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www.interfacehs.sp.senac.br http://www.interfacehs.sp.senac.br/br/secao_interfacehs.asp?ed=11&cod_artigo=193 ©Copyright, 2006. Todos os direitos são reservados.Será permitida a reprodução integral ou parcial dos artigos, ocasião em que deverá ser observada a obrigatoriedade de indicação da propriedade dos seus direitos autorais pela INTERFACEHS, com a citação completa da fonte. Em caso de dúvidas, consulte a secretaria: [email protected] ÁREAS CONTAMINADAS E A GESTÃO DO PASSIVO AMBIENTAL: ESTUDO DE CASO SHELL PAULÍNIA Daniela Gerdenits 1 ; Raquel Carnivalle Silva 2 ; Ricardo Penteado Ferreira 3 ; Wilson Roberto Leme de Godoy 4 1 Mestranda em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. Centro Universitário Senac. Av. Eng. Eusébio Stevaux, 823. 04696-000 São Paulo – SP – Brasil. [email protected] 2, 3, 4 Mestrandos em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. Centro Universitário Senac. RESUMO A indústria química é o ramo que mais cresce entre as empresas, pelo uso de seus produtos e processos tanto internamente como para servir outros setores econômicos. A geração de resíduos torna-se uma consequência inevitável, contribuindo para o surgimento das áreas contaminadas. O acidente químico da Shell na cidade de Paulínia (SP), confirmado em 2001 por diferentes relatórios, caracteriza-se por uma contaminação crônica, que por suas características não possibilita um diagnóstico final às áreas e aos seres vivos contaminados. Por envolver substâncias poluentes persistentes (Drins), nota- se que a “herança” permanece. Pessoas foram retiradas de suas residências, adoecem e morrem por causa da contaminação e até hoje sofrem, reivindicando por seus direitos ainda ignorados. A situação serviu de alerta, mas não implicou mudança geral de comportamento de grandes empresas, pois outras contaminações ainda ocorrem. São consequências de descaso ao país e desrespeito às suas leis, por mais frágeis que estas sejam. Palavras-chave: áreas contaminadas; acidentes crônicos; Shell Paulínia; risco socioambiental.

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©Copyright, 2006. Todos os direitos são reservados.Será permitida a reprodução integral ou parcial dos artigos, ocasião em que deverá ser observada a obrigatoriedade de indicação da propriedade dos seus direitos autorais pela INTERFACEHS, com a citação completa da fonte.

Em caso de dúvidas, consulte a secretaria: [email protected]

ÁREAS CONTAMINADAS E A GESTÃO DO PASSIVO AMBIENTAL: ESTUDO DE CASO SHELL PAULÍNIA

Daniela Gerdenits 1 ; Raquel Carnivalle Silva 2 ; Ricardo Penteado Ferreira 3 ; Wilson

Roberto Leme de Godoy 4

1 Mestranda em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. Centro Universitário

Senac. Av. Eng. Eusébio Stevaux, 823. 04696-000 São Paulo – SP – Brasil.

[email protected] 2, 3, 4 Mestrandos em Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. Centro

Universitário Senac.

RESUMO A indústria química é o ramo que mais cresce entre as empresas, pelo uso de seus

produtos e processos tanto internamente como para servir outros setores econômicos. A

geração de resíduos torna-se uma consequência inevitável, contribuindo para o

surgimento das áreas contaminadas. O acidente químico da Shell na cidade de Paulínia

(SP), confirmado em 2001 por diferentes relatórios, caracteriza-se por uma contaminação

crônica, que por suas características não possibilita um diagnóstico final às áreas e aos

seres vivos contaminados. Por envolver substâncias poluentes persistentes (Drins), nota-

se que a “herança” permanece. Pessoas foram retiradas de suas residências, adoecem e

morrem por causa da contaminação e até hoje sofrem, reivindicando por seus direitos

ainda ignorados. A situação serviu de alerta, mas não implicou mudança geral de

comportamento de grandes empresas, pois outras contaminações ainda ocorrem. São

consequências de descaso ao país e desrespeito às suas leis, por mais frágeis que estas

sejam.

Palavras-chave: áreas contaminadas; acidentes crônicos; Shell Paulínia; risco

socioambiental.

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O tema brownfields, surgido há algumas décadas, tem ganhado cada vez mais

destaque quando nos referimos a áreas contaminadas, tendo sido inicialmente conhecido

apenas nos Estados Unidos. De fato, o nome brownfields contraria o nome greenfields,

pois o objetivo desses nomes era o de distinguir campos marrons/escuros dos campos

verdes. É importante mencionarmos que a definição de brownfields é encontrada na lei

pública norte-americana 107-118 (H.R. 2869), intitulada “Small Business Liability Relief

and Brownfields Revitalization Act”, assinada em 11 de janeiro de 2002 (VASQUES,

2006).

Percebe-se a importância de aprofundarmos estudos no Brasil sobre brownfields

de forma que sejam discutidas formas de redesenvolvimento dessas áreas contaminadas.

Com base nesses estudos serão traçadas estratégias de planejamento, ferramentas de

gestão, políticas públicas e também da iniciativa privada com o forte propósito de criar

uma visão integrada sobre a reconversão dessas áreas (SÁNCHEZ, 2001).

