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ARQUITETURA MODERNA E CIDADE NOS COMPÊNDIOS DA ARQUITETURA BRASILEIRA MENDONÇA, DAFNE M. Doutoranda USP na faculdade de Arquitetura e Urbanismo e arquiteta IPHAN Rua 99, n o 105, apt o 102, Setor Central, Goiânia/GO [email protected] RESUMO O artigo investiga a partir de sete compêndios da arquitetura brasileira, como se apresenta a relação da Arquitetura Moderna com a cidade no cenário nacional. Este tema se torna relevante uma vez que a arquitetura do Movimento Moderno pressupõe também uma ideia de urbanismo. Este objetivo fica claro quando se observam as discussões dos primeiros CIAM´s (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna) que, de certa forma, sintetizam alguns dos anseios do movimento. Nas primeiras discussões, é evidente o objetivo de se opor ao tecido tradicional, sendo a arquitetura o elemento catalisador desta missão. Um aspecto principal observado nos livros analisados é que a referência ao urbanismo comparece de forma dissociada da arquitetura. Os edifícios são frequentemente colocados como sendo elementos autônomos à ordem urbana em desenvolvimento ou existente, realizando nos limites do lote ou em mais de um lote o compromisso com o Movimento Moderno, considerado revolucionário. Também se percebe que o contraste entre o construído e o vazio ou com a cidade existente parece ser desejoso, mas nem sempre assumido. Algumas das imagens de ícones modernos, como o Edifício ABI e a Sede do MES, no Rio de Janeiro, ou o Edifício Caixa d´água, em Recife, são apresentados nas imagens tendo como plano de fundo edifícios de arquiteturas ecléticas ou coloniais. Disto resulta um certo dualismo no que se apresenta nas imagens e no que se descreve sobre os edifícios nessas áreas, ora tratando-os como harmônicos, ora desconsiderando por completo o contraste que causam. Já quando se trata da questão da cidade e do urbanismo ela é apresentada com condicionantes à parte e são expostas as soluções que os urbanistas brasileiros adotam para enfrentá-las. Os manuais apontam para as transformações urbanas em andamento nas cidades brasileiras, especialmente as remodelações de áreas existentes e criação de novas cidades. Goiânia e Belo Horizonte, por exemplo, são cidades citadas como exemplos de solução urbanística, apesar de haverem ressalvas nas narrativas construídas sobre as mesmas quanto aos seus aspectos modernos. O próprio discurso de Rodrigo Melo Franco, quando da morte de Attílio Corrêa Lima (projetista de Goiânia), justifica a discrepância entre sua arquitetura e seu urbanismo como fruto de seu grande amor às cidades tradicionais. Ao mesmo tempo, é interessante notar certo relativismo à modernidade e seus reflexos na cidade por alguns autores, mesmo criticada pelo desordenamento que proporciona às novas metrópoles, não há dúvidas da

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ARQUITETURA MODERNA E CIDADE NOS COMPÊNDIOS DA ARQUITETURA BRASILEIRA

MENDONÇA, DAFNE M.

Doutoranda USP na faculdade de Arquitetura e Urbanismo e arquiteta IPHAN Rua 99, n

o105, apt

o 102, Setor Central, Goiânia/GO

[email protected]

RESUMO

O artigo investiga a partir de sete compêndios da arquitetura brasileira, como se apresenta a relação da Arquitetura Moderna com a cidade no cenário nacional. Este tema se torna relevante uma vez que a arquitetura do Movimento Moderno pressupõe também uma ideia de urbanismo. Este objetivo fica claro quando se observam as discussões dos primeiros CIAM´s (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna) que, de certa forma, sintetizam alguns dos anseios do movimento. Nas primeiras discussões, é evidente o objetivo de se opor ao tecido tradicional, sendo a arquitetura o elemento catalisador desta missão. Um aspecto principal observado nos livros analisados é que a referência ao urbanismo comparece de forma dissociada da arquitetura. Os edifícios são frequentemente colocados como sendo elementos autônomos à ordem urbana em desenvolvimento ou existente, realizando nos limites do lote ou em mais de um lote o compromisso com o Movimento Moderno, considerado revolucionário. Também se percebe que o contraste entre o construído e o vazio ou com a cidade existente parece ser desejoso, mas nem sempre assumido. Algumas das imagens de ícones modernos, como o Edifício ABI e a Sede do MES, no Rio de Janeiro, ou o Edifício Caixa d´água, em Recife, são apresentados nas imagens tendo como plano de fundo edifícios de arquiteturas ecléticas ou coloniais. Disto resulta um certo dualismo no que se apresenta nas imagens e no que se descreve sobre os edifícios nessas áreas, ora tratando-os como harmônicos, ora desconsiderando por completo o contraste que causam. Já quando se trata da questão da cidade e do urbanismo ela é apresentada com condicionantes à parte e são expostas as soluções que os urbanistas brasileiros adotam para enfrentá-las. Os manuais apontam para as transformações urbanas em andamento nas cidades brasileiras, especialmente as remodelações de áreas existentes e criação de novas cidades. Goiânia e Belo Horizonte, por exemplo, são cidades citadas como exemplos de solução urbanística, apesar de haverem ressalvas nas narrativas construídas sobre as mesmas quanto aos seus aspectos modernos. O próprio discurso de Rodrigo Melo Franco, quando da morte de Attílio Corrêa Lima (projetista de Goiânia), justifica a discrepância entre sua arquitetura e seu urbanismo como fruto de seu grande amor às cidades tradicionais. Ao mesmo tempo, é interessante notar certo relativismo à modernidade e seus reflexos na cidade por alguns autores, mesmo criticada pelo desordenamento que proporciona às novas metrópoles, não há dúvidas da

