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Área Temática 2: Ensino, Formação Profissional e Pesquisa em Defesa Jointery como modelo organizacional aplicado aos estudos militares: um breve estudo do modelo conjunto britânico Tamiris Santos Pessoa Julho/2016

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Área Temática 2: Ensino, Formação Profissional e Pesquisa em Defesa

Jointery como modelo organizacional aplicado aos estudos militares: um breve estudo do modelo conjunto britânico

Tamiris Santos Pessoa

Julho/2016

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Jointery como modelo organizacional aplicado aos estudos militares: um breve estudo do modelo conjunto britânico

Tamiris Santos Pessoa1

Resumo

O presente trabalho visa apresentar a aplicação do modelo organizacional

conjunto aos estudos militares dentro do âmbito da formação e do âmbito institucional,

ilustrando como se dá o processo como um todo à luz da gestão de defesa. Através da

abordagem de mudança e adoção organizacional, o objetivo é ilustrar como se

desenvolve tal processo no modelo britânico e, por fim, um breve comparativo com o

Brasil, a fim de demonstrar, guardadas as devidas proporções, quais pontos poderiam

ser aproveitados a partir um desenho institucional hipotético brasileiro.

A relevância da pesquisa na qual se baseia o presente artigo é demonstrar os

pontos positivos e a serem aprimorados em relação ao modelo conjunto, bem como

suas potencialidades no caso de realizar uma adaptação deste ao modelo brasileiro,

visto que, na conjuntura presente, tal opção se faz possivelmente interessante.

Enquanto o modelo inglês emergiu a partir de variáveis como a experiência em

campo, a necessidade de otimizar e cortar gastos e a busca pelo ganho de eficiência

em operações, no caso brasileiro a implantação de um modelo conjunto que

atendesse as peculiaridades dos recursos disponíveis e a corrente participação em

operações em que pode haver ganho de eficiência – a saber, operações de paz,

operações de patrulhamento como a Amazônia Azul e a Ágata, entre outros –

configura uma opção passível de análise.

Neste sentido, compreender como se deu e se dá o esqueleto organizacional

por trás da estrutura empreendida pelos britânicos a partir de um olhar de como o

arranjo funciona, quais seriam parâmetros-base e quais são pontos passíveis de

adaptação às realidades locais pode abrir espaço para novas visões acerca dos

desafios gerenciais brasileiros que estão no âmbito do porvir.

Palavras-chave: Jointery, Modelo Organizacional; Gestão de Defesa

1 Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Estudos Estratégicos da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul e bolsista CAPES no Programa Pró-Defesa. Contato: [email protected].

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Sistematizando o processo de Jointery

Jointery – conceito mais visualizado na literatura através do termo jointness,

em inglês americano - consiste em uma nova forma de guerra segundo a literatura

(ANGSTROM E WIDÉN, 2015), uma vez que ao se materializar em operações que

envolvem mais de uma força singular, configura a promessa de ganhos de eficiência e,

apesar de ser um aspecto não tão amplamente pesquisado de acordo com Till (2005)2,

a eficiência em operar conjuntamente em uma guerra em futuro próximo pode ser a

variável para determinar a vitória ou a derrota em campanhas vindouras.

Entretanto, o modelo conjunto não se desdobra unicamente no teatro de

operações. Este arranjo imbui em si todo um contexto de desenvolvimento anterior aos

âmbitos operacionais e táticos e, a partir de uma visualização com um pouco de

afastamento, é possível verificar que se trata de todo um processo, um arranjo

organizacional que abrange as dinâmicas captadas por abordagens teóricas que

tenham a mudança ou inovação militar como objeto, tais como a do aprendizado

organizacional, teorias integradas sobre inovação militar, entre outras formulações

(DAVIDSON, 2010; VITALE, 1995). Ou seja, trata-se de um termo guarda-chuva,

ademais de um neologismo, (TAYLOR, 2011) visto que imbui em si a natureza de

processo e de aplicação em ambiente operacional tático também, conforme ilustrado

na figura abaixo.

Figura 1 - Estrutura para o Processo de Jointness (Jointery)3

2 Comentários de prefácio, em: GRIFFIN, S. Joint Operations: A short history. [s.l: s.n.].

3 Ilustração presente em Vitale (1995). Tradução Nossa (2016).

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Logo, seja como processo, como modelo organizacional ou aplicação, jointery

se desdobra como variável dependente de diversas questões e em diversos níveis,

adquirindo determinado grau de complexidade que resulta na dificuldade em

determinar qual seria a abordagem mais adequada para visualizar suas dinâmicas

como um todo. Vitale (1995) se debruçou nesta tentativa de captar o processo de

forma holística, demonstrando uma preocupação em entender a interrelação das

partes que o compõem. No entanto, quando se tenta compreender os desdobramentos

do processo de jointery além da camada das operações e exercícios (a serem

relacionadas mais adiante), a questão fica ao menos nebulosa, visto que a bibliografia

sobre o assunto lida com maior amplitude em termos de aplicação no teatro de

operações, não resolvendo a questão da emergência do processo.

