argumentação judicial e controle racional: o “estado …€¦ · 1. tema e delimitação do...

26
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA LINHA DE PESQUISA 3: Sistemas de Justiça, Direitos Humanos e Educação Jurídica PROJETO DE PESQUISA Argumentação Judicial e Controle Racional: o “estado da arte” da justificação das decisões judiciais nos tribunais superiores brasileiros PROFA. DRA. CLAUDIA ROSANE ROESLER

Upload: lambao

Post on 25-Aug-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE

DE BRASÍLIA LINHA DE PESQUISA 3: Sistemas de Justiça, Direitos Humanos e Educação Jurídica

PROJETO DE PESQUISA

Argumentação Judicial e Controle Racional: o “estado da arte” da

justificação das decisões judiciais nos tribunais superiores brasileiros

PROFA. DRA. CLAUDIA ROSANE ROESLER

1. Tema e Delimitação do Objeto de Investigação

O presente projeto de pesquisa tem como tema a argumentação jurídica

desenvolvida pelos tribunais superiores brasileiros e se insere no marco mais

amplo da discussão sobre a possibilidade de fundamentação racional das

decisões judiciais.

Articula-se, ademais, com a iniciativa, capitaneada pelo Departamento de

Filosofía del Derecho da Universidad de Alicante, Espanha, de construir um

observatório da argumentação jurídica especialmente atento ao “estado da

arte” nos países iberoamericanos, como se pode ver no sítio

http://www.observatoriodoxa.ua.es/index.php. A proponente é a coordenadora,

para o Brasil, do Observatório Doxa.

O papel do Poder Judiciário na criação do Direito é um dos pontos centrais das

teorias jurídicas contemporâneas e representa uma espécie de ponto de

confluência entre as diversas perspectivas epistemológicas ou práticas do

fenômeno jurídico e de sua complexidade. Se todos concordam que há a

criação do Direito pelo Poder Judiciário, seja no sentido da integração às

normas feitas pelo Legislador, seja no sentido de que ao interpretar uma

atividade criativa será realizada, divergem as teorias sobre os limites de tal

atividade.

Uma das mais influentes teorias da atualidade proposta pelo autor norte-

americano Ronald Dworkin1 – cuja perspectiva é argumentativa em sentido

amplo, mas que não se insere nas “teorias da argumentação jurídica” em

sentido estrito – explora exatamente esse limite ao questionar tanto a

concepção teórica antecedente – o Positivismo Jurídico – e sua dificuldade de

lidar com os juízos valorativos inerentes à decisão judicial de maneira a

fundamentá-los racionalmente, quanto os riscos e as disfuncionalidades

causadas pela simples assunção do papel criativo do juiz para uma prática

jurídica que se funda na legitima expectativa de que normas anteriores aos

1 A esse respeito, veja-se, sobretudo DWORKIN, 1999 e 2007.

fatos sejam aplicadas pelo Poder Judiciário. A previsibilidade das decisões,

assim como sua adequação às circunstâncias sociais, são fatores importantes

de legitimação da atividade do Poder Judiciário, eis que esse só pode ser

legitimado pelo exercício de sua função, ao não contar com uma legitimação

prévia dada pelo sistema eleitoral como a que desfrutam os Poderes Executivo

e Legislativo.

Essa legitimação pelo exercício da função requer, como é óbvio, que se tornem

claros os padrões de exigência no cumprimento das atividades a ela inerentes,

bem como que se estabeleçam parâmetros de formação adequados a essas

exigências. Daí nasce a importante discussão, ainda incipiente no Brasil, sobre

os mecanismos de seleção e formação de juízes e sobre os limites éticos de

sua atuação.

Mesmo quando há uma atuação meditada e teoricamente bem-embasada por

parte de setores do Poder Judiciário, há grande dificuldade de aferir a sua

adequação dada a natureza incipiente dos parâmetros de avaliação das

decisões tomadas, especialmente se nos reportarmos aos mecanismos de

controle da interpretação da Constituição.

Em uma tradição fortemente marcada, como é caso da brasileira, pelo apego a

formalismos de diversos matizes, a técnica necessária à análise e

compreensão de argumentos justificatórios das decisões judiciais é domínio de

poucos, invariavelmente aqueles que tiveram uma formação acadêmica

anterior ao ingresso ou paralela ao exercício da Magistratura. Ocorre que toda

a técnica de aplicação do Direito surgida nos últimos vinte anos pode ser

considerada, ao menos grosso modo, uma técnica com grande ênfase na

ponderação de valores, na compatibilização de direitos individuais, coletivos e

difusos, que requer precisamente uma capacidade de reflexão e de articulação

objetiva de argumentos adequados à justificação racional das decisões.

A teoria da argumentação jurídica, consolidada ao longo da década de 1980

especialmente com as contribuições de Robert Alexy e Neil MacCormick,

pretende ter respondido, de forma minimamente adequada, a pergunta sobre a

possibilidade da justificação racional das decisões judiciais. Essa resposta,

dada em abstrato, precisa, no entanto, ser cotejada com a prática

argumentativa real nos sistemas jurídicos. Projetos como o presente, cujo

objeto é a análise do uso das técnicas argumentativas e das estruturas de

argumento popularizadas pelas teorias da argumentação nas decisões

judiciais, permitem aferir a qualidade da argumentação judicial desenvolvida no

Brasil e contribuem para tornar mais claras as necessárias iniciativas de

formação judicial e de eventuais reformas institucionais que possibilitem um

avanço no controle social da atividade judicial.

2. Objetivos

OBJETIVO GERAL:

Analisar, com base nos delineamentos teóricos da teoria da argumentação

jurídica, o padrão argumentativo das decisões judiciais dos tribunais superiores

brasileiros.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

1. Identificar, com base nas informações existentes nos sítios dos tribunais

superiores brasileiros, o padrão argumentativo adotado para a justificação das

decisões, aferindo, em decisões selecionadas pela sua importância e pela sua

relevância para o sistema jurídico brasileiro, quais técnicas e estruturas

argumentativas são empregadas.

2. Formar uma rede de pesquisa que congregue os programas de pós-

graduação em Direito do Brasil que possuam linhas de pesquisa e projetos

afeitos a presente proposta e ao Observatório Doxa de Argumentação Jurídica.

3. Formar discentes de graduação e de pós-graduação stricto sensu –

mestrandos e doutorandos – para a análise das decisões judiciais,

capacitando-os para uma discussão mais qualificada das decisões judiciais no

Brasil.

4. Fornecer material de pesquisa para os demais participantes da rede

internacional formada no Observatório Doxa para a comparação do “estado da

arte” da argumentação judicial do Brasil com a de outros países e tradições

culturais e institucionais.

5. Verificar se o padrão argumentativo adotado nos tribunais brasileiros reflete

adequadamente as exigências de fundamentação racional atreladas ao

crescimento do papel do Poder Judiciário nos sistemas jurídicos

contemporâneos.