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necessidade de adensar e ocupar. Sete manuais são pesquisados (sendo que o ano representa a primeira edição da publicação): “Brazil Builds Architecture New and Old 1652-1942”, de Philip Goodwin (1943); “Latin American Architecture since 1945”, de Henry-Russel Hitchcock (1955); “Arquitetura Moderna Brasileira”, de Henrique Mindlin (1956), “Quatro Séculos de Arquitetura”, de Paulo Santos (1965); “Arquitetura Brasileira”, de Carlos Lemos (1979), “Arquitetura Contemporânea no Brasil”, de Yves Bruand (1981) e “Arquitetura Moderna Brasileira”, de Sylvia Ficher e Marlene Acayaba (1982). Nesta interpretação que se pretende o urbano está presente nos manuais a partir de quatro chaves que são exploradas no artigo: 1) como planos ou malhas, 2) como vazio ou pano de fundo, 3) como contraste e 4) como fachadas. As fotografias e a descrição das mesmas em cada publicação são a principal ferramenta de análise para demonstrar a complexidade da relação entre arquitetura e cidade na historiografia do Movimento Moderno brasileiro.

Palavras-chave: arquitetura moderna; cidade; manuais de arquitetura brasileira

Introdução

O artigo investiga a partir de sete catálogos da arquitetura brasileira, como se dá a relação da Arquitetura Moderna com as cidades existentes. O Movimento Moderno pretende assumir um papel importante, e de suporte à atuação de um grupo comprometido de profissionais que não se limita apenas a propor novas soluções arquitetônicas, mas também almeja repropor a cidade. Este objetivo é flagrante nos textos resultantes dos primeiros Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAM´s, e outros textos de protagonistas do Movimento Moderno. Nestes documentos há a proposta de “implodir” a rua-corredor, que se perpetuou no desenho urbano do início do século XX. Há também a crítica à arquitetura ditada pela forma e não pela funcionalidade (MUMFORD, 2009).

O II CIAM, de 1929, apresenta uma preocupação sanitária como fundamento ao novo modo de morar, vinculando funcionalidade às formas propostas. Terraço jardim, pilotis e a necessidade de garagens para automóveis são apresentados em artigo de Le Corbusier e Jeanneret como elementos que substituem condições anteriores e retrógradas (in AYMONINO,1973). A crítica ao parcelamento existente serve como argumento para justificar a dificuldade de se concretizar o defendido:

Falta de ordenanzas para la reparcelación. La propriedad territorial privada está demasiado dividida (...) Las ordenanzas prefierem la construcción de bloques cuadrados y no se adaptan a los nuevos métodos de construcción y reparcelación. (SCHMIDT in AYMONINO,1973,p.151)

O III CIAM, de 1930, ratifica as considerações esboçadas no congresso anterior, discutindo a formação de bairro através de modelos com edifícios laminares. A crítica a rua-corredor permeia os argumentos, como pode ser exemplificado pelo trecho abaixo, extraído de um artigo de Gropius para o congresso:

... porque el pátio circundado de edificación por todos sus lados sitúa a una gran parte de las viviendas en posición defectuosa, com habitaciones orientadas al norte, con soluciones imperfectas para las esquinas y con absoluta falta de sol para las habitaciones adyacentes a los ángulos, es decir, descuida las más importantes exigencias higiénicas... (GROPIUS in AYMONINO,1973,p.226)

A comparação de Rowe e Koetter (1984, p.62-63) entre a planta de figura fundo da cidade de Parma, na Itália, e do projeto de Saint Dié, de Le Corbusier, exemplifica o desejo desta última proposta de se opor ao tecido tradicional. Na proposta de Le Corbusier, modernista por excelência, os vazios são os protagonistas e as edificações pairam aparentemente sem

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ordem em um desenho de quadra sem lotes, com apenas as vias de tráfego cortando o espaço vazio. No caso da cidade italiana, de origem medieval, o edificado ocupa a maior parte da planta e é esta massa construída quem dá forma aos espaços livres (figura 1).

Figura 1: Comparação entre o projeto de Saint Dié, de Le Corbusier, e a cidade de Parma na Itália (Fonte: Rowe; Koetter, 1984)

O IV CIAM, de 1933, cujas discussões motivam Le Corbusier a escrever a sua Carta de Atenas, que somente é publicada em 1943, descreve especificamente o planejamento da cidade modernista. Apesar da redação desta Carta e o caráter definidor de uma proposta modernista que se atribui a ela hoje, a publicação do livro, em 1942, “Can our Cities Survive? An ABC of urban problems, their analyses, their solutions”, escrito por J.L. Sert e CIAM e dirigido ao público norte-americano (MUMFORD,2002), exemplifica a ainda necessária crítica do grupo modernista a não coordenação entre a configuração das cidades e da arquitetura que se pretende realizar. A rua-corredor continua a ser a vilã e, em uma das ilustrações do livro, os edifícios nesta condição são comparados a sardinhas em lata.