Dentre as explicitações concernentes à teoria organizacional, existem diversas

abordagens (entre elas, a do aprendizado organizacional, os paradigmas da inovação

militar, o paradigma da cultura organizacional, o paradigma da agência, entre outras)

que entre pontos de concordâncias e discordâncias tendem a apontar em uníssono

acerca das dificuldades inerentes ao processo de mudança organizacional dentro de

instituições militares, especialmente na estrutura das forças armadas, dadas às

resistências ao processo e a outros tipos de barreiras, que tendem a variar mais ou

menos em conjunto com os questionamentos propostos em cada uma destas

abordagens.

O paradigma das agências, cujo ganho é justamente o de enxergar as

dinâmicas que ocorrem no interior das forças armadas em termos de implementação

de mudanças organizacionais (STULBERG, SALOMONE E LONG, 2007), é uma das

proposições que tenta elencar mais elementos de integração em si a fim de explicitar

as estratégias de implementação em sentido hierárquico por parte dos dirigentes

(comandantes) vis-à-vis as estratégias de resistência a esta por parte dos agentes

(subordinados). Contudo, escapa de um contexto de ocorrência, o que pode fazer com

que a implementação das mudanças adquira graus de dificuldade diferentes, conforme

aponta Rosen (1991) ao ilustrar as inovações militares e suas dinâmicas em tempos

de paz e de guerra.

Quanto ao paradigma do aprendizado organizacional, apregoado por Davidson

(2010), Nagl (2002), entre outros autores, basicamente demonstra que a cultura

organizacional de uma instituição militar pode se constituir em um obstáculo na

mudança organizacional devido a suas características de permanência – identidade –

de forma que aquela em conjunto com processos e estruturas presentes na instituição

podem prevenir, promover ou permitir a mudança militar através do aprendizado

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(DAVIDSON, 2010). No entanto debater a inconsistência de passos entre a

experiência profissional em campo e a canalização destas em doutrina em conjunto

com a formação profissional em termos de preferências culturais constitui uma

discussão vaga, apesar de instituições militares como as forças armadas americanas e

as forças armadas britânicas sempre emitirem sinais de canalização de aprendizado

através de diversas reformas e revisões estratégicas.

Distando em questão de elementos analisados como obstáculos à

implementação de inovações, mas não em questões estruturais, as teorias

organizacionais falham em sistematizar os impactos envolvidos nas adoções de

processos de mudança organizacional, bem como enxergar de forma mais integrada

os obstáculos e possíveis soluções a serem adotadas para que a mudança seja bem

sucedida. Assim como a teoria do aprendizado organizacional não conseguiu captar

conceitos mais delineados sobre o fenômeno, o paradigma da agência tão pouco

consegue captar em suas dimensões explicativas que a interação em nível

hierárquico, tanto dentro das forças quanto em um espectro mais amplo não explicita a

relação entre a alteração de um componente do arranjo organizacional e seus

impactos como um todo no processo justamente por não explicitarem estas conexões

de forma estrutural sistêmica.

Neste sentido, para estruturar a abordagem de Jointery como processo,

incorrendo em mudança organizacional, o sistema de fractais, apregoado na teoria

complexa, se mostra como uma alternativa de estruturação aparentemente funcional,

pois permite a possibilidade de congregar a visão holística apregoada por Vitale

(1995), ao passo que demonstra como os elementos de uma camada do sistema são

replicados por outras, criando uma conexão entre estes.

Proveniente da matemática, mais especificamente dos estudos de Mandelbrot,

o conceito de fractal caracteriza objetos com estruturas em várias escalas, refletindo

um princípio hierárquico de organização e possuem uma característica peculiar: a

autossemelhança (PEITGEN E RICHTER, 1986). Longe de constituírem uma estrutura

completamente inédita, porém tão pouco uma descoberta pouco relevante, o sistema

de fractais preconizado por Mandelbrot foi fruto de observações de outros

matemáticos, críticas e o exercício da interdisciplinaridade, apontando para a

descoberta de formatos que, apesar de baseados na geometria Euclidiana, não foram

sistematizados anteriormente (MANDELBROT, 1986), culminando em uma formulação

que, apesar do próprio Mandelbrot assumir ter sido realizada sob a ótica de um

matemático, transcendeu para que outros campos da ciência fossem desenvolvidos,

entre eles a teoria complexa e suas adjacências.