3. Fundamentação Teórica e Justificativa

Se for possível fazermos alguma generalização sobre o Direito e sobre o

conhecimento jurídico contemporâneos, sem dúvida que a centralidade da

Constituição no sistema jurídico dos Estados ocidentais é uma delas. Essa

percepção faz, inclusive, que chamemos a teoria jurídica contemporânea de

uma teoria constitucionalista, não porque ela tenha se transformado em uma

teoria do Direito Constitucional, mas porque em suas reflexões a Constituição

ocupa um lugar de grande importância. Há quem prefira, nesse sentido,

substituir a expressão pós-positivismo, cunhada também há pouco para dar

conta do novo perfil da teoria jurídica, pela já mencionada teoria

constitucionalista.2

2 A propósito, afirma Manuel Atienza (In: CRUZ; ROESLER, 2007): “Neste sentido, pós-

positivismo me parece uma denominação preferível às outras, porque sugere a idéia de um processo e de uma fase do mesmo posterior à do positivismo. Porém, de todas as formas, não me parece que seja de todo adequada para referir-se à concepção do Direito na qual se poderia situar autores como Dworkin, Alexy ou Nino e na qual eu também me situo. Para referir-se a isto nos últimos tempos se está usando a expressão “constitucionalismo” ou “paradigma constitucionalista”. Não se trata, naturalmente, de reduzir a teoria do Direito à teoria do Direito Constitucional, mas sim de considerar que estamos vivendo dentro de um paradigma de Direito que se caracteriza pelo papel fundamental atribuído à Constituição, sobretudo porque a validade das normas, em especial das normas legisladas, depende de sua adequação à Constituição, e não unicamente a critérios formais e procedimentais, se não também a critérios materiais. Junto a isto, tem também grande importância a existência dos tribunais constitucionais (chamados assim ou de outra maneira) que fazem um papel de controle de constitucionalidade das leis.” Para uma discussão mais ampla dessa problemática pode-se consultar Atienza; Ruiz Manero, 2009, p. 127-155.

Essa centralidade da Constituição pode ser localizada e de algum modo

vinculada ao advento do Estado de Bem-Estar Social e significou uma

substancial alteração na concepção do papel do poder público e do Direito a

ele conexo. Evidentemente, teve como conseqüência alterações na teoria

jurídica, com vistas à absorção dos novos aspectos do fenômeno, alterações

essas que ainda estamos realizando e refletem, dentre outros pontos, na

reformulação da teoria e da prática jurídicas para atender ao crescimento da

dimensão argumentativa do fenômeno jurídico3.

De um Direito com forte viés privatístico passa-se a ter uma configuração

jurídica publicística e de intervenção na liberdade privada, que gera a crise do

próprio modelo de direito privado que se propunha a regular todas as relações

socialmente relevantes e acaba por ter sua influência assaz diminuída.4 Este

fenômeno de crescimento do Direito Público levará à criação do conceito de

“constitucionalização do Direito Privado” e mesmo a diagnósticos bastante

pessimistas sobre o destino dos tradicionais institutos do Direito Privado, como

o contrato.

Se no modelo anterior podíamos identificar o predomínio da liberdade como

valor fundamental da organização social e jurídica, aqui a igualdade torna-se o

signo forte e é a partir dela que se constrói a intervenção estatal na Sociedade.

Esta busca de igualdade material acarreta o declínio da concepção de

Sociedade como um conjunto de indivíduos contratantes cuja lógica

individualizada de interesses era equalizada pelo livre jogo do mercado. A

crença na capacidade auto-regulatória do mercado cai e com ela surge a

necessidade de instituir mecanismos de subordinação dos interesses de alguns

segmentos sociais em detrimento de outros. O Direito Público torna-se,

portanto, o núcleo deste novo modelo.

Pode-se dizer, neste sentido, que a identificação automática entre legalidade e

legitimidade que operava difusamente no paradigma liberal perde consistência

3 A esse respeito, veja-se Atienza, 2007, especialmente p. 11-60.

4 Cfe Barcellona; Cotturri,1976, p.144-147: “La técnica que ambicionaba presentarse como

técnica de mediación de todo el mercado, como la „estructura‟ misma del mercado, al perder relevancia éste (por el desarrollo de los monopolios y de la intervención publica) pierde toda su carga hegemónica entre las técnicas de mediación.”

e se exige um maior empenho do Estado para, através do Direito, alcançar a

legitimidade pela qualidade de sua intervenção nas relações sociais.

Torna-se central neste contexto histórico a noção de política pública vinculada

ao próprio ordenamento jurídico. O direito positivo tem agora como função a

regulação de esferas sociais novas com vistas à promoção de determinados

objetivos em termos de melhoria da qualidade de vida e/ou disciplina da

atividade econômica. Políticas de saúde, habitação, educação etc., passam a

ser juridicamente reguladas.

É sua característica também a ampliação do rol dos direitos humanos que

passam a abranger direitos de cunho social e econômico, cuja principal

distinção para com os anteriores é a de exigirem uma ação positiva por parte

do Executivo na sua implementação. Se a noção anterior apontava para uma

espécie de “barreira” ao poder público, aqui se constrói uma nova noção de

direito como liberdade cuja consecução depende de uma igualdade material

que deve ser propiciada pela ação estatal. É preciso que se crie algo novo para

que possam ser exercidos estes novos direitos. Os direitos civis e políticos

admitiam, quando de sua violação, remédios corretivos. Estes pedem uma

ação estatal positiva e genérica. (Lopes, 1994, p. 124-129)

Enquanto os direitos humanos tradicionais e peculiares ao modelo liberal

tinham um caráter individualizável e admitiam remédios corretivos de sua

violação, como mencionamos acima, os novos direitos são de exercício coletivo

e implicam portanto no alargamento da própria noção de conflito jurídico. Não

há sempre e necessariamente uma parte litigando com outra igualmente

determinada, mas um conjunto de possíveis atingidos litigando, via de regra,

contra os próprios poderes públicos responsáveis pela sua garantia. Tal

configuração do conflito presta-se também ao crescimento do papel dos atores

políticos/sociais de defesa destes direitos, como os sindicatos, as associações

etc., o que também acarreta adaptações no modelo liberal de processo judicial.

Diante da necessidade de legitimação da ordem social pela consecução de

resultados em termos de políticas públicas o Estado se vê envolvido numa

demanda crescente por novos direitos que expressam os interesses de grupos

e classes sociais determinados. Se a demanda é infinita, os recursos para

provê-la não o são. Esta tensão constante coloca-o diante da necessidade de

desenvolver mecanismos paliativos de legitimação. Ao invés de conceder e

implementar os novos direitos, acaba muitas vezes instituindo-os apenas

simbolicamente, sem condições de efetiva implementação5.

É possível afirmar, nestes termos, que o conflito jurídico deixa de se

desenvolver apenas entre interesses individuais e particularísticos para

ampliar-se no sentido de um confronto entre projetos de Sociedade que são

defendidos por grupos e classes sociais. Na função de equalizar estes

interesses e projetos o Estado recorre a formulações normativas cada vez mais

genéricas e abertas, como mecanismos capazes de dar conta da contínua

demanda e sua diversificação.