No VIII CIAM, realizado em 1951 e intitulado “O coração da cidade”, espaços chave de cidades antigas, tais como praças e locais de encontro, são retomados como modelo, não a ser reproduzido, mas que sirva para inspirar novos projetos na criação de pontos de encontro e centralidades. A intenção que se percebe nos artigos que resultam do encontro não é valorizar os aspectos tradicionais em si das cidades, mas deles propor um novo modelo que consiga recriar os pontos de encontro que os antigos centros possuíam, sendo que os novos projetos não estão conseguindo atingir. É um CIAM enigmático onde se trata das cidades até então criticadas, mas com a ressalva de que um novo desenho deve ser feito, pois não há implícito no discurso a defesa pela permanência dos espaços tradicionais.

Desta forma, apesar da clareza nos objetivos teóricos, o urbanismo modernista terá dificuldades em ser viabilizado, sendo a arquitetura moderna implantada, na maioria dos casos, em uma cidade tradicional ou em um urbanismo que ainda mantém aspectos tradicionais, portanto distante dos princípios modernos. Sendo assim, torna-se interessante compreender como os autores dos catálogos tratados neste artigo abordam esta questão, tanto nos textos, como nas fotografias, estas últimas são aqui tratadas como importantes documentos a serem interpretados para a compreensão da Arquitetura do Movimento Moderno na cidade do período em que foi construída.

Os sete manuais pesquisados são (sendo que o ano representa a primeira edição da publicação): “Brazil Builds Architecture New and Old 1652-1942”, de Philip Goodwin (1943); “Latin American Architecture since 1945”, de Henry-Russel Hitchcock (1955); “Arquitetura Moderna Brasileira”, de Henrique Mindlin (1956); “Quatro Séculos de Arquitetura”, de Paulo Santos (1965); “Arquitetura Brasileira”, de Carlos Lemos (1979); “Arquitetura

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Contemporânea no Brasil”, de Yves Bruand (1981) e “Arquitetura Moderna Brasileira”, de Sylvia Ficher e Marlene Acayaba (1982).

O artigo é organizado a partir das temáticas identificadas em que a cidade é apresentada nos catálogos selecionados para a pesquisa. As imagens e textos são mesclados de forma a construir uma narrativa que almeja iniciar uma compreensão acerca da relação entre arquitetura do Movimento Moderno e urbanismo no início do século XX. Vale ressaltar que o presente artigo ter ainda caráter introdutório, limitando-se mais ao que é observado através da leitura e interpretação dos livros e imagens, sem aprofundar-se nas intenções inerentes aos autores dos textos e fotos.

1. Arquitetura moderna e cidade nos manuais brasileiros

Uma primeira observação é que, nos catálogos pesquisados, ao tratar-se sobre urbanismo e cidade, este tema é abordado em capítulos a parte dos que se concentram em leituras arquitetônicas. Sendo assim, os edifícios são apresentados como elementos autônomos à ordem urbana em desenvolvimento, realizando nos limites do lote ou em mais de um lote o compromisso com o Movimento Moderno. Nestes casos, a cidade irá comparecer de modo tênue, em partes das fotografias e em sutis menções nos textos dos elementos envoltórios que se quer destacar.

Para organizar a interpretação realizada, são consideradas quatro principais categorias no que se refere a maneira como o urbano comparece nos catálogos analisados:

[1.1] Como planos ou malhas.

[1.2] Como vazio ou pano de fundo.

[1.3] Como contraste com a cidade tradicional.

[1.4] Como conjunto de novas fachadas e objetos isolados.

1.1 Como planos ou malhas

Os catálogos apontam para as transformações urbanas em andamento nas cidades brasileiras, especialmente as remodelações de áreas existentes e criação de novas cidades. Goiânia e Belo Horizonte são cidades citadas como reflexos desse contexto do início do século. As transformações são apontadas como soluções 1) ao crescimento desordenado das cidades; 2) para a melhora da circulação urbana; 3) à crescente urbanização do campo e; 4) a necessidade de modernização do país. É interessante notar certo relativismo nos catálogos à modernidade no início do século XX, ao mesmo tempo em que é criticada pelo desordenamento que proporciona as novas metrópoles, não há dúvidas da necessidade de se adensar e ocupar, o que se coloca em questão são os reflexos negativos resultantes, conforme é demonstrado a seguir.

Nos catálogos de Goodwin (1943), Bruand (2008) e Mindlin (2000) a questão urbana é apresentada em um item a parte da discussão da arquitetura. Desta forma, a cidade está dissociada, sendo os edifícios apresentados por seus aspectos formais, técnicos e agenciamentos externos, restritos ao lote, e internos ao edifício e seu uso.

