artefatos indgenasno era uma situao nova no Brasil. Essa prtica tem uma trajetria colonial. Mas,estamos olhando para essa prtica considerando o e, mais, como uma ao quefoi sistematizada a partir da criao do e, consequentemente, da criao da

    Seo de Estudos. Antes, podemos dizer que havia uma ao particularizada e nosistemtica do Coronel Rondon em coletar artefatos para o Museu Nacional e,ainda assim, como uma prtica inserida no sistema de troca, em situao de contatoe tambm como uma ao educadora e de pacificao (troca de arcos e flechas porutenslios e miangas, por exemplo).

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    22 Lista de produtos que foram enviados para ndios e ndias Bororo que produzi-ram artefatos indgenas destinados Casa do ndio, no Rio de Janeiro, em 1943.Microfilme 267. Fotograma 1640. . . Nos fotogramas seguintes haviamais 21 pedidos parecidos a esses.

    23 Telegrama da Inspetoria Regional 06 ao Posto Indgena So Loureno, em 1950.Microfilme 269. Fotograma 000285. . . (Grifo nosso).

    24 Para saber mais acerca desse circuito e das expedies, bem como sobre alguns im-

    portantes etnlogos que se ocuparam de coleta de artefatos para museus na Europae Amrica do Norte, ver Grupioni (1998).

    25 Apenas aponto para a situao do , que em princpio tinha clareza da integraodos ndios sociedade nacional e a partir da dcada de 1940, atravs do eda Seo de Estudos, comea um trabalho inspirado em uma antropologia quevia a formao de colees audiovisuais e coletas de artefatos no mbito de umamentalidade museolgica, mas tambm acaba, com a prtica, incidindo em aesque conformavam os grupos indgenas em questo enquanto coletivo. Da pensona ambiguidade assimilao x preservao.

    26 A sequncia de imagens, na base de dados do Museu do ndio, corresponde aoscdigos SPI03194, SPI03195, SPI03196, SPI03197, SPI03198, SPI03199,SPI03200, SPI03201 e SPI03202, respectivamente.

    27 Vale informar que a noo de agncia se refere ao ato de agenciar, entendido comoa ao construtiva do agente, seja individual ou coletivo, no sentido de agir demaneira hbil para conseguir e exercer algum poder ou fora instrumental (BuxI Rey, 1998: 177).

    28 A sequncia de imagens, na base de dados do Museu do ndio, corresponde aoscdigos SPI03191, SPI03192 e SPI03193, respectivamente.

    29 Legenda das fotografias SPI03191, SPI03192 e SPI03193. . .30 Legenda das fotografias SPI03191, SPI03192 e SPI03193. . .31 Documento Srie Divulgao da Seo de Estudos de 1945, do chefe da Seo

    de Estudos, Herbert Serpa. Microfilme 2A. Fotograma 0000877. . .

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    Filmed Naturally: Ways of Acting and Living in Indian Posts of the SPI

    in Mato Grosso

    ABSTRACT: e article undertakes an exercise in viewing and reflecting

    upon photographs taken at five Indian Posts in Mato Grosso State, Brazil, in

    1942 and 1943. e photographs belong to three photographic collections

    organizes by the Seo de Estudos(a department of ethnology and audio-visualdocumentation) of theIndian Protection Service (). Supplemented by s

    documentation from 1910 to 1945, the images produced by the Photo-Cine-

    matography team were analyzed from the perspectives and research methods

    of Anthropology, History and Photography. Our main goal was to perceive

    the participation and action of Indians within the monolithic entity known as

    the Indian Post. We seek to problematize the contexts inscribed in the pho-

    tographs and permitted by their inherent ambiguity and to locate the Bororo,

    Bakairi, and Terena peoples acting and participating in their historical processes.

    We conclude that s images and words complement one other and compose

    narratives of Indigenous History for the first half of the twentieth century.

    KEYWORDS:Indigenous History, Indian Post, Indian Protection Service,Anthropology, History and Photography.

    Recebido em outubro de 2014. Aceito em maro de 2015.