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RENATO SILVA DE ALMEIDA PRADO Arquitetura de Interface. Análise de formas de organização da informação na interação entre pessoas e códigos. Comunicação e Semiótica PUC/SP São Paulo, 2006 1

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RENATO SILVA DE ALMEIDA PRADO

Arquitetura de Interface. Análise de formas de organização

da informação na interação entre pessoas e códigos.

Comunicação e Semiótica

PUC/SP

São Paulo, 2006

1

RENATO SILVA DE ALMEIDA PRADO

Arquitetura de Interface. Análise de formas de organização

da informação na interação entre pessoas e códigos.

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em

Comunicação e Semiótica

Orientadora: Profa. Dra. Giselle Beiguelman.

PUC/SP

São Paulo, 2006

2

Banca Examinadora

____________________________________ ____________________________________ ____________________________________

3

Resumo

Dois importantes acontecimentos são observados nos processos comunicacionais das duas últimas décadas. O primeiro é o uso massificado dos computadores em escala mundial — suporte digital — e o segundo é a conexão entre eles — a rede. Ambos os fatos foram acompanhados de significativas mudanças na interface entre o homem e a máquina. A difusão do computador teve início, em grande parte, pela adoção de uma interface gráfica em detrimento da linha de comando e pela incorporação do mouse. O crescimento da rede — internet — deu-se, também em grande parte, através de uma mudança de interface, com o surgimento do Mosaic em 1993. Antes basicamente constituída de informação textual, a internet passa a trabalhar de forma multimídia, com textos, sons e imagens. Este trabalho tem como objetivo analisar desdobramentos destes dois importantes acontecimentos, por meio da leitura e análise de alguns aspectos da cultura digital e da cultura de rede, e levantar características e conceitos pertinentes a estes contextos para o desenvolvimento de novas interfaces que possam representar um novo salto ou progresso na forma de interação. Mais de dez anos se passaram e os sinais destas mudanças são cada vez maiores e cada vez mais imbricados com o cotidiano social e cultural. A discussão sobre a necessidade de novas interfaces já é significativa, como colocam Steven Johnson, Richard Grusin, Jay David Bolter, Lev Manovich, Giselle Beiguelman e Peter Weibel. O trabalho está fundamentado em grande parte, além dos autores acima citados, nos pontos de vista de Alexander Galloway e Howard Rheingold. A relevância deste estudo se dá na medida em que as interfaces digitais encontram-se cada vez mais presentes em diversas camadas e atividades sociais, mas que, hoje, tem sua capacidade colocada em questionamento. Com características atribuídas na década de 1970, e desenvolvidas para, a priori, trabalhar com uma quantidade de informação restrita a apenas um computador, a interface gráfica, atualmente, acessa e manipula uma quantidade de informação muito maior, distribuída e provinda de bilhões de computadores.

Palavras-chave: Interface, Interface gráfica, Internet, Cultura de interface, Cultura de

rede, Cultura digital

4

Abstract

Two important facts are observed in the communicational processes in the last two decades. The first one is the mass use of the computers on a global scale – digital support – and the second one is the connection between them – the net. Both facts were accompanied by significant changes in the interface between man and machine. The wide spread of the computer had its beginning connected with the adoption of the graphic interface rather than the command-line interface and also the assimilation of the mouse. The growth of the net – internet – also was influenced by an interface change, when Mosaic appeared in 1993. The early internet, basically formed by textual information starts to work in a multimedia way, with sound and image along with the text. This project intends to analyze the unfolding of these two facts, by means of reading and analysis of some aspects of the digital culture and net culture, as well as to raise concepts and characteristics pertinent to these contexts for the development of new interfaces that can represent a new step or progress in an interaction form. More than ten years have passed and the signs of these changes are more and more evident and intricate in our social and cultural daily life. The discussion about the needs for new interfaces is already significant as Steven Johnson, Richard Grusin, Jay David Bolter, Lev Manovich, Giselle Beiguelman and Peter Weibel put it. This work is based greatly, besides the authors above, in the points of view of Alexander Galloway and Howard Rheingold. The relevance of this study is more evident as the digital interfaces are more and more present in so many social layers and activities, but now they have their capacity questioned. Today’s graphic interface still has some of their characteristics attributed in the 70’s, and developed to work basically with a quantity of information restricted to one computer. At the same time it accesses and manipulates a much bigger quantity of information, come from and distributed to billions of computers. Key words: Interface. Graphic interface, Internet, Interface culture, Net culture, Digital culture

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Sumário

Apresentação_________________________________________________________ 7

1 Introdução à cultura de interface ____________________________________ 12 1.1 Processo de crescimento e esgotamento do atual modelo de interface_______ 14

1.2 Um novo contexto para as interfaces ________________________________ 18

1.3 A busca de um melhor entendimento da rede __________________________ 21

1.4 A digitalização dos instrumentos e da comunicação_____________________ 25

1.5 Uma questão de autoria___________________________________________ 31

1.6 O contexto é físico, a rede é física __________________________________ 35

1.7 Internet não é papel, internet não é site, internet não é browser ____________ 37

2 Organização da informação em interfaces gráficas ______________________ 43 2.1 Zapping, bookmarks e interfaces ___________________________________ 44

2.2 Pastas, filtros e classificações ______________________________________ 51

2.3 Indexar é preciso, indexar não é preciso ______________________________ 59

2.4 Manipulação física da informação __________________________________ 66

2.5 Design da informação ____________________________________________ 76

Considerações finais __________________________________________________ 85

Anexo I_____________________________________________________________ 92

Anexo II ____________________________________________________________ 97

Referências ________________________________________________________ 104

6

Apresentação

Este estudo trata das interfaces digitais entre homens e máquinas, das que fazem

a mediação de entradas e saídas de informação entre esses dois lados, daquelas que

possibilitam que pessoas possam manipular informações e realizar atividades através de

diversas camadas de códigos sem que precisem necessariamente entender e ter

conhecimento da maioria delas.

Quanto mais uma interface permitir que alguém consiga executar exatamente o

que desejar, quanto mais real parecer a representação da informação, mais eficiente ela

será. A interface tem de ser entendida, em última instância, como uma ferramenta de

manipulação destes códigos e linguagens, uma série de recursos que represente, para as

pessoas, as sensações envolvidas na comunicação. Este é o caminho do seu

desenvolvimento: permitir que as pessoas realizem atividades de sua prática cotidiana.

A relevância deste estudo se dá na medida em que as interfaces digitais

encontram-se cada vez mais presentes em diversas camadas sociais, mas que, hoje, têm

sua capacidade colocada em questionamento. Com características atribuídas na década

de 1970, e desenvolvidas para, a priori, trabalhar com uma quantidade de informação

restrita a apenas um computador, a interface gráfica, atualmente, acessa e manipula uma

quantidade de informação muito maior, distribuída e provinda de bilhões de

computadores. Um número considerável para se ter uma noção da dimensão de sua

responsabilidade.

Porém, é importante ressaltar que a interface, por si só, mesmo apresentando

características relevantes, como colocado por Steven Johnson (2001) e Lev Manovich

(2001) e citadas ao longo do texto, não age sozinha e não pode ter seu caminho de

desenvolvimento analisado de forma isolada. Se dois importantes passos foram dados

com o auxílio de melhorias nas interfaces — o primeiro com a consolidação da interface

gráfica e o segundo com o surgimento do Mosaic —, não se pode atribuir a relevância

destes fatos exclusivamente a elas. Se Manovich (2001: 65) pontua que as interfaces

moldam a forma com que entendemos o computador e seu conteúdo — o que inclui

todo o conteúdo acessado através da internet —, é importante ter ressaltado que elas o

fazem pois, naturalmente, estão na ponta da relação entre as pessoas e os códigos.

7

De fato, o desenvolvimento das interfaces deveria ser encarado mais como um

reflexo de um contexto, do que uma forma de mudá-lo. Assim, a intenção deste trabalho

não é a de definir uma nova fórmula ou regras para o desenvolvimento das interfaces

que nos conduzirá a uma nova forma de agir e interagir. Não procuro dar uma resposta

prática de como deve ser a interface ou um manual para regrar seu desenvolvimento

como fez, por exemplo, Jakob Nielsen (2001), mas criticar e apontar algumas formas de

pensar interfaces que possam apresentar algum caráter paradigmático com relação às

características limitadoras do potencial deste contexto. Por isso, é importante destacar

que novas soluções e formas de interação surgem cotidianamente e que, mesmo antes, já

haviam sido criticadas, principalmente através da arte. Isso significa que muitas coisas

que hoje já são possíveis talvez venham a ser bem mais baratas, mais fáceis de serem

usadas ou até encaradas com uma concepção diferente da atual e farão parte do futuro

cenário popular das interfaces.

O objetivo deste trabalho é, a partir de análises sobre o desenvolvimento de

algumas práticas da sociedade em diversos âmbitos — capítulo 1— e do processo de

desenvolvimento das próprias interfaces digitais — capítulo 2 —, levantar uma série de

funcionalidades e características que elas devem possuir para atender sua atual

demanda. Ou seja, analisar diversas variáveis de um contexto de transformações e

apontar um conjunto daquelas que colaboram para o melhor aproveitamento de todo o

aparato digital.

Assim, uma primeira análise pode ser feita a partir dos dois exemplos citados no

início do texto: a consolidação da interface gráfica em detrimento à interface com linha

de comando que se deu após o lançamento do Apple Macintosh, em 1984, e o

surgimento do Mosaic, primeiro browser multimídia, em 1993. Apesar da importância

da interface gráfica, percebe-se a existência de outras variáveis atuando em conjunto no

seu processo de desenvolvimento. Primeiro, que não foi em 1984 a primeira vez que

uma interface gráfica foi colocada no mercado — antes já haviam sido lançados em

computadores da Apollo Computers, Symbolics, Inc., Xerox e da própria Apple mas

seus resultados não obtiveram êxito econômico. Segundo, que os computadores pessoais

só tinham adquirido potência suficiente para rodar sistemas operacionais gráficos no fim

do século passado. Terceiro, que nada como uma campanha de marketing com filme

produzido por Ridley Scott — carregando consigo o peso de Blade Runner (1982) —,

baseado no romance 1984 de George Orwell e lançado durante o Superbowl, para

8

alavancar as vendas1. Quanto ao surgimento do Mosaic, que possibilitou que formas

mais elaboradas de conteúdo fossem trocadas através de redes de computador, também

há outros fatores. De nada adiantaria uma interface como a do Mosaic se não houvesse a

presença de uma série de protocolos que possibilitassem uma troca de informações mais

consistente entre os computadores.

A divisão do trabalho em duas partes se deve pela relevância que eu dou para

este contexto de variáveis que se desenvolvem imbricadas com a interface. É

condicional para mim entender razões que levaram as interfaces ao seu estado atual

para, posteriormente, compreender quais são suas reais demandas e o porquê delas.

Tendo uma análise destas exigências, foi possível realizar uma pesquisa de campo e

selecionar soluções que apontassem para este objetivo. No primeiro capítulo, após a

análise de um quadro teórico, faço a exposição de diferentes leituras deste contexto que

tem por objetivo desnudar a idéia da escala digital e da própria internet, relacionando o

desenvolvimento das interfaces com o desenvolvimento do contexto como um todo.

Essa desmistificação serve para limpar idéias equivocadas que possam atrapalhar seu

melhor entendimento e, conseqüentemente, limitar seu desenvolvimento e incorporação.

Assim feito, no segundo capítulo há a descrição e análise provinda de pesquisa de

campo, apontando diversas formas de organização da informação que sejam pertinentes

ao contexto explorado no primeiro capítulo.

Por isso, quando falo sobre o “atual contexto” ou o “novo contexto”, estou me

referindo a toda esta quantidade de variáveis — globalização, linguagem digital,

computação, física quântica, supercondutores, ou seja, todas as características que têm

influência na velocidade do fluxo de informação — que, juntas, no mesmo diagrama,

compõem a atualidade e possuem papel ativo no desenvolvimento de interfaces. Em

especial, me refiro também aos fatores ligados à cultura digital e a cultura de rede,

quadro que exponho durante todo o texto.

Entretanto, para a melhor compreensão do trabalho, há alguns pontos que devem

ser ressaltados. Por acreditar que as interfaces terão influência condicional nas nossas

atividades sociais, uma vez que estão progressivamente mais presentes e mediando cada

vez mais as trocas de informações culturais, me ative a evitar o uso do termo “usuário” 1 http://video.google.com/videoplay?docid=-5398217822617288804&q=Macintosh. O Superbowl — anual — é uma das transmissões televisivas mais assistidas dos Estados Unidos.

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— salvo citações — para me referir à pessoa que se relacionará com os códigos através

da interface. Isso, pois sou partidário da idéia de que seu uso será tão comum e tão

imbricado com as experiências pessoais que precisam ser tratadas assim, como se faz

com a energia elétrica ou até mesmo com o ar. Ninguém se refere a um usuário de

energia elétrica ou usuário do ar. São pessoas que vão estar em contato com as

interfaces tão naturalmente quanto acendem uma luz ou quanto respiram. Não param

para pensar nessas atividades — com exceção do momento em que não as tem. Assim,

chamá-las de usuários remeteria a uma situação ultrapassada e antiquada para o

contexto que se forma. Isso ressalta ainda mais a relevância das interfaces. A interação

com os códigos não podem requerer um conhecimento complexo das pessoas. Tem de

se apresentar quase que intuitivamente para que seu uso seja imperceptível e plenamente

incorporado à sociedade.

Por último, atento ao fato de que este trabalho caminha muito próximo da prática

de mercado, como as soluções apresentadas nos anexos I e II. Isto se deve não apenas

pela possibilidade prática de experimentação que meu trabalho cotidiano permite, mas

por estas experiências estarem de acordo com algumas demandas condicionais do

mercado. A pesquisa sempre teve a preocupação de que suas críticas e análises não se

restringissem às situações estritamente teóricas ou fora dos padrões econômicos. De

forma alguma pretendo, com esta posição, diminuir qualquer importância das

experimentações que não seguem esta linha, pelo contrário, elas são justamente uma das

principais fontes desta pesquisa. O ponto de vista deste texto é o de indicar o uso, entre

outros, destas experimentações em atividades e usos cotidianos. Entendo que, com isso,

nem todas as discussões agregadas em experimentações artísticas, por exemplo, sejam

discutidas, mas este é um dos limites do recorte. Também, não foi intenção neste projeto

discutir a questão estritamente estética das interfaces. Sou adepto de uma estética

funcional, onde os elementos da interface devam ser utilizados para simplificar seu uso,

porém, não acredito ser essa a única nem a melhor forma de fazê-lo.

A possibilidade de atuação prática no estudo das interfaces gerou um diálogo

direto com o estudo teórico. Desta troca, algumas qualidades da interface puderam ser

melhor desenvolvidas e a dissertação, além da análise programada, incorporou algumas

propostas e soluções para o desenvolvimento geral das interfaces digitais. Porém, o

maior esforço deste projeto se deu na aplicação de um pensamento diagramático para a

análise das interfaces, o que tornou mais inteligível seu contexto e, conseqüentemente,

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suas qualidades. Apesar de não estar entre os autores mais citados durante o texto, o

trabalho de Alexander Galloway (2004) foi fundamental para isso. Talvez a mais

importante referência do projeto, pois ajudou a fundamentar e entender a materialidade

da escala com que estamos lidando ao interagir com os aparatos computacionais em

rede e suas possíveis linguagens. Pensamento fundamental para o estudo do objeto

escolhido, uma vez que, como dito no início desta apresentação, a materialização destas

linguagens e das suas representações é o principal desafio das interfaces digitais.

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1 Introdução à cultura de interface

Desde a introdução do computador2 na sociedade, em meados do século

passado, estamos atravessando uma revolução digital, um processo que vem levantando

toda uma gama de sensações e reações desde as mais esperançosas às mais pessimistas.

Sua derivada de crescimento parece longe de alguma inversão. Os computadores estão

cada vez mais presentes e desempenhando papéis mais fundamentais3.

Em função deste crescente número e do conseqüente aumento no número de

aplicativos digitais, a discussão sobre interface ganhou uma nova importante vertente:

as interfaces digitais. Nova, pois, apesar de ser parte integrante do computador,

naturalmente, não é restrita a ele. Interface é um conjunto de elementos que

proporcionam uma ligação física ou lógica entre dois sistemas, sejam eles de qualquer

natureza — mecânicos, biológicos, digitais, etc.

O volante, os pedais, o câmbio, os espelhos de um automóvel são, entre outros,

integrantes da interface entre um motorista e o aparato mecânico que possibilita esse

automóvel funcionar. A interface de um livro consiste no conjunto de elementos que

colaboram para um bom entendimento do conteúdo cultural a ser transmitido — capa,

índice, tipologia, numeração de páginas, bibliografia, índice remissivo, etc.

O sistema de percepção de um organismo vivo funciona como interface entre as

qualidades físicas do meio e as sensações nas quais são traduzidas — a interface mais

elementar para os homens. Por exemplo, para os humanos, a transformação de uma

onda eletromagnética na sensação da cor é uma transformação mediada. A intensidade

de pressão do ar em determinado instante traduzida em sensação sonora é uma

transformação mediada.

Diferente dos anos 1980, quando o computador ganhou maior projeção, a

importância das interfaces digitais aumentou após a massificação da internet na década

2 Apesar de o primeiro computador digital a ser reconhecido tenha sido o “relógio de calcular”, criado em 1623 por William Schickard, foi apenas em 1948 que o MADAM — obra de Alan Turing —, o primeiro computador eletrônico digital com programa armazenado, entrava em ação. 3 Segundo matéria publicada na revista Computer World, “o mercado brasileiro comercializou 5,5 milhões de computadores pessoais [em 2005], crescimento de 37,5% na comparação com 2004.” http://computerworld.uol.com.br/AdPortalv5/idc_pcs_190106.html

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de 1990. Segundo Lev Manovich, o crescente uso de computadores em rede permitiu

que grande parte do conteúdo cultural mundial fosse transmitido e acessado através de

interfaces — as quais denominou de interfaces culturais (Manovich, 2001:70). Ele ainda

coloca que essas interfaces culturais fazem a mediação da transmissão de informação

entre o homem e a máquina e assim moldam a maneira que uma pessoa concebe o

computador e ainda determina como pensam sobre um objeto midiático acessado

através dele (Manovich, 2001:65). Apenas esta última colocação já evidencia a

importância do estudo crítico sobre as interfaces, pois são elas que definem ou, no

mínimo, têm participação fundamental na percepção que as pessoas têm sobre os

sistemas digitais e conseqüentemente sobre as novas formas de comunicação, acesso e

manipulação de informação, entre outros. São elas que permitem que a prática dos

sistemas digitais se torne accessível a uma parte maior de pessoas. E na medida em que

estes sistemas e interfaces aumentam sua participação na sociedade, possuindo funções

cada vez mais imbricadas com o cotidiano, a importância da discussão e crítica

aumenta.

Não entendemos a ação de dirigir um automóvel diretamente como a

movimentação dos pistões, o acionamento de correias dentadas, a combustão da

gasolina. A aceleração está ligada à pressão feita nos pedais, na marcha escolhida.

Assim como a direção em que se movimenta um veículo fica relacionada com a rotação

do volante, e não com a movimentação de eixos ligados às rodas.

Mesmo tendo uma idéia sobre o funcionamento do sistema, as formas como o

percebemos são mais próximas da concepção que a interface proporciona. São nelas que

reconhecemos nossas ações — fechar uma janela, pressionar um botão —, e não em

outros códigos de programação. Quando movemos um arquivo nos sistemas

operacionais atuais não entendemos este ato como o processamento infindável de séries

de zeros e uns. Estamos apenas movendo um arquivo. O mesmo ocorre para o sistema

perceptual. Não fazemos nenhuma relação consciente entre as qualidades físicas do

meio. Não enxergamos as qualidades físicas de uma onda eletromagnética provinda da

reflexão de um objeto. Um morango é vermelho, uma folha de árvore é verde, o céu é

azul. Nosso sistema é praticamente transparente. A interface permanece oculta e a

sensação que temos é de um contato direto com o meio (Goldstein, 2002: 72). É esta

sensação de estar em contato direto com as coisas que as coloca mais próximas da nossa

realidade ou do que podemos entender por “natural”, como algo inato.

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Ou como apontou Paul D. Miller (2004:16):

”As gerações futuras não dependerão da tecnologia. Elas terão a tecnologia

como um aspecto essencial de sua existência — assim como o ar que respiramos e o

alimento que comemos são aspectos da tecnologia (...) A dependência é basicamente

parte do processo de ser[mos] humano[s]. ”

Nossa interface é que determina a noção de realidade que temos sobre o meio e o

mesmo ocorre para os sistemas digitais: as interfaces dos aparatos eletrônicos atuam

como os tradutores da linguagem digital — fica factível concordar com Manovich e

compreender que o conhecimento e as conseqüências desta característica são

imprescindíveis para a definição das emergentes interfaces digitais.

1.1 Processo de crescimento e esgotamento do atual modelo de interface

Se o uso das interfaces digitais é recente, sua difusão é mais recente. Sua

presença no cotidiano é evidente — ainda mais com o crescimento da internet —,

porém a sua adaptação à sociedade necessita de crítica e tempo. Há uma grande

insatisfação com alguns atributos dos sistemas e interfaces digitais, que, mesmo assim,

aumentam progressivamente sua participação na sociedade.

“Aquilo que se concentrava antes no computador (...) invadiu os caixas

automáticos, apossou-se do forno microondas, do DVD player, apareceu no toca-discos

do carro, tomou conta do celular (...), popularizou-se e parece ter se transformado num

parâmetro de relacionamento entre homens e máquinas.” A citação acima é de Giselle

Beiguelman, em seu trabalho esc for escape4. Nesse trabalho, entre outras discussões,

Giselle explora com muita ironia um lado crítico das interfaces digitais: a clareza com

que as mensagens de erro dos sistemas são comunicadas5.

4 http://www.desvirtual.com/escape/portugues/index.htm 5 “Exceção unknown software exception (0x80000003) em 0x7c901230. clique em ok para encerrar o programa.” Não poderia deixar de registrar a mensagem bilíngüe do meu sistema durante a tentativa de produção deste texto.

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Seria surpreendente encontrar alguém que possui relação estável com as

máquinas digitais e suas interfaces e que não possua uma porção de sugestões para uma

melhor interação. Os inconvenientes entre homem e sistemas levantados pelo projeto de

Giselle Beiguelman são um retrato da discussão sobre interfaces: faltam soluções que

permitam uma interação satisfatória. Os computadores deixaram de ser uma ferramenta

técnica e passaram a ser um aparato pessoal, mais íntimo. Um sistema que será usado

por diferentes pessoas, com diferentes formações e idades, não deveria, entre outras

ações, se comunicar com uma pessoa em momento agudo como se estivesse falando

com um técnico em computação.

