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Arquitectura e Arte: Influências, Temáticas e Colaborações O caso singular de Herzog & de Meuron Pedro Freitas Rodrigues Gomes Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura Júri Presidente: Professor Pedro Filipe Pinheiro de Serpa Brandão Orientadora: Professora Bárbara dos Santos Coutinho Vogal: Arquitecto Luís Santiago Baptista Maio 2010

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Arquitectura e Arte:

Influências, Temáticas e Colaborações

O caso singular de Herzog & de Meuron

Pedro Freitas Rodrigues Gomes

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em

Arquitectura

Júri

Presidente: Professor Pedro Filipe Pinheiro de Serpa Brandão

Orientadora: Professora Bárbara dos Santos Coutinho

Vogal: Arquitecto Luís Santiago Baptista

Maio 2010

I

Resumo

Esta dissertação tem como objectivo estudar as vantagens e especificidades que a

influência/colaboração entre artistas e arquitectos pode trazer aos projectos de Arquitectura.

Este trabalho divide-se em dois capítulos. O primeiro capítulo analisa a influência da arte na

arquitectura, desde o início do século XX, à actualidade. No segundo capítulo, procede-se a um

estudo sumário da biografia e obra dos arquitectos suíços, Herzog & de Meuron, sendo também

analisados três edifícios dos mesmos arquitectos representativos da temática de colaboração com

artistas.

Apontam-se os resultados do trabalho em diálogo entre artistas e arquitectos, traduzidos em

importantes vantagens, que se concretizam em vários domínios do projecto arquitectónico.

Palavras-chave: Arte, Arquitectura, Colaboração, Herzog & de Meuron

II

Abstract

This dissertation intends to study the advantages and specificities that the

influence/collaboration between artists and architects can bring to projects in architecture.

This written work has two chapters. The first chapter analyses the influence of art in

architecture, from the beginning of the twentieth century until today. In the second chapter we

make a brief study of the biography and work of the Swiss architects Herzog & de Meuron, and we

also analyse three buildings of these architects, representative of the theme, collaboration between

architects and artists.

We put forward the results of the work/dialogue between artists and architects, which have

led to important advantages which are made real in various domains of the architectural project.

Keywords: Art, Architecture, Collaboration, Herzog & de Meuron

III

Índice Geral

Resumo...........................................................................................................................I

Abstract .......................................................................................................................... II

Índice de Figuras .......................................................................................................... IV

Introdução ........................................................................................................................ 1

Capítulo 1- Das Vanguardas Históricas à Actualidade: Análise sobre a influência da

arte na arquitectura ......................................................................................................... 3

Cubismo Checo .............................................................................................................. 4

Expressionismo .............................................................................................................. 6

Futurismo ..................................................................................................................... 10

De Stijl.......................................................................................................................... 11

Vanguardas Russas ..................................................................................................... 18

Bauhaus e Walter Gropius ........................................................................................... 23

Le Corbusier: Arquitecto e Pintor.................................................................................. 25

Eero Saarinen e a escultura ......................................................................................... 28

Archigram ..................................................................................................................... 30

Minimalismo ................................................................................................................. 32

Actualidade .................................................................................................................. 36

Capítulo 2- Estudos de Caso: Herzog & de Meuron .................................................... 39

Edifício de Investigação 92 Roche Pharma, Basileia, Suíça (1993-2000) ..................... 42

Biblioteca da Universidade de Ciências Aplicadas de Eberswalde, Eberswalde,

Alemanha (1994-1999) ................................................................................................. 52

Centro de Dança Laban, Deptford, Londres, Reino Unido (1997-2003)........................ 61

Notas Conclusivas ......................................................................................................... 71

Bibliografia ..................................................................................................................... 72

IV

Índice de Figuras

Fig. 1: Casa da Madona Negra [Helen Castle, ed. – “Art + Architecture”. Architectural Design, nº 3.

Chichester: John Wiley & Sons Ltd, vol. 73, 2003. p. 32] ................................................................5

Fig. 2: Sanatório, Bohdaneč [Helen Castle, ed. – “Art + Architecture”. Architectural Design, nº 3.

Chichester: John Wiley & Sons Ltd, vol. 73, 2003. p. 10] ................................................................5

Fig. 3: Villa Kovařovič [http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Praha,_Výtoň,_kubistická_vila.jpg] ..5

Fig. 4: Edifício de Apartamentos Hodek [Helen Castle, ed. – “Art + Architecture”. Architectural

Design, nº 3. Chichester: John Wiley & Sons Ltd, vol. 73, 2003. p. 36] ...........................................5

Fig. 5: Pavilhão de Vidro [Alan Colquhoun, – Modern Architecture. 1ª Edição. Oxford: Oxford

University Press, 2002. p. 92] .........................................................................................................7

Fig. 6: Interior do Pavilhão de Vidro [William J. R. Curtis – Modern Architecture, since 1900. 3ª

Edição. London: Phaidon Press Limited, 1996. p .98] .....................................................................7

Fig. 7: Interior do Pavilhão de Vidro [William J. R. Curtis – Modern Architecture, since 1900. 3ª

Edição. London: Phaidon Press Limited, 1996. p. 107] ...................................................................7

Fig. 8: Interior do Teatro Grosses Schauspielhaus [Alan Colquhoun – Modern Architecture. 1ª

Edição. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 93] ....................................................................9

Fig. 9: Torre Einstein [William J. R. Curtis – Modern Architecture, since 1900. 3ª Edição. London:

Phaidon Press Limited, 1996. p. 187] .............................................................................................9

Fig. 10: “La Città Nuova”, estação de caminho-de-ferro central e aeroporto [Hasan-Uddin Khan –

Estilo Internacional, Arquitectura Moderna de 1925 a 1965. Köln: Taschen Gmbh, 2001. p. 20].... 10

Fig. 11: “La Città Nuova”, edifício de apartamentos [Alan Colquhoun – Modern Architecture. 1ª

Edição. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 104] ................................................................ 10

Fig. 12: Piet Mondrian, “Composição 1 com Vermelho, Amarelo e Azul”, 1921 [Alan Colquhoun –

Modern Architecture. 1ª Edição. Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 11]..............................12

Fig. 13: “Maison Particulière” [Alan Colquhoun – Modern Architecture. 1ª Edição. Oxford:

Oxford University Press, 2002. p. 112] ......................................................................................... 14

Fig. 14: “Maison d’Artiste” [Germano Celant, ed. – Architecture & Arts 1900/2004. 1ª Edição.

Torino: Skira, 2004. p. 212] .......................................................................................................... 14

Fig. 15: “Construction de l’Espace-Temps II” [Germano Celant, ed. – Architecture & Arts

1900/2004. 1ª Edição. Torino: Skira, 2004. p. 212] ....................................................................... 14

Fig. 16: Casa Schröder [William J. R. Curtis – Modern Architecture, since 1900. 3ª Edição.

London: Phaidon Press Limited, 1996. p. 157] .............................................................................. 15

Fig. 17: Interior do primeiro piso da Casa Schröder [William J. R. Curtis – Modern Architecture,

since 1900. 3ª Edição. London: Phaidon Press Limited, 1996. p. 158] .......................................... 15

Fig. 18: Interior do Café “Aubette” [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in

Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 39] .............................................................................. 16

Fig. 19: “Ritmo de uma Dança Russa” [Hasan-Uddin Khan – Estilo Internacional, Arquitectura

Moderna de 1925 a 1965. Köln: Taschen Gmbh, 2001. p. 63] ...................................................... 17

V

Fig. 20: Planta e perspectiva do projecto Casa de Campo de Tijolo [Hasan-Uddin Khan – Estilo

Internacional, Arquitectura Moderna de 1925 a 1965. Köln: Taschen Gmbh, 2001. p. 38] ............. 17

Fig. 21: “Arkhitekton - Alpha”, 1920 [Germano Celant, ed. – Architecture & Arts 1900/2004. 1ª

Edição. Torino: Skira, 2004. p. 168] .............................................................................................. 19

Fig. 22: “Wolkenbügel” [William J. R. Curtis – Modern Architecture, since 1900. 3ª Edição.

London: Phaidon Press Limited, 1996. p. 208] .............................................................................. 19

Fig. 23: El Lissitzky, “Proun IE (Cidade)”, 1921 [William J. R. Curtis – Modern Architecture, since

1900. 3ª Edição. London: Phaidon Press Limited, 1996. p . 203] .................................................. 19

Fig. 24: El Lissitzky, “Proun R.V.N.2”, 1923 [Germano Celant, ed. – Architecture & Arts

1900/2004. 1ª Edição. Torino: Skira, 2004. p. 154] ....................................................................... 20

Fig. 25: Maqueta do projecto para o Instituto Lenine [Germano Celant, ed. – Architecture & Arts

1900/2004. 1ª Edição. Torino: Skira, 2004. p. 151] ....................................................................... 20

Fig. 26: Maqueta para o Monumento à 3ª Internacional [Giulio Carlo Argan – Arte Moderna, Do

Iluminismo aos movimentos contemporâneos. 2ª Edição. S. Paulo: Companhia das Letras, 2006.

p. 285] ......................................................................................................................................... 21

Fig. 27: Segunda maqueta do Monumento à 3ª Internacional, 1925 [Germano Celant, ed. –

Architecture & Arts 1900/2004. 1ª Edição. Torino: Skira, 2004. p. 187] ......................................... 21

Fig. 28: Pavilhão Soviético [William J. R. Curtis – Modern Architecture, since 1900. 3ª Edição.

London: Phaidon Press Limited, 1996. p. 208] .............................................................................. 22

Fig. 29: Maqueta do Pavilhão Soviético [Germano Celant, ed. – Architecture & Arts 1900/2004.

1ª Edição. Torino: Skira, 2004. p. 175] ......................................................................................... 22

Fig. 30: Residência Sommerfeld [Gilbert Lupfer; Paul Sigel – Gropius. Köln: Taschen Gmbh,

2006. p. 27] .................................................................................................................................. 24

Fig. 31: Interior da Residência Sommerfeld [Gilbert Lupfer; Paul Sigel – Gropius. Köln: Taschen

Gmbh, 2006. p. 26] ...................................................................................................................... 24

Fig. 32: Harkness Commons [Gilbert Lupfer; Paul Sigel – Gropius. Köln: Taschen Gmbh, 2006.

p. 26] ........................................................................................................................................... 25

Fig. 33: Jean Arp, “Constelação” [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in

Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 33] .............................................................................. 25

Fig. 34: “Natureza Morta. Louça” [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in

Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 70] .............................................................................. 27

Fig. 35: Maqueta da Villa Savoye [Germano Celant, ed. – Architecture & Arts 1900/2004. 1ª

Edição. Torino: Skira, 2004. p. 309] .............................................................................................. 27

Fig. 36: Vista das fachadas sul e este da Capela de Notre-Dame-du-Haut [Jean-Louis Cohen –

Le Corbusier. Köln: Taschen Gmbh, 2006. p. 64] ......................................................................... 27

Fig. 37: Le Corbusier, "Abstraction Ozon", 1946 [Flora Samuel – Le Corbusier in Detail. 1ª

Edição. Oxford: Architectural Press, 2007. p. 43] .......................................................................... 28

Fig. 38: Planta da Capela de Notre-Dame-du-Haut [Jean-Louis Cohen – Le Corbusier. Köln:

Taschen Gmbh, 2006. p. 67] ........................................................................................................ 28

VI

Fig. 39: Le Corbusier, "Icône", 1955 [Flora Samuel – Le Corbusier in Detail. 1ª Edição. Oxford:

Architectural Press, 2007. p. 44] ................................................................................................... 28

Fig. 40: “Voo do Pássaro” [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in Collaboration.

Basel: Birkhäuser, 2009. p. 50]..................................................................................................... 29

Fig. 41: Escadaria em espiral no átrio do Edifício Administrativo do Pessoal de Investigação

[Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009.

p. 50] ........................................................................................................................................... 29

Fig. 42:Fachada do edifício da Embaixada dos E.U.A, Londres [Christian Bjone – Art and

Architecture, Strategies in Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 51] ..................................... 29

Fig. 43: Modelos de estudo para a fachada da Embaixada [Christian Bjone – Art and

Architecture, Strategies in Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 51] ..................................... 29

Fig. 44: Escultura no Manufacturers Hanover Trust Bank [Christian Bjone – Art and Architecture,

Strategies in Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 52] .......................................................... 29

Fig. 45: Ezra Stiles e S.F.B. Morse Colleges [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies

in Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 53]........................................................................... 29

Fig. 46: Terminal TWA, aeroporto JFK [Pierluigi Serraino – Saarinen. Köln: Taschen Gmbh,

2006. p. 66] .................................................................................................................................. 30

Fig. 47: Terminal TWA, aeroporto JFK [Alan Colquhoun, – Modern Architecture. 1ª Edição.

Oxford: Oxford University Press, 2002. p. 247] ............................................................................. 30

Fig. 48: Ron Herron, “Walking City” [Kenneth Frampton – modern architecture, A Critical History.

4ª Edição. London: Thames & Hudson Ltd, 2007. p. 281] ............................................................. 31

Fig. 49: Peter Cook, “Plug-in City” [William J. R. Curtis – Modern Architecture, since 1900. 3ª

Edição. London: Phaidon Press Limited, 1996. p. 538] ................................................................. 31

Fig. 50: Centro Pompidou [William J. R. Curtis – Modern Architecture, since 1900. 3ª Edição.

London: Phaidon Press Limited, 1996. p. 600] .............................................................................. 32

Fig.51:KunsthausGraz[http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Graz_Kunsthaus_vom_Schlos

sberg_20061126.jpg] .................................................................................................................. 32

Fig. 52: Donald Judd, "Sem Título", 1965 [Giulio Carlo Argan – Arte Moderna, Do Iluminismo aos

movimentos contemporâneos. 2ª Edição. S. Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 571] ............ 33

Fig. 53: Donald Judd, "Sem Título", 1992 [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in

Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 143] ............................................................................ 33

Fig. 54: Armazém de artilharia nº 1 [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in

Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 142] ............................................................................ 34

Fig. 55: “100 Untitled Works in Mill Aluminum” [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies

in Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 143] ......................................................................... 35

Fig. 56: Planta do armazém de artilharia nº 1,“100 Untitled Works in Mill Aluminum” [Christian

Bjone – Art and Architecture, Strategies in Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 142] ........... 35

Fig. 57: Museu Guggenheim de Bilbau [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in

Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 131] ............................................................................ 36

VII

Fig. 58: Zaha Hadid, pintura do projecto "Landscape Formation One", Weil am Rhein, 1999 [Helen

Castle, ed. – “Art + Architecture”. Architectural Design, nº 3. Chichester: John Wiley & Sons Ltd,

vol. 73, 2003. p. 16]...................................................................................................................... 36

Fig. 59: Edifício "Landscape Formation One", Weil am Rhein, 1999 [Helen Castle, ed. – “Art

+ Architecture”. Architectural Design, nº 3. Chichester: John Wiley & Sons Ltd, vol. 73, 2003.

p. 17] ........................................................................................................................................... 36

Fig. 60: Edifício de escritórios Chiat/Day [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in

Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 152] ............................................................................ 37

Fig. 61: Interior do volume dos binóculos [Nicoletta Trasi, ed. – Interdisciplinary Architecture.

Chichester: John Wiley & Sons Ltd., 2001. p. 123] ....................................................................... 37

Fig. 62: Museu de Arte de Chichu [Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in

Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 137] ............................................................................ 37

Fig. 63: Walter De Maria, "Time/Timeless/No Time”, 2004 [Christian Bjone – Art and Architecture,

Strategies in Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009. p. 138] ........................................................ 37

Fig. 64: Edifício Fórum 3 [Martin Steinmann – “Hojas de vidrio”. Arquitectura Viva, nº 113. Madrid:

Arquitectura Viva SL, 2007. p. 96] ................................................................................................ 38

Fig. 65: Detalhe da fachada do Edifício Fórum 3 [Martin Steinmann – “Hojas de vidrio”.

Arquitectura Viva, nº 113. Madrid: Arquitectura Viva SL, 2007. p. 95] ........................................... 38

Fig. 66: Escultura de Donald Judd e serigrafias de Andy Warhol, Kunstmuseum, 1975 [Philip

Ursprung, ed. – Herzog & de Meuron, Natural History. Baden: Lars Müller Publishers, 2005.

p. 1] ............................................................................................................................................. 40

Fig. 67: Planta de implantação do Edifício de Investigação 92 Roche Pharma [Rémy Zaugg

[et al.] – Architecture by Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for

Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 64] ............................................................................... 43

Fig. 68: Vista aérea do Complexo F. Hoffmann-La Roche AG, Basileia [Rémy Zaugg [et al.] –

Architecture by Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel.

Basel: Birkhäuser, 2001. p. 14]..................................................................................................... 43

Fig. 69: Planta tipo do 4º ao 8º piso do Edifício de Investigação 92 Roche Pharma [Fernando

Márquez Cecília, Richard Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 1998-2002”. El Croquis, nº

109/110, Madrid: El Croquis editorial, 2003. p. 54] ........................................................................ 43

Fig. 70: Corte longitudinal do Edifício de Investigação 92 Roche Pharma [Fernando Márquez

Cecília, Richard Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 1998-2002”. El Croquis, nº 109/110,

Madrid: El Croquis editorial, 2003. p. 54] ...................................................................................... 44

Fig. 71: Corte transversal pelo foyer e biblioteca do Edifício de Investigação 92 Roche Pharma

[Fernando Márquez Cecília, Richard Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 1998-2002”. El

Croquis, nº 109/110, Madrid: El Croquis editorial, 2003. p. 54]...................................................... 44

Fig. 72: Edifício de Investigação 92 Roche Pharma [Fernando Márquez Cecília, Richard Levene,

eds. – “Herzog & de Meuron 1998-2002”. El Croquis, nº 109/110, Madrid: El Croquis editorial,

2003. p. 57] .................................................................................................................................. 45

VIII

Fig. 73: Edifício de Investigação 92 Roche Pharma [Fernando Márquez Cecília, Richard Levene,

eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis editorial,

2006. p. 24] .................................................................................................................................. 45

Fig. 74: Fachada do Edifício de Investigação 92 Roche Pharma com os toldos abertos [Fernando

Márquez Cecília, Richard Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 1998-2002”. El Croquis, nº

109/110, Madrid: El Croquis editorial, 2003. p. 66] ........................................................................ 45

Fig. 75: Foyer do auditório, primeiro piso [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by Herzog & de

Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 30] . 46

Fig. 76: Átrio, piso térreo [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by Herzog & de Meuron, Wall

painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 51] ....................... 46

Fig. 77: Continuidade da parede nos pisos da biblioteca [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by

Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser,

2001. p. 55] .................................................................................................................................. 46

Fig. 78: Edifício de Investigação 92 Roche Pharma [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by

Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser,

2001. p. 9] .................................................................................................................................... 47

Fig. 79: Edifício de Investigação 92 Roche Pharma [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by

Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser,

2001. p. 4] .................................................................................................................................... 47

Fig. 80: Pintura no átrio, piso térreo [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by Herzog & de Meuron,

Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 109] ............. 48

Fig. 81: Pintura no foyer do auditório, primeiro piso [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by

Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser,

2001. p. 112] ................................................................................................................................ 48

Fig. 82: Pintura no café, terceiro piso [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by Herzog & de Meuron,

Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 52] ............... 48

Fig. 83: Pintura no quinto piso, biblioteca [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by Herzog & de

Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 62] . 49

Fig. 84: Pintura no sexto piso, biblioteca [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by Herzog & de

Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 58] . 49

Fig. 85: Pintura no sétimo piso, biblioteca [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by Herzog & de

Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 35] . 49

Fig. 86: Alçado da parede com a obra de Rémy Zaugg [Fernando Márquez Cecília, Richard

Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 1998-2002”. El Croquis, nº 109/110, Madrid: El Croquis

editorial, 2003. p. 56] .................................................................................................................... 49

Fig. 87: Azul dos pilares num dos pisos da biblioteca [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by

Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser,

2001. p. 63] .................................................................................................................................. 50

IX

Fig. 88: Paredes interiores azuis da caixa de escadas [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by

Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser,

2001. p. 103] ................................................................................................................................ 50

Fig. 89: Interior amarelo do elevador [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by Herzog & de Meuron,

Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 106] ............. 50

Fig. 90: Portas dos laboratórios de cor rosa azulado [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by

Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser,

2001. p. 104] ................................................................................................................................ 50

Fig. 91: Biblioteca [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by Herzog & de Meuron, Wall painting by

Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 34]......................................... 50

Fig. 92: Café [Rémy Zaugg [et al.] – Architecture by Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy

Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001. p. 53]................................................... 50

Fig. 93: Planta de implantação da Biblioteca e Edifício de Seminários [Rémy Zaugg [et al.] –

Architecture by Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel.

Basel: Birkhäuser, 2001. p. 53]..................................................................................................... 52

Fig. 94: Entrada da Biblioteca de Eberswalde [Fernando Márquez Cecília; Richard Levene,

eds.– “Herzog & de Meuron 1981-2000”. El Croquis, nº 60+84, Madrid: El Croquis editorial,

2005. p. 29]. ................................................................................................................................. 54

Fig. 95: Thomas Ruff, "Bibliothek, Eberswalde", 1999 [Jes Fernie, ed. – Two Minds: Artists and

Architects in Collaboration. London: Black Dog Publishing, 2006. p. 21] ....................................... 54

Fig. 96: Planta do piso térreo da Biblioteca de Eberswalde [Gerhard Mack, Valeria Liebermann –

Eberswalde Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 15] ........... 54

Fig. 97: Planta do 1º e 2º pisos da Biblioteca de Eberswalde [Gerhard Mack, Valeria Liebermann –

Eberswalde Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 15] ........... 54

Fig. 98: Raparigas a ouvir rádio numa cobertura ajardinada [Gerhard Mack, Valeria Liebermann –

Eberswalde Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 34] ........... 57

Fig. 99: Protótipo do avião CBY-3 [Gerhard Mack, Valeria Liebermann – Eberswalde Library,

Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 34] .......................................... 57

Fig. 100: Família com um modelo de caminho de ferro [Gerhard Mack, Valeria Liebermann –

Eberswalde Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 34] ........... 57

Fig. 101: Lorenzo Lotto, “Vénus e Cupido” [Gerhard Mack, Valeria Liebermann – Eberswalde

Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 34] .............................. 57

Fig. 102: Bernauer Strasse, Berlim, em 25 de Setembro de 1961 [Philip Ursprung, ed. – Herzog

& de Meuron, Natural History. Baden: Lars Müller Publishers, 2005. p. 253] ................................. 58

Fig. 103: Celebrações da reunificação da Alemanha [Gerhard Mack, Valeria Liebermann –

Eberswalde Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 35] ........... 58

Fig. 104: Picter Potter, “vanitas” [Gerhard Mack, Valeria Liebermann – Eberswalde Library,

Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 36] .......................................... 58

Fig. 105: Georg Muche, “Haus am Horn” [Gerhard Mack, Valeria Liebermann – Eberswalde

Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 36] .............................. 58

X

Fig. 106: Palazzo em Colle Ameno, Bolonha [Philip Ursprung, ed. – Herzog & de Meuron, Natural

History. Baden: Lars Müller Publishers, 2005. p. 253] ................................................................... 58

Fig. 107: Estudantes na biblioteca do International Atlantic College, País de Gales [Gerhard

Mack, Valeria Liebermann – Eberswalde Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural

Association, 2000. p. 37] .............................................................................................................. 58

Fig. 108:Eduard Ender, “A. v. Humboldt, na América do Sul, com o Especialista Botânico Aimé

Bonpland” [Gerhard Mack, Valeria Liebermann – Eberswalde Library, Herzog & de Meuron.

London: Architectural Association, 2000. p. 37] ............................................................................ 58

Fig. 109: Escaravelho [Gerhard Mack, Valeria Liebermann – Eberswalde Library, Herzog & de

Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 37]............................................................... 58

Fig. 110: Biblioteca de Eberswalde [Gerhard Mack, Valeria Liebermann – Eberswalde Library,

Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 14] .......................................... 59

Fig. 111: Detalhe da fachada da Biblioteca de Eberswalde [Gerhard Mack, Valeria Liebermann –

Eberswalde Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000. p. 7]............. 60

Fig. 112: Andy Warhol, "White Car Crash 19 Times", 1963 [Klaus Honnef – Andy Warhol. Köln:

Taschen Gmbh, 2003. p. 51] ........................................................................................................ 60

Fig. 113: Andy Warhol, "Two Dollar Bills (front and rear)", 1963 [Klaus Honnef – Andy Warhol.

