argumento ontológico de gödel

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  • 8/8/2019 Argumento ontolgico de Gdel

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    argumento ontolgico de Gdel

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    Um contemporneo de Anselmo de Aosta, omonge Gaunilo de Marmoutiers, elaborou umarefutao do argumento de Anselmo por meiode uma REDUCTIO AD ABSURDUMdo mesmo. Areductio de Gaunilo tem o seguinte aspecto:

    1. Perdida a ilha paradisaca mais perfeita e agra-

    dvel que qualquer outra.

    2. A ideia de ilha paradisaca mais perfeita e agra-

    dvel que qualquer outra existe na nossa cons-

    cincia.

    3. Se a ilha real a que esta ideia corresponde no

    existisse, teria de faltar um predicado ideia, asaber, o predicado da existncia, pelo que ento

    essa ideia j no seria a ideia da ilha paradisaca

    mais perfeita e agradvel que qualquer outra, uma

    vez que seria possvel pensar-se noutra ilha que

    tivesse exactamente as mesmas propriedades de

    Perdida e ainda a propriedade da existncia.

    4. Logo, se a ideia de ilha paradisaca mais perfeita

    e agradvel que qualquer outra existe, ento o

    objecto que lhe corresponde tem tambm que

    existir pois, caso contrrio, a ideia em causa dei-

    xa de ser a ideia que , o que constitui uma con-

    tradio.

    A reformulao do argumento de Anselmo por Gaunilo mostra-nos as concluses inacei-tveis que se podem extrair de tal estruturaargumentativa mas no diagnostica o vcio sub-

    jacente ao mesmo. Um primeiro diagnstico danatureza deste vcio foi efectuado por Hume etornado clebre por Kant. Consiste na conside-rao de que o termo existir no adequa-damente utilizado no argumento, uma vez queele aqui tratado como se referisse um predi-cado quando a existncia no um predicado.

    No sendo a existncia um predicado, a atri-

    buio de existncia ideia ou representaode um objecto ou ser no lhe acrescenta qual-quer predicado, pelo que a ideia ou representa-o de um dado objecto, ou ser concebidocomo existente, no pode ser consideradacomo maior ou mais perfeita, no sentido referi-do de algo que rene maior nmero de predi-cados, do que a mesma ideia ou representaoconcebida de um objecto ou ser inexistente.

    Da que a ideia de Deus concebida como reali-zada num ser particular em nada possa diferirda mesma ideia de Deus concebida como norealizada por qualquer ser.

    Mais tarde, Frege refinou a anlise do con-ceito de existncia, defendendo a tese de que aexistncia seria um predicado de segundaordem, isto , um predicado que apenas pode-ria ser atribudo a conceitos e no a objectos ouseres. (Porm, h autores modernos que defen-dem novas verses da tese tradicional; verEXISTNCIA.) Deste modo, o que a proposio

    expressa pela frase Deus existe faria seriaatribuir ao conceito de Deus a propriedade deno ser vazio. Pressupondo a no contradito-riedade do conceito de Deus, uma decisoacerca da verdade de tal proposio s poderiaser alcanada por intermdio da descoberta deum processo por meio do qual fosse possveldeterminar empiricamente se algum ser satisfa-ria efectivamente todos os predicados de pri-meira ordem por meio da conjuno dos quaiso conceito de Deus seria definido. Como aexistncia, enquanto predicado de segundaordem, no poderia ser um desses predicados,

    o contraste entre as duas ideias introduzidas noargumento de Anselmo no poderia, portanto,estabelecer-se e o argumento seria improceden-te. Assim, a nova definio de existncia intro-duzida por Frege no traz qualquer modifica-o rejeio do argumento determinada porHume e Kant. VerARGUMENTO ONTOLGICO DEGDEL. AZ

    Frege, G. 1884. Os Fundamentos da Aritmtica.

    Trad. A. Zilho. Lisboa: Imprensa Nacional Casa

    da Moeda, 1992.

    Gaunilo de Marmoutiers.Liber pro Insipiente.

    Hume, D. 1740. Tratado da Natureza Humana. Trad.P. Galvo et al. Lisboa: Gulbenkian, 2002.