É importante ressaltar que por ser uma realidade recente — o aumento do

número de computadores —, características que dificultam uma boa interação como

essas acima citadas não são uma surpresa. Entretanto, sua afirmação na sociedade,

mesmo com diversas ressalvas, é cada vez mais presente, pois, apesar das dificuldades e

dos problemas de relacionamento com as interfaces digitais, os benefícios da presença

destes sistemas no cotidiano parecem ter, por algum motivo, um valor que justifique a

razão de seu crescimento.

Para usar exemplos simples e até antigos, por mais que mensagens estranhas

apareçam na tela de um computador ao usar os serviços de um banco via internet, por

mais que a velocidade de conexão esteja aquém do esperado — se bem que em certas

ocasiões essa questão pode ser crônica — e por mais que inconvenientes informações

saltem na frente do seu extrato bancário, ainda assim, parece mais vantajoso realizar tais

atividades através da internet do que ir a um banco para realizar uma transferência com

a possibilidade de se deparar com uma fila mais assustadora que a fraca conexão.

E o que dizer de possuir todos os volumes de uma grande enciclopédia alocada

em um computador? A possibilidade de uma procura mais rápida por uma determinada

informação e um número de respostas superior do que ao de folhear, através do índice,

as páginas de livros é uma das potencialidades que fazem os sistemas digitais estarem

cada vez mais presentes.

Enfim, seja através da internet ou através de softwares locais, os sistemas e suas

interfaces estão colaborando no fortalecimento de uma cultura baseada, fortemente, nos

processos em rede e nos processos digitais. Um contexto que, da mesma forma que seus

instrumentos, é recente e ainda pouco compreendido.

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Assim, além de tentar entender a forma com que a interface digital pode

influenciar na concepção que teremos dos sistemas e de seu conteúdo — como dito no

início do capítulo —, é importante compreender este contexto em que serão usadas,

quais limitações podem ser impostas, quais os suportes, quem as usará, etc. Entender

um pouco mais os aspectos destas culturas é essencial para guiar uma discussão sobre as

características que as interfaces digitais devam possuir e, ao mesmo tempo, por que

adaptações as pessoas poderão passar — ou já estão passando — para poder usufruir

deste potencial e permitir uma interação mais rápida e, acima de tudo, precisa e

eficiente. A interface digital antes de tudo é que possibilita que uma atividade seja

realizada através da linguagem digital.

Atualmente, os mais populares conceitos de interface estão baseados em idéias e

soluções estabelecidas nos anos 80, e quase 20 anos depois, ressaltando que neste meio

tempo emergiu a internet, continuam ditando a mesma forma de interação com sistemas

computacionais.

Como contou Ted Nelson em palestra realizada em outubro de 2005 na PUC-SP,

em 1973, engenheiros da Xerox PARC desenvolveram o primeiro computador pessoal,

o Xerox Alto, primeiro computador a usar a metáfora do desktop e a interface gráfica,

com características similares às encontradas hoje. Ela foi inicialmente criada para ser

usada pelas secretárias da empresa e, segundo Nelson, elas acharam-na muito eficiente.

Em 1981, a Xerox resolveu produzi-la em larga escala com o 8010 Star Information

System. Apesar de ser considerado o primeiro computador pessoal com interface gráfica

a ser comercializado, seu sucesso não foi contundente. Posteriormente, a idéia chegou a

Steve Jobs, com a possibilidade de introduzi-la nos novos computadores da Apple. Em

1982 , também sem muito sucesso, foi lançada com o Apple Lisa. Mas foi em 1984,

com o lançamento do Apple Macintosh, com direito a filme de lançamento dirigido por

Ridley Scott, que o GUI6 (Graphical User Interface) — interface gráfica — apareceu

para o público geral sendo fulminante para seu antecessor, o CLI (Command-line

interface) — interface de linha de comando baseada em texto. E pensar que muitos

especialistas da época achavam absurda a idéia de arrastar um arquivo prestes a ser

inutilizado na lixeira.

6 Os mais populares sistemas operacionais — Linux, OS X, Windows — são exemplos de interfaces gráficas (GUI).

16

Porém a interação mais intuitiva, a linguagem gráfica mais próxima do

repertório das pessoas, a visualidade da informação e a sensação de uma informação

mais palpável tornaram o GUI uma unanimidade. O que antes necessitava de um bom

tempo dedicado a estudos passava a ser entendido de forma mais clara e rápida — afinal

fora desenvolvido para pessoas nada íntimas com computadores na época — , o que

permitiu que o público geral dos computadores crescesse em grande proporção.

Contudo, as premissas que guiaram o desenvolvimento das interfaces digitais

precisam ser atualizadas. É claro que os conceitos evoluíram desde os anos 80, mas as

mudanças não foram em sua base.

É bom ressaltar que esta interface gráfica vigente foi desenvolvida em um

contexto onde a quantidade de informação que seria armazenada e manipulada estava

restrita basicamente ao disco rígido de um computador — e para isto se mostravam bem

eficiente. Hoje, entretanto, a quantidade de informações restrita ao disco rígido de um

computador é praticamente nula se comparada à quantidade total de informação

possível de ser acessada através de interfaces digitais.

É fato que estamos usando, ainda, muito pouco do potencial que os sistemas

digitais podem proporcionar. Se há 20 anos o modelo de interface gráfica proporcionava

maior velocidade no manuseio das informações para as práticas daquela época, hoje já

não tem o mesmo rendimento.

Porém, uma mudança de padrão de interface dificilmente será similar a esta

última. A quantidade de pessoas que utilizam computadores é muito maior do que em

1984, e uma mudança desta magnitude, hoje, demandaria um processo mais vasto. Isto

não quer dizer que este padrão não pode ser alterado. Ele, entretanto, deve ser alterado

— e já está sendo — de maneira mais suave.

Agora, se o contexto originário das atuais interfaces não corresponde mais à

realidade, qual é sua forma atual? Quais variáveis relevantes devem interferir na

elaboração das interfaces? Enfim, quais mudanças e transformações ocorreram nos

últimos 20 anos e, em razão destas, quais atributos das interfaces ainda tem uso

eficiente, quais necessitam de atualizações e quais são, hoje, um limitador.

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1.2 Um novo contexto para as interfaces

Em geral, um novo conhecimento ou uma nova descoberta afeta de alguma

forma os aspectos culturais de uma sociedade e, dependendo de sua relevância, requer

mais ou menos tempo de adaptação, apropriação ou rejeição.

Ainda, na medida em que os traços de uma novidade são expostos de forma mais

clara, passa-se a ter mais informações a seu respeito. Em pouco, o conhecimento sobre

ela passa por ordenações, agrupamentos, classificações, para, assim, poder ser melhor

compreendida.

Este processo de aprendizagem pode ser analisado na recente transformação

cultural e social que vem ocorrendo com a introdução dos sistemas digitais e mais

recentemente da internet7. Não apenas na aprendizagem das linguagens computacionais,

dos códigos, das padronizações, das convenções e na forma de manipulação de

informações, mas na aprendizagem cultural e nas atividades sociais que todas essas

mudanças acarretam.

Na introdução de seu livro Smart Mobs (2003), Howard Rheingold conta que os

primeiros sinais da próxima mudança social revelaram-se para ele no ano 2000 quando

notou nas ruas de Tóquio pessoas olhando para seus aparelhos celulares e trocando

informação de texto — “texting” — em vez de usar o aparelho para falar.

“Texting”, segundo o autor, é apenas uma pequena porção de mudanças mais

profundas que ocorrerão nos próximos dez anos. Chips com comunicação via rádio em

substituição aos atuais códigos de barras, internet sem fio em diversos estabelecimentos,

a compra de um refrigerante em uma máquina através da interface do celular, a

obtenção de um livro usado de uma pessoa em uma pequena cidade em um país

longínquo através de sites especializados, são todos exemplos destas transformações,

exemplos desta cultura digital e de rede que estão sendo paulatinamente incorporadas ao

nosso cotidiano, um tipo de comportamento que o autor denomina de smart mobs —

multidões inteligentes.

7 Naturalmente não é a introdução destes sistemas a responsável por todas essas transformações sociais. O contexto destas mudanças é resultado de milhares de variáveis, incluindo as citadas. Porém, o recorte feito foi utilizado para exemplificar melhor os conceitos abordados. Os sistemas digitais e a internet não emergiram do nada, são partes de um processo em constante movimento.

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A óbvia questão é que a incorporação destes hábitos caminha a passos mais

acelerados do que seu esclarecimento frente a todos; o uso vem à frente das reflexões.

Não há ainda uma geração que tenha crescido em um contexto em que essas

mudanças poderiam ser encaradas como “naturais”, inatas. Contudo, em menos de dez

anos uma boa parte da sociedade olhará para estas mudanças de hoje com outro

potencial e, da mesma forma, se surpreenderá com novas mudanças de sua época.

Ainda há de surgir uma massa de críticos com o ponto de vista em que questões

gerais sobre o uso cotidiano de sistemas digitais e a comunicação pela internet, por si

só, não serão necessariamente o foco da discussão, e sim questões mais específicas

como a forma com que a economia funciona neste contexto, ou como a música, a

medicina, o jornalismo, a sociologia, o marketing, etc., porque, para eles, muitas das

importantes questões de hoje parecerão “naturais”8. As respostas estarão na própria

experiência do cotidiano e as discussões serão sobre um novo paradigma. Um ponto de

vista em que as conseqüências destas transformações não serão apenas especuladas, mas

experimentadas por um número maior de pessoas com maior capacidade para usufruir e

compreender tais hábitos. Paul D. Miller argumenta que “jovens compositores precisam

pensar no mundo em sua volta, um contexto composto de redes wireless, retransmissões

de aparelhos celulares, sistemas híbridos …” (Miller, 2004). Seremos todos

especialistas das novidades de hoje.

Entretanto, hoje, neste contexto inicial de transformações, a falta de uma

reflexão especializada pode ser observada no uso cotidiano das interfaces culturais.

Assim como o conhecimento das características destas transformações sociais, da noção

popular de internet, de linguagem e de sistemas digitais, o uso que atribuímos às

interfaces também é pouco específico, e até certo ponto, ingênuo. Como o uso vem

antes da reflexão, é natural que diversas soluções sejam incorporadas a determinadas

funções sem uma adaptação crítica profunda — ainda mais em um contexto de

produção coletiva.

Uma ressalva que deve ser feita à ação coletiva é que a produção vernacular

apesar de muito valiosa não é, hoje, a única responsável pelo desenvolvimento das

formas de interação com os sistemas.

8 É claro que houve e há críticos que o fazem atualmente, mas estes são uma exceção. A massificação deste pensamento ainda está por vir.

19

Modelos de sites institucionais como os colocados por Jakob Nielsen e Marie

Tahir — alguns deles estão em seu livro Homepage Usability (2001) — destacam

características de grande apelo popular como o uso da marca ou logotipo no canto

esquerdo superior de uma página ou o uso de títulos e terminações para indicar funções

específicas em um site e ratificam essas qualidades com números e pesquisas que

demonstram que a maioria das pessoas entendem que esta é a melhor forma. Há um

pensamento de que o mais simples e óbvio será o que melhor se adequará e o que

proporcionará melhor rendimento.

É preciso apenas ter cuidado para que o mais simples não seja um limitador.

Steven Johnson, no livro Emergence (2003), alerta sobre o perigo no excesso de

pensamento em grupo. Comentando sobre a forma com que o site Slashdot — de Rob

Malda — se utiliza para moderar as infindáveis informações postadas, ele discorre sobre

uma possível tirania da maioria em sistemas que se norteia por um visitante médio. Os

pontos de vista da maioria são amplificados, enquanto os da minoria são silenciados

(Johnson, 2003:119), o que poderia afastar novas idéias que, por talvez serem fora de

padrões cotidianos, não teriam inicialmente o apoio necessário para a maior maturação.

Graves problemas que podem surgir com essa situação podem ser levantados a

partir do livro Words made flesh, de Florian Cramer. Em sua opinião, quanto maior a

distância entre o código e a percepção, mais selvagem é a imaginação. Quanto mais

abstrato for o código, mais especulável a interpretação obtida (Cramer, 2005:8).

A questão é extremamente importante, pois essa maioria, com uma força

incrível, tem pouco ou quase nenhum entendimento sobre os códigos que estão agindo

por trás da interface gráfica — que ela reconhece. Seria similar a um arquiteto que não

tivesse conhecimento sobre engenharia —, o que talvez explique a qualidade de grande

parte das moradias atuais.

Se estamos utilizando pouco do potencial que o digital nos permite, uma forte

razão é pois estarmos ainda lidando com uma grande massa de informações não

organizadas e desordenadas. Esta falta de organização é refletida diretamente na forma

como estas informações são absorvidas e nos comportamentos em que essa

incorporação se resolve. E apesar do grande volume de idéias e soluções para a melhor

utilização das interfaces e dos sistemas, as mudanças necessárias parecem ser um pouco

maiores e mais técnicas do que como se discute no âmbito da maioria. A difusão e a

popularização das novas tecnologias e linguagens não foram acompanhadas de

20

transformações significativas na concepção de interfaces que permitissem a

manipulação da informação de forma direta e organizada.

1.3 A busca de um melhor entendimento da rede

Para exemplificar esse amontoado de informação basta tomarmos um elemento

representativo desta cultura: um site na internet.

Um site — sítio — é um lugar, um espaço. Não requer maiores definições, são

genéricos. É apenas um local onde podem ocorrer infinitas formas de comunicação,

ações, encontros, transações, processamentos, trocas e ainda um local onde informações

podem ser simplesmente armazenadas e acessadas. E é desta última forma que grande

parte dos sites são tratados — como se fosse possível dizer que existe um estereótipo de

site. São basicamente sites informacionais e institucionais que dispõem conteúdo para

ser acessado por pessoas conectadas à internet, exatamente com a mesma lógica com

que eram utilizados no meio acadêmico antes da generalização da internet.

Entretanto, algumas especializações já começam a surgir. Entre elas os sites de

busca, sites de comércio eletrônico, sites de entretenimento e uma gama de outros

serviços. Porém, a idéia de uma especialização ainda é meio difusa, e isso poderá

perpetuar enquanto atividades econômicas e sociais continuarem a ocorrer em interfaces

gráficas como as que foram criadas no século passado sem esta finalidade. Basta acessar

diferentes sites especializados e diferentes sites informacionais que não será difícil

deparar-se com uma estrutura, arquitetura e hierarquia de informação similares, com

seus menus e páginas ressaltados pela aparente rigidez do código, carentes de novos

conceitos de organização digital e de novas formas de interação. É fato que diversos

sites trazem formas de navegação diferenciadas, com efeitos que lembram a produção

televisiva, com soluções que exploram mais a fundo as potencialidades do digital, mas

ainda estão nivelados pelas atribuições mais elementares da atual interface gráfica.

21

Ferramentas de busca, lojas, portais de entretenimento, feiras livres. A grande maioria dos sites segue um padrão visual com topo, marca situada na parte superior, campo para procura, muito conteúdo distribuído pela página e organizado em colunas, entre muitas outras características.

Fator contundente desta padronização é a presença determinante dos softwares

que permitem este acesso — os browsers. Usados para carregar a maioria desses sites,

são extremamente modeladores, têm grande influência na determinação dos atributos do

conteúdo, podendo se sobressair, inclusive, frente a ele. Essa característica modeladora

não é de fato o problema, é mais uma constatação como observou Manovich (2001:65),

mas as referências culturais usadas na definição das interfaces destes programas não são

as mais adequadas à demanda desta nova cultura e podem servir de barreira para novas

idéias. Por exemplo, a linearidade imposta com os comandos de avançar e retroceder às

páginas, como se faz em um livro, ou a própria idéia de página já embutem na

22

navegação digital conceitos utilizados na mídia impressa, limitando-a a determinadas

formas de leitura. A informação vem formatada de maneira inadequada, como

amplamente questionado por Lev Manovich (2001) e Giselle Beiguelman (2003).

Não é à toa que a busca por outras soluções, como softwares próprios para

determinadas atividades, já estejam funcionando em larga escala. Softwares como os

p2p — ponto a ponto — utilizados para a troca de arquivos, e os comunicadores —

ICQ9, Microsoft Messenger10, Google Talk11, Skype12 — são exemplos que mostram

que uma rede digital ativa, onde ações socioeconômicas possam ser desempenhadas,

está crescendo e tornando viável o desenvolvimento de novas soluções de interface.

Entretanto, esta herança cultural deve ser entendida como um processo natural.

No momento em que a nova tecnologia foi incorporada à sociedade, esta atribuiu-lhe

significados referentes aos conteúdos culturais pré-existentes. Mesmo porque no

momento em que estas atribuições foram dadas não havia pistas de que pudessem ser

usadas da forma que são hoje.

É esta a idéia apontada por Jay David Bolter e Richard Grusin em seu livro

Remediation (2000). Seria no momento de competição, de remontagem, de co-

existência entre antigas e novas formas culturais, que as novas mídias visuais atingiriam

sua significância cultural. Esta constatação é relevante, pois para mudar a forma de

apresentação das atuais interfaces é interessante, a priori, saber o que as levou a possuir

tais características. Contudo, não pode ser usada como uma justificativa para o fraco

aproveitamento do aparato digital.

Quanto mais as ações socioeconômicas forem realizadas através de sistemas

digitais, mais precisão e controle na manipulação da informação serão necessários. O

controle mais rigoroso permite não apenas uma interação mais rápida com a

informação, mas formas de interação que antes não eram possíveis.

É necessário também que a informação esteja disponível de forma ubíqua,

onipresente, e exemplos assim são mais próximos, como a possibilidade de conexão à

internet através dos aparelhos celulares e as redes sem fio — wireless — conectadas,

também, à internet.

9 http://www.icq.com/ 10 http://messenger.msn.com/ 11 http://www.google.com/talk/ 12 http://www.skype.com/

23

Porém, essa grande massa de informação pouco definida parece estar presente

em elementos mais básicos que os sites, afinal a própria internet parece ser um grande

mistério. A concepção popular sobre internet não dá conta da sua materialização, o que

abre espaço para mal-entendidos. Como enfatiza Eugene Thacker em seu prefácio para

o livro Protocol: how control exists before descentralization, de Alexander Galloway

(2004):

“As redes (…) podem envolver informação como uma entidade imaterial, mas

esta informação sempre trabalha em direção a efeitos e transformações reais. Assim, de

um importante modo, redes não são metáforas. A metáfora da rede induz ao erro, é

limitante. (…) Com a metáfora da rede, é possível apenas ver algo nebuloso chamado

‘informação’ que misteriosamente existe em uma igualmente nebulosa coisa chamada

ciberespaço ou internet” (Galloway, 2004:xiv).

A descrição detalhada que Galloway faz sobre a rede, na sua estrutura e nas suas

regras, nos capítulos iniciais de Protocol deixa claro que a rede é tão física quanto seus

efeitos.

Se a disseminação mundial de computadores ocorreu na década de 80, na década

seguinte apenas tiveram o trabalho de conectá-los. A rede consiste de inúmeros

computadores conectados, um acessando informação do outro. Porém, a idéia de um

espaço nebuloso ainda é muito forte. Algumas expressões parecem transmitir a idéia de

que a internet é um local metafísico, de onde é possível, por exemplo, baixar arquivos,

mesmo não entendendo que tal arquivo ainda não saiu da internet. Seria similar se há 20

anos as pessoas baixassem uma música da rádio direto para uma fita cassete.

Portanto, se não há o entendimento disseminado de que um site está armazenado

em um outro computador, não importando sua localização física — e não em um local

misterioso —, se não há o entendimento de que a internet e qualquer rede de

computador não é algo desconhecido, fica mais complicado haver um entendimento

sobre os efeitos reais deste contexto e conseqüentemente mais obstáculos para o

entendimento destas novas culturas que se erguem.

24

Se não há o esclarecimento do contexto em que a sociedade constrói suas novas

formas de relacionamento, fica mais complexo para ela determinar o modo como quer

fazê-lo.

1.4 A digitalização dos instrumentos e da comunicação

A primeira maneira de interpretar este contexto é observando dois grandes

eventos que o estruturaram e que, apesar de terem emergido em momentos distintos, são

imbricados e usualmente interpretados como a mesma entidade. O primeiro é a forte

presença da linguagem digital — presente em diversos aparatos em substituição a outros

mecânicos e analógicos —, que teve sua disseminação através do computador pessoal,

como dito anteriormente, a partir da década de 1980. O segundo é a rede criada a partir

da conexão entre parte destes computadores na década seguinte.

Entender como ambos se desenvolveram gera uma boa base para compreender

melhor este contexto e para a discussão acerca das interfaces digitais. Como coloca

Manovich (2001:69):

“No início da década [1990], o computador era amplamente compreendido

como uma simulação de máquina de escrever, pincel ou régua para desenho, ou seja,

uma ferramenta usada na produção de conteúdo cultural que, uma vez criado, seria

armazenado e distribuído na mídia apropriada — página impressa, filmes, impressão

fotográfica, gravação eletrônica. No fim da década, com o uso comum da internet, a

imagem popular do computador não era mais apenas de uma ferramenta, mas também

de uma máquina de mídia universal, que poderia ser usada não apenas para criar, mas

para armazenar, distribuir e acessar todas as mídias.”

Manovich aponta claramente que o computador teve sua identidade alterada

durante a década de 90, sendo, antes, aproveitado exclusivamente pelo seu potencial

digital e posteriormente, também, como um meio de comunicação. A importância de

entender estes dois eventos se dá na análise de suas conseqüências, pois, mais que saber

quais são suas formas atuais, é importante compreender como essas formas evoluíram.

25

É possível tornar este contexto mais claro entendendo, por exemplo, o recorte de

como evoluíram a produção e distribuição de programas televisivos. Em meados do

século passado, ambas — produção e distribuição — eram restritas a governos ou

grandes corporações que detinham poder econômico para tal. A infra-estrutura

necessária para a produção de um conteúdo cultural como os programas televisivos,

câmeras, instrumentos para a iluminação, ilhas de edição, entre outros, eram muito

caros, assim como as gigantes antenas usadas na difusão do sinal. Entretanto, com o

advento da linguagem digital e com o crescente número de aparatos eletrônicos

incorporados à sociedade, não apenas a disseminação da técnica usada para manusear

estes aparatos foi ampliada como os preços dos aparatos caíram vertiginosamente.

Não é segredo que as novas técnicas e tecnologias permitem a redução de custos

de produção, fabricação, criação em geral. Para se ter uma idéia genérica, um aparelho

de televisão que custava na primeira metade do século passado aproximadamente US$

7.000,00 chega a custar hoje menos de US$ 50,00; e um aparelho de DVD, que há

pouco mais de 10 anos nem existia no mercado e que custava, 5 anos atrás, mais de US$

300,00, hoje pode custar menos de US$ 50,00.