A função promocional do Direito, que aponta para um horizonte a ser atingido

através da ação estatal, muda radicalmente a própria formulação técnica

normativa. Ao invés de limitar-se a uma normatização protetiva e repressiva,

com a atuação corretiva sobre um conflito ocorrido no passado, exige-se agora

do Direito que seja capaz de orientar a ação social para a consecução de fins6.

Uma ordem jurídica com alto caráter simbólico e com normas genéricas e

carecedoras de uma posterior delimitação acaba acarretando uma contínua

atividade de construção de sentido. A idéia de finalidade torna-se central nesta

discussão e vai orientar a hermenêutica jurídica no seu esforço para fazer

frente a estas transformações. Ao invés de uma atividade determinada no

tempo, por exemplo quando do advento de uma nova norma, exige-se agora

um trabalho constante de interpretação e adequação das normas à realidade

em mutação, de acordo com finalidades que variam e apontam para uma

atividade prolongada no tempo. (Cappelletti, 1993, p. 41)

Diante desta tensão surgem novos conceitos jurídicos, como o de Constituição

dirigente, de norma não dotada de eficácia plena mas diferida no tempo, de

princípios que visam apenas orientar a aplicação normativa, etc., e ganha

corpo a discussão sobre o papel criador da jurisprudência e seus

5 Uma excelente abordagem dessa problemática pode ser encontrada em Neves, 1994.

6 Daí a noção de “Constituição Dirigente”, ou seja, daquela Constituição que traz em si um

projeto de vida social que deve ser implementado. A respeito dessa noção e da polêmica sobre a sua adequação aos dias atuais, vide Coutinho, 2003.

condicionamentos político-ideológicos. A discussão surgida na filosofia do

Direito em meados da década de 70 e que se propaga até hoje sobre a

distinção entre princípios e regras é mais um exemplo desse fenômeno.

De certo modo, a divisão clássica do modelo liberal entre a esfera da política e

a esfera do direito acaba sendo atenuada, porque os conflitos políticos em

torno da distribuição de bens públicos e de escolha de quais interesses devem

ser privilegiados, desembocam no Poder Judiciário, que é instado a manifestar-

se sobre eles. Estes conflitos são, ademais, de difícil sistematização pois não

são situações que ocorram sempre de um mesmo modo e sim configurações

mutáveis e peculiares de uma dada realidade. A sua jurisprudencialização,

portanto, é quase impossível, mesmo porque sua solução depende da

interpretação de princípios genéricos e abstratos cujo sentido só é encontrado

por referência ao caso concreto em questão7. Há uma espécie de delegação da

atividade política ao Judiciário, que deve encontrar uma saída plausível dentro

das premissas normativas que o sistema lhe oferece.

Neste contexto perde-se a antiga coesão e coerência das soluções judiciais

que instrumentalizavam a concepção da ordem jurídica como um todo

completo e de sentido unívoco, com os corolários da segurança e certeza

jurídicas. Perde-se em segurança e certeza ao precisar de normatização para

situações específicas, não generalizáveis e também ao recorrer, por este

mesmo fato, a uma normatização principiológica.

Obviamente que não é por um “capricho” do Legislador que a normatização

toma este caráter principiológico. O Poder Legislativo, enquanto órgão

encarregado de fornecer as premissas normativas ao sistema jurídico vê-se

diante de uma dupla constrição. Por um lado é instado a legislar para atender

as demandas sociais por novos direitos e sua viabilização. Por outro não

consegue vencer a complexidade e a rapidez desta mesma demanda. Seu

mecanismo de funcionamento, com um procedimento formalizado e

burocratizado de produção normativa, não é suficiente ágil para dar respostas

7 Cfe. Faria, 1994, p. 29: “Os „casos difíceis‟ ocorrem quando, em face de um determinado

litígio, não há regras jurídicas claras, unívocas e/ou auto-aplicáveis, exigindo do juiz um grau maior de discricionariedade para decidi-lo neste ou naquele sentido; para tanto, o aplicador é obrigado a se valer de „princípios gerais‟- o que o leva, muitas vezes a promover a „criação judicial‟ do direito.”

no tempo em que as transformações sociais o exigem. Recorre então à

legislação principiológica, dada a sua incapacidade de fornecer uma solução

específica para cada contexto que lhe é levado.

Como muito bem aponta Zagrebelsky (2003, p. 37) as razões do

desaparecimento das clássicas características da lei correspondem também ao

desaparecimento daquela homogeneidade burguesa de valores e conceitos

não-tematizados porque pressupostos de maneira estável. As Sociedades

contemporâneas são pluralistas em termos valorativos e nelas, como diz o

autor, diversos grupos e estratos sociais participam do “mercado da lei” com

demandas e perspectivas muito diversas entre si. A homogeneidade liberal dá

lugar à heterogeneidade do Estado Social, caracterizado por uma ampliação da

democracia e pela busca de padrões de igualdade material.

Essas mesmas características da realidade social – mutabilidade, rapidez e

heterogeneidade – fazem com que o Poder Executivo seja levado a recorrer a

uma série de expedientes normativos que fogem dos padrões tradicionais da

legislação liberal. Portarias, atos normativos e decretos que tentam canalizar e

regular as situações sociais com a rapidez por elas exigidas.

A referida atividade normativa, seja do Legislativo, seja do Executivo, faz com

que o sistema jurídico acabe sendo transformado num conjunto de difícil

sistematização e hierarquização, embora de um ponto de vista formal todas as

categorias forjadas no modelo liberal do Direito continuem sendo usadas. Sua

capacidade explicativa e cognitiva, no entanto, é prejudicada pela nova

realidade, que lhe escapa do controle.

Ao invés de um sistema hierárquico e formalizado, como tínhamos no modelo

liberal, encontramos agora um sistema circular, no qual se cruzam diferentes

normatividades que tendem a formar cadeias independentes entre si e que são

organizadas de maneira mutável, pela remissão a alguns princípios basilares

do sistema, quando necessário. É cada vez menos possível encontrar uma

linearidade única no interior do sistema normativo. Uma série de subsistemas a

substitui e eles se articulam entre si de modo não estático.8

Este novo modelo de sistema jurídico pode ter sua adequação funcional

mensurada da seguinte forma:

A praticidade dos sistemas circulares reside no seu caráter pragmático. Uma vez reconhecida a heterogeneidade de fatores intercorrentes no mundo jurídico, os sistemas normativos passam a atuar como redes aptas a capturar a complexidade da realidade social. Qual o critério identificador das relações úteis ou significativas para o trabalho do julgador? Importa verificar, preliminarmente, que todas as eventuais respostas esvaziam o paradigma dogmático da ciência do direito. Primeiramente, se valorizada a capacidade operacional e prática dos microsistemas de auto-regulação social, assegura-se a juridicidade às custas do sistema hierarquizado. Em segundo lugar, se evidenciada a necessária unicidade do sistema de regulação jurídica, perde-se a certeza da adequação da norma genérica ao caso particularíssimo. Por isso, a „desestruturação do direito‟ revaloriza a temática da hermenêutica jurídica e da função social do magistrado. (Campilongo, 1994, p. 40)

Muda-se, assim, o próprio perfil de conhecimento técnico exigido no âmbito

jurídico. Inevitavelmente colhido pela crescente complexidade social e instado

a operacionalizar a nova normatividade, o sistema tem de conviver com a

ponderação de interesses sociais e políticos como determinantes de suas

decisões, o que não lhe era exigido no modelo anterior9, assim como lidar com

um sistema cuja estrutura está longe de ser facilmente operacionalizável com

as categorias dogmáticas tradicionais.