Quando pensamos no território nacional, é possível imaginarmos a necessidade

de estudos aprofundados que demonstrem as quantidades, abrangência e locais de

brownfields, pois, para os estados e municípios existe uma estrutura que pode e deve ser

aproveitada no sentido de favorecer o redesenvolvimento dessas áreas esquecidas,

abandonadas ou mal cuidadas no passado. Não podemos deixar de enfatizar que muitas

áreas no mundo e no Brasil sofreram reconversões positivas, revitalizando plenamente

áreas anteriormente descartadas da mira dos governantes (SÁNCHEZ, 2001).

Historicamente, a produção e a utilização de substâncias químicas tiveram grande

elevação após a Segunda Guerra Mundial, com o aumento da industrialização e o

emprego de tecnologias geralmente mais eficientes e desenvolvidas em países mais

evoluídos. Os efeitos de tais substâncias ainda não são totalmente conhecidos; apesar

disso, são largamente comercializados em todos os cantos do mundo globalizado

(FREITAS et al., 1995).

Os acidentes químicos ampliados possuem várias definições, mas de modo

abrangente incluem eventos agudos e graves envolvendo substâncias perigosas que

podem prejudicar o meio biótico e abiótico (DEMAJOROVIC, 2003).

Vale destacar que o presente artigo não trata de um acidente químico ampliado,

propriamente dito, já que o caso difere em suas principais características, mas pode ser

classificado como acidente químico crônico, em razão de sua ocorrência branda, mas

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cumulativa ao longo de décadas, e dos seus efeitos degradantes, que em muito se

assemelham aos acidentes químicos ampliados.

Até 1985, no discurso das empresas predominava a resistência a qualquer

iniciativa de abrandar impactos socioambientais decorrentes dos processos produtivos.

Simplesmente os empresários alegavam que controlar a poluição prejudicaria lucros,

competitividade e empregos, e ainda traria custos adicionais para acionistas e

consumidores. A partir de 1985 os discursos que não contemplavam questões ambientais

perderam força, e essa temática veio à tona para não mais desaparecer.

Grandes empresas, em especial do ramo químico, entraram no alvo de

ambientalistas. Tragédias com vazamentos radioativos, contaminações, explosões,

liberações agressivas na atmosfera, entre outras, aconteceram com diversas frequências

e abrangências. O certo é que milhares de vidas foram levadas, gerando preocupação em

escala mundial.

O objetivo deste artigo é o de realizar uma análise sobre o problema das áreas

contaminadas baseando-se no estudo de caso Shell Paulínia. Para tanto, um

levantamento bibliográfico foi feito através de livros, relatórios técnicos, artigos, manuais e

sites eletrônicos específicos, a fim de enriquecer o conteúdo do trabalho.

A INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL

No Brasil a industrialização seguiu o mesmo modelo aplicado em outros países

considerados como periféricos à economia mundial. A partir da década de 1950 e

intensificando-se na década de 1970, verificou-se a formação dos centros metropolitanos

e das grandes cidades, o que deixou marcas conhecidas como problemas ambientais

urbanos, com destaque para a questão da “disposição dos resíduos industriais, da

desativação industrial e da ocorrência de áreas degradadas e/ou contaminadas”

(GÜNTHER, 2006, p.107).

De modo semelhante ao que se viu no México e na Índia, houve no Brasil entre as

décadas de 1960 e 1980 uma rápida e desordenada industrialização e um intenso e

incontrolado processo de urbanização, acompanhado de grande fluxo migratório do

campo e das regiões pobres para os grandes centros urbanos (FREITAS et al., 1995).

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Geralmente a força de trabalho aglomerava-se no espaço adjacente à fábrica,

onde o ambiente doméstico era a extensão natural do ambiente de trabalho. Com isso, os

trabalhadores se expunham duplamente aos poluentes, no ambiente de trabalho e após a

jornada laboral, continuando expostos às emissões industriais em suas moradias

(GÜNTHER, 2006).

1. A expansão da indústria química e o processo de contaminação

O crescimento das atividades de produção, armazenamento e transporte de

substâncias químicas em nível global provocou um aumento no número de seres

humanos expostos aos seus riscos – trabalhadores e comunidades. Paralelamente,

observou-se aumento na frequência e gravidade dos acidentes químicos nessas

atividades (FREITAS et al., 1995).

A história demonstra que à medida que os acidentes no passado aconteceram nos

países desenvolvidos, por conta de seus parques industriais serem em maior número e de

maior capacidade tecnológica de produção, a sociedade local se mobilizou para impedir

que eles tornassem a se repetir, e, caso ocorressem, tivessem efeitos muito menores que

os anteriores. Essa mobilização se deu por meio de instrumentos jurídicos punitivos e

severos, incluindo prêmios de seguros incrivelmente majorados, políticas de preservação

ambiental mais consistente, ações de controle governamental regulando o uso, produção,

transporte e armazenamento de produtos químicos, e ainda, a atuação forte de sindicatos

e participação efetiva da população adjacente aos empreendimentos industriais e rotas de

distribuição (CASTLEMAN, 1996).

Além dos passivos ambientais produzidos pelas indústrias que se destacam pela

quantidade de operações, volume e diversidade de substâncias químicas envolvidas em

seus processos produtivos, há varias fontes de poluição que podem dar origem a áreas

degradadas ou contaminadas, como no caso de “sistemas de tratamento e disposição de

efluentes líquidos e de resíduos sólidos; lançamento e infiltração no solo de esgotos

sanitários e efluentes industriais; emissões gasosas de compostos poluentes que são

trazidos ao solo pelo vento ou pela chuva; aplicação indevida de agrotóxicos; acidentes

no transporte de cargas perigosas; armazenamento e distribuição de substâncias

químicas, com destaque para a comercialização de combustíveis; vazamento de tanques

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e tubulações; abandono de embalagens contendo produtos químicos ou resíduos

perigosos; e depósitos de rejeitos radiativos (GÜNTHER, 2006).

