argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

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Estudo sobre argumentação jurídica.

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Page 1: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

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Page 2: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Argumentação Jurídica

• Teoria • Técnicas • Estratégias

2ª edição — Revista e atualizada

Page 3: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Visite nosso site na Internet www.jurua.com.br

e-mail: [email protected]

ISBN: 85-362-1179-2

Av. Munhoz da Rocha. 143 — Juvevê

Fone: (41) 3352-3900 — Fax: (41) 3252-1311 CEP: 80.035-000 — Curitiba — Paraná — Brasil

Voese, Ingo.

V875 Argumentação jurídica. 2. ed./ Ingo Voese./ Curitiba:

Juruá, 2006.

118p.

1. Argumentação jurídica. I. Título.

CDD 340.1 CDU 340

Page 4: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

CCOONNTTRRAA CCAAPPAA

O Direito caracteriza-se essencialmente por sua atividade

argumentativa, o que implica dizer que a prática jurídica opera

com recursos lingüísticos e discursivos para produzir

determinados efeitos de sentido. E efeitos de sentido orientam atos

e decisões, ou seja, os efeitos de sentido são também efeitos de

poder.

É, portanto, a linguagem o objeto e a ferramenta de trabalho do

profissional do Direito: quando ele interpreta, opera com

referências lingüísticas e quando justifica os sentidos produzidos,

coloca em cena recursos da língua e do discurso.

Estranhamente, porém, os estudos nos cursos de Direito não

contemplam a linguagem, nem quanto à sua especificidade, nem

quanto às suas funções como mediação das relações sociais.

Argumentação Jurídica vem preencher essa lacuna e, assim,

enriquecer os recursos disponíveis à formação qualificada dos

operadores do Direito.

OORREELLHHAASS DDOO LLIIVVRROO

Ingo Voese é Professor de Lingüística e de Análise do Discurso há

mais de 30 anos. Realizou seu Doutorado na PUCRS e o pós-

Doutorado na Unicamp/SP, centrando seus estudos e pesquisas

na temática que aborda a relação de linguagem, indivíduo e

sociedade. De sua atividade, resultaram vários livros e artigos,

dentre os quais destacam-se, na área do Direito: Mediação dos

Conflitos como Negociação de Sentidos e Argumentação Jurídica.

Atualmente exerce suas atividades em cursos de pós-graduação

da Unisul/SC.

Page 5: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Ingo Voese Doutor em Lingüística; Professor de Argumentação Jurídica no curso de Mestrado em Direito e de Análise do Discurso no Curso de Mestrado de Ciências da Linguagem da Unisul/SC.

Argumentação Jurídica

• Teoria • Técnicas • Estratégias

2ª edição — Revista e atualizada

Curitiba Juruá Editora

2006

Page 6: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Para

Márcia Beatriz, Marcelo Augusto

e Marco Antônio: amores inesperados

(re)motivadores, imprescindíveis da

minha vida.

Page 7: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

PREFÁCIO À 2a EDIÇÃO

Argumentação Jurídica é um texto que foi escrito com o

propósito de preencher uma lacuna no ensino do Direito,

especificamente o que se refere ao domínio dos recursos de

linguagem. A acolhida generosa que teve o livro sinaliza que a

avaliação inicial estava correta e motiva uma nova edição.

Parece-me, porém, que o texto comporta uma rápida reflexão

sobre o que se poderia chamar de efeitos de argumentação, de

modo que o ensino não deveria omitir e aprofundar a análise ético-

moral da prática jurídica, sob pena de o Direito transformar-se num

mero — mas contundente — instrumento ideológico.

Por isso, na presente edição, refaço e amplio as considerações

finais, detendo-me um pouco mais na avaliação da argumentação

jurídica também como ato de responsabilidade.

O autor

Page 8: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................13

2 LINGUAGEM E DETERMINAÇÕES SOCIAIS.................................19 2.1 A INVENÇÃO DO ANZOL.......................................................19 2.1.1 A heterogeneidade social..............................................21 2.1.2 A heterogeneidade cultural..........................................21 2.1.3 A heterogeneidade referencial......................................22 2.1.4 A heterogeneidade lingüística......................................22 2.1.5 A heterogeneidade individual.......................................25 2.1.6 O controle da heterogeneidade.....................................26

3 A LÓGICA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA..................................29 3.1 A ESPECIFICIDADE DA LÓGICA JURÍDICA.........................35 3.2 A INDUÇÃO NA ESTRUTURAÇÃO DO SILOGISMO................40 3.3 A DEDUÇÃO NA EXECUÇÃO DO SILOGISMO......................49

4 TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS.....................................................51 4.1 O ARGUMENTO DA COERÊNCIA.........................................53 4.2 O ARGUMENTO DA RECIPROCIDADE.................................54 4.3 O ARGUMENTO DA TRANSITIVIDADE.................................55 4.4 O ARGUMENTO DA COMPARAÇÃO.....................................56 4.5 O ARGUMENTO DA INCLUSÃO DA PARTE NO TODO..........56 4.6 O ARGUMENTO DA DIVISÃO DO TODO EM PARTES...........57 4.7 O ARGUMENTO AD IGNORANTIUM......................................58 4.8 OS ARGUMENTOS A PARI EA CONTRARIO...........................58 4.9 O ARGUMENTO DA ANALOGIA............................................59 4.10 O ARGUMENTO DA FIXAÇÃO DE UM GRAU........................60 4.11 O ARGUMENTO DA RELAÇÃO DE MEIOS E FINS................61 4.12 O ARGUMENTO DA PROBABILIDADE..................................62 4.13 O ARGUMENTO DO VÍNCULO CAUSAL................................63 4.14 O ARGUMENTO PRAGMÁTICO.............................................64 4.15 O ARGUMENTO DO DESPERDÍCIO......................................65 4.16 O ARGUMENTO DA DIREÇÃO..............................................65 4.17 O ARGUMENTO QUE RELACIONA ATO E PESSOA..............65 4.18 O ARGUMENTO DA AUTORIDADE.......................................66 4.19 O ARGUMENTO DA RELAÇÃO ENTRE ATO E ESSÊNCIA.....68 4.20 O ARGUMENTO DO EXEMPLO............................................68 4.21 O ARGUMENTO DA ILUSTRAÇÃO........................................69

5 ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS.............................................71 5.1 ESTRATÉGIAS (DES)CONTEXTUALIZADORAS.....................78

5.1.1 A adaptação do enunciante ao auditório...................79 5.1.2 A preparação do auditório........................................83

5.2 ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS..............................................86 5.2.1 A construção de dissociações e a mistificação..............89 5.2.2 A mistificação..............................................................90

Page 9: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

5.2.3 A implicitação..............................................................91 5.2.4 A impessoalização:.......................................................94 5.2.5 A vaguezização (ou a ambigüização).............................94 5.2.6 A generalização............................................................95 5.2.7 A higienização..............................................................96 5.2.8 A inclusão do ponto de vista do argumentador.............96 5.2.9 A (des)focalização de argumentos.................................98 5.2.10 A (des)valorização de argumentos.................................99 5.2.11 A armação duma lógica................................................99 5.2.12 A indicação de um extremo da escala.........................100 5.2.13 A soma de argumentos..............................................101

6 A ARGUMENTAÇÃO E O ATO RESPONSÁVEL...........................103

REFERÊNCIAS.................................................................................111

ÍNDICE ALFABÉTICO.......................................................................113

Nota da digitalizadora: A numeração de páginas aqui refere-se a edição original, que encontra-se inserida entre colchetes no texto.

Entende-se que o texto que está antes da numeração entre colchetes é o que pertence aquela página e o texto que está após a numeração pertence a página seguinte.

Page 10: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

1

INTRODUÇÃO

Poucos são os cursos de Direito, no Brasil, que abrem, na

sua grade curricular, um espaço para o estudo da argumentação

jurídica, o que pode estar a indicar que ela ainda não está

merecendo a devida atenção precisamente porque ainda não se

abordou a sua especificidade e, em especial, a relação da prática

jurídica com a linguagem.

Mesmo em outros universos culturais como, por exemplo, na

Europa, só recentemente se iniciou um movimento que formula

questões que Atienza (1997) organiza da seguinte forma:

Puesto que la práctica del Derecho consiste de manera muy

fundamental en argumentar, no tendría por que’ resultar extravio

que los juristas con alguna conciencia profesional sintieran alguna

curiosidad por cuestiones — (...) como las siguientes: Qué significa

argumentar juridicamente? Hasta qué punto se diferencia la

argumentación jurídica de la argumentación ética o de la

argumentación política, o, incluso, de la argumentación en la vida

ordinaria o en la ciencia? (...) Cuál es el criterio de corrección de los

argumentos jurídicos? Suministra el Derecho una única respuesta

corrrecta para cada caso? (ATIENZA, 1997, p. 9) [pg. 13]

E ele avança na reflexão quando diz que “Nadie duda que la

práctica del Derecho consiste, de manera muy fundamental, en

argumentar y todos solemos convenir en que la cualidad que mejor

Page 11: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

define lo que se entiende por un ‘buen jurista’ tal vez sea la

capacidad para idear y manejar con habilidad argumentos”. (Op.

cit., p. 19).

Atienza reduz o sentido da expressão “bom jurista” aos

limites da dimensão técnica de argumentação e esquece de

enfatizar que o uso de recursos lingüísticos e discursivos não pode

ser desconsiderado quanto ao que eles têm de específico e

determinante, ou seja, é preciso destacar que a argumentação

jurídica só constrói uma característica própria porque pode se

valer de determinadas características da linguagem.

Entende-se, pois, que a abordagem da argumentação

jurídica pressupõe especificidades e complexidades próprias da

prática, dado que elas se originam do fato de que se adotam

modelos lógicos para atuarem sobre sentidos e valores

heterogêneos e conflitivos, e que não pertencem ao universo do

formalismo lógico, mas têm profundo comprometimento com a

construção do que muito vagamente se entende por justiça social.

O presente trabalho, ao se incluir nos estudos mais recentes

sobre a argumentação jurídica, tem a pretensão de oferecer alguns

subsídios para o estudo, partindo do entendimento de que há uma

especificidade que se pode abordar, descrevendo a relação da

prática com a linguagem em termos de como ela pode valer-se de

determinadas características lingüísticas e discursivas para,

através de técnicas e estratégias, não só produzir argumentos

como também minimizar ou maximizá-los na interação.

Para essa tarefa, torna-se então necessário, em primeiro

lugar, pontuar algumas concepções teóricas de linguagem: elas

são importantes para que se possa melhor compreender tanto os

processos de interpretação, quer seja da lei, quer seja dos fatos

jurídicos — e, por isso, pontos de apoio, — como os processos e os

Page 12: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

modos de argumentação, abordados a partir da concepção de que

a argumentação vale-se, ao mesmo tempo, de técnicas que

produzem argumentos e de estratégias que buscam viabilizar os

melhores efeitos de adesão na interação.

O pontuamento teórico deverá, enfim, permitir que se façam

avanços na compreensão do que é específico da lógica jurídica, ou

seja, compreender por que é aceitável considerar que

Um argumento não é correto e coercivo ou incorreto e sem valor,

mas relevante ou irrelevante, forte ou fraco, consoante razões que

lhe justificam o emprego no caso. E por isso que o estudo dos

argumentos, que nem o direito nem as ciências humanas nem a

filosofia podem dispensar, não se prende a uma teoria da

demonstração rigorosa, concebida a exemplo de um cálculo

mecanizável, mas a uma teoria da argumentação. (PERELMAN,

1996b, p. 471) [pg. 14]

É preciso, outrossim, incluir, no dimensionamento da

complexidade da argumentação jurídica, a questão da verdade,

para entender que ela

...se preocupa não propriamente com a verdade, mas com

verossimilhança. Não exclui a verdade de suas preocupações, mas

ressalta como fundamental a versão da verdade. Ou seja, uma

decisão não pode negar a verdade factual, aquilo que é reconhecido

e aceito como um evento real (...), mas da verdade factual nem

sempre segue a verossimilhança (...). (BULGARELLI, 1998, p. 71)

Se, pois, a argumentação jurídica não se nivela a uma

demonstração formal, é porque o que se diz dos fatos é resultado

de interpretações que, pressionadas pela natureza da linguagem,

serão diferenciadas, o que, inclusive, explica por que o Direito

constitui o contraditório como uma presunção fundante e como

Page 13: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

garantia da promoção da justiça. Em outros termos, os

argumentos jurídicos não são fruto de um cálculo lógico-formal,

mas de interpretações e de avaliações que incluem, além dos

interesses específicos das partes, também as circunstâncias

históricas, sociais e culturais do fato. Examinar o nível de

desacordo ou de desrespeito à lei requer, por isso, que, na prática

jurídica, as teses e as decisões sejam, porque não se trabalha com

elementos exatos, não só explicadas mas também justificadas,

tanto que

O dispositivo da sentença, a parte que contém a decisão do juiz, é

precedido pelo enunciado dos considerandos, ou seja, das razões

que motivaram essa decisão. O raciocínio judiciário se apresenta,

assim, como o próprio padrão do raciocínio prático, que visa a

justificar uma decisão, uma escolha, uma pretensão, a mostrar que

elas não são arbitrárias ou injustas. (PERELMAN, 1996b, p. 481)

O Direito funda e caracteriza, pois, a sua prática admitindo o

contraditório, ou seja, a heterogeneidade de sentidos que

precisam, todavia, para não deixar de observar a coerência, a

coesão e a congruência necessárias à argumentação, ser

trabalhados sob orientação de modelos de raciocínio das ciências

naturais e matemáticas.

E quando a sociedade não aceita a idéia da arbitrariedade ou

da injustiça, arma-se, para a prática jurídica, o complexo desafio

da promoção da justiça: é preciso, aqui, falar da heterogeneidade

social e de [pg. 15] sentidos que configuram o problema que diz

respeito à dificuldade de se poder fazer justiça de modo que

atenda às expectativas de todos os segmentos sociais. Ou seja,

Para que a regra de justiça constitua o fundamento de uma

demonstração rigorosa, os objetos aos quais ela se aplica deveriam

ser idênticos, ou seja, completamente intercambiáveis. Mas, na

Page 14: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

verdade, isso nunca acontece. Os objetos sempre diferem em algum

aspecto, e o grande problema, o que suscita a maioria das

controvérsias, é decidir se as diferenças constatadas são ou não

irrelevantes ou, em outros termos, se os objetos não diferem pelas

características que se consideram essenciais, isto é, os únicos a

serem levados em conta na administração da justiça. (PERELMAN,

1996a, p. 248)

Essas são, pois, as dificuldades para o Direito: as pessoas

produzem, orientadas por diferentes sistemas de referência,

diferentes versões dos fatos jurídicos, ou seja, as interpretações —

que antecedem e sustentam a argumentação — são diferenciadas

porque a pressão das características da linguagem — produto das

determinações sociais — leva a isso.

A compreensão exata dessa complexidade inerente à prática

jurídica aponta, então, para os motivos e explica por que qualquer

decisão jurídica precisa ser justificada, embora

O poder concedido ao juiz de interpretar e, eventualmente, de

completar a lei, de qualificar os fatos, de apreciar, em geral

livremente, o valor das presunções e das provas que tendem a

estabelecê-los, o mais das vezes basta para permitir-lhe motivar,

de forma juridicamente satisfatória, as decisões que seu senso de

eqüidade lhe recomenda como sendo, social e moralmente, as mais

desejáveis. (PERELMAN, 1996b, p. 489)

A decisão jurídica, pois, embora se apóie em elementos

produzidos e apresentados no embate argumentativo depende do

“senso de eqüidade” do juiz, o que significa, segundo Atienza

(1997) “...estar de acordo com os fatos estabelecidos e com as

normas vigentes.” (p. 133).

A primeira vista, essa orientação para a justificação

obrigatória parece não conter nenhum problema. Analisando,

Page 15: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

porém, a questão e observando-a à luz de uma teoria da

linguagem que sustenta a idéia da [pg. 16] heterogeneidade dos

sentidos, as dificuldades para explicar a especificidade da

argumentação jurídica tomam-se mais nítidas, especialmente, se

se considerar que o que o Direito examina não são os fatos mas as

versões deles. Isso fragiliza a possibilidade de um acordo sobre

serem ou não, como quer Atienza, fatos estabelecidos: as

interpretações são forçosamente diferenciadas, produzindo versões

diferentes e conflitantes. É justamente essa fragilidade e

multiplicidade dos sentidos que instituem a argumentação como

processo inerente à prática jurídica e à produção da justiça.

Além disso, as normas jurídicas, cuja função é orientar a

produção das versões, são verbalizações e, por isso também

suportam a idéia de diferentes interpretações possíveis. Só isso já

desenha a complexidade da função de justificação da

argumentação jurídica, embora ainda existam outras questões

que, por exemplo, se referem a saber quem detém esse poder de

constituir as normas e que tipo de sistema de interpretação e

avaliação, pertencente a que segmento social, determinará se a

justificação é ou não, aceitável.

Retornando a Atienza (1997), entende ele que uma teoria da

argumentação jurídica deve dar conta dos raciocínios que

resultam da interpretação e da aplicação da lei aos fatos

interpretados, o que reconduz o estudo da especificidade da

prática a questões de linguagem.

E, diante das concepções de linguagem, que apontam para

as questões formuladas, especialmente para o que diz respeito à

heterogeneidade das interpretações e a saber quem a partir de que

determinará o que é ou não correto, Atienza (1997) constrói a idéia

de que a argumentação jurídica deveria ser entendida como uma

Page 16: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

mediação ou uma negociação de sentidos, ou seja, propõe ele que

se considere a argumentação jurídica um ato interativo igual ao

que se dá na comunicação ou na informação, o que, com certeza,

é correto e produtivo, mas não suficiente para abordar questões

inerentes à prática e que o conceito de interação não tem

condições de explicar.

Além disso, a idéia de abordar a argumentação jurídica como

interação em que se negociam sentidos, precisa prever — porque a

heterogeneidade de sentidos dentro do atual sistema social

constitui uma das vertentes dos conflitos — como etapa que

antecede as argumentações, um processo de desconstrução

daquilo que hierarquiza lugares sociais e diferenças de sentido, ou

seja, a mediação só pode funcionar quando se criarem condições

de convivência (e não de exclusão) das diferenças1.

1 Chega-se, aqui, à questão a que também se deveria dedicar uma atenção especial: o estudo da argumentação jurídica requer uma base teórica que não aborde a linguagem apenas como instrumento de comunicação, mas também, como condição do exercício de um poder, precisamente, pelos efeitos que produzem as decisões e as sentenças do sistema judiciário. Não é suficiente sustentar que um bom argumento é aquele que resiste à crítica (ou contra-argumentação), mas faz-se necessário também incluir as questões que perguntam pelos lugares sociais de onde emanam as orientações normativas que dizem sobre o valor e a validade dos argumentos o que, evidentemente, se refere ao conflito social enquanto disputa de espaços e de poderes para controlar os sentidos: os diferentes sentidos dos fatos (ou versões) são também as manifestações de diferentes formas de interpretar o mundo. E isso tem a ver com o exercício do poder. [pg. 17]

Melhor será considerar, como o faz Sampaio Ferraz Jr.

(1997), a argumentação jurídica um tipo peculiar de interação

discursiva, o que, mais uma vez, leva a linguagem a ser tomada

como objeto importante de observação.

Em vista disso, fica como orientação, para o presente

trabalho, considerar que nem a lógica formal ou a matemática,

nem o conceito de interação comunicativa, podem, isoladamente,

Page 17: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

dar conta do que é a argumentação jurídica. Da mesma forma,

não é qualquer teoria da linguagem que poderá se prestar a

explicar as questões que se referem à especificidade da prática: ela

deve inscrever no estudo da materialidade lingüística as

determinações de ordem social que atuam com e sobre a

linguagem.

O presente trabalho deverá, por isso, ocupar-se em descrever

uma lógica própria do Direito, quando analisará as técnicas de

produção e as formas de estruturação dos argumentos, e com a

argumentação jurídica enquanto interação, quando serão

abordadas as estratégias interativas que produzem efeitos

argumentativos.

Para finalizar: o fato de os conceitos que relacionam

linguagem e sociedade — e que podem ser considerados

necessários à reflexão — serem abordados de modo pontual, não

deverá ser empecilho para entender como e por que se produz a

heterogeneidade de sentidos (e se acolhe o contraditório) e como

encontrar meios de controlar essa heterogeneidade.

Essas duas tarefas, diante da especificidade da prática

jurídica, constituem, portanto, uma atividade imprescindível à

abordagem da lógica e interação jurídicas, ou seja, das técnicas e

das estratégias argumentativas que, embora sejam recursos úteis

em qualquer tipo de argumentação, têm importância especial na

prática jurídica, mormente quando as provas e os indícios forem

frágeis ou não existirem.

E é, por tudo isso (Cf. ATIENZA, 1997), que a argumentação

jurídica pode também ser invocada como objeto interessante e

pertinente ao estudo da teoria da argumentação em geral, o que se

inclui, pois, como parte da justificativa para a realização do

presente trabalho. [pg. 18]

Page 18: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

2

LINGUAGEM E DETERMINAÇÕES SOCIAIS

Pode parecer estranho perguntar por que é possível

argumentar, mas a questão conduz a que se especifiquem as

características da linguagem e o tipo de relações que se

estabelecem entre ela e a realidade, como tarefa fundamental para

poder formular de forma razoavelmente segura as concepções

referentes às determinações e as condições que se põem como

possibilidade e orientação da argumentação.

Dito isso, a formulação, de forma pontual, de algumas

concepções teóricas deverá — embora não haja a preocupação

com a exaustividade — construir as condições mínimas para a

reflexão sobre as questões formuladas2.

2 Em outro texto meu — Mediação dos Conflitos como Negociação de Sentidos — desenvolvo com mais cuidado as minhas concepções teóricas sobre a linguagem.

2.1 A INVENÇÃO DO ANZOL

Para preparar o terreno da formalização de algumas

concepções teóricas sobre a linguagem, um hipotético caso de

invenção de um objeto poderá ser útil e facilitar o

acompanhamento da exposição.

Imagine-se que em determinado momento histórico alguém

Page 19: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

crie um novo instrumento de pesca: o anzol — um objeto de metal,

que tem a [pg. 19] forma de um gancho e tem, em uma de suas

extremidades, um espaço onde se pode prender um cordão.

O importante a considerar, em primeiro lugar, são as

condições para que se possa produzir esse novo instrumento.

Obviamente, deve existir uma certa tecnologia referente à

produção e ao beneficiamento dos metais. Além disso, a

comunidade em que vive o criador do instrumento deve ter

escolhido, como uma de suas atividades de sobrevivência, a pesca,

e, por isso, também sobre essa atividade deve haver um

conhecimento acumulado.

Ora, a essas condições mínimas, ou seja, a um certo saber

necessário à criação do novo objeto de pesca pode-se dar o nome

de cultura que, por ser ponto de partida, torna-se marco de

referência ou sistema de referência.

Em segundo lugar, é preciso considerar que o objeto

produzido vai ser avaliado pela comunidade em razão do que

significa para as suas necessidades: o objeto passa a ter um

significado e é nomeado anzol.

A nomeação permite que se possa falar do produto do

trabalho humano sem que haja a necessidade de sua presença.

Ora, o objeto, nesse processo de socialização, quando tem seu

sentido estabelecido de acordo com os interesses e as

necessidades do grupo, escapa dos controles do indivíduo que o

criou: o sentido é, pois, então, um acordo social.

Admita-se que, no exemplo dado, o objeto anzol signifique

instrumento de pesca, o que, se o grupo social centralizar a sua

atividade principal na pesca, representa também instrumento de

sobrevivência ou melhoria dos instrumentos que possibilitam a

sobrevivência do grupo.

Page 20: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Em grupos sociais, porém, que não dependem da pesca, o

anzol pode, além de manter um sentido genérico de instrumento de

pesca, significar instrumento de lazer (para pescadores

esportistas), instrumento que oferece um certo risco (para as

crianças), instrumento de tortura (para defensores da natureza) etc.

o que quer dizer que, a cada diferença cultural, ou seja, de

sistema de referência, variam, em maior ou menor escala, os

sentidos do objeto denominado anzol.

O interessante, porém, é que, apesar das diferenças de

sentido, os diferentes segmentos sociais usam a mesma palavra

(anzol) e podem manter entre si interações verbais precisamente

porque há uma parte do sentido (instrumento de pesca) que é

comum a todos, isto é, o sentido genérico possibilita, apesar das

diferenças, uma interação que, embora frágil, permite uma certa

aproximação dos interlocutores. [pg. 20]

Do exemplo, podem ser retiradas as seguintes concepções

que relacionam linguagem e sociedade:

2.1.1 A heterogeneidade social

A noção de sociedade parece sugerir uma realidade

monolítica, não-fragmentada. Observando, porém, que, partindo

das noções de economia, raça, religião, gênero, geração etc., é

possível visualizar linhas de cisão do tecido social, a concepção de

sociedade deve acolher a idéia de heterogeneidade. Ou seja, a

realidade social é fragmentada e multifacetada.

Considerando, ainda, que entre os múltiplos segmentos

sociais existem disputas pela ocupação de determinados espaços,

é preciso assumir que o conflito origina-se do fato de haver

valorizações diferenciadas destes espaços sociais. Em outros

termos, os espaços que ocupam os diferentes segmentos sociais

Page 21: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

são valorizados diferentemente, de acordo com o poder que aí se

pode exercitar.

E é esse poder que os indivíduos de determinados segmentos

sociais exercem, que produz efeitos que podem, dependendo das

circunstâncias históricas e políticas, conduzir à radicalização dos

conflitos e à violência social.

2.1.2 A heterogeneidade cultural

A concepção de heterogeneidade social conduz a que se

assuma que o trabalho que se realiza nos diferentes segmentos

sociais tem, em maior ou menor grau, diferenças quanto a suas

características, suas funções e seu sentido. São as diferenças de

desejos individuais e de interesses de grupos que levam a que haja

uma produção diferenciada, ou seja, a cada segmento social e a

cada indivíduo correspondem diferenciadas atividades e diferentes

produtos.

Adotando a noção de que o produto do trabalho humano

constitui o que se entende por cultura, constata-se que a

heterogeneidade social conduz à heterogeneidade cultural.

Se, como foi afirmado anteriormente, os espaços sociais que

ocupam os diversos segmentos sociais são valorizados

diferenciadamente em termos de poder, também o produto

cultural recebe valorizações diferenciadas, sendo considerado,

dependendo de quem o tenha produzido, melhor ou pior, de nível

elevado ou inferior, correto ou incorreto etc. [pg. 21]

2.1.3 A heterogeneidade referencial

A cultura pode, pois, ser entendida como o produto do

trabalho humano socializado através da linguagem, ou seja,

Page 22: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

conforme Thompson (1990), ela é um conjunto de formas

simbólicas que se estruturam em contextos históricos e sociais

específicos. Essas formas simbólicas organizam e estruturam-se

como um sistema. Considerando que a atividade dos homens

sempre tem como ponto de partida o que outros já realizaram,

pode-se afirmar que esse conjunto de formas simbólicas que se

chama de cultura, é um marco de referência. Ou seja, a cultura

passa a ser, enquanto sistema simbólico, o que orienta as

atividades, os procedimentos e as condutas dos homens. A

cultura, enfim, é um sistema de referência que qualquer atividade

humana toma em consideração porque isso diz respeito à

orientação que se dá aos desejos e interesses específicos de

indivíduos e de grupos.