...Sem dúvida alguma, o Rio de Janeiro possui boa parte dos edifícios que fizeram a glória da escola brasileira, mas trata-se de realizações individuais independentes de todo o urbanismo digno desse nome... (BRUAND, 2008,p.339)

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Em Bruand (2008) a terceira parte, aborda o urbano em capítulos intitulados “São Paulo ou a negação do urbanismo” e “Rio de Janeiro: lutas contra o relevo e grandes traçados”. Salvador é apresentada como um exemplo positivo devido ao “Plano Geral de Reordenação”, de 1949, que teve Diógenes Rebouças à frente e foi aplicado na Cidade Baixa. A criação de novas cidades é tratada em separado, sendo abordada com destaque o caso de Goiânia e Belo Horizonte, e com Brasília finalizando o capítulo com o título “Brasília, apoteose do urbanismo brasileiro”. O que se discute na terceira parte do livro é a cidade em planta, destacando os pontos positivos encontrados, como também os negativos, quando não se observa pelo autor elementos como o zoneamento e ordenamento de tráfego nas propostas.

Santos (1977) estrutura o livro de forma monográfica, onde é tratada a arquitetura e cidade a partir dos períodos históricos (colonial, imperial e republicano) separados por décadas. É interessante apontar o destaque do autor ao fato de Le Corbusier ter consagrado as intervenções do Prefeito Pereira Passos na então capital federal “em conferências pronunciadas no Rio de Janeiro em 1936” (SANTOS, 1977, p.84). Um pouco mais à frente no livro, Santos (1977, p.95) considera que as ideias e soluções de Le Corbusier “iniciaram uma nova era para a Arquitetura e o Urbanismo”. O Plano Agache é tratado pelos seus aspectos modernos, mas é apontada a dissociação entre arquitetura e urbanismo: “as soluções que preconizou [o Plano Agache] não poderiam consubstaciar a arquitetura e urbanismo às imposições da Idade Industrial” (SANTOS, 1977, p. 111). E ainda pontua, que é Le Corbusier quem irá conseguir fazer essa fusão entre urbanismo e arquitetura modernista no Rio de Janeiro, sendo que esta colocação, introduz a importância do edifício do Ministério de Educação e Saúde (MES, atual MEC) para a história da arquitetura moderna brasileira. As transformações no início do século da então capital federal com certeza transformaram o panorama da cidade, ainda com estrutura colonial, mas não se pautam nos princípios que Le Corbusier propaga em seus escritos, propostas e palestras, como a assistida e relatada por Santos no livro. A contribuição do arquiteto franco-suíço à cidade está, portanto, restrita a propostas contidas em lotes e áreas pontuais.

Assim como Santos (1977), dois outros textos sinalizam a dissociação entre as propostas urbanas da época com “as teorias racionalistas” (BRUAND, 2008, p.326) e com “a idade da máquina” (GOODWIN, 1943, p.96). Goodwin destaca os planos urbanos de Goiânia e Belo Horizonte, embora o autor saliente que as cidades “fazem lembrar mais qualquer coisa do tempo de L´Enfant do que da idade da máquina”, embora possuam “ruas bem largas e bastante espaço livre e aberto” (GOODWIN, 1943, p.96).

Lemos (1979, p.156), em “Arquitetura brasileira”, critica o atraso que o país apresenta na década de 1940 ao uso “da nova arquitetura e do planejamento lógico”, especialmente em São Paulo. Hitchcock (1955) coloca a questão da urbanização nas cidades latino-americana como reflexo da influência das cidades de Nova York e Chicago, onde os edifícios verticais crescem em “centros urbanos propostos para o tráfego de dois ou três séculos atrás”1 (HITCHCOCK, 1955, p.16). Para o autor, este problema é causado pelo descompasso entre as propostas urbanas e o ritmo das construções, sendo que a primeira não consegue acompanhar o segundo. Desta forma, os novos edifícios continuam a crescer nos antigos centros e não junto às novas avenidas.

As imagens das cidades, presentes nos manuais, dão a impressão do distanciamento dos autores aos espaços urbanos retratados. Grande parte delas são panorâmicas aéreas e distanciadas que colocam as vias de circulação recém criadas como elemento central e a

1 Tradução livre do original em inglês: “urban centers designed for the traffic of two or three hundred years ago”.

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verticalização como elemento a ser demonstrado. A somatória desses aspectos parece motivar a inclusão das imagens nas publicações.

Entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, é perceptível a mudança no enfoque decorrente das situações geográficas que cada uma ocupa, especialmente em Goodwin (1943) e Hitchcock (1955). O Rio é sempre retratado com algum elemento natural, tal como o morro, o céu ou a praia, junto à cidade. Já São Paulo, as imagens focalizam a conurbação urbana de uma cidade em franco crescimento (figura 2).

Figura 2: O Rio de Janeiro representado em Goodwin (1943), à esquerda com a praia e ao fundo a cidade que a margeia, dando limites à natureza e, à direita, é destacada a sombra projetada pelos edifícios na praia de Copacabana do Rio de Janeiro com os morros margeando ao fundo a imagem

Figura 3: A diferença entre a representação do Rio de Janeiro e São Paulo em Hitchcock (1955), à esquerda, a praia margeada pelos edifícios, à direita, São Paulo com avenida ocupando a porção direita da imagem e edifícios verticais à esquerda

Este aspecto dá o tom do olhar estrangeiro à cada cidade, já que ambos os livros são de autores norte-americanos. No caso do Rio, a natureza se impõe e instiga o observador à considera-la parte da cidade, já São Paulo, comove pelo crescimento acelerado, visto de modo negativo por Santos (1977) e Lemos (1979).