Com os custos mais baixos e um maior número de adeptos, câmeras digitais,

softwares simulando uma ilha de edição e toda uma gama de aparatos digitais está mais

acessível à sociedade. Esse movimento possibilita, também, que mais corporações e

grupos menores possam arcar com os custos de uma produção e conseqüentemente uma

maior variedade de programas começa a ser produzida. Porém, num primeiro momento

esses novos produtores de conteúdo ainda dependiam das grandes emissoras para

transmitirem e divulgarem suas criações.

O que se seguiu pode ser observado com o crescimento das redes de televisão

fechada e com o aumento de canais disponíveis. Não que as redes de televisão aberta

tenham acabado — assim como o livro e o rádio mantiveram suas tradicionais formas

de distribuição — mas a produção deixa de ser centralizada como antes e programas

começam a ser produzidos também de forma independente. A distribuição, entretanto,

prosseguia muito cara. Essas redes criadas na década de 1940 ainda estavam sob

controle das ‘mesmas’ corporações. Assim, a redução dos custos exigiu uma

transformação das grandes emissoras — que também marcaram presença neste novo

cenário —, mas os fatos mais relevantes foram que a tecnologia foi disseminada, seu

custo baixou e mais fontes de informação, principalmente aquelas independentes das

26

tradicionais, passaram a produzir conteúdo. É claro também que a edição de todo este

conteúdo que era produzido e transmitido ainda estava a cargo de quem detinha aparato

para tal, no caso, ainda as grandes corporações, mantendo sob seu controle o que era

divulgado.

O preço de produção de conteúdo, entretanto, continuou caindo, proporcionando

a uma parcela ainda maior da sociedade a elaboração deste tipo de realização cultural.

Isto se deu, em grande parte, pelo início da difusão do computador pessoal e a

potencialidade instrumental que ele proporcionava. Se apenas estúdios profissionais

podiam antes possuir a infra-estrutura para editar uma imagem, com o computador

pessoal essa potencialidade foi levada a muitas pessoas. “Há informação demais no ar,

há mensagens demais armazenadas nos suportes eletrônicos e tudo isso se torna cada

vez mais disponível a um leque cada vez maior de pessoas”, comenta Arlindo Machado

(2001).

Porém, como o próprio Manovich afirma, a forma de distribuição desta produção

ainda usava outras mídias tradicionais. Por mais que a música tenha passado a ser

produzida com a utilização da linguagem digital, por mais que livros, revistas e jornais

tenham passado a ser diagramados, e muitas vezes criados, em programas de editoração

digitais, eles ainda eram distribuídos sob formas tradicionais — livros e CDs — que

exigem custos elevados. Por mais que tenha aumentado o número de canais geradores

de conteúdo, desde o barato JackAss até produções mais abastadas, especialmente

aquelas sob muito investimento de grandes produtoras como a Fox e a Warner, por

exemplo, sua distribuição ainda demandava muito investimento.

Com o crescimento da internet esse quadro sofreu outra grande transformação. A

comunicação vertical do modelo funcionalista, tal como a conhecemos desde o início do

século passado, foi e está sendo afetada por uma comunicação organizada em redes,

baseada na descentralização da informação. Enquanto o modelo funcionalista, ainda

hegemônico, opera em função de um emissor e n receptores —, uma emissora de

televisão define seu conteúdo, sua forma de apresentação e coloca à disposição seu sinal

para que as pessoas possam acessá-lo —, o modelo de organização baseado em uma

trama de personagens, permite que todos tenham a possibilidade de desempenhar tanto

o papel do emissor quanto o do receptor. A distribuição já não é mais uma barreira. O

custo para transmitir um conteúdo cultural televisivo já não é um limitante. A tecnologia

27

de transpor o espaço físico, se comunicando através de ondas, estava acessível a uma

grande parte da sociedade.

Essa forma de organização é possível graças ao modo pelo qual a comunicação

entre computadores foi desenhada: qualquer computador conectado à rede pode acessar

qualquer outro também conectado. Dessa trama resulta uma relação não-hierárquica

(Galloway, 2004), cujos nós — cada ponto da rede cada computador — possuem as

mesmas características e potencialidades. Tal descrição possibilita que as pessoas

devidamente conectadas — e não é distante a idéia que uma grande parte delas

efetivamente esteja — possam comunicar, acessar, transmitir e trocar informações com

outras pessoas, ou seja, produzirem e distribuírem seus próprios conteúdos culturais.

A partir deste quadro, é possível entender a importância que as interfaces

culturais têm de possibilitar que as pessoas tenham fácil acesso à produção e

distribuição de cultura. Não adianta apenas ter uma tecnologia disponível a um baixo

custo e não estar apto tecnicamente para aproveitá-la. Blogs, Fotoblogs, Fóruns, Orkut,

etc. Hoje, há uma série de ferramentas que possibilitam este tipo de função, mas além de

entraves na própria interface, algumas barreiras externas fazem uma grande pressão

contra esse movimento. Afinal, que grande corporação ou governo quer perder controle

do conteúdo cultural e informacional amplamente divulgado? Que grande corporação ou

governo quer abrir mão de um forte canal de formação de opinião?

Outra situação que envolve a digitalização da produção cultural e sua

distribuição está ocorrendo com a indústria fonográfica. Com a digitalização e o

conseqüente barateamento do aparato tecnológico, a realização de um produto musical

deixou de ser restrito aos grandes conglomerados desta indústria. Pequenos selos

começaram a gravar o conteúdo musical em formato digital mas, apesar de ganhar

importância no seu cenário, ainda eram dependentes das grandes corporações que

investiam pesado na divulgação e na distribuição dos produtos.

Esta estrutura parecia estável até surgir, através da internet, os chamados

softwares p2p — ponto a ponto —, com seu primeiro representante de peso, o Napster.

Esses softwares permitem, através de uma rede específica, a troca direta de arquivos

digitais, incluindo os de áudio, isto é, funcionam como um canal gratuito para a

obtenção de uma música. Bem mais ‘leves’ que os dos programas televisivos, estes

arquivos começaram a ser trocados entre as pessoas causando um grande problema para

a indústria fonográfica que começou a se movimentar.

28

A guerra travada em cima da aquisição gratuita de músicas parece longe de um

fim, mas já dá amostras do que pode ocorrer. Redes de distribuição livre de músicas são

perseguidas, softwares são recolhidos ou até comprados pelas grandes corporações na

tentativa de conter este movimento, porém, novas redes e softwares surgem mais rápido

que sua proibição ou compra. Diversas batalhas judiciais, algumas inclusive com a

ingênua intenção de prejudicar quem adquire as músicas, resultou, entre outros, no

manifesto publicado em janeiro de 2005 na revista semanal francesa "Le Nouvel

Observateur", no qual vários artistas tomaram partido a favor da pirataria e da discussão

aberta sobre esta problemática.

Liberem @música! No momento em que dezenas de internautas serão julgados

por terem baixado arquivos musicais em programas p2p, nós denunciamos essa política

repressiva e desproporcional, da qual são vítimas alguns bodes expiatórios. Assim como

oito milhões de franceses, pelo menos, nós também, um dia, já baixamos uma música e

somos, portanto, delinqüentes em potencial. Pedimos que esses processos absurdos

sejam interrompidos. Propomos a abertura de um amplo debate público, envolvendo o

governo, todos os representantes da indústria musical, todos os artistas, com o intuito de

obtermos uma melhor defesa dos direitos autorais, e também os consumidores, para

juntos encontrarmos respostas justas e, sobretudo, adaptadas à nossa época.

Uma rede, pessoas pondo à disposição seus arquivos e uma interface capaz de

procurá-los sem a necessidade de deslocamento físico até uma loja para adquiri-los —

em troca de dinheiro —, ou mesmo comprar através da internet e esperar o produto ser

distribuído em um CD. Com uma nova forma de distribuição, estes arquivos são

diretamente difundidos. Todos estes elementos estão proporcionando, talvez, o início de

uma transformação de mentalidade da sociedade para as potencialidades do contexto

digital e em rede. Um movimento que não ficará restrito aos arquivos musicais e que já

incomodam a indústria do cinema, a indústria do videogame, de softwares e todas

aquelas que têm seu conteúdo digitalizado.

Em artigo publicado por Daniel Cohen em 29 de março de 200513, no jornal

francês Le Monde, o assunto é colocado de forma intrigante. “De um ponto de vista

estritamente financeiro, o debate parece claro: ao piratear arquivos musicais o usuário

13 Traduzido e editado em http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2005/03/29/ult580u1476.jhtm

29

está evitando pagar por um produto, o que onera e ameaça a indústria do disco, em

primeiro lugar, e prejudica por tabela os artistas e a criação musical como um todo.”

Porém o autor pondera:

“De fato, o papel das ‘majors’ [grandes corporações] é bastante ambíguo. Elas

gastam certamente bastante dinheiro com o objetivo de promover a divulgação dos

artistas, mas, em grande parte, são as suas despesas com esta atividade que contribuem

para a inflação das tarifas de promoção, inflação esta que tem por efeito, entre outros,

de excluir os selos independentes. [...] Defender as ‘majors’ em nome das despesas de

promoção que elas efetuam equivale, de certa forma, a defender os grandes canais de

televisão em nome da idéia de que somente eles podem pagar pelos direitos de

retransmissão das partidas de futebol, esquecendo-se na passagem de que eles são os

principais responsáveis pela inflação que pesa sobre esses direitos.”

É um problema cada vez mais freqüente a tecnologia alcançar um âmbito

popular e alterar o funcionamento de algumas atividades sociais, algo que pode também

ser encontrado no antigo embate entre os direitos autorais das publicações impressas e a

possibilidade de serem multiplicadas por máquina fotocopiadora, sem o pagamento dos

devidos créditos. Recentemente, em universidades brasileiras, as cópias de textos

usados em sala de aula foram proibidas, incluindo aquelas as quais a instituição não

possuía em acervo, ou até mesmo aquelas que raramente são encontradas em um acervo.

É possível compreender que os entraves para uma absorção desta nova cultura

estão enraizados em diversas camadas da sociedade. Não são apenas questões culturais,

mas econômicas, políticas, sociais, filosóficas, etc., e que, por isso, as mudanças serão

gradativas, demandando um bom trabalho de divulgação científica e desmistificação de

alguns conceitos, e que tem como um dos principais meios a interface digital.

Um fato interessante que ilustra este período de transição é o espanto de Ted

Nelson e George Landow ao se depararem com uma série de cópias de filmes, softwares

e videogames nos polêmicos, populares e importantes shoppings de São Paulo. Como

se, para a sua cultura — e fica nítida a diferença —, a presença da pirataria significasse

muito mais um crime do que um reflexo econômico14.

14 Não convém entrar neste mérito no trabalho, mas a questão da pirataria não é restrita nem teve início com a digitalização de parte do conteúdo cultural. Hoje, e de maneira contundente como muitas outras potências o fizeram no passado, a China — que não atende à lei internacional de patentes — fortalece este movimento. Empresas, como a Reebok, que não possuem fabricação própria, contratam empresas na China, uma vez que o preço para a produção — devido, inclusive, ao preço da mão-de-obra — para a

30

É nítido que uma mudança de concepção está em movimento, e esta está se

mostrando tão densa que parece inviável tentar contê-la. É mais factível um bom

entendimento crítico.

1.5 Uma questão de autoria

Envolta a uma imensidade de informação disponível na rede e às idéias

equivocadas sobre ela, vem à tona outra série de conceitos. Há aqueles que considerem

este movimento como o início de uma nova ordem mundial, onde as estruturas sociais

possam, finalmente, chegar a uma situação ideal, como há aqueles que anunciam o fim

dos tempos e o domínio das máquinas.

Criar um modelo de comunicação que trabalha com a produção cultural de forma

unificada, ou seja, trocar, através da internet, informações no formato digital, não vai

mudar diretamente a ordem básica da sociedade. A presença da rede e de uma

comunicação horizontal não acabará necessariamente com grandes empresas de

comunicação em massa, nem fará com que pessoas comuns tenham o mesmo potencial

de divulgação que grandes empresas. O portal da Folha de S. Paulo continuará

funcionando como uma mídia de massa e o blog de um profissional liberal continuará

tendo seus objetivos bem menos ambiciosos. Não será a tecnologia que proporcionará

uma mudança tão drástica. Não é por, simplesmente, estar em rede que o tornará

acessível a todos15.

Muitas discussões, entretanto, trazem à tona mais interpretações equivocadas

sobre a internet e suas características, quadro que gera certo desconforto na sua

adaptação e incorporação. “A ignorância sobre a radicalidade das transformações com

fabricação de seus produtos é muito mais barato que nos EUA. Uma vez na China, em uma fábrica que não é da Reebok, em um país que não atende às leis de patente, parte da produção é vendida sem intermediação da própria Reebok e distribuída ao mundo todo, inclusive em shoppings especializados de São Paulo. 15 Não cabe aqui, também, discutir como se dará essa mudança no lado econômico, mas se as grandes corporações e governos ‘perderam’ parte do controle sobre a produção e sobre a distribuição, uma nova forma de fazê-lo já está surgindo. Em um contexto repleto de pessoas aptas para produzir e distribuir conteúdo cultural, uma grande questão se encontra no método utilizado para que estas informações possam ser encontradas; não é à toa que o Google cresce de forma assustadora.

31

que nos defrontamos hoje é o atestado de nossa miséria epistemológica” (Beiguelman,

2005:57).

Temas como a credibilidade da informação, que carrega consigo a questão da

autoria, levantam questionamentos que não são apropriados ao atual contexto e que

acabam — naturalmente — criando mais barreiras para essa incorporação. Dependendo

dos objetivos e da cultura pré-existente, não saber a procedência nem mesmo a

veracidade de uma informação pode ser um tanto quanto preocupante. Da mesma forma

que Monteiro Lobato, um dos primeiros adeptos da máquina de escrever, teve um

trabalho recusado por não se ter a garantia de que o texto fora escrito por ele mesmo,

afinal sua caligrafia não estava presente. Cabe às pessoas, entretanto, traduzir este

contexto de forma adequada e entender quais as formas coerentes de adaptação e

integração. Entender e interagir com os aspectos destas novas formas culturais para

recriá-los de maneira diferente.

“É espantoso. E esse espanto nos leva a uma conclusão e um alerta. No que diz

respeito aos aspectos conclusivos, revela o vazio da discussão que pretende preservar a

autoria pela manutenção do vínculo entre um nome próprio e sua obra.

No que tange aos alertas, mostra o quanto são infundados os temores de

submergirmos em um oceano de informações que invadem telas e e-mails, de forma

anárquica e sem chancela de veículos autorizados.” (Beiguelman, 2005:57)

Vale ressaltar que o anonimato e a veracidade das informações não são aspectos

exclusivos dos processos que ocorrem através da internet. O anonimato é um recurso de

comunicação e está presente em cartas, livros, conversas, etc. Lidamos com ele o tempo

todo, sem ser necessariamente um entrave na comunicação.

O anonimato associado a uma falta de confiança é, para uma grande maioria —

se não quase uma totalidade — um fator de difícil controle. É claro que esta falta de

credibilidade se apresenta em diversas intensidades, desde fofocas colocadas em um

blog longínquo, como — ou principalmente — as informações noticiadas sob a

chancela de grandes corporações de comunicação. Afinal, qual a credibilidade da

informação gerada pela CNN durante a guerra do Golfo? Qual a credibilidade da

informação passada pelos telejornais da Rede Globo? Qual a credibilidade da

32

informação passada em programas como Tarde Quente do “humorista” João Kleber na

Rede TV — que inclusive foi suspenso por conter conteúdo de baixa qualidade16.

Não são, entretanto, apenas os pequenos e pouco ambiciosos e os grandes grupos

de comunicação que têm, hoje, sua credibilidade em jogo como da forma discutida por

Orson Welles em Citizen Kane (1941) e sua “edição brasileira” Beyond Citizen Kane

(1993)17 18. Jogar com a credibilidade também foi uma prática utilizada, entre outros,

por escritores como Daniel Defoe em 1719 com seu clássico Robson Crusoé e mais

atualmente por Dan Brown em O código da Vinci. Nestes casos, o recurso foi

propositalmente utilizado parar gerar dúvida no leitor para o fato de que a história

contada poderia ser real e não ficção, isto é, fazendo parte da construção da narrativa.

O que a internet propicia, aparentemente, é um número de informações

surpreendentemente maior do que outras formas tradicionais. A dificuldade de

entendimento está atrelada justamente à grande quantidade de informação, pois, ao

passo que — simplificando — aumenta o número de inverdades, aumenta também o de

verdades. Não há nada intrínseco na estrutura e concepção das redes de informação

como a internet que as tornem proporcionalmente menos confiáveis que outras formas

mais tradicionais; mesmo na internet, a Folha de S. Paulo mantém, sob a chancela de

sua marca, um conteúdo “confiável”.

As conseqüências do fato de uma pessoa ter acesso a uma informação sem saber

seu autor e sua credibilidade — por mais que não sejam o ponto central — são outras

barreiras para a incorporação das práticas digitais e de rede na sociedade.

Ainda, junto da questão do anonimato, há muito esforço voltado para a discussão

da autoria. Afinal, ter informações equivocadas sobre um assunto específico pode ser

pior que não tê-las. Quem discutiu com muito sucesso sobre o tema foi Cícero Inácio da

16 Não é intenção deste trabalho generalizar sobre a produção destas emissoras, mas não dialogar com seu conteúdo e não filtrar determinadas informações pode ser um equívoco. 17 Beyond Citizen Kane, ou Muito além do Cidadão Kane (br), é um documentário de Simon Hartog produzido em 1993. O filme, que conta a história da Rede Globo de Televisão, foi proibido no Brasil desde 1994 graças a uma ação judicial efetuada por Roberto Marinho. Atualmente existem poucas cópias em circulação no Brasil. Foi produzido pela tv inglesa Channel Four. O documentário conta com a participação de alguns artistas, políticos, e especialistas como Chico Buarque, Leonel Brizola e Washington Olivetto. O documentário jamais esteve no circuito de cinemas brasileiros e a exibição que ocorreria no Museu de Arte Moderna-MAM, do Rio de Janeiro, foi proibida pelo, na época, presidente da República, Itamar Franco. http://pt.wikipedia.org/wiki/Beyond_Citizen_Kane18 Não cabe aqui discutir o que move essa falta de credibilidade e em quais situações não são meros equívocos, mas a questão é que essa prática é comum das formas de comunicação em geral.

33

Silva com seu desconcertante projeto Assina: do texto ao contexto19, apresentado no

FILE 2003 (Festival Internacional de Linguagem Eletrônica). Seu projeto pretende, a

partir de alguns exemplos práticos, demonstrar como os limites da autoria ficam

rompidos neste novo contexto cultural, preocupando-se com a visão do receptor, que

tem uma infinidade de dados apresentados a partir dos inúmeros e recentes produtores e

difusores de conteúdo cultural.

A idéia parece simples: gerar textos automáticos, com pouco sentido, colocá-los

como obra de grandes personalidades como Platão, Pierre Levy, Michel Foucault, Gilles

Deleuze e investigar os rastros dos autores que os utilizam, a partir de buscas na

internet, rastreando os usos que os leitores fizeram desses textos. O resultado é

interessante: por mais que em todos os textos houvesse um texto — este coerente —

revelando toda a brincadeira, as pessoas que os usaram não se preocuparam muito em

lê-lo.

A importância deste trabalho se deve, em muito, pela discussão de uma

problemática inserida neste contexto em rede — regulamentada por protocolos de

comunicação entre os computadores — e não se esquivando dele.

Como argumenta Galloway (2004:17):

“Cada novo diagrama, cada nova tecnologia, cada nova forma de administração

é uma melhoria dos seus precedentes e contém um ‘germe’ que precisa crescer e

adquirir formas maiores. Não estou sugerindo que as pessoas precisam aprender a amar

os aparatos de controle, mas, ao contrário, com todos os seus problemas, o controle

protocológico ainda é uma melhoria perante outros métodos de controle social. Eu

espero mostrar neste livro que é através do protocolo que alguém deve obter conquistas,

e não contra ele.”

Seguindo esta mesma linha, Giselle Beiguelman (2005:58) coloca um ponto de

exclamação no assunto:

“É essa chamada que está implícita nos recursos de acesso à informação que

pautam nossa contemporaneidade. Recusá-la é iludir-se com a possibilidade de negar o

presente. Ignorá-la é mais perverso. Significa aderir ao ridículo da citação

inconseqüente e ao escândalo do valor do nome como marca.” 19 http://www.pucsp.br/~cicero/assina/

34

1.6 O contexto é físico, a rede é física

Em 2005, comemorou-se o ano mundial da física, não apenas em homenagem

aos 100 anos das descobertas de Einstein, mas, principalmente, para seus conceitos

serem divulgados e aplicados em outras escalas da ciência.

“… em 1905, Albert Einstein publicou diversos artigos científicos que

influenciaram profundamente o entendimento do universo. Ele introduziu idéias

totalmente revolucionárias em questões fundamentais, incluindo a existência de átomos,

a natureza da luz e os conceitos de espaço, energia e matéria. O objetivo do Ano

Internacional vai além da mera celebração de uma das mais brilhantes mentes da física

no século XX. O Ano fornecerá uma oportunidade para a maior audiência possível

compreender o progresso e a importância do grande campo da ciência.

Este Ano deve, também, ser a ocasião para o início de futuros debates sobre a

grande necessidade de pesquisas científicas no século XXI. Os debates devem também

se relacionar com a questão social, que acompanha a prática da física em geral e da

física em particular”20.

Naturalmente não foi Einstein quem inventou o laser, o leitor de CDs, a fibra

ótica, mas 100 anos após as primeiras publicações de seus trabalhos, seja através da

quântica, seja através da Teoria da Relatividade, é possível encontrar seus reflexos na

sociedade, tanto pela presença dos computadores, de aparatos como os citados acima e

por materiais como os supercondutores e semicondutores — os semicondutores são a

base da tecnologia dos chips dos computadores atuais —, como pela presença das redes

que os conectam.

Se a relatividade do tempo não se mostrou, como anunciaram diversas histórias

— livros, filmes —, como a idéia de viagens na velocidade da luz que possibilitassem

um percurso através do tempo, hoje pode ser observada de forma mais simples, por

exemplo, na velocidade em que o homem acessa a informação com um controle do

tempo muito mais eficaz que em tempos atrás. Se em meados do milênio passado

demorava meses para uma notícia da América atravessar o Atlântico e chegar na 20 http://www.un.org/News/Press/docs/2004/ga10243.doc.htm

35

Europa, em 2005 a notícia da morte do papa chegou por aqui antes mesmo de ter

realmente ocorrido.