Segundo Rodrigues Jr. (2003), a descoberta da problemática das áreas

contaminadas e a influência da sociedade levaram os países a desenvolverem diferentes

abordagens que resultaram na elaboração de políticas na tentativa de equacionar os

problemas relacionados às áreas contaminadas, através de instrumentos de intervenção.

Assim, a maior parte das políticas e instrumentos relacionados ao gerenciamento de

áreas contaminadas é de caráter predominantemente corretivo, ainda que pudessem

envolver também instrumentos de caráter preventivo.

Conforme propõe Sánchez (2001), podemos classificar as estratégias ou políticas

adotadas como resposta às áreas contaminadas da seguinte maneira:

1. Negligência – Não fazer nada, esperar que o problema se manifeste ou não seja

descoberto;

2. Reativa – Ação desarticulada e resposta caso a caso;

3. Corretiva – Adoção, de forma planejada e sistemática, de medidas visando

remediar um problema, após identificação e diagnóstico, e, ainda, estudo e

eventual recuperação quando há mudança no uso do solo;

4. Preventiva – Planejar o fechamento de empreendimentos em atividade que

possam causar contaminação do solo e adoção de instrumentos que garantam a

desativação adequada (por exemplo, garantias financeiras);

5. Proativa – Planejamento e gestão ambiental de todas as etapas do ciclo de vida

de um empreendimento.

De acordo com Silva (2007), de todas estas iniciativas, as pró-ativas são as mais

bem alinhadas com o interesse atual de preservação dos recursos naturais e têm como

finalidade evitar o acúmulo de passivos ambientais por conta do empreendimento

industrial, minimizando os impactos ambientais ao longo da vida de uma instalação

industrial. Sánchez (2001) ressalta que esta nova abordagem “pressupõe uma visão

radicalmente nova de um empreendimento industrial, que passa a ser encarado como

uma forma temporária de uso do solo, que pode ser reversível e dar lugar a novos usos

depois de encerrada a atividade”. Assim, ao planejar uma instalação industrial inclui-se o

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planejamento de seu eventual fechamento, como parte do ciclo de vida, de forma que as

medidas empreendidas tornam-se mais amplas que as ações preventivas.

Obviamente, observa-se hoje um processo em constante evolução no que tange à

gestão de áreas contaminadas, sobretudo por parte dos países mais avançados no

tratamento desse tema. Verifica-se a adoção de posturas negligentes e reativas no início,

passando pelas fases corretivas e preventivas, em especial em segmentos industriais de

alto potencial de contaminação do solo. Ainda assim resta a efetivação de iniciativas pró-

ativas, imprescindíveis aos dias atuais (SILVA, 2007).

2. A migração dos riscos ambientais e os duplos padrões

Uma vez que as empresas sentiram o peso das políticas de controle ao mesmo

tempo em que aumentou a demanda pelos produtos químicos no mercado mundial,

observou-se o fenômeno da transferência dos riscos industriais de países desenvolvidos

para os que ainda estão em desenvolvimento e coincidentemente desprovidos de políticas

de proteção ambiental e à saúde do trabalhador. Movimento motivado sobretudo por

interesses econômicos das empresas multinacionais nos recursos e facilidades dos

países subdesenvolvidos onde elas abrem suas subsidiárias (CASTLEMAN, 1996).

Segundo Castleman (1996, p.48), “a combinação de informações, regulamentos e

indenizações elevaram os custos do uso de substâncias tóxicas em certos países. Em

alguns casos, as empresas transferiram plantas inteiras e exportaram os produtos

banidos para os países em desenvolvimento”.

Num segundo instante pode-se dizer que com essa prática elas estavam

transferindo até mesmo os passivos ambientais oriundos dos processos de fabricação

proibidos em seus países de origem.

Outro ponto importante verificado nos movimentos das indústrias químicas

multinacionais em direção aos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento é a

prática do duplo padrão, pelo qual a mesma empresa aplica recursos e padrões diferentes

dos encontrados em suas matrizes, quase sempre com a estratégia de aumentar os

lucros cortando certos custos relativos à manutenção preventiva e à proteção ambiental e

do trabalhador. O caso da Union Carbide em Bophal demonstrou que havia vários duplos

padrões concernentes ao projeto e à operação da planta, às auditorias de segurança, ao

treinamento dos trabalhadores, às equipes de trabalhos de risco, à manutenção da planta

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e à atribuição de responsabilidade à gerência quando comparada com uma planta

semelhante da mesma empresa nos Estados Unidos (CASTLEMAN, 1996). Uma vez que

os padrões locais eram praticamente inexistentes, a empresa sempre buscou eximir-se de

maiores responsabilidades com base no atendimento às normas e leis indianas.

3. A problemática das áreas contaminadas

Segundo Sánchez (2001), os quatro principais problemas decorrentes de áreas

contaminadas são: risco à saúde humana e aos ecossistemas, risco à segurança dos

indivíduos e da propriedade, redução do valor imobiliário da propriedade e restrições ao

desenvolvimento urbano. Ainda há a possibilidade de contaminação dos recursos

hídricos, especialmente águas subterrâneas utilizadas para abastecimento público.