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A aplicação dos fractais na teoria complexa (ou teoria do caos conforme

apregoada por Hayles (1990)) se apoia em uma mudança de foco da unidade

individual para as “simetrias recursivas entre os níveis da escala” (HAYLES, 1990,

p.13), de forma que existe uma conexão entre os elementos estruturados em uma

camada e os demais elementos em outra(s) camada(s), criando uma interação no

sistema como um todo. De forma aplicada, a autora citou um exemplo que inclusive

contempla temática atinente aos estudos de defesa, a saber:

A imagem recorrente que uso para explicar as interconexões complexas entre teoria, tecnologia e cultura é a de um circuito de retorno. A mobilidade crescente das tropas e suprimentos na II Guerra Mundial, por exemplo, fez com que a informação precisa se tornasse um fator muito mais importante do que nunca na estratégia militar. Consequentemente, houve pesquisa intensiva no conceito de informação. Nos anos imediatamente posteriores à guerra, as teorias que emergiram a partir desta pesquisa foram traduzidas em novas tecnologias, as quais por sua vez se transformaram as culturas de países altamente desenvolvidos de forma súbita e profunda. Estas transformações estimularam a criação de novos métodos de análise para sistemas complexos, enquanto a própria sociedade se tornou um sistema complexo em termos técnicos. Portanto, o circuito de retorno conectou teoria com cultura e cultura com teoria por meio da tecnologia (HAYLES, 1990, seç. Prefácio, p. XIV)

4.

Neste sentido, as partes de um sistema se conectam com outras entre as camadas

destes, pois são similares, e sua interconexão se dá através dos circuitos de retorno

(os quais explicitaremos de forma aplicada mais adiante).

Em forma esquemática, o sistema fractal possui um eixo vertical de correlação,

que pode ser definido quantitativamente e qualitativamente – o qual será definido em

termos qualitativos, como processo), a semelhança entre os elementos que compõem

a estrutura de cada camada, um eixo horizontal que define estes elementos, de forma

que o sistema adquira suas delimitações e robustez, e o comprimento da escala

diferenciando os níveis, que delimita as fronteiras entre uma camada (ou nível) e a

seguinte (CHETTIPARAMB, 2005, 2013). A seguir, uma representação esquemática

do sistema está ilustrada para melhor visualização.

4 Tradução nossa. Excerto original: “The recurrent image I use to explain the complex interconnections of

theory, technology, and culture is a feedback loop. The increased mobility of troops and supplies in World War II, for example, made accurate information a much more important factor in military strategy than' it had ever been before. Consequently, there was intensive research on the concept of information. In the years immediately following the war, the theories that emerged from this research were translated into new technologies, which in turn transformed the cultures of highly developed countries in ways both subtle and profound. These transformations stimulated the creation of new methods of analysis for ·complex systems, for society itself had become a complex system in a technical sense. Thus the feedback cycle connected theory with culture and culture with theory through the medium of technology”.

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Figura 2 - Parâmetros guias do sistema fractal

(CHETTIPARAMB, 2005). Tradução nossa, 2016.

Considerando que o modelo conjunto se constitua num sistema em que os

elementos integradores (ao menos em nível de referência comum) se repliquem em

diferentes níveis organizacionais de forma similar – em termos de representação de

papéis desempenhados que culminam em impactos diretos nos elementos

integradores – e que tal estrutura também contemple, por semelhança, os níveis de

desenvolvimento de papéis em termos operacionais, táticos e estratégicos, tem-se a

possibilidade de interpretar aquele através do sistema fractal.

De forma mais ilustrativa, considerando o modelo interpretativo proposto por

Vitale (1995) e ilustrado pela Figura 1, contemplando uma abordagem mais holística,

jointery é visto como um todo que agrega partes que se inter-relacionam e não

constituem meras parcelas a serem somadas para resultar diretamente no processo.

Estas partes são constituídas por elementos integradores – a saber, treinamento,

planejamento operacional, requisitos, estrutura da força e recursos, prontidão,

doutrina, educação e avaliação – contextos de ocorrência – organizações de defesa,

estrutura da força e operações e exercícios - e níveis – estratégico, operacional e

tático. Considerando que o jointery constitui processo adotado com ocorrência em

organizações de defesa, sob a forma de departamentos dentro do Ministério da

Defesa, por exemplo; na estrutura da força, especialmente nos casos de combinação

de armas; e nas operações e exercícios, traduzido como operações conjuntas,

operações combinadas e armas combinadas; e que os elementos integradores estão

todos sobremaneira representados nas diferentes camadas em que o processo de

jointery ocorre, é possível inferir que o modelo conjunto pode ser representado pelo

sistema de fractais, no qual a repetição da estrutura é o que caracteriza o reforço do

sistema como um todo (CHETTIPARAMB, 2013). Para melhor representação, no

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anexo 1 está inclusa uma ilustração do processo de jointery representado em fractais,

porém de maneira planificada.