Esta nova forma de entender a matéria que os novos conceitos da física

possibilitavam começou a se embrenhar por outras áreas do conhecimento. E quem,

posteriormente, entrou em contato com os desenvolvimentos da Teoria da Relatividade

e da Quântica foi o matemático inglês Alan Turing convivendo não apenas com

Einstein, mas com outras diversas personalidades do mundo científico — Max Born,

Paul Dirac, Schrödinger. Depois de realizar trabalhos relacionados com a Teoria das

Probabilidades, Turing criou uma máquina capaz de processar informação em dígitos

binários — bits. Essa máquina, a qual levou seu nome, era capaz, teoricamente, de

calcular qualquer equação existente, possibilitava um grande poder de representação e

pode ser entendida como o precedente do computador.

Assim, associando as potencialidades físicas de se trabalhar em uma escala não

antes manipulável e inteligível somada à capacidade de representação do código binário,

tem-se uma máquina ou ferramenta que pode representar — contanto que possa ser

descrita matematicamente — qualquer atividade real da escala humana. Porque a

capacidade de representação da linguagem digital caminha no sentido de simular

situações cotidianas “enganando” os nossos sentidos, isto é, trabalhando em cima de seu

funcionamento.

O que temos hoje com a internet e as redes de computadores é fruto destes

estudos. Um contexto repleto de máquinas de representação interconectadas, rompendo

com a barreira física da matéria, do tempo e do espaço. Um contexto que permite que

pessoas possam se comunicar e gerar laços sociais, independentemente do espaço

geográfico.

É exatamente neste ponto que se encontra o embrião de uma nova interface. Este

novo contexto, com novas concepções, como define Antonio Negri, como um mundo

“globalizado, organizado em redes que integram produção e circulação [,] cada vez mais

baseado na produção de conhecimento”21, é estruturado em cima da linguagem digital,

da presença cada vez maior de aparatos digitais e de sistemas digitais que permitem que

não só sejam possíveis a prática de diversas atividades sociais e econômicas realizadas

na escala humana, como a prática de novas atividades não antes possíveis. 21 “Bolsa-Família é embrião da renda universal“ texto de Antonio Negri E Giuseppe Cocco, publicado na Folha de S. Paulo, 5 de janeiro de 2006. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0501200610.htm

36

É difícil conceber uma empresa ter sua sede em Nova Iorque, com a fabricação

de seus produtos em Hong Kong e distribuição por todo o planeta sem que haja

componentes eletrônicos e computacionais envolvidos na comunicação entre as partes.

Se o computador — linguagem digital — pode representar essas atividades sociais, a

ponta desta representação pode ser concentrada na interface. A interface faz a tradução

final do código binário, passando por toda uma hierarquia de códigos, para, enfim,

representá-las na tela e no som do computador.

Se Lev Manovich definiu em 2001 que interfaces culturais são aquelas que

determinam a forma com a qual os computadores apresentam e possibilitam a interação

com dados culturais, hoje já é possível dizer que, mais que permitir a interação com

dados culturais, através delas é possível a realização de práticas sociais. E é neste

contexto que uma nova interface tem de ser pensada, não como a ponta de uma rede de

computadores, mas uma rede de pessoas em ação.

“Os killer apps22 da indústria da informação/comunicação do futuro não serão

dispositivos ou programas computacionais, mas práticas sociais.” (Rheingold, 2003:xii)

1.7 Internet não é papel, internet não é site, internet não é browser

É inteligível que conhecimentos tão recentes que trabalham com novos aspectos

da matéria não sejam facilmente interpretados pela sociedade de formas desprendidas da

quais conhecemos e estamos acostumados em nossa cultura. Um novo objeto, um novo

conceito vem sempre pautado de referências pré-existentes em nosso conhecimento.

Nossa interpretação, isto é, o resultado de todo o processo de percepção de um novo

elemento, referencia-o para poder compreendê-lo.

“A incorporação do ‘conhecimento’ no processo perceptual nos permite distinguir dois

diferentes tipos de percepção. Processos que começam com informação captada por

nossos receptores — sistema visual, auditivo, etc. — são chamados de bottom-up. Mas

22 Killer apps, abreviação de killer aplication, se refere a programas computacionais tão relevantes que as pessoas possam comprar um aparato digital apenas para usá-lo.

37

a presença do ‘conhecimento’ (...) nos indica que o cérebro não é um computador vazio

esperando receber informações. Processos que começam considerando os efeitos do

‘conhecimento’ que uma pessoa carrega consigo são chamados de top-down. (...) [O

processo de] percepção freqüentemente envolve ambos os processos.” (Goldstein,

2001:8)

A colocação de Bolter e Grusin em seu livro Remediation (2000), que o processo

de remodelação das mídias visuais é constituído de um diálogo entre novas e antigas

formas culturais, é uma analogia à percepção. Não será de um dia para outro que novas

tradições culturais irão se estabelecer, pelo contrário, é no embate com a pintura,

fotografia, televisão que elas se fortalecerão. O processo de percepção destas novas

tradições culturais necessita de novas informações e de referências anteriores para que

estes códigos sejam compreendidos. Porém, como já alertado anteriormente, este

diálogo tem de progredir de maneira a permitir que as novas tecnologias apresentem

potencial informacional mais amplo, que novas formas de interface possibilitem maior e

mais precisa interação com os dados. Não é apenas uma questão de adaptação. É um

processo de evolução da velocidade da informação. Processo que pretende alcançar uma

suposta ubiqüidade da informação.

Algumas formas culturais, entretanto, já estão em discussão e diálogo há mais de

uma década, e reflexos deste embate já são presentes. Exaustivamente colocado por

inúmeros teóricos, as tradições da mídia impressa e da mídia televisiva ainda possuem

forte influência sobre a linguagem digital. “É inegável que o livro impresso seja ainda a

referência central do universo da leitura on line” (Beiguelman, 2003:11). Parece que o

atual diálogo entre diferentes mídias persegue um caminho onde a linguagem digital

permitiria juntar em uma só forma de comunicação a liberdade temporal do impresso

com a convergência de imagens e sons em movimento do cinema.

A editora Magwerk tem nas suas publicações em rede — Encore,

Playmusicmagazine e Probe — um reflexo deste diálogo23. Por um lado são revistas

com o mesmo formato e diagramação das revistas impressas, com editorial e indicações

de rodapé. Para mudar de página “puxa-se a folha” seguinte da mesma forma que na

cultura impressa — uma representação fiel à nossa prática atual de leitura. Por outro

lado, a cada página, ilustrações e imagens estáticas ganham movimento, fotografias 23 http://www.magwerk.com

38

podem ser ampliadas e a presença de vídeos e jogos é também muito explorada.

Naturalmente, e com exceção da opinião dos mais radicais, uma revista com estes

recursos é bem mais informativa que uma revista impressa, pois agrega outras formas de

comunicação — desconsiderando o fato que é vista apenas no computador. Entretanto,

agregar estes conteúdos não significa necessariamente agregar seus formatos e aspectos.

Não basta apenas juntar as qualidades do material impresso com as qualidades do

cinema e da televisão. O potencial da linguagem digital é mais amplo. Um diálogo

crítico deve indicar quais características têm capacidade para explorar as possibilidades

presentes na representação da linguagem digital. Um diálogo não apenas entre pessoas,

mas entre as pessoas e através das interfaces/máquina. Uma troca de experiência que

seja capaz de gerar repertório crítico em torno da presença de outras tradições culturais.

O caminho não é simples, uma vez que, além de sites que simulam a forma de

leitura dos materiais impressos, o próprio browser também segue os mesmos padrões de

leitura como a linearidade dos botões de avançar e retroceder. Porém, não são apenas

essas referências culturais — mídia impressa e cinema — que estão funcionando como

barreiras para o desenvolvimento de interfaces. A própria idéia do browser já é, hoje,

paradoxal. De forma simples, se por um lado há um sistema operacional que regula as

formas de representação da informação de um computador — ou de alguns restritos a

uma rede fechada —, por outro, há o browser que regula as formas de representação da

informação de outros computadores conectados à internet. Ora, a quantidade de

informação acessada através do browser é muito maior do que a acessada através do

sistema operacional. É certo que o desenvolvimento dos sistemas operacionais vem

gradativamente possibilitando e facilitando a conexão das pessoas às redes, mas as

transformações precisam ser mais estruturais. Parece, hoje, haver uma clara troca de

papéis entre os browsers e os sistemas operacionais. Manovich apontou que, durante a

década de 90, o computador deixou de ser uma ferramenta, passou a funcionar como

uma máquina de mídia universal e que, em pouco tempo, será a principal forma de

comunicação e transmissão cultural (Manovich, 2001). E, de fato, nos últimos cinco

anos a internet passou a exercer ainda mais esta função comunicativa. O browser passou

a ter uma função extremamente importante na transmissão cultural, muito maior do que

suas características permitem. É um aparato limitado e a informação da rede não deve

ser regulada por ele.

39

“A associação corrente entre “browser” e navegador foi promovida pelos

programas mais comuns de utilização da Web (Netscape e Internet Explorer, por

exemplo) que quase transformaram a idéia de rede na idéia de uma grande biblioteca

oitocentista.” (Beiguelman, 2003:65)

Se a interface possui um grande poder de definição de modelos culturais, como

proferiu Manovich, é importante que ela o faça destacando funções que se adaptem não

mais ao seu antigo uso como simulação de algumas ferramentas, mas às atuais práticas

sociais em rede.Com o aumento do número de softwares que trabalham com

informações na rede — p2ps, ICQ, Skype, Yahoo Widgets24, Google Desktop25,

Hamachi26—, novas formas de interação com a informação na rede surgem.

Por trás, o Soulseek —peer to peer ou ponto-a-ponto — conecta dois computadores e coloca em rede determinados arquivos para qualquer pessoa. No centro, embaixo, está o ICQ, software de troca de mensagens textuais. Na esquerda, o Skype, software de mensagens instantâneas entre 24 http://widgets.yahoo.com/ 25 http://desktop.google.com/ 26 http://www.hamachi.cc/

40

duas ou mais pessoas. Trabalha com mensagens textuais e com a voz. Na direita, o Hamachi, software que cria uma rede e permite conexão direta entre dois ou mais computadores sem nenhuma configuração específica, como uma rede local. No alto à direita está o Yahoo Widgets, o relógio é sua versão mais simples. Parte deles se conecta à rede e busca informações específicas, como o tempo em Londres, uma câmera nas ruas de Nova Iorque, manchetes de importantes jornais, etc. E o Google Desktop que, após indexar um computador, passa a procurar qualquer informação desejada, seja nessa própria máquina, seja em outras através da internet.

Como plug-ins para os browsers, diversos aplicativos irão paulatinamente tornar

os sistemas operacionais aptos para uma grande interação externa. Não é, de fato, uma

inversão de papéis entre o browser e o sistema operacional que se mostra uma solução.

Na verdade, hoje pouco interessa a distinção entre os arquivos encontrados em

servidores e computadores conectados à rede e nos localizados no computador pessoal.

Hoje, os arquivos e informações encontrados pela internet são tão importantes quanto os

locais, pois o acesso a eles não é tão restrito como há uma década. As interfaces

precisam, cada vez mais, evidenciar estas informações e torná-las aptas para um uso

corriqueiro.

O mais importante é que diversas formas de acesso a informações remotas co-

existam. A essência do sucesso da navegação pelo browser não é a funcionalidade que o

software apresenta, mas sua capacidade de representar códigos universais como o html,

xml e outros que vão surgir. “Sua virtude não é diversidade, mas universalidade.”

(Galloway, 2004:76) Esta capacidade permite que o browser, ou qualquer outro

software que possibilite a leitura via http de um arquivo html, trabalhe como uma

plataforma única para diversos sistemas operacionais. Esta plataforma universal deve se

manter, mas as funções agregadas a ela não podem ser restritas aos plug-ins, ou seja, o

browser não pode, como colocou Giselle Beiguelman, ser o ícone da transmissão de

dados pela internet.

O browser tem de ser dissolvido. Seus plug-ins devem ganhar ‘status’ de

softwares — mais independentes dos atributos dos navegadores e mais complexos que

os plug-ins — e outros softwares devem ganhar a mesma importância do browser. A

internet não pode ser restrita a um site acessado via browser. A internet não se encerra

em informações alocadas em um servidor para serem acessadas como uma televisão,

cinema ou impresso. A internet tem de funcionar como uma rede distribuída, onde

sejam exaltadas formas de comunicação direta entre pessoas para que práticas sociais

possam existir representadas e simuladas pelos códigos.

41

Entretanto, para que este quadro seja possível, mudanças ainda maiores são

necessárias. Mudanças que extrapolam o poder de representação das interfaces gráficas.

Se a disseminação dos computadores pessoais, com início em meados da década de

1980, e a conexão entre eles, uma década depois, foram um dos grandes catalisadores da

internet, estes computadores ligados em rede começam, hoje, a ser interpretados como

um limitador. A internet possui a capacidade de dispor a informação de forma ubíqua,

onipresente, e práticas sociais acontecem a todo momento, e não apenas na frente dos

computadores. A partir do momento em que essas práticas se resolvam através do

computador, a rede, como já mencionado, precisa ser entendida como uma rede de

indivíduos e não uma rede de computadores.A mobilidade e flexibilidade dos aparatos e

suas interfaces culturais são essenciais para que a internet possa ser de fato parte

constituinte da sociedade. É certo que os aparelhos de telefonia digital a cada vez se

aproximam mais dos computadores, mas é preciso pensar além.

Em resumo, a computação, as telecomunicações e interfaces estão sendo

paulatinamente incorporadas a uma variedade de objetos e espaços e, em breve, será

comum deparar-se com um objeto inteligente, capaz de interagir com as pessoas, ou

mesmo que possibilite a interação entre pessoas. Da mesma maneira que, atualmente,

telas dinâmicas constituem uma pequena porcentagem de qualquer superfície em

qualquer espaço, um dia, qualquer superfície pode, potencialmente, funcionar como

uma tela conectada a uma rede27. Esse quadro colocado por Lev Manovich mostra que

num breve futuro as informações e os objetos ligados à rede serão representados não

apenas pelos dispositivos de interação hoje disseminados, mas por uma série de objetos

presentes no cotidiano de nossa escala — a Nissan, no salão de Detroit em 2004, lançou

um automóvel cujo teto funcionava, por inteiro, como uma tela28. Portanto, pensar em

interfaces não pode estar restrito ao pensamento direcionado ao atual computador, e sim

a uma infinidade de objetos/aparatos que permearão nosso cotidiano e que terão

influência fundamental em nossa forma de se comunicar. Objetos que hoje, apesar de

distante da grande maioria da sociedade, terão suas raízes atreladas ao desenvolvimento

atual das interfaces.

27 Lev Manovich (Interview) Cluster Magazine 3-2004 p.32. 28 Lev Manovich (Interview) Cluster Magazine 3-2004 p.33.

42

2 Organização da informação em interfaces gráficas

A realização de práticas sociais através da rede é um dos objetivos do próximo

estágio no desenvolvimento de interfaces. Crescendo sob o rótulo Web 2.0, esta fase

será marcada por novas formas de se pensar a rede e de pensar em rede. Não se trata,

entretanto, de uma nova versão da internet, como o rótulo pode deixar parecer. De fato,

usam-se as mesmas técnicas já utilizadas, porém, agora, com uma metodologia

diferente. Enfim, mais importante que a nomenclatura é o que de fato pode acontecer e

como as interfaces se envolvem com esta evolução. Muitos dos conceitos atrelados a

esta nova fase — social bookmarks, tagging, RSS, playlists29 — estão ligados à

organização e disponibilidade da informação. Esta é a palavra de ordem do início do

século XXI.

A priori, em uma época marcada pela crescente produção de conhecimento e

pela organização da sociedade e sua produção em redes, este movimento tem como

objetivo tornar todas estas informações identificáveis, assimiláveis e claras. As

inúmeras possibilidades de acesso à informação criaram o dilema da seleção do que é

relevante às pessoas. Um processo desafiador que a cada momento se depara com uma

quantidade ainda maior de informação e que, além de organizá-la, torna-a apta para ser

manipulada, editada.

“O dramático crescimento na quantidade de informação, fortemente acelerada

pela internet, vem acompanhado de um outro desenvolvimento fundamental [,] (…) —

um processo de transformações aonde a informação e mídia que organizamos e

trocamos podem ser recombinadas e reconstruídas para gerar novas formas, conceitos,

idéias, mashups e serviços” (Manovich, 2005).

29 Estes são alguns exemplos citados por Manovich, em Remixability (Manovich, 2005). Social bookmarks é o ato de colocar à disposição seus bookmarks — favoritos — em rede. Tagging é a ação de relacionar a um objeto uma palavra-chave. Palavras-chave iguais permitem estabelecer alguma relação entre estes dois objetos. RSS é a forma de oferecer o conteúdo de um site através de um formato padrão — web syndication. A disponibilidade de playlist — lista de músicas —, e dos outros exemplos citados acima, se revelam importantes pois amplificam as formas de publicação individual de informação e da criação de uma opinião coletiva.

43

A organização da informação, entretanto, não se limita apenas à classificação da

informação. Organiza-se a informação para poder encontrá-la com facilidade. Em um

contexto com números inimagináveis de informação, encontrar rapidamente o conteúdo

cultural desejado passa a ser uma tarefa fundamental. E organizar informação não se

refere apenas à sua estrutura de armazenamento e aos bons sistemas de busca como o

Google. Refere-se também à sua forma de manipulação, ao seu desenho e à cultura de

lidar com todas estas novas formas. E é sobre isto o que segue neste capítulo: algumas

abordagens sobre a organização da informação que sugerem e relatam novas formas de

interação e que explorem as potencialidades encobertas da linguagem digital.

2.1 Zapping, bookmarks e interfaces

A necessidade de organizar informações no meio eletrônico surgiu quando os

canais de televisão disponíveis ainda eram poucos (rede de televisão aberta) e os

programas, naturalmente, eram mais escassos e menos variados. Para esta quantidade de

informações aquela velha televisão com botões giratórios de sintonia pareciam mais que

suficiente. Cada emissora possuía um ângulo específico no seletor de canais e era

associada a um número.

Uma mudança que se sucedeu neste contexto foi a incorporação do controle

remoto (com fio!) — não era mais necessário levantar do sofá para mudar a

programação escolhida. Estes aparatos eram capazes de mudar os canais, modificar o

volume e algumas outras funções básicas. Depois, o fio deu lugar aos raios

infravermelhos e, com o aumento do número de emissoras e canais e, principalmente,

com a disseminação das redes de televisão fechada, os controles começaram a ter

função condicional tanto para alternar entre as diversas opções de programas quanto

para definir, também, o conteúdo produzido.

Efeito zapping, como coloca Arlindo Machado (2001:143), “é a mania que tem o

telespectador de mudar de canal a qualquer pretexto, na menor queda de ritmo ou

interesse do programa e, sobretudo, quando entram os comerciais”. Mesmo ressaltando

que o zapping não é restrito à televisão, citando “leituras interesseiras, seletivas e até

44

mesmo, ‘atravessadas’ (...) do romance [impresso]”, Machado ratifica como esse efeito

cresceu com a presença do controle remoto:

“Zapa-se agora indiscriminadamente tanto em spots publicitários como em

programas de estúdio, filmes ou transmissões esportivas. Zapa-se a pretexto de tudo e

de qualquer coisa. O espectador de televisão não mais assiste a programas inteiros, nem

acompanha mais histórias completas. Ele salta continuamente, fazendo ‘amarrar’, de

forma desconcertante, as imagens de repressão na África do Sul, com a cena de alcova

numa telenovela ou o anúncio sobre as virtudes de um creme dental [...]. Às vezes, ele

assiste a dois ou três canais ao mesmo tempo [...], saltando para lá e para cá, num jogo

de comutação que nem precisa mais de uma justificativa baseada no interesse ou na

sedução, mas que tende a ser cada vez mais aleatório, busca frenética e sempre

insaciável da surpresa ou da indiferença.”

O efeito zapping seria apenas mais uma forma de selecionar informação, se não

tivesse reflexos mais profundos. Em função deste movimento — que pode ser tratado

como um diálogo com o telespectador — as redes de televisão tiveram de repensar os

tradicionais formatos usados em seus programas. É preciso ressaltar que o controle

remoto é parte integrante da interface de uma televisão, que, através dele, as pessoas

podem tanto selecionar mais facilmente a informação desejada como podem manipular

e editar com cortes a sua própria programação —, como exemplificou Arlindo

Machado. A inserção do recurso in script ad — comercial inserido dentro de um

programa —, o aumento da fragmentação da seqüência da programação e a presença de

programas completamente recortados sem começo, meio e fim — isso para que um

espectador não se sinta perdido ao “cair” no meio de um programa — foram algumas

das modificações geradas. A interface atuou de maneira substancial na modificação do

conteúdo cultural televisivo e na maneira de acessar a informação.

Essa nova dinâmica fez surgir um outro problema: memorizar alguns poucos

números — canais — e suas respectivas emissoras não era uma tarefa muito

complicada, mas guardar dezenas de canais, como ocorria com as redes de televisão

fechada, parecia ser uma tarefa mais complicada. Era preciso algum método para

ordenar estas informações. Não que não fosse possível fazê-lo de “cabeça”, mas essa

prática demandava bem mais tempo e memória.

45

Diante disso, alguns controles remotos começaram a apresentar funções que

permitiam que os espectadores selecionassem e armazenassem seus canais favoritos

para poder zapear apenas entre eles. Mais que isso, esta função permitia usá-lo com

qualquer regra que lhe conviesse, fosse para acompanhar os jornais noturnos ao mesmo

tempo, fosse para zapear em apenas programas esportivos num domingo à tarde, fosse

para simplesmente separar todos os canais que mais gostasse.

É certo que nem todas as pessoas, ou quem sabe até muitas delas, não entendiam

o que significavam todos aqueles botões que não eram os tradicionais seletores de

canais e volume, mas mesmo assim, e ainda mais importante, é que foi provavelmente a

primeira função agregada à interface que possibilitava ao espectador a organização da

informação cultural acessada através da televisão. A história da televisão é marcada por

uma comunicação unidirecional — 1 emissor e n receptores — e, como dito no capítulo

anterior, a difusão do sinal de televisão, tanto na rede aberta como na fechada, era

controlada. Era, portanto, um grande passo a seleção de informação estar oficialmente

agregada ao aparato televisivo.