O Brasil ainda não possui uma legislação federal específica sobre o

gerenciamento das áreas contaminadas, apesar de sua vasta legislação ambiental. De

forma semelhante, os estados brasileiros também não dispõem de artifícios legais para

tratar especificamente da temática em questão. Apesar disso, algumas leis apresentam

instrumentos capazes de auxiliar no processo de gerenciamento de sítios contaminados.

Entre eles, podemos citar: a obrigatoriedade da recuperação de áreas degradadas – uma

vez que estas também incluem o caso das áreas contaminadas – imposta aos poluidores

identificados, conforme a Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente); a

aplicação de sanções penais e administrativas para os que contaminam o solo (atividade

lesiva ao meio ambiente) que tem respaldo na Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais);

a Ação Civil Pública, que é disciplinada pela Lei nº 7.347/85, e que pode ser utilizada

como um mecanismo de responsabilização pelo Ministério Público, caso se comprove a

responsabilidade pela poluição no solo e na água subterrânea (SILVA, 2007).

A única exceção fica por conta do estado de São Paulo, que além de possuir um

sistema de cadastro para áreas contaminadas, é o único estado brasileiro, como lembra

Rodrigues Jr. (2003), onde existem metodologias de identificação, de avaliação, de

monitoramento, de projeto e execução de sistemas de remediação e, ainda, de critérios

para tomada de decisão quanto ao nível de contaminação ou de risco aos bens a

proteger.

Segundo Günther (2006), o Brasil ainda carece de uma política específica para a

questão das áreas contaminadas, e a política nacional de resíduos sólidos, que se espera

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venha contemplar os aspectos da superposição entre essas duas políticas, permanece

sem definição.

Na Figura 1 são apresentados, de maneira esquemática, os procedimentos a serem

adotados para o gerenciamento de áreas contaminadas na Alemanha. Tanto as obrigações

como a abordagem metodológica para combater e reparar o problema são definidas na Lei

Federal de Proteção do Solo e na Portaria sobre Proteção do Solo e Áreas Contaminadas.

Conforme esses dispositivos legais, a investigação deve ser feita em etapas, de forma a

garantir uma avaliação com boa relação custo-benefício e que permita a comparação entre as

áreas.

Figura 1 – Fluxograma de Gestão de Áreas Contaminadas na Alemanha (GTZ, 1998).

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Fica evidente que uma atuação efetiva neste assunto requer uma integração em

nível político, jurídico e institucional. Um mecanismo que compreende essas três esferas

para uma atuação institucional eficaz e eficiente, conforme o manual da Cetesb/GTZ

(2001, p.14) é o Gerenciamento de Áreas Contaminadas (GAC), podendo ser definido

como: “Atuação interdisciplinar, interinstitucional e integral dos órgãos competentes no

trato do problema ambiental gerado pelas áreas contaminadas, inclusive dos

procedimentos institucionais e técnicos, o quadro normativo-legal e o sistema financeiro”.

Desta forma, Cetesb/GTZ (2001) definiu dois processos que constituem a base do

gerenciamento de Áreas Contaminadas (AC), denominados processo de identificação e

processo de recuperação.

O processo de identificação de áreas contaminadas tem como objetivo principal

a localização das áreas contaminadas, sendo constituído por quatro etapas:

definição da região de interesse;

identificação de áreas potencialmente contaminadas;

avaliação preliminar;

investigação confirmatória.

O processo de recuperação de áreas contaminadas tem como objetivo principal

a adoção de medidas corretivas nessas áreas que possibilitem recuperá-las para um uso

compatível com as metas estabelecidas a serem atingidas após a intervenção, adotando-

se dessa forma o princípio da “aptidão para o uso”. Esse processo é constituído por seis

etapas:

1. Investigação detalhada;

2. Avaliação de risco;

3. Investigação para remediação;

4. Projeto de remediação;

5. Remediação;

6. Monitoramento.

Para o gerenciamento de AC faz-se necessária a atribuição de controlar os

problemas ambientais na região de interesse a um órgão federal, estadual, municipal ou

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até mesmo privado com credibilidade reconhecida. Tal órgão deve ser capaz de gerenciar

o processo de identificação de áreas contaminadas e realizar a fiscalização nas etapas de

recuperação, que caberá, normalmente, ao responsável pela contaminação, de acordo

com o princípio do “poluidor-pagador”. Esse princípio estabelece que o poluidor deve

pagar pelo dano ambiental ocorrido, e ainda arcar com a compensação de tal dano

(SILVA, 2007).

No estado de São Paulo o gerenciamento das AC é realizado pela Cetesb, e, de

acordo com os dados (Figura 2) por ela disponibilizados, a identificação de novas áreas

contaminadas no estado de São Paulo é muito maior que a adoção e conclusão de

soluções de remediação.

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Figura 2 – Evolução da classificação das áreas contaminadas

Fonte: Cetesb, 2007.

Um dos casos que integram essa estatística é o do Bairro Recanto dos Pássaros e

as antigas instalações da Shell em Paulínia (SP), o qual será mais bem abordado neste

artigo e ainda carece de uma solução de gerenciamento integrado depois de tantos anos

da sua identificação e reconhecimento.

PRINCIPAIS CONTAMINANTES E A TOXICIDADE PARA A SAÚDE HUMANA

Independentemente dos demais contaminantes, os contaminantes ambientais de

maior preocupação no caso Shell Paulínia são os DRINS (Aldrin, Dieldrin e Endrin). O

aldrin, o dieldrin e o endrin são inseticidas organoclorados sintéticos que foram

intensamente utilizados a partir da década de 1970 até o final de 1987, quando o uso foi

restrito ao controle de cupins e, então, banido por muitos países em razão da persistência

desses inseticidas (UMBUZEIRO et al., 2008).