Se, agora, se retomar a reflexão proposta de início, chega-se

à conclusão de que à heterogeneidade social corresponde uma

heterogeneidade cultural e referencial, e isso remete à idéia de

heterogeneidade lingüística, pois, se é o sistema de referência que

orienta todo o trabalho que realizam os indivíduos (movidos por

desejos e interesses), ele também impõe-se como condutor da

interpretação, ou seja, o sistema de referência também fixa os

limites e as condições da interpretação da realidade, dos fatos, da

linguagem etc., isto é, da produção de sentidos. Não há

interpretação que não parta de concepções e de valores que

pertencem a determinado conjunto de formas simbólicas de um

determinado segmento social, o que quer dizer que as diferenças

entre os múltiplos grupos da sociedade geram diferentes formas de

interpretar e diferentes sentidos, ou seja, aí produzem-se também

diferentes concepções da realidade e da sociedade. E, uma vez

produto socializado ou cultura, essas concepções passam também

a integrar o sistema de referência, num processo histórico sem

Page 23: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

fim: o sistema de referência é, pois, aberto e transformável

historicamente.

2.1.4 A heterogeneidade lingüística

Ao estabelecer as relações entre cultura, sistema de

referência e linguagem, constata-se que o produto do trabalho

humano só passa a integrar a cultura de um determinado grupo

social quando assume uma função, um sentido (ou significado)

que se alinhe com os desejos dos indivíduos e com os interesses

dos grupos, de modo que possa contribuir para a [pg. 22]

ampliação das possibilidades de atendimento de necessidades e da

consolidação de poderes.

Compreende-se, pois, por que a palavra que nomeia um

determinado objeto, para que possa circular em diferentes

segmentos sociais — com diferentes sistemas de referência —

precisa despir o seu sentido das singularidades produzidas por

essas diferenças: o sentido tem, pois, um componente genérico

que todos os usuários de uma palavra adotam obrigatoriamente

para poderem se comunicar.

Como, porém, os diferentes sistemas de referência produzem

diferenças de interpretação, o sentido da palavra comporta um

segundo componente: a singularidade que remete à noção de

heterogeneidade social e dificulta a interação e o convívio.

E, isso, à medida que circula o sentido genérico, impõe um

processo homogeneizador a todos os falantes e, ao mesmo tempo,

alimenta a heterogeneidade. Por isso, diz-se que ela reflete e

refrata a realidade social.

Isso posto, é possível retornar ao que se disse sobre as

valorações diferenciadas dos espaços sociais e dos diferentes

produtos que ali se elaboram: também a linguagem — porque é

Page 24: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

produto da atividade dos homens que dela se utilizam —

apresenta maiores ou menores diferenças de sentido e de

valorações.

Pode-se, pois, afirmar que há algumas linguagens mais e

outras menos valorizadas — sempre em dependência do poder que

se exerce nos diferentes segmentos sociais.3

3 Entende-se, aqui, que as diferentes linguagens que os segmentos sociais utilizam têm diferenciados prestígios em termos de serem consideradas cultas ou não, certas ou erradas etc., o que lhes confere forças diferenciadas para fazer circular os sentidos (também o de sociedade) que interessam ao segmento social hegemônico: impõe-se, via prestigiamento de determinada linguagem, um conjunto de sentidos, ou seja, um determinado sistema de referência como o único correto, culto etc., ao mesmo tempo que se impõem formas de interpretar a realidade social. Isso é o que se entende por exercer um poder ao constituir uma hierarquia de linguagens.

Da mesma forma como acontece com o exemplo de anzol,

essa diversidade de sentidos (ou excedentes de sentido) pode ser

observada com os conceitos abstratos produzidos pelos homens.

Assim, por exemplo, o conceito de justiça, embora mantenha um

vago sentido genérico — comum a todos os segmentos sociais que

usam a palavra — apresenta inúmeras diferenças que

(PERELMAN, 1996b) podem corresponder a:

a) a cada qual a mesma coisa; [pg. 23]

b) a cada qual segundo seus méritos;

c) a cada qual segundo suas obras;

d) a cada qual segundo suas necessidades;

e) a cada qual segundo sua posição social;

f) a cada qual segundo o que a lei lhe atribui.

Essas diferenças que, evidentemente, podem se multiplicar

pelo número de segmentos sociais que se valem da palavra,

conduzem a que, no Direito, se mantenha uma permanente

Page 25: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

discussão — mesmo porque os conceitos se modificam de acordo

com as mudanças históricas da sociedade — sobre o conceito de

justiça e, conseqüentemente, da relação de direitos e deveres

humanos.

Considere-se, pois, que, pelo fato de não existir um conceito

único de justiça, os procedimentos de acusação e de defesa

deverão, a cada caso em julgamento, construir condições para que

se possa chegar, apesar de todas as dificuldades, à produção de

um sentido para a palavra que se aproxime de uma concepção que

possa ser aceita como apropriada por todas as partes envolvidas

no caso.

Assim, mesmo no julgamento dos delitos mais hediondos,

deverá existir um espaço para a palavra que se oponha à da

acusação, de modo, por exemplo, a que não se diminua a

gravidade do ato, mas, se possa entender e avaliar as condições

em que foi cometido, além de refletir sobre os motivos por que o

autor do ato não se apropriou das orientações sobre o proibido, o

obrigatório e o permitido na sociedade.

Para sustentar essa posição, é preciso recordar que o

sistema de referência do indivíduo — que orienta a sua conduta,

vale dizer, a sua competência para decidir — é constituído do

exterior para o interior. Isso possibilita, pois, no julgamento de

qualquer ato, perguntar por aquilo que é de responsabilidade

restrita do indivíduo e o que cabe à sociedade assumir.

Aqui, é preciso levar à consideração a questão de se saber se

não são as contradições que se verificam nas condutas sociais — e

de que o sistema de referência se apropria — que, muitas vezes,

subjazem ao delito pelo fato de poderem ter levado à confusão o

que orienta a tomada de decisões do indivíduo. Parece, pois,

necessário considerar, em qualquer tipo de delito, que, se, de um

Page 26: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

lado, o instituído social impõe limites aos desejos e impulsos dos

indivíduos, num movimento [pg. 24] contrário, ele os estimula e

exacerba, o que não deveria ser desprezado no Direito, até mesmo

para questionar os rumos e as expectativas da sociedade.

2.1.5 A heterogeneidade individual

O indivíduo, quando constrói o seu sistema de referência,

entra em contato com a heterogeneidade social, o que significa que

ele também se apropria das diferenças de sentido geradas pelos

múltiplos marcos de referência.

A apropriação corresponde, pois, a escolhas que

representam, quase sempre, alinhar-se com o certo ou o justo de

um determinado segmento social, o que pode significar o errado e

o injusto para outro. Na verdade, é possível observar que as opções

de escolha são tão heterogêneas que, apesar das pressões sociais

que as limitam e controlam, elas exigem a iniciativa e a

participação do indivíduo — o que, por isso, o compromete em

termos de responsabilidades sociais.

A adoção da concepção de que o sistema de referência do

homem se constrói do exterior para o interior poderia parecer que

se estaria tentando minimizar a importância do livre-arbítrio ou a

participação das pessoas na construção dos parâmetros éticos e

morais. Isso, porém, não é o caso. Pelo contrário: observe-se que

as apropriações incluem a heterogeneidade social, pois, ao mesmo

tempo que, na sociedade em que vivemos, se busca preservar o

instituído que diz respeito aos valores considerados positivos,

também se cultiva exatamente o que se lhes antepõe: não se fala

de uma moral na conduta sexual e, ao mesmo tempo, se estimula,

especialmente através da mídia, a promiscuidade? Não se combate

a violência e, ao mesmo tempo, se sugere (especialmente em

Page 27: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

determinado gênero de filme) que a solução dos conflitos se deve

fazer pelo uso da arma? Não conduz o sistema social atual a um

número cada vez maior de excluídos do processo de produção e de

consumo, ao mesmo tempo que a indústria da propaganda

bombardeia os indivíduos com estímulos insistentes para

consumir? Não se insiste em cultivar a honestidade e a

solidariedade quando parte das elites políticas e sociais se

comporta como se esses valores inexistissem? Reforça-se, aí, o

papel fundamental da escolha individual.

Por outro lado, porém, o processo de configuração do

sistema de referência dos indivíduos — na sociedade atual — sofre

um outro tipo de problema e que diz respeito à lei e à sua

aplicação efetiva: se o texto legal diz, por exemplo, que todos são

iguais perante a lei, que todos têm direito a uma vida digna que

implica educação, saúde, alimentação, moradia etc., [pg. 25] o

indivíduo que não tem acesso a esses bens sociais e, observando

que outros têm isso facilitado, com certeza, criará objeções sérias

a qualquer tipo de restrição à sua conduta inconformada e

agressora.

Por isso, um sistema de referência que acolhe, ao mesmo

tempo, a orientação de que é preciso respeitar a lei e o exemplo de

inobservância dado exatamente pelos segmentos responsáveis pela

elaboração da lei orientará de uma forma confusa o indivíduo, o

que, muitas vezes, pode atingir todos os graus de atos anti-sociais.

Assim, o que interessa especificar quanto à heterogeneidade

dos sistemas de referência que orientam a conduta dos homens na

sociedade, mormente no que diz respeito às contradições

facilmente perceptíveis quanto às normas de conduta, torna-se

importante, em especial, na discussão sobre as atividades que se

realizam na argumentação jurídica.

Page 28: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

2.1.6 O controle da heterogeneidade

Tendo em vista que a heterogeneidade de sistemas de

referência produz uma multiplicidade de sentidos ou excedente de

singularidades que estão na origem de grande parte dos conflitos

sociais, compreende-se que a disputa também perpassa a

linguagem. Não ocorre, porém, a disputa apenas através da

linguagem, mas também pela posse daquela linguagem que está

ligada ao exercício do poder. E não só pela linguagem se luta —

luta-se também pelos mecanismos e procedimentos institucionais

que controlam e determinam o acesso à linguagem do segmento

social hegemônico e às possibilidades de usá-la. Ou seja, através

da linguagem, os indivíduos e os grupos procuram fixar sentidos

gerados por seus sistemas de referência e fazer com que se

imponham como orientadores de condutas e procedimentos.

Conseguir a adesão do(s) outro(s) significa aumentar o alcance dos

efeitos de uma representação da realidade e consolidar o exercício

de um poder.

Por isso, pode-se afirmar que argumentar — um processo

lingüístico que tem por objetivo conseguir a adesão de outrem —

também diz respeito à disputa de espaços e de lugares, vale dizer,

de poderes para determinar os sentidos convenientes, corretos ou

não, melhores ou piores etc.

E se a heterogeneidade social conduz a que circulem na

sociedade múltiplos sentidos singulares — vale dizer, linguagens

— ela também explica por que é preciso, em primeiro lugar, atuar

sobre a diversidade com o objetivo de possibilitar o exercício

lógico: não se pode armar uma [pg. 26] relação lógica do tipo se...

então ou ora.... logo quando os conceitos com os quais se

construirá a relação não tiverem a singularidade bem circunscrita,

Page 29: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

ou seja, a argumentação só poderá se tornar uma atividade bem

sucedida se as diferenças de sentido não criarem uma vaguidade e

uma imprecisão insuportáveis ao exercício lógico.

Desse modo, quando se fala em formas de controlar a

heterogeneidade, faz-se referência a dois tipos diferentes — mas

interdependentes — de procedimentos:

1. Aquele que visa a, através do domínio especialmente das

instituições, controlar o acesso e a circulação da linguagem que o

segmento social hegemônico usa. Controla-se, aqui, quem pode

falar, de que, em que circunstâncias e com qual linguagem: são

controles externos que, ao instituir um ethos do discurso, dão-lhe

forma e sentidos caracterizantes.

2. Aquele que visa a, através de processos lingüísticos,

determinar os limites significativos das palavras: são os controles

internos.

Os recursos mais freqüentes para fixar o sentido duma

palavra ou expressão, embora haja outros, são a paráfrase e a

definição.

A paráfrase é uma construção que busca, substituindo uma

frase por outra(s), tornar mais nítidos os contornos dos sentidos, o

que se pode observar no seguinte exemplo: “Diz o ministro da

educação que É preciso acabar com a cultura da repetência. E isso

significa que é preciso... significa que é preciso... significa que é

preciso... etc.”. Outras expressões que, além dos dois pontos,

introduzem a paráfrase são isto é, ou seja, em outros termos etc. O

que se pode observar, na parafrasagem, é que o enunciante

procura fixar os limites que considera interessantes para os

objetivos de sua argumentação: as paráfrases redizem a expressão

cujo sentido se quer controlar e, assim, marcam limites e revelam

os contornos dum sistema de referência.

Page 30: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

A definição, por sua vez, não tem o privilégio da amplidão de

espaço e tempo da paráfrase: ela busca, com outras palavras, uma

delimitação rápida do sentido da palavra e, freqüentemente, inicia

por expressões como entendo por essa palavra o seguinte ou quero

usar a expressão com o seguinte sentido etc.

Enfim, os controles dos limites do sentido têm o objetivo de,

uma vez, possibilitar o exercício lógico inerente à argumentação e,

por outro lado, evitar que a imprecisão e a vaguidade representem

a abertura para a crítica e a contrapalavra. [pg. 27]

Page 31: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

3

A LÓGICA DA ARGUMENTAÇÃO

JURÍDICA

Argumentar é uma atividade através da qual, valendo-se de

recursos lógico-formais e de linguagem, alguém tenta convencer

outrem de que um determinado sentido ou tese é a melhor

alternativa para a solução de um problema ou uma dificuldade. A

base da argumentação, nas disciplinas lógicas e matemáticas, são

os axiomas, entendidos como verdades irrefutáveis, indiscutíveis

ou que não necessitam de provas. A argumentação jurídica,

porém, não trabalha com verdades irrefutáveis de vez que difere

da lógica formal, onde, conforme Perelman,

O lógico é livre para elaborar como lhe aprouver a linguagem

artificial do sistema que constrói, para determinar os signos e as

combinações de signos que poderão ser utilizados. Cabem a ele

decidir quais são os axiomas, ou seja, as expressões sem provas

consideradas válidas em seu sistema, e dizer quais são as regras

de transformação por ele introduzidas e que permitem deduzir, das

expressões válidas, outras expressões igualmente válidas no

sistema. A única obrigação que se impõe ao construtor de sistemas

axiomáticos formalizados e que torna as demonstrações coercitivas

é a de escolher signos e regras que evitem dúvidas e

ambigüidades. (1996a, p. 5)

No Direito, esse modelo de atividade não pode ser adotado,

Page 32: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

tendo em vista, especialmente, dificuldades que são,

essencialmente, lingüísticas, ou seja: [pg. 29]

1. A escolha de uma base ou ponto de referência (no Direito,

em geral, é a lei) que se aproxime do que representam os axiomas

para as ciências exatas, embora represente uma certa liberdade

para o argumentador, ainda o submete ao que determina a

heterogeneidade social, uma vez que ela não só fixa os horizontes

das escolhas possíveis mas também, ao mesmo tempo, abre o

leque das possibilidades de interpretação que a fragilizam quanto

a uma irrefutabilidade;

2. Uma versão sempre é construída a partir de interesses

específicos e, embora pareça poder garantir os elementos de apoio

e sucesso da sustentação de uma tese, pode, porque é também

linguagem, receber críticas: não são os fatos que serão

apresentados, mas as versões construídas a partir de sistemas de

referência — que, por serem diferentes, podem opor-se

reciprocamente e fragilizar aquilo que deveria criar a consistência.

E, mesmo que se fale de evidências, há, muitas vezes,

possibilidades de fragilizá-las: basta recorrer à noção de

heterogeneidade referencial. Ou seja, os sistemas de interpretação

gerados pela heterogeneidade social apresentam tal variedade de

possibilidades que praticamente qualquer versão pode, se não for

destruída, ao menos ser minimizada quanto aos efeitos para a

sustentação da tese.

Ora, se a argumentação jurídica visa à sustentação de uma

tese (e que se apóia em determinada versão), ela é, de fato, um

processo posterior à produção dos sentidos, ou seja, a

argumentação sucede à interpretação (entendida como atividade

produtora de sentidos). Por isso, pode-se dizer, também, que a

argumentação depende da interpretação porque o sistema de

Page 33: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

referência que é acionado nesta também orienta aquela,

fornecendo, no Direito, inclusive, elementos para a produção das

provas.

Pelo fato, pois, de a linguagem ser instrumento de produção

e de delimitação de sentidos, compreende-se a sua importância na

prática jurídica onde a interpretação realiza-se tanto em relação

aos atos e objetos (incluídos os textos) produzidos pelo homem

como aos fatos. Processa-se partindo, sempre, de um marco inicial

— uma referência — que orienta e fixa os limites dos sentidos que

serão produzidos. A produção do sentido, quer seja de um texto,

quer seja de um fato, nunca deixa, contudo, de incluir, no

processo, a noção de que os objetos e os fatos são produzidos e

ocorrem sempre em determinado contexto sociocultural e

histórico.

Assim, as circunstâncias que cercam fatos e objetos

precisam também ser interpretadas, precisamente, porque elas

são determinações a que se submete a produção de sentidos.

Explique-se: o indivíduo que produz um texto ou um outro objeto

qualquer, no exato momento da [pg. 30] socialização do produto

de seu trabalho, precisa tomar em consideração os elementos do

contexto em que se dá a sua atividade que, por isso, torna-se

objeto e orientação da interpretação que realizam os receptores do

produto. Isso quer dizer que, além do texto, do objeto ou do fato,

as circunstâncias de ordem histórica, social, cultural, geográfica

etc. devem ser consideradas como importantes para a produção do

sentido, isto é, da interpretação.

Em outros termos, quando o indivíduo interpreta um texto

ou um fato (produz uma versão possível), precisa também

orientar-se por elementos do contexto. Pode, porém, acolher — e

isso influirá no sentido — em maior ou menor escala esses

Page 34: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

elementos, ou seja, pode ampliar ou reduzir os limites do contexto

que levará em consideração, precisamente porque a sua atividade

é orientada por um sistema de referência que também abriga

interesses específicos do grupo em que ele está inserido.

3. O fato de, no Direito, estarem previstas tanto a atividade

da acusação como a da defesa, revela que a prática respeita a

diversidade referencial e, por isso, se diz que ela não trabalha com

verdades, mas com teses. Assim, a argumentação jurídica, ao

admitir que qualquer ato pode e deve ser interpretado

diferenciadamente de modo que as versões tanto podem levar a

que o seu autor seja condenado como, a ser inocentado, diz que se

assume que os conceitos de justiça não são nem unívocos, nem

imutáveis, mas construídos na prática interativa.

A presunção do contraditório — pode-se afirmar, pois —

submete as interpretações, na prática jurídica, a um tipo de

determinação que impede que se possa propor uma lógica das

verdades: se o ritual jurídico prevê que qualquer delito ou conflito

precisa ser abordado de dois ângulos opostos para que se possa

retirar desse embate os elementos para, se não produzir a justiça

no sentido pleno, pelo menos impedir ou minimizar a injustiça, as

interpretações são orientadas não apenas por sistemas de

referência, mas fundamentalmente por interesses antagônicos. Por

isso, as versões das partes não se preocupam tanto com a

verdade, mas, sim, em garantir que uma determinada tese, na

qual sempre se encontram embutidos interesses e valores,

prepondere sobre a outra.

Embora haja, no Direito, um conjunto de normas cuja

função é orientar as interpretações, ainda assim o polêmico e o

contraditório se manifestam precisamente porque a pressão da

heterogeneidade é mais forte do que o controle.

Page 35: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Isso explica, em primeiro plano, pois, por que a

argumentação jurídica não é do mesmo nível da que se pratica nas

ciências matemáticas [pg. 31] e naturais — ditas lógicas e formais

— : no Direito, embora se tomem por modelo procedimentos da

lógica, o fato de não se trabalhar com verdades reveláveis e

demonstráveis, mas com teses que podem ou não ser sustentadas,

o processo de argumentação também pode ser chamado de quase-

lógico. Assim, nas ciências matemáticas e naturais buscam-se

verdades; no Direito, verossimilhanças.

O quadro abaixo pode visualizar melhor o que se disse:

Enfim, uma característica que identifica a argumentação

jurídica é a presunção de que a cada tese é possível construir uma

antítese, o que vai determinar que as escolhas dos recursos

argumentativos visem a superar ou a minimizar as fragilidades

dos sentidos da linguagem e a reforçar os procedimentos de

sustentação da tese. Em outras palavras, isso quer dizer:

1. que o sentido da palavra justiça é construído a cada

interação jurídica, o que não quer dizer que a palavra não tenha

nenhum sentido;

2. que é preciso construir um conceito genérico de justiça,

Page 36: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

que, embora seja bastante vago e indefinido nos seus contornos,

possa servir de acordo ou ponto de início das argumentações tanto

da acusação como da defesa;

3. que há tantos conceitos singulares de justiça quantos

forem os sistemas de referência em circulação na sociedade;

4. que a imposição de um determinado conceito de justiça

como o único e o melhor é um ato ideológico que intenta submeter

segmentos sociais que se valem de conceitos diferentes. [pg. 32]

Isso posto, compreende-se que a argumentação jurídica só

se realiza porque há a possibilidade permanente da contradição,

entendida como resultado da multiplicidade de sentidos possíveis

dos fatos, da lei e da forma diferenciada de aplicação das normas.

O Direito, pois, é uma prática do questionamento: sobre o caráter

do conflito, isto é, se ele é ou não, jurídico; sobre o ato e sobre o

autor; sobre se a versão (a interpretação) do ato é aceitável ou não;

sobre como enquadrar a versão do fato na lei etc.

As argumentações que constroem as partes conflitantes têm,

enfim, — como já se disse — o objetivo de fornecer elementos que,

partindo de um conceito genérico, possibilitem a produção da

justiça num plano singular: a sentença pode, por isso, incluir

sempre justificativas recolhidas das atividades tanto da acusação

como da defesa, precisamente para mostrar que ela não contém

nem arbitrariedades, nem injustiça.

Essas dificuldades ou comprometimentos apontados não

desobrigam, porém, a prática jurídica de organizar o seu raciocínio

de modo a que possa obter o convencimento desejado.

E, por isso, uma atividade que se impõe como essencial e

prioritária é o controle da heterogeneidade4, o que demanda dois

procedimentos diferentes, mas interdependentes:

4 É preciso salientar que é a heterogeneidade de sentidos que possibilita que a

Page 37: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

argumentação jurídica adote modelos lógicos de outras ciências, além das técnicas e das estratégias para a produção e a maxi/minimização de argumentos: ela propicia que. através, Por exemplo, das paráfrases e das definições, o argumentador “fixe” os sentidos que lhe interessam para, depois, preocupar-se com o raciocínio lógico.

a) Recorre-se, em primeiro lugar, à determinação de um

ethos do discurso jurídico, explicitado na forma de

normas orientadoras (ou Hermenêutica Jurídica). E o

controle institucional do Direito que marca quem pode

falar o que, como e em que circunstâncias, ou seja, o

discurso assume formas e conteúdos específicos da

prática jurídica;

b) O segundo tipo de controle — que explicitei em páginas

anteriores — serve para que o Direito possa armar

modelos lógicos para o seu raciocínio.

No Direito, a paráfrase pode, por exemplo, ser empregada em

frases como Neste caso, importa fazer justiça, o que significa

que... etc. etc... [pg. 33]

A definição, por sua vez — já que ela se ocupa em esclarecer

não tanto uma frase, mas uma determinada palavra — pode

aparecer em exemplos como Utilizarei a palavra justiça entendida

como... etc...

Na prática jurídica, existem ainda, além dos processos da

paráfrase e da definição, outras formas5 de cuidar da construção

de uma linguagem que se aproxime do desejável em termos de

univocidade:

5 Não considerarei como interessante o recurso às expressões do latim para precisar sentidos, porquanto o processo histórico de qualquer língua altera os sentidos das palavras à medida em que se modificam as circunstâncias socioculturais.

1. Como há a dificuldade de controlar as interpretações

Page 38: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

tanto dos fatos como do texto legal, institui-se um conjunto de

normas orientadoras. Elas fixam uma certa orientação para

qualificar, por exemplo, um ato ou como tentativa de homicídio ou

como lesão corporal.

2. Uma outra forma de contornar as dificuldades que a

heterogeneidade social cria para a prática jurídica, especialmente

diante da necessidade da produção das sentenças e das tomadas

de decisão, leva o Direito a trabalhar com o que se chama de

presunções jurídicas.

As presunções jurídicas podem ser consideradas um acordo

que, fixando orientações para a produção de sentidos de justiça,

tem a finalidade de facilitar a produção da sentença ou a tomada

de decisões. Elas não se submetem à discussão imediata, embora

não devam ser consideradas imutáveis e, por isso, semelhantes às

leis das ciências matemáticas e naturais. Melhor: as presunções

não são discutidas no momento imediato, embora se modifiquem

historicamente, adaptando-se ao instituído social. Elas dizem,

enfim, respeito a uma normalidade aceita pela sociedade e (...)

protegem o Estado de coisas existente (PERELMAN, 1996b, p. 586).

A presunção se explica, na verdade, por motivos de

segurança jurídica, em termos de cuidados e de facilitação da

promoção da justiça, o que inclui, por exemplo, postar-se contra

as possibilidades da calúnia, do abuso de poder, da destruição da

ordem familiar etc.

Por isso, essa função pode, igualmente, ser considerada um

controle dos sentidos da palavra justiça, pois a presunção jurídica

que propõe, por exemplo, que, em caso de dúvida, se decida a

favor do réu, determina que, no ritual em que atuam defesa e

acusação, somente à segunda é permitido retirar-se do debate. A

defesa sempre se cobrará a presença quer seja para que não se

Page 39: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

condene um inocente, quer seja para que não se puna com maior

rigor do que o necessário o autor de delito, ou [pg. 34] mesmo,

para analisar as responsabilidades da sociedade no fato em

julgamento.

O Direito atua, pois, apoiado em algumas presunções entre

as quais são importantes as seguintes:

— a qualidade de um ato manifesta a da pessoa que o

praticou;

— a credulidade natural faz que nosso primeiro movimento

seja acolher como verdadeiro o que nos dizem;

— todo enunciado levado ao nosso conhecimento nos

interessa;

— todo indivíduo é inocente até prova em contrário;

— o pai legal da criança é o marido da mãe dela;

— ninguém pode alegar desconhecimento da lei;

— em caso de dúvida, decide-se a favor do réu etc.