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Por fim, a carta de Rodrigo M.F. de Andrade, de 1943, (in XAVIER(org), 1987), quando da morte de Attílio Corrêa Lima, projetista inicial do plano de Goiânia, demonstra a dicotomia vivida por arquitetos no período, transitando entre um urbanismo moderno, mas que não é modernista e o compromisso com a nova arquitetura. Attílio personifica isso nas palavras de Rodrigo, ao ser um dos personagens do Movimento Moderno inicial, sendo inclusive incluído no catálogo do Brazil Builds, mas que projeta Goiânia, entre os anos de 1933 e 1934, que flerta com outras propostas urbanas modernas. Rodrigo justifica isso como o amor de Attílio às cidades antigas e formações espontâneas brasileiras enquanto urbanista, apesar de resistir como arquiteto as formas acadêmicas:

De mesmo modo que, como arquiteto, resistiu ao domínio das fórmulas acadêmicas, embora aluno laureado da academia, Attílio Corrêa Lima, em matéria de urbanismo, não se deixou dominar por obsessões de especialistas (...) nem a mocidade de Atílio Corrêa Lima, nem a sua predileção decidida pelas formas de arte moderna, nem mesmo a sua aspiração por uma profunda reorganização social, que importaria, em suma em transformações urbanísticas fundamentais, nada disso pode diminuir o seu amor aos aspectos tradicionais das nossas cidades (in XAVIER(org), 1987,p.367)

1.2 Como vazio ou pano de fundo

Há nos manuais, a preferência por estabelecer imagens panorâmicas nos casos onde o lote urbano ou o local onde se assenta a edificação apresenta aspectos paisagísticos de relevância para a composição arquitetônica. A arquitetura moderna almeja o vazio, em detrimento da soberania do construído nas cidades tradicionais, conforme sintetiza a figura 1, apresentada na introdução. Este aspecto é evidente nos discursos dos CIAM´s e nos textos dos arquitetos protagonistas do Movimento Moderno. O vazio libera a edificação e dá a ela a liberdade que o antigo tecido urbano não é capaz de proporcionar.

Desta forma, a natureza, o verde, os hiatos e os vazios são inseridos nas composições visuais de modo a tornar a arquitetura o elemento isolado desejado, pleno em sua forma e autonomia, e distanciado de um tecido urbano existente. Além disso, o tropical e exótico que o Brasil desperta ao olhar estrangeiro é também elemento que parece motivar a inspiração das imagens, onde a natureza exuberante estabelece um contraponto e estranhamento ao elemento construído.

Esta representação é obtida de dois modos, através de recortes (figura 4), que delimitam aspectos do edifício em sua relação com a natureza, ou em grandes panoramas (figura 5), que integram o natural e o construído em uma única imagem. Os vazios, que são as áreas livres, e os cheios, representados pelos edifícios, são equilibrados nas fotografias.

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Figura 4: Em Mindlin (1956), à direita, Edifício Residencial Antônio Ceppas, no Rio de Janeiro, que recorta a natureza e os aspectos modernos do edifício e, à esquerda, Edifício Louveira, em São Paulo, o vazio para o jardim entre os edifícios em lâminas

A imagem 5 é de grandes panoramas e encontradas nos manuais de Goodwin (1943), Hitchcock (1955), Mindlin (1956), Bruand (1981) e Acayaba e Ficher (1982). Entre eles, três apresentam o olhar estrangeiro, sendo que o livro de Mindlin deseja ser uma complementação ao livro de Goodwin, portanto, também se inspira no olhar já explorado pelo autor norte-americano.

A imagem 6, de Ficher e Acayaba (1982), do Edifício Pedregulho, mais atual, demonstra a já não mais possibilidade de apresenta-lo como objeto autônomo, dado o crescimento da cidade nas proximidades do edifício. Neste sentido, a panorâmica o destaca como um objeto estranho à cidade que se formou próximo a ele.

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Figura 5: Em Hitchcock (1955), acima, as torres isoladas do Parque Guinle com o morro emoldurando a torre à esquerda e o agenciamento da área livre à frente das torres e, à esquerda, O conjunto Pedregulho em sua relação com a área livre na qual se integra e topografia local. Em Mindlin (1956), Conjunto habitacional para operários, em Santo André.

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Figura 6: Nesta imagem, em área muito mais adensada, a inserção urbana do Conjunto Pedregulho, não mais se causa a ilusão de seu isolamento da cidade real (Fonte: Ficher; Acayaba,1982)

1.3 Como contraste com a cidade tradicional

Na dissertação de Eduardo Costa (2009), é apontada a relação entre o então Serviço de Patrimônio Histórico e Artistico Nacional (SPHAN) e a seleção de temas e imagens presentes no livro “Brazil Builds”. Além disso, a questão do paralelismo entre arquitetura moderna e cidade/arquitetura tombada torna-se evidente através da análise do discurso preservacionista e a missão assumida pelo Movimento Moderno no Brasil. O livro “Brazil Builds” ratifica esta narrativa, instaurando uma linha historiográfica da arquitetura brasileira.

