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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA. HELIANA RODRIGUES DE BITTENCOURT Areião: Lugar de Sociabilidade e Pertencimento na Ilha de Outeiro Dissertação apresentada como quesito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura na área de concentração: Comunicação, Linguagem e Arte no Contexto Social da Amazônia. Orientadora: Drª. Ivone Maria Xavier de Amorim Almeida Belém-Pa 2013

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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA.

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO,

LINGUAGENS E CULTURA.

HELIANA RODRIGUES DE BITTENCOURT

Areião: Lugar de Sociabilidade e Pertencimento na Ilha de Outeiro

Dissertação apresentada como

quesito parcial para obtenção do

título de Mestre em

Comunicação, Linguagens e

Cultura na área de

concentração: Comunicação,

Linguagem e Arte no Contexto

Social da Amazônia.

Orientadora: Drª. Ivone Maria Xavier de Amorim Almeida

Belém-Pa

2013

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Dados internacionais de catalogação – na - publicação (CIP). Biblioteca SISTEMA DE BIBLIOTECAS DA UNAMA- UNAMA,Belém – PA.

Bittencourt, Heliana Rodrigues de.

Areião: Lugar de Sociabilidade e Pertencimento na Ilha de Outeiro/, Heliana Rodrigues de Bittencourt;

Orientadora: Drª. Ivone Maria Xavier de Amorim Almeida. ___ Belém: [s.n.], 2013.104 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado) – Universidade da Amazônia, Belém, 2013. 1. Areião. 2. Pertencimento. 3. Sociabilidade. 4. Baldeiras.5. Ilha de Outeiro.

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HELIANA RODRIGUES DE BITTENCOURT

Areião: Lugar de Sociabilidade e Pertencimento na Ilha de Outeiro

Dissertação apresentada como

quesito parcial para obtenção do

título de Mestre em

Comunicação, Linguagens e

Cultura na área de

concentração: Comunicação,

Linguagem e Arte no Contexto

Social da Amazônia.

Orientadora: Drª. Ivone Maria Xavier de Amorim Almeida

Data de aprovação: 10/05/2013 Banca Examinadora ________________________________ - Orientadora Profª. Drª. Ivone Maria Xavier de Amorim Almeida Doutora em História Social - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

________________________________ - Examinadora Profª. Drª. Mariza Oliveira Mokarzel. Doutora em Sociologia - Universidade Federal do Ceará

________________________________ - Examinador Prof. Dr. José Guilherme de Oliveira Castro. Doutor em Letras e Artes - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

________________________________ - Examinadora Externa Profª.Drª. Alda Cristina Silva da Costa. Doutora em Ciências Sociais - Universidade Federal do Pará.

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Agatha Beatriz (Bibika) que só me trouxe alegrias;

Manuelle e Leonor Lúcia com todo meu carinho e respeito;

Manoel, Lúcia e Leonor (in memoriam)

Amo vocês eternamente.

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AGRADECIMENTOS

Este é considerado por mim um momento muito perigoso. Pois, no

decorrer do trabalho deparei-me com inúmeras contribuições, inclusive de

pessoas que pensei ser impossível de alcançá-las, não pelo não querer delas,

mas por ocupações diretamente a outras tantas atividades da vida.

Durante o percurso que fiz, apertei mãos que depois se tornaram

abraços. Muitas pessoas ajudaram-me com saberes científicos, outros com

saberes da Ilha, outros apenas me direcionaram a outros tantos sujeitos. Enfim,

tudo fez parte, de forma harmoniosa, do trabalho.

Espero que minhas considerações de agradecimentos não deixem

ninguém desapontado. À medida que faço uma retrospectiva do meu caminhar,

relembro as tantas contribuições que tive de sujeitos que deixaram tantas

coisas para mais tarde e deram-me atenção. Sujeitos estes que mencionarei a

seguir:

Minhas irmãs e eternas amigas: Alzira, Herivalda e Sebastiana por

compreenderem que a distância se fez necessário em nossas vidas e por toda

forma de ajuda que me proporcionam sempre, não somente a mim, mas a

minha filha: Agatha Beatriz. Obrigada por tudo que vocês já fazem por nós

duas. Saibam que sempre serão minhas principais referências de vida. É

inquestionável a admiração que tenho por vocês.

Meus irmãos: Herd e Heraldo pelo respeito. Tenho consciência da

posição que ocupo na trajetória de suas vidas.

A professora Ivone Xavier que compreendeu a relevância da pesquisa

e a acolheu com muito carinho e responsabilidade.

Muito deste trabalho, ou melhor, quase tudo deste trabalho só se fez

possível perante a contribuição dos sujeitos entrevistados que se fizeram parte

do projeto e tornaram-se meus comparsas. Todos vocês que tiveram a vontade

de vê todos os esforços em documento.

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Aldenora, você foi responsável pela minha entrada no Areião pela

porta da frente, digo pelo crédito que tive com os envolvidos naquele lugar.

Obrigada, sobretudo, pela preocupação em estar tudo ocorrendo no período

apropriado;

Pedro e Paulo, proprietário e gerente do Areião, respectivamente.

Sei que o cotidiano de vocês é tenso e trabalhoso, mesmo assim,

disponibilizaram tempo para me atender. Sempre fui muito bem recebida no

Areião e sempre senti o respeito pelo meu trabalho presente em nossos

encontros.

Carlos, popularmente conhecido como Vica, só tive momentos de

alegria quando estive perto de você. Sempre quando descia a Nossa Senhora

de Nazaré (Rua do Lapinha), já ria de pensar o que você iria dizer ao me ver.

As garçonetes: Nara, Michelle, Ivone, Iranilde, Patrícia, Eliane, Iracema

que confiaram em mim ao relatar seu cotidiano e suas rotinas de trabalho no

Areião;

Ao meu amigo e colega de trabalho Denerval Bentes, o Dener, que me

levou ao encontro de tantos sujeitos que entrevistei. Que sua contribuição

esteja presente em outros tantos trabalhos científicos que surgirão sobre a Ilha

de Outeiro;

A todos meus colegas e amigos da FUNBOSQUE e da E.E.E.F.M. do

Outeiro que sempre respeitaram a mim e ao meu objeto de pesquisa. Adoro

todos vocês;

Meu muito obrigada mesmo por todos que participaram da pesquisa e

de minha trajetória.

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Ilha de Caratateua

...Os moradores antigos Orgulhosos e com razão Falam para todo mundo,

Com muita satisfação Das trinta e nove, sou uma

Da grande constelação Ilha de brilho constante

Patrimônio da nação

Caratateua a maravilha Que deu esse nome à Ilha E para que fique na mente Ela vem de uma semente

Fértil e boa de plantar Chamada de Cára-inhâme

Planta forte e resistente Que ali chegou a brotar...

(Apolo da Caratateua

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RESUMO BITTENCOURT. Heliana Rodrigues de. Areião: Lugar de Sociabilidade e Pertencimento na Ilha de Outeiro. 2013. F 104. Dissertação de Mestrado em Comunicação, Linguagem e Cultura - Universidade Da Amazônia. Belém, Pará, 2013.

Este estudo aborda o Areião enquanto um lugar de sociabilidade e pertencimento da periferia de Belém do Pará. O caminho trilhado na investigação do objeto em tela foi desenhado buscando responder aos seguintes questionamentos: O que caracteriza o espaço como lugar de sociabilidade e pertencimento? Qual a contribuição social e cultural do Areião para os moradores da ilha e de outras localidades, sobretudo as seu entorno? A pesquisa desenvolvida tem suporte no exercício etnográfico. Trata-se de uma pesquisa de campo, descritiva de abordagem qualitativa;tendo como lócus a Ilha de Caratateua e o Areião. Adotou-se a observação participante, a pesquisa bibliográfica e a história oral temática para reconstruir a história da Ilha como um elemento de reflexão do presente. Os dados apontam que o Areião é retratado como um espaço de trabalho e lazer construído por seus atores, os quais trazem em suas significações o sentimento de pertencimento sociocultural, o qual está atrelado as suas historias de vida.

Palavras- chave: Areião, Pertencimento, sociabilidade, baldeiras, Ilha de Outeiro.

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ABSTRACT

BITTENCOURT. Heliana of Rodrigues. Areião: Place of Sociability and

Belonging at Outeiro Island. 2013. F 104. Dissertation in Communication,

Language and Culture - University Of Amazon. Belém, Pará, 2013.

This study addresses the Areião as a place of sociability and belonging on the

outskirts of Belém do Pará The path to investigate the object on screen was

designed seeking to answer the following questions: What characterizes the

space as a place of belonging and sociability? What is the contribution of the

social and cultural Areião for residents of the island and elsewhere, especially

its surroundings? The research developed supported in ethnographic exercise.

This is a field research, descriptive qualitative approach, having as locus Island

Caratateua and Areião. We adopted participant observation, the research

literature and oral history to reconstruct the history of the island as a reflection

of this element. The data indicate that the Areião is portrayed as a workspace

and leisure built by its actors, which bring in their meanings the sociocultural

sense of belonging, which is linked to their life stories.

Keywords: Areião, Belonging, sociability, baldeiras, Outeiro Island.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1- Imagem da Praia Grande – Outeiro/Pa. 22

Figura 2- Foto de escápula pregada em árvore no Bosquinho da

Escola Bosque.

28

Figura 3- Foto da residência de Dona Celina. 30

Figura 4- Porto de atracação dos barcos em Outeiro/Pa (Bairro da

Brasília).

33

Figura 5- Foto da residência Paroquial no Bairro de São João do

Outeiro.

34

Figura 6- Foto da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

do Outeiro.

35

Figura 7- Foto da Igreja de Nossa senhora da Conceição das Ilhas 37

Figura 8- Foto das ruínas do Clube Outeriense. 39

Figura 9- Foto da Praia Grande com as barracas padronizadas. 41

Figura 10- Foto da fachada do Areião. 44

Figura 11- Foto da Ponte Governador Enéas Pinheiro. 48

Figura 12- Foto da casa mais antiga habitada da Ilha. 59

Figura 13- Foto da baldeira. 69

Figura 14- Foto de vigília dentro do Areião. 77

Figura 15- Foto de latas de cervejas consumidas durante festas do

Areião.

78

Figura 16 Foto das as “baldeiras” próximas à entrada preparadas

para atender.

81

Figura 17- Foto da interação entre os DJS e o público da festa. 82

Figura 18-

Figura 19-

Foto das mesas com baldes com cervejas. Foto da movimentação das pessoas no Areão.

83

84

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SUMARIO

1-INTRODUÇÃO 12

2- TRANSFORMANDO O FAMILIAR EM EXÓTICO E O EXÓTICO EM

FAMILIAR: A ETNOGRAFIA DA ILHA DE OUTEIRO

18

2.1- De Ilha de Caratateua a Outeiro 20

2.2- A Ilha na memória dos moradores 26

2.3 - As Barracas da Praia Grande: o Lazer da Ilha 40

3- A PONTE DO OUTEIRO COMO ENTRE-LUGAR 47

4- O AREIÃO: LUGAR DE SOCIABILIDADE E PERTENCIMENTO NA

ILHA DE CARATATEUA

63

p4.1 – As Baldeiras 68

4.2 – Do Profano ao sagrado 75

4.3 - A Dinâmica das Festas 80

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS 87

REFERÊNCIAS 90

APÊNDICES 94

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Introdução

Esta dissertação intitulada “Areião: Lugar de Pertencimento e Sociabilidade na

Ilha de Outeiro.” apresentada ao programa de Pós-Graduação em

Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia – Unama,

vinculada à linha de pesquisa Comunicação, Linguagem e Arte no Contexto

Social da Amazônia” é fruto de minhas inquietudes acerca do espaço social do

Areião, casa de show localizada na Ilha de Caratateua1, há 49 anos cujo

proprietário é Pedro Câmara. Atualmente seu funcionamento se dá aos

domingos e segundas-feiras com festas de aparelhagens, a Ilha é, também,

conhecida e denominada pelos moradores locais como Outeiro2.

Meu caminho ao encontro do Areião foi atravessado por dois exercícios

de estranhamento. O primeiro se fez presente quando exercia minhas

atividades profissionais. Sou professora de Língua Inglesa em duas instituições

de ensino localizadas na Ilha de Outeiro, a Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio do Outeiro – conhecida como Escola do Outeiro e o

Centro de Referência em Educação Ambiental Escola Bosque Professor

Eidorfe Moreira, conhecida como FUNBOSQUE ou simplesmente Escola

Bosque. Na Escola do Outeiro observei que os alunos praticavam um tipo

especial de evasão, a intra-escolar3. Os alunos localizavam-se nos corredores

da Escola com seus aparelhos eletroeletrônicos como celulares ou MP3

ouvindo, na sua maioria, músicas que pertencem ao estilo musical Tecnobrega

tocadas em festas de Aparelhagens. Nós, professores, sofríamos com tanto

barulho. Pensando em tal dificuldade, elaborei um pré-projeto cujo título foi “O

Estilo Musical do Tecnobrega e suas Possibilidades de Instrumentalização nas

aulas de Língua Inglesa”. Embora tal projeto não tenha sido executado, me

permitiu avançar leituras sobre esse ritmo musical, além de identificar a

1 A Ilha de Caratateua, popularmente chamada de Ilha de Outeiro, está localizada a aproximadamente 35 km do centro de Belém, sendo a Ilha mais próxima da capital paraense, ligada ao continente pela Ponte Governador Enéas Martins Pinheiro. Segundo dados oficiais da Prefeitura de Belém (2012), a ilha possui aproximadamente 63.353 habitantes e 14.266 domicílios. De seus moradores, uma parcela significativa trabalham em Belém ou no distrito vizinho, chamado Icoaraci. 2 Essa denominação da Ilha será usada ao longo do texto, em respeito a percepção dos moradores e entrevistados acerca da nomenclatura do lugar. 3 Esta evasão ocorre dentro do espaço escolar, caracterizada pela ausência do aluno na sala de aula, mesmo com a presença do professor.

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popularidade do espaço do Areião junto ao corpo discente na execução deste

estilo musical.

Quando me submeti ao processo de seleção ao programa de Mestrado

em Comunicação, Linguagens e Cultura, desenhei o pré-projeto “Questão de

Gênero no Tecnobrega”, delimitando como locus de investigação a “casa de

show” Areião. Eis aqui meu segundo exercício de estranhamento. Minha

incursão preliminar a campo para observar a frequência e tipo de participação

da mulher neste espaço, paralelo ao levantamento de fontes sobre a história de

Outeiro e sobre o espaço do Areião, serviu, dentre outras coisas, para ampliar

meu olhar para outras dimensões, sobretudo para aquelas que apontavam para

a importância do lugar para os moradores locais. Nesse percurso marcado por

ajustes de passos e lentes percebi que a figura feminina, no momento da festa,

é somente um dos elementos que constituem o Areião, assim como a figura

masculina, as aparelhagens, as baldeiras4, os DJs5, todos os sujeitos

integrantes que interagem entre si e com o espaço.

Neste sentido, meu segundo exercício de estranhamento foi pontual

para revelar meu objeto de estudo: o Areião. Este lugar está presente na

vivência dos moradores da Ilha e de uma população flutuante6 que frequenta

esse espaço aos domingos e segundas-feiras. Desta forma, o caminho trilhado

na investigação do objeto em tela foi desenhado buscando responder aos

seguintes questionamentos: O que caracteriza o espaço como lugar de

sociabilidade e pertencimento? Qual a contribuição social e cultural do Areião

para os moradores da Ilha e de outras localidades, sobretudo as seu entorno?

Responder a essas perguntas implicou em um movimento que partiu da

necessidade de contextualizar a ilha de Outeiro além de um outro signo

relacional ao espaço do Areião, ou seja, a Ponte Governador Enéas Martins

Pinheiro.

A pesquisa desenvolvida tem suporte no exercício etnográfico, mais

particularmente na etnografia como “descrição densa” à luz dos pressupostos

4 Moças que vendem os baldes de cerveja no momento das festas. 5 Disc jockey: possuem a função de “pilotar”, comandar, a nave, ou seja, as aparelhagens. 6 O termo “população flutuante” se refere aos sujeitos-moradores de outras ilhas próximas à Outeiro e da periferia de Belém que se deslocam para Outeiro, mais especificamente para a “casa de show Areião”.

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metodológicos defendidos por Clifford Geertz (1989) em sua Antropologia

Interpretativa. Para ele, o texto etnográfico consiste numa tentativa de

interpretação que o pesquisador dá aos fenômenos investigados. Consiste em

um exercício de “inscrever” o discurso social, posto que:

o etnógrafo “inscreve” o discurso social: ele o anota. Ao fazê-lo, ele o transforma de acontecimento passado, que existe apenas em seu próprio momento de ocorrência, em um relato, que existe em sua inscrição e que pode ser consultado novamente. (GEERTZ, 1989, p.35)

Para Geertz (1989) a descrição etnográfica compreende três

características: ela é interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso

social e a interpretação envolvida consiste em tentar salvar o “dito” num tal

discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis.

Além dessas características, ela (a etnografia) também é microscópica.

Na execução da pesquisa o exercício etnográfico possibilitou penetrar

no cotidiano da Ilha de Outeiro e de seus moradores através de seus discursos

relacionados à historiografia do lugar e, sobretudo, ao espaço do Areião em

sua performance festiva. Desta feita a tessitura textual privilegiou a “inscrição”

do dito, do contido nas falas dos sujeitos investigados como pistas na análise

interpretativa elaborada.

Do ponto de vista metodológico a pesquisa foi realizada a partir de três

etapas, inter-relacionadas: a pesquisa bibliográfica; a pesquisa de campo

subsidiada com utilização das técnicas da observação “in loco” e a técnica da

história oral temática. A primeira etapa compreendeu todo o processo de

pesquisa bibliográfica sobre a ilha do Outeiro e o Areião, ao lado da leitura de

teóricos que nortearam meu olhar acerca do fenômeno investigado.

A segunda etapa, considerada a etnografia propriamente dita, norteou

todo meu período de estadia em campo com duração de seis meses7 divididos

em visitas regulares ao espaço do Areião e seu entorno para realização das

entrevistas e registros iconográficos.

Participaram das entrevistas 50 sujeitos assim descriminados: 23

moradores com mais de 30 anos de residência fixa na Ilha, 10 jovens que

moram na Ilha frequentadores ou não do Areião, 12 funcionários do Areião e

seu proprietário.

7 De Abril a Julho de 2012

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As entrevistas ocorreram nas residências das pessoas, na casa de

show o Areião e somente uma ocorreu, de uma empregada doméstica que no

momento estava trabalhando, ocorreu no meio da rua. Utilizei gravador para

captar as entrevistas que foram transcritas posteriormente.

No período em campo, a observação se constituiu em ferramenta

metodológica indispensável na busca de interpretações acerca dos diversos

sentidos e sensibilidades vigentes no espaço investigado. Nesses momentos,

ao me misturar com o público presente, procurei executar o que Chizzotti

(1995) considera como observação participante, ou seja, como método que

pressupõe maior interação social entre pesquisador e a realidade pesquisada a

qual possibilita uma maior aproximação e compreensão qualitativa das

especificidades de observação e análise.

Por fim, utilizei a história oral temática para, através dos relatos de

moradores que nasceram na Ilha e que lá residem há mais de 30, reconstruir a

história da Ilha como um elemento de reflexão do presente:

Em geral, a história oral temática é usada como metodologia ou técnica e, dado o foco temático precisado no projeto, torna-se um meio de busca de esclarecimento de situações conflitantes, polêmicas, contraditórias (MEIHY; HOLANDA, 2011, p. 38-39).

O processo de coleta de dados me permitiu encontrar diferentes

sujeitos sociais atuando sob um mesmo contexto. Para traçar o perfil de

frequentadores do Areião, estabeleci uma relação de proximidade e

cordialidade. Muitos quando tomavam conhecimento do real motivo de minha

presença no espaço, pediam desculpas e demonstravam claramente a não

intenção em fornecer maiores detalhes sobre suas vidas e o porquê de

frequentar o Areião. Entretanto, ao lado das incontáveis recusas, um número

expressivo de frequentadores assíduos disponibilizou tempo para inesquecíveis

conversas, pausadas pelas danças ao ritmo do tecnobrega e goles de bebidas.

Mas quem são os sujeitos que frequentam o Areião? São homens e

mulheres - heterossexuais e homossexuais- inclusos em uma faixa etária de 18

a 75 anos. São empregadas domésticas, vendedores ambulantes, manicures,

autônomos, com escolaridade que oscilam do ensino fundamental incompleto

ao nível superior. Muitos residem na própria Ilha, mas outros tantos moram em

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Icoaraci e em bairros periféricos de Belém. A maioria é frequentador assíduo e

muitos se conhecem. Muitos casais de namorados se formaram no espaço do

Areião, alguns com curta duração e outros, em uniões estáveis que

permanecem até os diais atuais.

A leitura e interpretação de fontes e dados empíricos no processo de

construção textual encontrou amparo em: Clifford Geertz (1989), Stuart Hall

(2006), Nestor Garcia Canclini (2011) e Homi Bhabha (2007).

A compreensão de Geertz (1989) sobre cultura permitiu enxergar a

lógica das práticas culturais existentes na Ilha de Outeiro e, sobretudo, no

espaço do Areião. Segundo esse autor:

O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo tentam demonstrar é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do significado. (GEERTZ, 1989,p. 4)

A abordagem interpretativa e o conceito semiótico de cultura de

Geertz(1989) se constituíram em pistas, arduamente perseguidas na busca de

interpretar e inscrever os discursos dos sujeitos investigados sobre eles

mesmos, sobre a Ilha de Outeiro e, mais especificamente acerca da casa de

show Areião. Em outras palavras, quando Geertz (1989) assume que a “cultura

é pública porque o significado assim o é”, é possível se considerar as práticas

culturais, saberes, fazeres e sensibilidades vivenciadas nesses espaços como

imbricadas de significados coletivos.

Na esteira do estudo sobre cultura e diferentes práticas culturais no

Areião, é importante considerar o diálogo estabelecido entre Geertz (1989) e

Hall (2006). O conceito semiótico de Cultura em Geertz (1989) permite

compreender o homem como um animal amarrado a teias de significados que

ele mesmo teceu. Já Hall (2006) em sua análise sobre cultura popular afirma

que a mesma não é,

num sentido ‘puro’, nem as manifestações populares de resistência a esses processos, nem as formas que as sobrepõem. É o terreno sobre o qual as transformações sociais são operadas. No estudo da cultura popular, devemos sempre começar por aqui: com o duplo

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interesse da cultura popular, o duplo movimento de conter e resistir, que inevitavelmente se situa em seu interior. (HALL, 2006, p. 233)

No esclarecimento acerca do termo “popular”, Hall (2006) afirma que:

há uma luta contínua e necessariamente irregular e desigual por parte da cultura dominante, no sentido de desorganizar e reorganizar constantemente a cultura popular; para cercá-la e confirmar suas definições e formas dentro de uma gama mais abrangente de formas dominantes. Há pontos de resistência e também momentos de superação. Esta é a dialética da luta cultural. Na atualidade, esta luta é contínua e ocorre nas linhas complexas da resistência e da aceitação, da recusa e da capitulação, que transformam o campo da cultura em uma espécie de campo de batalha permanente, onde não se obtêm vitórias definitivas, mas onde há sempre posições estratégias a serem conquistadas ou perdidas. (HALL, 2006,p. 239)

O conceito de “luta cultural” defendido por Stuart Hall foi usado na

análise sobre a Ilha de Outeiro, mais particularmente no espaço do Areião,

permitindo compreender a apropriação da casa de show por fragmentos de

diferentes grupos sociais, ligados a diferentes interesses de ordem econômica,

política, cultural e religiosa.