Uma inferência consequente da visualização do arranjo a partir deste sistema é

que é justamente a autossemelhança entre as estruturas apresentadas através dos

diferentes níveis que faz com que estes sejam associados ou mesmo acoplados, e

estejam alinhados, de modo que “através de tais alinhamentos, a mudança em um

nível pode resultar em uma mudança ao longo de todo o sistema, e os alinhamentos,

portanto, podem ser um importante mecanismo para a coevolução” (CHETTIPARAMB,

2013, p. 13-14)5. É exatamente neste quesito que a educação/formação de oficiais

emerge como uma variável importante, a qual constituiu sobremaneira mudanças nos

valores compartilhados pelos agentes e dirigentes de cada camada do sistema, isto é,

agindo de forma impactante na cultura organizacional.

Jointery aplicado na formação de oficiais: o caso britânico

Seguindo as discussões sobre a análise com base na teoria da complexidade,

a questão que cabe analisar no processo de jointery é como as mudanças nos

parâmetros e no tipo de processo fomentam uma mudança nos resultados em nível

sistêmico (CHETTIPARAMB, 2013), ou seja, atingindo as demais camadas e vice-

versa. Logo, existe a necessidade de compreender as componentes, suas inter-

relações e tipos de interação dentro do sistema, definindo o todo e as partes de forma

simultânea e coexistente. Trata-se de uma perspectiva em que o eixo vertical, o

processo de jointery, se vê afetado por mudanças em elementos do eixo horizontal, de

modo que por repetição estrutural, as demais camadas são afetadas. Mudanças em

uma componente de qualquer camada, nesta visão, afeta as demais camadas e

suscitam mudanças em elementos pertencentes a outras camadas.

Em termos de aplicação inicial, o processo de jointery no Reino Unido estava

alojado inicialmente como novo modo de guerra em termos operacionais e táticos – a

despeito das operações conjuntas, envolvendo mais de uma força, não constituírem

necessariamente em uma questão contemporânea6 - apresentando maiores

evidências entre 1918 e 1939, dado que as forças armadas britânicas incluíram este

processo no centro de sua doutrina, especialmente após as experiências sôfregas de

Galípoli, fazendo com que “as forças britânicas continuamente endereçassem

5 Tradução nossa. Excerto original: “Through such alignments, change in one level can result

in a change throughout the system, and the alignments can therefore be an important mechanism for co-

evolution” (Chettiparamb, 2013, p. 13-14). 6 As operações conjuntas, em que exércitos possuíam apoio de navios, remontam ao período da

Antiguidade, à época das Talassocracias, de acordo com Vego (2009, cap. V).

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“operações combinadas”, tanto a guerra anfíbia quanto as outras tarefas conjuntas, em

planos de guerra e exercícios” (BEAUMONT, 1993, p.71-72)7. Galípoli não constituiu

apenas na derrota dos Aliados, mas, conforme Griffin (2005), consistiu numa falha

muito grave devido a vicitudes de comando e falta de diretrizes claras e é, por

conseguinte, uma arca de lições aprendidas até os dias atuais. Neste sentido, pode-se

inferir que a partir destas experiências, refletidas em atualizações de doutrina a

princípio, os britânicos deram sustentação ao processo de jointery o qual,

invariavelmente, perpetrou para outras camadas, repetindo-se em contextos de

ocorrência para além dos teatros de operações. Isto refletido em termos de sistema

constituiu tanto no processo de aprendizado organizacional – tendo aqui como

organização primária as próprias forças armadas – e que leva à constituição de um

circuito de retorno no sistema (feedback loop), provocando a mudança organizacional

e afetando as demais camadas (CHETTIPARAMB, 2013; HAYLES, 1990).