Além disso, a possibilidade de selecionar alguns canais já anunciava um dos

caminhos de organização da informação que seriam amplamente usados nas interfaces

culturais. E não podia ser diferente. Se navegar por dezenas de canais diferentes já era

algo complicado, o que se pode dizer de mais de um bilhão deles!30 Novamente os

aparatos eletrônicos não tinham capacidade para atender à quantidade de informação

requisitada. Com o crescimento do uso da internet, e mais especificamente do browser,

o computador passou a ser parte de uma rede de comunicação, atuando como um

“aparato de mídia universal” (Manovich, 2001). Da mesma forma que o ocorrido com o

controle remoto, hoje, parte das funções disponíveis através da interface dos

computadores, se não são muito usadas, são pouco exploradas.

Atualmente os links são a principal forma de navegação. Grande parte das

pessoas ainda acha muita informação através dos índices de grandes editoras de

conteúdo, tanto os grandes portais que trazem a informação editada — AOL, Terra,

UOL, iG, etc. — quanto grandes diretórios de informação — Google, Yahoo, Cadê?,

etc.

30 Números divulgados pelo Google e restritos às URLs contida no seu índice. http://www.google.com.br/intl/pt-BR/why_use.html

46

Se por um lado, mesmo através da internet, onde há a possibilidade de uma

comunicação horizontal ocorrer de fato, as formas tradicionais de comunicação têm

presença marcante — o UOL possui mais de sete milhões de visitantes mensais —, por

outro lado, a presença de serviços de busca, como os oferecidos pelo Google, indica

uma nova forma de organizar esta informação, uma forma que não substitui o conteúdo

jornalístico, mas com certeza o transformará.

Para classificar e organizar a informação, eles operam em cima de determinadas

regras e algoritmos.

“A classificação das páginas (PageRank) confia na natureza excepcionalmente

democrática da Web, usando sua vasta estrutura de links como um indicador do valor de

uma página individual. Essencialmente, o Google interpreta um link da página A para a

página B como um voto da página A para a página B. Mas o Google olha além do

volume de votos, ou links, que uma página recebe; analisa também a página que dá o

voto. Os votos dados por páginas ‘importantes’ pesam mais e ajudam a tornar outras

páginas ‘importantes’.

Sites importantes, de alta qualidade, recebem uma nota de avaliação maior, que

o Google grava a cada busca feita. Naturalmente, uma página importante não significa

nada se não combinar com a sua busca. Assim, o Google combina os resultados de alta

qualidade com a busca que você está realizando para que o resultado seja o mais

relevante possível. O Google pesquisa quantas vezes a palavra procurada aparece nas

páginas e examina todo o aspecto delas (e conteúdo das páginas ligadas a ela) para

determinar o melhor resultado para a sua busca"31.

Esta forma de classificação no entanto não é uma exclusividade do sistema do

Google. Como Steven Johnson coloca, o primeiro grande caso que mais se aproximou a

um sistema auto-organizável na Web foi o Slashdot.com e seu método de avaliação de

conteúdo. Como havia se tornado impossível para um grupo de ‘notáveis’ julgar todo o

conteúdo que chegava ao site, a solução encontrada por Rob Malda — fundador do

Slashdot.com — foi repassar esta função a todas as pessoas cadastradas em seu sistema,

assim todas julgariam com notas as matérias publicadas (Johnson, 2003).

31 http://www.google.com.br/why_use.html

47

Com a mesma lógica, Amazon, E-bay e sites semelhantes também usaram seus

clientes e visitantes para criar formas de classificação coletiva. Neste caso, entretanto,

ao invés de usarem as notas para classificação, é usado o seu comportamento. Quem

compra dois livros diferentes tem alguma razão para tal, razão esta que pode ser

imperceptível a milhares de pessoas que não fariam a mesma relação ou que não

tivessem os mesmos interesses. Mas, se milhares de pessoas o fazem, parece existir um

senso comum que concorda que ambos possuem uma identificação. Porém, conforme

alertado no primeiro capítulo, e como cada pessoa provavelmente tem consciência, o

senso comum nem sempre corresponde àquilo que pensamos. Por mais que o

pensamento coletivo tenha um grande poder, ao mesmo tempo fantástico e monstruoso,

não podemos estar restritos a ele.

Tanto os grandes portais quanto os sistemas de busca são métodos fixos,

determinados por algum “especialista” ou por um grupo deles. Por um lado é fixado

pelos editores de conteúdo dos grandes portais, por outro, é fixado em uma regra

algorítmica.

Ter a possibilidade de escolher quais informações deseja armazenar usando a

regra mais adequada para determinado objetivo e determinado instante é diferente e

exige mais crítica do que ter esse processo já adiantado. Além de termos à disposição

informações provindas dos editores de conteúdos profissionais e coletivos, é importante

e necessário, em uma época em que pensamento em grupos, redes, e outras formas

coletivas ganham cada vez mais destaque, que essa classificação seja exercida, também,

de forma pessoal. É uma resposta crítica e necessária de contraponto a este movimento.

Como afirma Rogério da Costa (2002):

“Seja através da internet, do celular ou da televisão digital, os agentes

inteligentes já estão colaborando e vão colaborar ainda mais para que possamos

perceber as várias comunidades às quais pertencemos, relacionando perfis por

afinidade, nos informando sobre a presença de outras pessoas em rede, nos sugerindo

produtos e serviços, etc.

A construção dessa percepção de comunidade, que é diferente e no entanto

convive com o ato efetivo de participar de uma comunidade virtual, vê sua importância

ligada à necessidade crescente que as pessoas têm de se sentirem situadas no dilúvio

informacional que tomou conta de nossa sociedade’’.

48

Desde o surgimento do Mosaic a navegação pela rede apresentava uma função

com lógica semelhante às criadas através do controle remoto. Os bookmarks — hotlists,

favoritos — permitem a seleção de uma URL visitada e o armazenamento de seu

‘endereço’ para futuras consultas. Normalmente são usadas para guardar a URL de sites

freqüentemente visitados ou para não perder de vista uma iguaria ou conteúdo

imperdível. É possível criar pastas e mais pastas para refinar ainda mais a classificação,

o que poderia ficar parecido, por exemplo, aos diretórios dos sites de busca. Nas

interfaces culturais de hoje, e especialmente com os bookmarks, as formas de

armazenamento e organização de informação ainda são um pouco limitadas porquanto

são presas à rígida hierarquia de informação e sua forma de manipulação nos sistemas

operacionais.

Alguns métodos diferentes de organizar informação começam a surgir como os

live bookmarks do Firefox. Recurso semelhante ao de aplicativos como os leitores de

RSS foi integrado ao browser da Mozilla e, mesmo pouco difundido, mostra um

caminho para se pensar as interfaces. Sua idéia está baseada na utilização de um arquivo

XML para a transmissão de dados.

Sem entrar em detalhes muito técnicos, XML é um formato de arquivo de texto

que facilita a troca de dados através de diferentes sistemas. Mais ainda, pretende ser

adotado como um formato universal de troca de informação. Para fazer uma

comparação, se o sucesso do Mosaic (1993) pode ser atribuído muito ao seu potencial

multimídia e à sua interface, não devemos ignorar o fato de que poucos anos antes, Tim

Barners Lee estava desenvolvendo o protocolo HTTP (1990). O HTTP é um protocolo

que permite que a integração entre diversos servidores de informação seja facilitada.

Além disso, por ter seu código-fonte distribuído de forma gratuita, foi rapidamente

incorporado — a grande maioria dos sites atuais são organizados segundo o HTTP — e

possibilitou que o Mosaic pudesse atuar.

O XML possui função parecida. Um exemplo simplificado do poder de um

arquivo como o XML pode ser encontrado na velocidade de acesso a determinada

informação. Normalmente, quando acessamos uma URL que usa informação de um

banco de dados, executamos um arquivo — podem ser de diversos tipos — que ‘busca’

a informação e a apresenta com uma formatação específica. Imagine que muitas pessoas

simultaneamente acessam informações — um site de notícias, por exemplo. Cada

49

pessoa que deseja olhar uma notícia acessa — via HTTP — o banco de dados para gerar

a página com informação requerida. Se mudar de notícia, a página é recarregada, o

banco de dados é acessado novamente e um novo conteúdo é mostrado. A cada nova

requisição, uma nova página e mais uma consulta ao banco. Imagine então milhares de

pessoas requisitando ao mesmo tempo que o banco de dados lhe forneça a informação

desejada. Isto sobrecarrega o sistema e demanda servidores muito poderosos. Com o

XML, este mesmo acesso pode funcionar de forma diferente. Ao acessar um site, uma

‘cópia’ do banco de dados é gerada no formato XML, que é passada para um visitante.

Cada vez que este requisitar uma informação, a página buscará a informação no arquivo

XML local, aumentando a velocidade sem sobrecarregar o banco de dados. Tornando-se

universal, a troca de informações ganhará outras proporções.

O mais interessante deste formato, e o que importa para a discussão das

interfaces, é que, desta forma, pode-se destacar a informação do conceito de página.

Com o arquivo XML não precisamos mais, necessariamente, acessar a página com a

informação desejada. É possível termos acesso direto ao conteúdo.

Isso possibilita que, para chegar em uma informação no site UOL, por exemplo,

não precisemos mais acessar sua homepage. Se tivermos um live bookmark de suas

últimas notícias, é só entrarmos na lista dinâmica — favoritos — e as últimas notícias já

estarão listadas. Se cadastrarmos live bookmarks das últimas publicações dos principais

portais de notícias, não precisamos mais acessá-los para escolher a informação que

desejamos ver. Cada um poderá fazê-lo a partir da própria seleção, da própria

programação.

Se antes era possível armazenar nos bookmarks algumas notícias de forma

manual, com o live bookmark podemos armazenar todas as notícias que forem

publicadas em um site de forma dinâmica, isto é, se um live bookmark estiver

cadastrado e se uma nova notícia for publicada, ela automaticamente será adicionada

aos seus favoritos. É como se a notícia desejada viesse até você, e não o contrário.

Entretanto, apesar de ser uma resposta a um problema que vem sendo exaustivamente

colocado, ainda não está sendo muito usado neste sentido.

Esse será um dos desafios das novas interfaces: permitir que as pessoas

personalizem seus aplicativos de forma a receber mais rapidamente as informações que

lhes convêm, além de não coibir que outras informações não previamente cadastradas

fiquem excluídas. Ou seja, uma interface que possibilite tanto a personalização e

50

programação do conteúdo de um jornal diário como a possibilidade, como destacou

Arlindo Machado, de algo inesperado, atendendo à “busca frenética e sempre insaciável

da surpresa ou da indiferença” (Machado, 2001). Selecionar e categorizar informação

parece estar se tornando práticas sociais. Não serão apenas as grandes empresas de

busca que terão mapeados alguns comportamentos sociais em seus bancos de dados.

Cada pessoa poderá mapear e analisar seu próprio comportamento e de outras pessoas

de uma forma não antes possível.

Entretanto, a evolução das interfaces está intrinsecamente relacionada com a

forma que as informações são qualificadas e, como colocado anteriormente, as

interfaces culturais de hoje são limitadas por ainda serem presas à rígida hierarquia de

informação e à rígida forma de manipulá-la. Vale lembrar que as interfaces digitais

atuais foram desenvolvidas em uma época em que a quantidade de informação acessada

através dela era praticamente nula se comparada aos dias de hoje. Portanto, é necessário

pensar além do gráfico. É necessário pensar que informação — dados — e interface

gráfica têm de acompanhar juntas as demandas deste novo contexto em rede.

2.2 Pastas, filtros e classificações

“A idéia da biblioteca não organiza mais o conhecimento”32.

32 http://www.desvirtual.com/thebook/portugues/prologue.htm

51

Durante a década de 1980, a mudança da interface com linha de comando para a

interface gráfica foi criticada por criar uma metáfora visual que desafiava a lógica e a

seriedade daqueles que estavam acostumados a usá-la (Johnson, 2001). Entretanto, a

tradução da linguagem digital em uma forma gráfica mais palpável — metáfora do

desktop —, muito responsável pela disseminação dos computadores, provou suas

qualidades e se tornou um padrão que dura até hoje. Com a internet, o uso da metáfora

se ampliou, sendo referenciada, principalmente, pela cultura da mídia impressa e do

cinema, que praticamente apossou-se da interface (Manovich, 2001). Esse processo foi

muito criticado, e os questionamentos passaram a estimular uma busca por soluções que

usassem efetivamente o potencial da linguagem digital, esquivando das metáforas

limitadas de outras formas culturais. Contudo, o sucesso da interface gráfica foi tão

grande e sua presença tão forte que algumas de suas deficiências em sua estrutura

parecem passar de forma desapercebida.

Mesmo antes do surgimento das interfaces gráficas — na era das interfaces com

linha de comando —, sem a presença de ícones que ilustravam lixeira, pastas, arquivos,

já havia uma metáfora mais intrínseca: a estrutura dos arquivos em diretórios e pastas.

Uma alusão à forma de organização de livros, papéis e documentos que usamos em

nossa escala.

“Lamentavelmente, a metáfora do desktop tem tantas limitações e pontos cegos

conceituais quanto seus predecessores de linha de comando. A diferença é que essas

restrições decorrem de uma excessiva fidelidade à própria metáfora original, com a

extensão do desktop original a espaços tridimensionais mais plenamente realizados,

como prédios de escritórios e salas de estar.” (Johnson, 2001)

“A armazenagem de dados é feita de acordo com padrões arquivísticos de

documentos impressos, seguindo à risca o modelo de ‘pastas e gavetas’.” (Beiguelman,

2003:11)

O problema desta forma de hierarquia de informação é que ela é estruturada em

cima de uma rígida ordenação de pastas. É possível transferir um arquivo de posição,

mudar sua posição dentro dessa hierarquia, alterar seu nome, extensão, etc. Mas se

52

alguém quiser colocá-lo, também, dentro de outra pasta, isso só será possível se for

gerada uma cópia — neste caso, já não teríamos apenas uma informação. Há alguns

recursos como os atalhos para pastas e arquivos, mas não é esta a lógica central das

atuais interfaces. Ora, as bibliotecas seguiam esta regra pois os livros tinham uma

disposição fixa. Os livros estavam em uma determinada ala, em uma determinada

prateleira, em uma determinada posição. Não podiam estar em mais de uma prateleira

ao mesmo tempo. Pensava-se em uma forma melhor de dispor o conteúdo cultural — os

livros nas prateleiras — e um sistema de busca separado por algumas categorias. Claro

que mais importante que sua ordenação física, eram as diferentes formas de catalogação

usadas, mas seu número era limitado e freqüentemente determinado a partir de

classificações tradicionalmente estabelecidas — assunto, autores, etc. Para cada forma

de classificação havia uma ficha relativa a cada livro. Assim, para possuir, por exemplo,

quatro formas de classificação — autor, tema, data, nacionalidade — haveria quatro

vezes mais informação. No disco rígido de um computador também há uma estrutura

física onde os dados estão escritos. Porém, esta não interfere na organização dos

arquivos. Existe um índice — FAT, NTFS33 — que relaciona cada informação à sua

localização física no disco.

“Como a maioria dos grandes avanços tecnológicos, a metáfora do desktop

nasceu por acaso” (Johnson, 2001). Não há uma limitação crônica para uma livre

organização de informação. Inclusive, linguagens de programação como o MS-DOS, e

até mais elementares, já eram capazes de criar atalhos como os atuais sistemas

operacionais. Mas não são assim que se estruturam visualmente para os usuários.

Na passagem da interface com linha de comando para a interface gráfica esta

condição não foi alterada, pelo contrário, foi ratificada com a presença dos ícones de

arquivos, pastas e menus. Há uma única e aparente hierarquia. Suponha que exista uma

pasta minuciosamente organizada em um computador de um fã, chamada The Beatles,e

que este siga à risca as indicações de organização de arquivos do mais atual sistema

operacional Windows. Desta forma, esta pasta estará dentro de uma outra pasta

chamada Minhas músicas — padrão do sistema operacional — que, por sua vez, estará

dentro da pasta Meus documentos, também padrão. Dentro da pasta The Beatles haverão

33 FAT — File Allocation Table — e NTFS — New Technology File System — são formatos desenvolvidos pela Microsoft e utilizados em seus sistemas operacionais. Eles são os responsáveis por indexar o disco rígido. http://www.microsoft.com/mscorp/ip/tech/fat.asp , http://www.ntfs.com/

53

diversas pastas, uma para cada disco, que conterá os arquivos de áudio referentes a cada

uma das músicas daquele álbum34. Tudo muito organizado.

Este fã, depois de organizar suas músicas — o que deve ter lhe tomado algum

tempo —, começa a arquivar também vídeos de sua banda predileta. Estes, entretanto,

ao invés de estarem dentro da pasta The Beatles, que estava dentro de Minhas músicas,

que estava dentro de Meus documentos, estarão na pasta The Beatles, que estarão em

Meus vídeos e que também estão em Meus documentos — há duas pastas chamadas The

Beatles com conteúdos diferentes. Se em determinado instante o desejo da pessoa for de

acessar todo o conteúdo relacionado com os Beatles, mais de uma pasta terá de ser

procurada e acessada — além de músicas e vídeos, pode haver ainda fotos, cifras, letras,

etc.

Apenas esta duplicação pode não ser para muitos um alerta de que algo está

errado, mas é relevante. Os sistemas operacionais mais populares sugerem uma forma

de organização — provavelmente para auxiliar aqueles que não têm prática para fazê-lo.

O sistema operacional Windows sugere que seus clientes organizem seus arquivos de

acordo com o tipo de mídia: imagens, músicas, vídeos — o OS, da Apple, o faz de

forma semelhante. Mas esta sugestão não precisa ser aceita. Cada pessoa pode criar

pastas e organizar seus arquivos da forma que escolher, porém terá de escolher apenas

uma forma se não quiser multiplicar o número de arquivos.

Essa rigidez não se mostra tão ineficiente para organizar todas as músicas dos

Beatles, mas o mesmo não se pode dizer de uma biblioteca que pode conter milhares de

músicas. Com a quantidade de informação disponível com a internet, organizá-las passa

a ser uma questão básica35. É importante saber em que ano uma produção foi realizada,

seu gênero, quem a compôs, etc. — uma série de informações que são consumidas nos

encartes dos CDs. Se fôssemos criar pastas para organizar estas informações estaríamos

frente a um grande problema: a catalogação cronológica é feita antes da ordenação por

artistas? E a classificação por gênero, antes ou depois da cronológica? E se houver mais

de um compositor em um disco? Seja qual for a questão, quanto mais complexo vai

ficando, mais rígida e singular se torna a busca pela informação. Exatamente por isso

34 A classificação por discografia é normalmente usada por softwares para gerenciar músicas. 35 O soulseek, um dos programas p2p — ponto-a-ponto — é característico por ser um software livre de propagandas e spywares e por possuir uma forte comunidade. Nesta comunidade é freqüente o número de pessoas que carregam discursos contra: “unorganized mp3s” e “people who tag their mp3’s incorrectly”, isto é, “mp3 desorganizados” e “pessoas que classificam seus mp3s de forma incorreta”.

54

foram criados recursos que possibilitassem formas de classificação que não dependem

da estrutura de endereços dos arquivos.

As metadatas — informação sobre informação — foram introduzidas á estrutura

dos sistemas operacionais exatamente para permitir classificações mais complexas. Com

elas, é possível qualificar um arquivo com informações adicionais. Especificamente

para os arquivos de música foi desenvolvido o id3 — IDentify an MP3. Com esta forma

de classificação as possibilidades de seleção de informação são muito mais ricas36.

Porém, alterar estas informações não é simples uma vez que essas funções não

são normalmente apresentadas de forma clara às pessoas. Se a interface possui um

grande poder de definição de modelos culturais é importante que ela o faça destacando

funções que se adaptem não mais ao seu antigo uso, como simulação de algumas

ferramentas, mas também, e principalmente, às atuais práticas sociais em rede. Permitir

que as pessoas tenham um fácil acesso à edição de informações é uma demanda das

novas interfaces.

O iTunes37 — aplicativo de áudio da Apple — possui algumas funcionalidades

que permitem uma manipulação diferenciada. Primeiro, os arquivos das músicas podem

estar organizados em qualquer forma no disco rígido. Não importa. Não há nem relação

visual com o endereço na hierarquia do sistema operacional. Sua classificação dentro do

software é praticamente realizada em cima das informações contidas nas metadatas.

Assim, todas as músicas ficam armazenadas juntas na “biblioteca” do iTunes, que

funciona como o grande banco de dados das músicas.

36 A versão atualizada id3v2 pode armazenar, entre outras, informações muito maiores que a primeira versão, imagens — capa do disco — e as letras das músicas. 37 www.itunes.com

55

A biblioteca do iTunes ao centro com seleção rápida de artistas e álbuns logo acima. À esquerda ficam as listas e a capa do álbum, enquanto no topo à direita uma busca geral por palavra-chave.

O software dá tanto valor para a organização das músicas que até parece ser mais

interessante organizá-las do que ouvi-las — quase toda a interface do programa opera

de forma a classificar e procurar um arquivo.

A biblioteca do software é uma tabela com uma linha para cada música e uma

coluna para cada tipo de classificação — nome da música, artista, álbum e mais 23

outras possibilidades. É possível ordenar cada coluna por ordem crescente ou

decrescente — algo que praticamente todos os softwares que trabalham com tabelas

fazem.

Outras funções, entretanto, não estão nesta forma de visualização — tabela. Elas

se encontram nas listas, na seleção rápida de artistas e álbuns logo acima da “biblioteca”

e em outro recurso bem conhecido, que é a procura livre por uma seqüência de

caracteres — busca por palavras-chave. Estes campos funcionam como uma espécie de

filtro. Se nenhum destes filtros for selecionado, no campo central são listadas todas as

56

músicas existentes. Caso um artista seja selecionado na lista rápida, serão ordenadas no

campo central todas as músicas de todos os seus álbuns. Se um álbum for selecionado

na lista rápida, apenas as músicas deste disco estarão listadas. Depois de filtradas, é

possível usar os recursos padrão de ordenação por coluna para apenas essa amostra de

músicas. Ainda, um outro filtro — tanto a seleção de um álbum quanto a busca livre —

pode ser aplicado com a seleção de um artista para refinar mais ainda a procura.

Entretanto, todas as formas de classificação citadas acima trabalham com

informações fixas, isto é, qualquer pessoa que possuir a mesma versão de uma música

— a não ser que tenha informações equivocadas ou até não as tenha — terá acesso à

mesma informação: nome da música, do artista, do álbum, tempo de duração, qualidade

do arquivo, etc.