Na mesma proporção o conceito de “entre-lugar” defendido por Bhabha

(2007) permitiu compreender o espaço social da ponte Governador Enéas

Pinheiro como espaço de articulações das diferenças culturais, reveladas à

medida que se estabelece o encurtamento de distâncias entre a região insular

e o continente, posto que:

Os embates de fronteira acerca da diferença cultural têm tanta possibilidade de serem consensuais quanto conflituosos; podem confundir nossas definições de tradição e modernidade, realinhar as fronteiras habituais entre o público e o privado, o alto e o baixo, assim como desafiar as expectativas normativas de desenvolvimento e progresso. (BHABHA, 2007, p. 21)

A estrutura organizativa desta dissertação compreende a introdução,

três capítulos distintos, a saber: i- Transformando o familiar em exótico e o

exótico em familiar: a etnografia da Ilha de Outeiro; ii- A Ponte de Outeiro como

Entre-lugar e iii- O Areião: lugar de sociabilidade e pertencimento na Ilha de

Outeiro. O primeiro capítulo compreende o exercício etnográfico propriamente

dito, desmembrado em três partes: i.i- Da Ilha de Caratateua à Outeiro; i.ii- A

Ilha na memória dos moradores e i.iii- As barracas da Praia Grande: o lazer da

Ilha. O segundo capítulo pretende investigar o papel da Ponte Eneás Martins

Pinheiro para a Ilha de Outeiro e, sobretudo, para os moradores locais. Na

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sequência, busca revelar o que muda na paisagem geográfica, social e cultural

após a construção da Ponte o arcabouço teórico que permite essa empreitada

encontra amparo nas reflexões de Homi Bhabha sobre o entre-lugar. O terceiro

capítulo se propõe a investigar o Areião como espaço de sociabilidade e

pertencimento. Ele está desmembrado em três partes. A primeira centra a

análise na figura das mulheres “baldeiras”, trabalhadoras do lugar. A segunda

investiga a complexidade do espaço Areião nas dimensões profana e sagrada.

A última parte procura revelar a dinâmica das festas executadas no espaço do

Areião. Nas Considerações Finais, retomo as discussões apresentadas ao

longo desta dissertação.

2- Transformando o Familiar em exótico e o exótico em Familiar: a

Etnografia da Ilha de Outeiro

Quando Malinowski (1986) chegou às ilhas Trobriand para executar

sua pesquisa etnográfica deparou-se com um cenário estranho, totalmente

deslocado de seu senso de vida social. O estranhamento em sua chegada foi

tão forte que ele assim escreve na introdução de sua obra “Os Argonautas do

Pacífico Ocidental”:

Imagine-se o leitor repentinamente sozinho, em meio a todo seu equipamento, em uma praia tropical perto de uma aldeia nativa, enquanto a lancha ou o escaler que o trouxe vai-se afastando no mar até sumir de vista. Depois de se ter acomodado no alojamento de algum homem branco da vizinhança, comerciante ou missionário, o que lhe resta a fazer é começar imediatamente seu trabalho etnográfico [...] Essa é a descrição exata de minha iniciação ao trabalho de campo no litoral sul da Nova Guiné. Lembro-me bem das longas visitas que fiz às aldeias durante as primeiras semanas; do sentimento de desânimo e desespero após o completo fracasso de muitas tentativas obstinadas, mas inúteis, de entrar em contacto mais íntimo com os nativos e de conseguir algum material de pesquisa.(MALINOWSKI, 1986, p.27)

Embora minha incursão a campo não tenha estabelecido rupturas –

pelo menos temporária – com meu espaço social, senti uma enorme dificuldade

em problematizar a Ilha, seus espaços e habitantes. Tal dificuldade foi

sobremaneira estimulada pela sensação de familiaridade que sentia em relação

à Outeiro pelo fato de exercer a docência em duas escolas municipais públicas

localizadas em Outeiro.

O trajeto para a Ilha, passando diariamente pela ponte Enéas Martins

Pinheiro, percorrendo as ruas até chegar ao destino, e nesse trajeto, observar

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a paisagem social revelava em mim a sensação do familiar, do conhecido.

Todavia, bastou escolher Outeiro como meu locus investigativo para emergir as

inquietações e inseguranças, típicas do processo de execução de uma

pesquisa. Na mesma proporção, separar a pesquisadora da professora, da

colega de trabalho e até da “conhecida” se constituiu em um longo e tortuoso

processo de aprendizagem. Neste percurso, compreendi, na prática, a tese

defendida por Roberto Cardoso de Oliveira (1988) acerca da pesquisa

etnográfica e seu Exercício de estranhamento, cuja premissa se assenta na

“tentativa de transformar o exótico em familiar e o familiar em

exótico”(OLIVEIRA, 1988). Esses movimentos foram executados por mim em

campo em momentos distintos. O primeiro, quando precisei penetrar na Casa

de Show Areião e o segundo, quando desenvolvi a observação “in loco” na Ilha,

nos momentos de registros fotográficos e no uso das entrevistas com os

moradores do lugar.

Minhas primeiras incursões no espaço do Areião foram carregadas de

estranhamento. À primeira vista, o espaço pareceu como um amontoado de

pessoas – homens e mulheres – que dançavam em qualquer micro-espaço.

Música alta, muita risada e um infindável movimento de entra e sai. Poucas

pessoas sentadas à mesa e um frenezzi constante das baldeiras para atender

aos pedidos desenfreados e aleatórios dos clientes. Por diversas vezes fui

“convidada” para dançar e em todas, dava a mesma desculpa: não sabia

dançar o tecnobrega. Foi somente após minha terceira noite no Areião que

comecei a transformar aquele exótico lugar em algo familiar. Comecei a

observar ali os mesmos signos que existem em qualquer casa de show, de

entretenimento. A estrutura, embora precária, era similar a encontrada no

“Metrópole”8 e em outros estabelecimentos. Também encontrei similitude no

atendimento e no público-alvo. Muitos homens e mulheres solteiros, muitos

casais. Vez ou outra uma briga, rapidamente solucionada pelos “seguranças”

que se encarregavam de retirar do recinto os mais afoitos. À medida que meu

olhar se familiarizava com o espaço, provocado por uma aproximação de

ordem metodológica, iniciei o movimento de contato com alguns sujeitos para

posterior entrevista.

8 Casa de show localizada na Rodovia Augusto Montenegro Km 7 no Bairro Parque Verde em

Belém/PA. Realiza festas de Aparelhagens aos domingos e segundas-feiras.

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Diferente do Areião- cujo espaço eu não conhecia – a tentativa de

“estranhar” Outeiro foi muito mais complicada. Neste movimento, precisei

executar um afastamento de ordem metodológica. Em outras palavras,

precisei, sobremaneira, problematizar a Ilha e seu cotidiano. Neste processo, a

historiografia do lugar se constituiu em ferramenta reveladora do processo de

ocupação do lugar; seus primeiros habitantes e o papel da ponte Governador

Enéas Pinheiro na paisagem sócio-econômica e cultural local.

Este capítulo pretende dar conta deste exercício etnográfico.

Subsidiada pelas observações contidas em meu “diário de campo”, no diálogo

com as fontes pesquisadas e nas falas dos informantes extraídas das

entrevistas realizadas, busco revelar a historiografia da Ilha de Outeiro, ao

mesmo tempo em que seus espaços sociais – sobretudo aqueles que se

constituem como lucus investigativo – e os sujeitos que neles transitam.

2.1- De Ilha de Caratateua a Outeiro

A Ilha de Caratateua, popularmente chamada de Ilha de Outeiro, está

localizada a aproximadamente 35 km do centro de Belém, sendo a Ilha mais

próxima da capital paraense, ligada ao continente pela Ponte Governador

Enéas Martins Pinheiro9. Possui um pouco mais de 63.353 habitantes e 14.266

domicílios, segundo relatório de Gestão de 2009 da Administração Regional de

Outeiro. Pessoas que, em sua maioria, moram ali, mas, no entanto, trabalham

em Belém ou no distrito vizinho, chamado Icoaraci.

Por ser conhecida e referendada como Ilha de Outeiro10, irei assim,

chamá-la à partir de agora, não por desrespeito ou por desconhecer seu nome

oficial, mas por ser Outeiro o nome preferido da população que ali reside, como

bem expressa Marineide do Socorro Lima Franco11:

Desde muito antes de eu morar aqui já conhecia essa Ilha pelo nome de Outeiro... ela tem outro nome. Eu chamo de Outeiro e é assim que o pessoal daqui também chama, Outeiro é a cara daqui. (entrevista concedida no dia 15 de fevereiro de 2012)

9 A Ponte Enéas Martins Pinheiro será investigada em outro capítulo. 10 O nome Outeiro ( em Latim quer disser: altariu- “altar” ) é uma pequena elevação de terreno. Era nos outeiros ou lugares altos, mais próximos dos céus, que se ofereciam as preces, as oferendas e sacrifícios ao Senhor. Fonte: Relatório de Gestão de 2009 da Administração Regional de Outeiro. 11 Nascida em Outeiro, 45 anos, solteira, voluntária na Ilha Nossa senhora da Conceição das

Ilhas, residente no bairro: são João do Outeiro.

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Embora Marineide e muitos moradores da Ilha não aprovam o nome

“oficial” do lugar, não se pode desmerecer sua existência. Segundo Medeiros

(1971), oficialmente, dois nomes são atribuídos à Ilha: Ilha de Caratateua e Ilha

das Barreiras. As fontes consultadas consideram esta última denominação

como a mais antiga e em desuso. E a associação da Ilha como “das Barreiras”

ocorre em virtude das falésias que formam o “front” da Ilha.

Já Caratateua é de origem Tupi Guarani, que significa “Terra das

Grandes Batatas” ou “Lugar das Muitas Batatas”, pois ali havia plantações de

batata-doce em grandes quantidades. Atualmente, este nome segue somente

nos raros documentos oficiais da Ilha e de mapas do Município de

Belém.Outeiro, por sua vez, quer dizer “Pequenos Morros”, esta denominação

foi atribuída pelo rei de Portugal D. João VI12. Como mencionado

anteriormente, a população reconhece Outeiro como o nome da Ilha. Mas este,

na verdade, é o nome do seu bairro central.

De acordo com a Lei: 7806 de 30 de julho de 1996, a Ilha possui quatro

bairros, que são: Itaiteua, São João do Outeiro, Brasília e Água Boa. As demais

regiões: Fama, Fidelis e Tucumaeira são zonas rurais, embora consideradas

pela população como bairros. Já a Administração Regional do Outeiro/ AROUT,

que representa o Poder Executivo Municipal no que tange a Administração

Pública de caráter local e, assim, administra as 26 ilhas situadas na área

insular do Município de Belém, considera a existência de mais um bairro: Água

Cristalina.

A paisagem da Ilha é marcada por suas praias: do Redentor, dos

Artistas, da Escadinha, Grande, do Amor, Ponta do Barro Branco e do Queral.

Além dos balneários: Paraíso dos Reis e Curuperé. De acordo com os relatos

de Rui Guilherme dos Santos13 em entrevista no dia 25 de fevereiro de 2012, a

Praia Grande possui 650m só de praia. Esta é a maior praia e a mais

frequentada da Ilha pelos banhistas por ser o local onde se concentram as

12 Segundo informação retirada do livreto escrito por Antonio Nobrega, morador e filho da Ilha. Ele faz parte da 2ª geração de nativos de Outeiro. 13 Nascido em Outeiro, 42 anos de idade dos quais são 40 de vivência na Ilha, sub oficial do Corpo de Bombeiros do estado do Pará, residente no bairro: São João do Outeiro.

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barracas com comidas, bebidas alcoólicas, show e festas de aparelhagens,

assim como as casas de show, inclusive o Areião.

Figura1- Imagem da Praia Grande – Outeiro/Pa

Fonte: www.tmtour.tur.br

A Praia Grande, a exemplo de todas as praias da região das ilhas,

pertencentes à Região Metropolitana de Belém – RMB, é praia de água doce.

A beira-mar da Praia Grande é circundada por uma variedade de bares e

restaurantes cujo cardápio tradicional é o “peixe frito”. De acordo com Rui

Guilherme:

A grande frequência na praia é no final de semana. Isso aqui fica apinhado de gente. É muita criança brincando, famílias que passam o dia aqui fazendo piquenique. As barracas ficam lotadas. A diversão corre solta [...] o movimento entra pela noite. (Entrevista concedida em 25 de fevereiro de 2012)

O mercado formal da Ilha se concentra nos bairros da Brasília e Água

Boa. As principais ruas desses bairros comportam uma zona de comércio bem

movimentada, com lojas variadas, restaurantes e pequenas feiras. Já no bairro

de São João do Outeiro é onde se concentra a parte administrativa da Ilha. É

também neste bairro que se localiza o posto de saúde, delegacia, correios, e

escolas de ensino fundamental e médio. A paisagem deste bairro comporta

ruas asfaltadas, saneamento básico e iluminação pública. Nas principais ruas,

as casas possuem característica de bangalôs – casarões avarandados com

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significativo jardim e quintal com muitos pés de árvores frutíferas. Por sua

paisagem urbana, o bairro de São João do Outeiro é considerado área nobre

da Ilha.

O cotidiano da Ilha de Outeiro é atravessado pelas influências

socioeconômicas inerentes aos processos de urbanização tardios que se

espalham nas cidades amazônicas, sobretudo à partir da década de 70 do

século XX, a exemplo das lojas de equipamentos eletrônicos, moda, lazer e

outros aspectos. Todavia, embora Outeiro apresente ares modernos, os

saberes e fazeres da cultura local são considerados por muitos moradores

como o “trabalho”, a identidade laborativa de uma parcela significativa da

população da Ilha. Isto significa dizer que a economia de Outeiro tem forte

vínculo com atividades extrativistas como o açaí e carvoarias. Grande parte da

produção extrativista que é produzida e comercializada na Ilha é escoada por

“carroceiros” que conduzem as “carroças”, espécie de carro de madeira fixado

em duas rodas puxado por cavalo. Este imbricamento observado na economia

da Ilha, misturando elementos do fazer tradicional do lugar com elementos do

mercado urbano é resultado da “multiplicação e da intensificação das relações

que se estabelecem entre os agentes econômicos situados nos mais diferentes

pontos do espaço mundial” (MARTINS,1996, p. 3).

Esta mistura de elementos locais com outros advindos de espaços

urbanos permite aos moradores de Outeiro afirmar que ali “existe quase um

pouco de tudo”14. Esta frase é reforçada por Rui Guilherme ao afirmar que a

ilha é um bom lugar para se morar. Para ele,

A vida aqui é boa. Aqui tem de um tudo. Tudo que a gente precisa pra viver encontra aqui mesmo. Eu mesmo vou muito pouco em Belém. Só vou quando não acho o que quero por aqui ou quando acaba. (entrevista concedida em 25 de fevereiro de 2012)

Embora os moradores entrevistados sejam quase que unânimes em

considerar Outeiro como “bom lugar de se morar” não isenta o lugar de

problemas de infraestrutura, como asfalto, saneamento básico e segurança. Na

fala desses sujeitos, fica explícita a afirmativa de que, embora esses serviços

públicos existam, são considerados insuficientes para atender a demanda de

14 Frase de Marineide.

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todos os bairros e seus moradores. Todavia, também é inegável nesses

depoimentos, a percepção de melhorias e de que, em épocas passadas era

bem pior de se viver, conforme relata Marineide:

[...] logo no começo eu tinha muita vontade de me mudar daqui e dizia: ‘umbora’ se mudar daqui. ‘Umbora’ vender todo esse terreno. ‘Umbora’ pra Icoaraci que é mais perto pra estudar. Mas agora já tá bem movimentado, já tem transporte. O transporte passa na porta. Já tem mais facilidade (Entrevista concedida em 15 de fevereiro de 2012)

De acordo com fontes consultadas, a primeira fase oficial de

colonização de Outeiro se deu no governo do capitão Geral Alexandre de

Souza Freire, em abril de 1731, quando houve a concessão de terras a

terceiros, através da Carta de Sesmarias, oficializando a doação de terras a

particulares com objetivo de ocupação.

Segundo CRUZ (1958), em 1895 o governo da época criou a Colônia

de Outeiro ou Núcleo Modelo de Colonização como parte de sua política de

desenvolvimento a qual tinha como finalidade receber imigrantes que iriam

desenvolver atividades voltadas para a agricultura que iria abastecer a capital.

Logo, estabeleceram-se os primeiros imigrantes nacionais e estrangeiros na

Ilha, sendo: 7 famílias de espanhóis com 25 pessoas; 1 família portuguesa com

5 pessoas; 1 família italiana com 7 pessoas e 2 famílias brasileiras com 10

pessoas.

Ainda segundo o referido autor, em um recenseamento realizado em

1902, havia no Núcleo, então dividido em 14 lotes, os seguintes colonos: 38

brasileiros; 17 espanhóis; 8 italianos e 5 portugueses.

A Lei nº 583 de 21/06/1898 garantiu assentamento a 12 famílias

compostas de 67 pessoas para plantar, colher e comercializar seus produtos

agrícolas. É a partir desse momento que a Ilha efetivamente começa seu

processo de povoamento. Todo esse movimento de colonização se deu onde

atualmente está localizado o prédio do CFAP (Centro de Formação e

Aperfeiçoamento de Praças) que pertence a Polícia Militar do Pará, hoje

abandonado.

O complexo de hospedaria do Núcleo Modelo de Colonização é criado para os fins a que se destinava: hospedar imigrantes para

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trabalhar nas colônias, e também, higienizá-los, isto é, os colonos imigrantes antes de se dirigirem para as colônias a que se destinavam passavam por um período de quarentena: era uma maneira de higienizá-los contra as possíveis doenças trazidas de seus países. Com esse objetivo os imigrantes eram levados até o Núcleo Modelo de Colonização, na Ilha de Caratateua (SILVA,1995, p.124).

Em 31 de junho de 1906, no governo de Antônio Lemos, é criado o

Instituto Orfanológico do Pará, destinado a recolher crianças órfãs de pais. Tal

colégio funcionava em forma de internato e ficou conhecido como

“Aprendizado”, onde funcionava o antigo prédio da Hospedaria do Outeiro.

Em 1º de dezembro de 1921, foi criado o Patronato Agrícola Manoel

Barata pelo Decreto Nº 15.149, popularmente conhecido como Colégio

Agrícola, que se instalou e permaneceu na Ilha até junho de 1972, quando o

Decreto Nº 70.688 de 08 de junho de 1972 o transferiu definitivamente para o

município de Castanhal15.

A Instituição teve várias denominações como: Aprendizado Agrícola do

Pará, Escola de Iniciação Agrícola Manoel Barata, Escola de Mestria Agrícola

Manoel Barata, Ginásio Agrícola Manoel Barata e Colégio Agrícola Manoel

Barata. Esta última denominação permaneceu ainda em Castanhal até a

promulgação do Decreto Nº 83.935 de 04/09/1979 quando seu nome mudou

para Escola Agrotécnica Federal de Castanhal.

Essa história faz parte da memória dos moradores que encontramos

em suas falas, as quais são narradas e (re) significadas por eles que se

identificam e se orgulham da Ilha.

Neste sentido, os significados e formas de percepção da historia da

Ilha são expressos com riquezas de detalhes pelas narrativas de seus

moradores que retratam este lugar por meio de suas memórias.

15 Município do estado do Pará localizado a 68 km de Belém (capital). Sua fundação se deu em 28 de janeiro de 1932 pelo Decreto – Lei Nº 600, sua principal fonte de renda é o comércio com: calçados, têxtil, metal, mecânica, alimentos, pré moldados, material elétrico e vestuário.

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2.2- A Ilha na memória dos moradores

No processo de pesquisa e seleção de fontes me deparei com poucos

registros oficiais sobre a história da Ilha de Outeiro, dificultando compreender

sua trajetória. Por isso, tornou-se necessário o recurso metodológico da

História Oral para, através de relatos de antigos moradores, revelar o passado

vivido na Ilha acionado pela memória coletiva e individual. Neste aspecto,

O trabalho da história oral junto aos segmentos populares resgata um nível de historicidade que comumente era conhecida através da versão produzida pelos meios oficiais.À medida que os depoimentos populares são gravados, transcritos e publicados, torna-se possível conhecer a própria visão que os segmentos populares têm das suas vidas e do mundo ao redor (MONTENEGRO, 2001, p.16).

O uso da História Oral como recurso metodológico teve o caráter de

acionar memórias afetivas e coletivas, posto que “o tempo histórico encontra,

num nível mais sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história

e a alimenta”(GOFF, 2005,p.13). Todavia, não se pode esquecer que o uso da

categoria “memória coletiva” requer cuidados. Para Pierre Nora16,

A memória coletiva, definida como ‘o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem do passado’, pode, à primeira vista, opor-se quase termo a termo à memória histórica, como se opunham antes a memória afetiva e memória intelectual. Até os nossos dias ‘ história e memória’ confundiram-se praticamente, e a história parece ter-se desenvolvido ‘sobre o modelo da rememoração, da anamnese e da memorização. (In:GOFF, 2005, 467-468)

Neste sentido, ao acionar a memória de meus informantes para (re)

significar a história da Ilha de Outeiro, procurei instigá-los na busca de lugares

simbólicos, cuja função, segundo GOFF (2005), centra-se nos domínios da

memória coletiva, ou seja,

[...] os verdadeiros lugares da história, aqueles onde se devem procurar não a sua elaboração, não a produção, mas os criadores e os denominadores da memória coletiva: Estados, meios sociais e políticos, comunidades de experiências históricas ou de gerações, levadas a constituir os seus arquivos em função dos usos diferentes que fazem da memória (GOFF, 2005,p.467)

Os “lugares simbólicos” que emergiram das narrativas/memórias dos

sujeitos entrevistados estão intimamente relacionados com a história da Ilha de

Outeiro como o antigo Colégio Agrícola, a Igreja Nossa senhora da Conceição

das Ilhas, os meios de transporte coletivos, a chegada da energia, os 16 In: História e Memória. Jacques Le Goff (2005,p.467)

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momentos ordinários e extraordinários, marcados por festas e lazer e a Ponte

Governador Enéas Martins Pinheiro.

Nessas memórias coletivas, a Ilha é descrita, pelos antigos moradores

que lá residem há mais de 30 anos, como um lugar, que no passado era muito

bom de viver. Lá havia a tranquilidade de se andar por toda a parte e não ser

alvo de violência. As pessoas dormiam de portas e janelas abertas porque não

havia perigo contra suas vidas ou seus bens materiais. Neste caso, ocorre uma

espécie de sublimação do tempo passado em detrimento do tempo presente

por parte de tais moradores, posto que:

A memória coletiva ou individual, ao reelaborar o real, adquire uma dimensão centrada em uma construção imaginária e nos efeitos que essa representação provoca social e individualmente. Nesse sentido, o tempo da memória se distingue da temporalidade histórica, haja visto que sua construção está associada ao vivido, como dimensão de uma elaboração da subjetividade coletiva e individual, associada a toda uma dimensão do inconsciente (MONTENEGRO, 2001, p.20)

Os moradores colocavam escápulas para atar suas redes nos troncos

das árvores para dormirem ao ar livre. Ainda podem ser encontradas algumas

destas árvores localizadas dentro da Escola Bosque17, num local denominado

de “Bosquinho”. Antes da construção da referida Escola os moradores de suas

redondezas atavam suas redes e dormiam após o almoço ao ar livre.