3.1 A ESPECIFICIDADE DA LÓGICA JURÍDICA

A argumentação jurídica, embora não vise a verdade,

também precisa valer-se de determinados modelos de raciocínio:

uma vez postos em prática os dois tipos de controles da

heterogeneidade lingüística, criam-se as condições mínimas

necessárias para que se possa submeter a atividade

argumentativa do Direito a uma lógica específica.

E quando se fala de uma lógica específica, incluem-se duas

idéias:

1. que o Direito atua como um sistema lógico, ou seja, que

os enunciados do sistema jurídico podem ser organizados segundo

Page 40: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

os princípios e as regras do raciocínio lógico;

2. que há uma especificidade que se organiza segundo

referências e parâmetros próprios.

Ora, das duas idéias contidas na expressão lógica jurídica

cabe, no presente trabalho, aprofundar a segunda, já que a

questão de haver ou não, um sistema jurídico lógico pode ser

remetida a outro tipo de reflexão.

Assim, consentida a idéia de que há um sistema lógico,

pode-se considerar que ele se constrói tendo como suportes dois

tipos de referências: [pg. 35]

1. as de ordem prescritiva que se compõem dos modais

deônticos, é obrigatório — é permitido — é proibido, que dão lugar a

um conjunto de normas que pode ou não estar materializado na

forma de lei;

2. as de ordem descritiva que dizem respeito às normas que

fixam as conseqüências que pode gerar a infração das prescrições.

A especificidade, pois, duma lógica jurídica se constrói, em

termos gerais, pela adoção dos princípios e das regras do

raciocínio lógico, e, segundo, pela adaptação dos modelos às

referências prescritivas e descritivas que sustentam a prática

jurídica. Há, pois, diferenças na lógica jurídica e que se refletem

no modo de verbalizar as teses, tanto que as ciências em geral

valem-se do verbo ser, e o Direito, da locução dever ser: a

orientação do que é proibido, é permitido e é obrigatório impõe que

uma tese de julgamento — que sempre é discutível — afirme que

fulano deve ser considerado inocente ou culpado porque o seu ato

deve ser condenado como prejudicial à sociedade. E é essa

característica de linguagem do raciocínio que pode servir para

entender melhor a especificidade da lógica jurídica, ou seja, a

argumentação, no Direito, adota os modelos lógico-formais, mas

Page 41: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

atua sob a orientação das três referências modalizadoras cuja

operacionalização, como se pode observar, depende de acordos

sociais, ao contrário das ciências que buscam verdades

independentes do que a sociedade pensa sobre elas.

Os deônticos, pois, são as referências à luz das quais se

regularão as relações sociais. Elas dão forma e conteúdo às

normas legais e àquelas que não assumem a forma de lei.

Entende-se, pois, assim, que essa característica de submeter

a argumentação jurídica a modelos lógicos, assumindo o prestígio

do rigor lógico, leva à observância obrigatória de três condições: a

coerência, a coesão e a congruência.

A coerência diz respeito à relação de compatibilidade (ou

verossimilhança) entre um ponto de referência que pode ser um

texto (por exemplo, a lei), um dito ou uma concepção da realidade:

a referência impõe que entre ela e a versão de um fato não haja

uma imagem de contradição, o que estabelece a verossimilhança

ou a plausibilidade da tese jurídica. A referência se faz, pois,

necessária como se fosse um foco que iluminasse e orientasse o

que se diz: não contradizer essa referência significa ter coerência

(e credibilidade), contradizê-la representa o descrédito.

Por coesão entende-se o conjunto de relações que organizam

e sustentam os conceitos e as idéias de uma argumentação em

termos de [pg. 36] não construírem contradições e vácuos

semânticos que conduzam à negação umas das outras ou à falta

de conexão entre elas. A coesão — ao contrário da coerência que

se refere às não-contradições com o exterior de uma

argumentação — significa a “amarra” lógica interna das partes de

um texto. Ela depende, porém, da coerência, pois, num texto em

que se contradiz a referência, implode-se a coesão.

A congruência — que depende da coesão e da coerência —

Page 42: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

por sua vez, diz respeito à condução e ao direcionamento do

processo argumentativo: ele deve partir de um determinado espaço

significativo e caminhar com segurança e clareza em direção a um

outro. O argumentador, quando dá importância à congruência,

segue uma linha ou um traçado — na busca de uma conclusão —

que deve ficar tão perceptível que não crie dificuldades

desnecessárias para que o auditório acompanhe o raciocínio.

No Direito, portanto, a coerência, em geral, se constitui

tomando como referência e apoio o que dizem a lei, a

jurisprudência e as presunções, o que, entretanto, não é suficiente

para oferecer garantias de que a argumentação tenha sucesso,

pois, para estabelecer a coerência, pode o argumentador também

valer-se de conceitos que não estão contidos nestes textos, como,

por exemplo, os que se referem a valores novos que a sociedade

adotou como balizadores das condutas etc. Esses conceitos

devem, por conseguinte, fazer parte do instituído social em termos

de não contradizerem os deônticos adotados pela sociedade.

Enfim, a coerência da argumentação jurídica se constrói na

observância do primeiro tipo de controle da heterogeneidade

lingüística, o institucional: a referência que orienta a

argumentação jurídica é sempre um sentido genérico submetido à

tríade deôntica institucionalmente garantida.

A coesão e a congruência — diferentemente da coerência —

são conseqüências dos efeitos do segundo tipo de controle da

heterogeneidade: as paráfrases e as definições devem impedir que

haja contradição entre os sentidos que sustentam e que dão rumo

ao raciocínio. Por isso, somente após serem controlados e

delimitados os sentidos da linguagem, pode a argumentação

jurídica dedicar-se à construção de sua lógica que, em geral, adota

a forma de um silogismo, precisamente porque ele se faz

Page 43: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

orientação para que se preencham as condições básicas da

argumentação:

1. Estabelece uma referência orientadora do raciocínio;

2. Garante a coesão interna; [pg. 37]

3. Fixa uma orientação segura para o raciocínio linear e

congruente;

4. Vale-se de uma operação lógica eficiente com os pares

ora.. logo ou se... então.

Essa importância do silogismo, como orientador da

argumentação jurídica, pode ser observada em:

Todo aquele que mata em legítima defesa não deve ser

condenado.

Ora, João matou em legítima defesa.

Logo, João não deve ser condenado 6.

6 Não me ocuparei com outras formas de silogismo, mas apenas com o que considero um exemplo clássico, tendo em vista que os objetivos do meu trabalho estão voltados mais às questões que dizem respeito à relação da linguagem com a argumentação jurídica.

Neste modelo de silogismo, o primeiro enunciado —

recortado do texto da lei — constitui-se como referência para o

raciocínio e deve, observada a correta disposição e conexão das

partes, garantir a coerência da sustentação.

A coesão do raciocínio fica garantida pela presença e disposi-

ção correta dos termos dos três enunciados, em que o predicado

da tese é também o predicado do primeiro enunciado (premissa

maior — PM), o sujeito da tese é o sujeito do segundo enunciado

(premissa menor — Pm) e o sujeito do primeiro enunciado cobre

semanticamente o sujeito do segundo enunciado e fornece os

elementos para o predicado do segundo.

Os pares de operadores argumentativos “ora...logo” ou

Page 44: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

“se...então” determinam a congruência do raciocínio.

A argumentação jurídica, porém, embora adote os modelos

das ciências matemáticas e naturais, apresenta uma diferença

fundamental: a relação que constrói entre dois sentidos (ou dados)

não leva em conta a descoberta e a demonstração de uma

verdade, mas, um comprometimento com a noção de justiça. É

uma relação de imputação, ao contrário do que ocorre nos

silogismos das ciências matemáticas e naturais, onde o objetivo

não é imputar, mas: [pg. 38]

1. descobrir uma verdade ou um valor, pois

se x + y = 10

e x = 3

então y = 7

ou

2. demonstrar a irrefutabilidade da hipótese em

Todos os homens são mortais.

Ora, João é homem.

Logo, João é mortal.

A atividade argumentativa, nos dois exemplos acima, vale-se

da relação que se pode estabelecer entre as duas primeiras

afirmações para descobrir ou demonstrar uma terceira.

O silogismo jurídico também se vale da relação entre os dois

primeiros enunciados, mas tem outro objetivo como se pode ver no

exemplo dado. Ele não visa à descoberta ou à demonstração de

uma verdade na relação entre “matar em legítima defesa” e “não

deve ser condenado”: o objetivo não é nem demonstrar, nem

descobrir, mas sustentar uma tese de aplicação de um valor, o

que também quer dizer imputar e justificar um julgamento.

As diferenças, assim, entre os exemplos de argumentação

Page 45: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

dizem respeito aos objetivos dos raciocínios que trabalham com

sentidos que ou vão ser denominados de verdades científicas ou

de teses, isto é, as primeiras buscam a irrefutabilidade, as

segundas, a verossimilhança.

Outrossim, cabe lembrar que a atividade argumentativa —

agora apoiada no silogismo — parte da tese cujo teor está

comprometido com interesses bem específicos e precisa se apoiar

sempre numa versão (que é resultado de uma interpretação), ou

seja, a defesa dos interesses envolvidos na argumentação jurídica

tem, como ponto de partida, a produção duma versão que,

também comprometida, deve ser verossímil o suficiente Para

sustentar a tese. Depois dessa etapa, a estruturação do raciocínio

— sob a orientação de um silogismo — parte para a formulação ou

a escolha dos outros enunciados (ou premissas).

A tese, pois, corresponde ao terceiro enunciado do silogismo,

e a versão que a sustentará está contida no predicado do segundo

enunciado. [pg. 39]

A estruturação, então, deste modelo de silogismo, adotando

como exemplo a tese jurídica João não deve ser condenado,

cumpre os seguintes passos:

1. O predicado da tese (não deve ser condenado) fará parte

do predicado da PM; 2. O sujeito da tese (João) será o sujeito da

Pm; 3. A tarefa mais difícil, em geral, mesmo quando se busca

apoio na lei, é construir o sujeito da PM (Todo aquele que mata em

legítima defesa...) que deve ter um caráter o mais abrangente

possível de maneira que possa ser continente do sujeito da tese,

ou seja, a generalidade (ou universalidade) deve ter condições de

cobrir a singularidade, além de acolher — porque, no Direito, uma

presunção relaciona a qualidade do ato com a do autor — a versão

que os deônticos permitirem construir e que corresponde ao

Page 46: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

predicado da Pm (legítima defesa). Compõe-se, pois, o sujeito da

PM de duas partes (o continente do sujeito da tese e o predicado

da Pm ou versão da tese). A PM pode apresentar quantificadores

como todos, ninguém, tudo, nada etc. Não pode, porém,

apresentar quantificadores como alguns, a maioria, apenas etc.,

pois essas escolhas negariam o caráter generalizante e impositivo

dos deônticos.

Como se pode observar, a estruturação do silogismo jurídico

parte da tese que se ocupa dum fato singular para, seguindo

etapas e preenchendo espaços, formalizar a premissa maior. Esse

processo é, pois, eminentemente indutivo.

3.2 A INDUÇÃO NA ESTRUTURAÇÃO DO SILOGISMO

A construção da tese é a primeira etapa da estruturação do

silogismo jurídico, cujos limites serão fixados por um objetivo

inicial: a tese vai se postar a favor ou contra uma outra tese, e

deverá, por isso, submeter a sua atividade interpretativa a esses

objetivos fixados pelo ritual jurídico. Essa afirmação implica dizer,

por exemplo, que as interpretações do inquérito policial, da versão

do autor do fato, das versões das testemunhas eventuais, dos

dados da perícia etc. produzem sentidos que podem ser diferentes

e que, por isso, uma vez, garantem as atividades de defesa e de

acusação e, segundo, requerem que a argumentação aloque

procedimentos de controle e delimitação de sentidos para, em

seguida, poder operar com modelos lógicos.

O que deverá sustentar, pois, a tese é um conjunto de

interpretações que deve conduzir à produção de uma versão

verossímil porque ela é condição fundamental para o sucesso da

argumentação, [pg. 40] principalmente porque a tese é, em

resumo, uma versão submetida a um julgamento.

Page 47: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Enfim, a produção da tese comporta dois momentos

distintos, mas inseparáveis:

a) a produção do sentido de atos e fatos.7 É uma

interpretação já comprometida ou com a defesa ou com a

acusação que produz esse sentido, o que requer

delimitações e controles que atendam os objetivos

próprios da parte e que possibilitem o rigor do raciocínio.

7 O ato é, aqui. entendido como uma atividade desenvolvida por um indivíduo, sendo que a contextualização desse ato produz o que se denomina de fato que pode ou não, ser jurídico. Assim, João matou uma pessoa é um ato, mas não necessariamente um tato jurídico porque pode, por exemplo, o ato ter ocorrido na gueixa ou numa batida Policial etc.

A versão de um ato pode ter ou não, concordância das partes

que se enfrentam no debate. Quando, porém, houver

concordância, pode-se falar em verdade fáctica. Essa

concordância em torno de uma versão não impede, entretanto —

porque a interpretação sempre levará em consideração os

interesses das partes — que as argumentações tanto da acusação

como da defesa apresentem elementos diferenciados daquilo que

envolve imediata ou mediatamente o ato, ou seja, o contexto do

ato será utilizado para a produção da versão do fato de acordo

com os interesses de cada parte envolvida, e, por isso, as versões

(e as teses) obrigatoriamente serão diferentes.

Isso significa, em outros termos, que, na construção da

versão que lhe interessa, o argumentador recorrerá às provas e

aos indícios que julgar importantes na construção da

verossimilhança e convenientes à sustentação da tese, além de,

evidentemente, pensar na referência — por exemplo, a lei — à luz

da qual atuará no enquadramento da versão.

O seguinte exemplo pode esclarecer isso melhor: João matou

Page 48: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

uma pessoa. O ato de João (ter matado uma pessoa) pode ser uma

evidência ou verdade fáctica. Os recortes e as interpretações

daquilo que circunscreve, porém, o ato, ou seja, o contexto, vão

compor o fato e produzir versões diferenciadas porquanto têm

orientações de interesses antagônicos. Assim, uma

contextualização menos abrangente do ato pode produzir uma

versão que condene o autor da morte. Construindo, porém, um

contexto mais amplo, o ato de João pode até inocentá-lo: basta

aprovar a tese da legitima defesa ou da do cumprimento de função

(militar, por exemplo) etc. [pg. 41]

Isso mostra que a contextualização de um ato participa da

interpretação dele e é de tal forma importante que pode condenar

ou absolver o autor de uma morte — ou pode até fazer com que

seja considerado um herói.

b) a produção de um julgamento. É a avaliação da versão do

fato produzida pela interpretação, tomando como

referência que pode ser ou a lei vigente, ou a

jurisprudência formada, ou os valores sociais instituídos.

Esse julgamento se estende ao autor envolvido no fato,

baseado na presunção de que a qualidade do ato revela a

qualidade de seu autor, isto é, uma versão que implica

uma condenação do ato, condena o autor, ou o contrário,

quando o ato não é condenável, o autor é absolvido.

A seleção de indícios e provas é o momento da

argumentação jurídica em que o objetivo é colher e apresentar os

elementos contextualizadores do ato e que se incluem como

elementos que participam da produção da versão do fato, ou seja,

o que, direta ou indiretamente, envolve o ato representa um apoio

importante à interpretação do acontecimento e, por isso, à

Page 49: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

sustentação da tese.

As provas mais comuns são as versões de atos e fatos

precedentes e subseqüentes, ou seja, os depoimentos das partes e

das testemunhas, além do laudo pericial. Elas só interessam,

contudo, quando se submetem aos objetivos ou da defesa ou da

acusação e contribuem para a construção da verossimilhança.

É preciso, aqui, diferenciar os efeitos que podem produzir as

provas e os indícios: enquanto aquelas têm por objetivo construir

uma imagem de certeza, estes têm a finalidade de sugerir, levantar

hipóteses ou conduzir a suspeitas, o que, quando bem trabalhado,

pode ter — quase ao nível das provas — um forte efeito na

construção da verossimilhança.

A possibilidade, contudo, de o argumentador ou levantar

suspeitas ou criar a imagem da certeza, também depende dos

sistemas de referência do auditório: toda e qualquer informação

vai ser interpretada e avaliada pelo referencial que os indivíduos

receptores do raciocínio trazem da história que viveram dentro de

determinados segmentos sociais. Quer dizer que tanto os indícios

como as provas, no Direito, também se submetem aos efeitos da

heterogeneidade social e referencial, porquanto podem ser

interpretados diferenciadamente. E isso torna a argumentação

jurídica, uma vez, mais complexa — porque mais frágil do ponto

de vista lógico e formal, e, por outra, mais democrática — porque

não se furta a acolher o resultado da diversidade social. [pg. 42]

Apesar (ou exatamente por isso) da importância das provas

na produção da versão, também elas se submetem a normas e

presunções, porquanto precisam ser avaliadas quanto a sua

qualidade e aos efeitos legais que podem produzir, conforme se

pode depreender do que explica Perelman quando diz que

A prova dos fatos é às vezes livre, às vezes regulamentada. (...)

Page 50: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Assim é que a prova de certos fatos é inadmissível. O juiz pode

recusar-se a admitir a prova dos fatos irrelevantes, cuja

materialidade em nada influencia o desfecho do processo, assim

como dos fatos cuja prova não é permitida, por exemplo daqueles

que uma difamação aventa, e isto com o intuito de proteger a

reputação das pessoas privadas. E inadmissível igualmente, a

prova dos fatos aos quais se opõe uma presunção legal

irrefragável, tal como a autoridade da coisa julgada. O juiz.

tampouco admitirá a prova de certos fatos cobertos pela prescrição.

(PERELMAN, 1996b, p. 494-495)

E acrescenta: “A prova judiciária é livre quando as partes

podem recorrer a todos os meios suscetíveis de formar a convicção

do juiz. Contudo, o mais da vezes, a prova é regulamentada: os

meios de prova admitidos são limitados e legalmente

hierarquizados.” (Op. cit., p. 587).

O juiz pode, pois, manifestar-se sobre o valor das provas,

sobre a propriedade ou a adequação de produzi-las, ao perguntar-

se sobre o que é preciso provar e o que pode ser provado através

de quê. Mais uma vez, a argumentação jurídica depende dum

processo de interpretação, ou seja, dependerá do que produzirá o

sistema de referência do juiz.

Outrossim, o ritual jurídico impõe, como conseqüência de

algumas presunções, que cabe ao acusador oferecer a versão e as

provas por primeiro, cabendo à defesa a tarefa de contestar e

fragilizá-las.

E, por fim, é preciso lembrar que as provas, ou as

informações — tendo em vista novamente a presunção jurídica —

podem dizer respeito tanto ao ato como a seu autor, pois

Duas são as categorias do componente informativo: a) evidencial

— informações diretamente relacionadas com o crime; e b) não

Page 51: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

evidencial — informações constituídas pelas características

pessoais do réu. Estas, ao contrário do que se possa imaginar, são

de grande peso nas decisões judiciais. (CORACINI, 1991, p. 52)

[pg. 43]

Aqui é preciso considerar que as informações evidenciais

podem contextualizar e esclarecer mais ou menos o ato,

dependendo da interpretação e da avaliação de quem as apresenta

como importantes.

Isso, por sua vez, permite concluir que uma evidência nem

sempre é tão evidente assim, ou, em outros termos, são poucas as

evidências que podem ser sustentadas como tais devido,

precisamente, às diferenciadas formas de interpretação a que

conduz a heterogeneidade referencial.

Coracini provavelmente quis distinguir entre o que, em

termos de provas (ou evidências) pode ser sustentado com maior

ou menor êxito: dizer que é evidente que João matou é mais fácil

— dependendo dos elementos informativos — de ser aceito do que

dizer que é evidente que João, por isso, deve ser considerado um

elemento perigoso à sociedade.

De qualquer forma, é possível verificar que a evidenciação

pode tanto ser a produção de uma verdade fática como, uma

estratégia que busca passar por evidente o que necessariamente

não é.

Outrossim, é importante lembrar que as provas e os indícios

são um tipo de argumento, mas não, o único: no caso de o apoio

em provas e indícios ser frágil ou, mesmo, inexistente, a

argumentação jurídica deverá recorrer a determinadas e

apropriadas técnicas, entendidas como produtoras de argumentos

a partir de propriedades de certas relações lógicas, e de

circunstâncias pessoais, temporais, situacionais, sociais etc., o

Page 52: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

que, contudo, não tem relação direta com o fato em julgamento.

Além disso, quando as provas e os indícios forem

considerados frágeis ou inexistentes, ganham importância as

estratégias à medida que, o modo de atuação — que envolve

processos de contextualização, verbalização e disposição dos

argumentos — produz efeitos surpreendentes e que influenciam as

reações do auditório, precisamente porque a argumentação não

deve ser considerada apenas um exercício lógico mas também, um

processo de interação.

A argumentação jurídica vale-se, enfim, de dois tipos de

argumentos: os que se ligam diretamente ao ato e os que são

produtos de técnicas argumentativas. Ambos visam à construção

da verossimilhança da versão do fato, o que, em última instância,

significa estruturar as condições de sustentabilidade da tese.

Em resumo:

1. As provas e os indícios também são resultado de

interpretações, o que aumenta as dificuldades de uma lógica

jurídica; [pg. 44]

2. Os procedimentos de alocação de indícios e de provas se

submetem, sempre, à presunção do contraditório, ou seja, as

escolhas e as intervenções ocorrem a partir do objetivo de

sustentar uma tese a favor ou contra o autor de um ato, o que

torna compreensível que o argumentador, no Direito, não pode ser

considerado, nunca, um elemento neutro e que as decisões que

produzem efeitos de justiça e se constroem no processo da

interação verbal, que é a argumentação, dificilmente alcançarão o

que se poderia entender por justiça plena;

3. Na ausência ou no caso de serem frágeis as provas e os

indícios, o argumentador pode recorrer a determinadas técnicas

para produzir os argumentos de que necessita para a produção da

Page 53: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

versão que sustentará a tese.

O enquadramento na referência prescritiva corresponde a

uma proposta de julgamento da versão produzida, ou seja, a

sustentação da tese jurídica precisa, obrigatoriamente, levar em

consideração os modais deônticos e as normas que eles geram, e

que são encontradas, em geral, sob a forma de lei.

O enquadramento da versão do fato jurídico é, obviamente,

orientado pelos objetivos que o argumentador persegue, e requer

uma competência para, apoiado em normas interpretativas (de

que se ocupa a Hermenêutica Jurídica) escolher a referência

prescritiva que melhor se ajusta aos interesses em jogo. Isso quer

dizer, de outra forma, que nem sempre a lei é a melhor escolha, ou

seja, o texto legal, por si só, não garante a promoção da justiça,

mesmo porque

Dizer que as leis — científicas e jurídicas — constituem a base da

tão desejada ‘verdade objetiva’, equivaleria a afirmar o caráter

estável (regular) e imutável das mesmas. Sabe-se, porém, que as

leis jurídicas, baseadas nos valores morais, culturais (e até mesmo

no regime político de uma sociedade), variam segundo a cultura, o

país, o grupo social. (CORACINI, 1991, p. 48)8

8 A lei só pode ser invocada como reguladora das relações sociais se ela for aplicada indistintamente a todos os indivíduos da sociedade. Estou me referindo, aqui, ao problema da impunidade de que se privilegiam os indivíduos pertencentes a determinados segmentos sociais: é neste momento que o Direito falha eticamente e deixa de preencher satisfatoriamente as suas funções sociais. Além disso, é importante considerar que, se a lei é (ou deveria ser) um acordo social cuja função é orientar a atuação sobre o conflito social, ela também é um produto da atividade do segmento social hegemônico e, por isso, existe a possibilidade de se levantar o questionamento sobre se ela con-templa a defesa daqueles que não pertencem a este segmento, o que Heller (1987) aborda como um conflito entre concepções de justiça, ou seja, “(...) a declaração ‘essas normas e regras são injustas’ expressa uma convicção social e política. Os que reivindicam ‘essas normas e regras são injustas’ e os que dizem das mesmas normas e regras ‘essas normas e regras são justas’ param em um conflito social (ou político) um com o outro”. (p. 193) [pg. 45]

Page 54: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

O que se diz acima é que, apesar da resistência à

flexibilidade e à mutabilidade, a lei com a qual atua o Direito se

modifica, e é isso que a distingue da das ciências físicas e

naturais. Em outros termos, a presunção do contraditório que

acolhe a heterogeneidade referencial que se origina do tecido

social dimensiona a fragilidade lógica da prática jurídica,

precisamente porque as referências também são frágeis, o que

implica dizer que a interpretação, a argumentação e a produção

da sentença são atividades determinadas, em maior ou menor

escala — como as de qualquer outra prática social — pelo que

ocorre no tecido social, de modo que

Os textos jurídicos, trate-se de leis ou de precedentes judiciários,

são habitualmente suscetíveis de interpretações variadas, seja

extensivas, por via de analogia, por exemplo, seja restritivas, mercê

das distinções que o intérprete poderia neles introduzir. As

diversas interpretações favorecem um ou outro interesse, um ou

outro valor, que estão em conflito em cada caso específico.

(PERELMAN, 1996b, p. 453)

Constata-se, pois, que, por mais incômodo que seja para a

prática jurídica, a linguagem que serve às interpretações é

comprometida com interesses sociais, de modo que se poderia

dizer que o instrumento destinado a intervir no conflito já está, na

sua origem e natureza, perpassado pelo problema.

Além do que

sabemos que, ao lado de regras de direito que ninguém cogita em

contestar, nem em interpretar à sua maneira, todo sistema de

direito comporta bastantes elementos de incerteza, dá ao juiz

bastante liberdade e depende tanto da convicção íntima do juiz (...)

que a personalidade do juiz sempre cumpre um papel, às vezes

limitado, mas às vezes decisivo, no desenrolar do processo e em

Page 55: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

seu desfecho. (PERELMAN, 1996b, p. 493-494)

Quando Perelman fala da importância da personalidade do

juiz, na verdade, aborda o problema da heterogeneidade dos

sistemas de [pg. 46] referência, e que precisa ser controlado no

processo de produção de sentidos: é esse “nem em interpretar à

sua maneira” em confronto com “bastante liberdade” e “convicção

íntima” que configuram a complexidade, o que explica a

importância da Hermenêutica, entendida na sua especificidade,

conforme o faz Bastos (1997):

Faz sentido aqui a diferença posto que hermenêutica e

interpretação levam a atitudes intelectuais muito distintas. Num

primeiro momento, está-se tratando de regras sobre regras

jurídicas, de seu alcance, sua validade, investigando sua origem,

seu desenvolvimento etc. (...) Já a interpretação não permite este

caráter teórico-jurídico, mas há de ter uma vertente pragmática,

consistente em trazer para o campo de estudo o caso sobre o qual

vai se aplicar a norma. (BASTOS, 1997, p. 21)

Em resumo, os motivos por que a lei pode ser interpretada

diferentemente e, em conseqüência, ser também objeto polêmico e

espaço de argumentação são vários, dentre os quais:

a) A lei é um acordo verbalizado, produto do trabalho dos

homens de alguns (mas não de todos) segmentos sociais,

cuja atividade é conduzida sob as pressões históricas e

sociais, ou seja, sob a pressão dos conflitos sociais.