São exatamente três filtros que possibilitam que cada pessoa classifique uma

música, ou uma seleção delas, de acordo com uma informação personalizada que

merecem o maior destaque. O primeiro é chamado My rating e diz respeito, a priori, a

uma classificação por notas de 1 a 5 que alguma pessoa deseje dar — ou não —,

conforme seu apego — ou qualquer outra regra — por determinada música. O segundo

são as listas livres que ficam no menu à esquerda. Aparentemente essas listas funcionam

de forma similar à limitada estrutura dos sistemas operacionais. São, também, listas

dentro de pastas — e dentro de mais pastas — com a possibilidade de incluir quais

músicas forem mais adequadas, seja uma seleção de músicas calmas para dormir, seja

uma seleção de músicas barulhentas para manter-se acordado. Seria similar à forma

limitada da hierarquia dos sistemas operacionais não fosse o fato de que as listas

funcionam como filtros e não como pastas.

Os filtros são uma maneira eficiente de seleção que as interfaces podem

proporcionar, pois eles não trabalham com arquivos diferentes — como criar uma nova

pasta no sistema operacional faz. Não há uma música dentro de um filtro, ele apenas

peneira toda a base de dados e deixa passar somente aquelas informações que se

equiparem com o que foi requerido. Podem haver dez listas diferentes com a mesma

música presente em todas que, mesmo assim, teremos apenas um arquivo. Se ele for

alterado em qualquer uma destas listas, será alterado em todas, pois é o mesmo arquivo.

Ele é apenas visto sob outro ponto de vista — ou regra. A lista tem o mesmo

funcionamento que as seleções rápidas — também são filtros —, porém, se nelas a

escolha está limitada a gênero, artista e álbum, aqui a regra de escolha está na lógica de

57

quem a produziu, e não na máquina — crie as listas que tenham uma lógica pessoal e

deixe que o iTunes cria aquelas que são ‘universais’!

O terceiro filtro, e o mais interessante de todos, são as chamadas smart playlists

ou listas inteligentes. De inteligentes, no entanto, elas não têm nada — a não ser a

pessoa que as tenha colocado ali. São dinâmicas, funcionam como os live bookmarks do

Firefox e, como toda forma inovadora de seleção, são apresentadas timidamente, sem

muito acesso a quem não as conhece. Como padrão do software — e seguindo a mesma

lógica de ‘ensinar’ as pessoas as funcionalidades da interface — algumas destas listas

inteligentes já vêm criadas automaticamente. Alguns de seus nomes são as 25 mais

tocadas ou tocadas recentemente. Aparentemente não são manipuláveis. Uma pessoa

não escolhe quais são as 25 músicas mais tocadas acrescentando-as a esta lista, nem

tampouco define as tocadas recentemente. Porém, é possível editá-las. E, ao fazê-lo, nos

deparamos com uma interface que permite a criação de praticamente qualquer regra.

Regra para a seleção das 25 mais ranqueadas músicas dos anos 1980.

É uma forma muito eficiente de manipulação de grande parte das informações

contidas nas metadatas de todas as músicas da biblioteca. Em teoria, qualquer regra que

possa ser escrita logicamente pode ser criada. (ver anexo I)

Olhar por este ponto de vista chega até a ser cômico. As listas ‘livres’ se

mostram como um grande desafio aos computadores. As regras criadas para as smart

playlists usam alguns operadores simples como o ano é 1980 — com o é substituindo o

operador = — e o ano entre 1980 e 1989 — usando dois operadores comparativos.

Entretanto, para gerar uma regra que traduza logicamente o conteúdo da lista músicas

para dormir — que é uma lista livre —, seria necessária uma função matemática com

58

complexidade ‘invejável’. E assim, ironicamente, o software gentilmente deixa esta

tarefa para as pessoas38.

Além de apresentar diversas funções para ordenar a informação — o que facilita

em uma busca ou um recorte —, o iTunes tem uma outra característica importante.

Editar a informação de uma música como nome e artista é possível de qualquer lugar da

‘biblioteca’, sem necessitar abrir um formulário de edição da metadata id3v2 — o que

também é possível. Esta funcionalidade, que também está presente nos sistemas

operacionais, tem de ser melhor aproveitada nas interfaces. Não pode haver barreiras

para uma pessoa qualificar um arquivo ou uma informação, pelo contrário, a interface

deve possibilitar que a edição seja feita de forma simples e palatável.

Afinal, como que uma smart playlist que possui uma regra para ordenar todas as

músicas dos anos 1980 o fará se as músicas não estiverem datadas? Se, por um lado,

todas estas funcionalidades que geram inúmeras formas para encontrar um dado são

essenciais para a manipulação de muitas informações, por outro, perderiam grande parte

do seu potencial se as informações não estiverem classificadas e indexadas. Sem

informação nas metadatas, não há organização das músicas, não há organização das

informações.

2.3 Indexar é preciso, indexar não é preciso

Em agosto de 2005, circulou pela rede um artigo que trazia à primeira vista um

título curioso: “Google anuncia que planeja destruir todas as informações que não

possam ser indexadas”. Essa mensagem pareceria hilária se não fosse trágica. Primeiro

porque o Google não é uma empresa qualquer. Ele apresenta crescimento similar ao da

Microsoft em seu início e, como publicado na Folha de S. Paulo, “O Google est[á] em

posição (...) poderosa em termos de controle. Tem um potencial de controle monopolista

38 Este comportamento de “complexidade invejável” é aqui reconhecido como o Complexo de Borges, em homenagem antecipada ao computador que primeiro gerar uma regra para a lista de animais citada por Borges, que teria sido encontrada em uma ‘certa’ antiga enciclopédia chinesa (Borges, 2000:103). Nela, os animais seriam ordenados por (a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com um pincel muito fino de pêlo de camelo, l) et cetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe parecem moscas. Uma possível regra — se assim pode ser chamada — está no prefácio de A Palavra e as Coisas de Michel Foucault (1992).

59

sobre o acesso à informação”39 . Segundo, pois, mais que a curiosidade inicial

proporcionada pelo título, ao longo do texto a sensação chegava a ser estarrecedora:

“‘Nossos usuários querem um mundo tão simples, limpo e acessível quanto a

homepage do Google’, disse o CEO do Google, Eric Schmidt em conferência à

imprensa (...). ‘Em breve ele será.’ O novo projeto, Google Purge juntará serviços

populares como Google Images, Google News e Google Maps (...).

Como parte da primeira fase, executivos vão destruir todo material com direitos

autorais que não podem ser buscados pelo Google. ‘Um ano atrás, o Google se ofereceu

para escanear todos os livros do planeta para seu projeto Google Print. Agora, eles estão

prometendo queimar o resto’, escreveu John Battelle no seu ‘Searchblog’ amplamente

lido. ‘Graças ao Google Purge você não precisará mais se preocupar que sua busca não

encontrou um livro obscuro, isso porque este livro não mais existirá. E o mesmo será

para os filmes, artes e música’. A queima dos livros é só o começo 40.”

Após uma rápida pesquisa no próprio Google é possível sentir-se seguro de que

essa história — pelo menos por enquanto — não passa de uma brincadeira de muito

bom gosto. Proposta que, em um âmbito mais amplo, remete ao projeto de Cícero

Inácio da Silva, Assina: do texto ao contexto41, uma vez que seu conteúdo, como a

rápida pesquisa acima também mostrou, é da mesma forma levado a sério por alguns

sem uma simples crítica. Brincadeiras à parte, o bom gosto, entretanto, não diz respeito

a esta característica, mas a um importante ponto caricaturizado pelo artigo.

O processo de globalização está estruturado em cima da potencialidade de novas

formas de comunicação. A presença da internet se dá e se dará, principalmente na

possibilidade de que práticas sociais sejam amplamente realizadas independentemente

do contexto geográfico. Comunidades em rede existem por outros motivos, mais do que

pelos de proximidade espacial. A produção e o contato com toda esta diversidade

cultural geram um crescente aumento de fluxos de informação, um contexto onde ter

informação é mais que um privilégio — como nas décadas passadas —, mas uma

necessidade. Encontrar uma informação passa a ser fator condicional.

39 F. de São Paulo, 25 de agosto de 2005: B10. A frase é de Brian Lent, presidente da Médio Systems, empresa de Seattle que trabalha em buscas para telefonia móvel. 40 http://www.theonion.com/content/node/40076/1 41 http://www.pucsp.br/~cicero/assina/

60

Claro que as informações sem classificação não deveriam ser queimadas da

forma que ilustra o The Onion, mas é preciso atentar para o fato de que não ser

encontrada em um contexto repleto de informações similares significa quase o mesmo

que esquecê-la. Não indexá-la, pode ser similar a excluí-la.

“Quando mandamos um computador ‘deletar’ um arquivo, ele aparentemente

nos obedece. Mas, na realidade, ele não elimina o texto daquele arquivo. Elimina

simplesmente todos os seus indicadores. É como se um bibliotecário, recebendo a

ordem de destruir O amante de Lady Chatterley, simplesmente rasgasse o cartão no

índice do acervo, deixando o livro na estante.” (Dawkings, 2003:255)

Se esta biblioteca que contém o livro O amante de Lady Chatterley tiver pouco

mais de mil livros, não demorará muito para achá-lo. Agora, se tiver dezenas de milhões

de livros distribuídos em centenas de quilômetros de prateleiras, não teríamos o trabalho

de queimá-lo pois sequer iríamos encontrá-lo!

Porém, nem sempre queremos encontrar uma informação direta como o arquivo

de uma música ou um livro. A busca, muitas vezes, é por informações subjetivas, menos

precisas em torno de um tema específico ou geral. Nestes casos, a indexação não pode

se limitar às palavras-chave. Indexar informação não deve ser interpretado apenas como

uma classificação de metadatas, músicas, livros. Classificar informação deve ser

entendido de forma mais ampla, como qualquer tipo de qualificação: link, publicação de

mensagens em fóruns, comentários em um blog, tagging, publicação de imagens

classificadas em sistemas especializados — Fotolog42, Flickr43 —, publicação de

arquivos de áudio — Podcast —, produção e troca de informação em sistemas como o

Orkut44 e Multiply45, comentários sobre determinadas reportagens nos portais de

notícia, comentário sobre determinado produto — Amazon46, E-bay47, Mercado

Livre48. Ou seja, qualquer forma de publicação de informação aberta — não editada —

como um simples nome de uma música, como Black Bird dos Beatles, passando pelas

42 http://www.fotolog.com 43 http://www.flickr.com 44 http://www.orkut.com 45 http://www.multiply.com 46 http://www.amazon.com 47 http://www.ebay.com 48 http://www.mercadolivre.com.br

61

publicações do blog do projeto Linc49 — laboratório de inteligência coletiva —,

mantido por Rogério da Costa, ou a construção de um portal como o Net Art50, de

Giselle Beiguelman, hospedado na incubadora virtual da Fapesp51. Classificar

informação é um comportamento social, e, por isso, a possibilidade de publicação,

edição e classificação que a internet possibilita tem de ser mais explorada. O que todos

estes exemplos citados acima têm em comum é a presença de interfaces que

possibilitam às pessoas inserirem, editarem e classificarem um conteúdo sem nenhum

conhecimento técnico de programação52. É a possibilidade de serem emissores de

informação sob um baixo custo, como discutido no primeiro capítulo. Não há

necessidade de aprendizado técnico específico, não é necessária uma taxa mensal para

hospedar suas informações e nem mesmo é necessário saber que estas variáveis existem.

São ferramentas com interfaces voltadas para a edição da informação.

Uma das grandes representantes destas interfaces é a utilizada nos blogs. Em sua

definição mais ampla — e que praticamente não diz muita coisa — o blog é um site. O

que, entretanto, o difere de sites convencionais é que este tem a intenção de que seu

conteúdo publicado não seja apenas informativo, mas que vá além, que possa ser

classificado e indexado pelas pessoas. Um blog tem funcionalidades que lembram as

listas de e-mails e fóruns de discussão — formas de discussão muito utilizadas nos anos

90.

Tudo em um blog gira em torno do conteúdo e de seu mantenedor — ou

mantenedores. Os textos publicados são abertos para discussão, são arquivados para

futuras consultas e sites relacionados são indicados ao lado. Normalmente são usados

para um determinado assunto, mas é uma ferramenta de publicação tão simples de ser

usada, que foi reutilizada para uso geral: o blog virou uma importante ferramenta

popular de comunicação. Entretanto, tantas funcionalidades para um grande público tão

díspar acabam gerando algumas limitações. O fato de os blogs, hoje, serem criados —

programados — automaticamente por sistemas faz com que as opções de configuração

sejam as mesmas para todas as pessoas. Mesmo havendo diferentes padrões de layout, 49 http://www.pucsp.br/linc/blog/ 50 http://netart.incubadora.fapesp.br/portal 51 http://incubadora.fapesp.br/ 52 Normalmente este tipo de interface é conhecido como interface Web por apresentar aparência e funcionalidade similares às de um site. Entretanto, por ainda ser presa a uma rígida estrutura do código de programação — o que significa que a interface ainda possui características modeladas por estas linguagens —, ter conhecimento específico destas proporciona um grande diferencial. Buscas utilizando recursos como as aspas duplas, operador de subtração, entre outros, são métodos muito próximos da linguagem computacional e ao mesmo tempo distantes do conhecimento popular.

62

todos contêm o mesmo tipo de informação e formas estruturais similares de

visualização. Muda a roupa, mas mantém o mesmo corpo, a mesma estrutura53.

Com tamanho sucesso, variações de conteúdo começaram a surgir. Para publicar

imagens surgiu o Fotolog e mais recentemente o Flickr. Se o blog tinha como conteúdo

principal o texto, outros sistemas para outros tipos de mídia foram surgindo, como o

Putfile54. Recentemente, vários sites que permitem a publicação de qualquer tipo de

arquivo estão aparecendo para fortalecer este movimento de publicação e classificação

de informação.

Outras formas de publicação e classificação são as comunidades fechadas. Seu

maior representante é o Orkut, uma comunidade com conteúdo restrito sob a tutela do

Google. É uma ferramenta que possibilita a publicação de imagens, textos, fóruns e

grupos de discussão, entre outros. Os links são a principal forma de acessar informação,

pois sua idéia inicial — representada pela interface e estrutura — é a visualização de

relacionamentos e seus respectivos conteúdos. Uma pessoa é amiga de outra, que é

amiga de outra... Talvez, por isso, o método de classificação mais interessante do Orkut

seja a relação que se estabelece entre as pessoas cadastradas. Todas as pessoas estão

ligadas a, ao menos, uma outra. Não há informação — pessoa — que esteja isolada, não

indexada ou não classificada. Todas as pessoas pertencentes ao Orkut estão

necessariamente linkadas a outra. Por uma exigência na hora da adesão ao sistema e,

para fazer parte desta rede, é preciso ser convidado por alguém já pertencente a ela, no

caso, o seu primeiro e inevitável link55 —, por sinal, uma estratégia de muitos dos

sistemas relacionados ao Google, como o Gmail56. Assim, seguindo links, é possível ter

acesso a qualquer pessoa do sistema e todo o conteúdo por ela gerado.

Com o vultoso crescimento da internet, diversos sistemas privados começaram a

oferecer ferramentas de classificação para seus conteúdos, como a Amazon57 com sua

wishlist58 — ferramenta usada para guardar alguns produtos desejados —,

GettyImages59 e sua lightbox — ferramenta para guardar imagens — e Art.com60 —

53 Com conhecimento técnico, diversas características dos blogs podem ser modificadas. 54 http://www.putfile.com/ 55 Este tipo de procedimento hoje é usado por vários outros sistemas valorizando o “convite” e “quem indica”. Desta forma, já é possível encontrar o mercado negro dos convites. http://www.360invites.com/ 56 www.gmail.com 57 http://www.amazon.com 58 http://www.amazon.com/wishlist 59 http://creative.gettyimages.com 60 http://www.art.com

63

ferramenta para guardar pôsteres e gravuras, e muitos outros. Em tempo, guardar a

informação pode ser entendida como arquivar informações ou produtos escolhidos em

pastas, grupos ou listas que estes sistemas permitem, para assim, torná-los disponíveis

facilmente a uma pessoa que deseja ter acesso a eles.

As ferramentas citadas acima — tanto públicas quanto privadas —, entretanto,

não suportaram um uso mais variado que pudesse abrigar diversos tipos de informação e

diversos tipos de mídia. Organizar um sistema que possibilitasse todo um

gerenciamento de um grande número de informações não era tão simples como os

desenvolvidos para alimentar e gerenciar blogs e fotoblogs. Com mais pessoas usando

estes serviços, agrupar algumas discussões foi a próxima etapa. Assim, as ferramentas

de publicação de informação abertas — blog, fotoblogs, etc. — evoluíram, ganharam

diversas funcionalidades, passaram a abranger conteúdos maiores e mais complexos.

Surgiram os CMS — Content Management Systems —, sistemas de gerenciamento de

conteúdo que possibilitavam que sites e portais fossem criados sem o conhecimento

técnico das linguagens computacionais. Entre alguns dos sistemas mais divulgados

estão MediaWiki61, PHP-Nuke62, Spips63, Xoops64, Xaraya65, Plone66, entre outros.

Este último — Plone — foi usado para desenvolver a incubadora da Fapesp. Segundo a

própria, “a Fapesp coloca à disposição da comunidade um projeto com características

inovadoras, que disponibiliza ambientes para criação cooperativa de conteúdos digitais

abertos, de interesse acadêmico, tecnológico ou social”67. Estes sistemas de

gerenciamento são ferramentas muito úteis e revolucionárias pois uma grande parte — e

as que mais merecem destaque aqui — é feita com código aberto. O que eles têm de

especial, além de seu funcionamento, é que não há custo para sua estrutura na rede. Se

alguém quiser criar um jornal on-line pode precisar investir em pessoas e máquinas, mas

não precisará de recursos para colocá-lo na internet.

Ferramentas como essas são importantes pois aumentam o número de pessoas

publicando informações mais complexas e agindo em rede. Assim, novas formas de

pensar e agir podem surgir. Um sistema baseado em CMS que está crescendo e

61 http://www.mediawiki.org 62 http://www.phpnuke.org 63 http://www.spip.net/ 64 http://www.xoops.org 65 http://www.xaraya.com/ 66 http://plone.org 67 http://incubadora.fapesp.br/apresenta

64

desafiando antigos conceitos é a Wikipedia68, a enciclopédia livre da Wikimedia

Foundation — o software usado é o MediaWiki. Seu grande trunfo é ser um sistema

colaborativo, onde qualquer pessoa possa publicar, editar e classificar um conteúdo e,

ainda, estar disponível em mais de cem línguas. Sua interface pode ser editada,

adaptando-se a diferentes conteúdos e formas de apresentá-los — tópicos, gráficos,

tabelas, posicionamento, diagramação, etc. Suas principais críticas, entretanto, giram em

torno de sua credibilidade. Em uma reportagem na revista Nature69, uma comparação

entre a Wikipedia e a Britannica70 mostra exatamente este ponto. Como dar

credibilidade a uma informação sobre física avançada se o valor de uma publicação

realizada por um físico é a mesma da realizada por qualquer outra pessoa? E como

transmitir a informação correta sem um editor que controle a qualidade e legibilidade

dos textos? O fato é que, segundo a Nature, a Wikipedia chega perto da Britannica em

precisão — ao menos em questões científicas.

Enquanto essas argumentações ressaltam questões futuramente inadequadas,

novas discussões são colocadas. A matéria ressalta que o principal ponto de destaque da

Wikipedia — em contraponto à possível falta de qualidade editorial — é a velocidade

com que pode ser atualizada. O sistema digital e sua interface desburocratizam o

processo. Ao invés de haver um grupo limitado de especialistas como por trás do

conteúdo da Britannica, no Wikipedia este grupo, que pode conter exímios especialistas,

é muito maior. O grande diferencial, de fato, fica por conta da interface. O

desenvolvimento de todos esses sistemas — blogs, fotoblogs, videoblogs, CMSs — está

evoluindo de forma a permitir que uma pessoa não só publique informação, mas que o

possa fazer definindo mais variáveis de sua formação e classificando esta informação

com palavras-chave, links, comentários, discussões, imagens, vídeos. (ver anexo II)

Todos estes sistemas, entretanto, trazem consigo traços muito rígidos da

estrutura do código, com formas de manipulação de informação similares. Se por um

lado essas ferramentas — Wikipedia, Netart, e muitos outros — são adaptadas para

diversos tipos de conteúdo, por outro esta adaptação ocorre em cima de regras

parecidas. Todos estão limitados por alguma estrutura que os fazem próximos. O latente

código ainda mostra sua cara e determina como a interface das principais novidades na

68 http://www.wikipedia.org 69 http://www.nature.com/news/2005/051212/full/438900a.html; http://www.nature.com/news/2005/051212/exref/supplementary_information.doc 70 http://www.britannica.com/

65

internet evolui — e não são apenas as informações formatadas pelos sistemas de

gerenciamento de conteúdo que se enquadram neste grupo, mas a grande maioria dos

sites compartilha desta limitação.

2.4 Manipulação física da informação

Com a consolidação da interface gráfica em detrimento à interface com linha de

comando, a utilização de metáforas com elementos do nosso cotidiano, da nossa escala,

revolucionou a forma de encarar e entender mais sobre o computador. A opção por

arquivos e pastas ilustradas funcionou pois, ao identificar tais elementos, a forma de

organizá-los já estava subentendida. Os arquivos iam para dentro de pastas, pastas

dentro de outras pastas. A classificação dos documentos digitais não se caracterizava

mais como um grande enigma.

Por mais que com a interface com linha de comando esta metáfora também

existisse, como dito anteriormente, esta sensação não era visível. Era necessário

descrever os comandos que se desejasse executar. Para procurarmos um arquivo dentro

de uma pasta, deveríamos digitar um comando para mudar de pasta ou diretório — cd,

abreviação de change directory —, indicar qual pasta será acessada — nome da pasta

— e, por fim, um comando para listar todos os arquivos daquela pasta — cd/nome da

pasta; dir. Para deletar um arquivo, idem, o comando de apagar deveria ser seguido do

arquivo — delete arquivo.doc. Com a interface gráfica, para verificar o conteúdo de

uma pasta, basta abri-la com um clique em substituição ao texto anteriormente

necessário. Da mesma forma, colocar um arquivo no lixo é um recurso da interface para

que uma pessoa exclua um arquivo sem precisar escrever uma linha de comando.

Na verdade, além da desmistificação de um arquivo através de um ícone, o que o

tornou ainda mais palpável foi a presença do cursor. Ter a impressão de um contato

direto com o arquivo gera uma sensação de realidade, de contato físico. Não há a idéia

de estar manipulando um desenho que representa um arquivo escrito no disco rígido.

Mesmo indiretamente — afinal uma pessoa move o mouse na mesa e o cursor se move

com o arquivo na tela —, a sensação é de contato físico. Esta materialidade não facilita

apenas o entendimento da organização dos arquivos em pastas, mas na manipulação de

66

um arquivo como um todo. As ações de arrastar, mover, copiar, excluir e agrupar que as

interfaces gráficas apresentam, potencializaram a visualidade e a interatividade da

informação.