17 Fundação Escola Bosque Professor Eidorfe Moreira inaugurada 26 de Abril de 1996 durante a gestão do, então, prefeito de Belém: Sr. Hélio da Mota Gueiros. Funciona com regime de Ciclo e abrange turmas de Educação Infantil ao Ensino Médio integrado ao curso Técnico em Meio Ambiente.

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Figura 2: Foto de escápula pregada em árvore no Bosquinho da Escola Bosque

Fonte: Heliana Bittencourt, 2012.

Na memória dos entrevistados, o processo de povoamento da Ilha

inicia na légua patrimonial do atual bairro de Itaiteua, mais especificamente na

Rua Manoel Barata. Nesta légua patrimonial o governo distribuiu, no final de

1890 para 1900, 12 lotes de terras, que eram numerados de 1 a 12, medindo

aproximadamente de 240 a 250m de frente por 800 a 1.000m de fundo para

exatamente 12 famílias. Assim distribuídos:

LOTE Nº 01: família Cortinhas;

LOTE Nº 02: família Paiva;

LOTE Nº 03: família Monteiro;

LOTE Nº 04: família Eliseu Raimundez;

LOTE Nº 05: família Rodrigues;

LOTE Nº 06: família Marques;

LOTE Nº 07: família Gadelha;

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LOTE N º 08: família Pacheco;

LOTE Nº 09: família Nóbrega;

LOTE Nº 10: família Raimundez;

LOTE Nº 11: família Simões;

LOTE Nº 12: família Moy.

A contagem dos lotes começava ao lado do terreno do CFAP e

terminava onde atualmente está construída a Escola Bosque. Os números

pares ficavam à esquerda e os ímpares à direita do CFAP. Logo, o atual terreno

da Escola Bosque pertencia ao lote de nº 12. Muitos colonos dessa época

deixaram seus lotes para os filhos como herança.

Celina Nobre de Araújo18 ao relatar, em entrevista, a divisão de lotes

pelo governo, descreve o seguinte:

Nesse tempo, o governo mandou cavar poço, mas não existe mais nenhum. Eram poços grandes. Nós somos da 2ª geração de Outeiro. A 1ª já se foi que era o papai, a mamãe. Nenhum terreno tem a metragem que era. Todos já lotearam e venderam. Todos, todos. Todo mundo, todo mundo vendeu. Meus bisavós me deram o terreno.(Entrevista concedida em 29 de fevereiro de 2012)

Seu terreno já não possui a mesma metragem, assim como todos os

outros. Seu lote era o de nº 09. De acordo com Celina, em frente a sua casa

era o de nº 10. Ali havia um casarão de altos e baixos de madeira, cimento e

barro, onde funcionava um comércio. Nesse estabelecimento tudo tinha para

vender: remédio, fazenda (panos para costurar) e tudo de armarinho.

Nesse casarão tinha um comércio, bem sortido. Ele pertencia a D. Flor. D. Flor era uma mulher muito prendada. O marido tomava conta do comércio e ela se encarregava de dar aula de costura, pintura, crochê, tricô para as mocinhas das redondezas. Eu fiz muitos cursos com ela. Aprendi a costurar e a bordar [...] as pessoas que moravam nesse lote eram consideradas de posse...(Entrevista concedida em 29 de fevereiro de 2012)

A Rua Manoel Barata possuía poucas casas, e era marcada por muitas

mangueiras e coqueiros. A figura abaixo retrata a última casa que existia na

referida rua. Embora a arquitetura já não seja a mesma, seus moradores

18 Nascida e moradora da Ilha, 92 anos, viúva, descendente de cearense e rio grandense, trabalhava na lavoura, residente no bairro: São João do Outeiro.

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continuam sendo os herdeiros dos primeiros imigrantes que ali moraram,

descendentes da família Nobre. Após este lote a paisagem compreendia

apenas terrenos com bastantes árvores frutíferas.

Figura 3- Foto da residência de Celina

Fonte: Heliana Bittencourt( 2012)

De acordo com a memória de Celina, o primeiro povoamento da Ilha

de Outeiro onde hoje é a Rua Manoel Barata tinha apenas um pequeno

caminho, de chão, margeado por capim baixo. Nos lotes de terras, além das

casas, nos fundos, havia grandes plantações. Nessa época as famílias eram

extensas e boa parte se ocupava dos plantios de batata, macaxeira, batata

doce, mamão e couve. Esses produtos, usados na dieta alimentar, também

eram vendiam aos sábados no distrito de Icoaraci19, em tempos idos,

conhecido como “Pinheiro”. De acordo com Celina, o deslocamento para

Icoaraci era feito apenas por via fluvial e “demorava uma eternidade”. Essa

travessia podia ser feita de três maneiras. Podia ser em canoas ou pequenos

barcos, chamados de “casquinho” pelos moradores. Eles atravessavam pelo

início do igarapé conhecido como Curuperé passando o terreno do CFAP.

Atualmente, a nascente do Curuperé não existe mais devido à construção de

19 Localiza-se aproximadamente a 20 km da capital Belém. Destaca-se como importante polo de Artesanato em cerâmica, instalado no bairro do Paracuri onde se produz vasos típicos de antigas nações indígenas principalmente a Marajoara e a tapajônica. Atualmente este distrito liga-se à Ilha a través da Ponte Eneas Martins Pinheiro.

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casas. Segundo alguns moradores, as famílias com mais condições tinham

seus próprios casquinhos. A fala dos moradores revela a associação do status

social da família à posse de bens como o barco, por exemplo. No tempo

presente, essa mesma associação é feita mediante a posse de carros, motos e,

em menor escala, bicicletas.

Outra travessia era feita em um barco de pequeno porte, conhecido por

“ginga”. De acordo com a narrativa de Rui Guilherme, este transporte foi

introduzido na Ilha por volta de 1903.

Este barco era pilotado por um senhor que ficava em pé, atrás do barco com um remo grande e vinha gingando [...]Só com um remo. Tipo um motor, ele fazia o papel do motor. Não tinha motor, só o ser humano. Ele era o gingador, como se fosse um rabo de peixe ali abanando. Ele era funcionário da prefeitura e ninguém o pagava. (entrevista concedida em 29 de fevereiro de 2012)

Na época em que funcionava a Escola Agrotécnica em Outeiro, este

barco era usado para transportar funcionários e os produtos agrícolas que

eram cultivados pela Instituição. Já na época do CFAP, tal embarcação foi

substituída por uma lancha, relativamente pequena, que era usada somente

com militares. De acordo com as narrativas, nesse período também havia um

barco maior com um motor e um piloto. A população pagava o equivalente a R$

0,50 pela travessia. Esta é a mais recente de todas.

Com o gradativo crescimento populacional da Ilha, outros locais

passaram a ser ocupados, gerando posteriormente bairros, como o de Brasília,

dentre outros.

No período do governo de Alacid Nunes20, a supervisão do distrito de

Icoaraci e Outeiro era realizada pelos Srs. Rubi e Evandro Bonna. Nesta

administração foi construído o “trapiche da balsa” - atual porto da balsa-

localizado no bairro da Brasília, e o transporte passou a ser feito por uma balsa

que atravessava o Furo do Rio Maguary até a 7ª rua do outro lado em Icoaraci,

a distância para a população ficou menor.

Ainda na gestão de Alacid Nunes, a população da Ilha era constituída

de três a quatro mil habitantes. Com a balsa, passou a circular na Ilha um

2020 Alacid da Silva Nunes governou o Pará por dois períodos : de 1966 a 1971 e de 1979 a 1983.

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ônibus que pertencia à empresa Icoaraciense21, era chamado de “Bajé”. No

pagamento da balsa, já estava incluso a passagem do ônibus. O percurso

correspondia do porto da balsa até o bairro de Itaiteua, onde era o final da

linha.

O ônibus saía do trapiche, passava pela na Rua da Coréia, atual Rua

da Beira Mar seguia até aproximadamente a Rua das Mangueiras e retornava

para o trapiche. A dificuldade com o transporte sempre esteve presente na

memória das pessoas como descreve, ainda, Marineide do Socorro:

No tempo que eu estudava que eu era mais nova. Eu tinha que atravessar pela balsa e quando a gente perdia a balsa porque tinha um horário, né? Da balsa e do ônibus. Tinha o barquinho, também, pra levar. Era até 06h00minh da tarde a balsa. Eu sempre estudei mais pela parte da tarde e quando a gente perdia tinha que atravessar de barquinho. E eu morria e morro de medo até hoje de andar de barquinho. E o ônibus, também, 06h00minh já não tinha mais. Ele ia pra garagem e a gente vinha de pé de lá da Brasilia até aqui. A balsa era as 6:00h e o ônibus ficava lá esperando. Mas sempre a gente não pegava, como já tinha o Sr. Manduquinha que morava aqui, ele era motorista, ai tinha a filha dele que estudava junto comigo. Ele já sabia o horário da gente e umas duas vezes na semana ele saia umas 15 pras 7, aí então ele sempre já ficava esperando agente chegar, mas quando não era ele a gente vinha andando. Nesse tempo a gente não tinha nem bicicleta aqui.(entrevista concedida em 25 de fevereiro de 2012)

De acordo com informações obtidas nas entrevistas, quando as

pessoas perdiam o horário da balsa, restava-lhes apanhar um barquinho, que

não tinha horário de parar. Chico Sampaio, que o pilotava, trabalhava na

Prefeitura de Belém e morava na Ilha às margens do rio Maguary e estava

sempre disponível para atender os moradores, que só gritavam por ele do outro

lado do rio. Porém, a população tinha, neste caso, que andar a pé até o seu

destino final, após chegar a Ilha.

A balsa começava a circular às 6 h e continuava até às 18 h, sendo que

sua saída se fazia a cada hora. O “Bajé” ficava no porto a espera da próxima

balsa. Atualmente esse ponto da Ilha está representado de forma bastante

diferente como na figura a seguir. Há pessoas que ainda preferem atravessar

por esta balsa para chegar até Icoaraci ao invés de apanhar um ônibus. A

passagem atualmente custa R$ 1,00. Muitos moradores que se dirigem a

21 Empresa de transporte público que circula, entre outros bairros, na Ilha do Outeiro.

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Icoaraci preferem atravessar a balsa levando suas bicicletas, pois assim não

necessitam apanhar ônibus ao chegarem lá.

Figura 4- Porto de atracação dos barcos em Outeiro/Pa (Bairro da Brasília).

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

Na memória dos entrevistados, no passado, estudar em Outeiro, não

era tarefa tão dificultosa. Havia dois segmentos da Educação Infantil: jardim e

alfabetização para as crianças e cursos profissionalizantes de costura e de

bordado para suas mães, os quais eram ofertados pela escola das Freiras:

Nossa Senhora Imaculada Conceição, localizada na Rua Manoel Barata, onde

atualmente é a casa paroquial da Ilha.

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Figura 5- Foto da residência Paroquial no Bairro de São João do Outeiro

Fonte: Heliana Bittencourt ( 2012)

Nesta época, a escola possuía um caminhão – grande e verde-

chamado de pau-de-arara. Rui Guilherme lembra muito bem dos passeios

feitos nesse transporte para os locais, conhecidos por ela como Fama e

Tucumaeira.

Nessa época a garotada se divertia muito. Nossas brincadeiras eram sadias. Na escola tinha um caminhão que levava a gente para passear. Era muito divertido. A gente ia amontoado na carroceria. Todo mundo alegre pro passeio (Entrevista concedida em 29 de fevereiro de 2012).

A atual escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio do Outeiro

também é citada na memória dos entrevistados, só que com outras

denominações, a saber: Escola Mista do Outeiro, Escola República do Chile e

Escola Reunida de Outeiro. Sua primeira edificação ocorre no lote de nº 8, em

13 de maio de 1952. Após sua inauguração, a escola passou a funcionar

somente com duas salas de aula e uma secretaria. As aulas eram divididas nos

turnos: manhã e tarde. O ensino funcionava até a 4ª série do Ensino

Fundamental I, ou seja, havia: 1ª, 2ª 3ª e 4ª séries. A partir da 5ª série, o aluno

tinha que se dirigir até o distrito de Icoaraci ou a capital do Estado. Tal

instituição de ensino está presente na história da Ilha, pois quase todos os

habitantes passaram e ainda passam por lá.

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Figura 6- Foto da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio do Outeiro

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

Segundo narrativas de moradores, o então governador, Zacarias de

Assunção que governou o estado do Pará no período de 1951 até 1956 estava

presente no dia da inauguração da Escola. Em entrevista no dia 15 de

fevereiro, Nazaré Lima Franco22 relembra o dia da sua inauguração:

A Escola do Outeiro existe há muito tempo. Ela foi inaugurada no dia do meu casamento: 13 de Maio de 52. Era Escola Mista do Outeiro.

Era nesse mesmo prédio.

Havia um almoxarifado da Prefeitura localizado onde, atualmente, é o

Centro de Saúde de Outeiro. Lá foi instalado um gerador em 1951, que era

composto por um trator caterpilar com duas esteiras que gerava energia

elétrica para a Ilha. No dia em que este gerador foi instalado, havia uma

novena na Igreja de Nossa Senhora da Conceição das Ilhas e as pessoas

comemoraram muito, embora tal benefício não se estendesse o dia todo como

descreve, ainda, Celina:

Aqui tinha um gerador que era da Prefeitura, onde é a unidade de saúde hoje era um almoxarifado da Prefeitura. O gerador ficava lá. Meu avô vinha e ligava ele todo dia às cinco e meia da manhã e desligava 10:30 da noite. A energia funcionava o dia todo, só à noite que não, 10:00 da noite ficava tudo no escuro. Quem tinha suas televisões a bateria, sua geladeira a querosene tinha, lamparina, candeeiro. Eram poucas as pessoas que tinham televisão aqui na

22 Nascida e moradora da Ilha, 84 anos, viúva, trabalhava como costureira, reside no bairro de são João do Outeiro.

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Ilha: eram uma ou duas pessoas. Usava-se mais rádio a pilha nessa época. (entrevista concedida em 15 de fevereiro de 2012)

Também Nazaré (re)lembra esse período com bastante

saudosismo:

Minha filha, lembro bem daquela época. Tempo bom.... A luz chegou e foi uma alegria só. O gerador ligava de manhã e era desligado a noite. Tudo que tinha em casa e que era puxado pela energia, era usado pela manhã. Lembro quando meu pai comprou nossa televisão. Nossa, foi a maior festa. Como eram poucas famílias que tinham televisão na ilha, toda a vizinhança vinha pra casa, para assistir as programações. Era sempre tudo muito alegre. (entrevista concedida em 25 de fevereiro de 2012)

De acordo com fontes documentais, em 1970, a energia fornecida pela

Rede CELPA23 chegou até a Ilha. Sua instalação começou pelo CFAP, vinha de

Icoaraci e passava pela rua principal Manoel Barata, chegava à Beira Mar e

alcançava as barracas e bares na Praia Grande. Porém, nem todos os

moradores obtiveram a energia em suas casas. Como demonstra o depoimento

de Sr. Rui Guilherme, o fato se deu por conta do preço dos materiais

necessários como fios e outros para a instalação da energia. Eis seu

depoimento:

[a] energia, quando chegou aqui na ilha, boa parte das casas dos moradores, daquelas casas mais distantes daqui do centro e muitas daqui também ficaram sem energia (entrevista concedida em 15 de fevereiro de 2012)

A primeira religião a ser propagada na Ilha foi o Cristianismo através da

Igreja Católica que instalou a Igreja Nossa Senhora da Conceição das Ilhas,

antes chamada apenas de Nossa Senhora da Conceição, construída em 1932

no Lote de nº 06.

23 Central de Rede Elétrica no Estado do Pará.

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Figura 7- Foto da Igreja de Nossa senhora da Conceição das Ilhas

Fonte Heliana Bittencourt(2012)

Embora tenha sido alvo de reformas em seus traços arquitetônicos, a

igreja lembrada e perpetuada na memória coletiva local é a primeira

construção, datada de 1932. Os moradores preferem o antigo prédio da Igreja,

pois todos aqueles que foram entrevistados dizem, em seus relatos, não

entenderem o porquê de sua reforma na época. Está na memória deles o

antigo prédio, com todos os seus detalhes. A fala de Rui Guilherme é ilustrativa

acerca do processo de construção do atual prédio:

Era aquela igreja antiga tipo capela. De vidro, aqueles vidros bonitos com pedras portuguesas. Era de alvenaria. Ela foi destruída boa. Não sei porquê foi destruída. Uns dizem que era porque ela era pequena, devia dá uns sete ou dez metros de comprimento. Outros dizem que ela tava muito antiga. Derrubaram antes da ponte. Essa que tá ai foi construída por um pessoal que veio de Brasília. Eu lembro que eles jogavam um monte de papel em cima da mesa e o pessoal ficava olhando. Todo mundo encantado com aquilo. E parou nisso ai. Era igreja, atualmente é paróquia. Agora o arcebispo já vem ai. Antes não, nem pensar. (entrevista concedida em 25 de fevereiro de 2012)

O lazer na Ilha era, e ainda é associado às praias, as casas de show e

seus lugares paradisíacos. Estes elementos revelam a dimensão simbólica que

povoam imaginários acerca de regiões insulares. De acordo com Diegues

(1998),

No mundo moderno, as ilhas invadiram os meios de comunicação sendo vistas como últimos redutos do mundo selvagem, lugares paradisíacos para novas descobertas, aventuras e lazer tranquilo, configurando-se como um dos símbolos mais claros do exotismo.

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Turistas, fotógrafos, jornalistas, artistas e escritores, cada vez mais numerosos, respondem aos apelos da magia insular, viajando para pequenos pedaços de terra no oceano, à procura de fragmentos de um paraíso que se teria mantido intacto ante os avanços da história e da sociedade moderna. (DIEGUES, 1998,p. 13)

O fato da Ilha de Outeiro não ser oceânica não a isenta de despertar o

mesmo imaginário que as cercadas por águas oceânicas. Para os moradores e

frequentadores assíduos, o local é propício para o descanso e o lazer. Esta

tese encontra amparo na fala de Joana Gomes24 quando diz que:

[...] nas férias da família, todo mundo vem pra cá. Compramos essa casa uns 10 anos. Era um sonho de meu marido. Então, em julho, quando os filhos e netos estão de férias, vem todo mundo. Já é certo. Aqui é maravilhoso. A gente descansa e se diverte. O ar daqui é diferente da cidade. É mais puro. As crianças gostam muito daqui. (entrevista concedida em 26 de fevereiro de 2012)

O cotidiano da Ilha é marcado pela presença de jovens e crianças

jogando bola, tanto nas areias das praias quanto em campos de futebol

improvisados em terrenos ou quintais das casas. Aliás, o “jogo de bola” é

recorrente nas narrativas dos entrevistados quando indagados sobre o tipo de

lazer mais usual pelos moradores do lugar, como demonstra Rui Guilherme:

A maior diversão que eu tinha quando era moleque e até hoje, aqui é a “pelada”. Na minha época de moleque, a gente tinha time organizado que jogava um contra o outro. Era disputa mesmo. Eu me lembro que a gente jogava campeonato na sede do “Outeriense”(entrevista concedida em 25 de fevereiro de 2012)

De acordo com fontes consultadas, o clube “Outeriense” citado por Rui

Guilherme foi fundado em 06 de janeiro de 1917, localizado na Rua Manoel

Barata, próximo a Av. Nossa Senhora da Conceição, no bairro São João do

Outeiro. No tempo presente, o clube não mais existe. Só restaram as ruínas,

como demonstra a imagem abaixo:

24 Belemense, de 56 anos, moradora do bairro do Marco. Possui uma casa de veraneio na ilha do Outeiro, na Av. Beira Mar, próximo a Escola Bosque.

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Figura 8- Foto das ruínas do Clube Outeirense

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

Ainda de acordo com a narrativa de Rui Guilherme, nos tempos áureos

do Outeriense, havia comemoração para festejar seu aniversário. O clube

servia também para outros tipos de lazer. Além deste clube, na época também

existia a PROVAM25, onde ocorriam festas dançantes. Rui Guilherme, assim o

descreveu:

O Outeirense veio antes do Areião. Tinha uma sede, não era essa sede ai. O Outeirense vai fazer uns 96 anos. Tinha uma sede do PROVAM que eles falavam. Hoje é a casa do Sr. Antonino. O Outeirense só tinha campo, né. Nessa sede ocorriam as festas, ela era a sede do Outeirense que era só o campo. Era um espaço onde tinha uma quadra de vôlei, tinha uma barraca, um bar pra quem ia jogar bola, era mais campo mesmo.(entrevista concedida em 25 de fevereiro de 2012)

As festas de cunho familiar como a celebração de aniversário também

marcam a memória das pessoas mais antigas. Era um momento de

descontração, de reconhecimento pelo amigo, vizinho e um momento para a

dança se fazer presente no lazer deles. Tais festas eram chamadas de

“assustado”.

O assustado ocorria à noite, na véspera de algum aniversário ou por

acaso. Os rapazes e as moças reuniam-se na porta da casa do aniversariante

ou da residência que escolhiam, com instrumentos musicais como violão,

25 Sede onde ocorriam festas como os aniversários do clube Outeirense.Era localizado na Rua Manoel Barata nas proximidades do Posto de Saúde.

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banjo, pau e corda e outros equipamentos musicais que eram trazidos por

moradores. Batiam na porta e ao abrir, o aniversariante ou quem quer que

abrisse a porta era surpreendido pela cantoria. A festa era basicamente para

dançar e, geralmente, acabava no dia seguinte. Este fato é relembrado por

Nazaré:

Ah, era muito bom, muito divertido. Essas festas que a gente fazia era conhecida como “assustado”, assustado porque a pessoa que era homenageada, era pega de surpresa [...] então, quando a gente sabia de alguém que ia fazer aniversário, a gente se reunia e organizava tudo. A brincadeira varava a noite. Todo mundo participava. (entrevista concedida em 25 de fevereiro de 2012)

A fala de Nazaré permite refletir acerca das relações sociais produzidas

na Ilha no período em questão. Ela revela, dentre outras coisas, um maior nível

de solidariedade, de intimidade entre os moradores da Ilha nas primeiras

décadas do século XX. Neste período, em virtude da população Outeriense ser

menor do que a atual, havia laços de solidariedade, típicos em comunidades,

motivadas pela relação de vizinhança, posto que, “todos se conheciam”. Neste

período, nas relações parentais e de vizinhança prevalecia o que Mauss(1974)

define como Teoria da Reciprocidade, cuja base está acentada na ação em dar,

receber e retribuir. No caso específico de Outeiro, os moradores – a exemplo

de outras comunidades – “intercambiavam” o que lhes era considerado

importante – não necessariamente presentes materiais, mas festas, objetos,

comidas, etc. tal ação, de acordo com o autor, gerava a necessidade de

alguém receber essas dádivas e também retribuir, ou seja, a relação

estabelecida se mantinha através das obrigações advindas do ato de dar,

receber e retribuir.