Köln: Taschen Gmbh, 2003. p. 23] ............................................................................................... 60

Fig. 114: Planta de implantação do Centro de Dança Laban [Fernando Márquez Cecília, Richard

Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis

editorial, 2006. p. 78] .................................................................................................................... 62

Fig. 115: Centro de Dança Laban e Jardim Laban [Fernando Márquez Cecília, Richard Levene,

eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis editorial,

2006. p. 15] .................................................................................................................................. 63

Fig. 116: Centro de Dança Laban, vista de Deptford Creek [Fernando Márquez Cecília, Richard

Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis

editorial, 2006. p. 15] .................................................................................................................... 64

Fig. 117: Centro de Dança Laban [Fernando Márquez Cecília, Richard Levene, eds. – “Herzog &

de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis editorial, 2006. p. 95] ............ 64

Fig. 118: Detalhe da fachada do Centro de Dança Laban [Jes Fernie, ed. – Two Minds: Artists

and Architects in Collaboration. London: Black Dog Publishing, 2006. p. 112] .............................. 64

Fig. 119: Planta do piso térreo do Centro de Dança Laban [Fernando Márquez Cecília, Richard

Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis

editorial, 2006. p. 84] .................................................................................................................... 64

Fig. 120: Planta do piso intermédio do Centro de Dança Laban [Fernando Márquez Cecília,

Richard Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El

Croquis editorial, 2006. p. 84] ....................................................................................................... 64

Fig. 121: Planta do primeiro piso do Centro de Dança Laban [Fernando Márquez Cecília, Richard

Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis

editorial, 2006. p. 90] .................................................................................................................... 64

XI

Fig. 122: Átrio, piso térreo [Fernando Márquez Cecília, Richard Levene, eds. – “Herzog & de

Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis editorial, 2006. p. 85] ................. 66

Fig. 123: Vista para o átrio [Fernando Márquez Cecília, Richard Levene, eds. – “Herzog & de

Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis editorial, 2006. p. 87] ................. 66

Fig. 124: Rampa de acesso aos espaços públicos [Fernando Márquez Cecília, Richard Levene,

eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis editorial,

2006. p. 86] .................................................................................................................................. 66

Fig. 125: Centro de Dança Laban [Jes Fernie, ed. – Two Minds: Artists and Architects in

Collaboration. London: Black Dog Publishing, 2006. p. 108] ......................................................... 67

Fig. 126: Interior de um estúdio de dança [Jes Fernie, ed. – Two Minds: Artists and Architects in

Collaboration. London: Black Dog Publishing, 2006. p. 111] ......................................................... 67

Fig. 127: Espaço interior com paredes magenta [Fernando Márquez Cecília, Richard Levene,

eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis editorial,

2006. p. 93] .................................................................................................................................. 68

Fig. 128: Espaço interior com paredes azul-turquesa [Jes Fernie, ed. – Two Minds: Artists and

Architects in Collaboration. London: Black Dog Publishing, 2006. p. 113] ..................................... 68

Fig. 129: Foyer do grande auditório e pintura mural de Michael Craig-Martin [Fernando Márquez

Cecília, Richard Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130,

Madrid: El Croquis editorial, 2006. p. 85] ...................................................................................... 69

Fig. 130: Corredor de acesso ao grande auditório [Fernando Márquez Cecília, Richard Levene,

eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis editorial,

2006. p. 88] .................................................................................................................................. 69

1

Introdução

Objecto de Estudo e Motivação

O tema desta dissertação é a relação entre Arquitectura e Arte. A minha admiração pela

obra dos arquitectos suíços, Herzog & de Meuron, foi o factor decisivo na escolha do tema deste

trabalho. A sua obra sensibilizou-me para a importância da integração da arte na arquitectura.

Tendo em conta a complexidade da arquitectura, que exige a intervenção e colaboração entre

várias áreas disciplinares especializadas, faz sentido a colaboração entre artistas e arquitectos

porque pode potenciar uma maior interacção entre a arquitectura e as pessoas, a nível estético,

sensorial e emocional, contribuindo para o seu bem-estar. Poderá também permitir uma

redefinição das fronteiras da própria arquitectura, contribuindo para o seu desenvolvimento

disciplinar.

Objectivos e Método

Esta dissertação tem como objectivo analisar o tema da influência da arte na arquitectura.

Para tal pretendeu-se avaliar os principiais input das práticas artísticas na arquitectura, desde o

início do século XX; distinguir as diferentes influências/colaborações entre artistas e arquitectos;

demonstrar o potencial de uma acção conjunta entre artistas e arquitectos ao longo do projecto,

saber como se processa a relação arquitecto/artista; avaliar as opções/inovações formais e

materiais que resultam desta colaboração/influência; compreender o entendimento/conceito de

arquitectura e de espaço que está subjacente a estas práticas; e, não menos importante, analisar

o caso específico que é o trabalho de Herzog & de Meuron. Assim, procedeu-se primeiro a um

levantamento bibliográfico sobre a temática em estudo. Foi seleccionada a informação relevante,

escrita e iconográfica, relacionada com os vários tópicos do trabalho e efectuou-se um tratamento

crítico da informação recolhida, tendo em vista a sua apropriação para formular opiniões pessoais,

juízos críticos e de valores.

Estrutura de Conteúdos

A dissertação está dividida em dois grandes capítulos. No primeiro, procedeu-se a uma

análise sobre a influência da arte na arquitectura, desde o início do século XX à actualidade. No

segundo capítulo, procedeu-se a um estudo sumário da biografia e obra dos arquitectos suíços,

Herzog & de Meuron. Foram também analisados três edifícios dos mesmos arquitectos

2

representativos da temática de colaboração com artistas. A dissertação termina com as notas

conclusivas onde são apontadas as principais ideias resultantes deste trabalho.

Estado da Arte

A colaboração entre artistas e arquitectos tem aumentado e são já conhecidos vários casos

recentes de sucesso, principalmente em países de língua alemã e inglesa. A publicação de

bibliografia recente sobre esta temática demonstra a actualidade e o interesse cada vez maior na

análise das muitas vantagens dessa colaboração. No que respeita à história da influência da arte

na arquitectura, durante o século XX, com o surgimento das vanguardas históricas e do

desenvolvimento da arquitectura moderna, destacam-se as obras Modern Architecture (2002) de

Alan Colquhoun, Modern Architecture, since 1900 (1996) de William J. R. Curtis, modern

architecture, A Critical History (2007), de Kenneth Frampton e Arte Moderna, Do Iluminismo aos

movimentos contemporâneos (2006) de Giulio Carlo Argan. Especificamente sobre projectos

recentes de colaboração entre artistas e arquitectos, é de salientar o livro Two Minds: Artists and

Architects in Collaboration (2006) de Jes Fernie, no qual são analisados 18 dos 135 projectos

subsidiados pelo programa Art for Architecture da R.S.A. do Reino Unido. Este título mostra como

os artistas e os arquitectos trabalharam juntos, as razões para o fazer, o papel de cada um e os

resultados obtidos. A obra Art and Architecture, Strategies in Collaboration (2009), de Christian

Bjone, analisa projectos recentes de colaboração entre artistas e arquitectos e faz também uma

análise histórica, a partir do início do século XX, sobre a integração da arte na arquitectura.

A análise da obra dos arquitectos Herzog & de Meuron, a sua produção teórica, forma

peculiar de trabalho em equipa e colaboração com artistas estão documentadas nas monografias

El Croquis nº 60+84 (2005), nº 109/110 (2003), nº 129/130 (2006), nos quatro volumes de Gerhard

Mack, Herzog & de Meuron: The Complete Works e no livro Herzog & de Meuron, Natural History

(2005) de Philip Ursprung. De salientar ainda, o estudo específico sobre a Biblioteca de

Eberswalde, um dos edifícios estudados nesta dissertação, no livro Eberswalde Library, Herzog &

de Meuron (2000) da autoria de Gerhard Mack e Valeria Liebermann e o diário da colaboração do

artista Rémy Zaugg com os arquitectos Herzog & de Meuron no Edifício de Investigação 92 Roche

Pharma, outro dos edifícios estudados, em Architecture by Herzog & de Meuron, Wall painting by

Rémy Zaugg, A work for Roche Basel (2001).

3

Capítulo 1- Das Vanguardas Históricas à Actualidade: Análise sobre a influência da

arte na arquitectura

A influência da arte na arquitectura não é um tema novo. Essa relação acentuou-se no

Renascimento e manteve-se durante o Barroco, com a arquitectura, por vezes, subordinada à

pintura e escultura.

A partir do início do século XX, a arquitectura foi influenciada pelos movimentos artísticos de

vanguarda que preconizavam a união entre arte e arquitectura. Neste capítulo, serão estudados

aqueles cuja influência se considerou mais significativa. Optou-se por uma abordagem

cronológica, embora tendo em conta que não se podem estabelecer divisões estanques, sendo

que alguns destes movimentos convivem temporalmente. Procedeu-se à análise das

características de cada movimento, salientando os protagonistas e obras arquitectónicas

consideradas relevantes na ilustração das influências das inovações artísticas na arquitectura.

Tratou-se com maior desenvolvimento os movimentos que se considerou terem maior relevo nesta

temática.

Conferiu-se destaque ao arquitecto Le Corbusier, devido à sua forte relação com a pintura,

que influenciou a sua arquitectura, e que, por sua vez, teve um grande impacto na história da

arquitectura.

Deu-se igualmente destaque ao arquitecto Eero Saarinen por defender uma união entre a

arte e arquitectura, que se traduz nas colaborações que manteve com artistas e pela forte

influência da escultura na sua obra arquitectónica.

4

Cubismo Checo

O Cubismo Checo centrou-se na cidade de Praga, com maior expressão entre 1910 e 1914,

e estabeleceu uma ligação entre a pintura cubista francesa, que começou a ser exibida em 1908,

com a pintura, escultura, mobiliário, artes decorativas e a arquitectura. Esta ligação entre Paris e

Praga envolveu um grande número de relações interpessoais no mundo da arte. Vincenc Kramář,

historiador e coleccionador em Praga, desempenhou o papel principal na apresentação da pintura

cubista francesa naquela cidade, pois tinha uma das mais importantes colecções contemporâneas

de obras de Cubismo inicial, fora de França. Foram numerosas as idas a França dos admiradores

checos do Cubismo, bem como as exposições em Praga de arte moderna francesa e mais

especificamente de arte cubista. Os arquitectos de Praga tomaram conhecimento das inovações

pictóricas do cubismo analítico de Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963), em

Paris, e procuraram aplicar alguns dos seus princípios nos seus projectos. O uso da sobreposição,

resultante do debate sobre a representação de profundidade, assumiu um papel central nas

teorias dos arquitectos cubistas checos e particularmente no design de equipamento, ilustrando o

processo de apropriação e transformação de um conceito derivado da pintura1. Procuravam uma

total integração do pensamento pictórico na arquitectura, tentando substituir as formas de ângulo

recto com formas oblíquas e prismáticas. Assim, o poder da pintura, da tela bidimensional iniciou a

criação das mesmas formas na massa edificada tridimensional. As formas cubistas eram aplicadas

nas fachadas e não no planeamento do espaço interior, pois os volumes resultantes seriam

dificilmente utilizáveis. No entanto, para complementarem a experiência cubista, os arquitectos

propunham peças de mobiliário, serviços de mesa e outros elementos de decoração de interiores

e exteriores, todos ao gosto cubista.

Pavel Janák (1882-1956), Josef Gočár (1880-1945), Vlastislav Hofman (1884-1964) e Josef

Chochol (1880-1956) foram os arquitectos cubistas mais relevantes, tendo no seu conjunto

projectado mais de 40 edifícios. O escultor cubista Otto Gutfreund (1889-1927) colaborou com os

arquitectos em alguns projectos, contribuindo com relevos escultóricos. Os arquitectos checos

estavam interessados, acima de tudo, na forma. O material de construção não era considerado

importante e a cor suprimida. Pavel Janák, o principal teórico do Cubismo Checo, escreveu: “Nós

não vemos quaisquer materiais, vemos somente a massa em tudo. A cor uniforme e a

simplicidade de cor são, certamente, bem-vindas e os materiais que têm estas características são

preferíveis, uma vez que neles as relações plásticas actuam mutuamente com maior clareza”2.

A recepção checa do Cubismo foi influenciada pelo Gótico e Barroco e pelas teorias alemãs

da estética e de análise da arte do final do século XIX, princípio do século XX3. Os edifícios de

1 Irena Murray – “The Burden of Cubism: The French Imprint on Czech Architecture, 1910-1914” in Eve Blau;

Nancy J. Troy, eds. – Architecture and Cubism. 1ª Edição. Cambridge, MA: The MIT Press, 2002, pp. 49-50. 2 Pavel Janák cit. por Ivan Margolius – “Cubism in Architecture: Bohemia 1909-21” in Helen Castle, ed. – “Art

+ Architecture”. Architectural Design, vol. 73, nº 3, 2003, p. 34. 3 Vladimir Slapeta – “Cubism in Architecture” in Alexander von Vegesack, ed. – Czech Cubism: Architecture,

Furniture and Decorative Arts 1910-1925. New York: Princeton Architectural Press, 1992, p.37.

5

arquitectura cubista coexistiam harmoniosamente com os edifícios Góticos e Barrocos de Praga.

Irena Z. Murray refere que os cubistas checos “(…) procuravam uma expressão através duma

síntese liberta de alianças exclusivas com um único movimento.” e “(…) um desejo de suavizar as

linhas divisórias entre as diferentes disciplinas artísticas (…)”4. Já segundo Ivan Margolius, o

Cubismo Checo celebrou e cimentou os laços entre pintura, escultura e arquitectura,

estabelecendo a primeira tendência modernista do século XX5.

O principal projecto cubista em Praga, de Josef Gočar, foi o estabelecimento comercial, a

Casa da Madona Negra (1911-1912) que, actualmente, alberga o Museu do Cubismo Checo. O

edifício integrou-se de forma exemplar no centro histórico e foi concluído, até ao último detalhe,

com uma intenção coerente como “gesamtkunstwerk”, obra de arte total. O edifício do Sanatório

(1912-1913), em Bohdaneč, também da autoria de Gočar, foi concebido numa disposição

horizontal, resultando num volume longo e de baixa altura. A fachada apresenta uma composição

dinâmica de elementos Cubistas.

Josef Chochol foi o arquitecto Cubista mais prolífico. A Villa Kovařovič (1912-1913) e o

Edifício de Apartamentos Hodek (1913-1914), ambos no bairro Vyšehrad, em Praga, foram dois

dos seus edifícios mais marcantes. Na Villa Kovařovič, as formas e elementos cubistas são

variados e não se limitam à fachada, estendendo-se a todo o traçado horizontal, jardim

circundante e vedação. O Edifício de Apartamentos Hodek explora a sua posição na extremidade

do quarteirão, usando-a como um ponto central do projecto. Uma coluna octogonal, situada na

junção das duas fachadas, suporta uma cornija que se estende ao longo dos dois alçados

reforçada pelas formas sólidas cristalinas e salientes da fachada. Nos dois edifícios, as formas

salientes e a intersecção de planos nas fachadas produzem um jogo animado e dinâmico de luz e

sombra.

4 Irena Murray – op. cit., pp.51-52.

5 Ivan Margolius – op. cit., p.37.

Fig. 1: Casa da Madona Negra

Fig. 2: Sanatório, Bohdaneč Fig. 3: Villa Kovařovič Fig. 4: Edifício de Apartamentos

Hodek

6

Expressionismo

Embora seja comum chamar expressionista à arte alemã do início do século XX, o

Expressionismo pode ser considerado um fenómeno europeu centrado em dois movimentos

distintos: o Fauvismo francês (1905) e o movimento alemão “Die Brücke” (A Ponte) (1905), este

último que, por sua vez, desembocara na corrente “Der Blaue Reiter” (O Cavaleiro Azul), na

Alemanha (1911)6. Estas correntes punham em causa as teorias impressionistas sobre a criação

artística, advogando que a expressão, enquanto criação artística, é fruto de um movimento do

interior do sujeito para o exterior; não é o objecto que impressiona o sujeito, é o sujeito que

“imprime” o objecto. Esta atitude representa um novo grau de abstracção e a recusa do conceito

da arte como imitação.

O Expressionismo começou por se afirmar na pintura e na literatura. Na arquitectura teve as

primeiras manifestações na segunda década do século XX, sobretudo na Alemanha e Holanda. Na

Alemanha, destacam-se sobretudo os arquitectos Bruno Taut (1880-1938), Hans Poelzig (1869-

1936) e Erich Mendelsohn (1887-1953), numa fase particular das suas carreiras. As teorias da

estética dos autores alemães do final do século XIX, que desafiavam o conceito clássico de

“mimesis” e principalmente as obras literárias do historiador de arte Wilhelm Worringer (1881-

1965), exerceram influência nos pintores e arquitectos expressionistas7. Os arquitectos

comprometidos com o movimento Expressionista defendiam uma arquitectura dirigida à percepção

imediata e à psicologia do observador, o mais possível afastada da tradição clássica.

Preconizavam a utilização de novos materiais, betão, aço e especialmente vidro, inovações

formais, volumes invulgares inspirados em formas biomórficas naturais. Rejeitavam a dualidade

interior/exterior, edifício/paisagem e, sobretudo, procuravam abrir a arquitectura à influência das

outras artes.

Num artigo intitulado “Uma necessidade”, publicado na revista alemã “Der Sturm”, em

Fevereiro de 1914, Taut repete várias ideias de Worringer e refere que a pintura está a tornar-se

mais abstracta, sintética e estrutural, vendo isto como um prenúncio da chegada de uma nova

unidade das artes8. Afirma também que “a arquitectura quer contribuir para a concretização desta

aspiração”, devendo desenvolver uma nova “intensidade estrutural”, que irá “mais além do ideal

clássico de harmonia”, baseada na expressão, ritmo e dinâmica, bem como em novos materiais

como o vidro, aço e betão9. Taut propõe que seja construída uma estrutura fantástica na qual a

arquitectura se torne, uma vez mais, como nos tempos medievais, a casa das artes, usando a

imagem da catedral como uma obra de arte total10

.

6 Giulio Carlo Argan – Arte Moderna, Do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. 2ª Edição. S. Paulo:

Companhia das Letras, 2006, p. 227. 7 Alan Colquhoun – Modern Architecture. 1ª Edição. Oxford: Oxford University Press, 2002, pp. 88-89.

8 Idem – p. 89.

9 Bruno Taut cit. por Alan Colquhoun – op. cit., p. 89.

10 Alan Colquhoun – op. cit., p. 89.

7

As condições económicas e políticas das primeiras décadas do século XX minimizaram as

possibilidades de concretização de projectos pelos arquitectos expressionistas, tendo sido, no

entanto, realizados alguns edifícios, construções efémeras para exposições e cenografias para o

cinema e o teatro. Muitos arquitectos expressionistas lutaram na 1ª Guerra Mundial. As

experiências da guerra e a subsequente agitação política e social contribuíram para criar neles

uma visão utópica e romântica da sociedade.

Importa destacar a particular influência de Paul Scheerbart (1863-1915), autor de romances

de ficção-científica, desenhos e ilustrações, sobre os arquitectos expressionistas. Na série de

romances que culminou na obra “Glasarchitektur” (“Arquitectura de Vidro”), de 1914, descreveu,

por vezes com grande detalhe técnico, uma arquitectura de vidro e aço, transparente, colorida e

móvel11

. Nessa mesma obra, Scheerbart afirma: “De modo a elevar a nossa cultura a um nível

superior, somos forçados, quer gostemos ou não, a mudar a nossa arquitectura. Isto só será

possível se libertarmos os espaços nos quais vivemos do seu carácter fechado. No entanto, só

poderemos fazer isto através da introdução de uma arquitectura de vidro, que permita a entrada

da luz do sol, da lua e das estrelas no interior dos espaços, não apenas através de algumas

janelas, mas através de tantas paredes quantas seja possível, devendo estas ser de vidro – de

vidro colorido”12

. O arquitecto alemão Adolf Behne (1885-1948) também partilhava esta visão

poética e utópica de Scheerbart acerca do impacto e mudança na sociedade que a arquitectura de

vidro iria produzir, o que o leva a afirmar, em 1918, que “A arquitectura de vidro irá levar a uma

nova cultura e isso não é um delírio de um poeta. É um facto”13

.

O Pavilhão de Vidro (1914), de Bruno Taut foi construído na “Exposição da Werkbund”, em

Colónia, em 1914 e deveu muito às ideias de Scheerbart de maior transparência e de uma

arquitectura de vidro. Foi financiado por fabricantes de vidro e tinha uma dupla função, expor

produtos de vidro e funcionar como uma “casa de arte”.14

A cúpula era de vidro colorido e as

paredes exteriores de blocos de vidro. O visitante percorria uma série de espaços, nos quais

predominavam os efeitos do vidro colorido e os sons da água que corria no interior numa cascata

em pequenos degraus.

11

Idem – p. 92. 12

Paul Scheerbart cit. por Kenneth Frampton – modern architecture, A Critical History. 4ª Edição. London: Thames & Hudson Ltd, 2007, p. 116. 13

Adolf Behne cit. por Kenneth Frampton – op. cit., p. 116. 14

Alan Colquhoun – op. cit., p. 92.

Fig. 5: Pavilhão de Vidro Fig. 6: Interior do

Pavilhão de Vidro Fig. 7: Interior do Pavilhão de

Vidro

8

Com o fim da 1ª Guerra Mundial, perante uma sociedade e um país em ruínas, os

arquitectos tomaram consciência da sua importância e assumiram-se como representantes do

espírito construtivo da nova Alemanha democrática, enquanto técnicos responsáveis pela

reconstrução urbanística. Participaram de forma organizada no processo de reconstrução do país,

à imagem da vanguarda artística russa. É formado o “Novembergruppe” (“Grupo de Novembro”),

em 1918, que funcionou como um centro de pesquisa e experimentação e como força de pressão

para conseguir do Estado o apoio necessário às novas experiências urbanísticas capazes de

responder às exigências de uma sociedade nova, que se pretendia liberta da tirania do lucro e da

especulação. A alma do “Novembergruppe” foi o arquitecto Bruno Taut, mas dele fizeram parte

também, entre outros, os pintores El Lissitzky (1890-1941) e Lyonel Feininger (1871-1956), os

escultores Gerhard Marcks (1889-1981) e Rudolf Belling (1886-1972), o cineasta Hans Richter

(1888-1976), o compositor Alban Berg (1885-1935), o dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956) e

ainda os arquitectos Walter Gropius (1883-1969), Hans Poelzig (1869-1936), Ludwig Mies van der

Rohe (1886-1969) e Erich Mendelsohn (1887-1953). Na sua composição tão diversificada, este

grupo tinha como objectivo principal a unificação e síntese das artes que permitiria a criação do

ideal de “gesamtkunstwerk” de Richard Wagner, a “obra de arte total”15

. Apesar de congregar

tantos artistas e de áreas tão diversas, como foi referido atrás, o “Novembergruppe” teve uma

existência fugaz. A maioria dos principais arquitectos expressionistas, incluindo Taut, Poelzig,

Gropius, Mies van der Rohe e Erich Mendelsohn aderiram a uma abordagem mais prática,

funcional e racional da arquitectura.

Na mesma altura da formação do “Novembergruppe” Taut, Behne e Gropius constituíram o

“Arbeitsrat für Kunst” (Conselho de Trabalhadores para a Arte), que depois se dissolveu e

integrou-se, em Dezembro de 1919, no “Novembergruppe”. Apresentaram os seus objectivos no

programa de arquitectura de Dezembro de 1918 que argumentava em favor duma nova “obra de

arte total”, para ser criada com a participação activa do povo e o seu manifesto, na Primavera de

1919, reafirmava este princípio: “A arte não deve ser apenas para deleite de poucos, deve ser

sentida e desfrutada pelas massas. O objectivo é a aliança das artes sob a alçada de uma grande

arquitectura.”16

Esta nova época de cultura de massas teve reflexo em vários projectos na Alemanha, após

a 1ª Guerra Mundial, particularmente de teatros, segundo Colquhoun, devido à sua ligação

próxima com o ideal Wagneriano de “obra de arte total”.17

Um importante exemplo construído

destes projectos foi o teatro de 5000 lugares Grosses Schauspielhaus (1918-1919), em Berlim, da

autoria de Hans Poelzig, um dos maiores expoentes da arquitectura expressionista do pós-guerra.

O teatro foi adaptado a um edifício já existente. Poelzig desenhou o interior dos tectos com um

grande número de ornamentos suspensos que lembravam as estalactites de uma gruta. Milhares

de lâmpadas, com vários tons de amarelo, verde e vermelho, embutidas no tecto abobadado

15

Giulio Carlo Argan – op. cit., p. 246. 16

Kenneth Frampton – op. cit., p. 117. 17

Alan Colquhoun – op. cit., p. 93.