É perceptível que a valoração do patrimônio no momento de formação do SPHAN perpassa uma seleção e escolha consciente, sendo apenas uma determinada arquitetura e ambiência urbana consideradas dignas de notoriedade e preservação. Com isso, alguns dos edifícios apresentam-se nas imagens como elementos integrados às cidades tombadas ou a bens tombados, como é o caso do Grande Hotel de Ouro Preto, de Oscar Niemeyer. Este é insistentemente retratado em imagens panorâmicas da cidade, buscando captá-lo em toda a sua extensão, dentro do tecido urbano tombado. Nessa escolha de apresentação do hotel há contida a rixa da época entre modernos e neocoloniais, sendo uma resposta dos primeiros à melhor maneira de inserir o novo no antigo.

O texto que descreve o Grande Hotel no livro de Goodwin (1943, p.130) destaca o fato de ele não imitar o antigo, sendo que o SPHAN “permitiu, clavidentemente, a construção deste distinto prédio moderno”. Quanto a sua inserção urbana, o autor considera que o edifício “coaduna-se bem com o ambiente oitocentista”, sendo que, “o desenho de linhas ousadas e pormenores delicados, ostenta bem orientada relação com o barroco local” (GOODWIN, 1943, p.132). Essas duas colocações do autor, ao mesmo tempo em que relativiza a representação do edifício na paisagem, não o isenta de apresentar o aspecto moderno.

Mindlin (1956, p.126) ratifica o colocado por Goodwin (1943) destacando que os elementos do edifício (telhas coloniais, treliças de madeira nos terraços, revestimento em pedra e azulejos coloridos) “contribuem para a integração do edifício à paisagem” (figura 7).

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Figura 7: Em Mindlin (1956) acima e em Bruand (1981) abaixo, o Grande Hotel de Ouro Preto, em sua inserção na paisagem da cidade tombada, circundando pelos demais edifícios

Com estas colocações de Goodwin e Mindlin praticamente define-se a relação contraditória e de paralelismo com o antigo presente na arquitetura moderna brasileira. Ao mesmo tempo em que estabelece pontos de tangencia, quer se distanciar.

Outros edifícios, como o MES, no Rio de Janeiro e o Castelo d’agua, em Olinda, são repetidamente apresentados nas imagens em conjunto com edifícios históricos próximos. Nestas composições, o contraste entre o novo e o antigo é evidente, mas esta condição pode ser entendida também como uma tentativa de insistir em um diálogo, já que, muitas vezes, é a imagem do antigo que se coloca em primeiro plano, portanto hierarquicamente a frente do novo. Sobre ambos, pouco se comenta nos textos do contexto urbano imediato em que se localizam, sendo a imagem mais enigmática a do Castelo d’água, em Olinda,

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onde as descrições, apenas se concentram no edifício (GOODWIN, 1943; ACAYABA, FICHER, 1982).

Figura 8: Nas duas imagens da primeira linha, o Edifício do MES, à esquerda, em Goodwin (1943), com o contexto eclético próximo escurecido pela sombra e, à direita, com a igreja próxima incluída na imagem. Na linha inferior à esquerda, em Hitchcock (1955), a igreja barroca também é incluída na imagem do MES; à direita, a Caixa d’água, em Olinda, emoldurada pelo contexto imediato de edifícios históricos

Ficher e Acayaba (1982, p.26) descrevem a produção de Luis Nunes como “combinação de elementos tradicionais com nova técnica”, destacando que a Caixa d’água tem o uso pioneiro do concreto armado, mas com vãos preenchidos “por cobogós em diferentes padrões”.

A imagem do Edifício Caixa D´Água, em Goodwin (1943), repetida em outras publicações, coloca a edificação moderna como o ponto mais iluminado e dominante. À esquerda dele está um edifício sombreado, com menor destaque em relação à igreja barroca, situada à direita, que divide com a torre a outra metade da composição fotográfica.

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Nas imagens do MES, também se evidencia o contraste de pontos mais iluminados e mais escurecidos, como na figura 8. Em uma delas, o edifício vertical é o ponto dominante da imagem que se sobrepõe à edificação eclética à esquerda, menos iluminada. Nas duas outras imagens do MES, a igreja barroca próxima delimita lateralmente o enquadramento do edifício moderno, se colocando em primeiro plano, podendo-se ver seus detalhes e contraste e/ou paralelo com a nova arquitetura.

Em Goodwin (1943), nas imagens do edifício ABI, no Rio de Janeiro (figura 9), a edificação moderna é apresentada ao centro, destacando seus aspectos modernos como pilotis e brises-soleils, evidenciados pelo contraste de luz e sombra. A edificação eclética próxima, ora é sobreposta pelo novo edifício, ora é cortada, como a servir de contraponto à modernidade do novo edifício.