Entretanto, com o crescimento da rede, o caminho de desenvolvimento da

interface apresentou um certo desvio. Limitadas pela baixa taxa de transferência de

dados através da internet e pela incompatibilidade de sistemas operacionais, essas

interfaces não poderiam contar com os mesmos recursos locais de um computador. É

como se fosse necessário regredir no desenvolvimento e nas formas de se pensar

interfaces para encontrar um caminho que se adaptasse a esta limitação. Por esta razão,

o HTML é usado amplamente como difusor de informação.

“A mais importante qualidade do HTML é que ele é apenas texto. Não contém

tabelas, tipografias, figuras. No entanto, contém as instruções para as tabelas, fontes,

figuras” (Galloway, 2004:76).

Apesar das semelhanças, a interface de um sistema operacional e as interfaces

visualizadas através dos browsers — HTML — têm diversas especificidades. A

começar pela sua criação. Enquanto uma foi fruto de pesquisa e estudos desde meados

do século passado por poucos grupos espalhados pelo mundo, a outra é criada e

reinventada todos os dias por milhares de pessoas. Com isso, perde-se uma

padronização em troca de um bom senso — mesmo apesar de inúmeras tentativas para

tal. Essa falta de padronização, ao invés de ser prejudicial, acaba estimulando uma

diversidade e ampliando o campo de pesquisa e desenvolvimento das interfaces.

Durante as primeiras décadas de transmissão de informação através de grandes

redes, as práticas adotadas eram basicamente acadêmicas e predominantemente voltadas

para a troca de artigos, documentos, teses, com interfaces mais ligadas à cultura

impressa. Como colocou Manovich, seriam, no fim, impressas e lidas no papel — forte

razão para que seu desenvolvimento tenha seguido este caminho que, mesmo depois,

com o aumento da taxa de transferência de dados e conseqüentemente o grau de

interatividade, a referência da mídia impressa persistia muito forte.

Entretanto, paralelamente a este desenvolvimento, algumas novas formas de

representação gráfica começaram a surgir. Sob as qualidades e vantagens da linguagem

67

Actionscript, da Macromedia, o Flash — em razão da proporção peso/qualidade gráfica

e interativa —, junto com o Java, Lingo, VRML entre outros, foram revolucionários,

pois, mesmo que, desde meados de 1990 com o Mosaic, já fosse possível transmitir

vídeos, sons, imagens e texto ao mesmo tempo, o nível de interatividade e de potencial

gráfico era muito baixo. A experiência que uma pessoa retinha era a de leitura com algo

mais. Essas novas linguagens, entretanto, permitiam uma forma de interação

diferenciada, pois trabalham com outro tipo de código, além das formas apresentadas

pelos arquivos HTML. Enquanto que muitas interfaces desenvolvidas em HTML são

procedentes de formas relacionadas à cultura impressa, os formatos apresentados pela

Macromedia vêm de formas atreladas à animação e ao cinema. E foi justamente por

agregar estes recursos a um alto grau de interatividade que seu uso foi disseminado no

início deste século.

Milhares de sites adotaram esta linguagem e começaram a potencializar o uso da

linguagem e das interfaces digitais. Entre eles, os trabalhos de Hugo Nakamura71 e

Joshua Davis72 merecem destaque. Explorando tanto novas formas de interatividade

quanto estéticas algorítmicas foram responsáveis por disseminar novas formas de

navegação que rompiam com as estruturas rígidas do código HTML. Atualmente, a

busca por novas formas de organização da informação aliadas a uma marcante

manipulação dos dados é explorada, divulgada e discutida através da internet. Dentre as

muitas produções três casos devem ser exemplificados. O primeiro é o arquivo digital

da Aiga73 — American Institute of Graphic Arts — com sua interface voltada para a

organização da informação. O segundo, é o trabalho de Alex Frank, dontclick.it74, que

pesquisa novas formas de manipulação da informação. O terceiro é o experimento de

Stefan Richter, Someone keep stealing my letters75, que trabalha com formas de

manipulação de informação coletiva.

À primeira vista, o arquivo de design em rede da Aiga parece ser mais um site,

entre muitos, que se utiliza da linguagem Actionscript —, afinal, a tecnologia é apenas

um suporte para as interfaces . Tipografias fora dos padrões dos sistemas operacionais,

tratamento de imagens diferenciado e, principalmente, a ausência de uma rigidez

estrutural imposta por componentes HTML. Entretanto, o trabalho de Brad Johnson e 71 http://www.yugop.com/ 72 http://www.joshuadavis.com/ 73 http://designarchives.aiga.org/ 74 http://www.dontclick.it/ 75 http://web.okaygo.co.uk/apps/letters/flashcom/

68

Julie Beeler se mostra uma ferramenta extremamente organizada, com sua interface que

possibilita uma visualização quase que holística das informações disponíveis. Os

eventos de interação são rigorosamente divididos entre a interação tátil do “passar o

mouse por cima” de um objeto para uma rápida informação adicional e clicar para obter

informações mais específicas. Em ambos os casos, a resposta é rápida e reveladora.

Ainda, apesar de demonstrar o uso da tecnologia, o trabalho não apresenta uma estética

futurista com simulação de textura de metal e plástico como muitos projetos,

equivocadamente, o fazem. Não há botões simulando uma tridimensionalidade pois não

há a necessidade de fazer referência a alguma interface não-digital de um aparato em

nossa escala — mesmo porque ele não seria tão prático como este projeto.

Mas o potencial do projeto não se encerra na questão estética. A ergonomia

frente à problemática da resolução de tela e tamanho das janelas é outro ponto que

merece destaque. Um já clássico limitador de projetos para a internet, a incerteza quanto

ao tamanho de área disponível é colocada à prova neste trabalho. Assim como grande

parte dos sites, destacando o Google e o A976, independentemente do tamanho da janela

e da resolução, as informações se ajustarão para serem visualizadas. O problema é que,

com esta flexibilidade, estranhas diagramações começam a aparecer e deturpar o

conteúdo divulgado. Diagramar um campo de texto para um material impresso ou para a

televisão e cinema, onde o suporte e a forma de apresentação são quase padronizados, é

muito diferente de diagramar um campo de texto que pode sofrer distorções e se

apresentar da forma que o usuário definir. Diferente dos sites Google e A9, o arquivo da

Aiga tem um cuidado especial para que os elementos da interface sejam adaptáveis a

diferentes formatos e que ao mesmo tempo não percam em qualidade gráfica, estética e

informacional. Não que o projeto tenha encontrado uma forma completamente flexível

de se dispor informação, mas apenas levar em conta esta variável, com o êxito estético

obtido, já o faz por merecer o destaque. A adaptação do projeto A Grande Linha, de

Daniel Trench, Edu Marin e Felipe Julián, exposto na Mostra Sesc de Artes

Mediterrâneo (2005), também retrata esta problemática77. O projeto original consistia

em uma grande linha do horizonte composta por inúmeras fotos coletadas ao longo da

preparação do projeto a convite dos artistas, somada à ambientação sonora de

composições eletroacústicas. A adaptação para o meio digital seguiu a mesma linha do

projeto original, porém adotando a incerteza do espaço como ponto principal. Por um 76 http://www.a9.com/ 77 http://www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/grandelinha/index.html, adaptação de Renato de Almeida Prado.

69

lado, a incerteza espacial da paisagem do horizonte que se modifica a cada olhar é

evidenciada pela aleatoriedade das imagens que invadem a área visual. Uma imagem

que saia do horizonte visual da janela não mais volta na mesma posição. Por outro, a

aleatoriedade do campo visual — estipulada pelo tamanho da janela do browser — não

só é levada em conta como é aproveitada para uma navegação diferenciada. A busca por

um novo horizonte pode ser feita tanto através de um movimento horizontal do cursor

como no ato de redimensionar a janela. Não importa o tamanho da área, a linha do

horizonte permanecerá no centro visual horizontal da tela. E não importa quantas

imagens apareçam que a estética do trabalho se mantém. Uma questão de adaptação.

Outro ponto que chama atenção no arquivo da Aiga é o seu sistema de procura.

Apresenta uma demonstração de indexação de conteúdo, com o uso cruzado de filtros

— como já fora discutido anteriormente. As informações não estão à disposição

unicamente de forma cronológica, ou por tema. Com todos os trabalhos devidamente

indexados, a procura pode ser feita cronologicamente, por tema ou relacionando os

filtros, por um tema específico em determinada data. Assim como o tamanho da janela,

esta interface possibilita que uma pessoa configure de forma simples quais informações

e como devem estar disponíveis na tela. E isso não se limita apenas à procura. A própria

apresentação dos trabalhos pode ser filtrada de forma a encontrar ou procurar uma

informação específica de maneira simples. Uma interface adaptável, mas que mantém

sua qualidade de publicação invariável.

70

71

Além de todas estas características, o que faz deste projeto relevante quanto à

manipulação da informação é que são acompanhadas de interação peculiar. Não há os

tradicionais links que mudam de página. Nem mesmo há o conceito de página atrelado

ao projeto. As informações requeridas são acessadas em algo que mais parece um

ambiente que uma página. As formas de interação são instrumentos para que as pessoas

compreendam a interface e saibam quase que intuitivamente usufruir o sistema.

É nesta linha de interação e manipulação da informação que o projeto

dontclick.it se enquadra. O próprio endereço — http://www.dontclick.it — já denota

uma forma diferenciada de usar a rede. A extensão .it não se refere a um site italiano, e

sim ao objeto de interação. Da mesma forma que o site del.icio.us — http://del.icio.us

— utiliza-se da extensão .us para tornar seu endereço mais palatável. Entretanto, as

experimentações vão bem além do endereço.

O alemão Alex Frank desafia os curiosos a interagirem sem o uso do clique do

mouse, com uma leve punição gráfica àqueles que se atreverem intencionalmente, ou

não, à prática do indicador. Também não utiliza estéticas futuristas e texturas espaciais,

seu trabalho gráfico é baseado em cima da informação. Depois de alguns instantes de

contemplação, a navegação sem o clique passa a ser natural e as conseqüências deste ato

ficam evidentes. O tempo de acesso à informação cai drasticamente, pois apenas a

interação do cursor já ativa os eventos da interface — abrir um menu, escolher um

tópico, movimentar um objeto, etc. Frank vai além e desenvolve diversos experimentos

de interação sem o clique, como intervenções gráficas, modelação de objetos e interação

com botões. Se no projeto da Aiga, a interação do cursor com um objeto já era

condicional para a qualidade da interface, aqui foi levado ao extremo. E o projeto

demonstra que com pouca prática isto já é possível.

Salvo a interação com alguns botões, todas as soluções encontradas por Frank

são extremamente simples, ágeis e, acima de tudo, didáticas. Naturalmente algumas

pessoas podem se perder e se verem completamente desorientadas com a velocidade da

informação, mas não é nada mais que falta de prática. A busca por uma informação não

pode ser exaustiva, não pode demorar. Deve ser rápida para que sua prática seja útil.

Não é à toa que o Google dispõe junto com o resultado de uma busca o ínfimo tempo

necessário para seu sistema realizá-la. A interface deve facilitar a busca e possibilitar

que mais variáveis sejam incorporadas para torná-la mais eficiente.

72

Além de todo o trabalho de manipulação de informação voltado para uma busca

e uma interação mais eficiente — rapidez, precisão, organização —, as interfaces, como

já explorado nesta dissertação, passam a ser importantes formas de comunicação entre

pessoas.

73

O terceiro exemplo, ao contrário dos dois primeiros, é relativo às interfaces que

possibilitam uma interação conjunta entre pessoas. Não possuem o mesmo caráter

informativo, nem a mesma primazia estética, mas são relevantes pelo seu resultado

coletivo.

74

Someone keep stealing my letters é uma espécie de projeto de entretenimento

coletivo. Dezenas de letras são colocadas à disposição em uma área para que até mais de

70 pessoas embaralhem, organizem, atrapalhem, incomodem, ajudem umas às outras.

Não há um objetivo, não há regras. Há apenas as limitações e possibilidades que as

interfaces proporcionam. Assim como este projeto, Richter criou também o

Scratchpad78, sistema semelhante que ao invés de trabalhar com letras, apresenta para

ser desenhada por um grande número de pessoas. Também uma interação coletiva, com

as regras estabelecidas apenas pela interface.

A interação entre pessoas na internet não é nenhuma novidade, mas e-mails,

fóruns, blogs dificilmente possibilitam que as discussões se dêem em tempo real. Os

chats, comunicadores — ICQ, Google Talk, MSN — chegam mais próximos a este

objetivo, mas ainda têm a comunicação enviada por pacotes — alguém finaliza uma

frase e depois a envia —; já o Skype — voz — se assemelha mas não trabalha isso

graficamente. Em ambos os casos — Someone keep stealing my letters e Scratchpad —,

a interação é gráfica e coletiva, os resquícios da comunicação continuam evidentes —

assim como nos fóruns e chats, e ao contrário do Skype. Claro que dos chats ao Skype o

desenvolvimento foi grande, e que experimentos semelhantes aos de Richter sucederão

estas simples intervenções. Mas as potencialidades gráficas de interação coletiva —

instantânea — e suas implicações já são necessárias. Na verdade, as formas citadas nos

três exemplos acima — arquivo de design da Aiga, dontclick.it e Someone keep stealing

my letters — vão paulatinamente se tornando condicionais para o desenvolvimento da

rede.

A velocidade que a informação chega a uma pessoa está atrelada à facilidade que

esta tem de encontrá-la, razão pela qual as interfaces caminham neste sentido. Uma

pessoa não vai realizar uma tarefa através da internet se houver forma mais prática e

rápida de fazê-la. Se encontrar uma informação específica em um site não for uma

tarefa fácil, uma pessoa o fará em livros, jornais, ou até por telefone — caso haja algum

para tal —, mas não se aventurará pelas dezenas de áreas que se apresentam logo de

início. Se as interfaces digitais não apresentarem soluções diferenciadas, que explorem

seu potencial, ficarão sempre à sombra de suas referências e dificilmente serão usadas

de maneira ampla para as práticas sociais que demandem tal qualidade. 78 http://web.okaygo.co.uk/apps/scratchpad/flashcom/

75

2.5 Design da informação

Ordenar a informação graficamente é uma prática humana, uma forma de

comunicação. Inscrições, pergaminhos, guias de navegação, mapas, folhetos, livros,

televisão, entre muitos outros, refletem esta atividade. Quanto mais informação para ser

representada, mais complexo é o desafio e parte desta complexidade se dá,

principalmente, pelas limitações do suporte. Um pergaminho não deve conter uma

quantidade ilimitada de conteúdo se não suas dimensões seriam desproporcionais.

Assim como um livro, a televisão, etc. Os suportes apresentam limitações físicas que

requerem de elementos da interface soluções de representação da informação.

Um exemplo simples é um gráfico, como o colocado abaixo. Este,

especificamente, representa a variação do número de artigos em diversas línguas na

Wikipedia ao longo dos últimos anos. O eixo horizontal representa uma escala temporal

— bimestral —, o eixo vertical representa a quantidade de arquivos. Cada linha, com

sua respectiva cor, representa essa variação para um idioma específico.

76

Neste caso, entre outras possibilidades, este gráfico permite uma leitura

individual do crescimento de artigos para cada idioma como também possibilita uma

comparação entre os idiomas. Ou seja, permite diversas leituras acerca das qualidades

dos dados devido à forma com que esta informação foi desenhada e disposta. Por

exemplo, se a escala temporal representada fosse relativa às décadas, e não aos

bimestres, a leitura seria, naturalmente, outra, mesmo não alterando o tipo de dado —

tempo. A representação gráfica seria outra. Isso mostra que, para uma leitura específica,

as informações precisam de uma organização específica.

“Compreender as características qualitativas de um conjunto de informação é o

primeiro passo para entendê-las. A busca por representações qualitativas é uma conduta

funcional porque seria desnecessário ou impossível levar em consideração somatórias

individuais para um grande conjunto de informações (...) Impossível pois a mente não é

capaz de lidar com centenas de milhares de quantidades individuais simultaneamente.

(...) [D]esnecessária pois apenas uma pequena parcela da informação será de fato usada,

e tempo será desperdiçado analisando as partes inúteis.” (Fry, 2000:14)

Uma somatória de elementos gráficos é usada como instrumento para que mais

informações de um mesmo conteúdo possam ser encontradas. O gráfico abaixo, criado

para CNN, utiliza cores e números em um mapa dos Estados Unidos para apresentar o

resultado final das apertadas e polêmicas eleições norte-americanas de 2004.

77

Algumas conclusões ficam claramente expostas e outras muitas podem ser

analisadas. Por outro lado, demais formas de representação de informações similares ao

gráfico da CNN podem ser aplicadas, como a criada por Steve Duenes e equipe, do New

York Times, para o resultado das mesmas eleições.

Claro que esta segunda representação possui muito mais informação do que a

primeira, mas não é esta comparação que merece atenção. Embora ambos permitam que

seja visualizado um quadro geral por estado, o primeiro gráfico utiliza-se de números

para quantificar o número de votos de uma região, enquanto o segundo utiliza a

dimensão dos círculos para o mesmo feito.

No primeiro gráfico das eleições de 2004, este quadro geral e imediato não teria

a mesma visualização se os números fossem referentes a cada pequena área como

mostra o segundo exemplo. Não seria possível analisá-los individualmente de forma

rápida, o que torna claro que a escolha de uma variação gráfica — diâmetro do círculo

— para a representação de uma informação, neste caso, é condicional para uma ampla

interpretação.

Por mais que haja diferenças significativas, vale ressaltar que ambos os gráficos

são estáticos. Sua informação é fixada e desenhada de forma a representar alguns fatos e

78

permitir diversas análises, e será assim para sempre, esteja ele impresso em um jornal,

em um cartaz, em uma parede. Estes suportes têm um limite físico. E é aí que reside um

dos grandes diferenciais da representação através da linguagem digital. Não pela

possibilidade de juntar em um mesmo ambiente diversas mídias — impresso, vídeos,

imagens em movimentos, gráficos, entre outros — e sim pelo seu grau de interatividade

e dinamismo. Muitos gráficos das eleições americanas poderiam estar relacionados e à

disposição de uma pessoa através de pouca interação.

Quem soube aproveitar muito bem estas potencialidades das interfaces digitais

foi Martin Wattenberg79. “Quero que meus trabalhos respondam instantaneamente aos

visitantes” 80, diz ele. E é esta a sensação ao interagir com seus projetos. Alguns

parecem gráficos estáticos muito bem resolvidos, mas, ao interagir com eles, novas

informações são apresentadas e novas leituras são possíveis.

O exemplo abaixo se refere ao projeto Map of the Market (1998)81, uma

interface que apresenta informações sobre o mercado financeiro. Um único mapa que

permite uma rápida visualização geral sobre as condições do mercado.

79 http://www.bewitched.com/ 80 http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/421,1.shl 81 http://www.smartmoney.com/marketmap/

79

O grande potencial desta interface é de possibilitar que determinadas

informações possam ser analisadas em diferentes escalas, ou seja, é possível analisar

quais empresas estão em alta e quais estão em baixa através da intensidade das cores e,

segundo seus agrupamentos, é possível analisar que setores e que tipo de indústrias

seguem o mesmo caminho. Ainda, o valor de mercado de uma empresa é determinado

pelo tamanho da área que a representa. Através do controle à direita, seleciona-se a

situação do mercado atual, no dia anterior, há seis e 12 meses passados além de outras

opções. Apenas passeando com o cursor sobre cada célula, informações adicionais são

mostradas. Após o clique, uma série de opções de dados sobre cada empresa surge —

estas, entretanto, serão acessadas em outra janela.

Simplificadamente, é possível visualizar um plano geral — do mercado de

ações ou como em ambos os gráficos das eleições norte-americanas — e ao mesmo

tempo entrar em especificidade — de cada empresa ou como os números do primeiro

gráfico eleitoral e a diversidade gráfica do segundo. O potencial de leitura do gráfico

digital — dinâmico — é bem maior que um impresso — estático — e precisa ser mais

explorado e melhor aproveitado.

Não apenas os gráficos, mas todas as formas de comunicação digital

possibilitam este potencial de leitura e organização da informação. Bons sistemas de

busca podem representar gráfica e interativamente seus resultados, assim como ocorre

80

em um outro projeto de Wattenberg, o Idea Line (2001)82, uma história interativa da

arte na internet.

A primeira leitura, assim como o Map of the market, lembra um gráfico estático.

O eixo horizontal representa uma escala temporal — ano —, a vertical é relativa às

possíveis categorias de arte na internet. Ainda, para cada categoria em determinado ano

há uma grau de intensidade na cor da linha. Quanto mais trabalhos houver em uma

determinada época, mais clara será a linha.

Desta forma já é possível analisar algumas tendências como o grande uso de

hipertextos entre 1996 e 2000, ou de animações a partir de 1999. Porém, aqui também

possui um novo mundo a ser desvendado com o cursor. Ao passá-lo sobre uma linha —

categoria — ela se abre apresentando o nome dos trabalhos separados por ano, e o

trabalho selecionado ganha informações adicionais em um pequeno quadro. Ou seja,

82 http://artport.whitney.org/commissions/idealine.shtml

81

uma outra escala de visualização é oferecida. Antes era possível ver um contexto macro,

enquanto que agora é possível analisar algumas especificidades. Ainda, na relação

vertical das categorias, há dois indicadores de relacionamento. Estes representam outras

categorias em que o mesmo trabalho também se encontra. Quadrado laranja cheio

significa que o trabalho é representativo de uma outra categoria, enquanto que o

quadrado laranja vazio significa que há relação, mas não é o foco principal.

As informações não param por aí. Há um campo de busca no alto à esquerda que

tem funcionamento interessante. Ao procurar alguma informação neste campo, o

sistema gera, a cada caractere digitado, uma lista de supostas opções que estão no banco

de dados do sistema e, ao selecionar uma opção desejada ou digitar por completo a

palavra a ser buscada, ao invés do resultado da busca ser listado, como no Google, ele é

apenas indicado graficamente na interface.

82

A representação é similar à citada anteriormente. Quadrado amarelo cheio indica

a categoria principal em que o trabalho procurado se encontra e os quadrados amarelos

vazios indicam temas secundários. Com isso, é possível analisar, por exemplo, quais

tendências o trabalho procurado seguia à época de sua criação.

83

Ainda, se a seleção do trabalho se der através do botão direito do mouse, é

possível visualizar todos os outros projetos do mesmo artista seguindo as mesmas

lógicas gráficas, isto é, abrem-se novas possibilidades de leitura, novas formas de

visualização. É uma série de recursos que permitem que as informações sejam

percebidas e entendidas sob diversos pontos de vista.