9

faziam com que o conjunto se assemelhasse ao céu estrelado da noite quando as luzes diminuíam

de intensidade.18

A cor era um importante aspecto da filosofia expressionista e este edifício era também

notável pela sua cor, vermelho borgonha no exterior e amarelo no auditório. Frampton refere que,

na sua dissolução luminosa cintilante da forma e espaço, este projecto de Poelzig aproximou-se

mais das ideias de Scheerbart, do que qualquer obra de Taut do pós-guerra, uma vez que as

dificuldades sociais da República de Weimar não lhe permitiram a concretização da utopia de vidro

proposta por Scheerbart.19

A principal obra existente e que pode ser considerada a chave da arquitectura

expressionista é a Torre Einstein (1917-1921) de E. Mendelsohn, em Potsdam. Partindo da função

do edifício, um observatório astronómico e centro de pesquisa, Mendelsohn, refere Argan, “(…)

modelou o bloco de alvenaria exactamente como um escultor; a partir do gesto da figura, modela

as massas plásticas da estátua. E, sem dúvida, há uma evocação à escultura (…)”.20

Mendelsohn

concebeu a torre em betão, mas perante as limitações da tecnologia da altura, a estrutura foi

construída em tijolo com o exterior de cimento e reboco. Uma parte da sua forma exterior parece

ter sido esculpida e outra moldada. O edifício foi concebido, não como uma combinação de vários

planos, mas como um bloco único, modelado e escavado, numa forma escultórica, “(…) uma

espécie de corpo de alvenaria e cimento”, nas palavras do historiador de arte Franco Borsi.21

Segundo Argan, “(…) a experiência expressionista realizada por alguns dos maiores

arquitectos modernos, nos anos imediatamente seguintes à guerra na Alemanha, teve notável

importância para o desenvolvimento posterior da arquitectura. Ela deslocou o problema da

funcionalidade do plano da pura técnica construtiva e da resposta a exigências práticas para o

plano de uma funcionalidade visual ou comunicativa. À concepção da arquitectura que interpreta

uma realidade natural ou social dada, ela contrapôs a concepção da arquitectura que a modifica,

18

Francis D. K. Ching; Mark M. Jarzombek; Vikramaditya Prakash – A Global History of Architecture. New Jersey: Wiley, 2007, p. 672. 19

Kenneth Frampton – op. cit., p. 119. 20

Giulio Carlo Argan – op. cit., p. 247. 21

Franco Borsi cit. por Giulio Carlo Argan – op. cit., p. 247.

Fig. 8: Interior do Teatro Grosses

Schauspielhaus Fig. 9: Torre Einstein

10

isto é, instaura uma nova realidade. Estabeleceu na invenção um valor integrativo do puro

projectar sobre dados objectivos.”22

Futurismo

No último quartel do século XIX, tinha-se registado um desenvolvimento tecnológico sem

precedentes, com a luz eléctrica, o telefone e o automóvel. O Futurismo italiano defendia que

estes desenvolvimentos implicavam necessariamente uma revolução total, recusando a cultura

tradicional e a criação de um novo conceito artístico, baseado na velocidade e na máquina. Foi

inicialmente um movimento literário, criado com a publicação do “Manifesto do Futurismo” do

poeta Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) em 1909, no jornal “Le Figaro”. Mais tarde, o

movimento alargou a sua influência à pintura e escultura com o “Manifesto Técnico da Pintura

Futurista”, em 1910, e o “Manifesto Técnico da Escultura Futurista” em 1912, ambos da autoria do

artista Umberto Boccioni (1882-1916).

Na arquitectura, o movimento teve uma expressão limitada essencialmente ao “Manifesto da

Arquitectura Futurista” de 1914, do arquitecto Antonio Sant’Elia (1888-1916) e aos seus desenhos

que tentavam traduzir as ideias futuristas numa nova imagem urbana, uma metrópole futurista

altamente industrializada, “La Città Nuova” (A Cidade Nova). Esta nova arquitectura teórica e

utópica, cuja referência já não era o edifício, mas sim a estrutura urbana, pretendia encontrar

novas formas apropriadas aos novos materiais, utilizando todos os recursos da ciência e da

técnica. Apostavam em novos tipos de edifícios, tais como estações de caminhos-de-ferro,

aeroportos, centrais eléctricas e casas ligadas por redes de ascensores de ferro e de vidro, numa

cidade de múltiplos níveis.

22

Giulio Carlo Argan – op. cit., p. 247.

Fig. 10: “La Città Nuova”,

estação de caminho-de-ferro central e aeroporto

Fig. 11: “La Città Nuova”, edifício de

apartamentos

11

No texto, “Messaggio” de Sant’Elia, considerado a primeira versão do “Manifesto da

Arquitectura Futurista” e que foi publicado no catálogo da exposição dos seus desenhos da Cidade

Nova, em 1914, foi dada uma ideia desta nova expressão dos tempos: “(…) o edifício moderno

como uma máquina gigantesca. (…) os ascensores não podem continuar escondidos (…) têm que

trepar as fachadas como serpentes de vidro e ferro. (…) insisto que abolamos o monumental e o

decorativo.”23

Exalta-se a Cidade Nova, concebida como uma imensa máquina em movimento. A

cidade é encarada como um objecto continuamente consumido e desgastado, na qual os edifícios

assumem um carácter efémero, cabendo a cada geração construir as suas próprias casas. No

entanto, os desenhos de Sant’Elia para a Cidade Nova não são inteiramente consistentes com

muitas das ideias expressas pelo “Manifesto da Arquitectura Futurista”. O manifesto condena a

arquitectura comemorativa e as suas formas estáticas e piramidais que abundam nos desenhos de

Sant’Elia e, enquanto o manifesto transmite leveza e permeabilidade, os desenhos expressam

massa e monumentalidade.

A 1ª Guerra Mundial e as suas consequências foram destruidoras para o Futurismo e a ideia

de uma “cultura da máquina” passou a ser vista com muito cepticismo. A influência na geração

seguinte de arquitectos do movimento liderado por Antonio Sant’Elia foi reduzida, em contraste

com o impacto considerável na escultura, música, teatro, cinema e fotografia.

De Stijl

Após a 1ª Guerra Mundial, o Expressionismo deu lugar, na Holanda, a uma nova cultura

vanguardista centrada em questões relacionadas com a abstracção e a cor e a rejeição do

ecletismo estilístico do passado. O movimento holandês “De Stijl” (“O Estilo”), também conhecido

por Neoplasticismo, foi fundado em 1917. No mesmo ano, o pintor Theo van Doesburg (1883-

1931) publica o primeiro número da revista “De Stijl”, que deu o nome ao movimento e que

promovia a arte moderna. O “Manifesto De Stijl”, de 1918, defendia um novo equilíbrio entre o

individual e o universal e a libertação da arte dos constrangimentos da tradição e do culto da

individualidade. Preconizava uma cultura que transcendesse a subjectividade do indivíduo. Esta

aspiração utópica e universal foi sucintamente resumida pelo aforismo: “O objecto da natureza é o

homem, o objecto do homem é o estilo”24

.

O movimento, que durou cerca de 14 anos, foi inicialmente dominado pela pintura e

escultura, abrangendo mais tarde a arquitectura. No entanto, as experiências formais realizadas

em projectos teóricos ou de pequena escala depararam-se com uma resistência considerável na

aplicação dos mesmos conceitos para a construção de edifícios, devido às suas necessidades

23

Antonio Sant’Elia cit. por William J. R. Curtis – Modern Architecture since 1900. 3ª Edição. London: Phaidon Press Limited, 1996, p.102. 24

Kenneth Frampton – op. cit., p. 142.

12

programáticas e técnicas. A lógica da máquina tornou-se o modelo para a arte e arquitectura,

considerando-se que a mente era capaz de criar formas independentemente dos ofícios

tradicionais, implicando uma nova aliança entre pintura, arquitectura e a razão matemática. A arte

e a arquitectura eram consideradas impessoais e objectivas, uma posição racionalista não

baseada no “gosto” pessoal.

Podemos destacar, como princípios orientadores de “De Stijl”, a abstracção formal, a

imaterialidade, a simplificação, a assimetria controlada e a fragmentação rigorosa. Destes

princípios decorrem determinadas características estéticas, das quais se salientam: a simplificação

das composições visuais traduzidas em formas rectangulares, delimitadas por linhas rectas

horizontais e verticais; o uso contido da cor, restringindo-se às cores primárias, amarelo, azul e

vermelho, acompanhadas das neutras, o preto, o branco e cinzentos; uma atitude racionalista

perante a arte.

O movimento foi influenciado pela filosofia Neoplatónica do matemático M. H.

Schoenmaekers (1875-1944), principalmente pelas suas obras mais importantes, “A Nova Imagem

do Mundo” (1915) e “Os Princípios da Matemática Plástica” (1916). Da obra de Schoenmaekers

surgiu o termo Neoplasticismo e a restrição às cores primárias e elementos ortogonais.25

Segundo

Argan, “Na poética neoplástica, o puro acto construtivo é estético: unir uma vertical e uma

horizontal ou duas cores elementares já é construção. É o princípio igualmente adoptado por um

pintor como Mondrian, um escultor como Vantongerloo, arquitectos como T. G. Rietveld, J. J. P.

Oud e C. van Eesteren.”26

A aproximação da pintura neoplástica à arquitectura através deste

elementarismo das cores e formas permitiu o desenvolvimento do conceito da arquitectura

neoplástica.

25

Idem – p. 142. 26

Giulio Carlo Argan – op. cit., p. 287.

Fig. 12: Piet Mondrian, “Composição 1 com Vermelho, Amarelo e Azul”, 1921

13

O grupo do movimento modernista holandês era inicialmente constituído pelos pintores Piet

Mondrian (1872-1944), Theo van Doesburg, Vilmos Huszar (1884-1960) e Bart van der Leck

(1876-1958), o escultor Georges Vantongerloo (1886-1965) e os arquitectos Jan Wils (1891-1927),

Robert van’t Hoff (1887-1979), Gerrit Rietveld (1888-1964) e Jacobus Johannes Pieter Oud (1890-

1963). A identidade do grupo assentava mais na sua doutrina, definida no primeiro “Manifesto De

Stijl” de 1918 e nos números seguintes da revista do que na sua composição, que foi variando ao

longo do tempo. A revista “De Stijl” foi editada e dirigida por van Doesburg, que foi, juntamente

com Mondrian, o teórico principal do movimento.

Na fase inicial, o movimento “De Stijl” enfatizava a ideia da colaboração entre a arquitectura

e a pintura, como atestam as seguintes afirmações de van der Leck: “A pintura moderna chegou

agora ao ponto em que pode entrar em colaboração com a arquitectura. Chegou a este ponto

porque os seus meios de expressão foram purificados. A descrição de tempo e espaço por meio

da perspectiva foi abandonada; é a própria superfície plana que transmite a continuidade espacial

(…) A pintura hoje é arquitectónica porque, em si mesma e pelos seus próprios meios, serve o

mesmo conceito que a arquitectura.”27

No entanto, Colquhoun questiona as afirmações atrás

citadas, argumentando que “se é verdade que a pintura e a arquitectura estão a tornar-se cada

vez mais indistinguíveis, que sentido faz dizer que deveriam entrar em colaboração? A

colaboração só pode existir entre coisas que são diferentes, como no conceito Wagneriano de

“Gesamtkunstwerk” (obra de arte total).”28

Foram Theo van Doesburg e Gerrit Rietveld que melhor

compreenderam as implicações tri-dimensionais da abstracção geométrica definida por Mondrian.

As pinturas de van Doesburg e de Mondrian simplificaram-se, entre 1918-1920, tornando mais fácil

a tradução das suas qualidades em formas de uma arquitectura funcional, na qual, paredes, pisos,

coberturas ou janelas podiam ter um carácter formal análogo aos elementos nas pinturas. O

objectivo não era a decoração do edifício moderno com pinturas murais, mas transformá-lo numa

espécie de escultura abstracta, uma “obra de arte total”, um organismo de cor, forma e planos que

se interceptam.29

Os rectângulos de cores primárias aplicados nas paredes eram entendidos como

uma parte integrante da própria arquitectura, modificando o espaço definido pelas paredes.

Em 1918, van Doesburg decorou os interiores da Casa De Vonk (1917-1918), projectada

por Oud, sem, no entanto, conseguir alcançar a unidade pretendida entre arte e arquitectura. Os

ladrilhos coloridos do chão e vitrais foram simplesmente adicionados à estrutura arquitectónica,

sem uma abordagem holística30

. Em 1923, van Doesburg, em colaboração com o arquitecto

Cornelis van Eesteren (1897-1988), depurou o estilo arquitectónico do Neoplasticismo cujos

resultados foram apresentados numa exposição da sua obra na galeria “L’Effort Moderne”, em

Paris, sintetizando as experiências anteriores de “De Stijl”, através de um conjunto de maquetas e

desenhos axonométricos de um estudo para o interior de um átrio da Universidade de Amsterdão

e projectos de três casas das quais se destacam a “Maison Particulière” (1923) e a “Maison

27

Bart van der Leck, De Stijl, vol. 1, nº 4, 1918, p. 37, cit. por Alan Colquhoun – op. cit., p. 112. 28

Alan Colquhoun – op. cit., p. 112. 29

William J. R. Curtis – Modern Architecture, since 1900. 3ª Edição. London: Phaidon Press Limited, 1996, p.152. 30

Alan Colquhoun – op. cit., p. 114.

14

d’Artiste” (1923), estas duas variações de um único tipo de casa. Van Doesburg e van Eesteren

propõem um equilíbrio assimétrico em vez de simetria, interacções tensas de forma e espaço em

vez de vazios no interior de sólidos e extensões dinâmicas de planos coloridos em vez de formas

fechadas.31

A “Maison Particulière” e a “Maison d’Artiste” consistiam numa aglomeração de

volumes cúbicos com uma estrutura centrífuga e planos de cores primárias e neutras.

Nas axonometrias das Contra-Construções de van Doesburg, como a “Construction de

l’Espace-Temps II” (1924), que representavam o seu conceito de uma arquitectura neoplástica, os

volumes cúbicos são reduzidos a planos coloridos suspensos e que se intersectam, permitindo a

fluidez do espaço entre eles e tornando contínuo o espaço interior e exterior. Van Doesburg define

este sistema espacial da seguinte forma: “A subdivisão dos espaços funcionais é estritamente

determinada por planos rectangulares, que não possuem formas individuais, uma vez que, apesar

de estarem limitados (um plano pelo outro), eles podem ser imaginados estendendo-se para o

infinito, formando por isso um sistema de coordenadas, cujos diferentes pontos corresponderiam a

um igual número de pontos no espaço universal, aberto32

.

A Casa Schröder (1923-1924), em Utrecht, de Gerrit Rietveld, foi o único edifício construído

no qual foram completamente aplicados os princípios formais de “De Stijl”. Rietveld foi, de entre os

arquitectos comprometidos com o movimento “De Stijl”, o mais fiel às premissas teóricas e ao rigor

formal do movimento. Esta casa foi, em muitos aspectos, a realização dos “16 princípios de uma

Arquitectura Plástica” de Theo van Doesburg, publicados na altura da sua conclusão. Preenchia as

prescrições de van Doesburg, sendo elementar, económica e funcional, não-monumental e

dinâmica, anti-cúbica na sua forma e anti-decorativa na sua cor. O primeiro piso, com a sua

“planta transformável”, numa única sala, pela deslocação das partições interiores que encerravam

31

William J. R. Curtis – op. cit., p. 153. 32

Theo van Doesburg, “Towards a Plastic Architecture”, De Stijl, vol. 6, nº 6-7, 1924, cit. por Alan Colquhoun – op. cit., p. 118.

Fig. 13: “Maison Particulière” Fig. 14: “Maison d’Artiste” Fig. 15: “Construction de l’Espace-

Temps II”

15

os vários espaços, exemplificava, apesar da sua construção tradicional de tijolo e madeira, o

princípio de van Doesburg de uma arquitectura dinâmica liberta do peso das paredes estruturais e

das restrições impostas pelas aberturas nessas paredes.33

O revestimento do pavimento deste

piso, em materiais de diferentes cores, permitia revelar as separações dos diferentes espaços, três

quartos, uma sala e uma instalação sanitária. Segundo Frampton, o 11º princípio de van Doesburg

pode ser visto como uma descrição idealizada da casa, nele se afirmava: “A nova arquitectura é

anti-cúbica, isto é, não tenta congelar as diferentes células do espaço funcional num cubo

fechado. Ao invés, projecta as células do espaço funcional (bem como os planos em consola,

volumes das varandas, etc) centrifugamente, a partir do núcleo do cubo. E por esse meio, altura,

largura, profundidade e tempo (isto é, uma entidade tetra-dimensional imaginária) abordam uma

expressão plástica totalmente nova em espaços abertos. Deste modo, a arquitectura adquire um

aspecto mais ou menos flutuante que, por assim dizer, age contra as forças gravitacionais da

natureza.”34

O projecto é baseado num cubo, decomposto em linhas e planos ortogonais. Os planos

quadrados e rectangulares das fachadas, pintados em branco e cinzento contrastam com as cores

primárias utilizadas nas linhas finas dos caixilhos das janelas, grades das varandas e seus

suportes em preto, azul, vermelho e amarelo. A linguagem arquitectónica adoptada por Rietveld

pode ser comparada com a pintura de Mondrian, com a sua combinação de rectângulos de cores

primárias, brancos e cinzentos, definidos por grelhas formadas por linhas horizontais e verticais.35

Os interiores e equipamentos da casa, igualmente projectados por Rietveld, conjugam-se na

perfeição com o estilo geral e proporções do edifício. Segundo Curtis, a Casa Schröder é uma

33

Kenneth Frampton – op. cit., p. 145. 34

Theo van Doesburg cit. por Kenneth Frampton – op. cit., p. 145. 35

William J. R. Curtis – op. cit., p. 157.

Fig. 16: Casa Schröder Fig. 17: Interior do primeiro piso da Casa Schröder

16

“obra de arte total”, na qual os equipamentos e a forma geral são expressões consistentes da

mesma ideia e na qual a pintura, escultura e arquitectura se fundem36

.

No seu projecto, realizado em colaboração com Hans Arp (1886-1966) e Sophie Täuber Arp

(1889-1943), para a decoração do interior do Café “Aubette” (1926-1928), em Estrasburgo, num

edifício do século XVIII, Theo van Doesburg utilizou a linguagem moderna do “De Stijl”, em nítido

contraste com a estrutura arquitectónica original. No tratamento das superfícies das paredes e do

tecto, van Doesburg utilizou a sua teoria do Elementarismo, assente nos conceitos do

Neoplasticismo de Mondrian, mas permitindo a utilização das formas de ângulos rectos em planos

inclinados, na diagonal e em relevo. Para as superfícies do interior do café, criou composições

abstractas orientadas em ângulos de 45 graus, numa grelha de rectângulos, em relevo, de cores

primárias, incluindo também branco, cinzento e preto. A grelha era rodada e deslocada entre as

superfícies, de modo assimétrico mas equilibrado pelo peso da combinação de cor e, com isto,

van Doesburg pretendia quebrar a percepção das arestas do espaço, opondo-se ao volume

envolvente.37

Van Doesburg afirmou que o objectivo do seu projecto para o café “Aubette” era:

“(…) a evocação do efeito simultâneo da pintura e arquitectura.”38

As composições do tecto e

paredes foram todas tratadas de forma a tornarem a superfície arquitectónica numa espécie de

escultura plástica em relevo.39

Foram colocados espelhos numa das paredes, entre as janelas,

para reflectirem o tecto e as três paredes, distorcendo ainda mais a percepção correcta do espaço

arquitectónico. Segundo Argan, van Doesburg não procede a uma decoração, mas reestrutura

visualmente o ambiente, sobrepondo a uma construção insignificante uma arquitectura de formas

coloridas40

. O café “Aubette” foi a última obra arquitectónica significativa (Neoplástica) do

movimento “De Stijl”. A maioria dos seus artistas, como van Doesburg e Rietveld aderiram aos

princípios do movimento “Neue Sachlichkeit” (“Nova Objectividade”).

36

Idem – p. 159. 37

Christian Bjone – Art and Architecture, Strategies in Collaboration. Basel: Birkhäuser, 2009, p. 39. 38

Theo van Doesburg cit. por Kenneth Frampton – op. cit., p. 148. 39

Francis D. K. Ching; Mark M. Jarzombek; Vikramaditya Prakash – op. cit., p. 677. 40

Giulio Carlo Argan – op. cit., p. 406.

Fig. 18: Interior do Café “Aubette”

17

O movimento “De Stijl” exerceu forte influência na obra de Ludwig Mies van der Rohe (1886-

1969). A maioria dos críticos sugere que a pintura de Theo van Doesburg, “Ritmo de uma Dança

Russa” (1918), foi a fonte de Mies para o projecto de uma Casa de Campo de Tijolo (1923),

próximo de Berlim. As paredes estruturais do projecto foram dispostas em forma de pinhão de

espigas como os elementos agrupados em “Ritmo de uma Dança Russa”.41

Apesar de não ter sido

construído, este projecto teve um papel fundamental na evolução da obra arquitectónica de Mies e

da arquitectura moderna. Este projecto antecipou a organização horizontal centrífuga do espaço,

definida pelos planos das paredes e colunas, utilizada no Pavilhão de Barcelona (1929) e na Casa

Tugendhat em Brno (1930).42

Como refere Curtis “O vocabulário de um artista leva tempo a

absorver influências e a amadurecer. Poderá haver uma obra fundamental na qual um conceito

orientador é primeiramente revelado, para depois levar anos a solidificar com outras descobertas.

O projecto de Mies van der Rohe de uma Casa de Campo de Tijolo (1923) parece ter tido este

papel na sua evolução, pois foi neste projecto (…) que ele cristalizou uma ideia espacial chave.”43

Em planta, os planos das paredes eram definidos por uma rede de linhas ortogonais, de

comprimento e grossura variadas, que pareciam expandir-se gradualmente em direcção a um

infinito implícito, tal como acontece com as linhas negras nas pinturas de Mondrian. Os volumes

fechados do projecto desapareceram e o espaço é definido apenas por planos soltos, tal como nas

Contra-Construções de van Doesburg, podendo estas ser outra das influências para o projecto de

Mies, além da pintura “Ritmo de uma Dança Russa”.44

41

Kenneth Frampton – op. cit., p. 164. 42

Idem – p. 164. 43

William J. R. Curtis – op. cit., p. 191. 44

Alan Colquhoun – op. cit., pp. 172-174.

Fig. 19: “Ritmo de uma

Dança Russa” Fig. 20: Planta e perspectiva do projecto Casa de Campo de

Tijolo

18

A revista “De Stijl” foi um importante órgão da vanguarda internacional até que terminou a

sua publicação em 1932. Apesar do movimento se ter mantido forte até ao final dos anos 20 do

século XX, as diferenças entre artistas, como van Doesburg e arquitectos desejosos de trabalhar

de acordo com as necessidades realistas dos clientes, tornaram-se inultrapassáveis.

O movimento “De Stijl” e sobretudo a obra de Theo van Doesburg e Mondrian tiveram um

enorme impacto no desenvolvimento da arquitectura moderna. Segundo Argan, a concepção

espacial de Mondrian exerceu “(…) uma profunda influência sobre a arquitectura; e não tanto

sobre as formas arquitectónicas, e sim sobre sua valorização da funcionalidade vital dos espaços

sobre a planimetria que os define e os distribui, sobre o projecto”45

. Colquhoun refere que “O

idealismo e formalismo da obra de van Doesburg tornou-a uma força impulsionadora para os

arquitectos modernos que procuravam uma nova linguagem formal. Como resultado das

exposições de van Doesburg em Weimar, em 1922, em Paris, em 1923, e a sua presença “off-

stage” na Bauhaus, em 1921, o Neoplasticismo exerceu uma considerável influência sobre

arquitectos como Le Corbusier, Walter Gropius e Mies van der Rohe, em momentos críticos das

suas carreiras”46

.

Vanguardas Russas

A revolução de Outubro de 1917 provocou na vanguarda artística russa um desejo de

libertação dos símbolos e padrões do passado, associando-se aos anseios do proletariado que

esperava conseguir uma melhor qualidade de vida e o fim da opressão feudal. Todos os artistas

da vanguarda apoiaram a revolução e o clima revolucionário era por eles encarado como uma

oportunidade única de conferir às artes um conteúdo político e de, através delas, participar na

transformação da sociedade, em direcção ao socialismo. O movimento vanguardista reflectiu-se

primeiramente na pintura e escultura, estendendo-se mais tarde à arquitectura. Os principais

movimentos da vanguarda russa, Suprematismo, Racionalismo, Construtivismo, viam na máquina

o modelo para a arte e arquitectura, sendo estas consideradas objectivas. Desde o início,

verificou-se uma grande actividade de reflexão teórica com manifestos, proclamações e muita

pesquisa, embora sem meios económicos e técnicos que permitissem a execução dos projectos.

Na arquitectura podemos destacar os nomes de Konstantin Melnikov (1890-1974), Ivan

Leonidov (1902-1959), El Lissitzky (1890-1941) e Vladimir Tatlin (1885-1953), que serviam de

modelos aos novos arquitectos e cujas soluções formais ousadas, dinâmicas e emotivas tentavam

traduzir o ímpeto e os avanços da revolução. Era uma estética baseada na imagem do trabalho e

na exaltação da produção em massa.

45

Giulio Carlo Argan – op. cit., p. 414. 46

Alan Colquhoun – op. cit., p. 120.