E — porque é linguagem — a lei, necessariamente, reflete

essa realidade e, como conseqüência, assume um caráter

o mais genérico possível: apresenta, pois, espaços vazios e

incompletudes de sentidos que as diferentes

interpretações e argumentações deverão tomar como

Page 56: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

objeto de trabalho;

b) Embora a interpretação da lei seja orientada por um

conjunto de normas jurídicas, as dificuldades não

desaparecem, pois as normas também são linguagem, ou

seja, também são interpretáveis de forma diferenciada

pelos diversos sistemas de referência ligados a diferentes

segmentos sociais. Por isso, o poder do juiz pode — e deve

— ser questionado permanentemente pela sociedade,

precisamente, porque as suas decisões submetem-se, sem

dúvida nenhuma, a interesses de segmentos sociais aos

quais ele está vinculado histórica e culturalmente.

c) O objetivo que orienta a atividade do advogado, visando à

acusação ou à defesa, i.é, as diferenças de objetivos, leva

a [pg. 47] diferentes recortes da lei, o que mostra que o

enquadramento pode ser diferenciado;

d) A lei, por função, tem um caráter mais conservador ou

estático, o que impede que acompanhe as transformações

sociais que, pela sua dinamicidade, caminham sempre à

frente dos acordos legais.

Desse modo, percebe-se a importância do processo de

interpretação na prática jurídica, o que acarreta uma série de

dificuldades que se originam da heterogeneidade social e

referencial. São, pois, questões de linguagem que levam a que

O raciocínio jurídico, mesmo sendo sujeito a regras e a prescrições

que limitam o poder de apreciação do juiz na busca da verdade e

na determinação do que é justo — pois o juiz deve amoldar-se à lei

—, não é uma mera dedução que se ateria a aplicar regras gerais a

casos particulares. (PERELMAN, 1996b, p. 489)

Observa-se, portanto, que, na sustentação da tese, há uma

Page 57: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

nítida diferença entre produzir uma versão e justificar um

julgamento: é preciso lembrar que há um procedimento

comprometido com interesses sob cuja pressão se interpreta o

fato, e outro que busca justificar uma decisão ou uma sentença

em relação ao resultado dessa interpretação. É essa fragilidade

que faz Perelman (1996a) considerar a argumentação jurídica

como uma atividade “quase-lógica”.

A justificação, pois, se, de um lado, configura o objetivo mais

importante da argumentação jurídica, de outro, revela que a

atividade que se desenvolve na prática — porque ela aciona a todo

o momento os procedimentos de interpretação — é uma atividade

essencialmente lingüística. E, por isso — para que o raciocínio

jurídico possa se apoiar em modelos lógico-formais — precisa

recorrer, como uma atividade obrigatoriamente precedente, a

determinados processos de controle da heterogeneidade de

sentidos para poder obter sucesso na consecução de interesses

específicos, ou seja, recorre-se, primeiro, à Hermenêutica jurídica

e, depois, à paráfrase e à definição, processos que, mais uma vez,

justificam o estudo da linguagem no Direito, porquanto são

processos que se originam do que ela é devido a suas relações com

a realidade social. Em outros termos, poder-se-ia dizer que a

prática jurídica é uma atividade que tem a sua especificidade

determinada pelo modo como se vale da linguagem para poder

interferir na complexidade das relações sociais: [pg. 48] os efeitos

de justiça podem, pois, também ser entendidos como efeitos de

linguagem.

3.3 A DEDUÇÃO NA EXECUÇÃO DO SILOGISMO

Se a estruturação do silogismo jurídico sempre inicia pela

tese que resulta dos interesses que se opõem no julgamento dum

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fato, a argumentação — uma vez concluído o modelo lógico que

orientará o raciocínio — obedecerá, de maneira geral, a um

processo dedutivo, mesmo que se possa aventar que, pela

ausência do caráter de irrefutabilidade da PM, a dedução não seja

semelhante à que se verifica na lógica das ciências matemáticas e

naturais: a precariedade do apoio que oferece a PM não impede

que o silogismo oriente e estabeleça uma linha de raciocínio.

A eficiência do silogismo depende, em primeiro plano, do que

diz a PM: o seu caráter genérico garantirá, enquanto referência, a

coerência, desde que se possa promover a inserção do singular da

Pm no geral da PM.

Convém, ainda, lembrar que a PM só faz referência

importante quando se submete aos limites que a sociedade

estabelece com base nos deônticos é permitido, é proibido e é

obrigatório, isto é, a PM deve respeitar o instituído socialmente,

conste ele ou não no texto da lei.

Uma PM, todavia, que não toma a lei como referência, mas

um valor instituído que não consta no texto legal apresenta, em

geral, grandes dificuldades para a sustentação da tese, conforme

se pode observar nos dois seguintes exemplos:

1. PM: Todo aquele que age sob pressão das determinações

sociais não deve ser condenado.

Pm: Ora, João agiu sob pressão das determinações sociais.

Tese: Logo, João não deve ser condenado.

Neste tipo de silogismo, o argumentador terá duas tarefas,

ambas difíceis: convencer o auditório de que a PM é uma

referência aceita pela sociedade e de que João agiu sob pressão

das determinações sociais.

O apelo à lei, à jurisprudência ou às presunções pode, pois,

facilitar a sustentação da tese, porquanto é um instituto social

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que, de certa forma, não se discute. Não garante, porém, o

sucesso: apenas garante a construção mais tranqüila da coerência

do raciocínio. [pg. 49]

2. PM: Todo político é corrupto e deve ser condenado.9

PM: Ora, João é político.

Tese: Logo, João deve ser condenado.

9 O enunciado de cunho ideológico sempre revela uma generalização falsa, porquanto “Todo político é corrupto” deveria — para não ser ideológico — tomar a forma de “Todo político que é corrupto’”.

Observe-se que, quando a PM é de cunho ideológico (como,

por exemplo, em outros enunciados, tais como Todo homem é infiel

por natureza, A mulher é inferior ao homem, O branco é superior ao

negro etc.), as dificuldades de sustentação da tese se localizam em

fazer passar por verossímil a PM, o que, em determinadas

circunstâncias históricas e culturais, pode ser mais ou menos

difícil.

A escolha de uma presunção jurídica como PM também pode

orientar a argumentação, como nos casos em que é importante

reforçar a relação entre qualidade do ato e qualidade do caráter do

autor, ou quando o argumentador que, atuando na defesa, busca

valer-se das vantagens da dúvida para beneficiar o acusado.

Na argumentação jurídica, realizam-se, pois, após a

estruturação do silogismo — e que inclui a escolha das referências

— que servirá de apoio, várias atividades (especialmente de

parafrasagem e de definição) que podem ser mais insistentes e

trabalhosas ora num, ora em outra parte do raciocínio,

compreendendo ora a construção de uma versão verossímil, (para

o que se recorre a provas, indícios e técnicas argumentativas), ora

a utilização de técnicas argumentativas apropriadas, além da

alocação de estratégias cujos efeitos intervirão no estabelecimento

Page 60: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

das melhores condições de sucesso.

Enfim, resumindo: o silogismo orienta a estruturação lógica

do raciocínio, fixando uma combinação de lugares e relações entre

as partes de modo que haja coerência, coesão e congruência, ou

seja, o modelo lógico é orientação para a sustentação de uma

justificativa, para o que é fundamental ter argumentos que

produzam os efeitos desejados.

Quando, porém, as provas e os indícios que se referem ao

fato em julgamento forem insuficientes para a construção da

versão desejada, como se pode alocar os argumentos necessários à

sustentação duma tese? [pg. 50]

Page 61: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

4

TÉCNICAS ARGUMENTATIVAS

Entende-se por técnica argumentativa a produção de

argumentos que tomam como orientação não o que é pertinente ao

fato em avaliação, mas, relações lógicas, circunstâncias e

situações de outras esferas das atividades humanas e que, por

pressuposição, têm condições para exercer força de

convencimento: é quase como se as técnicas argumentativas

representassem um recurso que empresta prestígio e valores

duma determinada prática para transformá-los em argumentos —

no caso do Direito — jurídicos.

Assim, por exemplo, considera-se como verdadeiro, dentro

da lógica, que, se a = b, então também é verdade que b = a; ou,

então, se a = b e b = c, então, a = c. Os efeitos que produzem os

dois tipos de relações lógicas (reciprocidade e transitividade) serão

aproveitados, devido ao prestígio que tem o saber lógico, pela

argumentação jurídica, especialmente no caso de fragilidade de

provas e indícios: a construção de uma versão que interesse à

sustentação da tese requer a substituição das incógnitas a, b e c

por valores que serão trabalhados como se pudessem estabelecer

as mesmas relações lógicas. Mais: as inferências e as deduções

que resultam das propriedades que têm as relações lógicas serão

utilizadas e aplicadas aos valores sociais e aceitas como

argumentos importantes no julgamento jurídico.

Page 62: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Outras técnicas para produzir argumentos, e que podem

servir de exemplo ilustrativo para explicar o processo, são as que

buscam apoio, quer seja no pressuposto de que o ponto de vista

da pessoa de prestígio social é importante, quer seja na concepção

de que a comparação de fatos Pode ajudar a interpretar e julgá-los

melhor, quer seja, ainda, na definição [pg. 51] da importância da

história, da educação e das emoções na conduta dos indivíduos

etc.

As técnicas podem, pois, ser consideradas recursos que se

justificam a partir de pressuposições que devem ter aceitação

acadêmica e/ou social, o que, no Direito, se torna por demais

importante e sublinha o cuidado que o argumentador deve ter na

escolha da técnica e das estratégias interativas que visam a

estabelecer um acordo acerca das pressuposições subentendidas

nos argumentos produzidos e utilizados.

Em outras palavras, a construção da versão de um fato

jurídico pode, quando apoiada em provas e indícios frágeis, valer-

se de técnicas argumentativas, o que, na verdade, não envolve,

num primeiro plano, o que está sendo julgado e permite dizer que

provas e indícios são argumentos produzidos através da pesquisa

e da interpretação do fato, ao contrário dos argumentos que são

resultado das técnicas argumentativas e que apenas são aceitos

como tais devido à pressuposição de que os “empréstimos” são

possíveis e úteis.

A argumentação jurídica, embora difira dos conteúdos dos

raciocínios formais, busca pois, aproximar-se ou orientar-se por

eles porque se pressupõe que a coerência, a coesão e a

congruência possam contribuir com o poder de convencimento, de

forma que, por exemplo, na argumentação jurídica, “Quem critica

um argumento tenderá a pretender que o que tem à sua frente

Page 63: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

depende da lógica; a acusação de cometer uma falta de lógica é, em

geral, por sua vez, uma argumentação quase-lógica. A pessoa se

prevalece, com essa acusação, do prestígio do raciocínio rigoroso”.

(PERELMAN, 1996 a, p. 220)

No presente trabalho, a distinção entre argumentos lógicos e

quase-lógicos que faz Perelman não receberá, porém,

considerações mais demoradas, porquanto se entende que, na

prática jurídica, especialmente quando se trata de valores, isso se

torna bastante complexo, precisamente porque a argumentação

jurídica, onde o objetivo não é nem demonstrar, nem descobrir

verdades ou testar hipóteses, mas justificar teses, pode ser

caracterizada, em grandes traços, sempre como quase-lógica.

O que importa, todavia, é observar que um raciocínio

jurídico, para poder usufruir do prestígio do rigor lógico, precisa

adotar procedimentos que deverão dar consistência e credibilidade

à prática, e que podem ser de diferentes níveis:

1. realizar interpretações que sejam aceitáveis e defensáveis,

o que exige do argumentador um sistema de referência

competente e abrangente; [pg. 52]

2. procurar controlar a heterogeneidade lingüística, o que

exige, por sua vez, habilidades do argumentador para definições e

delimitações dos sentidos das palavras;

3. adotar um modelo lógico como orientação.

O estudo, pois, de diferentes técnicas argumentativas que

podem ser úteis à prática jurídica enfatizará sempre os aspectos

relacionados à atividade lingüística e à orientação lógica, e destaca

os seguintes:

4.1 O ARGUMENTO DA COERÊNCIA

Esse primeiro tipo de técnica vale-se do prestígio do rigor

Page 64: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

lógico e requer, por isso, uma atividade intensa com e sobre a

linguagem — mais precisamente, de controle e de delimitação dos

sentidos — para, assim, utilizar a coerência como argumento.

A coerência — como já se enfatizou — é uma qualidade

considerada imprescindível a qualquer argumentação, pois não se

aceita a contradição dentro de um raciocínio, ou seja, não se deve

afirmar algo e depois assumir uma outra idéia que negue a

primeira afirmação. Para manter a coerência e utilizá-la como

argumento, é preciso que se assuma um comprometimento com

uma referência socialmente aceita e tomá-la como orientação

rigorosa para a produção de sentidos que não apresentem

contradições.

E isso tem seus motivos: o prestígio do rigor lógico leva a que

a contradição possa ser interpretada, uma vez, como falta de

convicções claras e incapacidade para escolher com segurança a

referência que orienta a atividade, e, por outro lado, como um

desrespeito com o auditório em termos de não lhe facilitar a

compreensão dos objetivos da argumentação, precisamente por

não haver uma organização lógica correta e rigorosa das relações

entre referência e sentidos verbalizados.

Entende-se, por isso, que a falta de coerência, uma vez

denunciada, expõe o argumentador à condenação e ao insucesso:

a frouxidão referencial e a contradição denunciam a incapacidade

de produzir boas interpretações dos fatos, vale dizer, de construir

boas teses. Perde, pois, o argumentador uma das qualidades — se

não a mais importante — que a interação cobra dos participantes,

ou seja, a da credibilidade.

Ser coerente diz, desse modo, respeito à competência tanto

para escolher os conceitos que serão referência para o raciocínio,

como para organizar os argumentos sem que haja contradição

Page 65: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

com a referência escolhida. [pg. 53]

Na argumentação jurídica, a referência quase obrigatória é a

lei. Pode, porém, também ser uma jurisprudência ou um conceito

que tenha aceitação social ou uma presunção jurídica, — desde,

porém, que se enquadre nos limites dos modais deônticos. De

qualquer modo, o importante é considerar que a coerência só

poderá ser invocada como argumento quando determinada

referência tem — ou poderá vir a ter — prestígio junto ao

auditório, ou seja, ao invocar a coerência como argumento, o

argumentador se vê diante de duas importantes tarefas:

1. fazer com que a referência escolhida seja aceita pelo

auditório, o que implica saber fazer avaliações preliminares

corretas quanto ao universo referencial aceito pela sociedade e

determinar com competência o sentido desta referência, tendo em

vista o que interessa à argumentação;

2. conduzir o raciocínio de modo a que não haja contradições

em relação à referência, o que representa dominar os processos de

manutenção da coerência, da coesão e da congruência.

Enfim, a técnica que produz o argumento da coerência é

essencialmente uma atividade lingüística que visa à utilização do

prestígio do rigor lógico, ou seja, um recurso em que o

argumentador se ocupa ou em observar o rigor da relação não-

contraditória entre uma referência e as interpretações e

justificativas que por ela se orientam, ou em denunciar a falta

dessa condição na argumentação adversária.

4.2 O ARGUMENTO DA RECIPROCIDADE

Essa técnica argumentativa apóia-se também no prestígio do

rigor lógico, especificamente na propriedade das relações para

construir uma aproximação ou simetria entre dois fatos ou idéias

Page 66: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

(ou mesmo valores) de modo a que a semelhança de

características implique que se possa aplicar o mesmo tratamento

ou julgamento a ambos, mesmo se houver uma inversão de

situações ou de posições da simetria inicial.

A atividade do argumentador, nessa técnica de raciocínio,

exige, principalmente, saber interpretar e construir o contexto das

situações, ou seja, é preciso que a aproximação de dois fatos

diferentes se faça pelo que se pode localizar de semelhante neles e

nos elementos contextualizadores. Isso requer, sobremodo, saber

produzir interpretações apropriadas, o que, mais uma vez, enfatiza

a importância de um sistema de referência produtivo e

competente, e, por isso, da linguagem: [pg. 54] para poder

aproveitar uma correlação lógica como se a = b, então b = na

argumentação jurídica, a primeira atividade refere-se à

delimitação conceitual que deverá dar condições para que o

raciocínio se beneficie da relação lógica.

Assim, por exemplo, adotando essa técnica, o argumento

sustentará que, se cabe aos pais dar proteção e abrigo aos filhos

enquanto estes puderem ser considerados dependentes, da

mesma forma caberá aos filhos a responsabilidade de prover as

condições de sobrevivência dos pais quando estes, eventualmente,

atravessarem uma situação em que se puder considerá-los

dependentes. O raciocínio precisa definir, obrigatoriamente, o que

se entende por dependência para que o caráter de reciprocidade

da relação entre pais e filhos possa ser sustentado com apoio no

modelo lógico.

4.3 O ARGUMENTO DA TRANSITIVIDADE

A técnica que permite à argumentação jurídica produzir

determinados argumentos que mantém uma relação de

Page 67: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

transitividade, toma como motivação, segundo Perelman (1996),

“(...) uma propriedade formal de certas relações que permite passar

da afirmação de que existe a mesma relação entre os termos a e b e

entre os termos b e c, à conclusão de que ela existe entre os termos

a e c: as relações de igualdade, de superioridade, de inclusão, de

ascendência são relações transitivas”. (p. 257)

Isso significa que a argumentação jurídica pode buscar como

apoio relações formais de transitividade, desde que se controle a

heterogeneidade lingüística: o objetivo de construir uma relação de

transitividade que não deixe de apresentar o rigor lógico exige

interpretar e demarcar com a precisão possível os sentidos que

substituirão as incógnitas a, b e c.

Por exemplo, embora seja discutível sustentar que “Os

amigos de nossos amigos são nossos amigos”, a idéia pode ser

trabalhada, insistindo que a verdadeira amizade deveria ser

assim. O enunciado pode servir de referência a um raciocínio, o

que quer dizer que este tem fundamento no modelo que sustenta a

transitividade, pois a implicação é uma das mais importantes

relações transitivas e pode ser avaliada socialmente em diferentes

áreas ou práticas sociais.

Assim, o seguinte silogismo se constrói pela relação de

transitividade: [pg. 55]

Não deve ser condenado (= a) aquele que mata em legítima

defesa (= b); ora, João (= c) matou em legítima defesa (= b); logo,

João (= c) não deve ser condenado (= a).

A dificuldade de ordem lingüística reside, em primeiro lugar,

na delimitação do sentido da expressão legítima defesa e, segundo,

adotar a referência para interpretar o ato de João.

Page 68: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

4.4 O ARGUMENTO DA COMPARAÇÃO

A técnica que faz da comparação um argumento tem o

objetivo de comparar enquadrando uma imagem (do réu ou da

vítima, por exemplo) ou a versão de um fato (um delito, por

exemplo) dentro duma seqüência hierarquizadora que inclui

outras imagens ou versões.

Cabe ao argumentador a tarefa de fazer as escolhas das

imagens ou versões com as quais organizará a seqüência escalar

que servirá de parâmetro de avaliação, o que, de certa forma,

corresponde à escolha das referências com as quais ele

estruturará o raciocínio. A comparação passa, portanto, a

produzir argumentos, quer seja a favor, quer seja contra o que

está sendo julgado: se se quiser condenar, a escolha, para fazer o

cotejo, deverá privilegiar aquelas imagens (referências) que têm

um conceito elogiável no instituído social. E o inverso ocorrerá

quando o objetivo for o de defender: o cotejo do que está sendo

julgado será feito com o que houver de condenável no imaginário

do auditório.

4.5 O ARGUMENTO DA INCLUSÃO DA PARTE NO TODO

Uma outra técnica de argumentação consiste em apoiar-se

na presunção de que o que vale para o todo também vale para as

partes, o que significa, mais uma vez, a utilização do modelo

lógico-formal (se... então) e o trabalho com o sentido das palavras,

i. é, a técnica, inclui o controle da heterogeneidade de sentidos.

A técnica exige, pois, além da orientação da estrutura “se...

então”, uma intensa atividade de produção de sentidos (ou

controle de sentidos) para a sustentação do “se” porque é preciso

conseguir a adesão à idéia de que a inclusão da parte num todo

Page 69: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

em que as partes mantêm um determinado tipo de relações faz

com que cada uma se submeta ao que vale para o todo. [pg. 56]

A produção ou o controle de sentidos refere-se, pois, a

definir o que é o todo, quais são as suas partes e quais são as

relações que elas mantêm entre si de modo a que se submetam ao

todo.

Por exemplo, na argumentação jurídica, é freqüente

encontrar a tese de que, se a lei vale (ou não) para o todo, também

vale (ou não) para cada parte. Parte-se do pressuposto de que o

todo se compõe de partes que têm entre si uma relação de

igualdade, o que, especialmente no Direito, necessita de uma série

de procedimentos interpretativos dos fatos, de modo a que se

convença o auditório de que essa relação lógica é sustentável.

Qualquer deslize ou impropriedade interpretativa fragilizará a

argumentação.

4.6 O ARGUMENTO DA DIVISÃO DO TODO EM PARTES

Trata-se, agora, ao contrário da técnica anterior, não de

tentar demonstrar a inclusão e o submetimento da parte ao todo,

mas de que o todo é a soma das partes: o argumentador busca,

aqui, quando constrói o sentido do todo, apoio no sentido da parte

e no pressuposto de que a soma é a relação que sustenta o todo.

O recurso da definição e da delimitação conceitual ocupa-se, em

primeiro lugar, da parte, para, num segundo momento, baseado

no resultado da atividade inicial, ocupar-se do todo como, por

exemplo, ocorre na relação entre gênero e espécie em que,

segundo Perelman (1996), “Para poder afirmar algo do gênero,

cumpre que esse algo se confirme numa das espécies: o que não faz

parte de nenhuma espécie não faz parte do gênero.” (p. 265).

Essa técnica pode, por isso, produzir argumentos positivos,

Page 70: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

valendo-se de todos os efeitos que se pode tirar, primeiro, das

interpretações realizadas, e, depois, das operações de soma, de

subtração e de suas combinações como, por exemplo, tentar

sustentar que uma comunidade está à mercê das drogas (ou de

bandidos etc.), alistando e quantificando exaustivamente os

bairros que acusam o fato, ou que alguém apresenta uma boa (ou

má) conduta social produzindo versões boas (ou más) de atos

isolados seus.

É evidente que, neste tipo de técnica, o argumentador tende

a valer-se especialmente do tratamento estatístico e da formulação

de tabelas, o que significa, novamente, que, após a atividade que

produz e fixa sentidos, atua-se sobre uma pressuposição, ou seja,

a de que a soma, o tratamento estatístico e as tabelas — pelo

prestígio de que desfrutam — podem dar à versão a imagem da

verdade. [pg. 57]

4.7 O ARGUMENTO AD IGNORANTIUM

O argumentador pode, numa situação em que as condições

para uma ampla e demorada discussão estejam prejudicadas,

valer-se da técnica que consiste em formular os argumentos

convenientes à tese, ao mesmo tempo em que desafia — devido ou

à exigüidade de tempo ou a dificuldades momentâneas — o

auditório a apresentar os que se possam contrapor a eles.

No Direito, particularmente, o uso dessa técnica pode ser

muito eficaz, porquanto há, em momentos de análise e intervenção

nos conflitos, situações de impasse ou de dificuldades que

entravam o avanço do julgamento no exato momento em que elas

requerem uma decisão urgente.

Page 71: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

4.8 OS ARGUMENTOS A PARI E A CONTRARIO

A concepção de relações ou de inclusão ou de exclusão

orienta essa técnica argumentativa: parte-se, mais uma vez, de

uma característica das ciências lógico-formais onde um elemento

pode, a depender de suas características, ser ou não incluído num

conjunto mais amplo, do que se retira a pressuposição de que

essa inclusão (ou exclusão) que permite hierarquizações e

classificações contribui para uma aproximação do que é do nível

do verdadeiro. Essa técnica que constitui os argumentos a pari e a

contrario é muito utilizada na prática jurídica, como, por exemplo,

no caso em que a lei fala dos direitos dos filhos herdeiros: pelo

argumento a pari tenta-se estender os mesmos às filhas,

precisamente porque a interpretação de filhos diz que a palavra

não se refere, neste caso, somente aos indivíduos do sexo

masculino, mas que o sentido deve ser considerado genérico e, por

isso, inclui os indivíduos de ambos os sexos, o que quer dizer que

a interpretação produziu uma relação de inclusão.10

10 No Brasil, o exemplo dado pode até causar estranheza porque os direitos de herança estão garantidos tanto para filhos como para filhas. Em algumas comunidades da Ásia, porém, esse a pari não ocorre: prevalece o a contrario.

Pelo argumento a contrario, porém, pode-se contestar uma

inclusão ou igualdade, a depender da interpretação da lei, e que

permitirá, então, construir uma relação de exclusão.

Novamente, nos dois tipos de argumentos, a atividade

lingüística é fundamental: a sustentação de uma relação de

inclusão ou de [pg. 58] exclusão só pode ser feita uma vez

determinado um campo semântico onde se cotejam dois (ou mais)

conceitos. A atividade interpretativa — sempre orientada por

interesses bem específicos no caso do Direito — visa a incluir ou

Page 72: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

excluir um conceito menos amplo num de maior amplitude,

atendendo ao prestígio que se confere ao processo de

sistematização e de classificação.

Uma conseqüência, pois, interessante (e absurda) é o que

pode acontecer, por exemplo, no julgamento dum estuprador: caso

o seu defensor conseguir definir o conceito de sexualidade

humana como sendo igual (o que significa inclusão) ao de

sexualidade dos animais em geral, é bem possível que — se a

acusação não for competente para desarmar a inclusão — o

estuprador seja absolvido e a vítima passe por culpada por ter

estimulado a que o macho (como na natureza) se tornasse

agressivo e incontrolável na conduta sexual.

4.9 O ARGUMENTO DA ANALOGIA

Uma das relações de igualdade da lógica formal é a analogia

em termos de a = b assim como c = d, o que pode servir como um

recurso para a argumentação jurídica sobre o que Perelman se

manifesta como segue:

Ninguém negou a importância da analogia na conduta da

inteligência. Todavia, reconhecida por todos como um fator

essencial de invenção, foi olhada com desconfiança assim que se

queria transformá-la num meio de prova. (...) Longe de nós a idéia

de que uma analogia não possa servir de ponto de partida para

verificações posteriores; mas nisso ela não se distingue de nenhum

outro raciocínio, pois as conclusões de todos eles sempre podem ser

submetidas a uma nova prova. (...) Todo estudo global da

argumentação deve, pois, incluí-la enquanto elemento de prova.