    Kant, I. 1787. Crtica da Razo Pura. Trad. M. P. dos

    Santos et al. Lisboa: Gulbenkian, 1985.

    Santo Anselmo. Proslogion. Trad. C. Macedo. Porto:

    Porto Editora, 1996.

    argumento ontolgico de Gdel Kurt Gdel conhecido por resultados notveis nos dom-

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    argumento ontolgico de Gdel

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    nios dos fundamentos da matemtica, da lgi-ca, da cincia da computao e da fsica: oTEOREMA DA COMPLETUDE da lgica elementarclssica (1929), os TEOREMAS DA INCOMPLETU-DE da aritmtica elementar clssica (1930), oteorema de equiconsistncia das aritmticasclssica e intuicionista (1933), a definio deFUNO RECURSIVA geral (1934), o teorema daconsistncia da hiptese generalizada do CON-TNUO (1937), um modelo cosmolgico para asequaes de campo de Einstein (1949) etc. Noentanto, interessou-se tambm por questes

    clssicas da metafsica. Gdel oferece o seu ponto de vista sobre as trs ideias que Kantafirma serem constitutivas da metafsica: Deus,liberdade e imortalidade. Gdel no trata direc-tamente da questo da imortalidade, massomente da questo associada sobre a vidadepois da morte. Num manuscrito intituladoO Meu Ponto de Vista Filosfico afirma queo mundo no qual vivemos no o nico emque viveremos ou em que tenhamos vivido(Wang 1996: 316).

    Em correspondncias datadas do incio dadcada de 1960, Gdel utiliza um anlogo do

    princpio da razo suficiente de G. L. Leibniz,segundo o qual o mundo e tudo o que nele htm sentido (Sinn) e razo (Vernunft) (Wang1996: 108), para concluir que h vida depois damorte (p. 105). Segundo Gdel, caso no hou-vesse vida depois da morte, o mundo no teriasido racionalmente construdo e no teria sen-tido (pp. 105106):

    Que sentido haveria em criar um ser (o

    homem), que tem uma ampla gama de possibili-

    dades para desenvolver e para relacionamentos

    com os outros, e no permitir que realize sequer

    um milsimo dessas possibilidades?.

    Mas o mundo foi racionalmente construdoporque tudo permeado pela mxima regula-ridade e ordem e a ordem uma forma deracionalidade (p. 106).

    Quanto questo da liberdade, Gdel suge-re ser possvel adaptar os seus teoremas daincompletude da aritmtica elementar clssica

    para demonstrar o seguinte:

    Uma sociedade completamente isenta de

    liberdade (isto , uma sociedade procedendo em

    tudo segundo regras estritas de conformidade)

    ser, no seu comportamento, ou inconsistente ou

    incompleta, isto , incapaz de resolver determi-

    nados problemas, talvez de importncia vital.

    Ambos podem, naturalmente, pr em perigo a sua

    sobrevivncia numa situao difcil. Uma obser-

    vao similar aplicar-se-ia tambm a seres huma-

    nos considerados na sua individualidade (p. 4).

    O ataque de Gdel questo sobre a nature-za e existncia de Deus elaborado a partir deuma adaptao do ARGUMENTO ONTOLGICO deLeibniz. Esse argumento est inserido num

    projecto mais amplo, apenas esboado porGdel, para fundar a metafsica como umacincia exacta, preferencialmente sob forma deuma monadologia na qual Deus a mnadacentral (Gierer 1997: 207217). Gierer trans-creve e comenta um dilogo ocorrido em 13 de

    Novembro de 1940 entre Gdel e Carnap, noqual Gdel sustenta a exequibilidade de tal

    projecto.H, entre os esplios de Gdel, esboos doargumento ontolgico datando aproximada-mente de 1941, mas a verso definitiva data-da de 10 de Fevereiro de 1970. Gdel conhe-cido pela sua relutncia em publicar resultadosque no considerasse definitivos. Basta lembrarque a sua obra publicada em vida no perfazmais de trezentas pginas. Isso talvez explique

    por que razo o seu argumento ontolgicoficou indito at 1987, quando Jordan HowardSobel o publicou (Sobel 1987: 241261).