O aldrin, no meio ambiente, é rapidamente epoxilado e convertido em dieldrin, que,

em virtude de suas propriedades físico-químicas, apresenta características de

bioacumulação e biomagnificação no ambiente. Uma vez absorvidos, tanto o aldrin quanto

o dieldrin são rapidamente distribuídos por todo o organismo, concentrando-se

principalmente no tecido adiposo. No organismo, o aldrin também é convertido em

dieldrin, sendo sua conversão, distribuição e deposição no tecido adiposo mais rápidas do

que a biotransformação e excreção deste último, seja em estado inalterado seja sob a

forma de seus produtos de transformação. O endrin, no entanto, diferentemente do

dieldrin, se acumula pouco nos tecidos adiposos quando comparado a outros compostos

de estruturas químicas similares, sendo biotransformado (UMBUZEIRO et al., 2008).

A exposição crônica a esses compostos produz, entre outros sinais e sintomas,

hiperexcitabilidade, tremores e convulsões. Tais efeitos adversos do aldrin e do dieldrin

estão relacionados a níveis sanguíneos de dieldrin acima de 105 μg/L, o que corresponde

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a uma ingestão diária de 0,02 mg de dieldrin/kg de peso corporal por dia. Neste ponto, a

Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC) classifica os DRINS no Grupo 3

– classe das substâncias não-carcinogênicas para seres humanos em razão da limitada

de carcinogenicidade animal e evidências inadequadas de carcinogenicidade humana.

Todavia, a Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana (USEPA), em 1974, assumiu

que qualquer composto capaz de promover tumores em animais era um carcinógeno

potencial para o homem, e classificou o aldrin e o dieldrin como carcinógenos, baseando-

se em estudos com camundongos, os quais desenvolveram tumores hepáticos em cada

linhagem testada, porém classificou o endrin no Grupo D – não-classificável como

carcinógeno para o homem (UMBUZEIRO et al., 2008).

Essas constatações demonstram a gravidade da contaminação ambiental

ocasionada pela Shell em Paulínia, porém, nota-se que a conduta adotada na gestão

dessa empresa no Brasil não é a mesma adotada ao redor do mundo.

O CASO SHELL PAULÍNIA

Em 1974, a empresa SHELL DO BRASIL S.A., adquiriu um terreno com área de

78,99 hectares no bairro Recanto dos Pássaros, município de Paulínia, a 126 km da

capital do estado de São Paulo, Brasil, para a instalação de uma indústria de defensivos

agrícolas (AMBIOS, 2005). Em 1975, a Shell iniciou a construção da planta industrial para

a fabricação dos agrotóxicos, incluindo a produção de Endrin e Aldrin e o processamento

de Dieldrin, três agrotóxicos organoclorados (GREENPEACE, 2001).

As instalações da empresa consistiam em 26 edificações que ocupavam

aproximadamente 14 hectares, e os limites das instalações seguiam o contorno do rio

Atibaia a norte, sul e oeste. O restante do terreno permaneceu sem desenvolvimento. A

fábrica iniciou suas atividades no ano de 1977, com 191 funcionários. Às margens do rio

existia uma área residencial (Condomínio Recanto dos Pássaros), composta por

chácaras, que após as denúncias de contaminação foram desocupadas e as casas

demolidas. O entorno abrigava diversas outras indústrias, entre elas ICI, Tagma, Rhone

Poulenc, DuPont, Dow e a Replan (AMBIOS, 2005).

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A produção anual estimada em 1977 pela SHELL DO BRASIL S.A. apresenta-se

na Tabela 1, o que demonstra que essa empresa já produzia tais substâncias, antes

mesmo da liberação pela Cetesb, ocorrida em 1978.

Tabela 1 – Produção anual estimada pela Shell, no ano de 1977

Fonte: Ambios, 2005.

O desconhecimento de possíveis fatores negativos ligados à saúde tanto por parte

da Shell quanto da sociedade local e a esperança ilusória de amenizar o problema de

desemprego levou a Shell ao disfarce dos reais acontecimentos ambientais e de saúde

ocorridos na cidade de Paulínia.

A Shell, em 4 de julho de 1978, recebeu da Cetesb (Companhia de Tecnologia de

Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo) a Licença de Funcionamento.

Aproximadamente seis meses após a liberação da Licença de Operação, a Cetesb

começou a receber as primeiras reclamações sobre emissões atmosféricas com forte

odor tóxico (AMBIOS, 2005).

Em junho de 1979, a própria Cetesb constatou em vistoria que a empresa emitia

poluentes na atmosfera provenientes da incineração, em forno desprovido de sistema de

exaustão e filtragem ou equipamento de controle de poluentes, e também de baldes com

defeitos e tambores com resíduos organoclorados. Além disso, no relatório de inspeção

foi citado como fonte de poluição outro incinerador que era utilizado na incineração de

Produto

Quantidade

(Toneladas/an

o)

Produto Quantidade

(Toneladas/an

o)

Aldrin 11.888 Gardona 1.060

Azodrin 2.140 Malation 95

Azodrin EC e WSC 5.210 Metilparation 1.090

Azodrin-Bedrin WSC 250 Nemagon 170

Bedrin WSC 270 Phosdrin EC 95

Bidrin 390 Toxafeno 3.100

Carbaril 4.350 Triona 2.150

Endrin 11.330 Vapona 20

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resíduos de pesticidas organoclorados. Em decorrência dessas irregularidades, a Shell

recebeu um Auto de Infração da Cetesb (AMBIOS, 2005).