(PERELMAN, 1996a, p. 423-24)

Na verdade, a analogia é uma comparação que não visa a

diferenciar, mas a estabelecer as semelhanças, o que, de certa

Page 73: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

forma, na prática jurídica, aponta para uma igualdade de relações

entre os indivíduos.

Assim, se o argumentador escolher um enunciado como, por

exemplo, “Agredir a mulher é como agredir o membro central da

família e, por isso, a célula da sociedade”, estará construindo uma

relação de [pg. 59] semelhança que, ao fazer a valorização do

instituído social, cria condições de valorizar a família e a mulher,

ao mesmo tempo que reforça a acusação contra um eventual

agressor.

Outro efeito interessante da analogia se dá quando o

argumentador quer desqualificar alguém Comparando-o com o

que é desprezível aos olhos do auditório: cria-se uma associação

entre o indivíduo e o que é desqualificante — efeito da relação de

igualdade que a técnica cultiva como pressuposição.

Ainda um outro aspecto da técnica diz respeito ao cuidado

na construção da analogia, pois

A escolha dos termos de comparação adaptados ao auditório pode

ser um elemento essencial da eficácia de um argumento, mesmo

quando se trata da comparação numericamente especificável:

haverá vantagem, em certos casos, em descrever um país como

tendo nove vezes o tamanho da França em vez de descrevê-lo como

tendo a metade do Brasil. (PERELMAN, 1996a, p. 278)

A escolha dos termos (por exemplo, dos números) é

importante porque cada alteração produz diferentes efeitos de

convencimento, podendo inclusive criar — especialmente no caso

das estatísticas — uma imagem de credibilidade que, como se

sabe, nem sempre se justifica, mas se torna decisiva para o

argumentador conseguir a adesão do auditório.

De qualquer forma, a construção de uma analogia, apesar de

todos os cuidados do argumentador na avaliação do auditório,

Page 74: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

sempre revela um caráter de instabilidade ou de fragilidade,

precisamente porque basta alguém não aceitar uma semelhança

estabelecida para que todas as conclusões que dela se retiraram

sejam também rejeitadas.

4.10 O ARGUMENTO DA FIXAÇÃO DE UM GRAU

O recurso a esse argumento permite, através do processo de

comparação, um cotejo entre vários objetos para avaliá-los um em

relação ao outro e estabelecer as diferenças de grau de qualidades

ou de características. A técnica difere do argumento de

identificação como o da analogia porque atua ou com uma

oposição (justo x injusto) ou de ordenamento (mais justo que etc.),

mas mantém a pressuposição de que o ordenamento hierárquico

pode facilitar o acesso ao que é verdadeiro. [pg. 60]

A atividade é essencialmente lingüística, o que pode ser

observado tomando, como exemplo, a disposição bipolar das

cores, onde num extremo da escala se suponha estar o azul e

noutro o amarelo: a mistura das cores pode ser feita partindo de

um ou outro ponto da escala e faz com que, querendo nomear as

cores intermediárias, e partindo do amarelo em direção ao azul,

possam ser utilizadas indistintamente as expressões verde mais

amarelado e verde menos azulado. Tomando como referência o

outro extremo, as expressões que designarão as aproximações

deverão ser verde mais azulado e verde menos amarelado.

Isso quer dizer que as escolhas parecem equivalentes, mas,

na verdade, produzem efeitos diferenciados: o verde é classificado

a partir ou do amarelo ou do azul, o que quer dizer que a escolha

do ex-tremo definidor corresponde, na verdade, à escolha da

referência interpretativa.

Ora, isso leva a que se constate que a argumentação, ao

Page 75: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

valer-se dessa técnica, atua, em primeiro lugar, com linguagem

porque, substituindo as cores por outros pares de expressões

como correto e incorreto, justo e injusto, bom e mau, social e anti-

social etc., é necessário definir e delimitar as referências para,

depois, proceder às classificações que, embora contenham os

quantificadores mais e menos, se fazem pela expressão utilizada,

ou seja, correto ou incorreto, justo ou injusto etc.

Os efeitos que os qualificadores produzem são,

evidentemente, diferenciados e explicam tanto a sutileza como a

força do argumento, ainda mais quando o argumentador, ao

trabalhar a escala de mais e menos, se valer da situação e

demarcar o lugar de um superlativo em termos de o verde mais

amarelado ou o verde menos azulado, o verde mais azulado e o

verde menos amarelado, ou, no caso do Direito, o mais justo etc.: o

uso do superlativo produzirá um argumento bastante agressivo

que pode, em determinadas circunstâncias, causar efeitos mais

eficientes do que a simples comparação.

4.11 O ARGUMENTO DA RELAÇÃO DE MEIOS E FINS

Essa técnica pode ser considerada como um processo que,

de certo modo, também — como as técnicas anteriores — utiliza a

comparação, pois realiza o cotejo entre duas realidades, não

visando, porém, a estabelecer semelhanças ou, a hierarquizar

qualidades, mas, a avaliar os sacrifícios ou meios que a obtenção

de um resultado estaria exigindo. [pg. 61]

Um exemplo típico de argumento que é resultado do

acolhimento da relação entre meio e fim é o contrato de compra e

venda: a proposta de aquisição de um bem requer um

determinado sacrifício (pagamento etc.), ou seja, o fim explica (ou

justifica) a alocação de determinados meios.

Page 76: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Na argumentação jurídica, a invocação de meios necessários

pode tanto servir à acusação como, à defesa, e produz efeitos

importantes como, por exemplo, ocorre com frases como só

acredito em quem sabe respeitar as leis, só acredito em quem sabe

perdoar, só acredito em justiça quando houver rigor na aplicação da

lei, só acredito em diminuição da violência com a implantação da

pena de morte, o que quer dizer que, para conseguir credibilidade,

os meios necessários são saber respeitar as leis, saber perdoar, ser

rigoroso na aplicação lei ou implantar a pena de morte: o

argumentador toma como referência um fim — credibilidade, por

exemplo — que mereça a aprovação do auditório e que, por isso,

deve dar condições a que os meios propostos também sejam

aprovados.

Observa-se, pois, nesta técnica, também a necessidade de

intensa atividade lingüística — interpretar, delimitar, definir etc.

—, o que destaca a sua importância para a argumentação jurídica,

principalmente quando se sabe que a técnica pode gerar

argumentos como Os fins sempre justificam os meios e que, na

tentativa de promover a justiça, criarão, com certeza, empecilhos

indesejáveis e desastrosos, porquanto a pressuposição contida no

enunciado constitui, dentro da heterogeneidade social e da

desigualdade de forças e poderes, a possibilidade de implantação

do autoritarismo e do abuso de poder.

4.12 O ARGUMENTO DA PROBABILIDADE

Uma técnica de argumentação muito usada, mesmo (ou

especialmente) para realidades não-quantificáveis, é a que busca o

modelo lógico-formal para valer-se das estatísticas e do cálculo de

probabilidades que, se nas ciências matemáticas e naturais, têm

sua importância, no Direito, só devem a sua utilização ao status

Page 77: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

do procedimento, pois a realidade a ser abordada dificilmente

permite quantificações e cálculos probabilísticos.

Assim, por exemplo, num julgamento, o uso da estatística

em relação ao comportamento humano para determinar a

probabilidade do percentual de responsabilidade ou do indivíduo

ou da sociedade na ocorrência do delito, pode facilitar a tarefa do

argumentador, especialmente [pg. 62] pela imagem de

credibilidade que os números constroem. Trata-se, porém, da

instituição de um tratamento uniforme para uma realidade que é

heterogênea, o que indica os múltiplos usos (e abusos) a que essa

técnica pode servir.

Além disso, não se deve esquecer que qualquer fato —

jurídico ou não — pode ser abordado a partir de diferentes

variáveis ou conceitos operacionais, ou seja, os números e as

estatísticas vão dar “credibilidade” àquilo a que o argumentador

quiser dar, mas não são capazes de produzir, no Direito, as

“verdades” que aparentam produzir, ou seja, a realidade analisada

nos tratamentos estatísticos nunca é uma totalidade, mas um

recorte produzido pela intervenção do analista ao se valer de

categorias operacionais escolhidas por ele: conceitos e sentidos

adotados e produzidos podem e devem, pois, no caso de um

debate — especialmente no Direito — ser relativizados, embora

sejam eficientes como argumentos, desde que a pressuposição de

que a técnica seja válida tenha acolhida pelo auditório.

4.13 O ARGUMENTO DO VÍNCULO CAUSAL

Uma argumentação pode escolher por estabelecer um

vínculo causal entre:

a) dois acontecimentos sucessivos;

b) um acontecimento e uma causa determinante;

Page 78: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

c) um acontecimento e seus efeitos prováveis;

No primeiro caso, a argumentação visará à sustentação da

tese de que um acontecimento que sucede imediatamente a outro

tem com este um vínculo causal, ou seja, é conseqüência: se não

houvesse o primeiro, não haveria o segundo.

Já é diferente a relação causal que se pretende sustentar no

segundo caso: um fato ocorrido não tem necessariamente a sua

origem num outro imediatamente anterior, mas num ponto

qualquer que depende da escolha do argumentador. Por isso,

determinar uma causa de um ato permite que o argumentador,

valendo-se da riqueza de seu sistema de referência, construa

argumentos extremamente fortes como, por exemplo, no Direito, o

da necessidade ou inexigibilidade de conduta diferente. [pg. 63]

Pode, porém, como no último caso, o argumentador

construir uma relação causal entre o fato ocorrido e uma situação

futura.

No caso da argumentação jurídica, a técnica que se vale de

determinados procedimentos das ciências lógico-formais, precisa

— como todas as demais técnicas — cuidar da atividade

lingüística, pois fica evidente que um vínculo causal, qualquer que

seja, necessita de interpretações que produzam sentidos que

possam suportar essa relação de causalidade, especialmente,

tomando em consideração que se atua com valorações

diferenciadas que se originam da heterogeneidade referencial.

4.14 O ARGUMENTO PRAGMÁTICO

O argumento pragmático aprecia um acontecimento pelas

conseqüências favoráveis ou desfavoráveis que poderá provocar

nos acontecimentos e na vida prática. Na verdade, “Esse

argumento desempenha um papel a tal ponto essencial na

Page 79: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

argumentação que certos autores quiseram ver nele o esquema

único da lógica dos juízos de valor”. (PERELMAN, 1996a, p. 303)

A técnica, pois, através da qual se tomam elementos do nível

pragmático como argumentos é valorizada sobremodo na prática

jurídica porque as atividades referem-se a questões que dizem

respeito quase sempre a problemas das relações sociais e que

envolvem valores.

Por isso, por exemplo, a condenação (ou a absolvição) do réu

pode ser construída, sustentando o que a sentença poderá

significar para o bem-estar da sociedade. Ao propor o sucesso (ou

a felicidade, bem-estar etc.) como critério de avaliação, o

argumentador vale-se da técnica para apoiar-se em determinada

hierarquia de valores que, obviamente, não precisa ser

considerada a única e a melhor, mas que é sempre produto de

uma atividade interpretativa que visa à defesa de interesses

específicos e atua sobre a heterogeneidade referencial.

A força do argumento pragmático está, pois, no fato de ele

dizer respeito aos sentidos da vida, do cotidiano das pessoas, dos

projetos pessoais etc., elementos que pertencem ao nível imediato

do contexto do fato em julgamento e que, às vezes, podem, tendo

em vista os sistemas de referência do auditório, produzir maiores

efeitos do que aquilo que se coloca num horizonte mais distante

como, por exemplo, concepções ideológicas. [pg. 64]

4.15 O ARGUMENTO DO DESPERDÍCIO

A técnica em dizer que uma vez que já se começou a fazer

algo (obra etc.) seria um desperdício não continuá-la, na prática

jurídica, pode significar, por exemplo, que não se deve perder uma

oportunidade de condenar ou de absolver alguém porque já

existem meios para atender os efeitos da decisão/sentença.

Page 80: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Haveria, pois, um desperdício de meios produzidos pela sociedade

e seria inaceitável, por isso, não aplicá-los ou utilizá-los, o que

possibilita que a criação e a manutenção da polícia, do exército,

do sistema carcerário etc. possam ser invocadas como argumentos

para sustentar a idéia de que é um desperdício de custos querer,

num dado momento, por razões diversas, desativar ou

desconsiderar o emprego do que já foi criado.

4.16 O ARGUMENTO DA DIREÇÃO

Basear-se na concepção que pressupõe que os fatos e a

realidade se constituem por etapas que mantêm entre si uma

relação de causa e efeito, refere-se à técnica da qual resultam,

como argumentos, as considerações contra ou a favor da sucessão

de etapas (prováveis) que um fato poderá gerar: é o que orienta o

argumento da direção.

Por exemplo, no Direito, quando estiver em discussão o

controle da violência, o argumento pode dizer que, se nós vamos

ceder desta vez, deveremos ceder um pouco mais na próxima, e

sabe Deus onde vamos parar.

Enfim, o argumento da direção concebe a História como uma

linearidade que se sustenta por relações lógicas e desconsidera a

possibilidade de que, fora da seqüência de etapas, possa existir

algo que explique melhor um determinado acontecimento.

4.17 O ARGUMENTO QUE RELACIONA ATO E PESSOA

Esse tipo de argumento tem especial importância no Direito,

porque caracteriza uma presunção jurídica que diz que o valor de

um ato revela o valor da pessoa (diferente da presunção religiosa,

por exemplo, que considera que cada pessoa vale mais do que o

Page 81: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

pior de seus atos). [pg. 65]

A dificuldade da invocação ou da sustentação dessa relação

entre ato e pessoa diz respeito à questão da subjetividade, isto é,

saber o que é social e o que é de ordem pessoal nas motivações e

determinações dos atos que os indivíduos realizam.

Por exemplo, se o valor do ato determina apenas o valor da

pessoa quer-se dizer que a responsabilidade do ato é inteiramente

de seu autor. A sociedade, nessa concepção, não exerce nenhuma

pressão sobre as condutas, o que, evidentemente, é questionável.

A concepção inversa igualmente deve ser considerada um equívoco

porque significa afirmar que o indivíduo não tem nenhuma

responsabilidade por seus atos.

A complexidade reside, evidentemente, em conseguir

demonstrar ou quantificar o grau de responsabilidade do

indivíduo e da sociedade, o que representa, contudo, a condição

para que a técnica possa ser utilizada para a produção de

argumentos tanto para a defesa como para a acusação do réu.

4.18 O ARGUMENTO DA AUTORIDADE

O instituído social prevê, entre os valores que protege, um

destaque especial para as falas de autoridade, ou seja, valoriza as

falas de acordo com o prestígio do lugar social que os indivíduos

ocupam.

Esse prestígio pode estar ligado não só à força e poder de

determinados segmentos sociais, mas também, à importância que

se dá a certas atividades acadêmicas e profissionais.

O argumento da autoridade parte, assim, do pressuposto de

que a citação de outrem possibilita usar o prestígio e a autoridade

do enunciante citado, valorizando o citado como argumento. Para

conseguir a adesão a uma tese, o argumentador busca, pois, dar à

Page 82: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

própria fala o prestígio e a autoridade de outrem, citando o que

entende como conveniente à sustentação que está fazendo.

Para Perelman, “...existe uma série de argumentos cujo

alcance é totalmente condicionado pelo prestígio. A palavra de

honra, dada por alguém como única prova de uma asserção,

dependerá da opinião que se tem dessa pessoa como homem de

honra...”. (1996a, p. 347)

Por isso, investir no prestígio ou na autoridade da fala de

outrem pode até ser criticado como procedimento que busca

sustentar uma tese, [pg. 66] mas isso leva Perelman, quando se

refere à estratégia muito utilizada no Direito, a afirmar:

Mas não é uma ilusão deplorável crer que os juristas se ocupam

unicamente com a verdade, e não com justiça nem com paz social?

Ora, a busca da justiça, a manutenção de uma ordem eqüitativa,

da confiança social, não podem deixar de lado as considerações

fundamentadas na existência de uma tradição jurídica, a qual se

manifesta tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Para atestar

a existência de semelhante tradição, o recurso ao argumento de

autoridade é inevitável. (Op. cit., p. 349)

A citação, contudo, não serve apenas para valer-se do

prestígio de outrem mas também pode ter por objetivo

desautorizar e desvalorizar determinados argumentos de alguém a

quem se busque imputar uma falta de autoridade: a técnica pode,

pois, tanto servir para reforçar como desvalorizar uma atividade

argumentativa e requer, por isso, que o indivíduo citante saiba

não só interpretar mas também avaliar corretamente as

valorizações sociais das falas ou linguagens, fazer os recortes

convenientes e integrá-los de modo a que eles produzam os

melhores efeitos.

Para Maingueneau (1989), “Aí reside toda a ambigüidade do

Page 83: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

distanciamento: o locutor citado aparece, ao mesmo tempo, como o

não-eu, em relação ao qual o locutor se delimita, e como

‘autoridade’ que protege a asserção. Pode-se tanto dizer que ‘o que

enuncio é verdade porque não sou eu que o digo’, quanto o

contrário”, (p. 86)11.

11 Além dos trabalhos de Maingueneau, existem inúmeros outros estudos interessantes (BAKHTIN, 1986, por exemplo) que se ocupam dessa relação entre uma fala citante e outra citada, o que deve ser entendido como sinal de que as formas e os efeitos são variados e ricos.

O recurso da citação, no Direito, busca — quase sempre —

trabalhar com a exemplificação: toma-se um julgamento já

ocorrido como orientação para a interpretação e avaliação duma

nova situação. Isso pode ser interessante até o limite em que se

puder sustentar que a distância histórica não torna imprópria a

comparação dos dois momentos e, por isso, será problemático, por

exemplo, considerar uma jurisprudência sempre atualizada, em

especial, quando se sabe que houve época em que a defesa de

alguns tipos de crimes acolhia a justificativa de crime contra a

honra masculina. Ou seja, as interpretações e os julgamentos dos

fatos não são [pg. 67] estáticos e, por isso, nem sempre a citação

auxilia o argumentador na produção da versão e na sustentação

da tese.

4.19 O ARGUMENTO DA RELAÇÃO ENTRE ATO E ESSÊNCIA

Um modo de explicar (ou de interpretar) a realidade busca

associar e explicar fatos particulares como manifestações de uma

essência, como se determinados acontecimentos pudessem ser

agrupados a partir de uma semelhança ou um ponto comum. Isso

pode servir de base, especialmente na argumentação jurídica —

onde a essência equivale ao que é considerado normal e legal —

Page 84: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

para construir, por exemplo, a noção de que o delito se opõe a

uma essência, ou é um abuso que se faz contra ela: o que é

normal é de acordo com a essência, e o delito é um abuso porque

coloca-se contra o normal.

Na verdade, a pressuposição que dá lugar a essa técnica

argumentativa pode também servir à utilização duma estratégia

mistificadora, como se poderá observar no próximo capítulo.

4.20 O ARGUMENTO DO EXEMPLO

O exemplo é um argumento, mas não uma prova: é um

recurso para sustentar uma tese, especialmente na construção de

uma generalização e, “Seja qual for a maneira pela qual o exemplo

é apresentado, em qualquer área que se desenvolva a

argumentação, o exemplo invocado deverá, para ser tomado como

tal, usufruir estatuto de fato, pelo menos provisoriamente; a grande

vantagem de sua utilização é dirigir a atenção a esse estatuto”.

(PERELMAN, 1996a, p. 402)

O estatuto, pois, do argumento do exemplo deve-se a uma

pressuposição, ou seja, a que diz que, para os exemplos

conduzirem a uma generalização convincente, é preciso que eles

suportem, além de uma vinculação estreita entre si, a idéia de que

da generalização que eles possibilitam se pode extrair uma

verdade.

A generalização é, pois, um processo em que o

argumentador, valendo-se de versões (sentidos) de fatos e

situações particulares, constrói uma idéia geral, como se, através

desse processo, pudesse alcançar uma verdade irrefutável. Em

outros termos, ela é o processo que agrupa várias [pg. 68]

singularidades numa categoria mais ampla e geral, para o que

elimina, por abstração, os traços singularizantes e mantém

Page 85: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

apenas os traços genéricos.

Embora no raciocínio formal isso até possa ser admitido, na

prática jurídica a generalização assume enormes riscos, pois ela

se realiza em função da heterogeneidade social: como superar o

conflito dos inúmeros sistemas de referência sem incorrer num

processo de hierarquização e valoração dos segmentos sociais —

vale dizer, acionar o processo ideológico?

Como recurso, numa disputa jurídica, pode, contudo, a

generalização apresentar — especialmente se o argumentador fizer

corretas avaliações do auditório — efeitos favoráveis porque,

Em direito, notadamente, enquanto se reserva às vezes o nome de

precedente à primeira decisão tomada segundo certa interpretação

à lei, o alcance desse julgamento pode só ser depreendido aos pou-

cos, depois de decisões posteriores. Assim, o fato de contentar-se

com um único exemplo na argumentação parece indicar que não se

percebe nenhuma dúvida quanto ao modo de generalizar. (Op. cit.,

p. 404)

Isso quer dizer que a maior dificuldade da exemplificação diz

respeito ao trabalho com a linguagem: os sentidos extraídos dos

exemplos devem servir à aprovação da generalização proposta, o

que, em qualquer raciocínio e, sobremodo no Direito, é

fundamental.

4.21 O ARGUMENTO DA ILUSTRAÇÃO

Diferente do argumento do exemplo, onde se busca agrupar

diferentes versões de fatos de modo a construir uma regra, a

técnica da ilustração tem a função de reforçar a adesão a uma

regra conhecida e já aceita — escolhida como referência para a

sustentação duma tese.

Page 86: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

A atividade consiste em enriquecer o que resultou dum

processo de generalização com a exposição de fotos, filmes,

gravações, quadros etc. que não só esclarecem a regra mas

também demonstram a sua aplicabilidade, o que leva a que se

considere a ilustração um tipo de argumento. [pg. 69]

O argumento da ilustração pode até ser duvidoso, mas, ao

impressionar a imaginação, provoca efeitos de convencimento

muito fortes, porquanto oferece singularidades ilustrativas, isto é,

elementos de reforço a concepções ou regras que já pertencem ao

instituto social.

Para finalizar, é preciso ter claro que, apesar da força e da

diversidade de argumentos, só eles não garantem a adesão do

auditório a teses e o acolhimento de justificativas que as decisões

e as sentenças exigem no Direito: há, ainda, um outro conjunto de

atividades que o argumentador precisa realizar, e que dizem

respeito a preencher as condições necessárias para que a

argumentação possa realizar-se enquanto interação, e, assim,

possam ser produzidos os efeitos desejados. É preciso, abordar,

neste momento, as estratégias de argumentação entendidas

como estratégias de interação. [pg. 70]

Page 87: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

5

ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS

Todo ato de fala — e, por isso, também a argumentação —

pode ser entendido como uma atividade interativa porque envolve

ações diferenciadas, mas interdependentes, de um enunciante e

de um auditório. Em outros termos, na interação, a cada ação

corresponde uma reação, o que implica dizer que, em grande

parte, as ações de quem fala são determinadas pelas reações

efetivas ou prováveis do auditório, embora não se deva

desconsiderar os privilégios de delimitação dos sentidos de que

usufrui o enunciante: ele dispõe de espaço e tempo para alocar

inúmeros recursos, sejam eles lingüísticos, discursivos ou lógicos,

para orientar e influir na produção dos sentidos que lhe interessa

fixar como válidos. E como há objetivos e/ou interesses envolvidos

na argumentação, cabe imaginar disputas e confrontos, o que

implica falar em estratégias argumentativas, entendidas como

procedimentos que podem facilitar o convencimento e a adesão.

Nestes termos, a crítica que Sampaio Ferraz Jr. (1997) faz a

Perelman, dizendo que a argumentação jurídica, assim como é

abordada por ele, dá a falsa impressão de que todos os efeitos do

ato argumentativo parecem se originar da atividade do

enunciante, é pertinente: é preciso considerar a argumentação

jurídica um processo que, embora mantenha semelhanças com

outros processos interativos, tem peculiaridades que a diferenciam

Page 88: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

dos demais tipos de interações.

Conceber a argumentação jurídica como interação resulta

numa compreensão mais ampla não só do processo em si, mas

também, da especificidade da atividade, porquanto o enunciante

obrigatoriamente devera dar atenção especial não ao interlocutor

com quem faz as alternâncias de atividade, mas a um terceiro

elemento a quem caberá recolher das [pg. 71] atividades dos

primeiros dois atores os elementos necessários para a formulação

da sentença.

Assim, em primeiro lugar, é preciso considerar que o

enunciante atua orientado por um sistema de referência que tem

dimensões sociais, sim, mas também individuais, motivo por que é

único. Através dele produzir-se-ão, pois, sentidos que, embora

tenham marcas das determinações sociais, têm dimensões

pessoais e singulares.

O auditório, por sua vez, no momento em que se apropria do

que é enunciado, processa os enunciados com sistemas de

referência próprios e únicos, o que implica retomar o que se disse

sobre a heterogeneidade lingüística: em qualquer tipo de interação

discursiva é preciso atuar sobre a diversidade para que haja uma

aproximação dos sistemas de referência e, com isso, o ato obtenha

sucesso.

Outrossim, é imprescindível lembrar o que se disse sobre a

importância do contexto na determinação das interpretações

possíveis: qualquer tipo de interação requer dos participantes

produção e/ou conhecimento do contexto em que se dará o ato.

Ora, como os sistemas de referência apresentam sempre

dimensões sociais e individuais, a argumentação precisa, em

todas as suas etapas, considerar também os dois níveis do

contexto em que se vai dar a interação: no plano imediato tornar-

Page 89: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

se-á em consideração o auditório, e no mediato, o universo social,

o que quer dizer que as estratégias argumentativas deverão atuar

não apenas sobre a diversidade individual mas também sobre o

horizonte mais amplo em que se inscrevem as ideologias que têm,

como vertente, os conflitos sociais.

Em outros termos, o que se disse implica incluir também os

valores sociais no contexto em que se dão as interações, o que leva

a que tanto o enunciante como o auditório realizem suas ações

sempre valorizadas dentro do que determinado segmento social

considera aceitável e verossímil.

Por isso, não só nas verbalizações da interação

argumentativa instalam-se, manifestações ou sinais de

posicionamentos ideológicos e de julgamento, mas também nas

interpretações do auditório, conforme se pode encontrar no texto

de Bakhtin que diz: “Toda a essência da apreensão apreciativa da

enunciação de outrem, tudo o que pode ser ideologicamente

significativo tem sua expressão do discurso interior. Aquele que

apreende a enunciação de outrem não é um ser mudo, privado de

palavra, mas, ao contrário, um ser cheio de palavras interiores”.