Se em uma maior abordagem o que estamos vivenciando é um aumento brutal na

quantidade e na velocidade do fluxo de informações e todas as conseqüências que isto

proporciona, essa organização se faz extremamente necessária, pois permite um

potencial de análise muito maior. A velocidade com que é possível realizar tais análises

é muito menor.

Assim, as muitas formas de visualização e as diversas escalas de leitura fazem

dos trabalhos de Wattenberg um caso de organização da informação que extrapola as

formas das já tradicionais culturas e que se mostra apto para esta nova quantidade de

informação. Assim como o arquivo digital da Aiga, Someone keep stealing my letters,

donclick.it, blogs, CMSs, links, filtros, live bookmarks. Cada um com sua

84

particularidade, cada um suportado por formas de interação e tecnologia específicas,

mas que devem ter no seu desenvolvimento um mesmo sentido, uma mesma lógica: o

entendimento das especificidades do aparato digital e, a partir deste conhecimento, uma

aplicação bem mais eficiente, capaz de não apenas transmitir muito mais informação,

mas contextualizá-las trabalhando-as em diversas escalas. Se estamos — a grande

maioria — nos acostumando a procurar informações através dos tradicionais sistemas

de busca — Google, Yahoo, entre outros —, que trabalham basicamente com textos, é

sinal de que as interfaces ainda têm muito potencial de desenvolvimento.

Considerações finais

Os diagramadores de jornais e revistas impressas, aqueles que, após a definição

de determinado conteúdo, minuciosamente se esforçam para que a informação

permaneça clara e inteligível para um leitor, não estarão aptos para diagramar e

organizar informações digitais dinâmicas, caso utilizem as mesmas qualidades

adquiridas em seus ofícios. Elas não serão suficientes ao se depararem com uma

informação dinâmica que se altera constantemente. Diagramar uma coluna de texto com

um número de palavras contadas é diferente de diagramar um texto que pode, em

determinado momento, conter um número de palavras e, depois, outro, algumas vezes

maior ou menor. Alocar uma imagem de tamanho indefinido e flexível requer outras

metodologias. Diagramar um conteúdo dinâmico, de fato, mais se parece com o trabalho

de um jardineiro do que com o de um tradicional diagramador. Isso, pois este conteúdo

que evolui possui mais traços de um organismo vivo do que os de um objeto inanimado.

Sua representação final não é estabelecida, é administrada.

Entender como este conteúdo se desenvolve cria condições para que seu

crescimento se dê de maneira ordenada e inteligível.

“Ao aprender como um organismo utiliza suas peculiaridades para lidar com

seu ambiente, uma pessoa pode inferir como a visualização pode gozar de

características similares.” (Fry, 2000:43)

85

Em breve, não desenharemos mais interfaces diretamente. Nosso trabalho será

focado na construção de programas que desenharão interfaces. Esta prática, inclusive, já

é comum nos sites com grande quantidade de dados, pois, normalmente, dispõem de

informação dinâmica armazenada em uma base. Nestes casos, as informações não são

desenhadas anteriormente, mas são montadas na hora, segundo regras que determinam

sua forma de se apresentar na hora em que forem acessadas. A disposição das

informações na publicação digital do jornal O Estado de S. Paulo83, por exemplo, é

realizada desta forma. Não há o tal diagramador que recebe o conteúdo e o aplica

definindo uma determinada diagramação. Um simples aplicativo — se assim pode ser

chamado — é escrito para acessar a informação armazenada em um banco de dados,

inserida diretamente por um jornalista, diagramá-la segundo regras pré-estabelecidas

para, então, gerar o arquivo da forma que o vemos quando o acessamos através do

computador. O mesmo ocorre para o Google, que possui a mesma diagramação para

qualquer busca de seu principal serviço de procura. Seus diagramadores nunca

souberam quais as informações que iriam aparecer no momento em que alguém

efetuasse uma determinada busca, mas souberam criar uma regra para que a

apresentação final — por mais duvidosa esteticamente que seja — se mantivesse

organizada.

Esta lógica de usar programas para criar programas para realizar algumas

funções específicas pode ser encontrada em outros tipos de aplicativos. Johnson

(2003:126) descreve um projeto de Danny Hillis para classificar números aleatórios, um

problema antigo da matemática. A especificidade deste programa é que ele não foi

desenhado diretamente para ordenar os números, e sim criado para desenvolver

programas que possam fazê-lo. Os 72 passos alcançados por um destes programas

criados pelo programa de Hillis chegam muito próximo do recorde de 70 passos

alcançados por programas estruturados especificamente para ordenar os números —

feito impressionante se considerado que seu programa demorou apenas 20 minutos para

escrever um aplicativo que desenvolvesse esta forma de ordenar enquanto os homens

levaram alguns anos para escrever tal aplicativo. Nos programas tradicionais, a lógica

do programador é que define o procedimento. No software de Hillis, não. Ele não sabe

nem ao certo dizer se a lógica usada na ordenação é compreensível.

83 http://www.estadao.com.br/

86

Aproveitar-se do potencial digital é uma prática imprescindível para lidar com

uma quantidade de informação superior ao que somos humanamente capazes. Esta

mesma idéia é apresentada por inúmeros jogos digitais, entre eles os famosos Simcity84

e The Sims85. Em Simcity — simulador de cidades —, seus criadores evidentemente não

pensaram em todas as possibilidades de desenvolvimento de uma cidade para criar o

jogo. Eles inventaram regras para este desenvolvimento. O jogo é basicamente a

administração do crescimento das cidades segundo alguns instrumentos colocados à

disposição pela interface do jogo — o mesmo mecanismo na simulação de

relacionamentos pessoais representada pelo The Sims. O jogador recebe o poder de

alterar algumas variáveis importantes e, ao mesmo tempo, se encontra alheio e passivo

diante de outras que o sistema promove.

Todos estes exemplos possuem fortes características de sistemas auto

generativos e emergentes que se desenvolvem, também, de acordo com seu próprio

código e em reação aos reflexos de nossas ações. É interessante notar que este latente

aumento no número de informações que regem o desenvolvimento destes sistemas vai

além de uma escolha consciente por parte das pessoas. Não fica a cargo delas

determinarem, sozinhas, os reflexos de uma ação. O sistema reage por si só a elas. Em

The Sims, por mais que alguém possa controlar muito rigorosamente, através de uma

interface, as ações de seu personagem, não será possível isolá-lo de ações e reflexos

externos. Os sistemas tendem, cada vez mais, a processar dados de forma inteligente,

para que o grau de informação seja mais elevado e para que uma pessoa experimente

uma sensação mais próxima do seu contato com o mundo natural e em uma escala de

análise superior. Entretanto, estas informações só poderão ser utilizadas com todo seu

potencial caso haja uma interface que seja capaz de interpretar e apresentar de forma

adequada todas estas informações dinâmicas com a mesma capacidade auto generativa e

emergente — utilizando-se de regras para reinventar sua capacidade representativa de

acordo com cada novo e inusitado conteúdo. Uma interface que atue de forma

inteligente, organizando a informação seguindo regras que ela mesma possa criar.

Se por um lado as interfaces têm de desenvolver essa ampla capacidade de

apresentar informação, por outro, terão de evoluir na forma de receber — e

84 http://www.simcity.com/ 85 http://www.thesims.com/

87

conseqüentemente transmitir — informações provindas das pessoas. Futuros passos no

desenvolvimento de interfaces devem prever que a troca de informação com o sistema

não deve estar restrita à entrada e saída de informações simples como um clique do

mouse, uma tecla apertada. Se há a intenção de que processos comunicativos e

atividades sociais sejam potencializados pela ausência da relevância do espaço físico, é

importante que, através de interfaces e máquinas, outras formas de informação possam

ser representadas.

O trabalho Perversely Interactive System86, de Lynn Hughes e Simon Laroche,

extrapola este conceito e leva a troca de informação entre homem e máquina a um novo

limite. Com o uso de interfaces não tradicionais, ao invés de entradas de informação

consciente, elas trabalham com inputs de biofeedback — um sistema relacionado com o

nível de stress de uma pessoa. Dependendo de quão calma uma pessoa estiver na frente

da obra, ela se comportará de forma diferente.

Aparelho que mede o nível de stress de uma pessoa. As informações colhidas são passadas para um computador que as interpretará modificando a reação do sistema.

86 http://interstices.ca/

88

Imagem de uma mulher que se aproxima e se afasta dependendo do nível de stress da pessoa que usa o aparelho. Os mais calmos a atraem, enquanto os menos calmos a afugentam.

Não há interação aparentemente direta para a grande maioria das pessoas. O

sistema se comunica mais com as informações químicas do organismo do que com as da

consciência simplesmente. É bem diferente de um sistema reagir a um comando

proposital como, por exemplo, o movimento do cursor. Uma interface que tenha — não

apenas, mas inclusive — a pretensão de representar uma realidade, tem de transmitir

bem mais informações do que as possíveis através das atuais formas de input de dados.

Sensores de movimento, acústica trabalhada de forma periférica, monitores de

mais alta precisão, entre outros, colaboram na construção de um conjunto de formas

mais sinestésicas de interagirmos. Uma qualidade que pode representar um grande passo

na potencialização da atividade das interfaces nos processos comunicacionais, e em uma

integração ainda maior na sociedade.

Assim, a influência das interfaces poderá se imbricar de forma tão ampla em

nossas atividades básicas do cotidiano que será possível dizer, ao contrário de que os

meios de comunicação sejam uma extensão de nós, que seremos, nós, os homens, que

nos comportaremos como a extensão de um contexto repleto de máquinas, interfaces,

89

fluxo de informação, etc. Nós que estaremos condicionados a esta nova realidade como

muito bem analisou Miller (2004:16).

Esse quadro, entretanto, não pode ser interpretado erroneamente como uma era

de domínio das máquinas como diversas histórias de ficção científica protagonizam. As

interfaces conseguem permitir que a manipulação dos códigos seja mais efetiva, que

muitas informações possam ser alocadas e representadas de forma organizada e que sua

alteração tenha efeitos maiores que sua própria dimensão. Os exemplos expostos no

final do segundo capítulo apontam para o fato de que práticas sociais são realizadas

através das interfaces e dos aparatos digitais, potencializando, assim, a formação de

informação e inteligência coletiva.

Imbricadas com o seu contexto, as interfaces têm a responsabilidade de

comandar a representação da informação na escala digital que, sucessivamente, amplia

sua participação na nossa interpretação da realidade. As interfaces, cada vez mais

presentes, acompanharão ainda mais nossa mobilidade, ampliarão nossa capacidade de

percepção e permitirão que realizemos tarefas antes não possíveis, atuando ativamente e

decretando condições. Afinal, apesar do seu aspecto abstrato, a informação digital

sempre trabalha com ações e efeitos concretos. Desta forma, a manipulação destas

informações através das interfaces dispõe de potência cada vez maior. Um poder que,

como esclareceram Gilles Deleuze e Michel Foucault, “produz realidade” (Deleuze,

1988:38). É esta a percepção que as interfaces digitais devem passar, de estarmos,

através delas, atuando de forma concreta e gerando efeitos reais. Devem transmitir a

real sensação de, ao manipularmos as informações digitais, estarmos manipulando,

também, e de uma nova forma, o nosso contexto e a nossa realidade.

Para tanto, é necessário que cheguemos a esse ponto cientes do processo que

envolve o desenvolvimento das interfaces. Que saibamos sua utilidade e suas

potencialidades. É essencial termos a consciência de que arquitetar uma interface é um

planejamento interdisciplinar e que não deve ser pensado apenas sob o ponto de vista

estético-visual nem tampouco de forma simplificada, reduzindo a interface à membrana

que liga as pessoas e os códigos. Todo o ambiente que as legitima e todo o trabalho de

arquitetura da informação e formas de interação devem estar presentes nos

questionamentos recorrentes àqueles que se propuserem a tal atividade. A compreensão

destas variáveis é necessária e envolve tanto questões filosóficas, como a discussão

sobre os laços sociais e a questão da autoria, quanto discussões tecnológicas sobre

90

ergonomia, manipulação e usabilidade em sistemas digitais. Uma compreensão

fundamental para que o desenvolvimento das interfaces não apenas amplie sua

relevância nos processos sociais, mas que o faça estruturado em conceitos e conjecturas

bem sedimentados e apoiados em novos formatos de arquitetura da informação.

91

Anexo I

No final de 2005, foi desenvolvida pela Epigram Comunicação87 uma interface

restrita para a consulta, edição e manipulação do banco de dados do escritório L+M

GETS que contém informações de todos os seus contatos e suas relações com a

empresa. O trabalho consistia em substituir o banco de dados Acess — local — para um

banco de dados SQL — remoto — a fim de torná-lo apto para trabalhar com os

diferentes sistemas e ferramentas em rede que estavam sendo criados para os negócios

da L+M GETS88. Assim, todas as informações poderiam ser acessadas de qualquer

computador conectado à internet — funcionalidade importante para uma empresa que

possui parte do seu pessoal fora do escritório físico onde o banco de dados antigo estava

localizado.

87 Epigram Comunicação Ltda. é o escritório no qual, além de sócio, coordeno a equipe de pesquisa, desenho e desenvolvimento de interfaces. 88 O banco de dados da L+M GETS alimenta uma série de ferramentas na internet, como o site da empresa, o site de um de seus produtos, http://www.hospitalcontemporaneo.com.br/ uma área restrita de compra de cotas para feiras, ferramenta de comunicação e relacionamento, entre outros.

92

A interface do banco de dados possui funcionamento simples. À esquerda, há

uma lista de empresas e pessoas ordenada alfabeticamente e um campo de pesquisa para

uma rápida procura. À direita, são apresentados dados e informações relativas à empresa

escolhida e no topo ficam os filtros de pesquisa. Não há páginas. Todo o conteúdo se

concentra em um único ambiente. Isso porque o sistema trabalha com abas que abrem e

fecham verticalmente revelando seu conteúdo e mantendo-o “visível” mesmo que

fechados — dessa forma, evita-se os tradicionais menus que funcionam como links para

outras páginas. Ainda, as informações do banco podem ser facilmente manipuladas

através dos controles de edição.

93

Os controles de edição estão identificados pelos quadrados magenta. Há o controle verde para inclusão de informação, amarelo para a edição e vermelho para a exclusão.

Optando pela edição — clique no controle amarelo — a interface passa a ser editável, porém sem perder a sua estrutura de abas, ou seja, mantendo o mesmo funcionamento. Assim, os campos, antes restritos à visualização, podem ser alterados e a nova informação salva. Para retornar ao modo de visualização, basta fechar a edição no mesmo local onde ela foi acessada, substituída agora por um controle de saída — indicado pelo quadrado magenta. Esse processo para a edição é necessário, pois nem todas as pessoas que têm acesso ao sistema possuem permissão para editar o banco, algumas podem apenas visualizar. Para estas, os controles de edição ficam ocultos.

94

Desta forma, esta interface permite a organização visual das informações do

banco de dados além da possibilidade de uma fácil edição. Porém, é no filtro — parte

superior — que pode ser encontrada a forma mais flexível de organizar a informação.

Ele também funciona como uma ‘aba’, e ao ser aberto revela um funcionamento

muito similar ao das smart playlists do iTunes. Uma interface que possibilita a criação

de inúmeras regras para filtrar apenas as empresas e pessoas que têm suas informações

congruentes com o requerido no filtro.

No caso acima, os filtros buscavam uma empresa cujo nome é Epigram e cuja rua é Haddock Lobo. As regras desta busca podem ser salvas e usadas posteriormente sendo selecionada no campo destacado com o retângulo magenta, isto é, não é necessário montar o filtro novamente para realizar a mesma busca.

95

Porém, a manipulação com os filtros não se encerra nesta interface. Como dito

anteriormente, há a integração com as outras ferramentas. Logo abaixo do resultado da

busca — à esquerda — há a opção de salvar o resultado da busca. No caso acima o

resultado contém apenas uma empresa — Epigram —, mas se a regra do filtro estivesse

direcionada para todas as empresas estabelecidas em Campinas e que possuem contrato

ativo com a L+M GETS o resultado seria bem maior. Assim, se a L+M GETS fosse

participar de um seminário em Campinas e achasse relevante avisar seus atuais clientes

residentes na cidade, o resultado desta busca seria salvo nesta interface e estaria

disponível no banco para um outro módulo, uma ferramenta de relacionamento. A

ferramenta de relacionamento permite que a L+M GETS construa newsletters digitais

complexas e comunicados institucionais para serem enviados individualmente para seus

contatos. Nesta ferramenta, então, um comunicado seria produzido e na hora de

selecionar seu remetente o grupo criado na interface do banco de dados seria escolhido.

Não seria necessário saber quais são as empresas estabelecidas em Campinas e que têm

contrato ativo com a L+M GETS para enviar o comunicado. Mas certamente todas as

empresas de Campinas com contrato ativo seriam avisadas.

96

Anexo II

Além de diversos sistemas que possibilitam uma edição coletiva — Net Art,

Wikipedia, blogs, Orkut, entre outros —, muitos sites na internet possuem, também,

ferramenta de gerenciamento de conteúdo para sua edição. Entretanto, ao contrário das

ferramentas citadas, estes não têm a intenção de abrir para edição pública sua

informação — afinal, o UOL não é um site de participação coletiva. A ferramenta é

usada apenas por poucas pessoas que têm especificamente essa função — razão pela

qual as ferramentas de edição não são visíveis ao público em geral, que, por sua vez,

ignora sua existência. Assim, um jornalista pode atualizar o site de esportes do UOL

sem conhecimento técnico e, ainda por cima, assistindo a um jogo de sua casa89.

Entretanto, estas ferramentas têm pouca preocupação com a qualidade das

interfaces. Seus primeiros usuários eram pessoas com conhecimento técnico em

computação e, em função disto, o sistema seguia uma lógica relacionada às linguagens

computacionais. Porém, com o crescimento da internet, diversos sites passaram a contar

com este tipo de ferramenta e pessoas não-técnicas passaram a usá-las.

89 http://blogdojuca.blog.uol.com.br/

97

A ferramenta de conteúdo do UOL, o maior site brasileiro, e um dos maiores do mundo em conteúdo, tem sua área de jornalismo atrelada a uma ferramenta de método similar ao acima.

98

A questão é que os novos editores não detêm o conhecimento técnico necessário

e, por mais que estas ferramentas tenham evoluído, permitindo uma interação, ainda são

confusas, pouco intuitivas e demandam mais tempo do que poderiam para uma edição.

Normalmente há um outro site que funciona exclusivamente para gerenciar o conteúdo

de um outro site, como ilustram as imagens acima.

A primeira imagem se refere ao site que aparece ao público. Em seguida há uma

tela de identificação para entrar na ferramenta de gerenciamento de conteúdo — o

endereço da ferramenta é diferente do endereço do site; enquanto que para acessar um

site alguém digitaria www.site.com.br, para acessar a ferramenta de gerenciamento de

conteúdo o endereço poderia ser www.site.com.br/admin. Após a identificação, a pessoa

acessa uma interface que possui cadastradas as páginas, tópicos, subtópicos e grande

parte do conteúdo do site original. Assim, conforme a terceira imagem — já dentro da

ferramenta —, é possível inserir textos, imagens, arquivos, ou seja, inserir, editar e

excluir conteúdo do site final.

Ao julgar inapropriadas essas ferramentas, a Epigram construiu uma própria,

usada na grande maioria de seus projetos. A idéia central desta ferramenta, e que a

difere das outras, é que uma pessoa tenha maior materialidade do que está publicando

ao usá-la, que perceba aonde este conteúdo será inserido, como ele será apresentado e

que tenha às mãos as possibilidades para isto. Assim, a comunicação entre o sistema e a

pessoa deve ter tratamento diferenciado. Vale relembrar que esta questão tem relação

com o já comentado projeto esc for escape de Giselle Beiguelman90, que critica a forma

de comunicação — ou os erros — dos sistemas operacionais e seus termos peculiares,

para não dizer, temerosos.

A primeira mudança é a ferramenta de gerenciamento de conteúdo não ser

desprendida do site original, ou seja, que não haja um sistema separado visualmente do

conteúdo final para alterá-lo — uma pessoa não pode alterar um conteúdo sem conceber

esta mudança. É preciso que a interface do site permita que ela o edite de forma fácil.

Assim, após a identificação, ao invés de entrar em um outro site, o site ‘original’ é

acessado novamente, porém, agora, controles de edição ficam visíveis — conforme

destacam os quadrados magenta na figura abaixo.

90 http://www.desvirtual.com/escape/portugues/index.htm

99

A interface permanece quase intacta — salvo os controladores de edição.

Se o editor tiver a necessidade de alterar o texto relativo à área festas ele não

precisará abrir o gerenciador de conteúdo, procurar na ferramenta o local de edição

desta área, editar o conteúdo e voltar ao site para visualizá-lo.

100

O nível de complexidade da ferramenta está ligado intimamente à liberdade de edição concedida a uma pessoa. No caso, apenas a alteração de parte do conteúdo.

Nesta interface, ele acessa a informação a ser alterada no próprio site e, ao

acionar o controle de edição relativo ao conteúdo escolhido — destacado no quadrado

magenta —, uma nova janela se abre com a parcela da ferramenta de gerenciamento de

conteúdo que se refere àquela informação. Depois de editado e confirmada a decisão,

esta janela se fecha automaticamente e o site é recarregado com a nova informação. Ou

101

seja, a ferramenta de gerenciamento de conteúdo é dissolvida em pequenas ferramentas

exclusivas para cada informação.

O mais relevante deste método de edição é que ele desmistifica a ferramenta de

conteúdo. Não há a sensação de se estar diante de uma série de menus com tópicos e

subtópicos de edição, onde o primeiro desejo é um manual de utilização do sistema.

Basta saber o funcionamento dos três controladores — inclusão, edição e exclusão —

que a ferramenta pode ser usada.

A complexidade da ferramenta pode aumentar quanto maior for o número e os

tipos de informação com possibilidade de alteração. Mas, mesmo assim, algumas

soluções podem facilitar a edição, como no método usado no calendário abaixo.

102

Ferramenta de edição de conteúdo para o sistema energia consult, utilizado para coordenação de equipes de manutenção e administração de usinas hidrelétricas.

Este último exemplo mostra uma ferramenta mais complexa de edição, que

requer conhecimentos mais específicos. Entretanto, estes conhecimentos estão muito

mais ligados a um conhecimento técnico do conteúdo da informação do que da

interface. A edição permanece localizada, o que gera uma personalização da edição para

cada conteúdo, além de não misturar funções distintas para conteúdos distintos. A

interface fica limpa.

103

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