Podemos sintetizar em três aspectos principais esta alteração que torna

perplexo o jurista formado no paradigma liberal de Direito e dogmática jurídica:

8 Um bom exemplo de teoria que explora esta nova face do sistema jurídico pode ser

encontrada em Ferraz Jr.,1978. 9 Cfe. Faria, 1994, p. 23. “Na medida em que o uso do direito como instrumento de direção e

promoção social tem por objetivo a consecução de um equilíbrio material entre os diferentes setores, grupos e classes sociais, a idéia da „justiça‟ inerente ao sistema legal acaba sendo pensada como um princípio de „balanceamento‟ de interesses irredutíveis a uma medida universal e geral. Esta é a razão pela qual esse sistema destaca-se por suas normas com propósitos compensatórios, redistributivos e protetores, rompendo com o princípio da igualdade formal de todos os sujeitos de direito no âmbito de um mesmo ordenamento jurídico. É por esse motivo que a lei já não é mais tratada como sinônimo de direito, ou seja, como se este se reduzisse somente a um texto legal, passando a ser concebido apenas como uma peça - importante, é certo, mas ao lado de outras - do processo de realização das instituições jurídicas. Nesta linha de raciocínio, as normas jurídicas só podem ser aplicadas de modo legítimo e eficaz quando conectadas hermeneuticamente com a realidade social e econômica, integrando-a como parte necessária do sistema legal.”

a) hipertrofia legislativa, inclusive com legalidade produzida fora do

parlamento (mudança quantitativa);

b) variabilidade de normas, modificando constantemente a regulação dos mais diversificados aspectos da vida social e tornando a legislação instável (mudança qualitativa);

c) como síntese dos aspectos negativos das duas características anteriores, problemas de coerência interna do ordenamento.

(Campilongo, 1994, p. 41).

Nesse contexto de transformação que estamos descrevendo a Constituição

aparece como um mecanismo de unificação do Direito e consequentemente de

contenção do potencial destrutivo da continua produção legislativa com as

características que vimos acima. A idéia de uma Constituição surge, assim,

vinculada à noção de um limite acima da legislação e à qual se submetem

todos os participantes do jogo político. Uma unidade postulada, evidentemente,

a partir de valores e princípios suficientemente gerais e abstratos para serem

aceitos como produto de amplo consenso social e que passam a ser encarados

como condições de possibilidade do próprio jogo político e da busca, a ele

inerente, de benefícios sociais para os grupos que expressam a particularidade

e a pluralidade dos interesses sociais. (Zagrebelsky, 2003, p. 39)

O Estado Constitucional como um conceito que nasce a partir da

transformação do Estado de Direito Liberal em Estado de Bem-Estar, com uma

Constituição cujo papel é o acima descrito, procura apreender, portanto, essa

natureza simbólica do documento constitucional e ao mesmo tempo

transformá-lo efetivamente em um documento de compromisso e de

viabilização dos acordos que este compromisso expressa.

A idéia chave, como bem demonstra Prieto Sanchís (1998, p. 33), passa a ser

a presença da Constituição como um marco de limitação e controle do poder,

de todo o poder, o que traz consigo a necessidade de se estabelecer um

mecanismo de controle de constitucionalidade das atividades legislativas e um

controle de legalidade das atividades administrativas do Estado. Esse controle

não deve ser confundido, no entanto, com um controle meramente formal,

atento aos pressupostos de validade presentes na concepção anterior, mas

representa uma aferição dos atos legislativos e administrativos à luz da defesa

dos direitos fundamentais, ampliados, como se viu nos parágrafos anteriores,

para corresponderem à idéia de igualdade material.

O núcleo desse novo modelo consiste, pois, em conceber-se uma norma

suprema, fonte direta de direitos e obrigações, imediatamente aplicável por

todos os operadores jurídicos, capaz de impor-se frente a qualquer outra norma

e, sobretudo, com um conteúdo prescricional pleno de valores, princípios e

direitos fundamentais. A novidade, como ressalta Prieto Sanchís (1998, p. 35),

não está nos elementos isolados, mas em sua conjugação.

Servindo-se de um argumento de Robert Alexy, Sanchís afirma que o

constitucionalismo contemporâneo pode ser compreendido de forma muito

esquemática a partir do seguinte perfil: mais princípios do que regras, mais

ponderação do que subsunção, mais juizes que legisladores, mais Constituição

que lei. (Sanchís, 1998, p. 35)

Evidentemente que em um sistema jurídico tal como o que vínhamos

descrevendo, altamente complexo e carecedor de uma constante atividade

interpretativa, traz consigo a necessidade de um instrumental teórico e técnico

diferenciado. Ao invés da teoria estrutural do Direito, característica do modelo

liberal e preocupada com a aferição da validade em termos formais, há de se

desenvolver agora uma teoria que permita discutir os conteúdos jurídicos,

sejam os postos na legislação infraconstitucional ou nos atos da Administração

Pública, sejam os postos na Constituição.

Uma teoria da argumentação jurídica é construção imperativa para esse novo

modelo, pois, embora possamos dizer com larga margem de acerto que o

Direito sempre foi aplicado por mecanismos argumentativos, sem dúvida que

esses mecanismos ganham um papel muito mais importante quando nos

deparamos com sistemas jurídicos como os do Estado Constitucional.

Como muito bem aponta Atienza (2004, p. 17), uma das idéias presentes no

conceito de Estado Constitucional é a de que as decisões públicas têm de estar

motivadas para que sejam submetidas a controle. Ademais, o critério de

legitimidade do poder nessa forma de Estado é, além de legal-procedimental,

preso a considerações de caráter material, o que significa dizer que o espaço

oferecido pelo Estado Constitucional à argumentação jurídica é maior do que o

existente em outras formas de organização jurídico-política.