2.3- As Barracas da Praia Grande: o Lazer da Ilha

As praias eram pouco exploradas até a construção do porto da balsa. A

Praia Grande sempre foi a mais frequentada de todas, por ser a que abriga as

barracas, bares e casas de show. Seu aspecto físico mudou consideravelmente

como descreve Carlos Alberto Cabral Gomes26:

As barracas não eram como são hoje. Eram barracas rústicas de madeira. Eram desniveladas umas das outras, mas naquele tempo

26 Natural de Bragança, 58 anos, divorciado, residente há 24 anos na Ilha, ex proprietário da Barraca Estrela do Mar, atualmente funcionário da Escola Bosque com a função de porteiro.

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era bom. Tempo bom. Naquele tempo a violência era menos. As barracas eram separadas, de madeira, mas eram de tamanho grande. Não é como hoje aquele tamanho pequenino que mal cabe um Prosdócimo lá dentro. Eram de formato quadrado, era triangular. Tinham de diversos formatos. Elas não eram padronizadas. Tinha barraca de dois pavimentos. Tinha muitas barracas de dois pavimentos que o pessoal morava em cima da barraca. Tipo uma casinha. Eram coberta por telhas brasilites ou telhas de barro. Eram cobertas. Era o mesmo formato que é hoje, mas sendo de madeira, tipo palafitas. Em 88 eram 105 barracas. Dessas 105, quando veio a padronização ficou em 92 (entrevista concedida em 24 de fevereiro de 2012).

De acordo com fontes consultadas, a padronização das barracas

ocorreu entre os anos de 1991 a 1992, no governo do então prefeito de Belém,

Augusto Rezende. Antes, a Praia Grande era bem arborizada. Havia muitas

árvores de “Agiru” – planta nativa da região- e as barracas localizavam-se entre

as areias da praia e alguns terrenos baldios ou algumas casas de show que já

existiam. Com a padronização, a maioria das árvores foi cortada.

Figura 9- Foto da Praia Grande com as barracas padronizadas

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

Embora o CONSILHA27 tivesse apresentado outro projeto de reforma

para as barracas, o governo optou por construí-las da forma que atualmente se

27 Funcionava como Conselho da Ilha ou Conselho de Representantes da Ilha de Caratateua. Era formado por todos os presidentes dos centros comunitários da Ilha, sob a presidência do Sociólogo, já falecido, Mariano Klautau. Atualmente, o Consilha não existe mais.

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encontram: todas em alvenaria, unidas por um telhado coberto com telhas de

amianto, entre elas há um espaço para as pessoas transitarem, por trás delas

há uma calçada de cimento, conhecida com “Calçadão” que as separa de

bares, casas de show e de uma ocupação recente, chamada de a “Portelinha”.

Observa-se que existem barracas que não estão em alvenaria, principalmente

as que se localizam entre a Praia Grande e a do Amor, pois foram construídas

após a padronização.

A água foi, durante muito tempo, um problema para os barraqueiros da

Praia Grande que contavam o apoio de moradores como Paulo que tinha um

poço artesiano e fornecia água para eles cobrando uma pequena taxa mensal

de R$ 5,00 conforme ainda relatou Carlos Alberto em entrevista:

Naquela época ninguém tinha água. A gente usava água de poço artesiano de moradores próximos que a gente mandava buscar. Nossa água era mais ou menos potável. Quem não tinha como buscar, lavava as coisas com água da praia. A água chegou, o primeiro poço que fizeram foi na década de 90 ou 92, 94, o primeiro poço. Era só ferro, ferrugem, ferrugem. Esse poço ficava lá em cima na praia do Amor. Até hoje ainda existe esse poço. Tá lacrado. Agora com a SAAEB28, se usa a água da SAAEB que chegou em 2006, 2007. Agora quem morava próximo ao Sr. Paulo aqui na Praia Grande, ele era morador antigo aqui. Ele tinha um poço bom, artesiano, foi considerada como água mineral a água dele, o apelido dele é Paulo Testa Furada. Ele ainda é vivo. Ele fornecia água pro pessoal que tinha barraca próximo da casa dele. Ele cobrava na época R$ 5,00 por mês, que era pouco, mas naquela época já era mais um gasto a mais. Aí quem tinha condições de pagar, pagava a instalação e levava pra sua barraca. Quem não tinha ficava só com a água da praia mesmo ou quem tinha poço próprio fornecia a água (entrevista concedida em 24 de fevereiro de 2012)

Ainda segundo ele, havia água de poço dentro da casa de show o

Areião, de onde os barraqueiros recebiam água gratuita.

As casas de show frequentes no relato dos moradores são:

O “Veleiro”, que não funciona mais;

O “Lapinha”, que foi construído muito depois, atualmente só

funciona no período de julho ou por alguma ocasião eventual;

28 É uma autarquia municipal que atende os distritos de Outeiro, Mosqueiro, Icoaraci e parte do distrito do Benguí. Foi criado em 1969 e até 1996 esteve sob a direção da Fundação Nacional de Saúde. Em 1997, sob o mandato do então prefeito de Belém, Sr. Edmilson Rodrigues, a prefeitura assumiu a direção da SAAEB.

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O “Caldeirão do Alan”, que, também, não funciona mais. É

considerado como a casa de show que mais trouxe problemas para a

população, no que se refere à violência, segundo relatos obtidos em

entrevistas;

O “Brisas”, que era um bar com músicas eletrônicas de rádio.

Atualmente faz parte de seu funcionamento a apresentação de músicas ao

vivo;

O “Areião”, que funciona atualmente nos dias de segunda-feira e

aos domingos. Este é o mais presente nos relatos dos moradores.

A casa de show o Areião é de propriedade de Pedro Câmara, 58

anos, nascido em Breves, atualmente residente em Icoaraci. O Areião faz parte

da história material da Ilha e da história social dos moradores do lugar. De

acordo com os relatos adquiridos, o Areião pertencia a um padre que o alugava

a uma senhora conhecida por Preta. Pedro, atual proprietário, limita-se a

narrar a seguinte história à respeito de sua aquisição em entrevista:

Quando eu vim pra cá em 81, o Areião já existia há 17 anos. Naquela época, morava um cidadão aqui e não tinha nada na praia, ele botou um barzinho aqui e começou a vender cerveja com som . Não existia nada de barraca. Aí, ele botou um barzinho aqui e o pessoal vinha de canoa, os colegas dele vinham de canoa de remo, aí foi crescendo o movimento, crescendo o movimento. Aí quando ele botou música o pessoal dançava em cima da areia. Aí o pessoal lá em Icoaraci dizia umbora para o Areião, porque era areia. Aí ficou o nome Areião. Começou com um barzinho tipo uma barraquinha. quando eu vim pra cá em 81, o Areião já existia há 17 anos. Só que ele era só uma barraca.(entrevista concedida em 18 de fevereiro de 2012)

O prédio do Areião não apresenta reformas significativas no interior ,

apenas a fachada que, segundo o gerente, é reformada anualmente. No

entanto, o Areião atravessa os tempos e se perpetua na memória da

população. Sua atuação na Ilha muda e acompanha os tempos: já se

apresentou como lugar frequentado por famílias, pessoas, jovens, mulheres,

homens que , segundo dados coletados, pertencem a bairros como: Tapanã,

Bengui, Cidade Nova, Guamá e outros. Enfim, é o lugar onde todas as

diferenças se igualam.

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Figura 10- Foto da fachada do Areião

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

No tempo presente, o Areião funciona aos domingos e as segundas-

feiras. Segundo seu proprietário, as festas nesse dia da semana começaram

com um grupo de taxistas.

[o]funcionamento às segundas-feiras começou com alguns taxistas, moradores da ilha que vinham no início da noite – final de expediente – tomar a “saideira” como eles chamavam. No começo eram poucos. Eles quase sempre vinham acompanhados de mulheres. Depois esse dia passou a ser “oficial” (depoimento de Pedro Câmara, em entrevista concedida em 14 de fevereiro de 2012)

A fala de Pedro Câmara revela que o caráter da “tradição” do Areião

funcionar às segundas-feiras adveio de um simples encontro de fim de

expediente. Todavia, à medida que tal feito se estabelece e é legitimado, ele

assume a dimensão do que Hobsbawm (2002) define como tradição inventada,

posto que,

O termo ‘tradição inventada’ é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as ‘tradições’ realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo – às vezes coisa de poucos anos apenas – e se estabeleceram com enorme rapidez [...] por ‘tradição inventada’ entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. (HOBSBAWM, 2002,p.9)

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Mas muito antes do Areião ser conhecido pelas festas às segundas-

feiras, ele já era considerado pelas famílias mais rígidas da Ilha como espaço

inadequado para moças. Tal fato se revela na fala de Nazaré Franco quando

diz:

Eu nunca fui lá. Eu ia assim, um dia a gente ia lá na praia e a gente dizia: “umbora lá no Areião. Umbora olhar. Umbora vê como é lá. Ai se juntava aquele bocado de gente, aquelas moças. Agente ia sempre com uma pessoa da família,né? Ai a gente ia olhar: tinha só aquele salão, aqueles bancos, os bancos do lado. Pronto, a gente saia dalí e ia pra praia tomar banho (entrevista concedida em 24 de fevereiro de 2012)

Movida pela curiosidade juvenil, Nazaré queria conhecer aquele

espaço proibido. Aquele espaço tido pelos mais antigos, como “lugar do

pecado, da perdição”. Esta memória, uma vez acionada, permite compreender

acerca das relações de gênero29 vigentes na Ilha que, por sua vez, não se

diferenciavam das existentes em outros espaços sociais brasileiros. Em outras

palavras, neste período, havia rígida diferenciação entre o mundo público e o

mundo privado. O primeiro, considerado um espaço eminentemente masculino

e o segundo, feminino. A circulação das mulheres nos espaços das ruas e

logradouros públicos dependia da função social dos mesmos e também, do

horário. A presença das mulheres nesses espaços em hora inadequada deveria

ser, via de regra, acompanhada do seu oposto, ou seja, do elemento masculino

– pai, irmão ou outro parente. Era esse elemento oposto que garantia às

mulheres a proteção necessária e, sobretudo, a manutenção da identidade

social – mulher de família- que se contrapõe drasticamente às outras mulheres

que circulavam livremente, rotuladas de “mulheres da rua”.

Atualmente, o Areião agrega diferentes pessoas de Outeiro, ou bairros

e municípios próximos a Belém que querem se divertir, encontrar amigos, fazer

amigos e que admiram as festas de aparelhagens. São mulheres, homens,

homossexuais, jovens e adultos que chegam acompanhados ou sozinhos para

curtir as festas que lá ocorrem. Chegar até o Areião para muitos moradores da

Ilha, ainda, é considerado algo proibido, mas para a maioria é algo possível,

29 A categoria gênero, do ponto de vista antropológico, significa papéis socialmente atribuídos ao homem e a mulher. Para maiores esclarecimentos ver: BADINTER, Elizabeth. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1985. E também: RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar. A utopia da Cidade disciplinar. São Paulo: Paz e Terra, 1987.

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agora parece ser uma questão de gostar ou não de ir até lá, como demonstra

Marizete Souza:

Não tenho problemas em frequentar o Areião, ás vezes, minha mãe fica

com medo, e fica me ligando pra saber se tá tudo bem. Venho, moro

em Outeiro mesmo. Venho com minhas amigas e aqui agente encontra

os nossos amigos.(entrevista concedida em 16/04/2013)

Todavia, ao mesmo tempo em que o Areião pode ser visto e

interpretado – naquela época – como sensor à regra da moral e dos bons

costumes da sociedade local, ele serve como referência no processo de

(re)construção da história da Ilha, descrevendo um tempo que embora não

exista mais, serve de referência identitária e memória social dos moradores da

Ilha, como demonstra a fala de Rui Guilherme:

O Areião era um barracão comprido coberto de palha e do lado era só areia. Era uns cajueiros, cajuruzeiros e um igarapé bonito passando lá atrás. Ainda tem esse igarapé, só que tá coberto, né. Agente ia lá tomar banho, apanhar caju e muruci. Eram as coisas que mais tinham ali no lado do Areião. Ainda durou um bom tempo, mesmo com o Paulo, o Pedro no Areião, eles mantiveram um bom tempo as árvores lá, a casa ainda ficou antiga, mas depois eles derrubaram tudo [...] Ainda tem um cajueiro antigão lá dentro que é mais velho do que eu. As festas aconteciam com essas árvores lá, na verdade, o barraco era mais pra se esconder, da chuva. Era tudo aberto. Tinha um barraco coberto onde ele fazia o bar, coberto de palha. Fizeram um cercadinho. Aquilo era parece uma prisão. O Areião teve suas épocas boas onde as pessoas iam mais pra dançar, elas nem bebiam. Agente saia da Igreja que eu era do grupo de jovem e ia pra lá. Naquele tempo era no sábado até 2 ou 3 horas da manhã. Agente vinha de lá juntos, eram poucas pessoas [...] O Areião na época da minha juventude foi uma coisa boa pra gente porque não tinha outra opção. As festas que tinham no Outeirense eram tradicionais, eram de 6 em 6 meses. Duas vezes no ano. O Areião era juventude, década de 80. Saindo do militarismo. Era revolução. E a gente frequentava muito. Eram, graças a Deus, poucas brigas que tinham. Mas como eu tô lhe falando: depois da Ponte que o povo começou a vir. O Areião passou a ser um inferno (entrevista concedida no dia 24 de fevereiro de 2012)

O tom nostálgico e saudoso contido na fala de Rui Guilherme remete a

célebre visão, muito recorrente no senso comum que coloca o tempo passado

como o tempo bom de ser vivido. Neste caso, a separação entre o passado

nostálgico e o presente frenético, marcado pelas impessoalidades da vida

moderna é delimitada pela construção da Ponte Governador Enéas Martins

Pinheiro, pesquisa do capítulo a seguir.

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3- A Ponte do Outeiro como Entre-lugar

Martin Heidegger, em sua obra “Marcos do Caminho” afirma que

“sempre, e sempre de modo diferente, a ponte acompanha os caminhos dos

homens para lá e para cá, de modo que eles possam alcançar outras margens.

A ponte reúne enquanto passagem que atravessa”(1998,p.34). Esta frase de

Heidegger foi extremamente significativa no árduo percurso de compreender os

sentidos e significados da ponte Governador Enéas Martins Pinheiro para os

moradores da Ilha do Outeiro.

A ponte Enéas Martins Pinheiro na Ilha de Outeiro - a exemplo de outras

pontes existentes em outras paisagens sociais – tem a função simbólica de unir

e, ao mesmo tempo separar categorias como: espaço e tempo, passado e

presente, interior e exterior, inclusão e exclusão. Ou seja, o que Bhabha (2007)

define como

[o] momento de trânsito em que o espaço e tempo se cruzam para produzir figuras complexas de diferença e identidade, passado e presente, interior e exterior, inclusão e exclusão. Isto porque há uma sensação de desorientação, um distúrbio de direção, no ‘além’: um movimento exploratório incessante, que o termo francês au-delà capta tão bem – aqui e lá, de todos os lados, fort/da, para lá e para

cá, para frente e para trás. (BHABHA, 2007,p.19)

A ponte Enéas Maritns Pinheiro serviu e ainda serve para os

moradores da Ilha estabelecer marcos de referência no processo de

elaboração de estratégias de subjetividades que passam a dar sentido a novas

e velhas relações sociais, assim como de novas e velhas paisagens culturais.

A construção da Ponte Enéas Martins Pinheiro ou Ponte do Outeiro

como é conhecida pela população ocorreu no período de governança do atual

Senador do Estado do Pará, Sr. Jader Fontenelle Barbalho. Sua inauguração

se deu em 26 de Outubro de 1986. É interessante, perceber, na fala dos

antigos moradores, através de entrevistas, que tudo que ocorreu na Ilha após a

sua construção é tido como um passado que concorre com presente. Até os

moradores que se mudaram após a Ponte não são considerados antigos

moradores.

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Figura 11- Foto da Ponte Governador Enéas Martins Pinheiro

Fonte: Heliana Bittencourt(2012)

De acordo com as narrativas dos moradores, o grande momento de

transformações na Ilha começou ocorrer no ano de 1986 quando a Ponte foi

inaugurada. Ela liga a Ilha à região continental do estado do Pará, foi

inaugurada, no domingo de 26 de Outubro de 1986, às 10h. A obra deveria ser

entregue no dia 8 de novembro. No entanto, foi entregue à população 13 dias

antes do prazo. Em notícias veiculadas em periódicos30 da época, o

governador Jader Barbalho afirmou que não houve nenhum financiamento por

parte do Governo Federal na construção da obra. Todo o recurso usado foi do

governo do Estado.

De acordo com a matéria publicada no jornal “O Liberal” de 26 de

outubro de 1986, (p.29, caderno 02), as instituições responsáveis pela

construção da Ponte foram a BETER (construtora principal responsável pela

obra), a FEM (fabricante e montadora da estrutura metálica) e a Engenheiros

Associados (autora do projeto e supervisora de sua execução).

30 Jornal O Liberal, de 26 de outubro de 1986 (p.30, caderno 2)

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O governo teve um custo de 83 milhões de cruzados com a obra. O

projeto inicial era de um custo de pouco mais de 50 milhões. No entanto, o

governo teve que fazer um processo de reurbanização nas vias de acesso no

continente e na Ilha. Foi necessária a construção de outra ponte, bem menor.

Esta ponte foi edificada sobre o rio Taboquinha, localizado nas proximidades

do “CURTUME IDEAL” já na região industrial de Icoaraci na estrada da

Maracacuera. Esta ponte possui 30m de vão, em concreto e vigas metálicas.

Já a Ponte do Outeiro possui 360m por 11 de largura construída sobre

o Furo do Maguary. Uma pista com 7,20m, uma ciclovia de 1,90m e um

passeio para pedestres. Segundo fontes pesquisadas, na sua construção foram

usados 2.000 metros cúbicos de concreto, 170 toneladas de aço e 730

toneladas de vigas metálicas. Essa obra inovadora só podia atrair muita gente

em sua inauguração: 15 mil pessoas aproximadamente, entre nomes

importantes da política paraense e a população de modo geral.

A construção da Ponte durou sete meses, exatamente 257 dias. A obra

começou em 12 de fevereiro e foi entregue à população em 26 de outubro do

ano de 1986. Coincidência ou não, sua inauguração ocorreu às vésperas do

aniversário de Jader Barbalho, nascido em 27 de outubro de 1944. No dia

seguinte à inauguração, através da mídia impressa local, pode-se perceber que

três grupos foram presenteados pelo evento: a população de baixa renda de

Belém, Jader Barbalho que aumentou sua popularidade no dia em que

completou 42 anos e a população de Outeiro.

É interessante perceber através do discurso do então governador,

Jader Barbalho que sua intenção com a construção da Ponte era de,

sobretudo, beneficiar a população carente de Belém e não diretamente a

população de Outeiro. Eis trecho de seu discurso:

Outeiro, antes da ponte, era a principal praia frequentada pela população mais pobre. O trabalhador e sua família, para usufruir lazer, saíam de madrugada de sua casa, enfrentavam longas filas de espera por ônibus e balsas para passar poucas horas na praia. Sem falar nos acidentes semanais, alguns com perdas de vidas na difícil travessia do Rio Maguari. Era um drama, tanto a ida como a volta de Outeiro. Eu cansei de ver tanto sofrimento por tão pouco tempo de lazer e muitas vezes pensava que tudo poderia ser resolvido com uma ponte: que o trabalhador um dia iria tomar apenas um ônibus e

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num curto espaço de tempo poderia chegar a um dos mais belos balneários do Pará e do Brasil. Então, eu confesso que, quando construí a Ponte do Outeiro, não pensei em progresso ou desenvolvimento, pensei nas famílias mais pobres, no quanto faz bem à saúde um pouco de lazer (BARBALHO, 2011, p.21)

A Ponte foi, principalmente, uma conquista da população de Belém, e

não da população de Outeiro. É algo que é histórico na Ilha: há poucas

benfeitorias por lá que se leva em consideração a sua população. Como já

abordado, a Ilha serviu de hospedaria para imigrantes, em outro momento e

serviu de orfanato para crianças que, por algum motivo, tiveram que se afastar

do seio familiar. E essas crianças eram, na sua maior parte, de Belém.

A população de Outeiro aparece em segundo plano e com um

destaque bem menor na fala de Jader Barbalho. Não devemos esquecer que

Outeiro, naquela época, possuía uma população bem inferior da atual:

aproximadamente 4.000 habitantes. Logo se constituía em uma região escassa

de votos.

Ao final de suas considerações sobre a construção da Ponte, o então

governador Jader proferiu:

[e] pensei na população da Ilha, isolada do continente por menos de 500 metros, sem poder escoar sua produção ou receber gêneros com rapidez. Os jovens tinham que morar em Belém para estudar ou trabalhar. Pensei no quanto isso poderia ser barato e muito fácil. A ponte era uma reivindicação do povo e eu meditava sobre isso toda noite (BARBALHO, 2011, p.21 – 22- 23).

Embora deixados em segundo plano a ponte melhorou

indiscutivelmente a vida daqueles que precisavam trabalhar ou estudar em

Belém. A locomoção de Outeiro melhorou bastante com descreve Raimundo

Vasconcelos31 :

[no] início, eu acordava às 4:00 da manhã. Pegava a bicicleta e ia até a balsa. Atravessava de barquinho porque a balsa começava ás 06h00min e eu tinha que pegar serviço ás 06h00minh[...]. Eu saia 06h00min da tarde e a última viagem era 06h00min da tarde.(entrevista concedida em 22 de fevereiro de 2012)

O nome da Ponte, escolhido por Jader Barbalho, é em homenagem ao

governador Enéas Martins Pinheiro, que em sua biografia consta ter nascido

31 Morador antigo da Ilha, ex membro do CONSILHA e ex administrador do Distrito de Outeiro):

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em Cametá em 1872. Formou-se em Direito no Estado de Pernambuco, fundou

o jornal “Folha do Norte”, governou o Pará no período de 1º de fevereiro de

1913 a 1º de fevereiro de 1917 e também exerceu um mandato de Deputado

Federal pelo partido Republicano.

Em 30 de dezembro de 1993, a ponte foi reinaugurada e entregue à

população também no governo de Jader Barbalho, que passou a

responsabilidade da conservação da mesma para a prefeitura de Belém. Com

um custo R$ 40 mil, a reforma da obra incluiu novo sistema de iluminação,

pintura, sinalização e pavimentação.

O acesso à Ilha se faz ainda pela balsa ou pela Ponte. Atualmente, há

duas linhas de ônibus que trafegam dentro da Ilha: Outeiro São Brás, que

dentro da Ilha faz dois percursos diferentes: Itaiteua e Brasília; e Outeiro

Presidente Vargas. Há também um número considerável de transportes

alternativos que fazem o trajeto Outeiro/Icoaraci e Outeiro/São Brás.

Outro meio de transporte muito comum na Ilha é composto por moto

taxi. Os motos taxistas pouco trafegam fora da Ilha, pois são, na sua maioria,

menores de idade, que não possuem habilitação para pilotarem os veículos.

Pouco se observa o uso de capacetes por parte deles. Há um total de 13

pontos de moto taxi espalhados ao longo do Outeiro.

A Ponte do Outeiro com seus 360 m de extensão se mostra como um

dos mais importantes elementos presentes na memória dos antigos moradores.