19

O Suprematismo foi fundado pelo pintor Kazimir Malevich (1878-1935), em 1913. Era um

movimento essencialmente formalista, tendo muitos pontos de contacto com o Neoplasticismo

Holandês, incluindo a simplificação formal. O seu conteúdo teórico está directamente ligado ao

pintor Kazimir Malevich (1878-1935) e ao poeta Vladimir Maiakovski (1893-1930). Defendia uma

arte fundada na visualidade plástica pura, sem qualquer finalidade prática. Preconizava um

rompimento com a ideia de arte como imitação da natureza, sem referências ao mundo objectivo.

As obras suprematistas foram mostradas pela primeira vez, em 1915, numa exposição colectiva

em S. Petersburgo e evidenciavam a nova proposta pictórica de formas geométricas básicas:

quadrado, rectângulo, círculo, cruz e triângulo, associadas a uma pequena gama de cores.

Malevich, tal como Theo van Doesburg, aplicou as suas ideias à arquitectura, num conjunto de

esculturas prismáticas que ele chamava de “Arkhitektons”, concebidas como paradigmas formais

da arquitectura do futuro. Contudo, tratava-se apenas de estudos experimentais para edifícios sem

definição de planta nem função, não concretizados.47

O representante do Suprematismo na arquitectura foi El Lissitzky, projectando expositores e

obras de propaganda. Na sua procura para inventar novas formas, destaca-se o seu projecto

“Wolkenbügel” (1924), de torres que suportavam edifícios em consola, redefinindo o arranha-céus

americano numa nova forma socialista. As instalações de Lissitzky, que agrupou sob o nome de

“Proun” (“Projecto para a afirmação do novo”) exploravam os terrenos comuns entre a

arquitectura, pintura e a escultura. Muitas delas consistiam em objectos tipo “Arkhitekton”,

representados em projecções axonométricas48

. Embora o Suprematismo se confunda com o nome

de Malevich, exerceu grande influência sobre outros artistas russos, bem como sobre a pintura,

arquitectura e design europeus. Frampton refere que o “(…) Suprematismo teve o efeito de

encorajar Mies a desenvolver a planta livre.“ e que “(…) o Pavilhão de Barcelona foi inegavelmente

uma composição Suprematista-Elementarista (…).”49

47

Alan Colquhoun – op. cit., pp. 122-123. 48

Idem – p. 123. 49

Kenneth Frampton – op. cit., pp. 163-164.

Fig. 21: “Arkhitekton - Alpha”, 1920

Fig. 22: “Wolkenbügel” Fig. 23: El Lissitzky, “Proun IE (Cidade)”, 1921

20

Também os projectos utópicos de Ivan Leonidov (1902-1959), desenhados entre 1927 e

1930, dos quais se destaca o projecto para o Instituto Lenine, foram influenciados pela obra de

Malevich. O projecto para o Instituto Lenine, exibido na primeira Exposição de Arquitectura

Contemporânea em Moscovo, em 1927, era constituído por duas formas primárias envidraçadas:

uma torre esbelta paralelepipédica e um auditório esférico e translúcido. Este conjunto era

comparável a uma composição suprematista.50

A Escola Superior de Oficinas Técnicas e Artísticas (Vkhutemas) foi fundada em Moscovo,

em 1920. A escola progressista dividia-se em dois campos ideológicos: os Racionalistas, liderados

pelo arquitecto Nikolai Ladovsky (1881-1941), e os Construtivistas, cujos membros incluíam o

arquitecto Alexander Vesnin (1883-1959) e os artistas Varvara Stepanova (1894-1958), Alexander

Rodchenko (1891-1956) e Alexei Gan (1889-1940). O Instituto de Cultura Artística (Inkhuk) foi

igualmente fundado em Moscovo, em 1920, tendo sido nele formado, em 1921, o Primeiro Grupo

de Trabalho Construtivista. Foi nesse instituto que ocorreu um debate significativo entre o grupo

Construtivista e os Racionalistas sobre a questão de “construção” versus “composição”. Ambas as

instituições tinham a arte, arquitectura e design nos seus currículos. Racionalistas e

Construtivistas, apesar de ideologicamente opostos, utilizavam formas similares. Para os

racionalistas, a renovação da arte implicava a sua purificação através da aplicação das suas leis

formais e psicológicas. Os Construtivistas defendiam a arte como um fenómeno intrinsecamente

social que não podia isolar-se através de uma prática meramente formal, a essência da arte

moderna não era o princípio da forma mas o da construção.

Uma das obras mais simbólicas do Construtivismo foi o projecto do Monumento à 3ª

Internacional, da autoria de Tatlin, projectada em 1919. Era uma torre de 400 metros, pintada de

vermelho simbolizando a Revolução, cuja base assentaria nas margens do rio Neva, no centro de

S. Petersburgo. Era constituída por quatro volumes de vidro, cada um rodando a uma velocidade

progressivamente maior, suspensos numa gigantesca estrutura de aço em espiral dupla, travada

50

Idem – p. 175.

Fig. 24: El Lissitzky, “Proun R.V.N.2”, 1923

Fig. 25: Maqueta do projecto para o Instituto Lenine

21

por uma treliça inclinada. O espaço inferior, um cubo, iria girar em torno do seu eixo, executando

uma rotação por ano, que corresponderia à periodicidade de encontros da Assembleia Geral da

Internacional. O segundo espaço, em forma de pirâmide, girava também em torno do seu eixo,

realizando uma rotação por mês, que era a frequência dos encontros do Secretariado. O terceiro

espaço, em forma de cilindro, mais pequeno que os anteriores, faria uma rotação por semana para

corresponder às actividades da Internacional. O último, uma meia esfera, rodava sobre si mesmo

uma vez por dia, simbolicamente associado ao jornal diário “Pravda”. A Torre previa, entre outros

espaços, escritórios e sala de congressos. No topo do monumento erguiam-se antenas de rádio,

tal como na Torre Eiffel com a qual implicitamente competia. A Torre de Tatlin pretendia

exemplificar o programa Construtivista que entendia o ponto, a linha, o plano e a cor como

“materiais intelectuais” e a madeira, o vidro e o aço “materiais físicos”, todos eles com o mesmo

valor temático. A Torre, uma verdadeira escultura arquitectónica móvel, tornou-se um símbolo da

jovem República Soviética. El Lissitzky viu na torre o equivalente moderno da pirâmide de Sargon,

mas num novo material para um novo contexto, acrescentando que o aço simbolizava a força do

proletariado e o vidro uma consciência lúcida e para o crítico Viktor Shklovsky (1893-1984) era o

monumento “feito de aço, vidro e revolução”.51

Segundo Argan, a Torre de Tatlin “Contém todas a

premissas do Construtivismo. Indistinção das artes: é arquitectura, estrutura provisória, escultura

construtivista em escala gigantesca; funcionalidade técnica e sistema de comunicação;

expressividade simbólica do dinamismo ascendente da espiral inclinada (…).”52

Lenine reintroduziu parcialmente o capitalismo de mercado livre no Novo Plano Económico

de 1920, iniciando um programa ambicioso para novos edifícios, financiados por privados e pelo

estado. A partir de 1922, foram lançados inúmeros concursos para diversos projectos mas poucos

resultaram em edifícios construídos. No entanto, a primeira arquitectura construtivista de grande

51

Francis D. K. Ching; Mark M. Jarzombek; Vikramaditya Prakash – op. cit., p. 680. 52

Giulio Carlo Argan – op. cit., p. 284.

Fig. 26: Maqueta para o Monumento à 3ª Internacional

Fig. 27: Segunda maqueta do Monumento à 3ª Internacional, 1925

22

escala teve origem e definiu-se nestes concursos, tendo como principais características a

eliminação de toda a ornamentação, a expressão exterior da estrutura e a ausência de referências

históricas. Em 1923, Ladovsky fundou a Associação de Novos Arquitectos (ASNOVA) que

procurava não apenas uma estética mais científica, mas também a busca de novas formas de

edifícios que satisfizessem e expressassem o novo estado socialista.

Os arquitectos da Associação de Arquitectos Contemporâneos (OSA), formada em 1925,

concentraram-se sobretudo no urbanismo e habitação como os instrumentos principais do

desenvolvimento socialista e propunham uma arquitectura de reconciliação entre a estética, a

técnica e os materiais. A associação, sob a liderança de Moisei Ginzburg (1892-1946), contestava

a ideia da arte pela arte, ela devia reflectir a verdade, libertar-se da subserviência face à

burguesia, basear-se no método científico e inspirar-se na produção fabril, uma vez que a

industrialização iria permitir o acesso universal à verdadeira cultura.

Konstantin Melnikov, tal como Ivan Leonidov, estavam comprometidos com o Socialismo e o

Modernismo. Os seus edifícios exibiam uma mistura eclética de expressionismo estrutural,

abstracção formal e o uso alegórico da figura humana. Melnikov procurava uma forma simbólica

para os ideais da revolução através de geometrias deformadas como no Pavilhão Soviético

(1925). Foi um dos arquitectos da vanguarda russa mais prolíficos, construindo cerca de vinte

estruturas das quais poucas sobreviveram. O Pavilhão Soviético foi projectado por Melnikov para a

Exposição Internacional de Artes Decorativas, em Paris, em 1925, tendo conquistado o grande

prémio. A estrutura de madeira era atravessada diagonalmente por uma escadaria que dava

acesso aos pisos superiores e dividia o piso térreo em dois triângulos iguais. Os painéis na

cobertura foram pintados de vermelho, as paredes de cinzento e os caixilhos das janelas de

branco. O pavilhão era simultaneamente um edifício e um símbolo.

As dificuldades políticas e económicas do período pós-revolução não permitiram a

concretização de programas construtivos vastos e, como consequência, os movimentos

vanguardistas russos tiveram maior expressão na pintura, escultura e no teatro. A partir de 1930, a

vanguarda russa foi desautorizada e reprimida pela nova burocracia estalinista, que transformou a

Fig. 28: Pavilhão Soviético Fig. 29: Maqueta do Pavilhão Soviético

23

arquitectura, pintura e escultura em elementos de propaganda oficial do regime. Em 1932, o

regime acabou com todos os grupos autónomos de arquitectos.

Apesar da maioria das ideias e projectos construtivistas não terem sido concretizados,

exerceram uma influência importante na arquitectura, que se mantém ainda presente nas obras de

alguns arquitectos contemporâneos.

Bauhaus e Walter Gropius

A escola Bauhaus foi fundada em 1919, por Walter Gropius (1883-1969), em Weimar,

Alemanha. Gropius tinha como objectivo a unificação das artes e aproximar a arte e a indústria

através da cooperação entre artistas, artesãos e indústria. Para tal, convidou para a escola de

Weimar vários mestres artistas, incluindo Wassily Kandinsky (1866-1944), Paul Klee (1879-1940),

Josef Albers (1888-1976), László Moholy-Nagy (1895-1946), Lyonel Feininger (1871-1956) e

Johannes Itten (1888-1967).

A arte e arquitectura podiam, juntas, beneficiar-se mutuamente. No entanto, nos primeiros

anos, não houve a disciplina de arquitectura na Bauhaus, ainda que Gropius declarasse no

“Manifesto e Programa da Bauhaus de Weimar”, de 1919, que “O objectivo último de toda a

actividade criativa é a construção.”53

A formação do Departamento de Arquitectura na Bauhaus só

ocorreu em 1927, sob a liderança de Hannes Meyer (1889-1954). A escola tinha como base o

princípio da colaboração, do projecto como actividade interdisciplinar em grupo, da pesquisa

conjunta entre mestres e alunos, muitos dos quais se tornaram docentes. Os estudantes da escola

participavam no projecto dos edifícios e equipamentos. A Bauhaus foi sempre, até ao

encerramento em 1933 pelo regime nazi, um pólo dinâmico no ensino e na cultura artística de

vanguarda, estabelecendo contacto com todas as tendências vanguardistas da arte europeia,

como o Neoplasticismo Holandês e o Construtivismo Russo, cujas influências na escola se fizeram

sentir principalmente entre 1919 e 1923. A Bauhaus teve um impacto duradouro na arquitectura,

no design, nas artes visuais e sobretudo nas normas estéticas. Gropius saiu da Bauhaus em 1928,

após nove anos como director, partindo para Inglaterra em 1934. Em 1937, foi para os E.U.A. para

leccionar na Graduate School of Design, na Universidade de Harvard, em Cambridge,

Massachusetts, tornando-se director do Departamento de Arquitectura no ano seguinte.

A Residência Sommerfeld (1920-1921), em Berlim e o Harkness Commons (1948-1950), na

Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts, são os dois edifícios de Gropius que

melhor ilustram a tentativa de unificação da arte e arquitectura por ele advogada. Ambos

procedem à integração de obras de arte na arquitectura da mesma forma e com as mesmas

limitações. A Residência Sommerfeld concretizou o objectivo programático original da Bauhaus da

53

Walter Gropius cit. por Christian Bjone – op. cit., p. 26.

24

unificação da arte e produção industrial e foi o primeiro exemplo construído resultante do trabalho

de colaboração entre artistas e arquitectos da Bauhaus. Foi projectada por Gropius com a

colaboração do gerente do seu ateliê Adolf Meyer (1882-1929), para Adolf Sommerfeld, construtor

e dono de uma serração e um dos patronos da Bauhaus. Concebida como uma casa tradicional de

traves de madeira sobre uma base de pedra, tinha um interior enriquecido, por meio de extensa

ornamentação, com vitrais e motivos esculpidos na madeira. O objectivo era criar uma obra de

arte total, o edifício, através da síntese de todas as artes, à semelhança da catedral medieval que

simbolizava a unificação da arte e arquitectura.

Marcel Breuer (1902-1981), nessa altura aluno na Bauhaus, colaborou como desenhador de

mobiliário. Joost Schmidt (1893-1948), membro da Bauhaus, foi o responsável pelos trabalhos

esculpidos na madeira, na porta de entrada e na escada. Todas as formas e motivos esculpidos

pelo artista ficaram enquadrados na “moldura” estabelecida e desenhada pelo arquitecto, contidos

num espaço definido e limitado, não constituindo assim um todo uniforme. Josef Albers desenhou

os vitrais da casa, com motivos geométricos semelhantes aos utilizados por Schmidt. Apesar

desse diálogo, os vitrais de Albers acabam também por sofrer das mesmas limitações da obra de

Schmidt, confinados pelas “molduras” arquitectónicas das janelas. Na Residência Sommerfeld, a

obra de cada artista foi delineada dentro duma tradição que remonta ao nicho para a escultura e a

moldura para a pintura, em intervenções pontuais e delimitadas previamente, acabando por não

haver uma completa unificação entre arte e arquitectura.

O Harkness Commons na Universidade de Harvard, foi realizado pelo The Architects

Collaborative (T.A.C.), ateliê de arquitectura de Gropius nos E.U.A. O edifício fazia parte do

Graduate Center e incluía um refeitório e salas de convívio. Participaram vários artistas na

decoração do edifício, estabelecendo um modelo para muitas das colaborações futuras nos

E.U.A., em edifícios públicos. Richard Lippold (1915-2002) fez a escultura exterior, situada

próximo da entrada. Herbert Bayer (1900-1985), antigo aluno e mestre da Bauhaus, realizou o

mural de azulejos para a parede da rampa principal e também um dos murais do refeitório, sendo

os outros da autoria de Joan Miró (1893-1983) e Jean Arp (1886-1966). Josef Albers contribuiu

com um relevo mural de tijolo numa das salas. Tal como na Residência Sommerfeld, as obras de

arte neste projecto estão inseridas dentro das molduras arquitectónicas tradicionais. Os murais de

Fig. 30: Residência Sommerfeld Fig. 31: Interior da Residência Sommerfeld

25

Bayer, Miró e Arp, colocados no refeitório, estão delimitados por elementos arquitectónicos como

paredes, janelas e colunas. O mural de Bayer, apesar da sua sofisticação gráfica, acaba por

resultar apenas como mais uma pintura abstracta exibida numa moldura, neste caso enquadrada

pelas janelas e colunas circundantes. O mural de Miró tinha como tema a tourada, foi pintado em

Espanha e o artista fez poucos esforços de coordenação, não estabelecendo nenhuma ligação

com as obras dos restantes artistas. Arp produziu um conjunto de relevos murais de madeira,

intitulado “Constelação”, em painéis colocados ao longo de duas paredes, encerrando um espaço

no refeitório. A obra de Arp também foi concebida de forma independente sem preocupações de

vínculos com as restantes. Arp foi, no entanto, o único artista de que há registo, a ter dialogado

com Gropius no decurso da realização da sua obra.

O conjunto das obras de arte aparece assim desligado e independente entre si, bem como

do desenvolvimento e realização do projecto de arquitectura, colocadas como decoração de

interiores, após a conclusão do edifício. O Harkness Commons foi um exemplo duma combinação

audaciosa de arte e arquitectura moderna nos E.U.A., sem, no entanto, traduzir uma verdadeira

colaboração e unificação entre arte e arquitectura.

Le Corbusier: Arquitecto e Pintor

Le Corbusier é o pseudónimo de Charles Édouard Jeanneret-Gris, nascido em 1887, em La

Chaux-de-Fonds, Suíça e falecido em 1965. Arquitecto e pintor, pode ser considerado com Frank

Lloyd Wright (1867-1959) e Mies van der Rohe, um dos mais importantes arquitectos do século

XX. Le Corbusier pintou e desenhou ao longo da sua vida, dividindo a sua rotina diária entre

pintura e arquitectura, embora, como o próprio afirma, tenha deixado “(…) deliberadamente de

Fig. 32: Harkness Commons Fig. 33: Jean Arp, “Constelação”

26

existir publicamente como pintor (…)”, em 1923.54

No entanto, foi através da pintura que ele

chegou à arquitectura. A sua pintura funcionava como “laboratório” para muitas das suas ideias,

desempenhando um papel fundamental na sua prática arquitectónica. Le Corbusier afirma acerca

da relação entre a sua pintura e a sua obra arquitectónica que “É incorrecto procurar a chave da

minha obra (arquitectónica) e da minha pesquisa noutro lugar”55

. A sua entrada no mundo da

pintura deu-se por intermédio do artista Amédée Ozenfant (1886-1966), que conheceu em 1918.

Juntos, criaram o Purismo (1918-1925), uma chamada à ordem e reacção à deformação e

fragmentação decorativa do objecto na arte levada a cabo pelos Cubistas. O Purismo partia do

Cubismo mas favorecia a precisão e ordem matemática. Recuperava a integridade do objecto na

arte e defendia a noção, derivada do Cubismo, de um espaço contínuo, inseparável das coisas

que circunda, atravessa e penetra. Segundo Argan, a construção ideal do espaço torna-se a

construção material do edifício, as ideias de Le Corbusier de conceber a casa como um volume

suportado por pilares, de forma a permitir a livre circulação, de encaixar os apartamentos uns nos

outros a vários níveis, são inspiradas na concepção cubista do espaço.56

Dois elementos do Purismo influenciaram a arquitectura de Le Corbusier. O primeiro era

que os artistas deviam limitar-se a pintar naturezas mortas com um conjunto seleccionado de

objectos, aos quais chamavam “objets-type”, como copos, garrafas, livros, guitarras, etc. Estes

“objets-type” tinham as mesmas formas geométricas simples de elementos usados na arquitectura

moderna de Le Corbusier, como escadas metálicas em espiral, clarabóias de vidro e colunas

cilíndricas, pilotis57

. Por outro lado, a clarificação da ideia de espaço cubista operada pelo Purismo

foi aplicada por Le Corbusier à organização da planta nos projectos das suas primeiras casas

modernas. Bjone traça uma analogia entre a pintura purista “Natureza Morta. Louça” (1920) de

Ozenfant e determinadas formas utilizadas na Villa Savoye (1928-1931) de Le Corbusier.58

O

edifício com um volume rectangular de um piso elevado em relação ao terreno, suportado por um

conjunto de pilotis, relembra, noutra escala, uma mesa tradicional suportada por pernas finas,

fornecendo uma superfície para o conjunto de formas curvas e angulares da cobertura. A

cobertura do edifício corresponde assim à tela da pintura de Ozenfant que funciona como o tampo

da mesa na pintura sobre o qual é mostrada uma natureza morta purista, com vários objectos. O

braço da guitarra pode ser visto como a rampa central, os gargalos de garrafa como as chaminés,

os múltiplos perfis curvos da guitarra e garrafa como o abrigo curvo contra o vento da cobertura e

os copos achatados como as clarabóias envidraçadas.

54

Le Corbusier – “Dessins”, 1965, in Helen Castle, ed. – “Art + Architecture”. Architectural Design, vol. 73, nº 3, 2003, p. 8. 55

Idem – p. 8. 56

Giulio Carlo Argan – op. cit., p. 266. 57

Christian Bjone – op. cit., pp. 69-70. 58

Idem – p. 70.

27

Nos anos 30 do século XX, Le Corbusier, desencantado com a sua utopia tecnológica,

começou a interessar-se por outras ideias sobre a forma. O acabamento polido da máquina foi

substituído por texturas naturais rugosas, a figura humana passou a dominar a sua pintura e um

novo conjunto de objectos tornaram-se importantes, os “objets à réaction poétique”: pedras,

conchas, esqueletos, cordas e, sobretudo, o nu feminino. Este novo estilo seguiu o exemplo de

pintores seus contemporâneos como Fernand Léger (1881-1955) e Pablo Picasso, utilizando

novas formas pictóricas que foram fontes inspiradoras no desenvolvimento de alguns projectos

arquitectónicos de Le Corbusier. O clímax da sua carreira de arquitecto foi atingido com a Capela

de Notre-Dame-du-Haut (1955), em Ronchamp, França, na qual utiliza um conjunto de formas

inovadoras, criando uma escultura pura.

Fig. 34: “Natureza Morta. Louça” Fig. 35: Maqueta da Villa Savoye

Fig. 36: Vista das fachadas sul e este da Capela de Notre-Dame-du-Haut

28

Na opinião de Jaime Coll, a planta da Capela de Notre-Dame-du-Haut derivou de um

desenho, “Abstraction Ozon” (1946), da série “Ubu” de Le Corbusier.59

Flora Samuel sugere, por

sua vez, que a Capela, em particular o desenho da sua planta, retém elementos da série pós-

Purista de pinturas intitulada “Icône” de Le Corbusier, um facto que parece justificar a sugestão

que certas partes do edifício poderão ser comparadas com elementos de um corpo de mulher60

.

Eero Saarinen e a escultura

O arquitecto finlandês Eero Saarinen (1910-1961) estudou escultura, durante um ano, na

Académie de la Grande Chaumière em Paris e arquitectura na Universidade de Yale. Criou

edifícios modernos com identidade própria e alguns deles tornaram-se símbolos e ícones

arquitectónicos dos E.U.A. como super-potência tecnológica do pós-guerra. Saarinen era contra as

divisões clássicas das artes, mantendo cada uma delas a sua identidade separada e tradicional e

da arquitectura como mero recipiente da escultura e pintura. Apropriou-se literalmente da arte

como fonte da forma, os seus edifícios foram sendo influenciados directamente pela obra de

artistas contemporâneos seus conhecidos e evoluíram, até se tornarem esculturas puras. O seu

ateliê utilizava maquetas de grande escala como objecto escultórico para melhor compreender a

forma, o espaço interior e a conjugação dos materiais. A sua paixão pela escultura é transposta,

pela primeira vez, para os seus projectos com a participação de três escultores no Centro Técnico

da General Motors (1948-1956), em Warren, Michigan. Alexander Calder (1898-1976) fez uma

fonte para o lago, Harry Bertoia (1915-1978) uma escultura de metal, funcionando como divisória

na cafetaria e Antoine Pevsner (1886-1962), uma escultura de bronze para o exterior, intitulada

“Voo do Pássaro”. Para o átrio do Edifício Administrativo do Pessoal de Investigação, Saarinen

59

Jaime Coll cit. por Flora Samuel – Le Corbusier in Detail. 1ª Edição. Oxford: Architectural Press, 2007, p. 42. 60

Flora Samuel – Le Corbusier in Detail, pp. 42-44.

Fig. 37: Le Corbusier,

"Abstraction Ozon", 1946 Fig. 38: Planta da Capela de Notre-Dame-

du-Haut Fig. 39: Le Corbusier, "Icône",

1955

29

criou uma escadaria em espiral com uma estrutura de suporte, formando um conjunto muito

semelhante à escultura de Pevsner, estabelecendo assim um diálogo entre arte e arquitectura, se

bem que através de elementos pontuais.

A fachada do edifício da Embaixada dos E.U.A. (1955-1960), em Londres, foi desenvolvida

em paralelo com a série de esculturas de metal, tipo “biombo”, feitas pelo seu amigo artista Harry

Bertoia. A fachada consiste numa série de elementos estruturais rectangulares de pedra,

dispostos alternadamente com uma moldura ornamental de betão mais recuada, num padrão

semelhante a uma composição que Bertoia criou para várias das suas esculturas de metal, como

para o Manufacturers Hanover Trust Bank (1954) em Nova Iorque, dos arquitectos Skidmore,

Owings & Merrill e para a cafetaria da General Motors (1956), atrás mencionada. Um outro

exemplo do diálogo entre escultura e arquitectura verifica-se no paralelismo das formas, material e

texturas entre o projecto dos Ezra Stiles e S.F.B. Morse Colleges (1958-1962), na Universidade de

Yale, em New Haven e as esculturas situadas diante das fachadas de Costantino Nivola (1911-

1988), com quem colaborou neste projecto. Conseguiu-se uma harmonia perfeita entre as

fachadas de betão e pedra e as esculturas de betão, de tal forma que o edifício pode ser

apreendido como uma versão monumental das mesmas esculturas, tal como era a intenção de

Saarinen, afirmada numa carta para Costantino Nivola, em 2 de Novembro de 1959: “(…) não

procuro uma peça de escultura nem apenas de decoração da fachada, procuro toda uma

atmosfera criada pela escultura e baixo-relevo em relação com a arquitectura.”61

61

Eero Saarinen cit. por Christian Bjone – op. cit., p. 52.