Como bem lembra o autor, isso não significa e não deve significar, contudo,

uma idealização do Estado Constitucional como uma forma de Estado racional-

argumentativo, mas a compreensão de que esta organização jurídico-política e

sua ênfase argumentativa é a melhor das formas existentes, embora não seja

perfeita. (Atienza, 2004, p. 17-18)

Essa “ênfase argumentativa” apontada por Atienza acarreta uma centralidade

do Poder Judiciário como poder que interfere na vida política e social. Como

bem resumem Pederzoli e Guarnieri (1999), as modificações que as

Sociedades contemporâneas enfrentam e que afetam a posição do Poder

Judiciário são amplas e multifacetadas. Se, de um lado, como já apontamos

acima, ocorre uma mudança quantitativa na legislação, com o fenômeno que

se conhece por “inflação legislativa”, também é correto vincular essa mudança

quantitativa a outra de ordem qualitativa que se manifesta na produção de

normas com características muito mais abertas e com as quais se transfere ao

Poder Judiciário não mais o dever de “reparar” uma situação, voltando-se ao

passado, mas de perseguir e atingir certos fins colocados como socialmente

válidos e importantes.10

A passagem de um Estado Liberal, com a sua típica filosofia do laissez-faire,

como destacam os autores mencionados acima, a uma atitude claramente

interventiva do Estado de Bem-Estar Social, leva a uma situação na qual não

há praticamente nenhum assunto pertinente ao convívio social no qual o Poder

Judiciário não possa vir a emitir juízos. Ademais, a natureza diversa de muitos

dos conflitos que a regulação jurídica do Estado de Bem-Estar Social impõe

acarreta uma mudança no peso e no valor das decisões judiciais, cujos efeitos

podem alcançar não apenas as partes diretamente envolvidas no processo,

mas toda uma parcela da Sociedade. (PEDERZOLI; GUARNIERI, 1999)

10

Do ponto de vista de uma teoria interna do Direito essa mudança foi evidenciada por muitos autores. Para uma análise da discussão pode se consultar Atienza e Manero (2004) que, ademais, distinguem entre princípios jurídicos em sentido estrito e diretrizes, bem como entre normas de ação e normas de fim. Essas últimas põem ao aplicador exatamente uma finalidade a ser atingida e por isso trazem consigo uma série de conseqüências práticas tanto para a delimitação de seu sentido quanto para a aferição de seu (correto) cumprimento pelas autoridades que tem o dever de aplicá-la.

As fronteiras entre administração, legislação e jurisdição tendem a se mostrar

menos nítidas e a conseqüência prática imediata disso é que o Poder Judiciário

se transforma também em responsável pelas modificações sociais e pela

implementação das políticas públicas prescritas na Constituição. Sua atividade

passa a ser, nestes, termos, de muito maior visibilidade e de muito maior

responsabilidade política. A doutrina clássica da separação de poderes perde

assim seu potencial explicativo e requer que se analise de modo mais detido e

em relação com os múltiplos arranjos institucionais possíveis, as tarefas

cumpridas pelo Poder Judiciário nas Sociedades contemporâneas. 11

Essa aproximação do Poder Judiciário ao Executivo e ao Legislativo não nos

deve fazer perder de vista, no entanto, a sua qualidade de interventor que tem

de ser provocado, ou seja, de que mesmo quando atua nessas novas funções,

o Poder Judiciário não o faz com a sua própria iniciativa, mas depende de uma

provocação externa para que possa agir. O grau de provocação a que é

submetido, depende, por sua vez, de um complexo emaranhado de fatores

econômicos, sociais e políticos, dentre eles a sua capacidade relativa de “dar

respostas” aos problemas que lhe são apresentados em comparação ou em

contraposição com os outros órgãos do Estado, bem como o grau de

litigiosidade (que está relacionado com questões histórico-culturais) da

Sociedade na qual se insere. (PEDERZOLI; GUARNIERI, 1999)

A realidade complexa que cerca o Poder Judiciário pode ser colocada,

portanto, nos seguintes termos: é um ator político na medida em que tem a

responsabilidade de buscar fins sociais determinados na Constituição e

controlar o cumprimento de funções políticas e de execução de programas dos

outros poderes; é um ator passivo, ou seja, que necessita ser provocado; é um

11

Segundo Pederzoli e Guarnieri, 1999, p. 21: “El hecho de que el juez sea también un legislador se considera ya hoy como una „obvia banalidad‟ (Cappelletti, 1998: p.14). Los ámbitos de discrecionalidad de que dispone y las mismas características del procedimiento de decisión le llevan de hecho a participar en la formulación de las políticas públicas. Igualmente se ha visto que hoy es más difícil distinguir entre jurisdicción y administración, sobre todo en lo que se refiere al impacto producido por las sentencias. Desde este punto de vista, la versión tradicional de la doctrina de la separación de poderes ya sufre una erosión visible. […] Y desde esta perspectiva si se quiere evaluar el papel que de hecho ha asumido la justicia, el reparto formal de las competencias es hoy un punto de referencia mucho menos útil que antaño: el sistema judicial tiende a actuar, en efecto, como una estructura multifuncional, que presenta numerosas áreas de superposición con las actividades demandas a las otras instituciones políticas.”

corpo coletivo, mas expressa uma parte considerável de sua atividade em

decisões individuais, das quais, no entanto, se cobra coerência com o conjunto

das decisões tomadas pelo corpo a que pertence; e, por fim, trabalha com um

emaranhado legislativo cuja coerência e acessibilidade estão sobejamente

conhecidas como precários.

Essa visibilidade política e social do Poder Judiciário traz consigo um debate

importante sobre a função judicial e seus limites e provoca nova série de

indagações de caráter prático: Quem são os juizes? Como são recrutados?

Quais os mecanismos de avaliação e controle de sua atividade jurisdicional?12

Atendendo a uma perspectiva histórica tal como a proposta por Van Caenegem

(1991), podemos observar que a história ocidental mostra uma lenta mas

inexorável passagem do poder de julgar das mãos dos leigos às mãos dos

juristas, entendidos em sentido amplo como conhecedores do direito, e em

seguida à profissionalização, compreendida como o dedicar-se tão somente às

tarefas pertinentes à instituição judiciária.13

Van Caenegem (1991) propõe uma tipologia para estudar a evolução histórica

a partir do momento em que predominou a profissionalização, nos seguintes

termos: Tipo 1, nomeação pela autoridade política mais alta; Tipo 2, eleições

populares; e, Tipo 3, os juizes constituem uma casta advinda da aristocracia e

da pequena nobreza ou adquirem o cargo em um sistema baseado em

procedimentos censitários (ser proprietários etc.). Utilizando esse esquema

geral, o autor repassa rapidamente a história européia e demonstra que em

termos formais a prevalência nos países europeus foi a do tipo 1, ou seja, a

12

Ressaltando as implicações teóricas e práticas de pesquisas sobre a temática afirma Di Federico, 2005, p. V: “A research on the functioning of recruitment, professional evaluation, career, and discipline of judges and prosecutors in different countries has both scientific and practical implications. In analyzing and comparing those features in various judicial systems, the values of independence and impartiality are in many ways revealed in their multifaceted aspects. In fact, the higher the actual guarantees of professional qualifications in the various systems, the higher also are the guarantees of independent and impartial behaviour of the judge (insofar as his technical preparation and his deeply rooted professional values make him far less likely to be receptive to improper external influences).” 13

É necessário observar, no entanto, que isso é mais bem uma generalização do que uma afirmação fática, pois em praticamente todos os países ocidentais há alguma forma de atuação de tribunais constituídos por jurados leigos e atualmente em países como a Inglaterra um importante papel é destinado aos juizes de paz, dos quais não se exige nem dedicação exclusiva nem formação jurídica em sentido estrito. Sobre isso, vide Van Caenegem, 1991, p. 126 e ss.

nomeação por parte do Rei, que, contudo, foi lentamente deslizando para um

controle das nomeações por parte da própria elite profissional judiciária. A

situação atual, no entanto, aponta bem mais para uma mistura dos três tipos

que comparecem nos diversos países em diferentes graus, evidentemente que

com as adaptações necessárias aos contextos políticos de Estados

democráticos.14

Outra tipologia que pode nos auxiliar a compreender as diferentes soluções

históricas intentadas para a seleção dos juízes nos regimes políticos

democráticos é a proposta por Guarnieri (2001) com três tipos básicos: a

designação por parte do Legislativo, do Executivo ou de ambos; a eleição

direta pelos cidadãos; e, o concurso público, seguido ou não de um período de

experiência prática inicial. A prevalência de um ou de outro sistema depende

em larga medida da tradição jurídica de cada país e de seu processo de

formação dos órgãos estatais.