Em fevereiro de 1980, a empresa recebeu Auto de Infração por emitir fumaça com

densidade colorimétrica acima do padrão estabelecido, e, entre 1981 e 1999, foram

constantes as reclamações à Cetesb da população residente no entorno da Shell,

sobretudo no período noturno e nos finais de semana, referentes às emissões

atmosféricas dos incinerados e odores provenientes da produção (AMBIOS, 2005).

Em 1989 a Shell solicitou à Cetesb licença de implantação de um aterro industrial.

Nesse mesmo ano a licença foi concedida, no entanto a liberação para o uso do aterro só

ocorreu em 1992. Em julho desse ano, a Cetesb foi favorável à ampliação das instalações

da Shell para produção de borracha termoplástica, com uma produção estimada de 1.700

ton/mês (AMBIOS, 2005).

Na mesma década, a empresa recebeu novo Auto de Infração da Cetesb em razão

do lançamento de efluentes no rio Atibaia, provenientes do setor de produção de

organofosforados, em desacordo com a legislação vigente (Resolução Conama 20). Em

relatório de Auditoria Ambiental, datado de março de 1995, a Shell confirmou o

comprometimento do aquífero pela infiltração de águas do processo industrial na Unidade

Opala. Relatou, ainda, que a contaminação foi causada por sucessivos vazamentos

ocorridos no tanque subterrâneo de coleta de águas existente sob o prédio dessa

unidade. Inspeções realizadas em 1978 acusaram estufamento do revestimento interno

do tanque, e inspeções realizadas nos anos de 1982 e 1985 detectaram novos

estufamentos (AMBIOS, 2005).

Com relação aos dados de contaminação por DRINS (Aldrin, Dieldrin e Endrin),

estes foram apresentados através de relatório técnico elaborado pela empresa Ceimic em

2001 e reafirmados por mais dois relatórios técnicos, um elaborado pelo Instituto Adolfo

Lutz em 2001 e outro pela empresa holandesa de consultoria ambiental Haskoning/Iwaco,

no mesmo ano, todos contratados pela Shell. O último relatório analisou solo e água

subterrânea em nove pontos localizados nas chácaras vizinhas à área da indústria. Os

índices de contaminação por Dieldrin chegaram a 17 ppb (partes por bilhão) no solo e

0,47 ppb na água (GREENPEACE, 2001).

Os números ultrapassaram os limites internacionais, e o índice de contaminação

da água foi maior que o permitido na legislação brasileira (Portaria 1469/2000 – Ministério

da Saúde – Valor Máximo Permitido: 0,03 ppb). As análises realizadas anteriormente

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eram restritas apenas às águas subterrâneas. Dados emitidos pela Cetesb corroboram os

dados de contaminação apresentados pela Shell (GREENPEACE, 2001). As reclamações

de moradores continuaram até chegar a condições insustentáveis.

A área residencial foi interditada pelo Poder Público municipal em 2002 (decreto

municipal, em resposta à análise da vigilância sanitária do município de Paulínia).

Entretanto, nesse contexto, deve-se assinalar que os moradores das chácaras evacuaram

o local e tiveram assegurado pela prefeitura um acompanhamento de sua saúde, o que

difere bastante da situação dos trabalhadores e ex-trabalhadores, que até o momento não

têm uma avaliação e um acompanhamento de saúde adequado (AMBIOS, 2005).

No Relatório Final da empresa Ambios (2005), concluiu-se que com relação à

saúde dos trabalhadores não havia, até então, a possibilidade de estabelecer associação

entre os achados dos problemas expressos ou potenciais de saúde dos trabalhadores

com a exposição ocupacional; evidências sugestivas indicavam, todavia, a necessidade

de maiores investigações.

Já em relação aos moradores, a Secretaria de Saúde de Paulínia (2003) salienta

que, dentre os 181 moradores avaliados 66,3% – ou seja, 120 pessoas – apresentaram

algum tipo de intoxicação crônica por organoclorados e/ou metais pesados; 24% – ou

seja, 44 pessoas – estavam sob suspeita de quadro sugestivo de intoxicação crônica, a

ser averiguado com outros exames complementares, e com a observação da evolução

clínica, após afastados da fonte de exposição aos produtos tóxicos respectivos; e, 9% –

ou seja, 17 pessoas – não confirmaram diagnóstico de intoxicação crônica.

As análises foram realizadas em sangue periférico e, quando necessário, foram

feitas biópsias de tecido adiposo (gordura), principal foco de acumulação de determinados

contaminantes. Fatores como índice de massa corporal e tabagismo foram levados em

conta para a avaliação final (SECRETARIA DE SAÚDE DE PAULÍNIA, 2003).

Nesse ponto concluiu-se que outros contaminantes ambientais, além de Aldrin e

Dieldrin desse site industrial, também atingiram a população do bairro, tais como: Endrin

(metabólitos), Endosulfan, DDT (isômeros), Hexaclorobenzeno, Chumbo, Alumínio,

Arsênio etc., e que tais contaminantes afetaram com maior ou menor incidência os

moradores de diferentes grupos localizados no entorno da empresa (SECRETARIA DE

SAÚDE DE PAULÍNIA, 2003).