Fig. 40: “Voo do Pássaro” Fig. 41: Escadaria em espiral no átrio do Edifício

Administrativo do Pessoal de Investigação

Fig. 42:Fachada do edifício da Embaixada

dos E.U.A, Londres

Fig. 43: Modelos de estudo para a

fachada da Embaixada Fig. 44: Escultura

no Manufacturers Hanover Trust Bank

Fig. 45: Ezra Stiles e S.F.B.

Morse Colleges

30

O Terminal da T.W.A. (1956-1962), no Aeroporto Internacional John F. Kennedy de Nova

Iorque, foi concebido como um pássaro com as asas abertas e lembrando a secção curva de uma

asa de avião, exprimindo o programa através da sua forma e estrutura, que Saarinen chamava de

“expressionismo estrutural”. A estrutura de betão armado é uma combinação de quatro abóbadas,

que definem o espaço interior do terminal, sendo suportadas em quatro colunas em forma de y.

Neste projecto foram usadas quase exclusivamente técnicas de modelação escultórica e

interacção táctil e o resultado é um edifício que é uma escultura pura.

Archigram

Em 1961, foi publicada em Londres o primeiro número da revista Archigram, acrónimo de

“Architectural Telegram”. A publicação foi produzida por um grupo de jovens arquitectos ingleses

composto por Peter Cook (n. 1936), David Greene (n. 1937), Michael Webb (n. 1937), Ron Herron

(1930-1994), Warren Chalk (1927-1987) e Dennis Crompton (n. 1935). O grupo vanguardista

procurava uma visão holística da cidade, propondo um novo modelo, encarado como um

organismo vivo, fluido, pulsante e flexível, traduzido em projectos utópicos de uma arquitectura

móvel, flexível e transitória. Expressavam-se através de textos, colagens e desenhos, utilizando a

linguagem dos media, usando imagens populares e ready-made. O grupo estava interessado na

tecnologia da era espacial e fascinado pela banda desenhada de ficção científica, pelas imagens

publicitárias e consumo de massas. Foi fortemente influenciado pelas obras da Pop Art de artistas

como Richard Hamilton (n.1922), Andy Warhol (1928-1987), e Jasper Johns (n.1930) e pelos

desenhos futuristas da “Città Nuova” de Sant’Elia, e das suas descrições da cidade como uma

máquina dinâmica. No seu tema, elaboração de detalhe quase obsessiva e na sua apresentação

de projectos a partir do exterior, os desenhos do Archigram têm uma certa semelhança com os de

Sant’Elia.

O Archigram organizou exposições no “Institute of Contemporary Art” de Londres para

divulgação das suas ideias e desenvolveu ainda alguns projectos utópicos de cidades

tecnologicamente avançadas, de edifícios que andavam sobre pernas, “Walking City” (1964), e

Fig. 46: Terminal TWA,

aeroporto JFK Fig. 47: Terminal TWA, aeroporto JFK

31

outros que poderiam ser empilhados e alterados como fichas numa tomada múltipla, “Plug-in City”

(1964). Nestes projectos é apresentado um modelo novo de cidade, na qual a arquitectura se

torna um bem de consumo, uma arquitectura efémera, apresentada através de imagens

visionárias e hiper-tecnológicas. Uma espécie de “anti-arquitectura”, baseada numa alternativa

conceptual e formalmente revolucionária inspirada na ideia do consumismo, efemeridade, do

dinamismo necessário à contínua flexibilidade funcional do espaço urbano, influenciada pela

cultura Pop. O projecto “Plug-in City” de Peter Cook sintetizou a maioria dos temas do grupo e a

sua iconografia derivou de muitas fontes, incluindo banda desenhada, ficção científica, Pop Art.

Esta mega-estrutura não continha edifícios no sentido tradicional, mas armações nas quais

habitações, escritórios, lojas, sob a forma de componentes estandardizados, podiam ser

encaixadas. Na Itália, o Archizoom e o Superstudio desenvolveram ideias semelhantes à “anti-

arquitectura” do Archigram, apresentadas quase sempre em colagens inspiradas na imagética da

Pop Art e na publicidade.

Apesar de muitas das estruturas imaginadas pelo Archigram, na década de sessenta do

século XX, não serem concretizáveis, o edifício Kunsthaus Graz, museu de arte da autoria de

Peter Cook e Colin Fournier (n. 1944), construído em 2003, em Graz, na Áustria, com a sua forma

biomórfica, contrastante em relação à arquitectura tradicional dos edifícios da envolvente, é um

exemplo concreto da estética Archigram. Nos anos 70, as imagens “anti-arquitectónicas” do

Fig. 48: Ron Herron, “Walking City”

Fig. 49: Peter Cook, “Plug-in City”

32

Archigram foram absorvidas pelos arquitectos e, segundo Curtis “,(…) o Centro Pompidou em

Paris (1971-1977), de Renzo Piano e Richard Rogers, teria sido inconcebível sem o legado do

Archigram.”62

e Frampton escreve que o Centro Pompidou “foi a realização da retórica tecnológica

e infra-estrutural do Archigram.”63

Minimalismo

O Minimalismo foi um movimento artístico americano com maior expressão nas artes visuais

e música, com origem na cidade de Nova Iorque, na década de 60 do século XX. Surgiu do

descontentamento de alguns artistas com a “Action Painting” do Expressionismo Abstracto

Americano, que dominou a vanguarda artística americana durante grande parte da década de

cinquenta do século XX, por eles considerada demasiado subjectiva e insubstancial, defendendo

que a obra de arte não deveria fazer referência a mais nada que não a ela própria. O movimento

minimalista procurou reduzir a arte aos seus elementos essenciais através da eliminação da

expressão pessoal e alusão histórica. Considera-se ter as suas origens na arte moderna, nas

tendências reducionistas de forma e cor, iniciadas pelo Suprematismo russo e o movimento

holandês “De Stijl”. As pinturas e esculturas minimalistas, de carácter abstracto, eram

caracterizadas por uma abordagem objectiva e simplicidade extrema de forma, reduzindo a

abstracção geométrica ao essencial e explorando como fenómenos de interesse em si mesmos,

as propriedades físicas do espaço, forma, volume, escala, cor e materiais. A arte minimalista,

também chamada de arte ABC, foi definida pelas obras de artistas como os escultores Donald

Judd (1928-1994), Robert Morris (n.1931) e Carl Andre (n.1935), entre outros. O vocabulário visual

utilizado por estes artistas baseava-se na simplicidade e austeridade formal, formas geométricas

precisas, o uso da repetição, de materiais industriais e superfícies monocromáticas. As peças de

Donald Judd, um dos mais importantes artistas minimalistas, combinavam elementos de

arquitectura, escultura e pintura e variavam apenas na cor, material, escala, proporção e número.

A maioria delas consistia em construções de volumes simples, de forma tipo caixa, muitas vezes

62

William J. R. Curtis – op. cit., p. 540. 63

Kenneth Frampton – op. cit., p. 285.

Fig. 50: Centro Pompidou Fig. 51: Kunsthaus Graz

33

repetidos, dispostos na parede ou no chão, alinhados em disposições geométricas rígidas,

eliminando a ideia e hierarquia de composição. A maioria das obras de Judd, utilizando materiais

industriais como metais, plásticos transparentes coloridos e contraplacados de madeira, eram

fabricadas industrialmente para obter acabamentos perfeitos e impossibilitar qualquer associação

com a habilidade artesanal. Apesar das suas obras serem tri-dimensionais, Judd recusava

chamar-lhes esculturas, referindo-se a elas como "specific objects". Judd procurava alcançar na

sua obra um foco de interesse no próprio objecto criado, realçando a sua experiência física e

fenomenológica. Pretendia uma autonomia e clareza para o objecto, bem como para o espaço por

ele definido, considerando o espaço real como a última fronteira da arte moderna.

O termo minimalismo também tem sido utilizado para descrever um estilo contemporâneo

de arquitectura, que evoluiu directamente a partir do Estilo Internacional, rotulado como

arquitectura minimalista. O surgimento do minimalismo na arquitectura foi um fenómeno

internacional, a partir dos anos 70 do século XX, localizado em Londres e no Japão, reconhecido e

rotulado principalmente na década de oitenta, usado para descrever os projectos de arquitectos

como John Pawson (n.1949) e Tadao Ando (n.1941). O minimalismo na arquitectura refere-se à

simplicidade e pureza formal dos edifícios, com uso de formas geométricas básicas, utilização

restrita de materiais e cor. Alguns dos atributos e elementos visuais da arte minimalista e

arquitectura minimalista são similares, como os volumes rectangulares, austeros e simples, a

simplicidade e redução no uso da cor e de materiais. No entanto, segundo Bjone, nas obras de

arte há uma característica de confronto polémico e agressivo que não se encontra na arquitectura,

os edifícios não apresentam um corte dramático com a imagem prévia do Modernismo,

manifestando uma visão estilística refinada do Estilo Internacional original.64

Em 1973, Donald Judd comprou a base militar abandonada Fort D. A. Russel, com 138

hectares de terreno, situada em Marfa, numa zona extremamente isolada no sudoeste do Texas.

Aí, em 1986, Judd inaugurou a “Chinati Foundation”, um museu de arte contemporânea,

concebido inicialmente para exposição permanente de obras suas e dos artistas John

64

Christian Bjone – op. cit., p. 137.

Fig. 52: Donald Judd, "Sem Título", 1965 Fig. 53: Donald Judd, "Sem Título",

1992

34

Chamberlain (n.1927) e Dan Flavin (1933-1996). Actualmente estão em exposição permanente

obras de Judd e de outros artistas, incluindo John Chamberlain, Dan Flavin, Carl Andre, Ingólfur

Arnarsson (n.1956), Roni Horn (n.1955), Ilya Kabakov (n.1933), Richard Long (n.1945), David

Rabinowitch (n.1943), John Wesley (n.1928), Claes Oldenburg (n.1929) e Coosje van Bruggen

(1942-2009). As instalações de Judd na “Chinati Foundation” são uma série de quinze obras de

betão, com um total de sessenta esculturas, expostas no exterior, intituladas “15 Untitled Works in

Concrete” (1980-1984) e cem esculturas de alumínio intituladas “100 Untitled Works in Mill

Aluminum” (1982-1986), expostas em dois antigos armazéns de artilharia. Os hangares,

armazéns, casernas, escritórios e outros edifícios da base militar foram reabilitados e

transformados por Judd em amplos volumes vazios. O complexo de Marfa, além de tirar partido

das estruturas existentes, apresenta os mesmos materiais industriais usados nos edifícios, como,

por exemplo, betão à vista, contraplacado de madeira, alumínio e ferro nos dois edifícios que

recebem as esculturas de Judd e nas obras de arte expostas no complexo. Judd aproveitou

também, como elemento compositivo, a grande escala dos espaços abertos, no interior dos

edifícios. De entre os edifícios reabilitados, os dois antigos armazéns de artilharia são

considerados os mais importantes, na relação entre arte exposta e arquitectura, e os que melhor

demonstram a contribuição de Judd, na relação da arte com a composição da arquitectura

moderna. As cem esculturas de alumínio foram planeadas para os dois armazéns e estes foram

transformados para com elas se unirem, formando um todo indissociável. Na sua introdução ao

catálogo de 1987, que documentava a instalação em Chinati, Judd afirmou: ”A maioria da arte foi

feita para os edifícios existentes (…). Os edifícios foram adaptados à arte, tanto quanto possível.

Novos edifícios teria sido melhor. Apesar disso, na remodelação dos velhos edifícios, eu

transformei-os em arquitectura.”65

Judd tinha como objectivo unir a arte, arquitectura e a natureza

para formar um todo coerente. O tamanho e características dos dois edifícios determinaram a

quantidade e a escala das esculturas. As obras de arte permaneceriam permanentemente dentro

dos dois edifícios, que funcionariam como “templos” de arte minimalistas.

65

James Ackerman et al. – Art And Architecture. 1ª Edição. Marfa: The Chinati Foundation, 2000, p. 8.

Fig. 54: Armazém de artilharia nº 1

35

Os dois armazéns eram originalmente fechados. Para iluminar os espaços interiores, Judd

substituiu as portas de garagem das longas paredes por janelas, cujas caixilharias em alumínio

anodizado foram inseridas dentro das molduras existentes de betão armado. Em cima da

cobertura plana original, colocou uma outra abobadada em ferro galvanizado. As colunas, vigas,

tecto e piso de betão mantiveram-se sem sofrer alteração. Cada edifício recebeu cinquenta

esculturas. As esculturas, fabricadas industrialmente, consistem em caixas rectangulares com

superfícies reflectoras em alumínio, todas com as dimensões exteriores de 1.83 metros de

comprimento, 1.30 metros de largura e 1.04 metros de altura. As cem esculturas são todas

diferentes, cada uma com um interior único. Os lados, extremidades e topo variam entre abertos e

fechados, variando também a posição dos painéis divisórios nas caixas. As variações das

esculturas formam configurações que, devido às suas superfícies reflectoras, provocam ilusões

ópticas. Sob a luz do sol, as formas e arestas das esculturas dissolvem-se visualmente e reflectem

a paisagem envolvente, o céu e o interior do edifício, fazendo com que as cores e percepção da

instalação mudem constantemente e esta se funda com a arquitectura.

Na disposição das esculturas, Judd respondeu às características dos edifícios, tendo em

consideração o padrão das lajes do piso e as distâncias entre as colunas. As esculturas estão

colocadas dentro da forma rectangular definida pelas colunas e vigas. Cada área de 6.1 metros

por 8.5 metros, definida pelas colunas, alberga duas esculturas. Estes pares estão ligeiramente

desalinhados entre eles, sugerindo movimento através do espaço.

Fig. 55: “100 Untitled Works in Mill Aluminum”

Fig. 56: Planta do armazém de artilharia nº 1,“100 Untitled Works in Mill Aluminum”

36

Os vários vãos estruturais do edifício, definidos pelas colunas e vigas, sugerem uma série

que se repete até ao infinito A mesma sugestão é transmitida pela instalação de Judd, cujas

esculturas também se repetem e ocupam todo o espaço interior do edifício, dominando-o

visualmente. A série de caixas rectangulares tem o mesmo ritmo da repetição da moldura

estrutural e é seguida pelo igual ritmo das janelas, estabelecendo uma relação harmoniosa entre

as esculturas e a arquitectura. As caixas rectangulares de Judd dialogam com o espaço onde se

encontram, também ele rectangular em planta e, segundo Bjone, o valor da instalação de Judd

reside na subtileza das relações visuais entre as diversas formas rectangulares66

. Este projecto de

Judd representa uma simbiose perfeita entre arte exposta e arquitectura, combinando o estilo

depurado e minimalista da sua instalação com o minimalismo arquitectónico.

Actualidade

A influência dos movimentos artísticos de vanguarda do século XX fez-se sentir sobre um

conjunto de arquitectos contemporâneos como Frank Gehry (n.1929), Zaha Hadid (n.1950), Rem

Koolhaas (n.1944), Peter Eisenman (n.1932), Daniel Libeskind (n.1946), Bernard Tschumi (n.1944)

e o ateliê Coop Himmelblau. As formas arquitectónicas fragmentadas e sobrepostas dos projectos

desconstrutivistas destes arquitectos devem muito ao Cubismo, Construtivismo Russo e

Expressionismo Alemão. Exemplos concretos dessa influência são o Museu Guggenheim de

Bilbau (1991-1997), Espanha, de Frank Gehry e o Museu Judaico de Berlim (1989-1996),

Alemanha, da autoria de Daniel Libeskind, autênticas esculturas expressionistas. Também as

pinturas de Zaha Hadid, que funcionam como “laboratório” para pesquisa e ferramenta para o

desenvolvimento do projecto de arquitectura foram inicialmente influenciadas pela obra dos

artistas construtivistas russos67

.

66

Christian Bjone – op. cit., p. 142. 67

Zaha Hadid cit. por Ivan Margolius – “Paintings as Architectural Storyboards: Zaha Hadid in Conversation with Ivan Margolius” in Helen Castle, ed. – “Art + Architecture”. Architectural Design, vol. 73, nº 3, 2003, pp. 14-23.

Fig. 57: Museu Guggenheim de Bilbau Fig. 58: Zaha Hadid, pintura do projecto "Landscape Formation One", Weil am Rhein, 1999

Fig. 59: Edifício "Landscape Formation One", Weil am Rhein, 1999

37

Têm-se verificado, nos últimos 15 anos, cada vez mais exemplos de colaborações entre

artistas e arquitectos, tendo-se alterado também a forma de encarar a integração da arte na

arquitectura. Em vez de o artista ser chamado a preencher um espaço vazio do edifício com uma

obra de arte, são cada vez mais os exemplos duma colaboração próxima, abrangendo questões

conceptuais, espaciais e estéticas, desde a fase inicial do projecto de arquitectura. De um conjunto

de arquitectos que adoptam esta abordagem de forma mais sistemática destacam-se entre outros

os nomes de Jacques Herzog (n.1950) e Pierre de Meuron (n.1950), Roger Diener (n.1950),

Tadao Ando (n.1941) e Frank Gehry (n.1929). Estas colaborações têm produzido resultados

interessantes a vários níveis como se pode constatar nos três exemplos a seguir enunciados.

No edifício de escritórios Chiat/Day (1989-1991) em Venice, Califórnia, E.U.A., o arquitecto

Frank Gehry (n.1929) colaborou com os escultores Claes Oldenburg (n.1929) e Coosje van

Bruggen (1942-2009), realizando um volume escultórico monumental, em forma de binóculos,

integrado na parte central da fachada, definindo a entrada para a garagem e contendo um espaço

interior. A forma monumental dos binóculos pode ser vista como uma escultura pop integrada no

edifício.

No Museu de Arte de Chichu (2000-2004) na ilha de Naoshima, Japão, do arquitecto Tadao

Ando (n.1941), estão em exposição permanente obras de três artistas, Walter De Maria (n.1935),

James Turrell (n.1943) e Claude Monet (1840-1926), em espaços subterrâneos, dedicados a cada

um dos artistas, ligados a pátios abertos. Tadao Ando colaborou com James Turrell e Walter De

Maria na concepção dos espaços para as suas obras, tendo em vista a unificação da arte e da

arquitectura. A arquitectura de formas geométricas puras consegue uma unidade com a arte e cria

um “templo” para as obras expostas.

Fig. 62: Museu de Arte de Chichu Fig. 63: Walter De Maria,

"Time/Timeless/No Time”, 2004

Fig. 60: Edifício de escritórios Chiat/Day Fig. 61: Interior do volume dos

binóculos

38

Os arquitectos Roger Diener e Gerold Wiederin (1961-2006) colaboraram com o pintor

Helmut Federle (n.1944) na fachada do projecto do edifício de escritórios Fórum 3 (2002-2005), no

campus da empresa farmacêutica Novartis, em Basileia, Suíça. O artista concebeu para as quatro

fachadas um revestimento de painéis de vidro, de cores e dimensões variadas, que criam um jogo

de transparências e reflexos. Desta colaboração resultou uma estrutura expressiva, um todo

indissolúvel.

Fig. 64: Edifício Fórum 3 Fig. 65: Detalhe da fachada do Edifício Fórum 3

39

Capítulo 2- Estudos de Caso: Herzog & de Meuron

Jacques Herzog e Pierre de Meuron nasceram ambos em Basileia, Suíça, no ano de 1950.

Estudaram juntos no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, onde obtiveram o diploma de

arquitecto em 1975. Em 1978, abriram o seu ateliê, Herzog & de Meuron, em Basileia. Após

alguns anos de pouca actividade, a firma começou a crescer e actualmente possui delegações em

Londres, Munique, São Francisco, Barcelona e Pequim, contando com cerca de 200 elementos

entre arquitectos e empregados. Já produziram mais de 200 projectos e edifícios. Contam

actualmente com mais cinco sócios arquitectos e todos têm um papel específico no

desenvolvimento dos projectos e na organização do ateliê. Cada um dos sócios tem a

responsabilidade de determinados projectos, acompanhando-os diariamente e, além disso, devem

organizar o trabalho das equipas. O papel de Pierre de Meuron e de Jacques Herzog é inspirar e

guiar todos os projectos, trocando propostas e solicitando reacções dos seus sócios. Isto garante

a existência de diferentes pontos de vista, mais do que se a firma funcionasse com relações muito

hierarquizadas. Herzog definiu a plataforma sobre a qual ele e Pierre se juntam e sobre a qual

interagem com os seus colaboradores como “fortemente conceptual”.68

São um exemplo único de colaboração a dois que só pode ser explicado pelo facto de eles

terem conseguido uma espécie de fusão genuína das suas identidades, sem se preocuparem com

protagonismos individuais. Esta afinidade foi-se construindo desde muito cedo, uma vez que o seu

percurso em comum se iniciou no Jardim de Infância e continuou até à Universidade. O seu

trabalho a dois só é possível porque assenta em afinidades muito sólidas e estruturadas que lhes

permitem desenvolver os seus projectos num diálogo constante. Esse diálogo faz com que no

resultado final não seja possível distinguir a individualidade de cada um e que o mesmo não

poderia ser alcançado por apenas um deles. Quando Herzog & de Meuron iniciaram a sua

actividade, no princípio dos anos 80 do século XX, a arquitectura encontrava-se num processo de

mudança. Verificava-se alguma saturação e cansaço das soluções e formas do Pós-Modernismo,

uma espécie de beco sem saída. Os dois jovens arquitectos suíços protagonizaram propostas

para uma arquitectura inovadora cuja imagem formal resulta da sua própria lógica material e

construtiva. Perante as formas complexas do Pós-Modernismo, Herzog & de Meuron procuraram

volumes simples, cujas soluções formais resultaram da capacidade expressiva dos materiais

utilizados e isto com resultados brilhantes e inesperados. Esta característica fundamental e

original de definir a forma do edifício a partir da lógica do material utilizado e do processo

construtivo será uma constante nas suas obras, ao longo de toda a sua carreira, ainda que com

diferentes caminhos e experiências. Esta atribuição ao material do resultado formal contraria a

ideia da componente meramente artística da arquitectura. Aliás, segundo Herzog & de Meuron, a

68

Jacques Herzog cit. por Kurt W. Forster – “Pieces for Four and More Hands” in Philip Ursprung, ed. – Herzog & de Meuron, Natural History. Baden: Lars Müller Publishers, 2005, p. 42.

40

arquitectura não é arte69

e não pode ser encarada como uma simples expressão individual ou

pessoal. Herzog & de Meuron contestam uma leitura meramente estilística da arquitectura.

Embora sendo de opinião que os artistas não devem fazer arquitectura e os arquitectos não

devem fazer arte, Herzog & de Meuron perceberam, desde há muito, que é possível e importante

juntar e fundir arte e arquitectura e, em muitos dos seus projectos, o envolvimento de um artista foi

de uma importância fundamental para o melhorar.70

Jacques Herzog refere que “Este

envolvimento não era para ter decoração ou adicionar uma peça que tornaria o projecto mais

atraente, apesar disso também poder ser uma possibilidade. Nós queríamos mais uma

colaboração, ter o artista como parte da equipa e nós temos tido sorte em ter dois artistas a viver

em Basileia, Helmut Federle e Rémy Zaugg.”71

Esta sensibilidade para a arte foi desenvolvida pelo

facto da sua cidade, Basileia, ser uma cidade de arte com ricos e variados museus e galerias de

arte contemporânea, o que lhes permitiu um contacto continuado com a arte, desde muito cedo.

Em 1975 o Kunstmuseum de Basileia comprou a escultura “Six Cold Rolled Steel Boxes” (1969)

de Donald Judd e, em 1976, os seus desenhos foram também expostos nesse museu. Herzog viu

as obras de Donald Judd e ficou impressionado com ausência de decoração e com a forma muito

directa como era comunicada a ideia do artista.72

As caixas de aço da escultura de Judd, expostas

juntamente com as serigrafias de Andy Warhol, “Five Deaths Seventeen Times in Black and White”

(1963) e “Ten-foot Flowers” (1967), tiveram um efeito profundo nos jovens arquitectos e parecem

ter influenciado o projecto da Biblioteca de Eberswalde.73

O volume simples da Biblioteca surge

totalmente “tatuado” com um conjunto de imagens em repetição horizontal, escolhidas pelo artista

Thomas Ruff (n.1958), como se as caixas de aço de Judd tivessem sido “embrulhadas” numa

serigrafia de Andy Warhol.