Figura 9: O Edifício ABI em Goodwin (1943), à esquerda, sobrepondo-se à edificação eclética vizinha e, à direita, sendo emoldurado na lateral direita da imagem por parte de edifício eclético vizinho

1.4 Como conjunto de novas fachadas e objetos isolados

1.4.1 Fachadas Urbanas

O livro de Hitchcock (1955) possui um capítulo, ao final da publicação, intitulado “Urban Façades”, que em três parágrafos descreve as imagens das seis páginas seguintes. As imagens retratam a condição encontrada em alguns exemplares modernos de arquitetura na América Latina, sendo eles, edifícios contíguos uns aos outros ou em esquinas e implantados junto às divisas dos lotes.

Não há no texto exatamente esta interpretação, mas há uma passagem, dentre os parágrafos do capítulo, que a sugere, ao descrever que os edifícios comerciais “estão

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surgindo sobre as comumente baixas estruturas urbanas de períodos anteriores”2 (HITCHCOCK, 1955, p.191).

Figura 10: acima, as páginas 194 e 195, que agrupa exemplares com soluçoes de brises-soleil e, abaixo, as páginas 196 e 197, que agrupa os exemplares com pilotis térreos e fachadas em cortina de vidro, do capítulo “Urban Façades” (Fonte: Hitchcock, 1955)

Este capítulo final do livro estabelece uma cisão entre os exemplares das seis páginas finais e os demais presentes no livro, separando as edificações que permitem ser apresentadas em imagens de grandes visuais que incluem o vazio, daquelas edificações confinadas em lotes urbanos de áreas consolidadas. Assim, o compromisso dos arquitetos com a Arquitetura Moderna é estabelecido dentro dos limites do espaço disponível. As

2 Tradução livre do original em inglês: “rising above the generally low urban structures of earlier periods”.

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possibilidades oferecidas pelos locais onde são implantados, como é o caso do Conjunto Pedregulho, no Rio de Janeiro, da Biblioteca Central da Universidade Nacional Autônoma, do México, da Igreja da Pampulha, em Belo Horizonte, são diferentes daquelas encontradas, por exemplo, na implantação do edifício CBI Esplanada, de Lucijan Korngold, ou do Banco Paulista do Comércio, de Rino Levi, ambos no centro de São Paulo, para citar os casos brasileiros apontados por Hitchcock como parte de exemplos de “urban façades”.

Nas imagens de “Urban Façades”, há o recorte dos frontispícios das ruas incluindo apenas os edifícios considerados comprometidos com o Movimento Moderno. Estes são apresentados lado a lado, agrupados por possuírem elementos similares (brises, panos de vidro etc). Isto constrói (voluntária ou involuntariamente) uma nova fachada urbana, praticamente um rua-corredor, composta apenas dos edifícios dignos da modernidade almejada. (figura 10)

Assim como Hitchocock, outros autores, tais como, Mindlin (1956) e Bruand (1981), demonstram edifícios que apresentam o repertório modernista, mas que são objetos isolados nas imagens que os representam.

1.4.2 Objetos isolados

Nas imagens do Edifício Esther e do Edifício Louveira, ambas extraídas de Goodwin (1943), a solução moderna de lâminas verticais soltas e paralelas, entremeada por área livre, é apresentada de forma recortada do restante da cidade. O edifício do MES, pela implantação permeada por áreas livres é apresentada centralizada na imagem de Ficher e Acayaba (1982), portanto ao mesmo tempo que burla demonstrá-lo na cidade, fortalece o seu caráter excepcional em um tecido urbano com implantações de edifícios junto aos alinhamentos (figura 11).

Figura 11: O edifício Esther, em Goodwin (1943), afastamento do edifício vizinho dá a imagem o aspecto de torre solta no lote, assim como no Edifício Louveira, também em Goodwin (1943), onde a aglutinação de lotes permite a criação de duas lâminas em paralelo dentro dos limites da área de implantação. Por último, a imagem recorta e centraliza a quadra ocupada pelo Edifício do MES para demonstrar o aspecto moderno de sua implantação com áreas livres (Ficher, Acayaba, 1982)

Quando a solução está confinada em lotes urbanos menores, os recortes nas imagens dos objetos a serem demonstrados em relação aos edifícios vizinhos são abruptos, tornando verticais algumas fotografias, centralizando os objetos fotografados e descontextualizando-os da cidade existente (figura 12). Os pilotis tornam-se elementos importantes na demonstração da modernidade desses edifícios, sendo fotografados como elementos autônomos de onde a partir deles se pode percorrer e perceber de outra forma a cidade, mesmo que eles não proporcionem áreas térreas integralmente livres abaixo dos edifícios. (figuras 12)

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Figura 12: Em Mindlin (1956), na linha superior à esquerda, Edifício Residencial Prudência, solução de pilotis térreos confinada ao lote, mesma condição da imagem à direita, do Edifício Resseguros. Na linha inferior, à direita, os pilotis do Edifício Resseguros e, à direita, os pilotis do Edifício do MES vistos de dentro

CONCLUSÃO

A partir do demonstrado observa-se que a crítica a rua-corredor e aos aspectos da cidade tradicional, desejosos de serem superados pelos CIAM´s, teve uma difícil transposição na prática. Desta forma, apesar da clareza nos objetivos teóricos, o urbanismo modernista será poucas vezes viabilizado, sendo a nova arquitetura implantada, na maioria dos casos, em uma cidade tradicional ou em um urbanismo que ainda mantém aspectos tradicionais, portanto ainda distante dos princípios do Movimento Moderno.