    Em Fevereiro de 1970, Gdel discutiu o seu

    argumento ontolgico com Dana Scott. Dissoresultou uma verso do argumento ontolgicode Gdel, produzida por Scott, cujo tratamentoformal mais simples do que o da verso ori-ginal de Gdel. Por manter intactas as noesfundamentais e os passos principais da versooriginal de Gdel, costuma-se utilizar essa ver-so de Scott na discusso do argumento onto-lgico de Gdel. Adoptamos, aqui, essa prtica.

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    Contudo, para compreender o argumento proposto por Gdel preciso analisar previa-mente o argumento ontolgico de Leibniz. Esteargumento parte de uma crtica mais geral epistemologia cartesiana. Leibniz, contra RenDescartes, salienta o valor do conhecimentosimblico, e a crtica ao argumento ontolgicode Descartes constitui um exemplo dessa dife-rena entre Leibniz e Descartes.

    Leibniz esquematiza o argumento da QuintaMeditao cartesiana do seguinte modo (trata-se de um excerto de carta, provavelmente ende-

    reada condessa Elisabete, provavelmenteescrita em 1678):

    Deus um ser que tem todas as perfeies e,

    consequentemente, tem existncia, que uma

    perfeio. Portanto, existe. (Leibniz 1989: 237)

    Segundo Leibniz, o argumento no umafalcia, mas est incompleto. O que lhe falta a demonstrao da consistncia da noo deDeus, ou seja, falta a demonstrao da COM-POSSIBILIDADE das perfeies. O que Leibnizsolicita que seja demonstrado que a noo de

    Deus adequada e no apenas distinta; que possvel fornecer uma definio real e noapenas nominal de Deus (Leibniz 1982: 271278; trata-se do texto Meditaes sobre oConhecimento, a Verdade e as Ideias, de1684, no qual Leibniz distingue entre noesclaras e obscuras, distintas e confusas, adequa-das e inadequadas, intuitivas e simblicas, eesboa uma teoria da definio a partir dessasdicotomias).

    No texto Que o Ser Perfeitssimo Existe(Leibniz 1982: 148150), de 1676, Leibnizdemonstra a compossibilidade das perfeies a

    partir da sua caracterizao como qualidadessimples, positivas e absolutas. Dessas, apenas a

    positividade se mantm como nota das perfei-es no perodo maduro da filosofia de Leibniz.

    No argumento ontolgico de Gdel, as pro-priedades positivas realizam o papel das perfei-es, constituem as notas da noo de Deus. Oargumento ontolgico de Gdel nada mais doque uma axiomatizao da noo de propriedade

    positiva, uma definio implcita daquilo que seentende por propriedade positiva.

    Dividimos o argumento de Gdel em quatroblocos: definies, axiomas, resultados e meta-teoria.

    Definies

    1. Um indivduo tem a propriedade de ser seme-

    lhante a Deus (Gotthnlich) se, e s se, tem todas

    as propriedades positivas.

    Gdel tambm lhe chama propriedade deser divino (Gttlich).

    2. Uma propriedade a essncia de um indivduo

    se, e s se, o indivduo tem essa propriedade e

    essa propriedade est necessariamente subordina-

    da a todas as propriedades do indivduo.

    Gdel utiliza indiferentemente as expressesEssenze Wesen para a essncia de um indivduo.Entende-se que uma propriedade subordinadaa outra quando a extenso da primeira um sub-conjunto da extenso da segunda. Esta noo de

    essncia corresponde noo de Leibniz deconceito completo de um indivduo.

    3. Um indivduo tem a propriedade da existncia

    necessria (Notwendige Existenz) se, e s se,

    todas as essncias do indivduo so necessa-

    riamente exemplificadas.

    Gdel tem o cuidado de no fazer da existn-cia um predicado no trivial de primeira ordem.Gdel faz eco da proposta de Norman Malcolm(1960), para quem a existncia necessria, ouseja, a impossibilidade lgica da inexistncia,

    um predicado no trivial de primeira ordem,embora a existnciasimpliciterno o seja.