69

Herzog & de Meuron cit. por Philip Ursprung – “Exhibiting Herzog & de Meuron” in Philip Ursprung, ed. – Herzog & de Meuron, Natural History. Baden: Lars Müller Publishers, 2005, p. 14. 70

Jacques Herzog – “Collaborations with Artists, Museum Projects and Our First Building in America” in James Ackerman, [et al.] – Art and Architecture. 1ª Edição. Marfa: The Chinati Foundation, 2000, p. 31. 71

Idem – p. 31. 72

Idem – p. 32. 73

Philip Ursprung – Herzog & de Meuron, Natural History, p. 19.

Fig. 66: Escultura de Donald Judd e serigrafias de Andy

Warhol, Kunstmuseum, 1975

41

Jacques Herzog expôs como artista, entre 1979 e 1986, quando ainda tinham pouco

trabalho como arquitectos. Pôs termo à sua actividade como artista porque, como o próprio afirma,

“é impossível fazer arte e arquitectura ao mesmo tempo,” referindo que já não havia nenhuma

necessidade de se expressar sem ser em termos arquitectónicos.74

O interesse de Herzog & de

Meuron pelas últimas experiências no campo da arte tem-se mantido ao longo da sua carreira. O

contacto com a arte e a relação de trabalho a dois favoreceu uma capacidade de colaboração com

artistas, que constitui uma das imagens de marca da sua prática arquitectónica. A sua colaboração

com artistas começou em 1977, altura em que ainda não tinham aberto o seu ateliê e tinham

pouco trabalho como arquitectos, mas queriam expressar-se criativamente, tendo por isso

aceitado trabalhar num grupo de Carnaval, em Basileia. Convidaram o artista alemão Joseph

Beuys (1921-1986), uma das figuras mais influentes da arte contemporânea, que fez fatos de feltro

para o desfile, tendo os arquitectos feito as máscaras douradas para os 60 elementos do grupo.

Jacques Herzog refere que “Esta experiência foi muito importante para nós porque nos permitiu

aprender mais sobre o mundo de Beuys (…)” e tornou-se “(…) muito importante porque Beuys

usou materiais de um modo totalmente novo e inesperado.75

Philip Ursprung refere que se pode

traçar um paralelo entre a obra de Beuys e a de Herzog & de Meuron, salientando que o reportório

de materiais usado por Beuys para sugerir significado sem o definir como, por exemplo, cobre

como condutor de energia, feltro e gordura para guardar calor, é igualado por materiais usados

pelos arquitectos como chapas de cobre e contraplacado de madeira.

Um conjunto vasto de artistas tem colaborado com Herzog & de Meuron ao longo da sua

carreira. O suíço Helmut Federle (n.1944) desenvolveu o projecto de cor para o Complexo

Residencial Pilotengasse (1987-1992), em Viena-Aspern, Áustria, que foi no entanto rejeitado,

para desgosto dos arquitectos. Deu ainda o seu contributo nos espaços de exposição da Galeria

de Arte Goetz (1989-1992), em Munique, Alemanha. O suíço Adrian Schiess (n.1959) e a alemã

Rosemarie Trockel (n.1952) estiveram envolvidos no design das cortinas do Edifício de Marketing

da Ricola (1997-1998), em Laufen, Suíça. O chinês Ai Weiwei (n.1957) colaborou no

desenvolvimento da forma em ninho de pássaro do Estádio Nacional de Pequim para os Jogos

Olímpicos de 2008 (2002-2007), em Pequim, China.

Há, no entanto, três artistas cuja colaboração com Herzog & de Meuron merece destaque e

que são objecto neste trabalho de um estudo específico. São eles o artista suíço Rémy Zaugg

(1943-2005) e a sua colaboração no Edifício de Investigação 92 Roche Pharma (1993-2000), em

Basileia, Suíça, o alemão Thomas Ruff (n.1958) e a sua intervenção na Biblioteca de Ciências

Aplicadas de Eberswalde (1994-1999), em Eberswalde, Alemanha, e o irlandês Michael Craig-

Martin (n.1941) no Centro de Dança Laban (1997-2003), em Londres, Reino Unido.

Rémy Zaugg foi o artista com o qual Herzog & de Meuron mais colaboraram, destacando-se

a Residência de Estudantes Antipodes I (1990-1992), em Dijon, França, o Estúdio Rémy Zaugg

(1995-1996) em Mulhouse, França, o Estádio de Futebol de St. Jacob-Park (1996-2002), em

74

Jacques Herzog cit. por Philip Ursprung – Herzog & de Meuron, Natural History, p. 14. 75

Jacques Herzog – op. cit., p. 33.

42

Basileia, Suíça, Ampliação do Museu de Arte de Aarau (1997-2003), em Aarau, Suíça e o Projecto

Fünf Höfe, Cinco Pátios, para o Centro da Cidade de Munique (1997-2003), Alemanha. O fotógrafo

Thomas Ruff e o artista dinamarquês Olafur Eliasson (n.1967) também colaboraram com os

arquitectos no Projecto Fünf Höfe. Além destes exemplos de colaboração, existe vasta

documentação que prova o interesse dos arquitectos na obra de artistas como Yves Klein (1928-

1962), Andy Warhol, Dan Graham (n.1942), Piet Mondrian e Alberto Giacometti (1901-1966).

Herzog & de Meuron abordam o projecto de arquitectura sob um ponto de vista conceptual,

potenciando o papel que as ideias podem desempenhar nos edifícios. Também a obra dos artistas

com quem colaboram não está apenas relacionada com atributos estéticos, mas tem na sua

génese um forte carácter conceptual. Herzog & de Meuron defendem uma arquitectura baseada

em formas de percepção, cujas qualidades materiais resultam da inteligência conceptual,

escolhendo os materiais para atribuir aos edifícios um carácter particular.

A colaboração de Herzog & de Meuron com artistas, apesar de ligada à sua temática de

ornamentação, não produz apenas um simples adorno para os edifícios, mas uma integração da

arte na arquitectura da qual resulta uma realidade nova. Os seus edifícios absorvem a contribuição

do artista, a nível material e conceptual, resultando um todo inseparável. A maior das obras de

arte raramente consegue competir em escala com um edifício ou paisagem urbana e, estando

normalmente confinadas em museus e galerias, não têm o impacto e o poder da arquitectura para

afectar o meio e o dia-a-dia das pessoas. Através da colaboração com arquitectos, os artistas têm

a oportunidade de trabalhar a uma escala maior e de fazer chegar a sua obra a uma maior

audiência. Os arquitectos Herzog & de Meuron têm recebido vários prémios ao longo dos anos,

dos quais se destaca o Prémio Pritzker de Arquitectura, em 2001.

Edifício de Investigação 92 Roche Pharma, Basileia, Suíça (1993-2000)

Os arquitectos Herzog & de Meuron ganharam o contracto para a construção do novo

Edifício de Investigação 92 da empresa farmacêutica F. Hoffmann-La Roche AG, em Basileia,

Suíça, em 1996, tendo convidado o artista Rémy Zaugg (1943-2005), em 1997, para com eles

colaborar no projecto com uma intervenção pictórica.

O edifício situa-se na extremidade Este da cidade de Basileia, implantado no complexo de

edifícios F. Hoffmann-La Roche AG, na “Grenzacherstrasse”, em frente ao Parque Solitude e

próximo da margem do Rio Reno. Substituiu um mais antigo e ultrapassado, situado no mesmo

local e é contíguo ao Edifício 41, já existente, cujo interior foi também alvo duma intervenção pelos

arquitectos Herzog & de Meuron. A maioria dos edifícios no complexo é similar em forma, com a

mesma linguagem arquitectónica e cor branca. Otto Rudolf Salvisberg (1882-1940), o arquitecto

43

anterior da Roche, estabeleceu um plano urbanístico para os edifícios nos terrenos da empresa,

tendo o novo edifício dos arquitectos Herzog & de Meuron obedecido a esse plano.

O edifício não se fecha no complexo privado, assumindo um papel notoriamente urbano. A

sua localização, junto à rua e as áreas de carácter semi-público do seu programa foram

aproveitadas pelos arquitectos para estabelecerem abertura, ligação e diálogo com a cidade.

Herzog & de Meuron referem que o edifício “actua como um interface entre a cidade e o complexo

da Roche, o qual, originalmente estava isolado da vida da cidade, um pouco como um mosteiro.”76

O edifício paralelepipédico de nove pisos, de fachada cortina estrutural, é dividido em áreas

semi-públicas, constituídas por um átrio e recepção, biblioteca, café e auditório e áreas privadas

de laboratórios e escritórios. Os arquitectos organizaram o edifício em dois volumes principais,

tendo em consideração o carácter do seu programa. Assim, a parte do volume do edifício virada

para a rua desenvolve-se na vertical, surgindo como uma torre envidraçada transparente, voltada

e aberta para a cidade, albergando o programa das áreas semi-públicas. Este volume da torre é

separado por uma parede interior do volume maior do edifício, desenvolvido e estruturado na

horizontal e que contém os escritórios e laboratórios.

76

Herzog & de Meuron – “The architect” in Rémy Zaugg, [et al.] – Architecture by Herzog & de Meuron, Wall painting by Rémy Zaugg, A work for Roche Basel. Basel: Birkhäuser, 2001, p. 16.

Fig. 67: Planta de implantação do Edifício de

Investigação 92 Roche Pharma Fig. 68: Vista aérea do Complexo F. Hoffmann-La Roche AG, Basileia

Fig. 69: Planta tipo do 4º ao 8º piso do Edifício de Investigação 92 Roche Pharma

44

O volume da torre é constituído pelo átrio e recepção no piso térreo, um “foyer” e auditório

de duplo pé direito no primeiro piso, um café no terceiro piso e pela biblioteca central de ciência,

ocupando os últimos cinco pisos. Este volume funciona como uma caixa transparente, mostrando

o seu conteúdo e as actividades que ocorrem nos espaços semi-públicos do interior, dialogando e

relacionando-se assim com a cidade. Para tal, contribui também a parede interior, referida

anteriormente, da altura do edifício, que separa os espaços semi-públicos dos privados. A parede

foi utilizada pelo artista Rémy Zaugg como uma enorme tela para uma intervenção pictórica de

texto e cor, que comunica e interage com os utilizadores do edifício e, sendo visível do exterior,

também com os transeuntes.

As lajes dos últimos quatro pisos da biblioteca terminam antes de chegar às três fachadas

envidraçadas, a diferentes distâncias destas nos vários pisos. Este posicionamento é reflectido no

exterior pela estrutura horizontal de suporte dos toldos das fachadas, que avança e recua

consoante as lajes estão mais próximas ou afastadas das mesmas. Esta variação cria a forma

curva da superfície dos toldos quando abertos e está igualmente presente nos pisos do café e

auditório. A disposição dos toldos, inspirada por um quebra-luz japonês, bem como o

posicionamento dos diferentes pisos em relação às fachadas e à parede interior reflectem para o

exterior os diferentes usos do volume da torre. Os toldos, conforme abertos ou fechados, alteram a

percepção do edifício, permitindo assim uma mudança contínua na sua aparência. As duas

fachadas do volume dos laboratórios são também envidraçadas, mas diferenciam-se das do

volume da torre, recuando para dar lugar a galerias ao longo do edifício que podem ser usadas

como caminhos de evacuação e zonas de serviço. Neste caso, os toldos são paralelos à fachada.

Os espaços das 64 unidades dos laboratórios são subordinados aos requisitos modernos da

investigação da indústria farmacêutica e à estrutura precisa dos edifícios de laboratórios da

Roche. De forma a obedecer ao esquema rígido que era necessário cumprir, os arquitectos

limitaram-se à criação de eixos visuais, utilizando portas com almofadas de vidro que permitem a

entrada de luz nos corredores. O artista Rémy Zaugg desenvolveu um projecto de cor para o

interior do edifício, abrangendo também o volume dos laboratórios.

Os arquitectos prestaram homenagem a Otto Rudolf Salvisberg, projectando uma escadaria

em espiral, que faz a ligação do átrio e recepção ao “foyer” do auditório, que evoca a escadaria

Fig. 70: Corte longitudinal do Edifício de Investigação 92 Roche Pharma

Fig. 71: Corte transversal pelo foyer e biblioteca do Edifício de Investigação

92 Roche Pharma

45

curva que o antigo arquitecto da Roche instalou no edifício da Administração Geral e que mais

tarde repetiu em vários edifícios fabris.

Desde o início, na apresentação do estudo prévio para o edifício, em Maio de 1996, os

arquitectos Herzog & de Meuron previram a possibilidade de uma intervenção pictórica no seu

projecto, tendo depois convidado para esse efeito o artista Rémy Zaugg. Em Outono de 1997, o

projecto e a maqueta foram apresentados pelos arquitectos a Rémy Zaugg, tendo ficado acordado

que na possível colaboração entre arquitectos e artista, cada um teria funções distintas, ao

contrário do que tinha acontecido em todas as anteriores colaborações entre eles. A este

propósito, Rémy Zaugg escreve “Os arquitectos fariam a arquitectura e eu faria o trabalho artístico.

Os arquitectos assinariam a arquitectura, o pintor assinaria a pintura. (…) não apenas iria cada

pessoa ter funções singulares, pessoais e especificas, mas iriam permanecer dessa forma – a

cada um a sua profissão e tarefa. Uma divisão do trabalho sem surpresas: tu fazes isso, eu faço

isto. (…) Esta seria a primeira vez que tentávamos este método”77

. No entanto, com o evoluir dos

contactos entre artista e arquitectos, foi-se alterando também a ideia inicial de colaboração, como

refere Rémy Zaugg ”(…) os arquitectos e o artista tinham optado por uma colaboração clássica na

qual o arquitecto faz a arquitectura e o artista a arte. No entanto, a solução plástica que foi a nossa

escolha durante um determinado tempo e as questões resultantes sobre vários elementos

arquitectónicos obstrutivos, não cabiam no modelo clássico de colaboração, uma vez que as

respectivas funções tendem a associar-se.”78

O artista interveio na arquitectura, tornando-se um defensor da parede sobre a qual ia

actuar artisticamente, defendendo a abolição de certos elementos arquitectónicos que obstruíam a

sua percepção e lhe retiravam impacto. Zaugg afirma “Eu tornei-me o defensor da parede. Eu

contesto a presença de algum elemento acidental, e, por isso, um elemento reduzível, que diminua

a presença da parede”79

. Tendo em vista a visibilidade e presença da parede, assim que se

entrasse no edifício, Zaugg refere que no projecto arquitectónico estava prevista inicialmente uma

escadaria de serviço que ligava o piso térreo ao primeiro piso, bem como uma peça alta de

77

Rémy Zaugg, [et al.] – op. cit., p. 65. 78

Idem – p. 79. 79

Idem – p. 73.

Fig. 72: Edifício de

Investigação 92 Roche Pharma

Fig. 73: Edifício de Investigação 92 Roche

Pharma Fig. 74: Fachada do Edifício

de Investigação 92 Roche Pharma com os toldos abertos

46

mobiliário situada à sua frente, que ocultavam a parede, fazendo com que a sua percepção na

recepção, no piso térreo e, em consequência, no exterior fosse inexistente.80

A escadaria de

serviço acabava igualmente por obstruir a continuidade da parede no “foyer” do auditório, no

primeiro piso. Os arquitectos concordaram com o artista e, uma vez que chegaram à conclusão

que a escadaria era supérflua, retiraram-na do projecto e reduziram a altura da peça de mobiliário

na recepção para 70 centímetros. A remoção da escadaria de serviço provocou a alteração da

escadaria principal, de recta para espiral. Também no piso do café esteve prevista uma cozinha

em frente à parede, tendo-se optado por outra solução.

A parede de separação do volume dos laboratórios e do volume da torre envidraçada

pertence a ambos, sendo essencial para a sua definição. Ela assume uma importância

fundamental no contexto do edifício, pela sua função estrutural, pela sua forte presença vertical,

com 30 metros de altura, correspondentes aos nove pisos do edifício, que contrasta com o volume

horizontal dos laboratórios. Também pela sua visibilidade tanto do interior do volume da torre

envidraçada como do exterior, tornando-a capaz de estabelecer ligação e diálogo entre a cidade e

o complexo da Roche. Com esta importância potenciada pela arquitectura, a parede surge assim,

desde o início, como o destinatário privilegiado da intervenção artística. O próprio Zaugg refere a

este propósito “Esta parede, que é essencial e central para a arquitectura, esta parede da qual as

pessoas se aproximam para se encontrarem e comunicarem, para serem informadas e

conversarem, esta parede que se faz ver a partir do interior e do exterior, esta parede, por isso,

está destinada a receber expressão artística”81

. O artista descartou à partida as hipóteses de

colocação de pinturas em quadros que seriam pendurados na parede, bem como formas de várias

ou uma só cor pintadas na mesma, pois esta ficaria dominada pelas pinturas passando para

segundo plano, a sua percepção ficaria diminuída por uma função subalterna de suporte. A

parede, parcialmente coberta, ficaria escondida e fragmentada. Para que a sua presença

monolítica fosse preservada, era necessário que a parede e a intervenção pictórica fossem uma

só, unificando arte e arquitectura. Para concretizar esta unidade, Zaugg encontrou como solução

80

Idem – p. 73. 81

Idem – p. 72.

Fig. 75: Foyer do auditório, primeiro

piso

Fig. 76: Átrio, piso térreo Fig. 77: Continuidade da parede nos pisos

da biblioteca

47

pintar toda a parede da mesma cor, assim, sem formas na sua superfície, a forma da cor é

identificada com a forma da parede, referindo “É a parede que dita os seus limites à cor, que

define a sua forma, as suas dimensões e a sua área.”82

Adquirida a primeira certeza quanto à utilização de uma só cor, o artista decidiu que deveria

ser azul, justificando essa escolha com os seguintes argumentos: a cor azul relaciona-se na

cultura ocidental com o intelecto e a racionalidade, sendo, por isso, adequada para um local onde

se realiza investigação científica; o azul é a cor com a qual as pessoas se sentem mais à vontade;

uma parede azul transmite uma sensação de profundidade, subtileza e imaterialidade.83

Tendo em

conta estas qualidades da cor azul, Rémy Zaugg decidiu que a textura da superfície da parede

seria lisa e o azul seria acetinado. O artista escolheu um azul misturado com branco, mais claro do

que um azul com 100% de saturação, pois aquele afirma as qualidades intrínsecas da cor azul, é

luminoso, transmitindo uma sensação de abertura para um espaço intangível e dotando a parede

de uma presença que perdura na imaginação.84

Como a cor vive da luz, a parede é iluminada

homogeneamente em toda a sua extensão, com o mesmo tipo de luz presente em todo o volume

da torre, formando um conjunto no qual se fundem arte e arquitectura.

No que respeita ao conteúdo da pintura mural, Rémy Zaugg decidiu deixar de parte a

história da firma, os seus objectivos humanistas e a evocação das funções do edifício. Com a sua

obra, procurou estimular a cultura científica e tecnológica, exortando-a a superar-se a si mesma,

de uma forma filosófica e poética.85

Para tal, utilizou palavras, pintadas sobre algumas partes da

parede com cores combinadas com o azul, formando um discurso, “Como se o azul, concentrando

toda a sua energia em certos pontos, conseguisse falar e tornasse visível, audível e imaginável um

82

Idem – p. 85. 83

Idem – pp. 89-90. 84

Idem – p. 91. 85

Idem – p. 88.

Fig. 78: Edifício de Investigação 92 Roche Pharma

Fig. 79: Edifício de Investigação 92 Roche Pharma

48

mundo que não só o supera como o contém.”86

As palavras, todas em maiúsculas, têm 25

centímetros de altura para serem visíveis também do exterior. Foi utilizado o Alemão, língua de

Basileia, na Suíça alemã. A localização das palavras foi definida tendo em conta a arquitectura e

as funções dos diferentes espaços no interior do volume da torre envidraçada.

No piso térreo, próximo e ligeiramente atrás das escadas que levam ao auditório, está a

pintura em laranja:

ICH, / DAS BILD, / ICH / FÜHLE.

(Eu, / a pintura, / eu / sinto.)

No primeiro piso, no “foyer” do auditório, pode ler-se num rosa ligeiramente azulado:

STELL DIR VOR, / WIR DIE WÖRTER / WIR SCHLIESSEN / DIE AUGEN / UND DU

MENSCH / DU KANNST DIR / NICHTS MEHR / VORSTELLEN.

(Imagina, / nós, as palavras, / nós fechamos / os nossos olhos / e tu, homem, / tu já não /

consegues imaginar / mais nada.)

No piso do café, as palavras estão pintadas num branco frio, lendo-se:

UND WÜRDE, SOBALD ICH ATME, / DAS BLAU DES HIMMELS VERBLASSEN.

(E se, / assim que respiro, / o azul do céu empalidecesse.)

Em três dos pisos na biblioteca as palavras estão pintadas em amarelo ligeiramente

esverdeado:

No quinto piso:

JE MEHR ICH DENKE, / DESTO MEHR TRAÜME ICH / VOM BLAU DES HIMMELS.

(Quanto mais eu penso, / mais eu sonho / com o azul do céu.)

86

Idem – p. 92.

Fig. 80: Pintura no átrio, piso térreo

Fig. 81: Pintura no foyer do

auditório, primeiro piso Fig. 82: Pintura no café, terceiro piso

49

No sexto piso:

DOCH ICH, DAS BILD, / ICH HÖRE DEM DUFT / DES VEILCHENS ZU.

(Mas eu, a pintura, / eu escuto o cheiro / da violeta.)

No sétimo piso:

UND HÄTTE SICH, / SOBALD ICH DAS LICHT DER / WELT ERBLICKTE, / EIN TRAUM

EINGESTELLT.

(E se, / assim que eu vi / a luz do mundo, / um sonho tivesse começado.)

O artista, encorajado pelos arquitectos, alargou o âmbito da sua intervenção a todo o

edifício, para pintar outros elementos arquitectónicos além da parede. Assim, as cores da pintura

mural espalham-se por todo o edifício. Desde logo, no azul dos pilares do volume da torre

envidraçada. Também no volume dos laboratórios podem ser encontradas cores similares às da

pintura mural: azul claro nas paredes interiores da caixa de escadas atrás da parede

intervencionada, rosa azulado nas portas dos corredores de paredes brancas e piso cinzento,

Fig. 83: Pintura no quinto piso, biblioteca

Fig. 84: Pintura no sexto piso, biblioteca

Fig. 85: Pintura no sétimo piso, biblioteca

Fig. 86: Alçado da parede com a obra de Rémy Zaugg

50

verde-claro azulado no piso dos laboratórios, dominados pelo cinzento e branco das instalações

técnicas e instrumentos e amarelo no interior dos elevadores.

A obra do artista está então presente em todo o edifício, relacionando vários elementos com

a pintura mural que “parecem lembrá-la, remeter para ela e – quem sabe? – evocá-la.”87

O azul

claro nas paredes interiores da caixa de escadas remete para o azul da parede. As portas dos

laboratórios, de cor rosa azulado, conferem ritmo ao corredor, contrastam com o verde-claro

azulado no piso dos laboratórios e evocam as palavras em rosa, ligeiramente azulado, no “foyer”

do auditório. O amarelo frio do interior dos elevadores surge como um flash de luz, quando as

portas se abrem e pode acenar para o conjunto de palavras amarelas, ligeiramente esverdeadas,

em três dos pisos da biblioteca.

Todos os elementos estruturais verticais no volume da torre, parede e pilares, são unidos

pela mesma cor azul. Vistos do exterior, os pilares parecem ser reflexos do azul da parede e do

azul do céu. O azul da pintura mural tende a espalhar-se fisicamente por toda a torre e, quando se

olha para o exterior, funde-se com o azul do céu. Todo este conjunto de cor azul tende a esbater

as fronteiras entre espaço interior e exterior, funcionando como ornamento. No espaço do piso do

café, uma divisória de vidro que o separa do piso inferior, colocada em frente à parede azul,

reflecte o exterior e o espaço interior, dando uma sensação de profundidade e maior amplitude ao

espaço, num fundo azul que dá a ilusão de ser o próprio céu.

87

Idem – p. 107.

Fig. 87: Azul dos pilares num dos pisos da biblioteca

Fig. 88: Paredes interiores azuis da

caixa de escadas

Fig. 89: Interior amarelo do elevador

Fig. 90: Portas dos laboratórios de cor

rosa azulado

Fig. 92: Café Fig. 91: Biblioteca

51

A parede é interrompida no meio em todos os pisos, onde se faz a ligação com o volume

dos laboratórios e onde se situam alguns espaços como a sala de reunião no piso térreo, o

auditório de duplo pé direito no primeiro piso, as instalações do café no terceiro piso. Nos pisos da

biblioteca a interrupção é feita pelas pequenas pontes pedonais de ligação ao volume dos

laboratórios e pelas escadas de ligação entre os 5 pisos. Esta interrupção da parede, em todos os

pisos, não afecta muito a sua leitura vertical, principalmente porque ela é mais forte, não pela

fachada frontal do volume da torre, mas através das suas duas fachadas laterais. A parede pode

ser vista da rua através das três fachadas envidraçadas da torre e o seu impacto e presença

vertical foi potenciado pelo facto de as lajes dos últimos quatro pisos da biblioteca terminarem

antes de chegar às três fachadas e à parede e a do piso do café terminar antes de chegar à

parede, possibilitando uma visibilidade ininterrupta da mesma, através das duas fachadas laterais,

entre todos os pisos do volume excepto do piso térreo para o primeiro e do terceiro para o quarto.