Antes de começar a entrevista, a maioria dos entrevistados perguntava-me:

“tenho que falar antes ou depois da Ponte?” Por conta de sua relevância no

cotidiano da Ilha é que dedico um capítulo exclusivo para ela.

Para os moradores, a Ponte trouxe o progresso, a facilidade de

locomoção, a proximidade com a capital e as demais localidades, como

evidencia a fala de Nazaré:

Antes da ponte, a gente tinha pouco contato com outras localidades. Era muito difícil ir para Belém. A gente vivia com o que nós produzia, né? Ia vivendo. Com a inauguração da ponte, ficou mais fácil. O pessoal daqui passou a ter uma vida melhor, com mais recursos. (entrevista concedida em 15 de fevereiro de 2012)

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Todavia, na mesma proporção que a Ponte é lembrada como o símbolo

de ligação com outras paisagens e com a ideia de progresso é considerada a

responsável pelas ocupações desordenadas que marcam a geografia da Ilha

após a década de 80 do século XX, além de trazer uma considerável

população flutuante que durante os fins de semana, feriados e no período de

férias escolares, tira o sossego dos moradores locais. Tal fato encontra amparo

na narrativa de Marineide do Socorro que diz:

[...] eu gostava mais de Outeiro antes da ponte. Não é por nada não, nem dizer que sou contra o progresso, essas coisas. É que antes a vida era mais tranquila, mais pacata, né? Todo mundo se conhecia. Hoje eu não conheço meu vizinho, não sei quem ele é, não sei de onde ele veio [...] todo final de semana é uma bagunça. A gente não pode ficar tranquilo. (entrevista concedida em 15 de fevereiro de 2012)

É interessante observar que o depoimento de Marineide vai ao

encontro de algumas reportagens veiculadas em periódicos de Belém

informando fatos de violência. Eis as matérias:

Mulher loteia área invadida em Outeiro: O esquema ilegal de vendas de terrenos em Outeiro começa após a ocupação das terras, que os invasores desmatam e ameaçam os que tentam impedir o crime. (Belém, 20 de janeiro de 2012. Nº 33.452).

Homem é perseguido até a morte: Enquanto a população da capital paraense se preparava para o Círio de Nazaré, a maior manifestação religiosa do mundo, moradores do distrito do Outeiro tiveram a madrugada de ontem marcada pela violência. (Belém, 10 de outubro de 2011. Nº9. 955).

Trio vai pra cadeia após assalto em Outeiro: Com revolver em punho, um dos 3 assaltantes entrou na loja e rendeu os funcionários (...) segundo o acusado, o trio não foi a ilha com a intenção de assaltar, mas cometeram o crime porque viram a oportunidade. “nós não fomos lá assaltar. Iríamos tomar banho, mas quando passamos pela loja acabamos decidindo assaltar”. (Belém, 11 de dezembro de 2010. Nº 9.654).

Duplo assassinato choca os moradores no Outeiro: O crime aconteceu no igarapé Curuperé, que fica dentro da invasão Piçarreira, em Outeiro. Segundo populares, o crime teria sido cometido por policiais militares. (Belém, 03 de junho de 2011. Nº 9.826).

Policial é executado com 3 tiros na cabeça: O crime ocorreu na hora em que a vitima capinava em frente de casa, no distrito de Outeiro. (Belém, 16 de fevereiro de 2011. Nº 9.719).

Considerando os textos expostos, tem-se a caracterização da Ilha como

um ambiente inóspito, marcado pela criminalidade, violência e desarmonia

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entre os moradores, ausência de qualquer respeito ao outro e à dignidade

humana. Ambiente que atrai as pessoas de fora para praticarem o latrocínio e

homicídio. Lugar que não apresenta as condições básicas de vida. Local

extremamente perigoso sob o qual as “pessoas de bem” não devem adentrar.

De acordo com os depoimentos dos entrevistados, a violência urbana

se constitui em fato social, presente no cotidiano da Ilha. Há casos de furto

durante a semana e nos dias de segundas-feiras, sábados, domingos e

feriados, ou seja, dias de movimento de festas, principalmente, na Praia

Grande. O sentimento de desordem e violência toma conta de alguns

moradores como podemos observar no trecho da entrevista a seguir,

concedida por Maria Nancy Paixão dos Santos32:

Quando a gente não sabe num dia, a gente sabe no outro: ah! Encontraram um cara morto em tal lugar, às vezes, a gente vê no jornal e, às vezes, nem no jornal passa. Tem vezes que é dois, três casos de morte aqui no Outeiro. O Outeiro tá entregue às baratas. “Boca de fumo” é o que mais tem no Outeiro (entrevista concedida em 03 de janeiro de 2012)

Outeiro também enfrenta um problema muito comum nas grandes

cidades: a venda e o consumo de entorpecentes. É por conta de tal prática que

a Ilha, atualmente, se faz presente na mídia impressa local. A venda de drogas

ocasiona outros crimes como furto, roubo e homicídios. Ressalta-se, porém,

que a venda ilegal de drogas na Ilha já existia antes da ponte, porém em menor

escala.

O jornal “Amazônia” (13/05/2012. Nº 4.391) traz a matéria: “OUTEIRO

É TOMADO PELO PERIGO” nas páginas: 62 e 63, nas quais é possível

verificar a violência instalada na Ilha por ocasião de acerto de contas que a

venda de drogas ocasiona juntamente com o aumento desordenado da

população, o desemprego, o advento das ocupações desordenadas e a falta de

policiamento.

Hoje temos uma população de mais de 80 mil habitantes, o que mostra que Outeiro já não é aquela localidade bucólica visitada como opção de descanso. Pobreza não significa criminalidade, mas significa menor educação e menor poder aquisitivo, que são

32 Nascida e moradora da Ilha, 74 anos, viúva, lavadeira aposentada, residente na bairro de São Joaõ do Outeiro.

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situações que refletem negativamente na vida das pessoas. (Delegado Renato Barata em entrevista ao Amazônia. Nº4.395. p 62)

A reportagem relata seis homicídios ocorridos em 30 dias entre os

meses de maio e abril do corrente. O supervisor da Delegacia do Outeiro,

delegado Renato Barata, em entrevista para matéria descrita acima, afirmou

que dos seis crimes ocorridos, somente uma das vítimas não possuía

envolvimento com a criminalidade local, cuja vítima era um soldador. Os crimes

assim descritos foram:

1/4 - O motorista Clint Andrade Rocha, 42, foi morto a pauladas na passagem São Paulo, próximo à Avenida Beira-Mar, bairro da Água Boa. A “lei do silêncio” impediu que moradores dessem informações sobre o caso, por medo de represálias. O crime tem características de acerto de contas. Policiais civis da Divisão de Homicídios estiveram na cena do crime levantando informações sobre as circunstâncias da morte do motorista.

12/4 - O autônomo Madson Rogério Mera de Souza, 38, foi executado com três tiros no pátio da casa dele, localizada na rua Flamengo. O crime supostamente foi praticado por dois homens desconhecidos em uma bicicleta, a qual abandonaram em frente à residência da vítima, durante a fuga do local do crime. A mulher de Madson, Rosilene Benjamin, consternada com o assassinato do marido, compareceu à seccional para registrar a ocorrência. Rogério tinha ido pegar uma tomada na casa de um vizinho e, ao voltar para a casa com a esposa, foi fechar o portão de zinco e acabou surpreendido com a chegada de dois homens.

25/4 - Anízio dos Santos Lima, de 18 anos, foi encontrado morto com várias terçadadas pelo corpo na área da comunidade do Fama. Segundo testemunhas, Anízio foi espancado antes de ter o corpo atingido pelos golpes de terçado, que quase arrancaram a cabeça dele. O crime supostamente foi praticado por um grupo de aproximadamente doze pessoas, que cercou a vítima no final da estrada do Tucumaeira. A vítima foi levada para uma ribanceira próximo de um riacho, onde começaram as agressões.

2/5 - O pescador e vendedor de camarão Lindoval Pantoja Lemos foi moto a tiros dentro da própria casa, onde vivia com a esposa, na passagem São Sebastião, no bairro Água Boa. O crime ocorreu por volta de 23h30, quando o pescador teve a casa invadida por dois homens encapuzados, sendo um deles armado com revólver calibre 38. O assassinato foi comunicado ao Centro Integrado de Operações Especiais (Ciop), que destacou ao local uma guarnição da 21ª Zona de Policiamento (Zpol) .

3/5 - Vitor Pereira Nazaré, de 30 anos, foi morto com tiros na cabeça no momento em que saía de casa para o trabalho, com sua motocicleta, por volta das 6h30. O crime foi praticado na porta da casa dele, localizada na travessa Guarujá, próximo à rua Paulo Costa, no bairro Água Boa. A morte do soldador foi registrada na Delegacia de Outeiro como um crime de latrocínio (roubo seguido de

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morte), mas o fato de a motocicleta e nenhum pertence dele ter sido roubado levantou a suspeita de uma execução.

5/5 - Nélio Ribeiro dos Santos, foi assassinado quando caminhava na rua São Sebastião, no bairro Àgua Boa. Ele foi abordado por dois homens armados que chegaram a iniciar uma conversa com ele. Na tentativa de se livrar dos desconhecidos, Nélio saiu em fuga pela rua e acabou entrando em uma casa que estava com a porta aberta. Os assassinos perseguiram a vítima, que foi atacada com onze facadas e seis tiros e morreu na hora.

Percebemos que nenhum dos casos acima descritos ocorreu por

ocasião das festas no Areião. De acordo com levantamento da Delegacia da

Ilha referente o ano de 2011, foram registrados os seguintes crimes: 820 furtos,

777 roubos, 230 lesões corporais, 01 lesão corporal seguida de morte, 08

homicídios apurados e 01 homicídio culposo.

Sabe-se, no entanto, que o quadro estatístico acima mencionado não

retrata a real realidade da Ilha, pois no dia a dia, percebemos os inúmeros

assassinatos que lá ocorrem. Como mencionado por Nancy anteriormente,

muita casos não são nem divulgados pela imprensa local.

De acordo com informações na Delegacia de Outeiro, não é

competência da Instituição atuar na apuração de crimes como tráfico de

drogas, homicídios bárbaros ou aqueles que por motivos desconhecidos não

são registrados em ocorrência por parte das vítimas, os quais são muito

comuns na Ilha, e é por tais motivos, que não há um retrato fiel da violência

em Outeiro por parte da Delegacia. Os referidos crimes são enviados para as

instituições competentes.

O policiamento se faz presente, porém de forma muito escassa. Em

visitas ao Areião, percebi que ao longo da Praia Grande havia somente dois

policias para fazer a proteção de todos que dividiam aquele espaço:

barraqueiros, vendedores ambulantes, veranistas, proprietários e funcionários

de casas de show, bares e restaurantes, inclusive a minha própria segurança.

Para a maioria da população, a segurança da Ilha já foi bem melhor no

período em que CFAP desenvolvia suas atividades por lá. Segundo

informações obtidas na Polícia Militar, o CFAP já formou turmas com cerca de

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1.000 alunos que, entre outras atividades, corriam pelos bairros da Ilha. Para a

população, tais atividades inibiam as práticas de violência.

Considerando os dados acima expostos, é perceptível a mudança

brusca na rotina dos moradores da Ilha após a construção da ponte Enéas

Martins Pinheiro. Tal fato parece ter deixado a Ilha de Outeiro desprotegido. As

fronteiras que separavam o espaço geográfico e social da Ilha foram totalmente

suprimidas, deixando-a vulnerável às mazelas do continente. Porém, é

inquestionável sua contribuição para a população de modo geral como

descreve Antonio Carlos Peixoto33:

Outeiro não é um lugar ruim de morar. Aqui agente tem tudo, mas,

ainda falta algumas coisas como: banco, escola particular que prepare

agente para o Vestibular. Eu estudo em Belém, faço cursinho. Já

imaginou se agente ainda vivesse naquela época sem a ponte? Como

seria para chegar até a minha escola? Agora as coisas são mais

rápidas. Rápido estamos em Icoaraci, Belém.(entrevista concedida em

14 de maio de 2013)

Para os moradores antigos da Ilha, é difícil perceber que Outeiro exerce

um papel de dependência política, econômica e social em relação à Belém e

em tal relacionamento, a construção da Ponte já era algo inevitável. Para eles,

com ela, acabou a “proteção” da Ilha. É como se fosse possível viver numa

região com fronteiras e independente da capital ou de qualquer outra região. A

modernização e suas consequências, as quais não podem ser evitadas, como

a violência urbana necessariamente, estão presentes em Outeiro e devem ser

aprimoradas pelos moradores, para que o viver na Ilha, com seus avanços e

dificuldades, seja discutido e (re)significado.

A modernização dá lugar, num mesmo processo, a duas tendências

contraditórias: integração e marginalização. Mais precisamente: a

modernização impulsiona uma integração transnacional que provoca a

marginalização tanto de amplos setores sociais como de regiões

inteiras. Antes de fazer um esboço dessa dinâmica, entretanto, convém

destacar o caráter imperativo da modernização. Trata -se de um

imperativo no sentido de que não existem alternativas viáveis de

33 Natural de Belém, 18 anos, residente há 06 anos na Ilha no bairro da Brasília, solteiro,

estudante.

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desenvolvimento econômico. Nenhum país e muito menos um país

latino -americano pode entrincheirar -se em suas fronteiras nacionais

sem condenar -se ao subdesenvolvimento.(Lechner. Lua

Nova no.21 São Paulo Oct. 1990.)

Neste caso, a ponte se revela como o lugar da emergência dos

interstícios, ou seja, como a sobreposição e o deslocamento de domínios de

diferenças, permitindo refletir que antes da Ponte, todos eram e se sentiam

“iguais” partilhando a mesma noção de pertencimento. Todavia, esse

sentimento se dissolve ou é ressignificado após sua emergência, em uma

busca constante de uma identidade local que possa ser própria e exclusiva dos

moradores mais antigos da Ilha. A fala de Clarisse Evangelista Correa34 vai ao

encontro do exposto quando diz:

As pessoas são boas, os moradores da Ilha são pessoas humildes, dignas, honestas, você pode ainda aqui na Ilha de Outeiro andar de noite e não ser assaltado. Aqui as pessoas se olham com afeto, carinho, se o vizinho precisa de um ovo, uma xícara de açúcar, você poder bater na porta do vizinho e pedir ajuda. A vizinha vai sair e não pode levar seu filho e bate na porta do vizinho e o filho fica lá. Então ainda tem essa relação de família, de amizade, de companheirismo até pela própria circunstância, como aqui tudo é difícil, que tem um carro leva quem tá doente pro hospital. Nesse mundo que a gente vive precisa até do capim da rua... Há o sentimento de solidariedade entre os moradores de outeiro. (entrevista concedida no dia 14 de fevereiro de 2012)

Esta noção de pertencimento à Ilha é reforçada pelos laços de

solidariedade que, embora tênues, se constituem como elos indispensáveis à

manutenção da noção de dar, receber e retribuir contidos na “Teoria da

Reciprocidade” de Marcel Mauss (1974).

Quando o autor latino-americano Martín-Barbero (1986, p.28) afirma

que “o estudo dos usos nos obriga deslocarmos o espaço de interesse dos

meios para o lugar onde é produzido o seu sentido”, ele explica previamente o

que acontece na Ilha de Outeiro em relação à Ponte construída há alguns

anos. A História da Ilha de Outeiro tem esta personagem de cunho

extremamente importante para o desenvolvimento daquela região. A Ponte

Enéas Martins Pinheiro é um divisor de águas dentro da historicidade de

Outeiro, pois divide a Ilha em passado e presente. A população de Outeiro

34 Natural do amazonas, 42 anos, residente há 15 anos na Ilha no bairro São João do Outeiro, casada, professora.

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classifica os movimentos ocorridos no período pós-ponte como eventos ainda

da atualidade, para eles somente se constituem em passado os fatos ocorridos

antes de sua construção.

Neste caso, a Ilha, antes da Ponte, tinha uma característica de lugar

local, com uma cultura também local que obedecia a um ritmo e tempo

próprios. Embora muitos moradores trabalhassem ou estudassem em Belém,

havia um clima de segurança, controle de moradores, as pessoas eram mais

próximas umas das outras, a população fixa e, também, flutuante (que

frequentava a Ilha somente para o lazer) era bem menor que a atual. No

entanto, após a construção da Ponte, a Ilha passou a possuir características

marcantes de um lugar global, com acesso a cultura massiva, mediada pelas

modernas tecnologias da mass mídia (MARTIN-BARBERO, 2006). Esse

diálogo entre o local e global, entre cultura popular e cultura massiva é

mediado por tensões, conflitos e disputas de poder pelos domínios espaciais

da Ilha. Todavia, com o tempo essas oposições vão dando lugar a um diálogo

feito “de pressões e repressões, de empréstimos e resistências”35.

Neste sentido, a Ponte Eneas Martins Pinheiro pode ser considerada

como o espaço da intervenção (BHABHA, 2007), posto que emerge nos

interstícios culturais que introduz a invenção criativa dentro da existência

concreta dos moradores da Ilha. Em outras palavras, a Ponte se traduz como

um entre-lugar (BHABHA, 2007), capaz de:

fornecer o terreno para a elaboração de estratégias de subjetividades – singular e coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade (BHABHA, 2007,p. 20)

Neste processo de elaboração de estratégias de subjetividades, a

Ponte como entre-lugar, agrega, aglutina simultaneamente vários signos

representativos da modernidade em consonância com outros, capazes de

demarcar a noção de identidade local, revelada pela presença de carroceiros,

caseiros, hortas, árvores nos quintais, casas de madeiras, bicicletas em grande

escala, enfim, elementos que caracterizam Outeiro com suas características

identitárias próprias. Ao lado desses signos, é possível identificar na Ilha, a 35 MARTIN-BARBERO, 2006,p.101

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presença das redes sociais: internet, face book, twitter, e-mail, amplamente

utilizada pelos jovens e adultos da Ilha. Outros elementos são bastante

perceptíveis no dia-dia de Outeiro como celulares repletos de aplicativos,

aparelhos eletrônicos de última geração como iPhone, lojas de roupas, cyber e

outros estabelecimentos.

A imagem a seguir é exemplar para ilustrar aspecto dessa

identidade/cultura local: uma casa localizada na Av. Nossa Senhora da

Conceição, nº 240 no Bairro da Brasília, a qual é habitada por Maria de Jesus

de Sousa, de 49 anos, casada há 32 anos com Pedro Paulo, de 53 anos, mãe

de 12 filhos.

Figura 12- Foto da casa mais antiga habitada da Ilha

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

Eles chegaram àquela casa em 1986. São caseiros da propriedade há

22 anos. Segundo Maria, a casa pertence a Leonel da empresa “Ricosa”. O

imóvel possui somente uma sala, dois quartos e a cozinha, sendo que o

banheiro já desabou e construíram outro ao lado de fora.

O terreno mede 350m de frente e 1.200m de fundo, ainda segundo

Maria, a casa possui 47 anos, feita de madeira Acapu e Pau-amarelo que

foram tiradas da mata aos seus arredores. A propriedade pertencia ao Chico

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Sampaio, já falecido e muito presente na memória dos antigos moradores, pois

ele pilotava as gingas que faziam a travessia pelo atual CFAP.

Chico Sampaio criava gado pelas laterais da casa que atualmente só

possui um quintal capinado. Ainda que os efeitos do “progresso” não passem

por este lugar, ele atrai a curiosidade de visitantes que ao avistarem, param

para fotografar por ser a mais antiga casa habitada da Ilha. Por trás do terreno

há uma ocupação espontânea chamada de “Invasão do Curuperé”.

A Ponte trouxe o progresso e outros elementos que ajudam a

dinamizar a ideia de paz como o aumento as inúmeras igrejas espalhadas na

Ilha, mas com ele, segundo os antigos moradores, vieram as mazelas de uma

região urbana. A população, antiga da Ilha, antes se lamentava de dificuldades

como locomoção, saneamento básico, luz, a distância que, por conta da

travessia de balsa, tudo era mais longe, ou seja, clamava-se por infraestrutura.

Atualmente, a população sofre com problemas sociais que, pelo visto, estão

longe de serem solucionados.

Com a Ponte, inevitavelmente, a população deu um salto e aumentou

de forma absurda, e o pior é que tal aumento se deve, principalmente, pelas

ocupações espontâneas que ocorrem constantemente na Ilha, trazendo

problemas como o aumento da violência. Por isso, há uma sensação errônea

de que a ponte é a responsável por toda a violência urbana que a Ilha

atravessa como podemos perceber na fala de Rui Guilherme em sua

entrevista:

Outeiro mudou radicalmente com a vinda da ponte pra cá. O projeto é bom. Ele traz os benefícios,mas traz os malefícios juntos, né. A gente vê que hoje a população cresceu desordenada com as ocupações hoje. E a gente esquecido pelo poder público. Olha as primeiras ocupações foram a Brasília, Água boa, Água Cristalina. As mais recentes são: a da beira da praia chamada de Portelinha que é uma coisa absurda e essa do Alphavela que é do lado do Alphaville e essa que ocuparam aquele terreno que o pessoal dizem que é do Rômulo Maiorana que fica próximo do Barro Branco, passando a praia do Amor pra cima é onde os Maioranas tem terreno (Entrevista concedida em 24 de fevereiro de 2012)

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Com todos os problemas sociais que a Ilha enfrenta, a população nutre

por Outeiro um sentimento de pertencimento e de lá não pretende se mudar

como relata, ainda, Nancy Paixão:

Eu não troco Outeiro por nada. Mas a gente já não tem sossego. Graças à Deus. Eu louvo à Deus a todo instante que na minha casa nunca invadiram, nunca aconteceu nada aqui. Eu nasci aqui no Outeiro. Meu umbigo tá enterrado aqui (entrevista concedida em 14 de fevereiro de 2012)

Não é minha intenção evocar a tristeza por conta de mudanças e

tampouco admirar a “beleza do morto” de Certeaux e narrar a falta que o

passado de Outeiro faz para seus moradores. O passado, embora esteja

presente em suas memórias, como já exposto anteriormente, passado este que

eles fazem questão de evocar, é um período marcado por muitas dificuldades,

como locomoção, alimentação e outros aspectos. É minha intenção socializá-lo

e ressignificá-lo, pois assim melhor entenderemos o cotidiano dos moradores

da Ilha.

Essa contribuição temporal que a Ponte Enéas Martins Pinheiro deu à

historiografia da Ilha de Outeiro pode ser bem embasada segundo o

pensamento do Martín-Barbero(1986):

A comunicação se tornou para nós questão de mediações mais do que meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de reconhecimento. Um reconhecimento que foi, de início, operação de deslocamento metodológico para rever o processo inteiro da comunicação a partir de seu outro lado, o da recepção, o das resistências que aí têm seu lugar, o da apropriação a partir de seus usos. Porém num segundo momento, tal reconhecimento está se transformando, justamente para que aquele deslocamento não fique em mera reação ou passageira mudança teórica, em reconhecimento da história: reapropriação histórica do tempo da modernidade latino-americana e seu descompasso encontrando uma brecha no embuste lógico com que a homogeneização capitalista parece esgotar a realidade do atual (MARTÍN-BARBERO, 1986,p.16).