    Axiomas

    1. Qualquer propriedade de indivduos positiva ou

    sua negao positiva.

    Entende-se que a negao de uma proprie-

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    dade de indivduos aquela propriedade deindivduos cuja extenso o complemento,relativo ao domnio de indivduos, da extensoda propriedade de indivduos.

    2. Quaisquer que sejam as propriedades P e Q, se P

    positiva e necessariamente sempre que um

    indivduo tem a propriedade P tambm tem a

    propriedade Q, ento Q positiva.

    3. A propriedade da semelhana a Deus positiva.

    4. Qualquer que seja a propriedade de indivduos, se

    ela positiva ento necessariamente positiva.

    5. A propriedade da existncia necessria positiva.

    Os axiomas 1, 2 e 4 relacionam-se com umaestrutura algbrica denominada ultrafiltro (filtro

    primo). Na verso original de Gdel isso aindamais evidente. O primeiro axioma da verso ori-ginal de Gdel afirma que a conjuno de umaquantidade arbitrria de propriedades positivas uma propriedade positiva; este axioma umageneralizao da clusula imposta aos ultrafil-tros, segundo a qual os conjuntos de um ultrafil-tro so fechados por intercepes finitas. Osegundo axioma da verso original de Gdel

    corresponde ao primeiro axioma da verso deScott; estes axiomas correspondem clusula demaximalidade imposta aos ultrafiltros. O quartoaxioma da verso original de Gdel correspondeao segundo axioma da verso de Scott; estesaxiomas correspondem clusula de fecho porsuperconjuntos imposta aos ultrafiltros. Final-mente, os axiomas segundo os quais as proprie-dades de semelhana a Deus e de existncianecessria so propriedades positivas corres-

    pondem clusula de no vacuidade impostaaos ultrafiltros. Esta caracterizao algbrica das

    propriedades positivas reveladora das intuies

    e intenes de Gdel: usual interpretar umultrafiltro como uma famlia de conjuntos muitograndes. Se esta interpretao estiver correcta,Gdel est a afirmar que as propriedades divinasso exemplificadas por uma quantidade muitogrande de indivduos, o que estaria em confor-midade com as teses de Leibniz acerca da cria-o e constituio do mundo actual como omelhor dos mundos possveis (Sautter 2000).

    Gdel tambm oferece uma caracterizao puramente sintctica das propriedades positi-vas. No Caderno de Notas Filosficas(Adams 1995: 436) afirma que as proprieda-des positivas so precisamente aquelas que

    podem ser formadas a partir das propriedadeselementares por intermdio das operaes &,, ; em nota de rodap sua verso doargumento, Gdel afirma que as propriedades

    positivas so aquelas cuja forma normal dis-juntiva em termos de propriedades elementarescontm um membro sem negao (Adams

    1995: 404). Aqui, admite que algumas proprie-dades positivas so simples (as propriedadeselementares) e, portanto, no contm negao,e que todas as demais propriedades positivasso obtidas das propriedades elementares porintermdio de operaes booleanas nas quaisno precisa intervir a negao. Esta possibili-dade de caracterizao decorre dos seguintesresultados acerca da lgica proposicional cls-sica (LPC), cuja demonstrao envolve a apli-cao de induo matemtica:

    1. Teorema: Para toda proposio P da LPC, existe

    uma proposio Q da LPC tal que Q tautologi-camente equivalente a P e os conectivos de Q per-

    tencem a {&, , } ou Q a negao de uma pro-

    posio cujos conectivos pertencem a {&, ,}.

    2. Corolrio: Para toda proposio P da LPC tal que

    a forma normal disjuntiva de P contm pelo

    menos um disjuntivo sem negao, existe uma

    proposio Q da LPC tal que Q tautologicamen-

    te equivalente a P e os conectivos proposicionais

    de Q pertencem a {&, , }.

    3. Teorema: Se P uma proposio da LPC tal que

    os conectivos de P pertencem a {&, , }, a for-

    ma normal disjuntiva de P contm pelo menos um

    disjuntivo sem negao.