O aprendizado consiste em um processo de incorporação, o qual requer

recursos e organização para que possa ocorrer (ESPEJO, 2003). Ademais, no âmbito

das configurações organizacionais, o aprendizado consiste em um processo basilar,

uma vez que o sucesso e/ou a sobrevivência de uma organização, segundo McCarthy

e Gillies (2003) está calcado em três pilares: os processos de aprendizado, adaptação

e inovação. Isto está de sobremaneira em conexão com abordagens organizacionais,

as quais apregoam a formulação da doutrina como condicionante para a mudança

militar, as inovações militares condicionadas ao contexto em que a nação está

(tempos de paz ou de guerra), o aprendizado organizacional como condicionante para

a mudança organizacional ou mesmo o próprio paradigma da agência, em que as

relações entre dirigentes e agentes (comandantes e subordinados) e suas dinâmicas

que garantiriam a tônica das tendências à mudança8. Esta questão também habita no

coração da doutrina conjunta do Reino Unido, de forma que uma breve taxonomia

7 Tradução nossa. Excerto original: “ (...) the British services continually addressed “combined operations”,

both amphibious warfare and other joint undertakings, in war plans and in exercises” (Beaumont, 1993, p.71-72). 8 Tais discussões, provenientes de diversos autores, trazem diversas visões acerca de quais seriam as

fontes para que a mudança militar como mudança organizacional ocorresse, de forma que cada classe de

abordagem inclui uma tônica diferente. Apesar de agregarem em termos de contexto, relações e

interações, superando uma visão mais daltoniana de como organizações, sobretudo militares, se

comportam, tais abordagens não oferecem uma visão estrutural dos processos, de forma que servem

como complementos explicativos e não necessariamente uma visão fechada em si. Para mais

informações, vide: POSEN, B. The sources of military doctrine: France, Britain, and Germany

between the world wars. [s.l.] Cornell University Press, 1986; ROSEN, S. P. Winning the Next War:

Innovation and the Modern Military. Ithaca; London: Cornell University Press, 1991; STULBERG, A. N.;

SALOMONE, M. D.; LONG, A. G. Managing defense transformation: agency, culture and service

change. Aldershot, Hampshire, England ; Burlington, VT: Ashgate, 2007; MURRAY, W. Innovation - Past

and future. In: Military Innovation in the Interwar Period. Cambridge [UK]: Cambridge University Press,

1996; DAVIDSON, J. Lifting the fog of peace: how Americans learned to fight modern war. Ann

Arbor: University of Michigan Press, 2010.

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acerca das forças armadas foi realizada, incluindo os impactos do aprendizado e da

mudança organizacional em nível de tomadas de decisões, implementação de

mudanças e inovação9.

Neste sentido, as primeiras mudanças ocorridas na incorporação do processo

de jointery, tanto a partir da incorporação das lições aprendidas em teatro operacional,

quanto a partir das reformulações da doutrina - trazendo uma nova tradução de

práticas e princípios que direcionam aquelas aos objetivos – foram responsáveis

gradualmente por todo um rearranjo no sistema. Isto a posteriori e em concomitância

com mudanças em elementos de outras camadas – como, por exemplo, as restrições

orçamentárias derivadas de políticas de austeridade econômica – conduziu à mudança

na parte de formação de oficiais e, por sua vez, mais impactos no arranjo como um

todo, fazendo com que novos vinhos fossem colocados em odres novos. De forma

mais específica, duas mudanças principais tomaram lugar configurando a adoção pelo

processo de jointery: uma mudança de uma abordagem orientada às forças singulares

para uma abordagem conjunta a fim de desenvolver e empregar força; e a

transferência de autoridade e poder dos oficiais das forças singulares para o Quartel

General Conjunto Permanente (PJHQ, em inglês)10 e para o Ministério da Defesa,

fazendo com que a parte da educação refletisse tais mudanças (LIBEL, 2016).

Seguindo a esteira destas mudanças, cujos prenúncios datam da década de

80, reformas pedagógicas e educacionais tomaram lugar no Reino Unido, constituindo-

se como catalisadoras de mudanças no pensamento militar e na doutrina britânica,

(LIBEL, 2016) ademais de agregar com maior evidência o papel da educação e da

pesquisa no processo e em sua manutenção, visto que o processo não se encerrava

apenas no âmbito tático e operacional legado ao emprego da força per se nos teatros

de operações.

A materialização das reformas especificamente no que tange a instituição do

ambiente educacional conjunto se deu com a inauguração do Joint Services and

Command Staff College (JSCSC) em 2000, um instituto em que oficiais e

comandantes britânicos iriam complementar a parte de adestramento com a parte de

desenvolvimento acadêmico, estendendo o currículo para além do domínio tático.

Como uma materialização inicial de propostas de mudanças realizadas por equipe

responsável pelo relatório intitulado Defence Training Review (DTR), no âmbito da

racionalização do treinamento para defesa em 1999, a inauguração do instituto foi o

9 Para mais informações e estruturação do documento de doutrina, vide: UNITED KINGDOM. Joint

Doctrine Note 3/11 – Decision-making and Problem solving: Human and Organisational Factors.