Neste sentido, Martin-Barbero (1986) permite entender de que forma a

sociedade é capaz de fazer uso, apropriar um termo, um valor, ou uma

estrutura, e incorporá-la ao seu contexto, mediando esta comunicação, neste

caso, a Ponte Enéas Martins Pinheiro, e utilizando-se dos fatores temporais

que marcam sua criação e sua incorporação ao cotidiano daquelas pessoas.

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A Ponte também divide a História do Areião em passado e presente,

uma vez que esta casa de show completou 48 anos no dia 14 de maio de 2012.

Logo, sua atuação na Ilha consta desde antes da Ponte. Nesta data, fiz uma

pesquisa e constatei que a maioria das pessoas que estavam presente na festa

era de outros bairros para prestigiar o Areião e a aparelhagem Badalasom: O

Búfalo do Marajó. Essa questão, dentre outras, é o que pretendo discutir no

próximo capítulo.

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4- O Areião: Lugar de Sociabilidade e Pertencimento na Ilha de Outeiro

Em minha primeira visita à casa de show do Areião para executar a

pesquisa etnográfica já pude observar a popularidade do espaço, sobretudo

pela quantidade de pessoas que ali se avolumavam, em conversas animadas,

regadas à bebida, transitando, observando ou dançando músicas de ritmo

local, sobretudo as conhecidas como tecnobrega, executadas por

aparelhagens que disputam a preferência popular.

O interior do espaço é no formato de um amplo galpão, coberto de

telha de zinco. O telhado é sustentado por esteios de madeira que circundam

todo o espaço. Entre os esteios, várias mesas de madeira e cadeiras. No canto

direito, um enorme balcão, onde são vendidas as bebidas. Ao fundo, em

destaque, o local reservado para as aparelhagens e seus djs. Ao final da casa

de show, pela lateral esquerda, banheiros – masculino e feminino.

A simplicidade do local permite aos frequentadores o uso de roupas

despojadas. As mulheres se vestem com bermudas ou calças coladas, blusas

também coladas, de alça e decote. Os homens, na maioria, usam bermudas e

camiseta tipo regata.

Minha incursão à campo permitiu observar que as músicas tocadas nas

festas de aparelhagens do Areião, o próprio espaço e os sujeitos sociais que ali

transitam constitui um mosaico composto por idiossincrasias -situado em um

tempo e um espaço - que se materializa em um movimento identitário, no qual

se estabelece o que está dentro e o que está fora, posto que:

A identidade social é ao mesmo tempo inclusão e exclusão: ela indica o grupo (são membros do grupo os que são idênticos sob um certo ponto de vista) e o distingue de outros grupos ( cujos membros são diferentes dos primeiros sob o mesmo ponto de vista).Nesta perspectiva, a identidade cultural parece como uma modalidade de categorização da

distinção nós/eles, baseada na diferença cultural. (CUCHE , 2002, p.177)

Identidade que se situa entre as fronteiras dinâmicas das relações de

gênero, classe social e cultura. Questões que tem na construção humana do

que sou ou estou sendo, os sujeitos situados em um grupo social que na

dinâmica do Areião encontram seu território, seu tempo e espaço de saber ser

e estar sendo.

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Todo o esforço das minorias consiste em se reapropriar dos meios de definir sua identidade segundo seus próprios critérios, e não apenas Em se apropriar de uma identidade, em muitos casos, concebida pelo grupo dominante. (CUCHE, 2002, p.100)

Neste sentido, o ser humano em sua relação com o mundo define-se

pelo significado que dá à ação e ao mundo que transforma. A sua ação no

mundo, portanto, não é feita simplesmente de forma reflexa e material. Na

medida em que o ser humano é ser que produz cultura, suas produções

possuem valor simbólico.

Tomaremos como exemplos dois sujeitos frequentadores como público

do Areião, os quais foram entrevistados durante a pesquisa: Wanderley e Maria

da Paz. Sujeitos de lugares socialmente diferentes: a entrevista com

Wanderley ocorreu na sala de reuniões de uma determinada Empresa de

Economia Mista do Estado do Pará localizada no centro de Belém, local em

que ele exerce o cargo de diretor. Já a entrevista com Maria da Paz aconteceu,

ao ar livre, no meio da rua, em frente à casa onde ela trabalha como

empregada doméstica.

Wanderley é engenheiro civil, com 63 anos, morador da Ilha e

frequentador do Areião há 15 anos, conheceu sua atual companheira e mãe de

sua filha de 8 anos nas festas do Areião, como ele relata:

Eu conheci ela no Areião num desses domingos. Eu tava lá com meu vizinho e ela tava disputando um concurso de Brega. Ai ela tava lá em cima e tal, né. Aí tava eu e o Michelin, Michelin é o cara que cuida da minha casa lá no Outeiro. Aí, eu me lembro que eu falei pra ele: “Michelin, o casal que ganhar ai, eu vou contratar pra me ensinar a dançar Brega no estilo de hoje”, que eu dançava no estilo antigo. Ai, ele me olhou e disse assim: “mas quando!” e eu respondi: “vou! Tu vai ver.” Ai, esse casal essa menina e o Roberto que era o parceiro dela ganharam. Aí eu fui atrás deles.Ai eu conversei com eles, agente combinou, ai eu tive algumas aulas e acabou que eu acabei foi me enroscando com ela, em 2000, lá pela metade do ano (Entrevista concedida em 22 de maio de 2012).

Wanderley é um dos representes do público, mencionado anteriormente,

que frequenta o Areião por se identificar com aquele espaço. Independente de

Aparelhagem, ele se faz presente nas festas nos dias de domingo. Para ele,

frequentar o Areião aos domingos significa não ser alcançado pelas lentes da

discriminação. A diferença de idade entre ele e sua atual companheira não é

visibilizada pelos demais frequentadores, como acontece, segundo ele, em

outros lugares.

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Outro sujeito entrevistado, Maria da Paz Santos Neves, moradora da

Ilha, empregada doméstica, 31 anos, homossexual e mãe de um rapaz de 19

anos. Ela frequenta o Areião desde os 15 anos de idade, e já faz parte do seu

cotidiano. Sua opção sexual também não é visibilizada pelos demais

frequentadores:

Eu vou lá pelo Areião mesmo. É o Areião eu frequento desde os meus 15 anos. Eu vou de qualquer jeito. Não tenho a coisa do glamour. Eu vou de bermuda, calça comprida e blusa de manga. Não uso maquiagem. Vou de sandália mesmo.

É o costume de tá lá, né? Eu não ligo pro ambiente, é só pra eu não passar o final de semana em casa. Eu passo a semana toda em casa e domingo eu venho pro Areião. Meu filho fica mais em casa com a namorada dele. Ele não gosta, quando vai pra banda da praia, vai só tomar um banho e depois vai embora pra casa.(Entrevista concedida em 12/05/2012)

Às vezes, quando a gente vem do Areião, a gente já fica em outro lugar. Mas o foco principal é o Areião. É o costume, já faz parte da vivência já, se for pra outro local é na volta já. Primeiro é o Areião. A entrada é R$ 5,00. Quando o aparelho é grande vai até R$ 10,00.(Entrevista concedida em 06/05/2012)

A discriminação e exclusão que esses sujeitos sofrem –por motivos

diferentes – em outros espaços sociais não ocorre no Areião. Eles constituem

suas próprias representações identitárias, valorizando suas escolhas e

superando preconceitos impostos por aqueles que não aceitam suas escolhas

e os julgam por elas:

Um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social cotidiana possui um traço que pode-se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus. Ele possui um estigma, uma característica diferente da que havíamos previsto. Nós e os que não se afastam negativamente das expectativas particulares em questão serão por mim chamados de “normais” (GOFFMAN, 2008, p.14).

Assim como eles, outros frequentadores possuem um bem estar em

frequentar o Areião, há um sentimento de pertencimento em relação àquele

espaço, como menciona Wanderley: “Eu me sinto revigorado ao chegar ao

Areião”.

Há, porém, aqueles que não constituem o público do Areião

especificamente, mas frequentam por acompanhar suas aparelhagens

preferidas.

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As festas que ocorrem no Areião possuem dias específicos: segundas-

feiras e aos domingos. A casa está aberta a partir das 14h. Nos dias de

segunda-feira as aparelhagens que se apresentam são de Baile da Saudade

voltadas para um público mais adulto, assim definido:

Se apresentam aparelhagens mais e artistas antigos, com o repertório básico de boleros e bregas antigos (bregas dos anos 80, conhecidos popularmente por flash bregas) e com a frequência majoritária de pessoas entre faixa etária dos 20 aos 60 anos. (COSTA, 2009,p.52)

No Areião não há mais a apresentação de artistas (cantores) pelo alto

custo do empreendimento. Somente se apresentam aparelhagens. Aos

domingos, as festas são conhecidas como festas de Aparelhagens ou de

Tecnobrega. São frequentadas, na sua maioria, por um público entre 12 a 25

anos, porém após as 18h os menores são retirados da casa. As aparelhagens

que atuam no Areião são as mesmas que se apresentam nas demais casas de

show em Belém e nos interiores do Estado do Pará: Tupinambá, Rubi Boy,

Badalasom, Cruzeirão, Sigmazom, entre outras.

O Areião oferece um total de três bares gerenciados por Vica, Rosa e

Rany. Uma lanchonete, que é gerenciada por Loura e duas vendas de balas.

Além de tais serviços, a todo o momento, o local é visitado por vendedores

ambulantes de diversos produtos como: pastéis, pupunha, ostras, bijuterias,

amendoins, queijo, óculos escuros e outros.

O ambiente possui aspecto antigo, fazendo parecer que a tão chamada

modernidade ainda não chegou por lá. Suas cores são as mesmas de muitos

outros bares e casas de show de bairros periféricos de Belém: laranja e branco,

representando as cores das embalagens de cerveja que patrocinam a pintura

de casas de show e bares da periferia de Belém. Essa estratégia de mercado,

ao mesmo tempo em que populariza marcas conhecidas de cerveja também

pode ser compreendia como reflexo da dinâmica da mass mídia, mediando

práticas de comunicação e movimentos culturais locais, pois, segundo Martin-

Barbero,

Não podemos pensar hoje o popular atuante à margem do processo histórico de constituição do massivo: o acesso das massas à sua visibilidade e presença social, e da massificação em que

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historicamente esse processo se materializa. (MARTIN-BARBERO, 1986, p.29)

Alguns elementos que para outras casas de show são considerados

necessários em decorrência do processo da globalização como o pagamento

com cartões de crédito e informatização do sistema de caixa, ainda não

chegaram por lá. É, talvez, por essa simplicidade que o Areião se consagra nas

classes populares e resiste ao tempo. Pois, como menciona Rany:

Em meu bar quando a aparelhagem é grande mesmo, vão 500 pacotes, 600 pacotes de cerveja. Cada pacote tem 12 cervejas. Aí quando a festa já é fraca só vão 200 pacotes.(Entrevista concedida em 12/05/2012)

Embora o espaço social do Areão não esteja “modernizado”, o mesmo

não se pode afirmar dos sujeitos sociais–frequentadores. Todos os sujeitos

sociais presentes nos dias de observação “in loco” portavam celulares. Na

festa, esse signo expressivo da modernidade é utilizado pelos frequentadores

para escreverem mensagens que são repassadas ao DJ da aparelhagem no

momento das apresentações, Tais mensagens sempre são anunciadas por ele

ao microfone, suas mensagens se limitam em anunciar seus nomes e bairros

com saudações de boas vindas. Este tipo de comunicação permite refletir

acerca do processo de legitimação de identidades, assegurando uma

visibilidade social aos presentes.

A popularização do Areião se estende para além dos domínios da ilha

de Outeiro. Ela se espalha pelos bairros de Icoaracy, Tapanã, Benguí, Guamá,

Terra Firme, Tenoné, além dos municípios como Ananindeua, Marituba,

Benevides e outros. Neste caso, é perceptível - pelo local de origem dos

frequentadores - que a festa do Areião alcança toda a extensão da Região

Metropolitana de Belém.

São esses frequentadores que chegam ao Areião e dividem o espaço

com as “Baldeiras”, interagem com elas durante as festas, respeitam seus

trabalhos, as reconhecem nas ruas e consagram-nas como sujeitos essenciais

para o andamento das festas. As “baldeiras” contribuem, sobremaneira, para a

garantia do conforto dos frequentadores. O papel das “baldeiras” e sua

importância para o Areião é o mote do próximo tópico.

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4.1 – As Baldeiras

Sujeitos sociais extremamente importantes para a ocorrência das

festas do Areião, as conhecidas “baldeiras” são mulheres de idades diversas

que, com diferentes e difíceis histórias, são capazes de mostrar o quanto o

trabalho feminino é frequente em ambientes como o estabelecimento em tela.

Como destaca Badnter (1989):

Se percorrermos os países e os séculos, veremos quase em toda parte mulheres adoradas e oprimidas. O homem, que nunca perdeu uma oportunidade de abusar de sua força, ao render homenagem à beleza delas, por toda parte se prevaleceu de sua fraqueza. Foi ao mesmo tempo seu tirano e seu escravo. A própria natureza, ao formar seres tão sensíveis e tão meigos, parece ter cuidado bem mais de seus encantos do que de sua felicidade. Sempre cercadas de dores e temores, as mulheres compartilham todos os nossos males, e ainda se veem sujeitas a males que são só para elas. Não podem dar a vida sem que se exponham a perdê-la. Cada revolução que experimentam altera sua saúde e ameaça seus dias. Doenças cruéis atacam sua beleza: e quando escapam a esse flagelo, o tempo, que a destrói, tira-lhes todos os dias uma parte delas mesmas. Então, não podem mais esperar proteção, a não ser dos direitos humilhantes da piedade, ou da voz tão fraca do reconhecimento (BADNTER, 1989,p.37).

Ao entrar pela primeira vez no Areião em funcionamento, no dia 20 de

fevereiro de 2012, segunda-feira, percebi a figura feminina, não como público

da aparelhagem Cruzeirão36, mas como parte da organização da casa de

show. A primeira delas foi Aldenora, a quem já conhecia como aluna, que

estava na portaria neste dia juntamente com um dos seguranças e Paulo,

gerente do Areião. Dentro do Areião, chamou-me a atenção duas moças,

aparentemente novas que deixavam cervejas dentro de baldes. Até então

pensava que fossem chamadas de garçonetes. Entretanto, após avaliar o

ambiente e a interação entre as pessoas percebi que eram chamadas de

“baldeiras”. São 11 moças que trabalham vendendo cervejas nos baldes.

36 Aparelhagem de médio porte de Icoaraci.

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Figura 13- Foto da baldeira.

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

O Areião possui 02 baldeiros e 11 (onze) baldeiras, das quais foram

entrevistadas 9 (nove): Iranilde, Ivone, Patrícia, Iracema, Eliane, Nara, Fátima,

Michele e Eliene. São mulheres, que no geral, possuem entre 20 a 40 anos,

moram na Ilha ou em Icoaraci. A maioria delas não terminou o Ensino Médio.

Mulheres que na procura escassa por trabalho encontraram no Areião o lugar

de seu sustento. São mães, avós e irmãs que contribuem com a renda familiar

trabalhando de garçonete durante as festas.

Algumas delas possuem outras fontes informais de renda, as quais não

chegam a superar a renda obtida com o trabalho no Areião: manicure, diaristas,

vendedoras de catálogos de produtos de beleza, vendedoras de CD’s

falsificados ou que trabalham com barracas de “jogo do bicho”, um jogo muito

comum em bairros periféricos de Belém.

Durante os dias em que não há festas no Areião, elas efetuam as

tarefas de casa e cuidam de seus filhos e netos, pois algumas são avós. São

responsáveis por organizar suas casas, cuidar da alimentação familiar.

Algumas delas, ainda saem para algum trabalho extra como fazer venda de

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cosméticos, manicure e outros serviços que não atrapalham a rotina delas no

Areião.

A cerveja em lata passou a ser consumida em maior escala com a

proibição de venda de cervejas em frascos de vidro. Desde então, a bandeja

dos garçons foi substituída pelos baldes, que compõem o instrumento de

trabalho das “baldeiras”. No Areião, os baldes apresentam dois tamanhos: o

pequeno (é um balde comum vendido em supermercados) e o balde maior

(balde usado para vender 15Kg de margarina).

O nome “baldeira” é em decorrência de tais baldes, que usam para

servir as cervejas. Mas o termo é considerado, por algumas delas como

agressivo, já para outras, é indiferente. O que importa é o respeito com que

elas são tratadas nas festas.

O balde pequeno custa, em média, R$15,00 com quatro cervejas e o

balde grande custa R$ 75,00 com vinte cervejas. Há mesas que chegam a ter

até seis baldes. Alguns clientes pedem somente um balde e ao acabar as

cervejas, eles as compram diretamente dos bares por ser mais barato. Para

isso, também, acionam as “baldeiras” para vender-lhes somente o gelo que

custa R$2,00. Todavia, para essas mulheres, o “bom cliente” é aquele que

possui vários baldes em sua mesa.

A figura dos baldes é tão importante para os clientes no momento das

festas, que muitos os trazem de casa, porém são bem diferentes dos

encontrados no Areião. São trabalhados com adereços ou com símbolos de

time de futebol. Além de conforto, já que o cliente não precisa enfrentar fila nos

bares, o balde indica o poder de quem está consumindo a cerveja, como relata

Ivanilde das Mercês Ferreira em entrevista:

[e] pra uns é pra se aparecer, pra se amostrar, entendeu? Eles pedem de dez balde, aquele que briga pra comprar mais balde, pode vê lá, entendeu? Um pede 20, outro pede 30 que é pra competir, entendeu? (entrevista concedida em 20 de fevereiro de 2012)

É através dos baldes sobre as mesas que os frequentadores são

diferenciados. Eles se sentem mais poderosos, são mais notados, mais

respeitados por todos, chamam mais atenção dos outros sujeitos. Assim como

das baldeiras, até os DJ’s os reconhecem. Em visita ao Areião no dia

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07/06/2012, o DJ anunciou: “tem gente aqui na frente pedindo 10 baldes:” o

sujeito que possui muitos baldes sobre sua mesa é invejado pelos outros,

marca território, exercendo assim um poder simbólico sobre os outros.

Bourdieu (2009) assim o define: “o poder simbólico é, esse poder invisível o

qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber

que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.” (BOURDIEU, 2009, p. 19).

O poder simbólico aqui mencionado parte do ponto de vista de

Durkheim, que segundo Bourdieu (2009), é um poder de construção da

realidade que procura estabelecer uma ordem ao sentido imediato do mundo,

especificamente, do mundo social. Durkheim classifica esta perspectiva de

“conformismo lógico” que corresponde a uma concepção homogênea do

tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância

entre as inteligências.

As baldeiras não se limitam apenas em trabalhar no espaço do Areião,

pois, elas transformam o trabalho árduo que é de ficar em pé pelos arredores

dos clientes, em momentos de diversão para elas. É indiscutível que a atenção

principal é para a venda de cerveja. No dia 28/05/2012, uma segunda-feira, ao

começar o movimento da festa, Eliane, já arrumada com seus baldes sobre as

mesas, ensaiava suas danças.

Muitas delas eram frequentadoras do Areião antes de começarem a

trabalhar lá. Elas, na sua maioria, antes de sentirem o lugar como ambiente de

trabalho, o sentem como um local possível de encontrar lazer, sociabilidade,

pois somente uma delas, Iracema, atualmente, por questões religiosas, tem o

Areião unicamente como lugar de trabalho.

Os indivíduos vivem no interior de um grande número de diferentes instituições, que constituem aquilo que Pierre Bourdieu chama de “campos sociais”, tais como as famílias, os grupos de colegas, as instituições educacionais, os grupos de trabalho ou partidos políticos. Nós participamos dessas instituições ou “campos sociais”, exercendo graus variados de escolha e autonomia, mas cada um deles tem um contexto material e, na verdade, um espaço e um lugar, bem como um conjunto de recursos simbólicos (WOODWARD, 2011, p.30).

Neste sentido, todos que no Areião se relacionam, são partes de

grupos sociais que encontram nestas festas de aparelhagem, território de

expressão das suas identidades. Isto significa situar-se em um espaço

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complexo de relações interpessoais pelas quais eles constroem e ressignificam

suas próprias histórias.

Questões que têm de forma implícita as “políticas de identidade” sob as

quais as relações de poder vão se materializando em práticas de assimilação

de identidades, ora reproduzidas e impostas pelas tradições culturais, normas

sociais, ora construídas ou transformadas, como prática de negação das

identidades tidas como estáticas.

No estudo da identidade, produto e processo são elementos

indissociáveis. Para Brandão (1984), o entendimento sobre a dinâmica da

construção da identidade está para além das relações de contrastes, de

tensões de força correntes nos grupos sociais que se dimensionam em

contextos mais amplos da sociedade, mas está no reconhecimento social da

diferença.

As identidades são representações inevitavelmente marcadas pelo confronto com o outro; por se ter de estar em contato, por ser obrigado a se opor, a dominar ou ser dominado, a tornar-se mais ou menos livre, a poder ou não construir por conta própria o seu mundo de símbolos e, no seu interior aqueles que qualificam e identificam a pessoa, o grupo, a minoria, a raça, o povo. Identidades são mais do que isto, não apenas o produto inevitável da oposição por contraste, mas o próprio reconhecimento social da diferença (BRANDÃO, 1984, p.65).

É neste circuito de festas de aparelhagens no Areião que as “baldeiras”

efetivam suas rotinas. Elas geralmente chegam pela manhã, quando arrumam

seus baldes e o gelo. Pedem as sacas de gelo Sr. Paulo que as deixam em

suas respectivas geleiras37, as quais comportam, no máximo, cinco sacas de

gelo. O valor de cada saco é de R$7,00 que elas devem pagar para o

fornecedor. Deixam o Areião e retornam somente por volta das 15h, quando a

festa já começou e o horário de saída, depende delas, mas não ultrapassa as

0h.

Algo que me chamou atenção foi o cuidado que as baldeiras tem com

o Areião, não somente com o lugar em si, mas com tudo que o cerca e o

compõem. Quando alguma delas, por algum motivo, deixa de ir até as festas

37 São depósitos para colocar a cerveja com gelo, são doados pelos fabricantes de cervejas. São, também, chamadas de “conservadora”, não funcionam com energia.

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trabalhar, as outras se procuram em saber se algo de ruim aconteceu. Há um

comprometimento com o universo do Areião.

Percebi que quando o público deixa de ir ao Areião, elas, também se

preocupam, parece que a casa perde o brilho, não só pelas vendas que elas

dependem, mas pelo brilho da festa que elas se importam. É como se elas se

sentissem um pouco donas daquele espaço. Suas referências estão ali

também. A maioria delas já trabalha no Areião há mais de dez anos.

Para elas, o Areião é, também, liberdade, pois não há uma exigência

quantos suas vestimentas. Há um tempo, elas usavam camisas do Areião para

trabalhar. Atualmente, elas vão de calças compridas ou bermudas, a maioria

usa maquiagem, com cabelos soltos ou presos, usam acessórios que refletem

a imagem de mulheres vaidosas. Quando começa a festa, elas usam abadas

com propagandas de cervejas para que o público presente possam identificá-

las mais rapidamente.

Ao saírem de casa, levam pouco dinheiro para começar a venda, pois,

quando o cliente pede um balde com cerveja, elas precisam dirigir-se a um dos

bares para comprar e então vender ao cliente. Em cada balde elas lucram

cerca de R$3,00. Quando não trazem dinheiro, elas compram cervejas no fiado

dos bares dentro do Areião e pagam na saída.