    H duas objeces principais noo depropriedade positiva: na primeira, alega-se quea distino entre positivo e no positivo no absoluta, como pretende Gdel, mas semprerelativa escolha de um sistema de conceitos;na segunda, alega-se que a noo de proprieda-de positiva no tem relevncia teolgica.

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    A primeira objeco formulada por AndrFuhrmann do seguinte modo:

    As propriedades no so, em si, positivas ou

    negativas, mas sempre e somente em funo de

    outras propriedades. Deste modo, poder-se-ia, por

    exemplo, considerarduro como uma propriedade

    simples e analisarmole como no duro; o inverso

    , naturalmente, igualmente possvel. Por conse-

    guinte, isto indica que pode haver mais de uma

    anlise, no fim das quais figuram classes de pro-

    priedades simples distintas e incompatveis

    (Fuhrmann 1999).

    Fuhrmann compara a situao da distinoentre positivo e negativo (no positivo) com asituao da distino entre simples e complexo(no simples). Embora a controvrsia no serestrinja aos seus aspectos formais, Otto Muck(1992: 6566) forneceu um critrio natural de

    prioridade ontolgica com o qual, pelo menosformalmente, possvel mostrar que uma pro-

    priedade positiva tem prioridade ontolgicasobre sua negao.

    A segunda objeco ainda mais contun-

    dente: em que medida as propriedades tradi-cionalmente atribudas a Deus (omnipotncia,omniscincia, omnibenevolncia, etc.) so

    positivas segundo a caracterizao oferecida por Gdel? Aqui, novamente, Muck (p. 61)encontra uma resposta: a caracterizao de

    propriedade positiva tem grande similaridadecom a caracterizao de perfectio pura da tra-dio da teologia filosfica. Por oposio sperfectione mixtae, as perfectione purae so osatributos divinos nessa tradio.

    Resultados

    1. Teorema: Se uma propriedade positiva, possi-

    velmente exemplificada.

    Este passo da demonstrao realizado uti-lizando somente os Axiomas 1 e 2.

    2. Corolrio: A propriedade de ser semelhante a

    Deus possivelmente exemplificada.

    Este passo da demonstrao corresponde ao passo que Leibniz alega faltar no argumentoontolgico cartesiano: a demonstrao de com-

    possibilidade dos atributos divinos; este passoda demonstrao realizado utilizando o teo-rema 1 e o axioma 3.

    3. Teorema: Se um indivduo tem a propriedade de

    ser semelhante a Deus, essa propriedade a

    essncia desse indivduo.

    Este passo da demonstrao realizado uti-lizando somente o axioma 1.

    4. Nota: Duas essncias de um indivduo so neces-

    sariamente idnticas.

    5. Nota: A essncia de um indivduo necessariamen-

    te no a propriedade de outro indivduo.

    Este resultado, juntamente com o teorema 1,demonstra a unicidade divina, quer dizer, exis-te no mximo um ser com a propriedade de sersemelhante a Deus.

    6. Teorema: Necessariamente, existe um indivduocom a propriedade de ser semelhante a Deus.

    Este passo da demonstrao realizado uti-lizando o corolrio 2 do teorema 1 e o seguinteresultado auxiliar: se a propriedade de sersemelhante a Deus possivelmente exemplifi-cada, ento possvel que seja necessariamenteexemplificada. Este ltimo resultado , por suavez, demonstrado com auxlio do axioma 4 eda proposio baptizada por Charles Hartshor-ne como princpio de Anselmo. Este princ-

    pio afirma que se existe um ente com a pro-

    priedade ser semelhante a Deus, ento necessa-riamente existe um ente com a propriedade deser semelhante a Deus. Esta denominao,princpio de Anselmo, parece estar relacio-nada com o facto de Anselmo da Canturiademonstrar, por reduo ao absurdo, no ape-nas a existncia de um ser maior do que o qualnada se pode pensar (Deus), mas tambm quenecessariamente existe tal ser (Macedo 1996).