A Shell foi obrigada, por força do contrato de venda à Cyanamid, a assumir o

passivo existente e realizar uma autodenúncia da situação à Curadoria do Meio Ambiente

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de Paulínia, da qual resultou um termo de ajuste de conduta. No documento a empresa

reconhece a contaminação do solo e das águas subterrâneas por produtos denominados

aldrin, endrin e dieldrin, compostos por substâncias altamente cancerígenas. Ainda foram

levantadas contaminações por cromo, vanádio, zinco e óleo mineral em quantidades

significativas, mas até o presente momento não se reconhece a ocorrência de problemas

de saúde em função da contaminação ambiental (REZENDE, 2005).

A Shell sabia dos efeitos e riscos dos produtos manipulados produzidos e

estocados em função de sua longa experiência no setor, e não tomou as medidas

mínimas necessárias para evitar os danos à saúde e impactos ao meio ambiente,

permitindo constantes vazamentos e derramamentos dos mais variados produtos tóxicos

ao longo de décadas de produção.

Segundo Rezende (2005), as informações foram liberadas de forma tendenciosa e

contraditória, com caráter sigiloso, privado e indisponível até mesmo aos trabalhadores.

Usou-se propaganda ideológica para a sociedade em geral e para o interior da fábrica,

apregoando a ideia de que o agrotóxico era indispensável à produção de alimentos e

única alternativa para a fome mundial, e que não havia risco ambiental e coletivo. Os

trabalhadores desconheciam os riscos dos produtos químicos e do processo produtivo, e

as ocorrências eram constantemente camufladas para preservar a imagem da empresa a

despeito do efeito produzido contra a saúde humana e ambiental.

O processo iniciado pelo Ministério Público em 2002 e os demais que se seguiram,

concomitantemente à interdição da fábrica pelo Ministério do Trabalho, produziram

diversos efeitos como a remoção de toda a população do bairro e a interdição com

controle de visitantes por parte da prefeitura. A Shell e a Basf foram obrigadas a adquirir

as propriedades adjacentes e promover medidas de remediação na área contaminada,

sob fiscalização da Cetesb. Ainda restam duas propriedades que não foram compradas.

Os moradores do bairro estão sendo assistidos pelo SUS e pela Secretaria Municipal de

Saúde, para o acompanhamento das possíveis complicações de saúde decorrentes da

exposição crônica (REZENDE, 2005).

A justiça concedeu em 2008 uma tutela antecipada ao Ministério Público,

obrigando as empresas Shell e Basf a contratar um plano de saúde vitalício para os ex-

funcionários expostos a riscos de contaminação na unidade de fabricação de agrotóxicos,

no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia. A decisão se estende para os familiares de

empregados, prestadores de serviços e trabalhadores autônomos que se ativaram no

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local. Em 2009 a justiça concedeu liminar suspendendo a tutela antecipada para uma

tentativa de acordo quanto ao plano de saúde (INFORMATIVO DA PROCURADORIA

REGIONAL DO TRABALHO, 2009).

PADRÕES DA SHELL NO MUNDO E EM PAULÍNIA

Hoje a Shell tem 95 anos de Brasil e informa através do seu presidente que em

2005 investiu 200 milhões de dólares firmando compromissos de desenvolvimento

sustentável, questões socioambientais, éticas e de segurança do trabalho. As afirmações

couberam ao presidente Vasco Dias, em 2005. O caminho do desenvolvimento

sustentável tornou a empresa uma companhia integrada de energia (SHELL, 2005).

Quando observamos a trajetória da Shell no Brasil e no mundo, notamos que ela

sempre buscou aprimorar-se na tecnologia a ser adotada nos sites, o que nem sempre

garantiu o controle de riscos, pois não conseguiu evitar vazamentos de tanques em 1978,

1982 e 1985 que tiveram enorme contribuição para a contaminação que se prolongou até

os dias de hoje (SHELL, 2005).

Analisando a estrutura de governança e de administração dos sistemas de gestão

adotados atualmente, em qualquer parte do mundo, a Shell busca adotar princípios éticos

em seus negócios aliando visão de futuro e de desenvolvimento sustentável. Na

realidade, essas anotações fazem parte do relatório de 2004/2005, porém, provavelmente

as premissas foram desprezadas no passado, pois não impediram que ocorresse essa

enorme contaminação na região do Recanto dos Pássaros em Paulínia, com a presença

de contaminantes extremamente resistentes ao longo dos anos.

Afirma o relatório que a Shell, ao longo de toda sua trajetória, sempre realizou

estudos de viabilidade, mas, no caso em questão, se o fez, fez de forma totalmente falha

e sem considerar aspectos de segurança, meio ambiente, aspectos éticos e sociais e

muito menos utilizando uma visão de desenvolvimento sustentável. Relações com a

sociedade e diálogos constantes são práticas mais recentes da Shell e que também

falharam no período inconveniente ocorrido em Paulínia.

Para se ter uma ideia da relação atual, mais próxima, que consistiu em ouvir os

seres humanos da Planta em especial, foi só em 2005 que a empresa passou a fazer

entrevistas de desligamento dando atenção plena a todo e qualquer desvio informado

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pelo ex-colaborador. Essa ferramenta é uma boa prática para melhorar as ações a serem

tomadas, mas não foi praticada durante os eventos catastróficos de Paulínia.

Fica claro o fato de que a própria Shell entende e aceita que não se utilizou das

melhores práticas nas suas instalações em Paulínia, até pelo fato de que em fevereiro de

2001 admitiu publicamente a responsabilidade pela contaminação das chácaras vizinhas

à área onde funcionou sua fábrica de agrotóxicos. Os agrotóxicos organoclorados Endrin,

Dieldrin e Aldrin foram encontrados no lençol freático sob as chácaras localizadas entre a

fábrica e o rio Atibaia, um dos principais afluentes do rio Piracicaba e que abastece de

água, entre outras, as cidades de Americana e Sumaré (SHELL, 2005).