Além de exercerem um papel de destaque durante as festas, muitos

clientes, ao chegarem ao salão, já as procuram e, às vezes, não as

compreendem somente como vendedoras de cervejas, mas como alguém que

já os conhecem, como relata Ivone Mercês Ferreira em entrevista:

Não eu só vendo as cervejas e dou uma dançadinha. Mas eu troco ideia com eles. Eles falam: “ah! Eu briguei com a minha namorada e hoje eu vou encher a cara” e eu digo: “Ah! Então enche a cara aí” é mais assim: “eu vou encher a cara, só trabalhando, trabalhando, eu vou encher a cara” e eu digo: “é isso é verdade, então te diverte aí”. È como se estivessem desabafando e eu não entro em detalhes, eu só concordo. (entrevista concedida em 20 de fevereiro de 2012)

Elas não são somente reconhecidas durante as festas, mas na Ilha e

até mesmo em Icoaraci, elas possuem certo privilégio. Não são apenas

moradoras de Outeiro, mas garçonetes do Areião, como, ainda em entrevista,

Ivone faz questão de mensurar:

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A população me identifica. Eu sou conhecida aqui. Eles me chamam: ‘lá vai a garçonete do Areião!’ [risos]. Eu gosto desse movimento. Ninguém me discrimina. É mais um privilégio pra mim.(entrevista concedida em 20 de fevereiro de 2012)

O relacionamento com o gerente do Areião é um ponto positivo e

relatado por todas. Há um respeito da parte dele, que ultrapassa o momento de

trabalho. Em entrevistas, Iracema de Oliveira relata que ele “briga” muito pela

causa delas. É esse relacionamento que também contribui para a permanência

delas no espaço, pois se observa que elas trabalham há muitos anos como

“baldeiras” nas festas. Ivone, por exemplo, em entrevista acima mencionada,

completará 12 anos dentro do Areião e acompanha a evolução do local:

Pra mim ele melhorou. Ele melhorou em termos de público, as pessoas que trabalhavam lá são outras, né. O público era mais moleque. Esses moleques que gostavam de brigar. Que só iam pra brigar. Quando a gente virava as costas eles tavam brigando. Eles eram encrenqueiros, né? Hoje em dia não. Hoje já é mais gente mais de idade não é aqueles molequinhos que iam só pra beber. Acontece, também, que vendia muita bebida forte lá no Areião, vendia batida, era só mais batida. Cerveja antes era mínima. Ai, pararam de vender, né? Aí, eles colocaram baile da saudade. Ai, as pessaos já viram o Areião com outros olhos. Porque antes, o Areião não prestava pra ninguém. Uns seis anos atrás, ninguém gostava do Areião. Só eram os molequinhos mesmos. Pessoas assim, de mais idade não gostavam do Areião porque era só moleque. Era muita briga. Era a época do “house”. Hoje em dia tem até pessoas idosas dentro do Areião de 60 anos que antigamente tu não vias nem na porta do Areião. (entrevista concedida em 20 de fevereiro de 2012)

O trabalho no Areião não representa somente lazer e alegria para elas,

durante as entrevistas, coletamos alguns pontos negativos que aparecem no

decorrer do percurso delas por lá. Alguns clientes que, às vezes, as

desrespeitam, clientes que confundem o valor pago e as acusam de ficar com

seus trocos. Outro aspecto negativo é o pagamento do gelo que para algumas

delas, o Areião deveria arcar com este custo.

Os percalços não as tiram os ânimos que se renovam a cada dia de

trabalho. Encontramos mulheres que, mesmo carregando baldes pesados,

velhos e feios, carregam a vaidade de ser mulher, estando sempre maquiadas,

são mães e, sobretudo, trabalhadoras que naquele espaço transitam e

resignificam suas histórias. Fora do Areião, elas, como qualquer mulher,

desenvolvem seus papeis de mães que educam, criam seus filhos, cuidam de

suas casas e de seus maridos com a mesma responsabilidade com que

carregam baldes no meio do salão do Areião.

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4.2 – Do Profano ao sagrado

De acordo com Da Matta (2001), os espaços sociais possuem funções

capazes de delimitar o trânsito dos sujeitos sociais pelos seus interstícios. A

divisão mais clássica dos espaços é aquela que separa o mundo público do

privado, o mundo sagrado do profano.

À primeira vista e considerando a tese defendida por Da Matta (2001) o

Areião pode ser enquadrado nas dimensões de espaço público e profano. É

público à medida que qualquer sujeito – de qualquer classe social – pode ali

ingressar. Na mesma proporção, é profano em virtude do tipo de manifestação

cultural que no seu interior e nas imediações são executadas.

Todavia, um olhar mais atento acerca da dinâmica das relações

executadas no espaço do Areião revela uma espécie de imbricamento de

relações sociais que, embora exclusivas por conta de suas dimensões

sagradas ou profanas, ali se manifestam, fazendo com que ele – o Areião –

possa simultaneamente ser considerado como cenário para ações

performáticas dessas duas dimensões, caracterizando um tipo especial de

hibridação.

Para ratificar a hibridez do Areião, apresento aqui o momento em que o

contexto profano cedeu espaço a outro discurso: o religioso. Uma vigília, que

congregava um total de oito igrejas sediadas em Belém ocorreu no dia 19 de

maio de 2012. Segundo o gerente do Areião, Paulo, a escolha do espaço

ocorreu após o dono do lugar onde a Vigília estava programada cobrar R$

5.000,00 (cinco mil reais) aos organizadores do evento para o aluguel por uma

noite.

Segundo o pastor responsável pela organização do evento, houve, por

parte dele, a procura de outros lugares na Ilha como escolas, sedes e quadras,

mas nenhum dele respondeu aos seus ofícios. Somente o Areião decidiu abrir

as portas para o que ele classificou de “Vigilhão”. Sem se importar com o

caráter festivo e profano do Areião, os responsáveis pelo evento transformaram

esta casa de show em seu templo de adoração e louvor, pois o Areião é um

espaço do mundo como qualquer outro, e assim pode, sem riscos ao homem

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religioso, abrigá-lo e para que ele possa se fortalecer perante as impurezas

terrenas.

Se o Templo constitui um imago mundi, é porque o Mundo, como obra

dos deuses, é sagrado. Mas a estrutura cosmológica do Templo

permite uma nova valorização religiosa: lugar santo por excelência,

casa dos deuses, o Templo ressantifica continuamente o Mundo, uma

vez que o representa e o contém ao mesmo tempo. Definitivamente, é

graças ao Templo que o Mundo é ressantificado na sua totalidade. Seja

qual for seu grau de impureza, o Mundo é continuamente purificado

pela santidade dos santuários.(ELIADE,1992,p.34)

O Areião se abriu gratuitamente. 100 cadeiras de barraqueiros que

atuam com venda de comidas e bebidas na Praia Grande foram cedidas ao

grupo de igrejas composto por quinze caravanas de pastores e suas

congregações. Segundo o pastor Jair, responsável pela organização, não

houve restrições de igrejas:

A gente quando faz esse movimento espiritual, a gente não reúne somente os evangélicos, ou denominações ou dogmas religiosos. Nós reúne um povo que quer buscar o Senhor pelas madrugadas em orações, em jejuns, em louvores a Deus. Então a gente costuma convidar todos aqueles independente de religião ou dogmas e de credo religioso. Convidamos todas as igrejas com carro som, convidamos os nossos irmãos da Universal, da Batista, nossos irmãos católicos, assembleanos. Eu sou apenas o organizador. Eu não denomino a placa da minha igreja. Não é a igreja Filadélfia que está fazendo esse movimento espiritual, não. Eu convoco a todos aqueles que gostam de adorar o Senhor pela madrugada. Independente de credo religioso.(Entrevista concedida em 19/05/2012)

Neste dia, o Areião silenciou. Seu perfil de casa de festa profana de

Outeiro deu lugar a uma vigília que trouxe pessoas de bairros como Tapanã,

Sacramenta, Benguí, Cabanagem e vários outros bairros abrangentes a

Augusto Montenegro, dos municípios de Murinim e Benevides e do próprio

Outeiro, para uma madrugada de louvor.

Tal evento, com previsão para terminar às 5h do dia seguinte, começou

às 23h, ainda com poucas pessoas. O público chegou aos poucos. Ao chegar,

por volta das 23h30min encontrei Paulo sentado em uma cadeira e Carlos

(Vica) sentado no Calçadão em frente ao Areião. Um movimento e um astral

diferente eram percebidos no espaço.

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A portaria do Areião deu lugar, agora sem seus seguranças, a um casal

de namorados religiosos que aguardavam os fiéis. O público festeiro da casa

de show, embora tivesse sido convidado, não compareceu. O público se

constituiu de crianças, jovens, adultos e idosos que vinham a pé e chegavam

com cumprimentos dóceis.

Nas mãos dessas pessoas havia bíblias, lenços, lanches, água, café e

sucos para utilizarem durante a vigília. Os baldes coloridos com símbolos de

times de futebol ou outros adornos e as latas de cerveja não faziam partes

daquele espaço, como demonstra a imagem abaixo:

Figura 14- Foto de vigília dentro do Areião

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

O ambiente por dentro estava longe daquele acostumado a ser visto

pelo público que frequenta. Os bares estavam fechados, as mesas das

“baldeiras” encostadas nas paredes laterais da casa. O palco, já aposentado,

hoje entrou em cena. Um grupo de três pastores o reativou usando uma mesa

coberta por toalha branca e algumas flores.

As caixas de som da aparelhagem “Mix Som”, agora, cobertas por um

grande plástico preto silenciaram-se. O som que saía do Areião e ecoava pela

Praia Grande vinha dos violões e das vozes que declaravam músicas em

louvor a Deus.

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O jogo de luzes colorido, que é ativado a partir das 18h nos dias de

festa, parou para que as lâmpadas clareassem o ambiente, que junto das

vestimentas, do comportamento das pessoas e de todos os elementos

presentes na vigília, deram ao Areião um novo aspecto. O ambiente se

constitui a partir de seus sujeitos que o integram e se resignificam a partir de

suas vivências.

A liberdade dos frequentadores das festas deu lugar à organização

estabelecida pelos pastores: os homens solteiros sentavam à esquerda e as

mulheres solteiras à direita deixando um corredor livre no meio do salão.

Somente as pessoas casadas podiam sentar juntas em qualquer um dos lados.

O único elemento que lembrava as práticas das festas eram as latinhas

de cervejas que foram separadas na segunda-feira (14) quando o Areião foi

cedido para a aparelhagem Badalasom: O Búfalo do Marajó e que foi capaz de

levar um público de mais de 2.000 pessoas para dentro da Casa.

Figura 15- Foto de latas de cervejas consumidas durante festas do Areião

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

As latinhas, as cadeiras que foram emprestadas dos barraqueiros, a

aparelhagem coberta, nenhum dos elementos que pertencem ao Areião

profano deixam os religiosos aflitos ou temerosos, pois eles estão bem

decididos a executarem suas orações.

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O homem religioso assume um modo de existência específica no

mundo, e, apesar do grande número de formas histórico religiosas,

este modo específico é sempre reconhecível. Seja qual for o contexto

histórico em que se encontra, o homo religiosus acredita sempre que

existe uma realidade absoluta, o sagrado, que transcende este mundo,

que aqui se manifesta, santificando o e tornando real. Crê, além disso,

que a vida tem uma origem sagrada e que a existência humana

atualiza todas as suas potencialidades na medida em que é religiosa,

ou seja, participa da realidade.(ELIADE,1992,p.97)

O público que se fez presente no Areião nesta noite era composto por

aproximadamente cem pessoas que, também dançaram, cantaram, se

divertiram, embora com outro objetivo. As pessoas que estavam ali pareciam

não se importar com as latinhas de cerveja ou em estarem dentro daquela que

é considerada pelos fiéis como sendo uma das principais atrações para o

mundo das drogas dentro da Ilha de Outeiro.

Do altar improvisado no palco, em meio às pregações, vinham

mensagens proferidas pelos pastores como se estivessem justificando a

presença deles no Areião:

Este lugar aqui é teu Senhor!Esta noite tem uma comunhão aqui Senhor!Neste lugar, Senhor nós profetizamos, meu Senhor que há muitas pessoas que serão salvas! Coisas grandes Deus tem para esse lugar.Eu tô vendo o Espírito Santo que vai mudar esse lugar!

É interessante percebermos que não há referência ao nome da casa de

show nas falas. Os pastores se referem ao Areião como “nesse lugar”, “esse

lugar” e outros. Isto porque a característica da identidade daquelas pessoas é

diferente das que frequentam corriqueiramente o Areião. Deste modo,

relatando sobre a identidade e suas especificidades, Hall afirma:

Pelos termos desta definição, nossas identidades culturais refletem as experiências históricas em comum e os códigos culturais partilhados que nos fornecem, a nós, como um “povo uno”, quadros de referência e sentido estáveis, contínuos, imutáveis por sob as divisões cambiantes e as vicissitudes de nossa história real. Tal “unidade”, subjacente a todas as diferenças de superfície. (HALL, 1996, p.65)

Neste sentido, a hibridação que envolve esta casa de show é

indubitável. Um espaço em que muitos cantam e dançam ao som periférico do

brega das aparelhagens é também considerado um espaço de pertencimento

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das pessoas da região. Um espaço de mediação, segundo Martin-Barbero

(1986). Quando o autor relata que o povo se utiliza do algo em função do valor

social que ele adquire, da função que ele passa a exercer, é possível entender

porque o Areião torna-se tão presente na vida das pessoas de Outeiro, posto

que:

Enganosa impressão de que, ao investigar as formas de presença do povo na massa, estivéssemos abandonando a crítica àquilo que no massivo é mascaramento e desativação da desigualdade social e, portanto dispositivo de integração ideológica. Mas é talvez o preço que devemos pagar por nos atrevermos a romper com uma razão dualista e afirmar o entrecruzamento no massivo de lógicas distintas, a presença aí não só dos requisitos do mercado, mas de uma matriz cultural e de um senso ruIm que enoja as elites enquanto constitui um "lugar"de interpelação e reconhecimento das classes populares.” (MARTIN-BARBERO, 1986, p.34)

Neste contexto, o Areão se afirma enquanto território de manifestação

das identidades socioculturais das pessoas que utilizam este lugar marcado por

uma via dupla e aberto as expressões do sagrado e do profano.

4.3 - A Dinâmica das Festas

No dia 06 de março de 2012, segunda-feira, algo diferente estava

acontecendo em Outeiro: os ônibus transitavam pela Ilha mais cheios de

pessoas, havia um movimento maior nas ruas. O comentário entre os

moradores era que o Búfalo estaria no Areião. Foi um dos dias em que a

aparelhagem Badalasom: o Búfalo do Marajó se apresentou no Areião.

Tal aparelhagem é do município de Soure, na Ilha do Marajó no Estado

do Pará. Com dois anos de existência é atualmente a aparelhagem mais

solicitada nas festas de Tecnobrega no Estado.

Cheguei ao Areião ás 14:10min, entrei pelo portão da frente. Logo

cedo, a entrada era gratuita. Era apenas para não perder as pessoas que estão

na praia e querem somente dançar. Neste caso, também, é a possibilidade

vender cervejas desde cedo e anunciar as atrações do dia.

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Já na portaria, percebi que muitas pessoas passavam, liam o anúncio

da grande festa, uns entravam, outros permaneciam na calçada dançando ou,

simplesmente, observando o movimento das pessoas. Havia duas moças do

lado de fora, as quais os seguranças não deixaram entrar. Segundo eles, essas

moças, em um tempo atrás, foram flagradas vendendo entorpecentes dentro do

Areião.

Ao entrar percebi as “baldeiras” próximas á entrada preparadas para

atender os que lá entrassem. Paulo, não parava, pois, a tensão era grande. O

público esperado era enorme e estava dividido em dois grupos: o público do

Areião e o público da aparelhagem O Búfalo do Marajó.

Figura 16-Foto das as “baldeiras” próximas à entrada preparadas para

atender

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

Nos bares, havia muita cerveja nas geleiras prontas para serem

consumidas. Os responsáveis por eles estavam a postos esperando o

momento máximo do dia, o momento em que o Búfalo iria começar a badalar o

Areião. O movimento diferente não descaracterizou o espaço. No seu interior

as coisas estavam em seus devidos lugares, apenas a aparelhagem é que

estava sendo aguardada.

A primeira aparelhagem a ser ouvida no Areião foi a “Mix Som” de

Icoaraci cujo proprietário se chama Rui. Em todos os dias de funcionamento

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ela está presente. É um equipamento de pequeno porte que funciona como

uma espécie de chamamento de pessoas para a festa. Não possui a figura do

DJ e as músicas que tocam já estão gravadas. O proprietário mesmo é que a

manuseia. Sua posição é sempre a mesma: ao lado direito da casa, próximo a

um cajueiro.

Durante o período que estive alguns vendedores apareceram com seus

produtos: ostras, brincos, pastéis, água de coco. Estes não participavam da

festa. Eles se limitavam a percorrer o salão vendendo o que trouxeram.

A segunda aparelhagem a se apresentar neste dia foi a “Sigmasom”,

também de Icoaraci. Iniciou com as seguintes perguntas: “quem é do Remo?”,

“Quem é do Papão?” que são os times de futebol mais famosos do Estado do

Pará. Os participantes, mesmo dançando levantavam seus braços, suas

camisas ou suas latas de cerveja ao ouvirem o nome de seu time favorito.

Entre uma música e outra, havia uma interação entre os DJS e o público da

festa.

Figura 17- Foto da interação entre os DJS e o público da festa.

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

Os proprietários são dois irmãos gêmeos. É uma aparelhagem de

médio porte muito solicitada a se apresentar em Outeiro. Ela é sempre

instalada no início do salão onde as pessoas dançam. Suas instalações

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ocorrem no momento da festa, ou seja, enquanto a Mix Som estava tocando, a

Sigmasom estava sendo instalada e ao final de sua apresentação os

equipamentos do Búfalo estavam sendo instalados.

No meio do salão, na maioria das mesas há baldes com cervejas e

gelo dentro. No chão, muitas latas que foram jogadas pelos participantes. Não

havia um recipiente para depositar lixo. Um funcionário as recolhia e as jogava

num espaço cercado próximo aos banheiros

Figura 18- Foto das mesas com baldes com cervejas

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

As pessoas que chegavam já conheciam as baldeiras e os

responsáveis pelos bares. Um rapaz ao chegar deu um chiclete a um baldeira e

a cumprimentou.

O público não tinha lugar fixo para ficar. As mesas, sem cadeiras, eram

arrastadas para ao longo do salão. Era tudo muito sem organização. As

pessoas bebiam e se afastavam das mesas enquanto outras as puxavam para

colocar seus baldes e curtirem a festa.

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Figura 19- Foto da movimentação das pessoas no Areão

Fonte: Heliana Bittencourt (2012)

Eram 15:57 min. quando três policiais militares entraram no Areião

para verificar se tudo estava dentro da normalidade para que a festa

continuasse. Resolvi sair, antes comuniquei ao Paulo que voltaria mais tarde.

Minha intenção era verificar a dinâmica da festa durante o dia todo.

Ao retornar, por volta das 19:50 min. Entrei pelo quintal do Areião. Lá

estava estacionado o ônibus que carrega os equipamentos da Aparelhagem:

“Badalasom, O Búfalo do Marajó” Fui apresentada pelo segurança de nome

Júnior ao DJ Darlan Assunção Serrão, 22 anos de idade e trabalha como DJ

há 7 anos, natural do município de Barcarena, no Pará, ele é uma das atrações

da aparelhagem Búfalo do Marajó.

Darlan estava na casa onde mora o caseiro do Areião, localizada ao

final do terreno do Areião, muito ansioso para que sua apresentação

começasse. Em entrevista ele mencionou o comportamento dos participantes

da festa:

As pessoas dançam de qualquer jeito, mas tem alguns comandos que as pessoas respondem de forma uniforme. Todas as aparelhagens trazem suas marcas. O Búfalo traz o “chifrinho” (gesticulando com a mão) porque fazemos jus ao nome. O “treme-treme” já é de todas as

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aparelhagens. O “passinho” que é a onda do momento quem criou foi um amigo nosso. O passinho é a febre do momento das aparelhagens.(Entrevista concedida em 06/05/2012)

Ao retornar ao salão de dança, logo observei algumas mudanças. As

pessoas, antes, vestidas de qualquer jeito, estavam bem mais produzidas. As

mulheres estavam bem mais maquiadas do que no início do dia. O público

estava caracterizado com roupas de vaqueiros com calças jeans, camisas

manga comprida de tecido, algumas quadriculadas e muita gente com chapéu

de cowboy.

Havia todo um comércio instalado pelo gerente da aparelhagem do

Búfalo do Marajó: uma barraca com vendas de acessórios como: copos

fabricados com chifres de búfalo, chapéus. Havia, também, venda de churrasco

e uísques, ou seja, vendas que em dias normais de funcionamento não são

vistas dentro do Areião.

As luzes já foram desligadas e acenderam lâmpadas pequenas

coloridas localizadas ao longo da parte central do salão. A aparelhagem Búfalo

estava instalada e o DJ da aparelhagem “Sigmasom” se despediu do público.

Havia 40 seguranças no salão do Areião para conter prováveis brigas entre os

participantes da festa.

Ao iniciar sua apresentação, o DJ do Búfalo, caracterizado de vaqueiro,

tocou um berrante e o público começou a gritar, alguns tiraram suas camisas e

as sacudiram em direção ao DJ, gesticularam com suas mãos o chifre que

caracteriza a aparelhagem.

Neste momento percebi que o comportamento do público mudou, pois

quando as duas primeiras aparelhagens estavam se apresentando, o público

dançava em qualquer lugar no salão ou fora dele. Já durante a apresentação

do Búfalo, o público permaneceu sempre muito perto da aparelhagem.

O estilo de dançar, no entanto, não mudou. É uma dança rápida e com

movimentos fortes que envolvem o corpo como um todo. As pessoas dançam

acompanhadas ou sozinhas, mas quase não há contato entre quem está

dançando.

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A fala é muito pouca durante as festas. As pessoas se comunicam

mais com os seus corpos através dos olhares e da forma como dançam. Não

há regras para que a dança aconteça e, geralmente, nem pares específicos.

Dentre os dançarinos, chamou-me mais atenção homens dançando com

homens e quando a música acabou cada um deles ficou com suas respectivas

namoradas.

As pessoas escreviam mensagens nos celulares e entregavam ao DJ

para que ele as lessem ao microfone como: “um alô para o Paulo do Tapanã”.

O DJ interagia com o público através das músicas, mensagens aos

participantes e alguns comandos como: “quem tá gostando faz um chifrinho aí”.

E essa dinâmica permaneceu até o momento que deixei o Areião.

Com toda essa dinâmica social, as festas de aparelhagem de

Tecnobrega do Areão, vão se configurando como espaço de expressão

identitaria das pessoas oriundas das comunidades populares de Belém do

Pará, caracterizando uma expressão musical que canta e dança o seu

cotidiano.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta dissertação, longe de pretender esgotar os fenômenos

investigados acerca da Ilha de Outeiro e a casa de Show do Areião, procurou

apresentar uma análise de caráter etnográfico privilegiando os seguintes

aspectos: uma etnografia da Ilha e do espaço do Areião; a importância da

ponte Governador Enéas Pinheiro para a historiografia de Outeiro e seus

moradores e o Areião como espaço de sociabilidade e pertencimento.