É possível verificar que nos países da Europa continental a função judicial

incorporou-se historicamente ao aparato estatal e acabou tornando-se parte da

administração pública15. Na Inglaterra16 e em alguns países da common law,

herdeiros da experiência inglesa, ao contrário, os juizes nunca foram

perfeitamente incorporados ao corpo administrativo do Estado. Nos Estados

Unidos da América, por conta da precoce democratização do sistema político

produzida antes da profissionalização dos aparatos públicos, há uma maior

difusão do sistema de eleição direta e um maior papel das instituições políticas

na escolha dos membros do Poder Judicial. (GUARNIERI, 2001)17.

Atendendo a essa diversidade de experiências políticas e de organização

judicial, pode-se conceber, ainda que seja uma generalização, dois modelos

14

Veja-se, neste sentido, a análise do autor sobre a Bélgica, seu país de origem, a Inglaterra e os Estados Unidos, com base na mencionada tipologia. Van Caenegem, 1991, p. 130-131. 15

Sinal evidente disso, como apontam Pederzoli e Guarnieri, 1999, p. 40, é o fato de que as formas de recrutamento dos funcionários públicos é praticamente a mesma que a dos juizes e membros do Ministério Público, ou seja, que a concepção predominante os identifica a todos como parte do Estado. 16

Sobre as peculiaridades do sistema inglês, bastante diferente do sistema dos demais países europeus, pode-se consultar Pederzoli e Guarnieri, 1999, p. 34 e ss. 17

No mesmo sentido, Van Caenegem 1991, p. 131, a partir de sua tipologia, afirma uma relativa prevalência do tipo 2 (eleições populares) nos Estados Unidos. Vide também Pederzoli e Guarnieri, 1999, p.36 e ss, para uma descrição mais detalhada dos mecanismos utilizados para a seleção dos juizes.

básicos de recrutamento dos membros do Poder Judiciário nas Sociedades

democráticas ocidentais: o do juiz “profissional”18, recrutado dentre membros

bem-sucedidos de carreiras jurídicas e detentor de uma experiência

profissional que abaliza a sua nomeação ao cargo e legitima o exercício da

função jurisdicional, presente nos países vinculados à tradição da common

law19; e do juiz “funcionário” que, mais característico dos países vinculados à

tradição romano-germânica, trabalha com sistemas de recrutamento baseados

em concursos públicos e aposta em um aprendizado da função no próprio

exercício desta, dentro da organização judicial, pois o perfil geral do juiz

recrutado é o de um jovem bacharel em Direito, cuja experiência profissional é

pequena ou inexistente. (GUARNIERI, 2001)

Evidentemente que ambos os sistemas podem ser elogiados ou criticados

segundo se ressaltem as suas características específicas. Assim, se parece

razoável supor que o sistema de recrutamento de juizes dentre profissionais

experimentados oferece vantagens óbvias, pois permite lidar com candidatos

que são submetidos a uma avaliação mais duradoura de suas capacidades

profissionais e de suas características psicológicas, e, portanto, garantiria uma

qualidade maior para os membros da magistratura, também é verdade que se

nas avaliações interferem condicionamentos de caráter clientelista, essa

avaliação positiva teria de ser matizada.

É de se considerar, ainda, que em um sistema dessa ordem, o seu bom

funcionamento depende em larga medida da presença abundante de bons

candidatos dispostos a integrar os quadros da magistratura em detrimento das

carreiras nas quais já consolidaram suas trajetórias profissionais, ou seja, é

preciso, para que se possa escolher os melhores, que eles estejam dispostos a

18

Para auxiliar a visualizar melhor as implicações do modelo, pode-se utilizar a idade media dos ingressantes na magistratura, a qual se encontra na Inglaterra entre os 50 e os 60 anos e nos Estados Unidos, ao menos para a magistratura federal, mais prestigiada e importante do ponto de vista do sistema judicial, é menor do que na Inglaterra mas consideravelmente mais alta do que nos países da Europa continental. A respeito, vide Pederzoli e Guarnieri, 1999, p. 37-38. 19

A propósito dessa característica, afirma Iñaki Agirreazkuenaga, 2004, p. 12: “Sin embargo, desde la perspectiva del sistema de nombramiento o elección de los jueces hay una clave que se repite de modo constante en los modelos de corte anglosajón, y es la exigencia de una variada y sólida experiencia práctica a todos quienes vayan a ejercer funciones judiciales.”

apresentarem-se para ocupar as vagas disponíveis e que a magistratura seja

capaz de atraí-los e mantê-los.

Por fim, deve-se atentar para o fato de que a circunstância de se recrutar

profissionais já “formados” tende a reproduzir as características já presentes

nas profissões jurídicas, o que pode significar um problema, especialmente se

o grupo dos “recrutáveis” é bastante restrito, como no caso inglês20.Corre-se o

risco, neste sentido, de contar com um corpo judicial cujo perfil esteja bastante

distante do perfil médio da população do país e que possui pouca

permeabilidade às minorias étnicas ou a grupos sociais menos favorecidos

historicamente.21 Isso significaria, em termos gerais, que o Judiciário teria uma

consciência da realidade social mais bem amparado no conjunto de valores da

classe e dos grupos sociais predominantes.