Ministry of Defence, 2013. Disponível em: https://www.gov.uk/government/publications/joint-doctrine-note-3-11-decision-making-and-problem-solving-human-and-organisational-factors. Acesso em 13/06/2016. 10

PJHQ: Permanent Joint Headquarters.

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pontapé inicial para a instituição da Defence Academy em 2002, unindo instituições de

formação novas e pré-existentes na região de Shrivenham11 (LIBEL, 2016). Estava

dada a largada para um novo modelo de formação que, ademais de abrir portas para

outro aspecto da profissionalização de oficiais, agregava corpo de civis, tanto

discentes quanto docentes (Libel, 2010), e também oficiais de outros países, iniciando

um novo modelo em que treinamento em termos de adestramento e profissionalização

em termos de aquisição de novas habilidades em prol de consolidar lideranças e

características de alto comando sob um mesmo ambiente, inclusive podendo estender

os benefícios do ambiente conjunto a militares que ainda cursavam o adestramento

nas escolas designadas a cada força singular, aproximando os contatos entre estes,

oficiais, comandantes e civis nos horários vagos entre os cursos, propiciando a

interação entre eles12.

Ademais, no âmbito de esforços e objetivos, os cursos – especialmente o

Advanced Course for Staff and Command (ACSC) - e a própria estrutura presente da

Defence Academy visam não somente formar e oferecer uma perspectiva educacional

centrada na união do que pensar (adestramento) e de como pensar (acadêmica),

como também tornar-se modelo referência para ventilar processos de reformas na

educação profissional militar em âmbito internacional13, o que indica um processo

ambicioso e, em termos organizacionais e sistêmicos, um considerável desafio,

especialmente migrando para o ponto de vista do aprendizado individual e no contexto

que permeia o público atendido.

Além de dificuldades no âmbito da implementação das mudanças

organizacionais que foram base para que a mudança física para o JSCSC ocorresse,

processo que levou cerca de cinco anos entre planejamento e concretização total, a

dificuldade entre conciliar os aspectos acadêmicos com as necessidades de

adestramento dos oficiais é algo presente no dia-a-dia do instituto, especialmente

porque imbuir a capacidade de pensamento crítico típica da formação acadêmica, a

fim de mostrar outras perspectivas à parte dos aspectos táticos, consiste em um

grande desafio per se. Elevar este desafio ao nível internacional ganha outras

11

Os institutos lá reunidos incluem o Royal College of Defence Studies (RCDS), o Joint Services Command and Staff College (JSCSC), contando com o departamento de estudos de defesa do King’s College London e seu respectivo corpo docente, e o Royal Military College of Sciences (RMCS), contando com a escola de defesa e segurança da Cranfield University. 12

Apontamentos de entrevista concedida gentilmente no JSCSC por um oficial do exército britânico, em 08/02/2016, sob condição de anonimato. 13

Para informações mais detalhadas e metodologicamente estruturadas acerca deste objetivo, incluindo os desafios no âmbito dos países doadores, vide documento SIMPSON, H.; SYME‐TAYLOR, V. A Guidance Document for the Provision of Professional Military Education Reform Overseas. Centre

for Military Education Outreach, [s.d.].

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tonalidades, visto que as dificuldades em demonstrar perspectivas de educação

conjunta a outros países que não possuem o processo de jointery implementado em

nível doméstico são consideráveis, ainda mais quando as fricções que podem ocorrer

entre o legado de questões políticas em nível doméstico se inclui como variável,

determinando as relações entre civis e militares em formas deveras peculiares em

relação ao que se aplica pelos britânicos no instituto14.

Logo, em termos de objetivos, tanto para os oficiais e civis britânicos, quanto

para os oficiais oriundos de demais países, o objetivo do processo de jointery

configurado nos termos da formação conjunta no modelo inglês é justamente o de

prover uma visão aplicada e diferenciada do processo de jointery de modo a exportar o

modelo através das mentes que por ali passam, evitando incorrer no que se intitula de

“fire and forget exercise”, isto é, uma intervenção de teor técnico que além de manter o

status quo em nível organizacional inalterado, não atingindo nada em termos de

mudanças, consequentemente não possui nenhum benefício duradouro para nenhuma

das partes envolvidas (SIMPSON e SYME-TAYLOR, [s.d.]).