(BAKHTIN, 1986, p. 147) [pg. 72]

Compreende-se, pois, baseado em Bakhtin, que o sistema de

referência do indivíduo também se apropria do contexto mais

amplo — o ideológico, por exemplo — dentro de cujos limites

orientadores se realizam as interpretações e as avaliações que, por

sua vez, destacam a importância de determinadas estratégias de

atuação no processo interativo: elas. diante do conflito de sistemas

de referência, precisam desobstruir obstáculos e construir pontes

onde os indivíduos se encontram e precisam conviver com as suas

diferenças.

Desse modo, se se considerar a heterogeneidade de sentidos

Page 90: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

como uma das vertentes dos conflitos sociais, compreende-se por

que tudo que se diz implica, de certa forma, a obrigação de ter

credibilidade ou de ser possível de ser provado, o que, na

argumentação jurídica, é fundamental porquanto se tem como

objetivo a adesão do auditório.

Quando se trata da argumentação jurídica, pois, a questão

da heterogeneidade de sentidos e a necessidade de provar criam

para o processo interativo dimensões bem específicas, já que o

ritual prevê a oposição de versões, na presunção de que, dessa

oposição, se possam retirar os elementos suficientes para formular

uma sentença que promova a justiça, o que, evidentemente,

representa maiores complexidades — pelos efeitos que produz —

do que ocorre em qualquer outro tipo de interação.

Aliás, a própria expressão promover a justiça, pela heteroge-

neidade de sentidos que comporta, dimensiona as complexidades:

se, nas situações comunicativas em geral, há uma espécie de

negociação de sentidos, na interação jurídica os sentidos se opõem

por determinação do ritual e as diferenças que apresentam entre

si não devem ser minimizadas, mas garantidas para que o

distanciamento possa abrir um leque de alternativas e, assim,

melhores condições da promoção de justiça.

Sampaio Ferraz Jr. (1997) qualifica toda a questão que

acolhe alternativas como um dubium, dizendo:

Qualificar uma questão como dubium significa, pois, concebê-la

como complexidade, isto é, possibilidades em alternativa, variação,

ausência de consenso. Essa complexidade, entretanto, ocorre

apenas em relação a uma conexão compreensiva já existente, mas

que, dada a participação do ouvinte, não mediatiza uma certeza,

ao contrário, abre um leque de soluções. (p. 17)

Isso quer dizer que as alternativas, na produção da sentença

Page 91: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

que resulta da interação argumentativa, não são em número

infinito: as teses [pg. 73] não só podem ser questionadas como

também podem ser consideradas inadequadas, impróprias,

improcedentes, fora do imaginário social etc., o que permite

entender que tudo isso,

(...) faz da situação comunicativa jurídica uma relação insegura e

instável. Essa insegurança e instabilidade é incômoda e tende a

ser reduzida. O discurso jurídico revela-se, assim, como um

instrumento básico dessa redução. Por meio dele são estabelecidas

as regras do tipo ‘se você puxar da espada eu também puxo’, que

vão, então, regular os comportamentos permitidos. Essas regras

permitem que as partes estabeleçam entre si modalidades diversas

de ação e reação em termos de que toda ação lingüística é

questionável, mas, ao mesmo tempo, garantem que isso possa

ocorrei: (FERRAZ JR., 1997, p. 62)

O Direito, pois, promove e garante o contraditório, ou seja, a

diversidade de sentidos não é um obstáculo, no processo

interativo, mas uma condição de promoção da justiça. E isso é

peculiar da interação jurídica: as partes que representam o

conflito não atuam uma para a outra, mas têm sua atenção

voltada, enquanto atuam, para um terceiro elemento — aquele a

quem caberá a produção da sentença.

O que se diz aqui é que, diferente do que ocorre nas

interações discursivas que visam à informação e à comunicação,

na argumentação jurídica, as regras prevêem alternância nos

turnos de atuação das partes, onde as ações e as reações têm

objetivos bem precisos e peculiares: ao enunciante não interessa

conseguir a adesão de seu interlocutor direto (o defensor da outra

parte envolvida no conflito), mas da parte do auditório que não

participa na alternância dos turnos de argumentação. É esse

Page 92: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

auditório — que não manifesta, no primeiro momento do ritual, as

suas reações — que requer a atenção especial e cuidadosa,

precisamente porque é ele quase que só escuta, pois o resultado

de suas reações apenas se manifesta no ato da produção da

sentença.

Em outros termos, o recurso aos modelos lógicos, se pode

ser considerado imprescindível à estruturação do raciocínio

jurídico, não e, contudo, suficiente para garantir o sucesso da

argumentação: porque o ato argumentativo é interação discursiva,

faz-se necessário destacar a importância de alguns procedimentos

— entre os quais se incluem a avaliação, a adaptação, a persuasão

e a sedução — que uma interação requer para ser bem-sucedida.

Interessa, pois, considerar, como parte mais importante da

interação jurídica, o auditório, esse terceiro elemento, embora não

se deva, [pg. 74] evidentemente, perder de vista o adversário, pois

é dele que partem os atos que visam a fragilizar as teses e os

argumentos apresentados.

Ora, isso representa a necessidade de se considerar como

estratégias uma série de atividades que antecedem a

argumentação propriamente dita, pois o enunciante não pode

desconhecer

(...) uma constelação de relacionamentos em que as táticas do

discurso configuram estratégias por meio das quais cada parte

está obrigada não só a levar em conta a estratégia da outra mas

também a planejar o seu comportamento, não apenas em função de

cada procedimento singular, mas, sobretudo, em função de

procedimentos futuros. (FERRAZ JR.. 1997, p. 66)

Enfim, parece útil para o estudioso, pelos motivos expostos,

abordar a argumentação jurídica também como interação,

mormente, conforme Sampaio Ferraz Jr.

Page 93: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Quando nos perguntamos em que sentido, de que modo e em que li-

mites a participação dos diversos interessados na discussão

jurídica ocorre, parece-nos inadmissível que, em referência a

qualquer deles, trate-se de juizes, advogados, funcionários

administrativos, cidadãos em geral etc., aquela participação seja,

em princípio, a de um ouvinte passivo. Concepções dessa espécie,

se é que são ainda radicalmente defendidas, constituem uma

constante ilusão. (1997, p. 68)

Em resumo:

A atividade argumentativa só é possível porque há, como

conseqüência da heterogeneidade social, múltiplos sistemas de

referência que podem conduzir a diferentes interpretações que

geram as diferenças de sentido.

Considerando que há diferenças de interpretação e, por isso,

de sentidos, tanto de ordem pessoal como de, social, que, por um

lado, constituem o conflito e, por outro, abrem as possibilidades

de se argumentar, é Preciso também levar em conta que,

forçosamente, existirão atividades que antecedem a argumentação

e cujo objetivo é afastar ou minimizar o que poderia,

eventualmente, dificultar o sucesso do ato. Melhor: se o uso da

linguagem tem uma relação muito consistente com o exercício de

um poder, é preciso não só falar em conflito de sentidos mas

também em disputa [pg. 75] pelos procedimentos e lugares sociais

que fixam os sentidos e, por isso, em avaliações preliminares da

situação e das circunstâncias da disputa.

Conseguir a adesão dos indivíduos e dos grupos sociais a

uma determinada idéia ou tese representa, pois, também a

possibilidade de intervenção na hierarquização de sistemas de

referência, na distribuição de poderes e na valorização

diferenciada de lugares sociais. Argumentar, pois, é uma interação

cuja motivação são as diferenças que resultam de diferentes

Page 94: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

sistemas de referência e requer, além de uma atividade lógica,

concebê-la como uma disputa, o que significa que as dificuldades

de convencimento aumentam ou diminuem de acordo com as

proporções do conflito de sistemas de referência.

Assim, diante do que representa a interação, o

argumentador deve dominar estratégias que não se resumem

apenas a conseguir a atenção do auditório mas que também dizem

respeito à criação duma imagem positiva de si mesmo e à

produção de efeitos que atuem sobre a força dos argumentos

selecionados para a sua atividade.

Todo esse cuidado com as estratégias argumentativas

depende, porém, de avaliações preliminares que resultam de

perguntas como as seguintes:

— quem sou eu para atuar assim?

— quem é meu auditório para que eu atue assim?

— que pensará o meu auditório de mim quando eu atuar

assim?

— que argumentos e artimanhas poderá usar meu

adversário para eu atuar assim?

— quais são as circunstâncias sociais, históricas, culturais

etc. que me levam a atuar assim?

As perguntas, conforme se pode verificar, dizem respeito à

necessidade de se dominar — porque se visa ao sucesso da

atividade — não só aquilo que se diz mas também as estratégias

argumentativas e que correspondem ao “assim” das perguntas, o

que quer dizer que, além dos argumentos, a argumentação faz do

modo como se atua um outro recurso para produzir os efeitos

desejados: são as estratégias argumentativas.

Além disso, as perguntas apontam para a necessidade de o

Page 95: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

argumentador conhecer também os sistemas de referência do

auditório, tendo em vista que a sua atividade deve levar em conta

as possíveis diferenças e considerá-las obstáculos a serem

superados. [pg. 76]

Como, porém, descobrir um sistema de referência se ele não

é verbalizado ou denunciado explicitamente?

Se o que se disse em termos de pressão das determinações

sociais sobre o sistema que orienta as interpretações (e

julgamentos) do indivíduo é sustentável, então a atividade de

reconhecimento do auditório obrigatoriamente deve contemplar

uma pesquisa sobre os lugares sociais que os indivíduos

freqüentam e ocupam. Isso deve — se o argumentador tiver

conhecimentos suficientes sobre como são as condutas sociais

nestes espaços — fornecer elementos para construir os contornos

dos sistemas de referência do auditório.

A avaliação ficará enriquecida se houver condições de se

apropriar, eventualmente, dos textos — orais e/ou escritos — que

o auditório produziu, porque a linguagem — pela presença de

determinados conceitos e valores — revela o sistema de referência

do enunciante.

Em outros termos, o argumentador precisa:

— conhecer-se a si próprio, não só no que diz respeito às

capacidades como também, em relação às deficiências.

Outrossim, o argumentador precisa, além de ter os

argumentos apropriados à situação, saber onde e como

atua melhor na atividade de convencer o seu auditório, o

que implica conhecer a sua competência para, valendo-se

da linguagem, produzir os efeitos que interessam à

sustentação;

— fazer uma avaliação correta dos sistemas de referência

Page 96: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

dos que compõem o auditório, o que, no caso do Direito,

significa saber avaliar condutas e procedimentos do juiz,

do adversário e dos jurados. Essa avaliação requer, em

especial, ter conhecimentos sobre as orientações ou as

referências dos diferentes segmentos sociais e que se

configuram a partir de profissão, gênero, raça, religião,

idade, costumes, imaginário social etc.;

— ter capacidade para, feitas as avaliações preliminares,

desobstruir eventuais bloqueios ou obstáculos do

auditório. Em outros termos, o argumentador precisa

dominar procedimentos que possam levar à aproximação

ou à convivência de diferentes sistemas de referência;

— ter capacidade de prever — até onde for possível — os

argumentos (e também os truques e as artimanhas) de

que poderá se valer o adversário. No caso do Direito, por

exemplo, seria [pg. 77] recomendável — já que não é

possível fazer uma previsão exata de como o adversário

atuará — que o argumentador estivesse preparado para

utilizar diferentes estratégias, de acordo com o que o

embate viesse a exigir em termos de maior ou menor grau

de agressividade ou ponderação etc.;

— dominar conhecimentos sobre a situação, tanto imediata

como mediata, em que ocorre a argumentação,

precisamente porque as determinações históricas, sociais

e culturais valorizam ora uma, ora outra estratégia.

O resultado dessas avaliações preliminares — que também

são resultado de processos interpretativos — é, pois,

extremamente importante porque orientará a atividade do

indivíduo em termos de como atuar, contra quem, sobre o que,

para quem e em que circunstâncias.

Page 97: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

E isso diz respeito à escolha de estratégias para uma

atuação mais ou menos radicalizadora, mais ou menos

agressiva/concessiva, mais ou menos formal, mais ou menos

emocional etc., na interação.

Essas estratégias, embora todas se valham de recursos

lingüísticos, se diferenciam a partir das avaliações e podem ser

agrupadas como segue:

1. estratégias de contextualização que dizem respeito à

atuação sobre os contextos imediato e mediato que envolvem a

interação;

2. estratégias discursivas que se organizam a partir de

escolhas lingüísticas (itens lexicais, modalizadores e operadores

argumentativos) e de estruturação do discurso para produzir

determinados (e desejados) efeitos de sentido.

5.1 ESTRATÉGIAS (DES)CONTEXTUALIZADORAS

As atividades de contextualização são estratégias que visam

a observar e a construir ou adaptar o contexto que influenciará a

interpretação que fará o auditório do fato em julgamento. Por isso,

a contextualização deverá ser considerada fundamental à

sustentação duma tese, já que, num primeiro momento, exige-se

do argumentador uma atuação voltada sobre si mesmo, em termos

de avaliação das escolhas da versão do fato, dos argumentos e das

estratégias, em relação ao universo referencial em que se inserirá

a argumentação: é a adaptação do enunciante ao contexto, de

modo a que sua atuação tenha aceitação junto ao auditório. [pg.

78]

A segunda atividade de contextualização ocupa-se com a

preparação do auditório com o propósito de desobstruir e afastar

dificuldades para o sucesso da argumentação.

Page 98: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Outrossim, ao contrário da contextualização, há

procedimentos que propositadamente procuram afastar elementos

do contexto, ou seja, há também estratégias de

descontextualização.

Considerando-se que toda e qualquer versão implica, além

da interpretação do ato, alocar elementos contextualizadores,

existem procedimentos estratégicos que minimizam os efeitos de

versões contrárias aos interesses que defende o argumentador,

contextualizando ou descontextualizando essas versões, o que se

observa freqüentemente nas reportagens jornalísticas: os recortes

e as omissões de elementos do contexto redesenham o fato e

interferem na produção dos sentidos e seus efeitos.

Na prática jurídica, por exemplo, contextualizar ou

descontextualizar a afirmação de que “João matou uma pessoa”

representa produzir efeitos de sentido absolutamente diferentes

junto ao auditório, isto é, a contextualização pode levar à

interpretação de que o ato foi de legítima defesa e desarmar o que

o enunciado, descontextualizado, produz de efeitos negativos.

Para compreender, porém, melhor as dimensões do que se

entende por contexto, e, por conseguinte, as estratégias de

contextualização, é preciso lembrar, mais uma vez, que os

sistemas de referência têm determinações que se põem em dois

planos distintos e interdependentes: um, diz do contexto histórico,

social e cultural, e o outro, das dimensões pessoais e singulares.

Tal concepção leva a entender que as atividades

contextualizadoras que realiza o enunciante em função do

auditório também obedecerá a essa dupla dimensão: no plano

imediato, o sistema de referência do argumentador fará as

concessões estratégicas possíveis e, no contexto mediato, a partir

do conhecimento das determinações históricas, sociais e culturais

Page 99: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

— e que pressupõe conhecimento da gênese dos conflitos e das

ideologias — demarcará os limites dos universos possíveis em que

poderá se dar a argumentação.

5.1.1 A adaptação do enunciante ao auditório

A primeira estratégia contextualizadora se constrói tomando

como referência a avaliação feita pelo argumentador sobre como a

sua atuação deverá se dar em relação ao contexto que diz

respeito ao universo histórico, social e referencial do auditório, e

visa a, através de uma [pg. 79] série de procedimentos

adaptativos, construir um clima de confiabilidade e de

espontaneidade, ou seja, o argumentador atuará,

preliminarmente, de modo a que a versão do fato e os argumentos

que utilizará na sustentação da tese, encontrem um contexto

favorável em termos de condições de aceitabilidade e de

credibilidade, o que quer dizer que a concretização dos objetivos

do ato interativo só ocorrerá se se conseguir inspirar

credibilidade12 junto ao auditório.

12 A credibilidade de um discurso é uma qualidade desejada e que resulta, primeiro, da coerência entre o que o indivíduo diz e os outros atos seus. Em segundo lugar, a credibilidade do argumentador também depende da clareza e da coerência das referências que orientam todos os seus atos, incluído o uso da linguagem.

O que se quer enfatizar é que a verossimilhança que deve

dar força à versão que apoiará a tese depende, em grande parte,

da competência do argumentador para construir, orientando-se

pelo referencial que compõe o instituído social de que o auditório é

representante, uma imagem de si que sugira confiança e

seriedade. Em outros termos, o sucesso da interação

argumentativa depende, fundamentalmente, do clima de

Page 100: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

confiabilidade em que se realizam as atividades dos

participantes.13

13 A importância do clima de credibilidade que gera uma imagem pode-se observar com mais clareza no processo de sedução, onde o sedutor só consegue aproximar-se de quem deve ser seduzido, se se apresentar como pessoa em que se pode depositar a maior confiança. Os artifícios do sedutor constroem, contudo, uma credibilidade precária, pois, consumada a sedução, acaba o jogo de se fazer passar por merecedor de confiança.

A atividade interativa preparatória visa, enfim, através de

uma série de estratégias, à construção da garantia de que a

proposta das delimitações conceituais das referências escolhidas

pelo enunciante podem ser aceitas porque ele parece ser confiável

e capaz de apresentar provas ou argumentos convincentes.

Em outros termos, o argumentador deve partir do

pressuposto de que não são quaisquer tipos de interpretação e de

julgamento que serão acolhidos como verossímeis e aceitáveis,

mesmo que os argumentos e a estruturação lógica do raciocínio

sejam irretocáveis do ponto de vista técnico: trata-se, na

argumentação jurídica, de valores gerados pelos deônticos que

fixam o proibido, o permitido e o obrigatório, o que explica os

cuidados iniciais que deve ter o argumentador tanto com o

horizonte histórico e social como, com o auditório imediato onde,

necessariamente se reflete o contexto mediato.

Na verdade, a inobservância dos dois planos de contexto

criará riscos enormes para o argumentador porque poderá

destruir a imagem de [pg. 80] credibilidade e criar bloqueios de

difícil transposição, ou mesmo a rejeição do auditório.

Por exemplo, se, no plano mediato do contexto, o

argumentador não souber avaliar o tipo e as dimensões do

horizonte ideológico que envolve o fato em julgamento, também

não saberá entender as razões por que seus argumentos não têm

Page 101: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

acolhida junto ao auditório.

É importante, aqui, lembrar a postura de Bakhtin (1986)

quando afirma que a palavra é “marcada pelo horizonte social de

uma época e de um grupo social determinados” (p. 44), motivo por

que não se pode “separar a ideologia da realidade material do

signo” (p. 44), ou seja, “o sentido da palavra é totalmente

determinado por seu contexto” (p. 106).

Assim, essas estratégias de contextualização que têm por

objetivo principal fazer com que o argumentador tenha

credibilidade comportam, sempre, cuidados de adaptação aos dois

níveis do contexto, mesmo porque a confiança representa um

crédito para a aceitação também de outras estratégias, além dos

argumentos, evidentemente.

Ora, como o modo de argumentação é importante para

maximizar ou minimizar os efeitos dos argumentos apresentados,

entende-se por que se exige competência do argumentador para a

execução das diferentes estratégias de contextualização: quanto ao

contexto mediato, é importante construir um horizonte conceitual

e avaliativo que não se oponha ao que envolve e determina os

sistemas de referência do auditório — atividade que deverá

conduzir-se de modo a que, por exemplo, as determinações

ideológicas que (Cf. BAKHTIN, 1986) se fazem presentes em

qualquer tipo de discurso, sejam minimizadas ao máximo como

obstáculo.

Já no plano imediato, uma das estratégias diz que, para

criar a imagem de credibilidade e seriedade, deve, no Direito,

haver o cuidado com a apresentação pessoal: a roupa deve ser

formal e discreta e a aparência geral não deve sugerir desleixo ou

falta de cuidados — aliás, essa é uma orientação fundamental que

faz parte do ethos da prática jurídica.

Page 102: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Além disso, é preferível trabalhar com uma linguagem não

muito agressiva, e onde estejam presentes mais a insinuação, a

reticência, o eufemismo, a moderação etc., porque uma postura

radical e extremada sempre pode dar a entender que o enunciante

é arrogante ou inseguro, e, por isso, suas avaliações e

interpretações não merecem crédito, ou seja, a agressividade

exagerada pode sugerir que ela resulta da incapacidade de provar.

[pg. 81]

É evidente que haverá auditórios, fatos e circunstâncias que

poderão exigir uma imagem de revolta e de radicalização, quando

então é recomendável trabalhar com uma linguagem recheada de

hipérboles.

Outra adaptação que o argumentador deve fazer em relação

ao auditório é a da linguagem, em termos de escolha do grau de

(in)formalidade e registro: não adianta dirigir-se a alguém se o

repertório lingüístico escolhido exige um esforço demasiado

grande, pois poderá haver não só dificuldades de compreensão

como também prejudicará a atenção desejada pelo enunciante.

E há, ainda, outros aspectos, muitas vezes desconsiderados

e menosprezados, a que o argumentador precisa dar atenção

como, por exemplo, no caso do texto escrito, a distribuição formal

das idéias na folha, a correção ortográfica e, inclusive, o tipo e a

cor do papel, e, na argumentação oral, a postura corporal

tranqüila e firme, a voz que não seja nem muito baixa, nem tão

forte, mas adequada ao ambiente.

É preciso, enfim, lembrar que, na argumentação oral, os

argumentos terão melhor acolhida quando a sua verbalização vier

acompanhada de uma linguagem corporal que não revele

insegurança ou arrogância, descontrole emocional ou

insensibilidade, ansiedade ou frieza, radicalidade ou indiferença,

Page 103: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

timidez ou menosprezo.

Esse cuidado é tão importante que Coelho (1997) considera a

imagem um recurso retórico quando afirma que

É claro que a aparência, por si só, não é garantia de nada, mas

não pode ser ignorada, porque é fator que interfere em diferentes

graus no processo de convencimento jurídico. Um corpo retórico,

que mobilize as emoções do interlocutor no sentido de fazê-lo

assumir pelo menos uma atitude receptiva, simpática, em relação

ao orador: o profissional do direito que descuida desse aspecto,

deixa de manusear importante recurso retórico. (p. 113)

E, por fim, uma vez afastadas as possíveis rejeições à

imagem do enunciante e ao que ele vai apresentar, uma última —

e importante — condição deve ser, ainda, preenchida: não exigir

do(s) interlocutor(es) mais esforço do que o necessário para

acompanhar e entender o que está sendo exposto. É preciso, por

isso, cuidar da coerência, da coesão e da congruência do

raciocínio.

Esses três aspectos do raciocínio dizem que o argumentador

precisa respeitar o auditório no que se refere à clareza da

argumentação, [pg. 82] para o que, em primeiro lugar, deve ter

convicções claras, oriundas de referências aceitáveis e de

atividades interpretativas apropriadas e bem conduzidas (do fato,

das provas etc.) Em outros termos, é muito difícil alguém receber

a atenção do auditório sem ser e parecer confiável e sem ele

próprio estar convicto do que está afirmando, o que também quer

dizer que, se a primeira estratégia for bem executada, a que busca

preparar o auditório fica bastante facilitada.

Page 104: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

5.1.2 A preparação do auditório

Outro tipo de contextualização refere-se aos procedimentos

que têm por objetivo preparar o auditório e que precisam traduzir

uma competência para desconstruir bloqueios e dificuldades que

as diferenças referenciais poderiam produzir.

Isso quer dizer que deverão ser utilizadas diferentes

estratégias para aproximar os sistemas de referência — incluída a

ideologia — do argumentador e do auditório, ou então, quando

essa aproximação for impossível, para construir um acordo sobre

os limites conceituais do universo referencial. O argumentador

pode controlar, dessa forma, eventuais reações negativas em

relação tanto ao raciocínio e aos argumentos escolhidos, como ao

modo de apresentá-los, precisamente porque as diferenças

referenciais foram trabalhadas.

Cabe, então, ao argumentador, em primeiro lugar, a

dificílima tarefa de, se não desideologizar o problema, ao menos

minimizar os bloqueios dessa ordem. Isso se refere à atuação

sobre o contexto mediato (ou circunstâncias sociais, históricas e

culturais), e envolve, necessariamente, abordar questões

polêmicas como racismo, machismo, radicalismos religiosos,

relações entre capital e trabalho etc.

Já que se trata, aqui, de temas polêmicos, origem de grande

parte dos conflitos sociais, é recomendável uma estratégia que não

exacerbe os antagonismos que se geram no confronto ideológico,

mas, pelo contrário, que promova, através da verbalização e da

configuração conceitual dos universos mediatos que se opõem, a

compreensão da complexidade e dos prejuízos que o conflito —

ideologizado — traz para ambas as partes.

Cabe, aqui, lembrar, novamente, a palavra de Coelho (1997)

quando aborda a questão da ideologia:

Page 105: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

O profissional do direito não deve renunciar aos seus valores,

adulterar sua ideologia, para tentar convencer o seu interlocutor.

Deve, isto [pg. 83] sim, sopesar o quanto a falta de identificação

ideológica no caso em questão, poderá influir negativamente no

convencimento do interlocutor, para, então, procurar compensar

esse desequilíbrio com outros recursos retóricos. Em todo caso, é

conveniente saber em que terreno se trava o embate

argumentativa. (p. 109)

É preciso, quando o contexto ideológico apresentar

diferenças acentuadas, escolher a melhor estratégia, assim que,

“quando não for possível a identidade ideológica com o interlocutor,

o orador pode procurar neutralizar a ideologização da discussão. Ao

contrário, se há condições da identidade ideológica, o orador deve

acentuá-la”. (Op. cit., p. 109)

A atuação sobre as referências do contexto imediato do

auditório faz parte de uma atividade posterior à que se ocupa com

o plano mediato, e vale-se de estratégias que podem recorrer, por

exemplo, ao elogio ou à crítica do instituído, ao uso da noção de

utopia ou o apelo ao pragmático etc., como procedimentos

preparatórios, sempre entendidos como uma atividade que resulta

das avaliações preliminares.

Se se pensar em termos de construção do silogismo jurídico,

os procedimentos de preparação do auditório conduzem, de certa

forma, à construção e à aceitação da referência — que será

premissa maior do silogismo — sob cujas coordenadas semânticas

se conduzirá o raciocínio.

Na verdade, a preparação do auditório corresponde a

estratégias que são interações preliminares onde, embora também

se argumente, o ato a ser julgado propositadamente não é

abordado, pois, sem a contextualização, com certeza, as versões

dele que produziria o auditório seriam tão diversificadas que,

Page 106: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

conclusas, representariam dificuldades quase insuperáveis e

irremovíveis.

A atividade que visa à aproximação das referências do

enunciante e do auditório deve, igualmente, ser entendida como

um controle da heterogeneidade referencial e dos sentidos, pois, é

fundamental, para o sucesso da argumentação, que a

parafrasagem e a definição, aliadas a determinadas estratégias

interativas, reduzam as distâncias semânticas.