Se avaliarmos o sistema burocrático, que acima chamamos de modelo do juiz

“funcionário”, incorporado às estruturas estatais e participante de uma carreira

estruturada, os prós e contras também resultam bastante significativos. De um

lado, uma seleção baseada em provas, escritas ou orais, que avaliem os

conhecimentos técnicos deve levar a uma escolha dos melhores capacitados

tecnicamente para a função, bem como evitar ingerências externas de caráter

político ou abertamente clientelistas. Por outro, uma sistemática de seleção

como os concursos públicos torna difícil avaliar as condições reais de

capacidade para o exercício da atividade judicial, pois acaba por privilegiar a

resposta a uma gama mais ou menos ampla de questões, em um momento

localizado no tempo, a partir do qual, se o resultado é aceitável, considera-se a

20

Considerando as características do sistema jurídico inglês e a recusa de codificar o Direito, Van Caenegem (1991, p.46) assim se expressa: “La magistratura inglese è tradizionalmente conservatrice, perche i giudici venivano i vengono reclutati fra le file dei più noti avvocati, che per tradizione provengono dalla piccola nobiltà e dall‟alta borghesia. Questo processo si è svolto in diverse maniere: in modo palese nel passato, quando l‟accesso alle Inns of Court era chiuso per legge a coloro che non facevano parte dell‟aristocrazia o della piccola nobiltá, e in modo piú sottile in epoche successive, quando si sceglieva tra i pochi che potevano permettersi un‟instruzione in una scuola pubblica e ad Oxford o Cambridge.” 21

Neste sentido, afirma Guarnieri, 2001, p.29, ao explicitar os problemas apontados ao sistema inglês de recrutamento: “Por ejemplo, hay pocas mujeres jueces así como hay pocos jueces pertenecientes a minorías étnicas. De hecho, el acceso a la profesión forense requiere un largo periodo de prácticas, que a menudo no son retribuidas, hecho que no puede dejar de tener una repercusión negativa para aquellos que proceden de familias de condición social modesta – y las minorías étnicas se encuentran a menudo entre ellas – o también para las mujeres, que a menudo, en la primera fase de su carrera profesional, tienen que hacerse cargo de criar a sus hijos.”.

pessoa como incluída em uma categoria profissional cujas atribuições são de

alta responsabilidade política e social, muitas vezes com a vitaliciedade no

cargo e com poucos (ou nenhum) mecanismos efetivos de formação inicial ou

continuada.

Como ressalta Guarnieri (2001), vários são os problemas a serem enfrentados

pelos sistemas burocráticos de recrutamento. Em primeiro lugar, a dificuldade

em implantar-se um mecanismo que permita alcançar os objetivos institucionais

da magistratura e que implica em obter um comportamento mais ou menos

uniforme de seus membros. Isso se consegue, afirma o autor, por uma

combinação em graus variados, de duas opções: um recrutamento inicial

altamente exigente que garanta a qualidade da pessoa que se recruta

(normalmente presente no modelo do juiz “profissional”) ou uma ênfase no

treinamento e na comprovação das qualidades buscadas por meio de uma

sistemática de sanções positivas e negativas capazes de estimular os

comportamentos desejados pela organização. A estruturação da carreira e dos

mecanismos de avaliação para a progressão nela22, bem como as estruturas

de formação continuada que se podem vincular a isso, são, portanto,

fundamentais nesse contexto. Em segundo lugar, a circunstância de que o

modelo suponha um perfil generalista de juiz, capaz de desempenhar muitas

funções e de conhecer (e bem) todos os ramos do Direito23. Por fim, mas não

por último em grau de importância, a problemática nascida da formação

técnico-jurídica altamente legalista que marca os sistemas de ensino do Direito

dos países nos quais se utiliza o modelo de juiz “funcionário” e que estão

francamente inadequados ao perfil que as Constituições desses mesmos

sistemas jurídicos exigem.

22

É de se registrar, neste sentido, a experiência italiana, que aboliu a carreira judicial enquanto um escalonamento de tipo hierárquico-burocrático, num esforço de democratização do Poder Judiciário. Sobre a experiência italiana muito se produziu em termos de análise, mas pode-se consultar, para uma idéia geral de como funciona o sistema, a Pederzoli, 2001 e a Di Federico, 2005, p. 127 e ss. 23

Neste sentido, afirma Pederzoli, 2001, p. 83: “Por último, en estos contextos, las estructuras organizativas tienen aún la impronta de modelos culturales expresados por la ciencia jurídica – el carácter sistemático y autosuficiente de esta disciplina, la idea de un juez „omnisciente‟ que debería ser capaz de abarcar a todas las ramas del Derecho – y que deja todavía vislumbrar una cierta desconfianza respecto a la especialización de las asignaturas no jurídicas. Así el generalismo sigue impregnando no sólo la formación universitaria sino también la práctica y las propias modalidades de asignación a las funciones de los magistrados.”

Se esse é o contexto no qual os juízes decidem e se suas decisões tornaram-

se tão importantes para os sistemas jurídicos contemporâneos, se torna fácil

perceber a necessidade de análises que mostrem quais os padrões

argumentativos utilizados pelos julgadores para justificar suas decisões. A

teoria da argumentação jurídica desenvolvida a partir da década de 1970, como

já mencionamos, estabelece padrões que serão úteis para aferir a justificação

racional das decisões e tem uma preocupação marcada exatamente pela

justificação da decisão judicial, embora não se esgote nisso.

Com efeito, as obras mais marcantes da teoria jurídica contemporânea, de

Robert Alexy24 (2007) e de Neil MacCormick25 (2006 e 2008), constroem seus

modelos teóricos preocupados com a decisão judicial e a sua referência a

contextos práticos de ação, como fazem questão de ressaltar nas páginas

introdutórias de suas obras mais importantes.

Sintetizando a análise aqui realizada para justificar a relevância do presente

projeto de pesquisa, podemos apontar os seguintes aspectos:

a) A centralidade da Constituição nos sistemas jurídicos contemporâneos e

a abertura de sentido das normas jurídicas que decorre dessa

centralidade;

b) A superação de modelos teóricos baseados na concepção de validade

formal das normas jurídicas, substituídos por modelos teóricos que

enfatizam a dimensão argumentativa do Direito;

c) A crescente importância do Poder Judiciário na regulação social, como

poder que não só dirime os conflitos individuais, mas também atua de

24

“La cuestión es, donde y em qué medida son necesarias valoraciones, cómo debe ser determinada la relación de éstas con los métodos de la interpretación jurídica y con los enunciados y conceptos de la dogmática jurídica y cómo pueden ser racionalmente fundamentadas o justificadas estas valoraciones. La respuesta a estas cuestiones es de gran importância teórica y práctica. De ella depende, por lo menos em parte, la decisión sobre el carácter cientifico de la Jurisprudencia. Ella tiene, además, um gran peso em el problema de la legitimidad de la regulacion de los conflictos sociales mediante decisiones judiciales.”. (2007, P. 28) 25

“A abordagem que adoto consiste em permanecer o próximo possível dos fenômenos. Os fenômenos, para este estudo, são as verdadeiras argumentações dos tribunais, em especial os tribunais da Inglaterra e da Escócia. Situo minha investigação dentro de uma perspectiva da argumentação prática e da natureza humana, como é inevitável. Procuro, porém, não apresentar as minhas opiniões de modo meramente apriorístico. Sempre as desenvolvo e ilustro com referência a casos verdadeiros, ao real raciocínio de juízes que lidam com problemas concretos de natureza prática.” (2006, p. XV).

modo significativo na resolução de conflitos entre os demais Poderes,

entre os grupos sociais e entre a sociedade civil organizada e o Estado;

d) A dificuldade de, a partir de modelos de recrutamento e seleção

pensados para o contexto de um Poder Judiciário mais técnico e menos

político, encontrar soluções institucionais de controle da atividade

judicial.

e) A necessidade de se utilizar elementos de controle racional das decisões

judiciais, presentes nas suas justificações, para melhorar o controle

social das decisões judiciais.