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O modo como o urbanismo comparece nos manuais pesquisados demonstram isso, pois ao ser tratado em separado e como malha e plano e a cidade ao redor quase não ser referenciada ao se abordar os edifícios em específico, demonstram a dificuldade de coadunar ambos os elementos. Os planos urbanos tornam-se um capítulo à parte da modernidade almejada para o novo século.

Em Ellin (1996) é destacada a intenção da Arquitetura Moderna de ser universal, realizada para um homem universal, portanto integrada a uma nova ordem mundial. Desta forma, a arquitetura assume o seu caráter de crítica ao espaço urbano consolidado. Neste sentido, o contraste que algumas das imagens presentes nas publicações estabelecem com os lugares onde se inserem ou o silêncio sobre a sua relação com o contexto urbano, sinalizam uma produção que apesar de não pretender, está inserida em lugares com ambiências já definidas.

Architects and planners who subscribed to this doutrine designed for an ideal Man rather than for real people, seeking to discover universal solutions. Architects aspired to create the architectural object, a building that stands alone without reference to its particular setting either physically or socially. Although this concept was not new, the assertation that all building types should exist as isolated object was new… (ELLIN, 1996,p.210)

Com Hitchcock (1955), pode-se classificar a postura dos arquitetos modernos nas cidades consolidadas, em duas vertentes principais: os edifícios implantados junto aos alinhamentos e confinados em lotes, e que, portanto, ainda são determinadas pela rua-corredor; e as propostas que, por sua dimensão, posicionamento no lote e localização, possuem maiores possibilidades de inserir o vazio como elemento organizador do edificado.

Apesar do distanciamento entre arquitetura e urbano no início do século XX, não se percebe que os autores façam distinção, no que se refere à qualidade, entre os edifícios em situação confinada e os demais, existentes em áreas mais favoráveis à materialização da intenção espacial e formal do Movimento Moderno. Apesar de criticarem que tal condição exista nas cidades, a arquitetura em si dos edifícios em áreas consolidadas não é apontada como de menor relevância sendo que, muitas vezes, é mesclada entre propostas mais completas. A exceção apenas é encontrada em Hitchcock (1955), que reúne exemplares confinados em lotes no capitulo “Urban Façade” ao final da publicação.

No caso dos edifícios em situações confinadas estes são demonstrados, ora através de imagens que estabelecem recortes que demonstram os pilotis, como elementos que liberam o solo da ocupação tradicional, ora destacando os elementos das fachadas, como soluções modernas para potencializar a eficiência do edifício. As sombras nas fotografias favorecem a ilusão de haver espaços livres nos térreos, por trás dos pilotis, e que as fachadas, com os brises-soleils, são elementos independentes.

No caso das edificações que se localizam em áreas mais afastadas e sem referenciais urbanos consolidados, a inclusão do vazio como parte integrante das imagens serve para potencializar os seus aspectos modernistas. O contexto urbano existente comparece apenas em casos determinados em que se deseja demonstrar o contraste ou paralelo entre novo e o antigo. Nestes casos, edifícios e tecidos históricos envoltórios são incluídos nas imagens das edificações.

REFERÊNCIAS

ACAYABA, M.; FICHER, S. Arquitetura moderna brasileira. São Paulo: Projeto Editores Associados Ltda,1997.

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AYMONINO, C. La vivenda racional. Ponencias de los congresos CIAM 1929-1939. Barcelona: Gustavo Gili,1973.

BRUAND, Y. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva,2008.

COSTA, Eduardo A.Brazil Builds e a construção de um moderno na arquitetura brasileira. Campinas, SP,2009

ELLIN, N. Postmodern urbanism. Nova York: Princeton Architecture Press,1999.

GOODWIN, P.L. Brazil Builds. Architecture new and old 1652-1942. New York: MoMA,1943.

HITCHCOCK, H. Latin American architecture since 1945. New York: MoMA,1955.

LE CORBUSIER. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva,2006.

LEMOS, C. Arquitetura brasileira. Editora da USP,1979.

MINDLIN, H. Arquitetura moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora/ IPHAN,2000.

MONTEYS, X. Le Corbusier obras y proyectos. Espanha: Gustavo Gili,2005.

MUMFORD, E. The CIAM discourse on Urbanism 1928-1960. Cambridge: The MIT Press,2000.

ROWE, C; KOETTER, F. Collage City. Cambridge: The MIT Press,1984.

SANTOS, P. Quatro séculos de arquitetura. Rio de Janeiro: Fundação Educacional Rosemar Pimentel,1977.

TINEM, N. O alvo no olhar estrangeiro: o Brasil na historiografia da arquitetura moderna. João Pessoa: Editora Universitária,2006.

XAVIER, Alberto. Arquitetura moderna brasileira: depoimento de uma geração. São Paulo:PINI,1987.