Apesar desta interrupção, a leitura contínua da verticalidade da parede não é posta em causa e

esta surge como um todo, uma presença monolítica, como um elemento vertical unificador do

edifício, unindo arte e arquitectura.

A intervenção do artista na parede e pilares do volume da torre, pela sensação de

profundidade e imaterialidade do azul utilizado, e o contexto arquitectónico em que ela se

materializou, provoca a ilusão de levitação dos pisos e leveza de todo o volume, destacando-se do

volume dos laboratórios.

A obra de Rémy Zaugg no edifício expressa-se não só através da cor mas também pelas

palavras. As palavras pintadas surpreendem e “falam” quando olhadas, interpelando as pessoas.

“Olhar aqui também é ouvir.”, a arquitectura, por meio da obra do artista, comunica directamente,

ao nível do discurso, “As letras e palavras erguem-se ao nível da realidade expressiva da

arquitectura.”88

Apesar de artista e arquitectos terem partido inicialmente de um modelo de colaboração

tendo como base funções distintas e a divisão clara das suas disciplinas e tarefas, a colaboração

evoluiu, esbatendo as fronteiras entre arquitectos e artista, levando a uma união entre arquitectura

e arte, através dos “input” dados pelo artista à sua obra e à arquitectura, a esse respeito Zaugg

refere “(…) o artista não é um mágico. Mesmo com os seus pincéis e cores, ele não pode

transformar concretamente a arquitectura. É mais simples e mais eficiente modificar a arquitectura

de acordo com as suas intenções e objectivos.”89

Apesar desta colaboração não ter coincidido

com o início da concepção do projecto, também a arquitectura potenciou a obra do artista pelo

destaque focalizado, à partida, na parede, prevendo uma intervenção pictórica, por alterações de

elementos arquitectónicos e pelo alargamento do âmbito da intervenção artística fruto da

colaboração entre artista e arquitectos. O artista teve influência directa e indirecta na arquitectura,

conciliando as suas ideias com as dos arquitectos, tendo como objectivo uma colaboração plena

que resulta no reforço da ligação e unificação entre a arquitectura e a arte. O resultado final revela

88

Idem – p. 111. 89

Idem – p. 76.

52

uma integração plena da obra do artista na arquitectura, de tal forma que uma sem a outra ficaria

incompleta, valorizando-se mutuamente, como era a intenção de Zaugg: “A intervenção pictórica

tem que brotar da arquitectura. Mais do que isso, o acto artístico e a arquitectura devem dar a

impressão de ser concebidos simultaneamente e que um é impensável sem o outro. (…) Uma vez

terminada, a obra do pintor dará a impressão que foi determinada pela arquitectura, a qual, sem a

arte, (…) teria permanecido incompleta. É nesta condição que a obra do artista é legítima,

justificada e com significado. Se o artista for bem sucedido, parecerá que ele não fez nada, a sua

obra terá sido determinada e ditada pela própria arquitectura. O artista desaparecerá atrás da

manifesta necessidade da obra.”90

Biblioteca da Universidade de Ciências Aplicadas de Eberswalde, Eberswalde, Alemanha

(1994-1999)

Os arquitectos Herzog & de Meuron foram encarregados, em 1994, da realização do

projecto de dois edifícios, o Edifício de Seminários e a Biblioteca da Universidade de Ciências

Aplicadas de Eberswalde, em Eberswalde, no Nordeste da Alemanha. O artista Thomas Ruff

(n.1958) foi convidado pelos arquitectos para com eles colaborar na realização do programa

pictórico para as fachadas do edifício da Biblioteca. Os dois edifícios situam-se no centro da

cidade de Eberswalde, outrora pertencente à Alemanha de Leste, implantados num terreno de

forma trapezoidal, virados para a rua, no campus da Universidade de Ciências Aplicadas. O

campus era constituído por um grupo heterogéneo de edifícios, construídos no século XIX e XX,

com diferentes tamanhos e estilos de construção, dispostos em torno de uma área aberta

arborizada pela qual passa um pequeno rio, o Schwärze.

90

Idem – p. 66.

Fig. 93: Planta de implantação da

Biblioteca e Edifício de Seminários

53

A construção da Biblioteca e do Edifício de Seminários foi encomendada pelo Estado de

Brandemburgo, em 1994, e faziam parte da reestruturação do sistema educativo pós-reunificação.

A Academia de Engenharia Florestal de Eberswalde, fundada em 1830, era já, antes da 2ª Guerra

Mundial, um importante centro de formação de engenharia florestal. A construção destes novos

edifícios inseriu-se num processo de melhoria da infra-estrutura e da necessidade de novas

instalações da Universidade, sendo elementos importantes na recuperação da importância da

Escola que, em 1992, viu o número de alunos aumentado e o currículo revisto, sendo composta

actualmente pelas faculdades de engenharia florestal e ambiente, ordenamento do território e

conservação da natureza, ciência e tecnologia da madeira e economia. Os edifícios das ruas

circundantes ao campus formavam um conjunto heterogéneo, composto por casas da classe

média, anteriores à 2ª Guerra Mundial, blocos habitacionais do estilo da República Democrática

Alemã bem como edifícios mais recentes, do período pós-reunificação.

Tendo em consideração a diversidade do contexto arquitectónico existente, a

heterogeneidade do campus e da cidade, os arquitectos Herzog & de Meuron projectaram dois

edifícios isolados, de diferente dimensão, forma e materiais, um com fachada de betão e outro de

tijolo. Juntos, operaram uma transformação no campus, conferindo-lhe uma nova identidade. Os

arquitectos procuraram jogar com os edifícios existentes para definirem e fecharem a área aberta

central arborizada, criando um espaço ligado à cidade, mas autónomo. Jacques Herzog refere que

projectaram os dois edifícios “(…) de forma a completarem uma praça, que é uma das poucas que

ainda existem na zona mais antiga da cidade de Eberswalde.”91

Os dois cantos, previamente livres

do campus, locais para a construção dos dois novos edifícios, obrigaram a que a disposição

destes fosse em função da estrutura urbana do recinto universitário.92

O edifício da Biblioteca,

construído entre 1997 e 1999, é um volume simples paralelepipédico de três pisos, com estrutura

de betão e com as quatro fachadas revestidas por painéis pré-fabricados de betão e de vidro, com

imagens impressas seleccionadas pelo artista Thomas Ruff. Na concepção da fachada, esteve

presente a procura de um maior impacto do campus nas ruas circundantes e, por consequência,

uma maior presença deste em toda a cidade.

O novo edifício liga-se a um já existente, onde se situam os serviços administrativos,

através de um corredor exterior coberto, com paredes de vidro serigrafado com as imagens

correspondentes da fachada o que, segundo G. Mack, enfatiza a diferença das duas estruturas.93

A entrada da Biblioteca, na mesma fachada do corredor, voltada para o espaço interior do

campus, é também definida por um envidraçado com as mesmas imagens serigrafadas. Cada piso

é pontuado por janelas rectangulares recuadas, de vidro transparente, de tamanho igual ao de

cada painel de betão da fachada que interrompem a superfície das fachadas. Estas janelas estão

91

Jacques Herzog – “Collaborations with Artists, Museum Projects and Our First Building in America” in James Ackerman, [et al.] – Art and Architecture. 1ª Edição. Marfa: The Chinati Foundation, 2000, p. 38. 92

Herzog & de Meuron cit. por Fernando Márquez Cecília; Richard Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 1981-2000”. El Croquis, nº 60+84, Madrid: El Croquis editorial, 2005, p. 288. 93

Gerhard Mack – “Building with Images, Herzog & de Meuron’s Library at Eberswalde“ in Gerhard Mack; Valeria Liebermann – Eberswalde Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000, p. 10.

54

dispostas de acordo com as áreas e lugares de trabalho do interior, estando posicionada atrás de

cada uma delas uma mesa para leitura. Têm como objectivo principal oferecer orientação espacial

e vistas para o exterior, coincidindo em cada piso com o plano visual de um leitor sentado. As três

faixas de painéis de vidro serigrafado correm ao longo das paredes dos três pisos e estão

colocadas à frente de janelas de clerestório que permitem a entrada de uma luz suave e difusa

para o interior.

O edifício surge como um monólito, destacando-se do tecido urbano envolvente, segundo

Herzog & de Meuron como uma sucessão estratificada de faixas horizontais de betão e vidro.94

Jacques Herzog refere que não tendo havido a possibilidade de tornar o interior da Biblioteca mais

interessante, a nível espacial, “(…) o que teria significado um espaço de maior pé direito ou um

espaço mais público para circulação (…)”, os arquitectos tiveram que aceitar essa restrição e

radicalizaram-na, dispondo os três pisos “(…) quase como uma pilha de livros.”95

Os três pisos

dispõem-se assim em três camadas rectangulares, iguais em planta, com dois núcleos interiores

de betão que albergam as comunicações verticais e instalações sanitárias, definindo cada um

deles um espaço aberto pontuado pelas colunas de betão, entre os dois núcleos.

94

Herzog & de Meuron cit. por Fernando Márquez Cecília; Richard Levene, eds. – Herzog & de Meuron 1981-2000, p. 288. 95

Jacques Herzog – op. cit., p. 38.

Fig. 94: Entrada da Biblioteca de Eberswalde

Fig. 95: Thomas Ruff, "Bibliothek, Eberswalde", 1999

Fig. 96: Planta do piso térreo da Biblioteca de

Eberswalde Fig. 97: Planta do 1º e 2º pisos da Biblioteca de

Eberswalde

55

As superfícies interiores são pintadas de branco, contrastando com o chão revestido com

carpete azul ultramarino. A proposta original para o interior da Biblioteca previa a utilização de

madeira para o revestimento dos pisos e das paredes, um núcleo interior quente de madeira de

modo a contrapor-se ao exterior austero de betão. Ao longo das paredes, seriam instaladas

estantes, também de madeira. Os estudantes sentados veriam estas paredes de livros como

planos pictóricos. No entanto, este conceito foi infelizmente vítima de uma redução orçamental e a

Biblioteca foi mobilada com produtos de catálogo que não estão em sintonia com o design da

fachada.96

Os arquitectos Herzog & de Meuron estavam interessados, desde o início, em utilizar

imagens nas fachadas da Biblioteca de Eberswalde, cobrindo todo o edifício de forma a mascarar

totalmente a sua forma geometricamente simples.97

Após terem ganho o concurso, em 1994, os

arquitectos, logo no início da fase do projecto, que decorreu entre 1994 e 1996, convidaram o

fotógrafo Thomas Ruff para propor as imagens para o programa pictórico das fachadas do edifício.

Jacques Herzog afirma que convidaram Thomas Ruff porque, estando ele “(…) muito aberto a

novas formas de lidar com a fotografia (…)”, sabiam que acharia interessante a técnica que tinham

descoberto para aplicação de imagens fotográficas na superfície do betão, por eles usada pela

primeira vez no Centro Desportivo Pfaffenholz (1989-1993), em St. Louis, França.98

Os arquitectos

desenvolveram e aperfeiçoaram esta técnica especial para o edifício da Biblioteca que permite

“(…) usar a superfície do betão como papel fotográfico.”99

O processo consiste na transferência

das fotografias para uma película plástica especial por meio de um processo de serigrafia, usando

um retardador de cura em vez de tinta.100

A película impressa é depois colocada dentro do molde

e este é betonado. A quantidade de retardador usado controla o grau segundo o qual a superfície

de betão solidifica, parando a secagem do betão em algumas áreas. Quando o painel é retirado do

molde a sua face é cuidadosamente lavada com água e escovas. O betão, que esteve em

contacto com o retardador, permanece líquido e é enxaguado, deixando expostas áreas mais

escuras e rugosas de agregado. A diferença entre rugoso e liso, escuro e claro, leva os padrões

“pixelizados” a emergirem como imagens. A qualidade da definição depende do brilho e clareza da

imagem e do contraste entre o cinzento-claro da superfície da camada exterior de cimento e do

cinzento-escuro da superfície visível do agregado.

A obtenção do resultado uniforme, nas imagens dos painéis de betão das quatro fachadas

da biblioteca, não foi fácil de alcançar. Os arquitectos tiveram que superar um conjunto de

dificuldades técnicas, uma vez que as variáveis das condições climatéricas, como a temperatura e

a humidade, podiam afectar muito o resultado final do processo. Comparativamente ao complexo,

cuidadoso e inovador processo de impressão de imagens no betão, a impressão de imagens no

vidro foi mais simples, tendo sido serigrafadas, através de um processo comum. Os arquitectos

Herzog & de Meuron comunicaram ao artista Thomas Ruff que pretendiam revestir o edifício com

96

Gerhard Mack – Eberswalde Library, Herzog & de Meuron, p. 50. 97

Jacques Herzog – op. cit., pp. 38-39. 98

Idem – pp. 39-40. 99

Idem – p. 39. 100

Gerhard Mack – Eberswalde Library, Herzog & de Meuron, p. 22.

56

painéis pré-fabricados de betão e vidro com imagens impressas, dispostas sistematicamente em

faixas horizontais e verticais, contornando todo o edifício. Assim que definiram o tamanho dos

painéis, pediram a Ruff que seleccionasse as imagens da sua série “Fotografias de Jornal” (1990-

1991), tendo em conta que as imagens tinham de ter um “dot screen” adequado para a

transferência para os painéis da fachada.

Thomas Ruff tem vindo a reunir, desde 1981, uma grande colecção de fotografias, mais de

2500, recortadas de revistas e jornais relacionadas com a arte, história, política e ciência. A sua

série “Fotografias de Jornal” é composta por 400 imagens diferentes seleccionadas deste arquivo.

Os arquitectos, conscientes da existência desta obra, consideraram que seria uma excelente fonte

de imagens para usar no projecto, referindo Jacques Herzog, “Nós pensámos que esta colecção

iria proporcionar um recurso fantástico para dela retirar imagens.”101

Ruff escolheu as fotografias

do seu arquivo e uma já trabalhada da série referida anteriormente. A maioria das imagens

utilizadas na Biblioteca foi retirada da revista alemã “Die Zeit”, números de 1992 e 1993102

. No

processo de selecção de imagens para propor aos arquitectos, Ruff partiu do principio que uma

biblioteca é um edifício público “(…) no qual o conhecimento é reunido, guardado e tornado

acessível (…)” e que “este conhecimento (…) (permite) que as pessoas desenvolvam um grau de

consciência histórica e social.”103

Tendo em consideração a localização, forma e características do

edifício, bem como a sua função e os seus utilizadores, seleccionou doze imagens muito

diferentes, relacionadas com as funções da biblioteca, ciência, história alemã, arquitectura e arte.

O artista utilizou a mesma abordagem temática para a fachada da Biblioteca que já tinha usado

para a sua série “Fotografias de Jornal”, dispondo as imagens nas fachadas tendo em conta a

alternância e sequência das faixas dos painéis de betão e de vidro.

A sequência vertical tem como primeira imagem, na base, uma fotografia tirada em Berlim,

nos anos 20 do século XX e mostra raparigas a ouvir rádio numa cobertura ajardinada. Esta

imagem repete-se no topo do edifício, abrangendo as duas últimas faixas horizontais,

enquadrando assim a sequência vertical de imagens. Enquanto na base esta fotografia estabelece

um contraste com o pavimento de pedra, no topo remete para a própria cobertura ajardinada da

Biblioteca.104

A seguir, surge a fotografia de um protótipo de um avião, modelo CBY-3, que nunca

chegou a ser fabricado, lembrando-nos que o caminho do progresso também comporta falhanços.

Pode igualmente ser associada às memórias do bloqueio soviético de 1948 a 1949 sobre o sector

de Berlim Oeste e ao abastecimento por avião feito pelos Aliados.105

A imagem seguinte, um pai e

os seus filhos, observando com interesse um modelo miniatura de caminho de ferro pode conotar-

se com os comboios que transportaram milhões de judeus para os campos de concentração e

com o brinquedo favorito de Hermann Goering, o “Reichmarschall” de Hitler.106

Em contraponto a

101

Jacques Herzog – op. cit., p. 40. 102

Gerhard Mack – Eberswalde Library, Herzog & de Meuron, p. 31. 103

Valeria Liebermann – “Reflections on a Photographic Medium, Memorial to the Unknown Photographer, or Visual Diary? Thomas Ruff’s Neswpaper Photos“ in Gerhard Mack; Valeria Liebermann – Eberswalde Library, Herzog & de Meuron. London: Architectural Association, 2000, p. 62. 104

Gerhard Mack – Eberswalde Library, Herzog & de Meuron, p. 31. 105

Idem – p. 31. 106

Idem – pp. 31-32.

57

esta ideia de um passado negro de horrores, surge, na faixa envidraçada mais baixa, uma imagem

tirada da pintura “Vénus e Cupido” de Lorenzo Lotto que simboliza o amor.107

A sequência vertical

continua com uma fotografia famosa, tirada em Berlim, em 25 de Setembro de 1961, já depois da

construção do Muro e mostra uma mulher a fugir para Berlim Ocidental. Esta fotografia é uma

referência directa à separação traumática da Alemanha e, devido à controvérsia que gerou, Ruff

cortou-a, interpondo-lhe a fotografia das celebrações da reunificação em frente do “Reichstag” em

Berlim. Na segunda faixa envidraçada, aparece o detalhe de uma “vanitas” de Picter Potter, uma

natureza morta de uma mesa de estudo com livros e uma caveira. Uma imagem “memento mori”,

muito tradicional para uma biblioteca e que constitui um apelo para compreender melhor os

problemas do presente através das lições do passado.108

A imagem seguinte é uma fotografia da

“Haus am Horn” em Weimar, projectada por Georg Muche, em 1923 e construída pelo ateliê de

Gropius. A este ícone da Bauhaus é contraposta a imagem seguinte que mostra um arco

degradado de um palácio renascentista, remetendo para o carácter efémero da arquitectura,

juntando-se às outras referências à mortalidade. Segue-se uma fotografia de estudantes numa

biblioteca, remetendo directamente para a função e espaço interior do edifício. Na terceira faixa

envidraçada, é utilizada uma pintura de 1856 de Eduard Ender, intitulada “Alexander von

Humboldt, na América do Sul, com o Especialista Botânico Aimé Bonpland”. Esta imagem de

Alexander von Humboldt, botânico e geógrafo, remete para o tema da pesquisa que é comum à

função do edifício. A penúltima imagem é de um escaravelho, que poderá associar-se a alguns

cursos da Universidade.109

107

Idem – p. 32. 108

Idem – p. 32. 109

Idem – p. 38.

Fig. 98: Raparigas a ouvir rádio numa cobertura ajardinada

Fig. 99: Protótipo do avião CBY-3

Fig. 100: Família com um modelo de caminho de ferro

Fig. 101: Lorenzo Lotto, “Vénus e Cupido”

58

Herzog & de Meuron referem-se ao conjunto das várias imagens escolhidas pelo artista

como “(…) reflexo de uma visão céptica do mundo que abarca a história, a cultura, a política e a

ciência.”110

Ruff refere acerca da sua selecção que são “(…) doze imagens diferentes para tornar

110

Herzog & de Meuron cit. por Fernando Márquez Cecília; Richard Levene, eds. – Herzog & de Meuron 1981-2000, p. 300.

Fig. 102: Bernauer

Strasse, Berlim, em 25 de Setembro de 1961

Fig. 103: Celebrações da reunificação da Alemanha

Fig. 104: Picter Potter, “vanitas” Fig. 105: Georg Muche, “Haus am Horn”

Fig. 106: Palazzo em Colle Ameno, Bolonha

Fig. 107: Estudantes na biblioteca do International Atlantic College, País de Gales

Fig. 108:Eduard Ender, “A. v. Humboldt, na América do Sul, com o

Especialista Botânico Aimé Bonpland”

Fig. 109: Escaravelho

59

visível conhecimento e a consciência resultante.” e que “(…) representam um conjunto de

questões que preocuparam as pessoas na Alemanha (…)”.111

As quatro fachadas são revestidas por dezassete faixas horizontais de painéis pré-

fabricados, três de vidro e catorze de betão, estas mais estreitas, que contornam o edifício. Cada

painel de vidro mede 1.5 metros de comprimento por 1.19 metros de largura, enquanto os painéis

de betão medem 1.5 metros de comprimento por 0.715 metros de largura. As imagens são

dispostas numa sequência vertical, da base ao topo do edifício. Dispõem-se também em repetição

horizontal, cada uma repetida 66 vezes, fazendo lembrar um filme parado numa bobina

cinematográfica. Algumas das imagens dos painéis de betão estendem-se na vertical, abrangendo

mais do que uma faixa horizontal. Isto resulta em faixas horizontais de imagens de alturas

variáveis, ocupando, um, dois ou três painéis, criando um ritmo irregular que quebra o ritmo

regular das lajes dos três pisos e das faixas horizontais de vidro das janelas de clerestório. A

repetição de imagens forma uma série, funcionando como ornamento.

A obra do artista funde-se com a arquitectura, nas fachadas, fazendo com que a percepção

do edifício e dos seus materiais mude constantemente, conforme a iluminação, período do dia e as

condições meteorológicas. Jacques Herzog refere que “Com a luz do dia, quando parece não

haver luz no interior, o edifício parece homogéneo como um bloco monolítico com imagens a

correr em torno do edifício.”112

A uma certa distância do edifício, não se distinguem nem os

diferentes materiais de construção, nem a sequência dos três pisos com as suas janelas de

clerestório. O programa pictórico impresso nas fachadas unifica toda a superfície do edifício,

fazendo com que as diferenças entre betão e vidro se pareçam anular, os painéis de betão

tornam-se semelhantes aos painéis de vidro. Isto faz com que o bloco de betão se torne por vezes

um volume fechado, perfurado e pontuado pelas pequenas janelas rectangulares. À noite, as

imagens das três faixas envidraçadas iluminam-se ganhando destaque nas fachadas.

111

Thomas Ruff cit. por Philip Ursprung – “What Happened to the Gesamtkunstwerk? The Love-Hate Relationship Between Art and Architecture“ in Jes Fernie, ed. – Two Minds: Artists and Architects in Collaboration. London: Black Dog Publishing, 2006, p. 20. 112

Jacques Herzog – op. cit., p. 40.

Fig. 110: Biblioteca de Eberswalde

60

As imagens alternam entre nítidas e difusas consoante o ângulo de visão, a distância a que

se está do edifício e as condições meteorológicas. As imagens dos painéis de betão parecem

tornar-se mais nítidas quando chove ou quando vistas de um ângulo agudo. O próprio conjunto de

imagens é entendido como difuso, a uma maior distância, tornando-se cada vez mais nítido com a

aproximação ao edifício, até ao ponto em que cada imagem é revelada. Apesar das imagens nas

fachadas poderem ser associadas com as múltiplas imagens de uma pintura Pop Art de Andy

Warhol, distinguem-se destas devido aos materiais sobre os quais estão impressas que

proporcionam mudanças na sua percepção. Jacques Herzog refere que “o grão natural do betão e

o grão da fotografia interferem um com o outro de forma muito interessante; ao longe, a imagem

parece-se muito com uma fotografia, mas, quanto mais nos aproximamos, destaca-se o próprio

material e a imagem quase que desaparece completamente. Por isso, não é como um poster Pop

Art, a sua evidência visível está sempre a mudar.”113

As imagens nas fachadas estabelecem uma interacção entre volume e superfície e

ambivalência entre leveza e peso, fazendo com que o edifício pareça pairar com leveza no

espaço. G. Mack escreve ”A Biblioteca de Eberswalde é um paralelepípedo de betão, bem como

uma pele pictórica, ao mesmo tempo estereométrica e plana, monolítica e viva como um corpo

tatuado. O volume minimalista perturba as imagens, as imagens ofuscam o volume. Os painéis de

betão são pesados, as imagens quase imateriais.”114

A colaboração com o artista insere-se assim no conceito dos arquitectos para o edifício, de

mascarar totalmente a sua forma simples através das imagens nas fachadas, criando uma

interacção entre volume e superfície. Jacques Herzog afirma que estavam “(…) interessados em

ter imagens cobrindo todo o edifício (…)” para “(…) destruir uma leitura elementar deste edifício

geometricamente simples.”115

A decisão dos arquitectos Herzog & de Meuron de envolver Thomas

Ruff no design da fachada através das fotografias de jornal decorre do conceito de biblioteca como

lugar de armazenamento de conhecimento e de diário cultural e intelectual, apoiando-se em

113

Idem – p. 39. 114

Gerhard Mack – Eberswalde Library, Herzog & de Meuron, p. 48. 115

Jacques Herzog – op. cit., pp. 38-39.