4. Metodologia

A pesquisa será realizada por intermédio dos seguintes procedimentos:

1. Levantamento, nos sítios dos tribunais superiores – Supremo Tribunal

Federal, Tribunal Superior Eleitoral, Superior Tribunal de Justiça e

Tribunal Superior do Trabalho – das decisões judiciais exaradas, a fim

de verificar a média anual.

2. Levantada a quantidade média de decisões por ano, será feita uma

escolha, com base na relevância doutrinária, no impacto de alteração do

sistema jurídico e das conseqüências sociais, das principais decisões

tomadas pelos tribunais em cada um dos três anos da pesquisa.

3. Paralelamente serão escolhidas, de modo aleatório, decisões sem o

grau de impacto das referidas anteriormente, para comparação e

aferição da qualidade da justificação apresentada.

4. Selecionadas todas as decisões, sua argumentação será analisada com

base nos padrões da teoria da argumentação jurídica contemporânea,

ressaltando a utilização de certas técnicas argumentativas e de certas

formas de argumento. Os instrumentos específicos de análise serão os

fornecidos pelo Observatório Doxa, tendo em vista a necessidade de

padronização dos relatórios de todos os países envolvidos no projeto.

Esses instrumentos ainda estão em fase de discussão.

5. Adequação do Perfil da Proponente aos Critérios do Comitê de

Assessoramento de Antropologia, Arqueologia, Ciência Política,

Direito, Relações Internacionais e Sociologia – CA-CS

Critério CA Perfil da Proponente

Ter no mínimo 3 anos de doutoramento Doutoramento em 2002 – 08 anos – e Pós-Doutoramento em 2006

Estar vinculado a grupo de pesquisa registrado no diretório de grupos de pesquisa do CNPq

Vínculo ao Grupo de Pesquisa “Sociedade, Tempo e Direito” na linha de pesquisa Argumentação Jurídica e Controle Racional das Decisões Judiciais

Apresentar, nos últimos 05 anos, atividade regular de pesquisa

Participação em 14 projetos de pesquisa nos últimos cinco anos, com destaque para a coordenação do projeto financiado pela Agencia Española de Cooperación Internacional, da equipe PROCAD da UNIVALI, e da obtenção de bolsa – vinculada a projeto de pesquisa – da Universidad de Alicante.

Ter publicado no mínimo 5 publicações, sendo pelo menos 1 artigo em periódico Qualis A1 e A2; ou 02 capítulos de coletâneas publicadas, preferencialmente por editoras universitárias, ou por editoras com selo universitário e distribuição nacional, ou por editoras consagradas, de acordo com os critérios da área

Onze artigos científicos em periódicos científicos qualificados, dentre eles um artigo em periódico A2 – Revista Doxa – e 5 capítulos de livros em coletâneas publicadas por editoras com distribuição nacional e consagradas, de acordo com os critérios da área.

Ter orientado, no momento da solicitação da bolsa, pelo menos 01 aluno de mestrado, quando vinculado a programa de pós-graduação stricto sensu.

Orientação concluída, no momento da solicitação da bolsa, de 25 dissertações de mestrado.

6. Referências das Fontes Citadas no Projeto

AGUIRREAZKUENAGA, Iñaki. Modelos comparados de organización judicial y

régimen de selección o elección de jueces y magistrados. Revista Poder

Judicial, n. 75, 2004, p. 11-56.

ALEXY, Robert. Teoria de la argumentación jurídica. 2. ed. Tradução de

Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madrid: Centro de Estudios Políticos y

Constitucionales, 2007.

ATIENZA, Manuel. Argumentación Jurídica y Estado Constitucional. Novos

Estudos Jurídicos. Itajaí-SC, v. 9, n. 1, p.9-20, jan./abr. 2004.

ATIENZA, Manuel. El Derecho como Argumentación. 2. ed. Barcelona: Ariel,

2007.

ATIENZA, Manuel; RUIZ MANERO, Juan. Las Piezas del Derecho. 2. ed.

Barcelona: Ariel, 2004.

ATIENZA, Manuel; RUIZ MANERO, Juan. Para una teoría postpositivista del

Derecho. Lima-Bogotá: Palestra/Temis, 2009.

BARCELLONA, Pietro e COTTURRI, Giuseppe. El Derecho de las capas

medias: la suerte de los jusprivatistas. In BARCELLONA, Pietro e COTTURRI,

Giuseppe. El Estado e los juristas. Barcelona: Fontanella, 1976, p.144-147.

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os Desafios do Judiciário: um

enquadramento teórico. In FARIA, José Eduardo (org.). Direitos Humanos,

Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: Malheiros, 1994.

CAPPELLETTI, Mauro. Juizes Legisladores? Tradução de Carlos Alberto

Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Fabris, 1993.

COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.) Canotilho e a Constituição

Dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

CRUZ, Paulo Márcio; ROESLER, Claudia Rosane (orgs.). Direito e

Argumentação no pensamento de Manuel Atienza. Rio de Janeiro: Lúmen

Júris, 2007.

DI FEDERICO, Giuseppe (coord.) Recruitment, Professional Evaluation and

Career of Judges and Prosecutors in Europe. Bologna: Editrice lo Scarabeo,

2005.

DI FEDERICO, Giuseppe. Preface. In DI FEDERICO, Giuseppe (coord.)

Recruitment, Professional Evaluation and Career of Judges and Prosecutors in

Europe. Bologna: Editrice lo Scarabeo, 2005, p. V-IX.

DWORKIN, Ronald. La Justicia con toga. Tradução de Marisa Iglesias Vila e

Íñigo Ortiz de Urbina Gimeno. Barcelona/Madrid/Buenos Aires: Marcial Pons,

2007.

DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo.

São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FARIA, José Eduardo. Judiciário e Desenvolvimento Sócio-Econômico. In

Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: Malheiros, 1994.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica. Rio de Janeiro:

Forense, 1978.

GUARNIERI, Carlo. El acceso a la magistratura: problemas teóricos y análisis

comparado. In JIMÉNEZ ASENSIO, Rafael (org.). In: El acceso a la función

judicial. Estudio comparado. Madrid: Consejo General del Poder Judicial, 2001,

p. 20-39.

LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito Subjetivo e Direitos Sociais: o dilema

do Judiciário no Estado Social de Direito. In FARIA, José Eduardo (org.).

Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: Malheiros, 1994,

p.124-129.

MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e teoria do Direito. Tradução de

Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. Tradução de Conrado

Hübner Mendes e Marcos Paulo Veríssimo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica,

1994.

PEDERZOLI, Patrizia; GUARNIERI, Carlo. Los jueces y la política. Traducción

de Miguel Ángel Ruiz de Azua. Madrid: Taurus, 1999.

PRIETO SANCHÍS, Luis. Ley, princípios, derechos. Madrid: Dykinson, 1998.

VAN CAENEGEM, Raoul. I Signori del Diritto. Traduzione di Laura Ascheri

Lazzari. Milano: Giuffrè, 1991.

ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil: ley, derechos, justicia. 5. ed.

Tradução de Marina Gáscon. Madrid: Trotta, 2003.