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    argumento per analogiam

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    A demonstrao, por reduo ao absurdo, noCap. 2 de Proslogion, conclui que o ser maiordo que o qual nada se pode pensar existe; ademonstrao, tambm por reduo ao absur-do, no Cap. 3, conclui, utilizando a mesmadefinio de Deus, que necessariamente existe;finalmente, no Cap. 15, Anselmo conclui queDeus nem sequer pode ser pensado, quer dizer, incognoscvel.

    Metateoria Sobel sugeriu que o argumentoontolgico de Gdel sofre de um grave pro-

    blema formal, a saber, o colapso das modalida-

    des, ou seja, tudo aquilo que verdadeiro tam-bm necessrio. Desde ento, foram propos-tas diversas modificaes das noes e axio-mas originais de Gdel para ultrapassar estadificuldade (o manuscrito Summum Bonum de

    Nelson Gomes, a ser publicado pela EditoraLoyola na colectnea intitulada Ns e o Abso-luto, alm de conter uma exposio pormenori-zada do argumento ontolgico de Gdel, tantonos seus aspectos histrico-filosficos comoem seus aspectos formais, contm uma exposi-o das principais propostas de alterao domesmo). Contudo, Petr Hjek mostrou que,

    adoptando uma interpretao no standarddouniverso das propriedades de indivduos,segundo a qual as propriedades so fechadas

    por operaes booleanas (a formao arbitrriade propriedades (interpretaostandard) umadas causas do colapso das modalidades noargumento ontolgico de Gdel), e adoptandoo sistema de lgica modal S5 como lgica sub-

    jacente, possvel demonstrar a consistnciado argumento ontolgico de Gdel, a indepen-dncia mtua dos seus axiomas, e o no colap-so das suas modalidades (esses resultados so

    pormenorizadamente apresentados em Sautter

    2000, Cap. 3). Ver ARGUMENTOS A FAVOR DAEXISTNCIA DE DEUS.FTS

    Adams, R. M. 1995. Appendix B: Texts Relating to

    the Ontological Argument. In Feferman, Solomon

    et al., orgs.,Kurt Gdel, Collected Works, Vol. III.

    Oxford: Oxford University Press.

    Adams, R. M. 1995. Introductory Note to *1970. In

    Feferman, Solomon et al., orgs.,Kurt Gdel, Col-

    lected Works, Vol. III. Oxford: Oxford University

    Press.

    Fuhrmann, A. 1999. Gdels ontologischer Gottes-

    beweis. http://www.ifcs.ufrj.br/cfmm/col2.htm.

    Gierer, A. 1997. Gdel Meets Carnap: A Prototypical

    Discourse on Science and Religion. Zygon v. 32,

    n. 2: pp. 207217.

    Hjek, P. s/d. Der Mathematiker und die Frage der

    Existenz Gottes (betreffend Gdels ontologischen

    Beweis). Prague. Trabalho acadmico. Institute of

    Computer Science, Czech Academy of Sciences.

    Kant, I. 1781. Crtica da Razo Pura. Trad. M. P. dos

    Santos e A. F. Morujo. Lisboa: Gulbenkian, 1994.Leibniz, G. W. 1982.Escritos Filosficos. Ed. e trad.

    E. Olaso. Buenos Aires: Charcas.

    Leibniz, G. W. 1989. Philosophical Essays. Ed. e

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    Malcolm, N. 1960. Anselms Ontological Arguments.

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    Muck, O. 1992. Eigenschaften Gottes im Licht des

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    Santo Anselmo. Proslogion. Trad. C. Macedo. Porto:

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    Wang, H. 1996. A Logical Journey. Cambridge: The

    MIT Press.

    argumento per analogiam Ver ARGUMENTOPOR ANALOGIA.

    argumento por analogia Um argumento queinfere a satisfao de uma propriedade por umobjecto B, na base da analogia que se verifica

    existir entre o objecto B e um dado objecto A,que sabemos previamente satisfazer a proprie-dade . A analogia existente entre os objectos Ae B deixa-se, por sua vez, esclarecer em termosdo facto de existir um certo grupo de proprieda-des satisfeito tanto por A como por B.

    A hipottica validade ou invalidade de umtal argumento no pode ser estabelecida APRIORI. Com efeito, a validade de um argumen-