A questão que fica é justamente qual a relação entre estas mudanças no

elemento integrador da educação, dada na camada da estrutura das forças e que, ao

mesmo tempo, integrou também a camada das organizações de defesa. Convém

elucidar que houveram dois movimentos em termos de melhoria e implementação do

processo de jointery, um se deu de forma no sentido descendente e o outro emergiu

de forma ascendente. A revisão procedimental e gerencial materializada tanto através

de iniciativas institucionais que representaram a realocação do poder para o PJHQ e

os próprios estudos desenvolvidos pelo grupo de estudos na DTR - apontando

recomendações que variavam desde diminuir a quantidade de locais para

desenvolvimento de treinamento e exercícios em virtude de racionalização de custos

até incentivos aos exercícios e treinamentos conjuntos visando ao aprofundamento do

processo de jointery15 - pode ser considerada como tendo efeito descendente, visto

que atingiu primeiramente a camada institucional, posteriormente tendo impactos

diretos nos elementos integradores da camada da estrutura das forças, chegando, por

fim, na camada das operações e exercícios. Na camada institucional, as mudanças se

deram por meio das proposições da DTR, que englobavam basicamente melhoria de

processos na parte de gestão de aquisições, planejamento e alocação de recursos,

14

Apontamentos levantados em entrevista gentilmente concedida pela Dra. Victoria Syme-Taylor, do Departamento de Defesa do King’s College, alocado na Defence Academy, e por Andre Sochaczewski, oficial da Marinha Brasileira em curso no prédio principal do JSCSC, em 17/03/2016. 15

Tendo término de projeto anunciado em 2010, a DTR não conseguiu resolver a questão de unificar os locais de treinamento para um único ponto – St. Athen – a qual ainda segue em pauta para futuro desenvolvimento. Mais informações, vide sítio: https://www.gov.uk/government/news/termination-of-the-defence-training-review . Acesso em 14/06/2016.

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gestão de pessoas, avaliação estratégica como aprendizado, tendo por resultado

aprimoramento na capacidade militar, revisando políticas, estrutura da força e as

operações (REINO UNIDO, 2000). Estas questões tiveram vazão desde a esfera

propositiva até a esfera de concretização e, ao comporem todos os elementos

integradores – missões, capacidade e alcance das operações – em termos de

impactos, as camadas correspondentes à estrutura das forças e de operações e

exercícios também sofreram mudanças.

Porém, em termos de materialização das mudanças nos elementos

integradores na camada de estrutura das forças, especialmente educação, houve um

rearranjo tanto nos elementos integradores da camada inferior – ou seja, a camada

das operações e exercícios – quanto uma readaptação da própria camada da estrutura

das forças, posto que, especificamente no âmbito da Defence Academy, acomodar as

necessidades operacionais e táticas derivadas de treinamento, agregando a parte

acadêmica e profissional, é um desafio que ainda se faz presente e também

demonstra uma responsividade em termos de sistema, podendo ser determinado

pelos circuitos de retorno mencionados anteriormente.

Os circuitos de retorno basicamente ilustram a capacidade de aprendizado

organizacional institucional, aqui neste caso, ilustrando as adaptações e todo o

rearranjo que permeia os elementos integradores de cada camada que envolve o

processo de jointery. Nestes termos, é possível inferir que o movimento de

reacomodação dos elementos integradores em cada camada ademais de constituir

este sistema em um sistema adaptativo complexo (CAS, em inglês) em questão de

comportamento e mesmo de objetivos, visto que a busca por excelência e ajustes é

uma questão delineada no horizonte de metas do JSCSC e da Defence Academy

como um todo16. Adicionalmente, é possível igualmente inferir que, segundo o

paradigma do aprendizado organizacional oriundo das Teorias de Organização, tais

instituições mostraram-se capazes de cumprir um ciclo de aprendizado organizacional.

16

Na mesma entrevista mencionada anteriormente, a Dra. Syme-Taylor indicou que atingir o equilíbrio aproveitar a oportunidade única de reunir mais perspectivas diferentes sobre jointery, repassar estas experiências britânicas e dar conta de um extenso currículo é uma questão na qual os desafios se encontram.

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Figura 3 - Mudanças no sistema em sentido Figura 4 - Mudanças no sistema em sentido descendente ascendente

Elaboração: PESSOA, T.S. (2016)

As figuras 2 e 3, além de ilustrarem as mudanças mencionadas em termos de

sentido de impacto, se analisadas conjuntamente, ilustram o circuito de retorno a partir

do aprendizado organizacional demarcado pelas mudanças implementadas e suas

adaptações, tornando o sistema ademais de fractal em complexo. Fractal devido às

estruturas de elementos integradores apresentarem similaridades entre as diferentes

camadas de ocorrência do processo. Complexo, pois o sistema não constitui algo

fechado ou estático, mas está aberto aos circuitos de retorno - constituídos aqui no

aprendizado – de forma que o sistema em que o processo de jointery está inserido

possui características de auto-organização e evolução mediante reorganização dos

elementos que o compõem nas diversas camadas. Logo, em termos da formação de

oficiais, as mudanças realizadas no sentido de expor militares de variadas patentes ao

ambiente de formação conjunta e, posteriormente, expô-los à formação conjunta per

se constituiu em um grupo de ações que impactaram a estrutura do sistema como um

todo, e, ao mesmo tempo, imbuíram à camada diretamente afetada todo um rearranjo

para que a organização, ante a realocação de recursos e a busca por eficiência em

termos de operações em campo – prescritas na DTR - pudesse sobreviver às novas

demandas provenientes do decorrer do tempo.