Em todo o processo de execução da pesquisa etnográfica, incluindo as

etapas do ver, ouvir e escrever (OLIVEIRA, 1988) a preocupação central

convergiu para responder aos seguintes questionamentos: o que caracteriza o

espaço como lugar de sociabilidade e pertencimento? Qual a contribuição

social e cultural do Areião para os moradores da Ilha e de outras localidades,

sobretudo as do seu entorno?

Embora as respostas para tais questionamentos se façam presente no

corpo estrutural desta dissertação, retomo aqui as discussões mais

importantes. A primeira delas diz respeito à ilha de Outeiro. Uma região insular

com suas idiossincrasias e cotidianos marcados pela distância e certo

isolamento do continente. Este fato permitiu aos moradores comporem uma

espécie de imaginário coletivo, no qual a Ilha passa a ser vista como um local

“bom de se viver”. Paralelo a esse aspecto, este imaginário coletivo também

almeja ingressar no ritmo desenfreado e sem peias dos tempos modernos que

há muito já havia se instalado na capital do estado e em outros municípios

paraenses.

A construção da ponte Governador Enéas Pinheiro no ano de 1986, na

gestão do então governador Jader Barbalho possibilitou à Ilha uma maior

proximidade com espaços urbanos, sobretudo com a cidade de Belém. Neste

sentido, a análise do papel deste espaço para Outeiro encontrou amparo na

categoria entre-lugar defendida por Bhabha (2007). Aqui, o entre-lugar é visto

como algo deslizante, que, por resultar do confronto de dois sistemas culturais

– o insular e o continente – que dialogam de modo agonístico, é capaz de

desestabilizar essencialismos e de estabelecer uma mediação entre o saber

local e o global.

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88

Quando afirmo que a ponte como entre-lugar é capaz de desestabilizar

essencialismos, significa, sobretudo, que o imaginário coletivo existente na Ilha

antes da construção da Ponte foram remexidos. No período pós Ponte, o

imaginário acentua o tempo passado como o oásis perdido. Como um tempo

em que a vida corria em harmonia, sem os sobressaltos das mazelas sociais

inerentes às cidades, como a violência urbana, por exemplo. E esse tempo do

passado se torna recorrente nas narrativas dos sujeitos investigados,

principalmente naqueles mais antigos. Em contra partida, o período pós Ponte

é o mais lembrado pelos sujeitos mais jovens, porque foi com a construção

deste espaço que eles puderam ter acesso a novas tecnologias,

comportamentos sociais e culturas massivas. É justamente no intercruzamento

desses discursos que percebo e reconheço a Ponte como entre-lugar.

Já a casa de show Areião aparece ao longo desta dissertação como

espaço das mediações culturais (Martin-Barbero, 1986) e também como o

espaço propício para a materialização de lutas culturais (HALL, 2006). Neste

sentido, investigar o Areião como propício para a mediação cultural permitiu

revelar os novos modos de interpelação dos sujeitos e de representação dos

vínculos que dão coesão à sociedade, sobretudo à sociedade massiva, de

consumo. A confirmação desta tese se materializa nas cores das paredes do

Areião – laranja – que lembra ou faz associação direta com as bebidas –

cervejas- comercializadas no espaço. Ora, o Areião por ser um espaço de

entretenimento, e, por conseguinte, servindo de estímulo ao consumo de

bebidas alcoólicas, encontra amparo nessa estratégia mediática de

aproximação. Pois, essa mediação é socialmente produtiva, e o que ela produz

é a densificação das dimensões teatrais da cultura local em diálogo com a

global. Na sequência, ao afirmar que o Areião também é um espaço de lutas

culturais é considerar que este movimento se materializa de diversas formas:

incorporação, distorção, resistência, negociação e recuperação (HALL, 2006).

A incorporação é perceptível quando o espaço do Areião muda de função para

uma dimensão mais ampla. A distorção é simultânea ao primeiro movimento,

uma vez que ocorre alteração da função anterior – de bar – para casa de show.

Por outro lado o movimento da resistência é proveniente dos embates, fruto de

diferentes visões produzidas sobre o local ao longo de sua existência. Já o

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89

movimento da negociação se revela quando o Areião se desloca de sua função

de entretenimento, ligado às dimensões profanas e passa a ser utilizado como

lugar do culto, da oração, tornando-o, pelo menos momentaneamente, como

espaço sagrado. Por fim, o movimento dialético da recuperação é o eterno

devenir, ou seja, o espaço da luta contínua, mas que segundo Hall (2006)

quase nunca ocorre no mesmo lugar ou em torno do mesmo significado ou

valor. Este movimento significa perceber que as dimensões simbólicas do

Areião se deslocam para além dele próprio, agregando valor aos sujeitos que

circulam pelos seus interstícios, quer como frequentadores, quer como

trabalhadores, como é o caso das mulheres “baldeiras”.

Também o Areião foi interpretado como espaço de sociabilidade e

pertencimento. Estes sentimentos são recorrentes nas falas dos sujeitos

investigados, sobretudo entre aqueles que frequentam o lugar e que são alvos

de constantes confrontos por conta de seus estilos de vida. Neste sentido, o

Areião aparece como espaço que acolhe as diferenças, tudo junto e misturado.

Ali as pessoas são o que são, sem necessidade de máscaras sociais. Por

conta deste acolhimento, é comum encontrar dentre os frequentadores, sujeitos

sociais considerados, de acordo com Elias (1994) como “outsiders”, ou “fora da

ordem, fora do lugar”. Muito mais para esses sujeitos sociais, o Areião se torna

propício em produzir sentimentos de pertença, fazendo com que se sintam

acolhidos, protegidos dos sensores em prol da manutenção de uma ordem

social que segrega ao invés de aceitar, respeitar.

Em suma, investigar a ilha de Outeiro e o espaço social do Areião, me

permitiu descortinar uma realidade social e cultural impensada. Penetrar no

cotidiano do lugar, em sua historiografia, dar escuta aos sujeitos investigados

se constituiu em matéria prima na feitura desta dissertação. Que ela sirva de

inspiração para outras pesquisas não só sobre a ilha de Outeiro, mas também

e sobretudo sobre outros lugares que compõem o rico mosaico cultural do

estado do Pará e da Amazônia.

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90

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94

APÊNDICES

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APÊNDICE A

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS BALDEIRAS QUE TRABALHAM NO

AREIAO:

1-IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO:

1.1- QUAL SEU NOME COMPLETO?

1.2 - QUANTOS ANOS VOCÊ TEM?

1.3 - QUANTOS FILHOS VOCÊ TEM?

1.4 - VOCÊ É CASADA?

1.5- QUEM SUSTENTA A CASA?

1.6- QUAL A OUTRA FONTE DE RENDA QUE VOCÊ POSSUI?

1.7- QUAL É O SEU LAZER?

1.8 - DESCREVA SUA ROTINA QUANDO VOCÊ NÃO ESTÁ NO AREIÃO:

1.9 - QUE HORAS VOCÊ CHEGA A SUA CASA APÓS AS FESTAS? QUEM

LHE ESPERA EM CASA ACORDADO(A)?

1.10- EM QUE VOCÊ GOSTARIA DE TRABALHAR?

1.11 - VOCÊ ESTUDOU ATÉ QUE SÉRIE?

2- RELAÇÃO SUJEITO E AREIÃO:

2.1 - SUA FAMÍLIA LHE APOIA COM O SEU TRABALHO?

2.2 - COMO VOCÊ CLASSIFICA O SEU TRABALHO? O QUE É TRABALHAR

NO ARREIÃO PARA VOCÊ?

2.3 - COMO A POPULAÇÃO LHE VÊ TRABALHANDO NO AREIÃO, ELA LHE

CRITICA?

2.4 - COMO VOCÊ SE VESTE PARA TRABALHAR?

2.5 - QUANTOS DIAS VOCÊ TRABALHA POR SEMANA E QUANTAS HORAS

DIÁRIAS?

2.6 - DESCREVA A SUA ROTINA DE TRABALHO?

2.7 - VOCÊ GOSTA DE TRABALHAR NO AREIÃO?

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96

2.8 - O QUE MAIS LHE AGRADA LÁ?

2.9 - O QUE MAIS LHE ATORMENTE, LHE ENCOMODA LÁ?

2.10 - VOCÊ É RESPEITADA PELA POPULAÇÃO OU DESCRIMINADA POR

ELA?

2.11 - HÁ QUANTO TEMPO VOCÊ TRABALHA LÁ?

2.12 - COMO O PÚBLICO LHE RECEBE?

2.13 - VOCÊ SE LIMITA A TRABALHAR OU OBSERVA O

COMPORTAMENTO DAS PESSOAS DURANTE AS FESTAS?

2.14 - COMO VOCÊ DESCREVE AS FESTAS QUE OCORREM NO AREIÃO?

1.15 - QUANTOS BALDES VOCÊ TEM? COMO É A DINÂMICA DOS

BALDES?

1.16 - COMO É O SEU RELACIONAMENTO COM O PROPRIETÁRIO E COM

O GERENTE DO AREIÃO?

1.17 - O QUE MUDOU NO AREIÃO DE QUANDO VOCÊ COMEÇOU A

TRABALHAR LÁ ATÉ OS DIAS DE HOJE?

1.18- JÁ VEIO UMA PESSOA DE NOME FORTE, NACIONALMENTE

FAMOSO CANTAR NO AREIÃO?

1.19- QUANTO VOCÊ GANHA POR NOITE NO AREIÃO VENDENDO

CERVEJAS EM BALDES?

1.20 - O NOME BALDEIRA LHE OFENDE?

1.21 - EM SUA OPINIÃO, O QUE ATRAI AS PESSOAS PARA AS FESTAS NO

AREIÃO? (MOTIVO, INTERESSES)

1.22 - ANTES DO AREIÃO, VOCÊ TRABALHAVA EM QUE?

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APÊNDICE B

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS FREQUENTADORES

HOMOSSEXUAIS DO AREIÃO:

1-INFORMAÇÕES DO SUJEITO:

1.1- QUAL O SEU NOME COMPLETO?

1.2- QUE BAIRRO VOCÊ MORA?

1.3- QUAL A SUA PROFISSÃO?

1.4- COM QUEM VOCÊ MORA?

1.5- QUAL A SUA IDADE?

2-RELAÇÃO SUJEITO E AREIÃO:

2.1- COM QUE FREQUÊNCIA VOCÊ VAI AO AREIÃO?

2.2- QUAIS OS DIAS QUE VOCÊ FREQUENTA O AREIÃO?

2.3- O QUE LHE ATRAI AO AREIÃO? É A APARELHAGEM OU HÁ ALGUM

OUTRO MOTIVO?

2.4- VOCÊ TEM UM PAR FIXO PARA IR ÁS FESTAS OU VOCÊ VAI

SOZINHA?

2.5-NO AREIÃO, AS PESSOAS LHE CRITICAM POR SER HOMOSEXUAL?

2.6- COMO VOCÊ CLASSIFICA O PÚBLICO QUE FREQUENTA O AREIÃO?

2.7- A APARELHAGEM INFLUENCIA NA SUA IDA AO AREIÃO?

2.8- ANTES DE VOCÊ IR AO AREIÃO, VOCÊ SE PRODUZ OU VAI DE

QUALQUER JEITO?

2.9- COMO É A ROUPA QUE VOCÊ USA PARA IR AO AREIÃO?

2.10- COM QUE ROUPA O SEU NAMORADO VAI?

2.11- QUAL O SEU OBJETIVO LÁ?

2.12- COM QUEM VOCÊ DANÇA?

2.13- QUANDO VOCÊ CHEGA LÁ O QUE VOCÊ FAZ?

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2.14- O QUE MAIS LHE CHAMA A ATENÇÃO LÁ?

2.15- VOCÊ FREQUENTA AS OUTRAS CASAS DE SHOW EM OUTEIRO?

2.16- VOCÊ TEM ALGUM VÍCIO?

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APÊNDICE C

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS MORADORES ANTIGOS DA ILHA

1-IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO

1.1- QUAL SEU NOME?

1.2- QUANTOS ANOS VOCÊ TEM?

1.3 – QUAL O SEU ENDEREÇO?

1.4- QUAL ERA SUA OCUPAÇÃO?

1.5- VOCÊ ESTUDOU ATÉ QUE SÉRIE?

2-PRÁTICA SOCIAL NA ILHA:

2.1- QUAL SEU TEMPO DE VIVÊNCIA NA ILHA DE OUTEIRO?

2.2- O QUE LHE LEVOU A VIVER NA ILHA?

2.3- DESCREVA A SUA ROTINA ATUALMENTE:

2.4- VOCÊ PRETENDE SE MUDAR DA ILHA?

3- CONTEXTUALIZAÇÕES DA ILHA DE OUTEIRO:

3.1- DESCREVA A PAISAGEM E COTIDIANO DA ILHA:

3.2- QUAIS OS FATORES SOCIAIS E ECONÔMICOS (CONDIÇÕES E

INFRAESTRUTURA, VIOLENCIAS, POLITICAS PUBLICAS) OFERTADOS A

POPULAÇÃO DA ILHA?

3.3- QUAIS AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E RELIGIOSAS

ENCONTRADAS NA ILHA?

3.4- QUAIS AS SUAS PERCEPÇÕES (OLHAR) SOBRE AS FESTAS DE

APARELHAGENS DO AREIÃO?

3.5- COMO ERA A VIDA NA ILHA ANTES DA PONTE GOVERNADOR ENÉAS

MARTINS PINHEIRO?

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APÊNDICE D

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS FUNCIONÁRIOS QUE TRABALHAM

NO AREIAO:

1-IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO:

1.1- QUAL SEU NOME COMPLETO?

1.2 - QUANTOS ANOS VOCÊ TEM?

1.3 - QUANTOS FILHOS VOCÊ TEM?

1.4 - VOCÊ É CASADO?

1.5- COM QUEM VOCÊ MORA?

1.6- QUAL A OUTRA FONTE DE RENDA QUE VOCÊ POSSUI?

1.7- QUAL É O SEU LAZER?

1.8 - DESCREVA SUA ROTINA QUANDO VOCÊ NÃO ESTÁ NO AREIÃO?

1.9 - QUE HORAS VOCÊ CHEGA A SUA CASA APÓS AS FESTAS? QUEM

LHE ESPERA EM CASA ACORDADO (a)?

1.10- EM QUE VOCÊ GOSTARIA DE TRABALHAR?

1.11 - VOCÊ ESTUDOU ATÉ QUE SÉRIE?

2- RELAÇÃO SUJEITO E AREIÃO:

2.1 - SUA FAMÍLIA LHE APOIA COM O SEU TRABALHO?

2.2 - COMO VOCÊ CLASSIFICA O SEU TRABALHO? O QUE É TRABALHAR

NO ARREIÃO PARA VOCÊ?

2.3 - COMO A POPULAÇÃO LHE VÊ TRABALHANDO NO AREIÃO, ELA LHE

CRITICA?

2.4 - COMO VOCÊ SE VESTE PARA TRABALHAR?

2.5 - QUANTOS DIAS VOCÊ TRABALHA E QUANTAS HORAS DIÁRIAS?

2.6 - DESCREVA A SUA ROTINA DE TRABALHO?

2.7 - VOCÊ GOSTA DE TRABALHAR NO AREIÃO?

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2.8 - O QUE MAIS LHE AGRADA LÁ?

2.9 - O QUE MAIS LHE ATORMENTE, LHE ENCOMODA LÁ?

2.10 - VOCÊ É RESPEITADO PELA POPULAÇÃO OU DESCRIMINADO POR

ELA?

2.11 - HÁ QUANTO TEMPO VOCÊ TRABALHA LÁ?

2.12 - COMO O PÚBLICO LHE RECEBE?

2.13 - VOCÊ SE LIMITA A TRABALHAR OU OBSERVA O

COMPORTAMENTO DAS PESSOAS DURANTE AS FESTAS?

2.14 - COMO VOCÊ DESCREVE AS FESTAS QUE OCORREM NO AREIÃO?

1.15 – QUANTAS LATAS DE CERVEJA VOCÊ VENDE POR FESTA?

1.16 - COMO É O SEU RELACIONAMENTO COM O PROPRIETÁRIO E COM

O GERENTE DO AREIÃO?

1.17 - O QUE MUDOU NO AREIÃO DE QUANDO VOCÊ COMEÇOU A

TRABALHAR LÁ ATÉ OS DIAS DE HOJE?

1.18- JÁ VEIO UMA PESSOA DE NOME FORTE, NACIONALMENTE

FAMOSO CANTAR NO AREIÃO?

1.19 - VOCÊ ACHA QUE A POPULAÇÃO DO OUTEIRO DESAPROVA O

AREIÃO?

1.20 – COMO VOCÊ RETORNA PARA SUA CASA APÓS AS FESTAS NO

AREIÃO?

1.21 - EM SUA OPINIÃO, O QUE ATRAI AS PESSOAS PARA ESTA FESTA?

(MOTIVO, INTERESSES)

1.22 - ANTES DO AREIÃO, VOCÊ TRABALHAVA EM QUE?

1.23- OS FUNCIONÁRIOS QUE TRABALHAM NO AREIÃO SÃO DE MUITO

TEMPO OU HÁ UMA ROTATIVIDADE NELES?

1.24- O AREIÃO TEM UM PÚBLICO FIXO?

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APÊNDICE E

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS JOVENS QUE MORAM NA ILHA

1-IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO

1.1- QUAL SEU NOME?

1.2- QUANTOS ANOS VOCÊ TEM?

1.3 - QUAL O SEU ENDEREÇO?

1.4- VOCÊ SEMPRE MOROU NA ILHA?

1.5- ONDE VOCÊ ESTUDA? QUAL A SÉRIE QUE VOCÊ ESTÁ CURSANDO?

2-PRÁTICA SOCIAL NA ILHA:

2.2- O QUE LEVOU SUA FAMÍLIA A VIVER NA ILHA?

2.3- DESCREVA A SUA ROTINA:

2.4- VOCÊ PRETENDE SE MUDAR DA ILHA?

3- CONTEXTUALIZAÇÕES DA ILHA DE OUTEIRO:

3.1- DESCREVA A PAISAGEM E COTIDIANO DA ILHA

3.2- QUAIS OS FATORES SOCIAIS E ECONÔMICOS (CONDIÇÕES E

INFRAESTRUTURA, VIOLENCIAS, POLITICAS PUBLICAS) OFERTADOS A

POPULAÇÃO DA ILHA?

3.3- QUAIS AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E RELIGIOSAS

ENCONTRADAS NA ILHA?

3.4- QUAIS AS SUAS PERCEPÇÕES (OLHAR) SOBRE AS FESTAS DE

APARELHAGENS DO AREIÃO?

3.5- VOCÊ FREQUENTA AS FESTAS DE APARELHAGENS NO AREIÃO?

POR QUÊ?

3.5- VOCÊ SABE DESCREVER COMO ERA MORAR NA ILHA ANTES DA

PONTE?

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APÊNDICE F

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS FREQUENTADORES DO AREIÃO:

1-INFORMAÇÕES DO SUJEITO:

1.1- QUAL O SEU NOME COMPLETO?

1.2- QUE BAIRRO VOCÊ MORA?

1.3- QUAL A SUA PROFISSÃO?

1.5- QUAL A SUA IDADE?

2-RELAÇÃO SUJEITO E AREIÃO:

2.1- QUAIS OS DIAS QUE VOCÊ FREQUENTA O AREIÃO?

2.2- O QUE LHE ATRAI AO AREIÃO? É A APARELHAGEM OU HÁ ALGUM

OUTRO MOTIVO?

2.3- VOCÊ TEM UM PAR FIXO PARA IR OU VOCÊ VAI SOZINHA (O)?

2.4-NO AREIÃO, VOCÊ SOFRE ALGUM TIPO DE DISCRIMINAÇÃO?

2.5- COMO VOCÊ CLASSIFICA O PÚBLICO QUE FREQUENTA O AREIÃO?

2.6- A APARELHAGEM INFLUENCIA NA SUA IDA AO AREIÃO?

2.7- ANTES DE VOCÊ IR AO AREIÃO, VOCÊ SE PRODUZ OU VAI DE

QUALQUER JEITO?

2.8- COMO É A ROUPA QUE VOCÊ USA PARA IR AO AREIÃO?

2.9- COM QUE ROUPA O SEU NAMORADO (A) VAI?

2.10- QUAL O SEU OBJETIVO LÁ?

2.11- COM QUEM VOCÊ DANÇA?

2.12- QUANDO VOCÊ CHEGA LÁ O QUE VOCÊ FAZ?

2.14- O QUE MAIS LHE CHAMA A ATENÇÃO LÁ?

2.15- VOCÊ FREQUENTA AS OUTRAS CASAS DE SHOW EM OUTEIRO?

2.16- VOCÊ TEM ALGUM VÍCIO?

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ANEXO IV

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

TITULO DA PESQUISA: AREIÃO: LUGAR DE PERTENCIMENTO E

SOCIABILIDADE NA ILHA DE OUTEIRO

Venho, por meio deste, convidá-lo(a) a participar desta Pesquisa desenvolvida por mim, pesquisadora HELIANA RODRIGUES DE BITENCOURT, regularmente matriculada no Curso de Pós-graduação Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura na área de concentração: Comunicação, Linguagem e Arte no Contexto Social da Amazônia da Universidade da Amazônia (UNAMA), tendo como orientadora: Drª. Ivone Maria Xavier de Amorim Almeida. Esclareço que este estudo aborda o Areião enquanto um lugar de sociabilidade e pertencimento na Ilha de Outeiro. O caminho trilhado na investigação do objeto em tela foi desenhado buscando responder aos seguintes questionamentos: O que caracteriza o espaço como lugar de sociabilidade e pertencimento? Qual a contribuição social e cultural do Areião para os moradores da Ilha e de outras localidades, sobretudo as seu entorno? A pesquisa desenvolvida tem suporte no exercício etnográfico. Esclareço que na Ilha de Caratateua, sua participação dar-se-á por meio de entrevistas abertas com roteiro semiestruturado. Para o registro das falas, pretendo utilizar anotação direta das respostas e, caso V. Sa. Concordar, utilizarei um equipamento eletrônico para efetuar as gravações de suas falas. Após o levantamento dos dados, irei organizar os materiais registrados para, em um encontro específico, apresentar e discutir tudo o que foi capturado (validação). Informo ainda que o benefício advindo da execução e análise deste projeto perpassa pela possível contribuição da ampliação do debate sobre o contexto histórico e sociocultural local. Vale ressaltar que sua participação poderá ser interrompida a qualquer momento, quando irei devolver-lhe todos os depoimentos anotados e/ou gravados em cd, sem que haja nenhum prejuízo para V. Sa. Os termos desta pesquisa são: Areião, Pertencimento, sociabilidade, baldeiras, Ilha de Outeiro.

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Pesquisadora Telefones: (91) 82095640

CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO

Eu,........................................................................................................................., declaro que li as informações sobre a pesquisa e me sinto perfeitamente esclarecido (a) sobre o conteúdo da mesma. Declaro ainda que, por minha livre vontade, aceito participar, cooperando com a coleta de informações para a mesma. Belém:____/____/______. __________________________________ Assinatura do sujeito da pesquisa

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