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vulnerabilidade dos moradores, trabalhadores e meio ambiente se mostrou

pungente nesse episódio do Recanto dos Pássaros, em Paulínia. Evidencia-se

claramente a sujeição da saúde humana e do meio ambiente aos interesses econômicos

e corporativos das empresas, que parecem dominar as ações dos órgãos públicos. Estes,

antes de zelarem pelos interesses da sociedade, estão mais preocupados em não

afrontar as determinações e práticas das empresas.

A não divulgação proposital de informações aos implicados sugere uma

articulação defensiva por parte da empresa, dos organismos de controle e do poder

público. A falta de informação talvez tenha sido a maior das violências praticadas contra

moradores e trabalhadores, tirando-lhes a possibilidade de defesa ou mesmo da

precaução.

As indústrias químicas necessitam pesquisa intensa, mas de modo interdisciplinar,

incluindo não apenas cientistas, mas também governos, a fim de se criarem novas

políticas públicas de produção e consumo das diversas substâncias. Tal situação constitui

desafio para diversos setores, sobretudo para a saúde pública (FREITAS, 2005).

Segundo a classificação de Sánchez (2001), podemos identificar os estágios pelos

quais o caso de Paulínia já passou:

Negligência – Por parte da Empresa, que não empenhou os recursos necessários

para controlar e reverter a contaminação desde os primeiros indícios e

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escondeu da sociedade as informações sobre os riscos envolvidos; Por

parte da Cetesb, que não cumpriu a sua missão de fiscalização e ainda

permitiu o agravamento com a emissão de novas licenças de operação; Por

parte da Vigilância Sanitária e da Secretaria Municipal do Meio Ambiente,

que só se posicionaram quando o caso ganhou notoriedade na mídia, anos

depois da autodenúncia; Por parte da Segurança Pública, que tratou com a

habitual morosidade cada um dos inquéritos instaurados;

Reativa – Numa ação desarticulada, Cetesb, Vigilância Sanitária, Segurança

Pública e Ministério Público tomaram medidas isoladas e praticamente sem

respaldo científico, o que permitiu que a contaminação perdurasse por anos

a fio;

Corretiva – Diversos estudos foram feitos, e os Termos de Ajustamento de

Conduta levam a crer que foram dados os primeiros passos para identificar,

avaliar e planejar as medidas corretivas para recuperação da área

contaminada, incluindo aí a evacuação total da área;

Já as Ações Preventivas para Planejar o Fechamento do empreendimento em

atividades que possam causar contaminação do solo e adoção de instrumentos que

garantam a desativação adequada, a sociedade continua a esperar, assim como uma

ação pró-ativa de planejamento e gestão ambiental de todas as etapas do ciclo de vida de

um empreendimento como esse.

Günther (2006) afirma que a falta de uma política específica para a questão das

áreas contaminadas e a ausência de política nacional de resíduos sólidos contribuíram

muito para a existência deste caso em Paulínia. É evidente que a Shell se utilizou dos

subterfúgios legais disponíveis para manter a produção sem, contudo, fazer investimentos

e adequações necessários para evitar a contaminação da área.

Essa ausência de políticas específicas favorece a ocorrência do duplo padrão que

também se evidenciou no caso da Shell em Paulínia, dadas as análises realizadas em

diversas épocas e os resultados obtidos em comparação com os padrões aceitáveis no

país de origem da empresa, a Holanda.

Os esforços iniciados pela Cetesb, ainda que pareçam insuficientes para tratar a

questão das áreas contaminadas conforme se apresentam atualmente no Brasil,

demonstram uma alternativa digna de maiores adesões e fortalecimento por parte do

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poder público, sociedade e empresariado em geral. Tal metodologia, se devidamente

gerida e respaldada, pode apresentar no futuro excelentes resultados, devendo ser

expandida para todos os estados da Federação, a ponto de se conseguir, por todo o país,

o que pretendem os idealizadores do Manual para Gerenciamento de Áreas

Contaminadas, citado anteriormente.

E mais ainda, que os próximos projetos sejam idealizados com base nas

experiências anteriores e com visão de ciclo completo do empreendimento de forma pró-

ativa, conforme definido por Sánchez (2001), evitando assim novas áreas contaminadas

como a do Recanto dos Pássaros em Paulínia, priorizando fundamentalmente a

prevenção.

É possível observarmos que a morosidade na tomada de ações acomete vários

países, havendo necessidade imediata e imprescindível de que ocorra equilíbrio de

atuação nas áreas contaminadas, aproveitando-se as boas práticas utilizadas em

determinadas regiões. Além disso, é preciso buscar equilíbrio técnico e aprimoramento

contínuo quanto à reconversão e à revitalização de áreas contaminadas. Percebe-se que

as pressões das populações e governantes fazem a diferença na revitalização e, portanto,

na reutilização de áreas contaminadas e abandonadas, sobretudo quando o retorno

oferece melhor qualidade de vida para as populações. É importante que o conhecimento e

a experiência nas questões de áreas contaminadas sejam uma busca permanente dos

governantes. As citações, comentários e informações têm como objetivo contribuir com o

contexto amostral das causas e consequências das áreas contaminadas, bem como são

tratadas, revitalizadas, reutilizadas e recuperadas.

REFERÊNCIAS

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