Fig. 111: Detalhe da

fachada da Biblioteca de Eberswalde

Fig. 112: Andy Warhol, "White Car Crash 19 Times", 1963

Fig. 113: Andy Warhol, "Two Dollar Bills (front and rear)", 1963

61

razões técnicas, estéticas e de conteúdo. Assim, as fotografias de jornal transferiam-se bem para

o betão e o vidro e os painéis de betão impressos ofereciam analogias com as antigas chapas que

eram usadas na impressão de jornais. Além disso, a série “Fotografias de Jornal” podia ser

associada à ideia da liberdade de pensamento tal como a biblioteca. Ruff trata a fachada como

suporte pictórico, usando imagens que, além de transportarem para o exterior aquilo que é a

função da biblioteca, assumem igualmente um carácter simbólico, já que são usadas imagens

carregadas de significado político. Imagens que aludem à divisão e reunificação da Alemanha e

que avivam a memória colectiva do país.

A combinação entre arte e arquitectura faz com que o edifício possua um carácter

absolutamente inovador que resulta da mudança contínua na percepção do mesmo por parte do

observador. Segundo G. Mack “Mais do que qualquer outro edifício de Herzog & de Meuron, a

Biblioteca de Eberswalde pertence à categoria de “specific objects” através dos quais Donald Judd

procurou abrir o espaço pictórico da pintura para o espaço real do espectador.”116

A observação do

edifício não permite repouso ao olhar nem à mente: a sua contemplação oscila entre objecto e

edifício, superfície e volume, história e ornamento, exterior e interior, encerramento e perfuração,

alto e baixo, tranquilidade e movimento.117

Pode-se afirmar que a colaboração entre o artista e os

arquitectos, traduzida na utilização de imagens na totalidade das fachadas, sobre o betão e o

vidro, combina arquitectura e arte, unificando a obra dos arquitectos e a do artista, fundindo-as no

edifício.

Centro de Dança Laban, Deptford, Londres, Reino Unido (1997-2003)

O concurso internacional realizado em 1997 para o projecto do novo edifício, Centro de

Dança Laban do conservatório de dança contemporânea Laban, em Londres, Reino Unido,

atribuiu o primeiro prémio aos arquitectos Herzog & de Meuron. O artista Michael Craig-Martin

(n.1941) foi posteriormente convidado pelos arquitectos para com eles colaborar na elaboração do

projecto de cor para a fachada e espaços interiores.

O edifício, construído entre 2000 e 2003, localiza-se em Deptford, no Sudeste da cidade de

Londres, num terreno de 8000 metros quadrados, na rua Creekside, junto ao troço de confluência

do Rio Ravensbourne com o Rio Tamisa, chamado de Deptford Creek. Laban é uma das

instituições líderes mundiais no ensino de dança contemporânea e o Centro de Dança Laban, à

data da sua inauguração, era o maior centro de dança contemporânea do mundo, construído de

raiz. O edifício foi construído numa área de um antigo depósito de lixo, numa zona

maioritariamente semi-industrial, com fraca coesão arquitectónica, pouco atraente, que se tinha

vindo a deteriorar ao longo dos anos, dominada por armazéns industriais, muitos deles

116

Gerhard Mack – Eberswalde Library, Herzog & de Meuron, pp. 38-39. 117

Idem – p. 39.

62

abandonados e blocos de habitação social em mau estado de conservação. Não havia edifícios de

interesse arquitectónico, com a excepção da igreja de St. Paul, uma das mais notáveis igrejas

barrocas existentes no Reino Unido. O projecto teve em grande consideração a redução do

impacte ambiental do edifício na flora e fauna locais, tendo sido construída na sua cobertura uma

área de 400 metros quadrados que criou um habitat especial para o pisco-ferreiro preto, um

pássaro protegido, em vias de extinção e um dos mais raros do Reino Unido. Foi o primeiro

edifício em Londres a incorporar uma cobertura construída especificamente para esta espécie de

pássaros. A superfície da cobertura consiste em terra e betão esmagado que resultou do material

demolido no local, antes da construção do edifício. Esta cobertura vai sendo lentamente

colonizada por flores e ervas selvagens.

O Centro de Dança Laban faz parte de um conjunto de novos edifícios e infra-estruturas

construídos nesta zona, no qual se incluem também edifícios de habitação colectiva. Estas novas

construções fazem parte de um plano que vem sendo posto em prática, tendo em vista a

regeneração física e social de Deptford, tomando em consideração a protecção do meio ambiente

daquela zona da cidade de Londres. O edifício, através do seu programa e qualidade

arquitectónica, assume um papel importante nessa regeneração urbana, criando um poderoso

pólo de atracção, oferecendo a Deptford um novo ponto de referência e uma nova imagem. O

edifício admite visitas guiadas, focadas na arquitectura e na sua relação com as actividades nele

desenvolvidas.

Os arquitectos Herzog & de Meuron ganharam o prémio “RIBA Stirling Prize”, do “Royal

Institute of British Architects”, em 2003, pelo edifício Centro de Dança Laban. No contexto da zona,

a igreja de St. Paul, situada a cerca de trezentos metros a Oeste do local de implantação do

edifício, tornou-se um ponto de referência importante para o projecto. A fachada principal está

voltada para a igreja, com uma curvatura que cria um gesto amplo e abrangente em direcção da

mesma, simbolizando um abraço e uma abertura a toda a envolvente. Na sua proposta de projecto

para o concurso, os arquitectos, além de responderem às exigências específicas do programa,

defendiam que o edifício não deveria isolar-se, tendo em mente a importância da sua contribuição

Fig. 114: Planta de implantação do Centro de Dança Laban

63

para a requalificação de Deptford. Herzog & de Meuron referem “No concurso para o Centro de

Dança Laban, nós submetemos um esboço simples, juntamente com a nossa proposta. Mostrava

a curva do edifício proposta como um gesto de abraço. Tínhamos literalmente essa intenção;

queríamos que o edifício abraçasse a zona de Deptford (…).”118

Os arquitectos queriam que o

edifício se relacionasse de uma forma positiva com a sua zona envolvente, estabelecendo

abertura e ligação directa com a população local, através da criação de espaços públicos. Herzog

& de Meuron afirmam que desejavam que o edifício “(…) fosse mais do que apenas uma base

para os bailarinos. O projecto oferecia uma oportunidade para criar uma espécie de instalações

públicas que também iriam atrair os habitantes locais, um local que interage e actua como um

íman, ligando a vida diária dos bailarinos com a vida diária da zona.”119

O edifício não surge como um objecto escultórico e autónomo em relação ao local onde se

insere, nem perfeitamente integrado no tecido urbano envolvente. A planta segue o traçado do

lugar de implantação, da margem do rio e das ruas, mas o edifício afasta-se da forma

paralelepipédica dos armazéns vizinhos. A fachada Oeste, côncava, onde se situa a entrada

principal, delimita o espaço do jardim Laban, projectado pelo ateliê de arquitectos paisagistas

suíços Vogt. O edifício forma um todo com o jardim, que funciona como um espaço urbano aberto

ao público, assumindo simultaneamente as funções de pátio de entrada do Centro de Dança, de

lugar de passeio, descanso e diversão e inclui ainda um anfiteatro na relva que pode ser palco de

performances dos alunos. As fachadas são revestidas com painéis de policarbonato translúcidos e

translúcidos coloridos, pontuadas por grandes janelas de vidro espelhado dispostas onde o

espaço interior requer vistas. Durante o dia, estas janelas reflectem os edifícios circundantes e as

nuvens. A escolha das cores e os locais da sua colocação na fachada resultaram da colaboração

dos arquitectos com o artista Michael Craig-Martin. Os painéis de policarbonato, além de

118

Herzog & de Meuron cit. por Gerhard Mack – Herzog & de Meuron 1997-2001: The Complete Works, Volume 4. Basel: Birkhäuser, 2009, p. 41. 119

Idem – p. 41.

Fig. 115: Centro de Dança Laban e Jardim Laban

64

funcionarem bem a nível estético, servem como protecção solar contra o encandeamento e a

radiação térmica, melhorando a eficiência energética do edifício.

O edifício é constituído por dois pisos principais, piso térreo e primeiro piso e um piso

intermédio e dividido em áreas semi-públicas e públicas. Alberga um auditório com 300 lugares

sentados, um auditório mais pequeno com 100 lugares, 13 estúdios de dança, um estúdio de

pilates, salas para fisioterapia, massagens e osteopatia, um laboratório de ciência de dança, uma

biblioteca, um bar, um café e escritórios. Além do jardim, o Centro de Dança Laban abre-se

também ao exterior através dos espectáculos públicos realizados no grande auditório e do

programa de espaços públicos que inclui o café, o estúdio de pilates, as salas para fisioterapia,

massagens e osteopatia e o laboratório de ciência de dança. Os espaços públicos estão todos

localizados no piso térreo sob a biblioteca e os espaços semi-públicos distribuem-se pelo piso

térreo, piso intermédio e primeiro piso.

Fig. 116: Centro de Dança Laban, vista de Deptford Creek

Fig. 118: Detalhe da fachada do Centro de Dança Laban

Fig. 117: Centro de Dança Laban

Fig. 119: Planta do piso térreo do Centro de Dança Laban

Fig. 120: Planta do piso intermédio do Centro de Dança Laban

Fig. 121: Planta do primeiro piso do Centro de Dança Laban

65

O Centro de Dança Laban tem apenas dois pisos principais para facilitar a comunicação e

encontros no interior do edifício entre todos os seus utilizadores. Esta preocupação em fomentar a

comunicação e interacção no interior reflecte-se também no uso de paredes divisórias de vidro

transparente e translúcido em alguns dos escritórios e no volume que alberga as áreas públicas e

a biblioteca. Isto faz com que estas áreas não se separem do conjunto dos espaços abertos no

interior, ligando-os visualmente e, no caso do volume atrás referido, a parede envidraçada cria

reflexos que alteram constantemente a percepção do espaço. Também as duas escadarias

principais em espiral e o seu espaço envolvente foram dimensionados de forma a poderem

funcionar como locais de encontro.

Os arquitectos organizaram os espaços do edifício de um modo sem precedentes na sua

obra, referindo que o edifício funcionaria como uma topografia urbana que se tivesse movido para

o seu interior, com um conjunto de “edifícios” de diferentes tamanhos, “ruas”, “vielas” e “praças”.120

Os diferentes espaços do interior dispõem-se numa estrutura, formando uma “paisagem urbana”,

constituída por volumes dos diversos espaços, pátios interiores e espaços abertos de circulação e

de estada. Os estúdios de dança e outras instalações surgem como edifícios num centro urbano,

definindo espaços públicos e semi-públicos, que variam em forma e extensão. Os espaços de

circulação e de estada das áreas semi-públicas foram alvo de uma intervenção pictórica de Craig-

Martin.

O grande auditório, situado no centro do edifício, também usado pelos bailarinos para treino,

é o coração do Centro de Dança Laban. É à sua volta que se dispõem os estúdios de dança e os

restantes espaços, funcionando como o ponto de orientação na “paisagem urbana”, aberta do piso

térreo, contribuindo para isso a pintura mural de Craig-Martin no exterior das paredes do auditório.

Os estúdios de dança localizam-se todos junto às fachadas, para receberem luz natural, dois no

piso térreo e onze no primeiro piso. Cada um tem áreas diferentes, bem como traçados em planta

e pé-direito. Três pátios interiores funcionam como poços de luz, penetrando no edifício a

diferentes profundidades em corte, proporcionando luz natural aos espaços interiores e permitindo

estabelecer ligações visuais e orientação espacial.

O átrio de entrada, onde se situa a recepção, é um espaço público a partir do qual se

desenvolvem duas rampas extensas. A mais estreita, em frente ao café e à direita quando se

entra, desce e dá acesso aos espaços públicos do Centro de Dança. A mais larga, à esquerda,

com acesso controlado, sobe e alarga-se, criando um espaço aberto de circulação e de estada,

uma “praça”, que funciona como “foyer” do grande auditório quando há espectáculos. Esta rampa

atravessa todo o edifício e dá acesso à biblioteca, ao bar e ao grande auditório, estabelecendo a

ligação com os outros espaços de circulação do piso térreo. O local do começo das duas rampas,

no átrio de entrada, é marcado por uma escadaria escultórica em espiral pintada de preto, que

leva ao primeiro piso e separa o início das duas rampas e, segundo G. Mack, faz lembrar os

designs escultóricos criados por Jacques Herzog, no inicio dos anos oitenta do século XX.121

Os

120

Idem – p. 41. 121

Gerhard Mack – Herzog & de Meuron 1997-2001: The Complete Works, Volume 4, p. 45.

66

arquitectos usaram corrimãos de madeira ondulados nas rampas e escadas que aludem aos

movimentos da dança.

Os arquitectos Herzog & de Meuron ganharam o concurso para a construção do Centro de

Dança Laban com uma proposta de um edifício com uma fachada translúcida colorida. Os

arquitectos já tinham assim definido que queriam usar a cor como uma das principais

características definidoras do edifício, antes mesmo de convidar o artista. Consideraram que a cor

era território de um artista e que, por isso, a sua colaboração beneficiaria o projecto. Após terem

ganho o concurso, os arquitectos convidaram o pintor Michael Craig-Martin para com eles

colaborar na elaboração do projecto de cor para o exterior e interior do edifício. A fase de projecto

do edifício desenvolveu-se entre 1998 e 1999 e Craig-Martin esteve envolvido na sua realização,

desde o início. Arquitectos e artista defendiam a ideia de que o tratamento do exterior do edifício

fosse ditado pelo tratamento do interior, trabalhando juntos para conceber uma forma de combinar

e integrar as cores utilizadas nas superfícies sólidas do interior com as cores e efeitos das

superfícies exteriores translúcidas das fachadas.

O artista interveio na escolha das cores e tons e na sua disposição nas fachadas, bem

como no projecto de cor para os espaços semi-públicos de circulação e estada do interior do

edifício. Durante o projecto, os arquitectos fizeram modelos da fachada à escala 1:2, com os

materiais reais, para estudarem com o artista quais as diferentes cores e tons a utilizar e os efeitos

produzidos pela luz natural e artificial no exterior e interior, resultantes da utilização dos painéis de

policarbonato translúcidos coloridos. A fachada dupla do edifício é composta por painéis de

policarbonato translúcidos e translúcidos coloridos e painéis de vidro duplo translúcido. Os painéis

de policarbonato com 40 milímetros de espessura estão montados numa estrutura de suporte em

alumínio anodizado em frente aos painéis de vidro, unida à estrutura de betão através de suportes

de aço. Esta fachada dupla translúcida e colorida responde aos conceitos do Centro de Dança

Laban de movimento, comunicação e interacção com o exterior.

Durante o dia, o edifício destaca-se subtilmente da envolvente com o seu brilho difuso

colorido da fachada, parecendo pairar, com uma presença leve, estabelecendo um paralelismo

Fig. 122: Átrio, piso térreo Fig. 123: Vista para o átrio

Fig. 124: Rampa de acesso aos espaços

públicos

67

com os movimentos fluidos da dança. As actividades regulares do Centro de Dança Laban como

treinos, ensaios, pesquisa e workshops escapam subtilmente, como sombras ténues, para o

exterior através das fachadas translúcidas. À noite, com a luz do interior, as sombras dos

bailarinos ganham maior intensidade e definição, quando vistas do exterior. O edifício torna-se um

farol colorido, iluminando a área envolvente, através do qual a dança e o movimento transbordam

para o exterior. A dança, nas imagens das sombras dos bailarinos, tem assim um papel importante

na identidade arquitectónica do Centro de Dança Laban. O programa artístico do interior funde-se

assim com a arquitectura e dela faz parte, revelando-se para o exterior e, como referem Herzog &

de Meuron, “As sombras dos bailarinos, que se projectarão sobre as superfícies de vidro

translúcido das paredes interiores e das fachadas, provocam um efeito mágico e formam parte da

identidade singular desta arquitectura.”122

As faixas verticais coloridas nos painéis de policarbonato

translúcidos da fachada com três tons de magenta, três de verde e três de azul-turquesa

transmitem uma sensação de movimento que, juntamente com as próprias cores que conferem

ritmo à fachada, são a afirmação do desejo dos arquitectos, bem como do cliente, duma

interacção directa e imediata do edifício com o exterior. A cor nas fachadas surge como

ornamento, numa série de gradações de tonalidades, cuja intensidade e brilho difuso variam ao

longo do dia.

O interior dos estúdios de dança não é pintado com as cores vivas dos espaços de

circulação, mas as cores dos painéis de policarbonato espalham-se no interior de todos eles

através dos painéis de vidro translúcido. Ao longo do dia, a variação da luz natural produz

alterações na intensidade das tonalidades das cores da fachada, gerando diferentes ambientes no

interior dos estúdios de dança e noutros espaços.

122

Herzog & de Meuron cit. por Fernando Márquez Cecília; Richard Levene, eds. – “Herzog & de Meuron 2002-2006”. El Croquis, nº 129/130, Madrid: El Croquis editorial, 2006, p. 82.

Fig. 125: Centro de Dança Laban Fig. 126: Interior de um estúdio de dança

68

Dentro do contexto de “paisagem urbana” do interior do edifício, os espaços semi-públicos

de circulação dos três pisos, que atravessam o edifício, formando eixos visuais e abrindo-o ao

exterior, são, juntamente com o volume do grande auditório, elementos fundamentais na

organização interna do edifício. Estes espaços foram considerados essenciais para o sucesso do

projecto e alguns deles constituem também locais de encontro e de estada tendo sido por isso

objecto duma intervenção pictórica do artista.

Craig-Martin pintou a totalidade das superfícies das paredes, nos espaços atrás referidos,

utilizando um único tom vivo de azul-turquesa, verde e magenta, as três cores utilizadas na

fachada do edifício. Os tons das três cores do interior são vibrantes, nítidos, sobre as superfícies

sólidas, respondendo assim aos tons translúcidos subtis, leves e etéreos do revestimento exterior

de policarbonato. Estabelece-se assim um diálogo entre as cores da fachada e as cores vibrantes

das superfícies sólidas do interior que parecem escapar para fora e diluir-se nas fachadas em tons

mais claros de aguarela. À noite, as janelas de vidro espelhado permitem que o interior seja

visível, revelando os espaços coloridos e iluminados para o exterior. Durante o dia, são as cores

da fachada que dominam, pois os diferentes espaços pintados não são visíveis por detrás do vidro

espelhado das janelas. Além das paredes, foram também pintados pelo artista portas, cacifos e

portas de armários técnicos com as mesmas três cores, seleccionando estes elementos em cores

alternadas, resultando, por exemplo, paredes azul-turquesa com portas verdes e cacifos e portas

de armários técnicos de cor magenta. Este conjunto de cores vivas cria um contraste com o preto

das escadarias, o cinzento dos pisos e anima os espaços de circulação, criando percursos

facilmente identificáveis que permitem aos utilizadores do edifício uma fácil orientação. As cores

determinam assim ritmo e orientação, dando uma identidade distinta aos diferentes sectores do

edifício.

Fig. 127: Espaço interior com paredes magenta Fig. 128: Espaço interior com paredes azul-turquesa

69

O artista Michael Craig-Martin realizou também a pintura mural monumental nas duas

paredes do grande auditório viradas para a rampa que funciona como “foyer” no piso térreo. Esta

pintura não estava prevista inicialmente na colaboração entre artista e arquitectos. No entanto, no

final do processo construtivo, tendo-se observado a necessidade de criar um centro de interesse

para o “foyer”, o cliente, arquitectos e artista concordaram que as duas paredes deveriam ser o

local para receber uma obra com a assinatura de Craig-Martin. A pintura mural preenche a

totalidade das duas paredes, cuja altura varia entre três e sete metros. Consiste num conjunto

ritmado de objectos do quotidiano, relacionados com a dança e o corpo humano, pintados sobre

um fundo branco. A maioria dos desenhos são definidos por um traço preto, não preenchidos por

cor, mas alguns, como um relógio e “headphones”, são pintados em cores vivas como as

utilizadas nos outros elementos arquitectónicos do interior. A pintura, além de fornecer um centro

de interesse para o “foyer”, insere-se e desempenha um papel importante no conceito criado para

o edifício de transmitir a sensação que o exterior é difuso, translúcido e suave, enquanto o interior

surge como nítido, vivo e vibrante. O “input” do artista insere-se no conceito arquitectónico do

edifício de um interior nítido e um exterior difuso

A fachada colorida e os espaços interiores coloridos foram concebidos como a expressão

física da relação do Centro de Dança Laban com a comunidade local, tornando o edifício um forte

pólo de atracção na zona, acessível e aberto a todos, proporcionando também espaços

inspiradores para os alunos e que reflectem os movimentos fluidos da dança.

A colaboração entre artista e arquitectos valorizou os espaços semi-públicos de circulação e

de estada do interior do edifício. A cor desempenha aí um papel fundamental, servindo não só

propósitos estéticos mas também práticos, de orientação. O projecto de cor posto em prática pelo

artista permite, durante o dia e a noite, uma interacção entre a fachada e o interior e entre o

próprio interior do edifício e o exterior. Os movimentos fluidos da dança são visíveis do exterior e

nos estúdios são criados diferentes ambientes de tonalidades variadas. Este projecto de cor

assumiu relevância especial no conceito da fachada translúcida, na qual as cores surgem bem

Fig. 129: Foyer do grande auditório e pintura mural de Michael Craig-Martin

Fig. 130: Corredor de acesso ao grande

auditório

70

integradas e essenciais à comunicação e interacção, como é confirmado pelos arquitectos Herzog

& de Meuron: “Na realidade nós nem queríamos uma fachada, só luz, cor e movimento – algo

como nuvens no céu. (…) Com o input de Michael Craig-Martin, as cores, a luz e os materiais

estruturais comuns juntaram-se para criar algo que é quase irreal e por vezes celestial (…).”123

Da análise do Centro de Dança Laban, podemos concluir que a colaboração entre os

arquitectos Herzog & de Meuron e o artista Michael Craig-Martin conferiu ao edifício mais-valias

muito importantes. De salientar que a intervenção do artista não surge como uma obra de arte

isolada, “emoldurada”, em destaque no edifício, mas funde-se completamente com a arquitectura,

abrangendo toda a extensão das fachadas e espaços interiores. Daqui resulta uma ligação do

interior com o exterior do edifício, originando um todo harmonioso. Isto mesmo é expresso pelas

seguintes afirmações de G. Mack: “A energia da dança parece pulsar nas próprias cores, as quais

parecem espalhar-se gradualmente, diluídas na pele protectora do edifício de modo que o exterior

e o interior tornam-se um todo ininterrupto. O que parece à primeira vista ser meramente uma

ornamentação, que dá um ar de leveza ao Centro Laban, surge como sendo, de facto, um

princípio conceptual do próprio design.”124

123

Herzog & de Meuron cit. por Gerhard Mack – Herzog & de Meuron 1997-2001: The Complete Works, Volume 4, p. 41. 124

Gerhard Mack – Herzog & de Meuron 1997-2001: The Complete Works, Volume 4, p. 45.

71

Notas Conclusivas

Do estudo realizado pode concluir-se que as práticas artísticas vanguardistas e inovadoras

do século XX tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da arquitectura.

Pode verificar-se que houve por parte dos arquitectos uma apropriação de conceitos

artísticos que foram integrados nos seus projectos arquitectónicos. Esta apropriação, muitas vezes

conseguida num clima de colaboração entre artistas e arquitectos e pela prática artística de alguns

arquitectos, permitiu um enriquecimento da arquitectura através de inovações formais, novos

conceitos de organização do espaço e da utilização da cor, aliados aos avanços tecnológicos da

construção e utilização de novos materiais.

Subjaz a este diálogo o ideal de unificação e síntese entre a arte e a arquitectura na

construção da obra de arte total.

Os arquitectos Herzog & de Meuron, estudados nesta dissertação, são um exemplo actual

duma prática arquitectónica influenciada pela arte e em colaboração com artistas. O conhecimento

da história da arte e da obra dos artistas contemporâneos e a sua abordagem conceptual do

projecto arquitectónico potenciou esse diálogo e colaboração. Esta colaboração implica um

envolvimento com os artistas desde o início do projecto e permite fundir a arte e a arquitectura,

obtendo um todo final que é mais do que a soma das partes. Não se trata de adicionar a posteriori

uma obra de arte a um edifício, mas de unificar as ideias dos arquitectos e dos artistas num todo

coerente e inseparável.

A colaboração com artistas pode potenciar inovações na utilização de materiais, como, por

exemplo, na técnica de impressão de fotografias nos painéis de betão das fachadas da Biblioteca

de Eberswalde e nas cores impressas nos painéis translúcidos de policarbonato das fachadas do

Centro de Dança Laban, dois edifícios dos arquitectos Herzog & de Meuron, estudados neste

trabalho.

O trabalho em cooperação permite conferir a cada edifício não um estilo mas um carácter

único, através dos input dos artistas, materializados pelos elementos pictóricos, iconográficos,

gráficos, fundidos na obra arquitectónica.

72

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