Há, portanto, atividades interativas preliminares a que o tipo

de interação que é a argumentação jurídica deve dar atenção, e

dentre as quais são interessantes:

1. O elogio ou a crítica ao instituído é uma atividade

indicada, especialmente, para aproximar sistemas de referência e

conseguir a adesão do auditório. [pg. 84]

Antes, porém, de escolher entre o elogio ou a crítica ao

instituído, o argumentador deve conhecer as características do

auditório para, ao elogiar ou criticar, possa dar ênfase às

referências que serão úteis à sua argumentação: as referências,

uma vez trabalhadas de tal forma que passam a ser aceitas pelo

auditório, garantem a coerência da atividade de sustentação.

Assim, por exemplo, abordando o tema da impunidade, é

possível construir os limites conceituais de justiça, que interessa

ao argumentador precisamente porque, no desenvolvimento do

raciocínio, determinada concepção de justiça poderá facilitar a

defesa dos interesses em questão.

2. Uma outra atividade interativa preliminar que pode

facilitar o processo é a abordagem de temas que tenham relação

com o imaginário social em termos de desejos e interesses:

novamente pode haver uma aproximação de sistemas de

referência e a possibilidade de enfatizar aquelas referências que

Page 107: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

são consideradas importantes.

A dificuldade reside, contudo, em saber, com uma certa

margem de segurança, que tipo de utopia acolherá o auditório, já

que a heterogeneidade social também conduz à heterogeneidade

de desejos e interesses. Na verdade, o enunciante, quando recorre

à construção duma utopia, trabalha, de certa forma, ao nível da

sedução: primeiro, é necessário conhecer (ouvir, auscultar,

pesquisar) o que diz respeito aos desejos e interesses do(s)

outro(s), para, então, iniciar o processo de conquista.

Embora se verifique essa dificuldade, no Direito, há um tema

sempre interessante que movimenta desejos e interesses: é o da

promoção de relações sociais justas que possibilitem uma vida

melhor e mais feliz etc. Há, aqui, condições muito boas para

preparar e aproximar diferentes sistemas de referência.

3. A opção por abordar o que é da ordem do pragmático —

com o objetivo de preparar o auditório — é outra estratégia que

requer que o enunciante se ocupe com questões que dizem

respeito ao cotidiano das pessoas, como as que falam de sucesso,

de felicidade e de bem-estar.

Por exemplo, em um julgamento em que a argumentação se

apoiará nas contradições encontradas nos depoimentos, pode-se

discorrer sobre o que significam, no cotidiano das pessoas as falas

contraditórias: deverão ser elas entendidas como indícios de

mentiras, e, por conseguinte, como indícios de confissão de culpa?

[pg. 85]

O que estará em julgamento será, pois, abordado a partir do

resultado da interação que teve o cotidiano como tema, e que

deverá facilitar a argumentação porquanto o argumentador

construiu um acordo referencial com o auditório.

A importância do apelo ao pragmático resulta,

Page 108: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

principalmente do interesse e da facilidade com que qualquer

auditório discute temas como sucesso, felicidade, honestidade etc.

4. A dramatização — porque pode estabelecer um vínculo

emocional com o fato que está sendo analisado — é um processo

interativo de preparação do auditório que, embora eficiente, requer

qualidades do enunciante que envolvem a capacidade de criação

de expectativas, de “suspense”, de teatralização etc.

Esse recurso tem sua importância porque pode criar

estímulos emocionais e, por isso, condições psicológicas que

favoreçam a interação argumentativa pois,

... parece comprovada a hipótese segundo a qual os jurados

elaboram o seu veredicto não apenas com base nos fatos mas

também (e, por vezes, sobretudo) com base na impressão causada

pelo texto pronunciado por ambas as partes (acusação e defesa),

que funciona como importante estímulo psicológico ao lado dos

demais componentes situacionais como: questionamento das

testemunhas, desempenho dos advogados. (CORACIN1, 1991, p.

51)

5.2 ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS

A estratégia discursiva é a que diz respeito à escolha

cuidadosa — pelos efeitos de sentido que produz — tanto dos

elementos da língua, como de determinadas formas de

estruturação do discurso, para que os argumentos selecionados

possam, na interação, ser otimizados, e os contrários,

minimizados.

A língua — porque nela se reflete a heterogeneidade social —

apresenta uma particularidade interessante: as palavras agregam

a seu significado valorações dos diferentes segmentos sociais, o

que vai determinar que elas se organizem em hierarquias ou

Page 109: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

escalas de força argumentativa. Ou seja, as palavras agregam os

heterogêneos interesses sociais a seus sentidos e, por isso, têm a

força de produzir efeitos de [pg. 86] sentido que atuam sobre o

auditório de modo a facilitar ou a dificultar a sua adesão: à

escolha da palavra o auditório reagirá positiva ou negativamente,

dependendo dos interesses a ela ligados e que interferem na

interpretação.

Assim, por exemplo, um menino de rua pode ser nomeado

diferentemente, dependendo da pressão de diferentes sistemas de

referência, agrupando-se as palavras designativas, por exemplo,

da seguinte forma:

a) moleque, bandido, mau elemento, marginal etc.; ou

b) menor abandonado, desfavorecido, marginalizado, inocente

etc.

Da mesma forma, alguém pode ser chamado de ladrão ou

cleptomaníaco, dependendo do segmento social a que pertence e de

quem nomeia.

Verifica-se, pois, em primeiro lugar, uma oposição radical de

sistemas de referência e que tem origem no plano mediato do

contexto e diz respeito às diferenças de ordem ideológica: é uma

diferença “horizontal”.

Há, contudo, a possibilidade de organizar as palavras

também numa escala vertical, o que quer dizer que, mesmo dentro

de um mesmo universo ideológico, os sentidos das palavras têm

maior ou menor força de julgamento como se pode verificar nas

disposições seguintes:

a) bandido b) inocente

marginal marginalizado

mau elemento desfavorecido

moleque menor abandonado

Page 110: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

A escolha, pois, que faz o enunciante, para nomear quer seja

uma pessoa, um fato ou um objeto, tem força argumentativa

porquanto os efeitos de cada item lexical são diferenciados e têm

força para intervir no convencimento do interlocutor.14

14 Evidentemente estão incluídas nessas escolhas a possibilidade de recorrer às figuras de linguagem, especialmente à metáfora, à metonímia e à sinédoque, que, contudo, não recebem uma atenção maior no presente trabalho pelo fato de ampliarem demasiadamente os limites em que se pretende abordar a argumentação jurídica. [pg. 87]

Perelman (1996) esclarece, apropriadamente que, “Os

diferentes tipos de objetos de acordo usufruem, como sabemos,

privilégios diferentes. Presume-se que alguns deles se beneficiam

do acordo do auditório universal: são os fatos, as verdades, as

presunções. Outros se beneficiam apenas do acordo de auditórios

particulares: são os valores, as hierarquias, os lugares”. (p. 203)

Os juízos de valor e, mesmo, sentimentos podem, contudo,

com a utilização de certas estratégias de escolhas lingüísticas, ser

apresentados como juízo de fato, pois

Substituindo a qualificação “mentiroso” por “pessoa com uma

disposição para induzir cientemente em erro”, ter-se-á a impressão

de haver transformado o juízo de valor, no qual aparece essa

qualificação, em juízo de fato, porque o enunciado, em sua nova

forma, parece mais preciso, pois se insiste em suas condições de

verificação. A não-utilização do termo “mentiroso” salienta, aliás, a

intenção de evitar uma apreciação desfavorável. (Op. cit., p. 204)

O que Perelman está destacando como importante diz

respeito ao que foi dito sobre as avaliações preliminares e a

criação de uma imagem de credibilidade: se o argumentador

escolher itens lexicais que se localizam nos pontos extremos das

escalas, os seus enunciados vão revelar ou uma fragilidade ou

Page 111: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

uma agressividade que nem sempre é a indicada para

determinados tipos de auditório, o que faz entender que nem

sempre o ataque é a melhor estratégia. O que decide a adoção de

uma estratégia mais agressiva são as avaliações preliminares à

interação, pois só se pode optar por ir ao ataque de uma forma

mais contundente se há argumentos sólidos e convincentes à

disposição.

Um cuidado, pois, que é preciso ter na construção do

raciocínio jurídico refere-se à escolha das palavras, em especial,

pelo fato de escolher, numa disposição escalar, aquelas que estão

nos pontos extremos representa sempre uma radicalização que

tanto pode levar, quando resultado de uma interpretação bem

conduzida, ao sucesso, como, em função de uma atividade

interpretativa equivocada ou forçada, ao insucesso. Chamar

alguém, por exemplo, de marginal no lugar de errado ou corrupto

requer necessariamente graus diferenciados de provas, pois, a

radicalização pode levar ao descrédito e ao insucesso. Da mesma

forma, entender que alguém é um santo ou um marginalizado

exigirá uma atividade intensa de sustentação. [pg. 88]

5 2.1 A construção de dissociações e a mistificação

Essa estratégia prevê escolhas lingüísticas ou categorias que

determinam uma polarização ou dicotomização em que se propõe

reconhecer apenas os extremos conceituais e desconsiderar o que

é intermediário, como se isso não existisse ou não fosse

importante, ou como se, entre os dois extremos, a linha divisória

fosse sempre nítida e perfeitamente perceptível.

As dissociações são, pois, pares de conceitos que se

constroem em forma de oposição como, por exemplo, aparência x

realidade, natural x cultural, versão x fato etc., pares em que se

Page 112: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

imagina poder encontrar elementos para abordar o par mutável x

imutável.

O objetivo, ao utilizar as valorizações de determinados

conceitos como se estivessem ligados ao que é imutável e

verdadeiro, é produzir o efeito da mistificação que consiste em

apresentar uma versão de um fato, sem, todavia, explicar as

referências e os procedimentos que a produziram. O apagamento

ou a omissão da referência protege contra a crítica, sendo, pois,

uma estratégia, e sugere que a revelação do referencial é

desnecessária, como se a versão apresentada fosse obviamente a

única possível.

Desse modo, no caso de se trabalhar a dissociação natural x

cultural, o caráter de imutabilidade — e, por isso, de verdadeiro —

está ligado à natural, e o de transitoriedade, à cultural: o emprego

de qualquer uma das duas categorias, sem explicar e justificar a

escolha, via de regra, caracteriza um processo de mistificação, ou

seja, conseguir fazer passar por natural um traço ou uma

característica humana num julgamento de um réu, produz efeitos

de convencimento muito fortes como, por exemplo, no caso de um

delito em que se analise a fidelidade do homem e da mulher,

trabalhar a idéia de que é natural o homem ser infiel/polígamo/

promíscuo etc. pode produzir efeitos que livram o réu de uma série

de acusações de conduta inconveniente.

Outros empregos mistificadores de natural podem ocorrer em

exemplos como É natural haver ricos e pobres ou O estupro é ato

da natureza humana etc.

A dissociação aparência x realidade também pode confundir

Porque se constrói sobre um terreno semântico (ou teórico) frágil,

especialmente quando se sabe que o instrumento de

conhecimento de uma realidade é a linguagem.

Page 113: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Assim, pode-se construir uma defesa do réu a partir da

afirmação de que só na aparência o delito é de responsabilidade do

[pg. 89] indivíduo, pois, na realidade, ele é resultado da

desestruturação da sociedade etc.

O uso da dissociação subjetivo x objetivo igualmente deve ser

considerado um recurso que pode produzir os efeitos desejados

para a sustentação duma tese, precisamente porque existem

diferentes concepções teóricas em relação a ela, inclusive a que

nega a possibilidade de dicotomização: se o auditório não domina

as reflexões teóricas que podem ser feitas em torno desse par de

conceitos, qualquer versão ou argumento pode ser classificado

como subjetivo ou como objetivo, dependendo dos efeitos benéficos

que a escolha produzirá para a argumentação.

Além dessas dissociações, é fundamental, no Direito, a

dissociação pessoal x social, pelos efeitos que gera no julgamento

de um delito: as responsabilidades do ato cabem a quem? Em que

termos o indivíduo deve ser responsabilizado a partir de que tipo

de concepção de determinação social? Ou melhor: quanto de um

delito é de responsabilidade individual e quanto cabe à sociedade

assumir?15

15 Essa dissociação gera, pois, pela oposição de sistemas de referência, qualificações como “marginal” x ‘“marginalizado”.

Sabendo-se, porém, que nem sempre é fácil distinguir os

limites entre os conceitos que compõem a dissociação, podem,

dependendo da maior ou menor competência do argumentador,

conduzir tanto à adesão a argumentos não necessariamente

verdadeiros (desde que a dissociação consiga produzir o efeito de

confundir o interlocutor) como a bloqueios intransponíveis

(quando a versão é desmistificada).

Page 114: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Outras dissociações são pares como meio x fim, individual x

universal, particular x geral, singular x genérico, linguagem x

realidade — todas potencialmente mistificadoras porque ligadas às

idéias de verdadeiro ou falso.

5.2.2 A mistificação

Outra estratégia interessante — diferente da mistificação —

vale-se da escolha de determinadas expressões cristalizadas pela

repetição insistente, pois, esses enunciados, precisamente porque

estão cristalizados, são aceitos como verdadeiros.

É dessa maneira que expressões como A justiça tarda, mas

não falha, A justiça é cega, O juiz é neutro etc. podem passar por

verdadeiras [pg. 90] porque, pela repetição, se consolidaram e, por

isso, tornaram-se quase imunes à crítica. São, pois, mitificações

que, pelas relações que a linguagem tem com o exercício de certos

poderes, estão ligadas aos interesses de determinados segmentos

sociais e devem ser consideradas como parte do instituto social.

5.2.3 A implicitação

A estratégia da implicitação configura uma atividade que,

com a escolha de determinadas palavras e estruturações do

discurso, consegue produzir efeitos como, por exemplo, de

ridicularizar e de condenar o sentido (uma tese) ou uma conduta

especialmente quando elas ferem o que está instituído ou o

imaginário social.

O importante a observar é que a implicitação cria um tipo de

cumplicidade entre o argumentador e o auditório, o que pode

representar que uma contrapalavra se veja constrangida a não

poder dar a réplica, porquanto teria que se dirigir não apenas

Page 115: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

contra o enunciante mas também contra aqueles que já tenham

estabelecido uma cumplicidade com ele.

1. No caso da ironização, por exemplo, a estratégia consiste

em escolher, para determinado fato, pessoa, circunstância ou

situação, uma palavra cujo sentido é inadequado. Ao mesmo

tempo, porém, que constrói o inadequado, o enunciante oferece

pistas ou sinais de que isso foi proposital, e o que quis dizer é o

oposto.

Serve como exemplo de ironia, classificar alguém como

extremamente honesto ou exemplo de honestidade quando os

termos mais adequados à sua conduta seriam corrupto, ladrão etc.

A ironização, enfim, envolve a crítica e a ridicularização e,

pelo fato de implicitar e convidar à cumplicidade, é uma estratégia

que agride e, ao mesmo tempo, protege o autor da agressão (ele

sempre pode negar que tenha querido agredir).

2. A pressuposição pode ser considerada uma estratégia

argumentativa porque caracteriza um sentido implícito obrigatório

que certas expressões lingüísticas agregam, ou seja, para que

determinadas Palavras possam ser empregadas devem estar

preenchidas condições sem as quais se criam confusões e mal-

entendidos. Essas condições são chamadas de pressuposições

cujo alcance para produzir efeitos pode ser observado,

especialmente, quando, num interrogatório (num inquérito, por

exemplo), forem exigidas respostas em termos de sim ou [pg. 91]

não16: à pergunta Você deixou de bater na mulher! está

pressuposto de que o interrogado bateu em algum momento e, por

isso, tanto o sim como o não confirmam a pressuposição, mesmo

que a agressão sugerida nunca tenha ocorrido.

16 Na verdade, a limitação das respostas a “sim” ou “não” deve ser considerada uma intervenção redutora do contexto, ou seja, a descontextualização do fato

Page 116: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

significa um controle da produção dos sentidos e interfere profundamente nas condições de julgamento.

São, pois, certos verbos, como deixar, parar, continuar etc.

que implicitam sentidos obrigatórios que o argumentador pode

utilizar para produzir os efeitos de sentido que ajudam a sustentar

a sua tese.

Segundo Koch (1992), os verbos que indicam pressuposição

podem ser organizados em 3 grupos:

1. “verbos que indicam mudança ou permanência de estado,

como ficar, começar, deixar de, continuar, permanecer etc.”.

Assim, João deixou de bater na mulher pressupõe que ele

batia, assim como João começou a bater na mulher pressupõe que

antes ele não batia.

2. “Verbos denominados ‘factivos’, isto é, que são

complementados pela enunciação de um fato (...) como lamentar,

lastimar, sentir etc.”.

Assim, Lamento que João tenha batido na mulher pressupõe

que João bateu na mulher e em Sabia que João bate na mulher

pressupõe que seja verdadeira a informação de que João bate na

mulher.

3. A implicação é uma forma diferente da ironia e da

pressuposição, embora também possa agredir e, por isso, atingir e

(de)formar a imagem de alguém ou o dito de outrem através de um

conjunto de palavras que não poderão ser — como nos dois outros

tipos — consideradas inadequadas ou condições necessárias, mas

que, pela manipulação hábil podem produzir efeitos devastadores.

É, pois, uma estratégia que não se apóia em sentidos

subentendidos, mas na armação de uma lógica de conseqüências

possíveis que o emprego de determinada palavra ou expressão

pode gerar.

Page 117: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Assim, um enunciado como João é um sábio implica que a

sua conduta não deverá apresentar nada que negue o sentido de

sábio, o que, na prática jurídica, pode ocorrer com enunciados

como João é uma pessoa de conduta ilibada etc. [pg. 92]

4. A insinuação deve ser entendida como uma outra

importante forma de deformar sentidos sem que o argumentador

se exponha à contrapalavra, pois, de forma ardilosa escolhe

sentidos que não são nem inadequados, nem pressupostos, nem

implicações, mas que funcionam como sugestões ou suspeitas, e

até como indícios, como se pode ver em Voese (1998):

Um exemplo de como, aparentando manter o compromisso com a

informação verdadeira, a imprensa não deixa de incluir um

julgamento nos seus textos (mesmo nos de aparência mais

inocente) é uma nota publicada em uma coluna de um jornal

brasileiro, na época em que P. C. Farias (personagem do processo

de cassação do mandato do presidente Fernando Collor) estava

foragido no exterior e a polícia brasileira tinha dificuldades em

localizá-lo. Dizia a nota:

(O SOL QUE NOS PROTEGE. PC EVITE O CARIBE. O chefe da

Interpol no Brasil, Edson Oliveira, e o vice-presidente mundial da

Interpol, Romeu Tuma, participam de um congresso do órgão em

Aruba. Estão no Hotel América. Aquele que tem um cassino.)

Aparentemente, o texto poderia remeter à idéia de tentar construir

algo como uma brincadeira, (...) a seleção e a disposição das

informações em relação aos personagens citados cria [porém] um

efeito que não tem nada de inocente. (p. 25)

A insinuação é como que construída por acaso, e, por isso,

permite uma certa proteção para quem a formulou, pois quem

explicita os sentidos que produzirão efeitos argumentativos é o

auditório.

5. A implicitação oral e a escrita dizem respeito não à

Page 118: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

escolha de elementos lingüísticos ou discursivos, mas à alocação

de recursos ou da oralidade ou da escrita, e que interferem na

produção de sentidos e seus efeitos.

Na fala, os enunciados apresentam entoações ou seqüências

de entoações que são padronizadas e correspondem a uma certa

tipologia. A quebra, porém, desses padrões entonacionais das

frases pode introduzir sentidos implícitos que se tornam

importantes na argumentação como se pode verificar em Ele disse

que não é corrupto.

No padrão de frase conclusiva, observa-se um aclive de tom,

seguido de queda onde ele tem tom baixo. Modificando a entoação

e pronunciando ele com tom alto, pode-se estar dizendo que a

afirmação de inocência é só do personagem e não é acolhida por

quem diz “Ele disse que...”. [pg. 93]

Outrossim, escolhendo, alternadamente, o tom alto (que

produz o destaque) para as outras palavras, o sentido que se

implícita varia a cada vez.

A escrita, para poder produzir tais efeitos de implicitação,

vale-se de recursos gráficos como o negrito, as aspas, o itálico, o

sublinhar, as maiúsculas etc.

5.2.4 A impessoalização

A impessoalização é uma estratégia argumentativa que

procede à escolha de itens lexicais indefinidos ou genéricos para

referir-se a determinados indivíduos, e pode produzir efeitos de

sentido capazes de levar a duas conseqüências distintas:

a) quando o enunciante se esconde sob o uso da terceira

pessoa, cria-se a idéia de impessoalização e, por isso, um

efeito de indefinição e de neutralidade que protege contra

Page 119: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

uma réplica;

b) quando o enunciante se refere a um oponente através de

expressões como ele, essa gente, certos indivíduos etc.,

produz-se um outro tipo de efeito — o de desvalorização

do interlocutor: se o indivíduo não é identificado é porque

não o merece.

Dois exemplos podem explicar a força da estratégia da

impessoalização:

a. Dizem que João foi visto cometendo o crime.

b. A sociedade sempre soube lidar com essa gente.

5.2.5 A vaguezização (ou a ambigüização)

A estratégia que visa a dar um caráter de vaguidade,

ambigüidade ou de indefinição (ou seja, explorar e exacerbar uma

característica da linguagem) a um enunciado pode criar fortes

efeitos, em termos de suspeição e de desconfiança em relação a

fatos e pessoas, ou se prestar à defesa de interesses específicos. A

estratégia pode consolidar a posição do enunciante e conduzir à

adesão do auditório, como se pode observar, por exemplo, quando

se cita de forma vaga a origem dos recursos que sustentam o

movimento dos sem-terra: O MST... recebe contribuições do Brasil e

do exterior. [pg. 94]

Ora, Brasil e exterior não são itens lexicais que fornecem

uma localização precisa quanto à origem das contribuições, pois,

com certeza, não é o Estado brasileiro, nem nações estrangeiras

que sustentam o movimento: a afirmação sugere, assim, que as

fontes não são bem conhecidas porque não há intenção de revelá-

las etc.

A vaguidade da informação quanto à origem dos recursos

Page 120: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

financeiros que mantêm o MST pode, pois, levantar suspeitas até

mesmo de ilegalidade a depender do contexto histórico e social em

que o enunciado é produzido.

Da mesma forma, com enunciados como Todos têm direito à

propriedade, o argumentador pode valer-se da ambigüidade para

manipular os efeitos de vaguidade em defesa de interesses de

grupos sociais que ou já têm propriedade ou pretendem ter.

5.2.6 A generalização

O processo de generalização ocorre tanto nos limites das

atividades corriqueiras do cotidiano como nos procedimentos

científicos, e tem o objetivo de fixar, através do processo de

abstração, o que é de caráter geral nas individualidades, ou seja, a

generalização desconsidera o que é singular e leva em conta

apenas o que é comum ou geral.

A generalização permite o estabelecimento de regras e

normas de conduta ou de leis de funcionamento da realidade em

que vive o homem, de modo que encontrar os traços gerais que as

individualidades têm em comum representa uma possibilidade de

conhecimento e de organização social.

Nas ciências naturais e matemáticas há controles rígidos dos

procedimentos de generalização, o que não ocorre, contudo, no

cotidiano e é difícil de estabelecer em práticas que não se ocupam

com a demonstração de verdades, como é o caso, por exemplo, do

Direito.

Por esse motivo, a generalização, pelos efeitos de verdade

que produz junto ao auditório, é uma estratégia que precisa ser

observada com atenção, pois, se no Direito não se visa à

demonstração de verdades, mas, à produção de justificativas e de

sentenças, encontrar generalidades torna-se uma tarefa

Page 121: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

extremamente complexa.

E, devido a essa complexidade de se garantir como

verdadeira uma generalização, ela se presta a funcionar como

recurso para produzir efeitos de adesão e, se objetiva pela

presença de palavras como todos, [pg. 95] tudo, ninguém, nada

etc. Isso faz que, especialmente no silogismo, o raciocínio se apóie

em enunciados como Todos são iguais perante a lei, Todos os

políticos são corruptos, Todos os homens são infiéis, Nada

recomenda o réu etc.

Quando se trata, pois, de generalizações de valores, a

atividade se dá no plano ideológico e não, lógico, porquanto se

sabe que os sistemas de referência que circulam na sociedade

produzem a diversidade de valores que os segmentos sociais

buscam homogeneizar através das ideologias.

E, nesse caso, o que determina a aceitação das

generalizações é a credibilidade ou a autoridade do argumentador.

Isso reforça a importância das estratégias interativas e, por outro,

mostra a complexidade da prática jurídica em promover a justiça

quando atua sempre no limite das determinações ideológicas.

5.2.7 A higienização

A heterogeneidade de sistemas de referência se reflete na

estrutura da língua de modo que a realidade sempre pode ser

nomeada de diversas maneiras, nenhuma das quais deve ser

considerada neutra, mas sempre comprometida com um

julgamento positivo ou negativo.

É essa característica da língua que se presta a que

determinadas escolhas possam produzir uma versão mais amena

ou higienizada de um fato.

Um enunciado, como, por exemplo, Cumprir ordens, pode,

Page 122: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

aparentemente, não ter nenhum poder de influenciar uma posição

ou um ponto de vista de alguém. Produzido, porém, em função de

minimizar a responsabilidade de alguém que matou em

determinadas circunstâncias, o enunciado higieniza o fato e, por

isso, não deve ser desconsiderado como uma importante estratégia

argumentativa.

A escolha de enunciados como cumprir ordens ou agir em

nome da lei pode, em determinadas circunstâncias, silenciar

outras, como, por exemplo, assassinar, violentar, torturar, abusar

de autoridade etc.

5.2.8 A inclusão do ponto de vista do argumentador

Há, ainda, na língua, recursos que permitem a inclusão sutil

do julgamento do argumentador, o que pode não parecer

importante, [pg. 96] mas, considerando que o enunciante usufrua

de uma imagem de credibilidade, o conhecimento de seu ponto de

vista influenciará a adesão do auditório.

É preciso lembrar, aqui, que, quando alguém inspira

confiança ou se reveste de autoridade, a exposição de seus pontos

de vista atua ao nível de uma produção de argumentos como se

pode verificar no capítulo das técnicas argumentativas.

Manifesta-se, pois, assim, em algumas escolhas lingüísticas,

a posição do argumentador, ou seja, a certeza, a probabilidade ou

a dúvida do enunciante, uma vez verbalizadas, podem direcionar

ou influenciar o julgamento do auditório.

Os exemplos seguintes revelam posições diversas do

enunciante a respeito da inocência de João:

a) É necessário considerar João inocente.

b) É possível considerar João inocente.

c) É certo que João é inocente.

Page 123: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

d) É provável que João seja inocente.

Um caso interessante ocorre com o verbo dever, cujo

emprego tanto pode remeter a é necessário como a é provável em:

a) João deve ser considerado inocente.

Também com o verbo poder ocorre uma orientação ambígua,

como, por exemplo, em João pode ser considerado inocente. O

enunciado tanto acolhe a idéia de é possível como a de é

facultativo.

Uma outra forma de produzir efeitos que sugerem o ponto de

vista do argumentador diz respeito à escolha do tempo dos verbos:

o presente e o futuro do presente sugerem que o enunciante se

compromete com o que diz, ou seja, tem segurança para assumir

como verdadeiro o enunciado produzido. O efeito que o uso do

presente (ou do futuro do presente) produz pode ser observado

confrontando João deve(rá) ser considerado inocente com João

deveria ser considerado inocente ou Se João devesse ser

considerado inocente...: no primeiro exemplo, perpassa a idéia de

certeza do enunciante e, nos outros, a de dúvida.

A escolha, pois, de verbos e tempo/modo é importantíssima

por vários motivos: a) os verbos ser e estar, no presente e no

futuro, dão uma [pg. 97] idéia de inquestionabilidade ao

enunciado. Conduzem, pois, a uma argumentação agressiva e

contundente. Utilizados, porém, em afirmações questionáveis e

discutíveis, produzem um efeito contrário: a argumentação, devido

à radicalização da modalização, torna-se frágil; b) a escolha de

uma modalização menos extremada ou mais concessiva — por

exemplo, com o verbo poder ou outro tempo/modo para ser e estar

— pode significar uma argumentação não tão contundente, mas

ampliará as possibilidades de negociação como poderia requerer

um caso como o da fixação de atenuantes para um delito, por

Page 124: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

exemplo.

Se a inclusão do ponto de vista do argumentador — com

uma imagem de credibilidade, convém lembrar — é uma estratégia

importante, maiores efeitos podem realizar as escolhas que, além

dum julgamento, apontam para sentimentos e emoções.

A estratégia, então, se situa no plano emocional ou

psicológico quando se fazem presentes palavras como

lamentavelmente, (in)felizmente, incrivelmente e semelhantes.

5.2.9 A (des)focalização de argumentos

Focalizar, através da alocação de recursos lingüísticos e

discursivos, os argumentos que interessam à sustentação duma

tese é uma outra estratégia que deve merecer toda a atenção,

mesmo porque, segundo Perelman,

Quando dispomos de certo número de dados, oferecem-se-nos

amplas possibilidades quanto aos vínculos que estabeleceremos

entre eles. O problema da coordenação ou da subordinação dos

elementos se prende em geral à hierarquia dos valores aceitos;

todavia, no âmbito dessas hierarquias de valores, podemos

formular ligações entre os elementos do discurso que modificarão

consideravelmente as premissas: operamos entre esses vínculos

possíveis uma escolha tão importante como a que operamos pela

classificação ou pela qualificação. (PERELMAN, 1996a, p.176)

Efetivamente há determinados elementos da gramática da

língua que têm a capacidade de indicar o argumento que deverá

ter predominância sobre outros, ou, então, auxiliar o

argumentador na condução da sua atividade de construção e

sustentação de uma tese: é o que ocorre com o efeito da

(des)focalização que corresponde à estratégia de [pg. 98]

maximizar um argumento e, ao mesmo tempo, minimizar um

Page 125: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

outro. Neste caso, atua-se com operadores que contrapõem

argumentos orientados para conclusões contrárias: mas

(porém, contudo, todavia etc.)

Exemplo: João matou, mas foi em legítima defesa. No

enunciado, o mas opera minimizando a força de João matou e

maximiza foi em legítima defesa. Da mesma forma, em João agiu

em legítima defesa, mas matou, o argumento que soma mais força,

em oposição a um contrário, é matou.

A (des)focalização é um procedimento do enunciante que visa

a desviar a atenção do interlocutor daquilo que não lhe interessa,

ou seja, trata-se de uma estratégia para deslocar a atenção de um

determinado foco a outro, de tal forma que os efeitos de sentido

facilitem a adesão em relação ao que é de interesse de quem

enuncia.

Na prática jurídica, a (des)focalização torna-se sobremodo

interessante porque permite que o argumentador consiga não só

minimizar os efeitos dos argumentos do adversário, mas também,

desqualificar (v. o argumento da coerência) o sistema de referência

que ilumina os focos indesejáveis. Assim, além da (des)focalização,

cria-se o efeito de desconfiança sobre a argumentação contrária.

5.2.10 A (des)valorização de argumentos

Com o operador embora, a orientação argumentativa difere

em relação a mas no que se refere à estratégia: em Embora João

tenha matado, foi em legítima defesa, há uma antecipação de

argumentos contrários, ou seja, verbaliza-se o que deve ser

desconsiderado ou minimizado (podem ser os argumentos reais ou

prováveis do adversário). Se com o mas se cria uma expectativa e

um espaço possível para o silêncio que motiva a atenção, com

embora ocorre, concomitantemente, uma aceitação dos eventuais

Page 126: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

argumentos contrários, e há uma desvalorização de sua

importância: o fato de estarem sendo citados pode dar a entender

que isso não representa um risco para os próprios argumentos.

5.2.11 A armação duma lógica

Há, na língua, operadores que conduzem a uma conclusão

relativa a argumentos de enunciados anteriores, tais como

portanto, logo, pois etc.; ou pares como se...então, ora...logo. [pg.

99]

Os exemplos dos seguintes silogismos podem esclarecer a

força diferenciada dos operadores:

1. Todo aquele que mata em legítima defesa não deve ser

condenado.

Ora, João agiu em legítima defesa.

Logo, João não deve ser condenado.

No silogismo acima o par de operadores ora...logo conduz

rapidamente a uma tese: a chegada a uma conclusão é linear e

não admite negociações. Já com o outro par — se... então — ,

embora também oriente para uma congruência, apresenta uma

alteração de estratégia argumentativa conforme se pode ver em:

2. Todo aquele que mata em legítima defesa não deve ser

condenado.

Se João agiu em legítima defesa.

Então João não deve ser condenado.

É interessante observar que, nesse silogismo, parece residir

uma fragilidade de convicção do argumentador, enquanto que em

ora... logo se dá o contrário, porque ora impõe como que uma

evidência, enquanto se permite a dúvida.

Page 127: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

Em termos de estratégia argumentativa, porém, o par

se...então pode produzir excelentes resultados, especialmente

quando o argumentador tem convicção e finge que tem dúvidas,

porque, ao apresentar a sua versão dos fatos e as provas da forma

como lhe interessa, convida o(s) interlocutor(es) a dirimir(em) a

dúvida sugerida e confirmar(em) a tese. O convite à negociação

que faz o argumentador em se...então se dá porque ele finge abrir

mão da atividade de construção da tese, o que pode desarmar o

interlocutor e ampliar as possibilidades de sua adesão.

5.2.12 A indicação de um extremo da escala

A língua, precisamente por pressão da heterogeneidade

social, permite que as coisas, os fatos etc. possam ser verbalizados

de diferentes [pg. 100] maneiras, o que abre a possibilidade para

a valoração escalar. A estratégia com operadores que apontam o

argumento que, numa escala de forcas, fica no ponto extremo

como até, inclusive etc., visam, ao indicar o argumento a ser

considerado de maior impacto, levar o auditório a aderir à tese.

Se, por exemplo, numa escala de argumentos, temos

cometeu diversos assassinatos, cometeu outros delitos, teve

problemas de conduta social, o operador até aponta para aquele

que tem mais força. Assim, João deve ser condenado — até porque

(inclusive) já cometeu diversos assassinatos — ...

5.2.13 A soma de argumentos

Há, ainda, outro tipo de operador que possibilita uma

estratégia argumentativa: é o que possibilita a cooptação dos

argumentos do adversário, ou seja, a construção permite que o

argumentador possa atuar sobre o dito de quem o antecedeu no

Page 128: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

debate, assumindo os argumentos contrários, mas acrescentando

a eles outros que deverão fazer a diferença.

Trata-se de operadores argumentativos que somam

argumentos à tese, tais como, e, também, não só... mas também

etc.

Assim, por exemplo, quando se avalia se alguém tem ou não,

direito à pensão alimentícia, pode a discussão centrar-se em torno

do argumento que sustenta ou nega a capacidade para trabalhar

do requerente.

Ora, se entender capacidade para trabalhar como condições

físicas para trabalhar, é possível construir a contraposição,

recorrendo ao operador argumentativo de forma a incluir

condições físicas e acrescentar-lhe outros argumentos:

“capacidade para trabalhar não deve significar não só condições

físicas, mas também...”. [pg. 101]

Page 129: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

6

A ARGUMENTAÇÃO E O ATO RESPONSÁVEL

Os estudos que tomam a linguagem como objeto só

recentemente passaram a incluir como referência teórica os textos

do filósofo russo Mikhail Bakhtin. E, embora as suas principais

formulações sobre o discurso tenham sido feitas no início do

século passado, ainda se prestam a operacionalizações

interessantes e ricas.

A argumentação jurídica, por operar sobre valores, tem no

texto Para uma filosofia do ato (Bakhtin, s.d.) um excelente

ponto de ancoragem para alimentar a reflexão sobre não só sua

natureza, mas, e especialmente, quanto a seu caráter de mediação

das relações sociais.

Para Bakhtin, todo ato deve ser analisado como ação

responsável que emerge da oposição entre o ato realmente

ocorrido e o sentido que lhe confere uma interpretação. Isto é:

todo e qualquer ato pode receber diferentes interpretações que

produzem diferentes sentidos. Os sentidos, por sua vez,

multiplicam-se e libertam-se de seus autores, passando a produzir

efeitos que, se, em parte, são circunscritos, também podem fugir,

devido à heterogeneidade social e referencial, a uma

previsibilidade. Por isso, o sentido dado a um ato orienta novas

interpretações de novos atos, ou seja, é responsável pelos sentidos

Page 130: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

que humanizam ou não, as relações sociais.

Essa dimensão do ato descreve o discurso — também ato

enquanto mediação — como permanentemente centrado em

valores, pois as interpretações da realidade dependem das

categorias (ou referências) colocadas em cena e que, por sua vez,

resultam de escolhas orientadas por [pg. 103] valores-guia, ou

seja, “[...] toda categoria orientadora de valor tem um uso

adequado ao objeto, um adequado ao sujeito e um adequado à

situação. Tais categorias podem ser usadas, portanto, ‘em

conformidade com a coisa, com a tarefa’, ‘em conformidade com a

situação’ e ‘em conformidade com a pessoa’”. (HELLER, 1983, p.

60)

É, por isso, que todo ato humano contém uma dose de

responsabilidade pessoal e que condiciona a produção do discurso

a se comprometer com uma coerência entre um dizer e um fazer,

entre o dito e a coisa. O indivíduo, ao agir, emancipa-se

responsavelmente.

O discurso jurídico, particularmente no que se refere à

argumentação, deve, portanto, chamar a si, quer seja no plano

institucional, quer seja no pessoal, a responsabilidade tanto como

ato enunciativo materializado, como pelos efeitos que o ato pode

produzir.

Assim, institucionalmente, a responsabilidade da prática

jurídica lembra, entre outras referências, que:

1. A preservação institucional do contraditório na

argumentação jurídica é garantia da manifestação de

diferentes interpretações possíveis para um determinado

ato.

2. A escolha de valores-guia que orientam os procedimentos

e os rituais jurídicos, por serem linguagem, são

Page 131: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

discutíveis.

3. A avaliação permanente da relação entre os valores-guia

adotados e os valores sociais vigentes requer um

profundo envolvimento e conhecimento social.

4. O zelo pelos acordos sociais construídos historicamente

implica uma vigilância e uma competência para atuar

sobre direitos e deveres.

Quanto ao comprometimento pessoal, é possível — apesar da

distribuição dos lugares “contraditórios” de argumentação —

responsabilizar o indivíduo por motivos tais como:

1. As escolhas das técnicas e estratégias argumentativas

resultam de uma interpretação do fato.

2. A interpretação do fato aciona sempre categorias

operacionais específicas comprometidas com valores

sociais. (Exemplo: liberdade).

3. Os valores, por serem linguagem, são polissêmicos e

dependem de outros atos interpretativos. (Que é

liberdade?) [pg. 104]

4. Os atos interpretativos encontram-se irremediavelmente

ancorados em vozes de lugares sociais que, por serem

diferenciados, instalam um conflito de sentidos.

5. Os conflitos de sentidos podem gerar condutas sociais

conflitantes que, potencialmente, implicam o risco de

ruptura social.

6. A argumentação jurídica tem como objetivo fundamental

operar sobre esse risco social. E, por isso, pode assumir

um caráter paradoxal de (des)humanização.

7. O indivíduo que atua na argumentação jurídica, pela

liberdade de que faz uso ao realizar as escolhas, pela

singularização da interpretação do fato, pelo poder de fala

Page 132: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

que exerce e pelos efeitos que disso resultam, é também

responsável.

A argumentação jurídica é, pois, discurso responsável que

avalia e avaliza responsabilidades tanto pessoais como sociais.

Isto é: o fato de o enunciante poder, apesar da distribuição dos

papéis a partir da observação do contraditório, fazer escolhas não

o exime da responsabilidade como participante responsável do

ritual que busca promover a justiça.

O presente estudo da argumentação jurídica — desenvolvido

com o propósito de ser introdutório — várias vezes também

abordou a relação da linguagem, ou da argumentação mais

especificamente, com o exercício do poder.

Para a argumentação jurídica esse tema se reveste de

particular importância, porque ela se propõe, como objetivo final,

promover a justiça, o que envolve também a discussão das

relações de força que mantêm entre si os diferentes segmentos

sociais e a análise dos conflitos que se originam dessas relações. E

isso implica falar de ideologia.

A ideologia pode ser definida como um projeto de

socialidade, ou seja, um sistema de sentidos que correspondem a

ideais de sociedade. Esses ideais, obviamente, na medida em que

orientam condutas, valorizam as referências que se ligam a

interesses específicos de grupo.

Desse modo, no embate das forças sociais, a ideologia, além

de orientar e consolidar um determinado segmento, pode, através

de recursos lingüísticos e discursivos, fazer circular, de forma

não-explícita, a idéia de que o sistema de referência de um

determinado grupo é o melhor e o mais indicado, não só para o

próprio grupo, mas também, para toda a sociedade. E, ao executar

a sua função, a ideologia — porque precisa [pg. 105] construir

Page 133: Argumentação jurídica (2006)_-_ingo_voese

uma hierarquia de sistemas de referências em cujo extremo se

localiza o que abriga os interesses do grupo que a ela se liga —

homogeneiza fazendo passar por verdadeiros apenas os sentidos

gerados pelo sistema de referência hegemônico, mascarando,

dessa forma, os objetivos de dominação.

Em outros termos, a ideologia não é, por natureza, um meio

de dominação, mas de organização social. Quando, porém, se

instalar, no meio social, a disputa de poderes, a ação ideológica

produzirá hierarquizações dos enunciados dos sistemas de

referência dos diferentes segmentos sociais. E, só então, quando

anula tudo que se lhe opõe, o sistema de referência hegemônico,

enquanto ideologia, é também instrumento de luta.

Foi o que ocorreu, por exemplo, com as comunidades de

descendentes de imigrantes alemães no Brasil: evidentemente,

organizaram suas atividades produtivas tendo como orientação

um determinado sistema de referência. No momento, em que,

durante a 2a Guerra Mundial, o Brasil se pronunciou a favor dos

aliados e contra a Alemanha, as comunidades de língua alemã no

País passaram a ser hostilizadas como se fossem inimigos. Isso

produziu efeitos ideológicos tais que os sistemas de referência

produziram verdades ou axiomas como Todo alemão é

nazista/inimigo ou Todos os que não são ou falam o alemão são

inferiores/negros etc.

Do mesmo modo, enunciados como E natural que haja ricos e

pobres. O homem é, por natureza, infiel. É óbvio que mulher (o

negro, o índio, o jovem etc.) é inferior ao homem (o branco, o adulto

etc.). Dinheiro não traz felicidade. O catolicismo é a única religião

cristã. Deus castiga quem não respeitar os mandamentos. Todos

são iguais perante a lei etc. podem, de um ponto de vista lógico,

ser considerados discutíveis. No entanto, enquanto enunciados

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nos quais os indivíduos passam a crer como se fossem verdades

irrefutáveis, eles produzem efeitos de poder que vão determinar

resultados que, numa disputa de forças, podem levar à

dominação. O enunciado ideológico, pois, sempre esconde

interesses de grupos: não é, pois, de ordem do indivíduo, embora

ninguém — precisamente porque todos se submetem às

determinações sociais que se originam do conflito — consiga

livrar-se inteiramente de uma orientação ideológica.

Ora, a argumentação também atua em função da

heterogeneidade referencial e social, mas nela se exercita

primordialmente o raciocínio lógico e se questionam insistente e

rigorosamente os sentidos das palavras, as teses, os axiomas, as

afirmações e os procedimentos que podem [pg. 106] conduzir à

produção de novos enunciados/sentidos. A diferença entre a

atividade ideológica e a argumentativa, no sentido restrito, diz

respeito à forma como se pretende alcançar a prevalência de um

sistema de referência: na primeira, busca-se conseguir o domínio

(ou a dominação) pela instalação da crença, isto é, no universo

ideológico, o processo interativo não oferece acolhida à réplica, à

crítica e ao exame lógico; na interação jurídica, quer-se a adesão

que deve se realizar como conseqüência de um raciocínio que visa

a sustentar e justificar uma tese.17

17 Por isso, a relação entre meios e fim, no Direito, é diferente dos da Política: se nessa — por força da ideologia — se pode até permitir a idéia de que o fim justifica os meios, na prática jurídica, isso é inadmissível.

A ação ideológica, na verdade, quando se faz meio de luta, é

a negação da dimensão democratizante, porquanto busca silenciar

os outros sistemas de referência da sociedade, e a argumentação

— entendida como interação — ao contrário, preestabelece

condições de alternância de turnos para a manifestação dos

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diferentes argumentos.

A constatação de que a interpretação sempre implica

também orientar-se por categorias ideológicas, revela, pois, para a

argumentação jurídica, a importância de um acordo que defenda a

possibilidade da manifestação da discordância, não só no que diz

respeito ao contexto imediato do que está sendo julgado, mas

também ao mediato — e que se refere ao universo ideológico —

porque, se assim não se fizer, a interpretação do fato pode ser

prejudicada, já que o universo mais amplo — e que é determinante

do imediato — não foi considerado.

Os argumentos, pois, tanto quanto for possível, deveriam

trazer à discussão elementos dos dois contextos, principalmente

para permitir a desconstrução ideológica das referências.

Por outro ângulo, entender a argumentação como interação

implica dizer que há a necessidade de se prestar especial atenção

também ao ato de ouvir, em termos de dever e de poder ouvir,

mormente na prática jurídica porque, aí, conforme Perelman,

Mesmo no plano da deliberação íntima, existem condições prévias

para a argumentação: a pessoa deve, notadamente, conceber-se

como dividida em pelo menos dois interlocutores que participam da

deliberação. E nada nos autoriza a considerar essa divisão

necessária. Ela parece constituída com base no modelo da

deliberação com outrem. (PERELMAN, 1966a, p. 16) [pg. 107]

E continua:

Não basta falar ou escrever, cumpre ainda ser ouvido, ser lido. Não

é pouco ter a atenção de alguém, ter larga audiência, ser admitido

a tomar a palavra em certas circunstâncias, em certas

assembléias, em certos meios. Não esqueçamos que ouvir alguém é

mostrar-se disposto a aceitar-lhe eventualmente o ponto de vista.

(Op. cit. p. 19)

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Desconstrói-se, pois, a idéia de que, na argumentação, o

enunciante tem a sua tarefa comprometida apenas com a

formulação e a organização de argumentos que sirvam à acusação

ou à defesa: ele precisa submeter-se a um acordo que garante aos

interlocutores a alternância das atividades de ambos, sem o que

não adiantam os argumentos mais brilhantes e o raciocínio mais

bem estruturado. E preciso, enfim, que o acordo gerencie o

confronto argumentativo porque, na verdade, são sistemas de

referência diferenciados que se batem pela construção de um

sentido possível de justiça. E esse embate é de ordem ideológica.

O ato de ouvir, por essa razão, não significa apenas uma

necessidade para saber o que se constrói na oposição, mas parte

de um acordo que propõe o silêncio e a fala em processos

alternados entre interlocutores, sem que a correlação signifique a

hierarquização de sistemas de referência e a imposição ideológica.

Parece, pois, à primeira vista, que o Direito, pelo fato de

acolher a presunção do contraditório, estaria, ao garantir as

diferenças de interpretação, inibindo a ação ideológica e, com isso,

a manipulação, o jogo de poderes. Na verdade, porém, o

contraditório, na prática jurídica, refere-se, em geral, ao que

constitui o contexto imediato do ato em julgamento. O fato

jurídico, pois, na grande maioria dos casos, não inclui dimensões

que fazem parte do contexto mediato e, por isso, as diferenças que

sustentam a acusação e a defesa podem estar fazendo parte dum

mesmo universo ideológico.

O fato, contudo, de os enunciados se submeterem à

avaliação e à crítica, permite que, na interação argumentativa, se

possa localizar e desconstruir aquilo que assume uma nítida

função ideológica que desconsidera e anula as diferenças de

sentidos produzidos pela heterogeneidade social. E por que os

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múltiplos segmentos sociais mantêm uma relação conflitante, todo

o sentido produzido pelo processo de interpretação abriga a

possibilidade de se tornar um instrumento de dominação

ideológica — [pg. 108] basta que os processos sociais conduzam

a uma hierarquização das diferenças de sentido que gera a

heterogeneidade referencial.

O ponto de vista valorativo ou o julgamento, portanto, em

termos de bom ou mau, útil ou inútil, correto ou incorreto, que pode

se agregar a qualquer sentido, embora revele uma adesão pessoal,

está profundamente comprometido com o que é de nível social

porque a hierarquização valorativa dos atos pode, em função dos

conflitos sociais, ter como referência a ideologia de um

determinado segmento social.

Ora, toda vez que se escolhe e insiste que os atos dos

indivíduos e as relações que sustentam a sociedade devem ser

avaliados pelo sistema de referência de um dos segmentos

envolvidos no conflito, configura-se uma intervenção ideológica, o

que também quer dizer — porque a imposição e o cerceamento

reconduzem ao conflito — que se realizou uma pseudojustiça: faz-

se necessário, para intervir no conflito, encontrar uma referência

que, em termos gerais, seja aceita por todas as partes envolvidas.

É, por isso, que se pode afirmar que a argumentação —

sobremodo, a jurídica — ao zelar pela alternância das

manifestações das partes conflitantes, tem uma responsabilidade

ética: só pode o Direito fugir das armadilhas de se ver reduzido a

instrumento ideológico de um segmento social — em geral, do

hegemônico — garantindo os turnos de argumentação no ritual

interativo.

O que se quer dizer é que, embora toda e qualquer

interpretação esteja comprometida com determinado sistema de

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referência, a prática jurídica — porque se constrói sobre a

possibilidade do contraditório — encontra no ritual argumentativo

a melhor forma para não acolhê-la como a única ou a melhor. O

problema, pois, que diz respeito à ideologia situa-se no nível de

condução das interpretações em termos de realizá-las, apoiadas

em referências sabidamente comprometidas com um ou outro

segmento social.

Vê-se, pois, que a argumentação jurídica comporta uma

dimensão ética que diz respeito à correlação entre o direito e dever

de falar e o direito e o dever de ouvir18: se cada indivíduo pode (e

deve) invocar o direito de expor e defender a tese que entende ser

válida para uma determinada situação, ele também assume, neste

preciso momento, o compromisso de que seu interlocutor terá o

mesmo direito, além de fixar, para [pg. 109] ambos, o dever de

ouvir. Ou, então, ao invocar o direito de poder ouvir ou apropriar-

se do que é exposto, o indivíduo constrói também a noção de dever

de enunciação para ambos: sem o acordo ético não há o direito,

precisamente porque lhe falta apoio no seu correlato, o dever, o

que, forçosamente, leva o Direito a perder força na atuação sobre

os conflitos sociais.

18 Isso quer dizer que artimanhas e recursos que visem a obstaculizar ou prejudicar a atividade argumentativa, especialmente no Direito, devem receber a condenação como atividade antiética.

A dimensão ética da argumentação jurídica tem, enfim,

relação com o que diz Perelman:

Pode-se, de fato, tentar obter um mesmo resultado seja pelo recurso

à violência, seja pelo discurso que visa à adesão dos espíritos. É

em função dessa alternativa que se concebe com mais clareza a

oposição entre liberdade espiritual e coação. O uso da

argumentação implica que se tenha renunciado a recorrer

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unicamente à força, que se dê apreço à adesão do interlocutor,

obtida graças a uma persuasão racional, que este não seja tratado

como um objeto, mas que se apele à sua liberdade de juízo. O

recurso à argumentação supõe o estabelecimento de uma

comunidade dos espíritos que, enquanto dura, exclui o uso da

violência. (1996a, p. 61)

A argumentação jurídica, portanto, como discurso que

realiza a mediação dos conflitos sociais, leva o Direito a

posicionar-se frente ao desafio permanente de avaliar-se como

prática responsável, tendo em vista que “A responsabilidade do ato

realmente desempenhado é o levar-em-conta nele todos os fatores

— um levar-em-conta tanto a sua validade de sentido como a sua

realização em toda a sua concreta historicidade e individualidade”.

(BAKHTIN, s.d., p. 46)

E o indivíduo, alçado a um lugar social, ao mesmo tempo,

privilegiado e comprometido, mesmo atuando ao amparo da

instituição, não pode ser desresponsabilizado pois “[...] um ser

humano não tem direito a um álibi — a uma evasão dessa

responsabilidade única que é constituída pela sua atualização de

seu “lugar” único, irrepetível no Ser”. (Op. cit., p. 16).

Assim, o ensino e o domínio de técnicas e estratégias de

argumentação jurídica abrem o paradoxal — mas vivificante —

processo dialógico entre uma liberdade e um compromisso, entre

uma fragilidade do fazer-justiça e uma competência lógica e

interativa, entre um direito e um dever. [pg. 110]

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_____. Mediação dos Conflitos como Negociação de Sentidos. Curitiba: Juruá, 2000. [pg. 111]

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Esta obra foi impressa em oficinas próprias, utilizando um moderno sistema digital de impressão por demanda. Ela é fruto do trabalho das seguintes pessoas:

Professores revisores: Adão Lenartovicz Dagoberto Grohs Drechsel Supervisão: Carlos A. B. de Lara Impressão: Andrea L. Martins Doreval Carvalho Marcelo Schwb Editoração: Eliane Peçanha Elisabeth Padilha Emanuelle Milek Acabamento: Afonso P. T. Neto Anderson A. Marques Bibiane A. Rodrigues Luciana de Melo Luzia Gomes Pereira Maria José V. Rocha Nádia Sabatovski Sueli de Oliveira Willian A. Rodrigues Índices: Emilio Sabatovski Iara P. Fontoura Tânia Saiki

“Se desejas desfrutar do arco-íris, primeiro deves

suportar a chuva.” (Dolly Parton)

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