Readaptação dos exercícios e operações (op. conjuntas)

Necessidade de mudanças na educação profissional e equilíbrio com treinamento

Institucionalização de departamentos reguladores para revisão e controle de mudanças organizacionais

DTR e propostas institucionais -instituição do jointery

Mudanças na camada de estruturação das forças - aplicação do jointery em

nível estratégico e operacional

Mudanças na camada de operações e exercícios - aplicação do jointery em

nível tático

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Contribuições para o Brasil

O Brasil está se encaminhando em termos de reestruturação institucional na

área da defesa para novos horizontes. Iniciativas que se encontram em andamento ou

já tiveram início são a reforma gradual do Ministério da Defesa, a implantação do

Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), a própria publicação do MD-30

- Doutrina de Operações Conjuntas – a Comissão Interescolar para a Doutrina de

Operações Conjuntas (CIDOC), a qual contou com a participação do Comando do

Desenvolvimento Doutrinário do Corpo de Fuzileiros Navais (CDDCFN) a partir de

2014, bem como os próprios intercâmbios promovidos para que oficiais de outros

países conheçam a realidade brasileira em termos de forças armadas e vice-versa,

agregando novas perspectivas para o futuro em nível doméstico (PESSOA e

FREITAS, 2015).

Ou seja, o processo de jointery está em vias de tomar forma no Brasil, seja

através de estudos que se encontram em andamento tanto em instituições militares

quanto em instituições civis, seja através do âmbito institucional conforme mencionado

anteriormente. No entanto, o Estado brasileiro apresenta peculiaridades, como suas

tentativas de encontrar posições como um player em nível global bem como alterar

suas próprias percepções sobre sua atual posição. Outro ponto a agregar é

justamente o fato de o Brasil não se encontrar em coalizões na mesma escala e

âmbito da OTAN, tanto pela ausência de tal coalizão na região da América do Sul,

quanto pela falta de necessidade específica para que uma coalizão destas seja

mantida aqui com os mesmos objetivos. Desta forma, as percepções de capacidades

e desafios a serem superados no âmbito do processo de jointery a fim de se instalar

um modelo por aqui são completamente distintas das percepções britânicas, por

exemplo17.

Adicionalmente, é possível inferir que os esforços para a instituição de um

modelo brasileiro de jointery encontram-se desconectados no sentido de que as

mudanças aqui implementadas não se encontram ordenadas de uma maneira

sistematicamente representável, de forma que os esforços de estudos, apontamentos

e mesmo a publicação da doutrina de operações conjuntas não estão compondo um

processo que interconecte as diferentes camadas em que este se projetaria e isso

provavelmente é possível justamente pela forma não processual em que o modelo

conjunto seria observado no Estado brasileiro: algo mais restrito ao âmbito operacional

17

Mesma entrevista mencionada anteriormente, concedida pelo oficial da Marinha do Brasil, André Sochaczewski.

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e tático e passível de concretização tão somente em operações e exercícios em uma

base ad hoc conforme doutrina (BRASIL, 2011).

Então é possível que os ganhos de se visualizar em modelos consolidados de

forma holística e sistêmica sejam justamente os de poder visualizar com mais detalhes

as dinâmicas estruturais que originaram e sustentam o processo de jointery a fim de

compreender quais seriam os passos a serem dados para instaurá-lo com sucesso no

estado brasileiro, conferindo potencial analítico em termos de estrutura.

Ou seja, a opção pela abordagem da teoria complexa e da estruturação de

jointery como um processo e não um arranjo conceitual traz uma visão no âmbito das

dinâmicas entre componentes que são comumente isoladas nos estudos de teoria

organizacional e que tão pouco estavam contempladas de forma mais analítica em

termos de visão teórica. Logo, o uso da teoria complexa em uma busca sobre

parâmetros gerais de processos aplicados a organizações é uma possibilidade de

iluminar pontos obscuros em torno do desenrolar de iniciativas brasileiras que

aparentemente carecem de acoplamento estrutural em torno de um processo único.

Apesar disso, como nenhuma abordagem teórica em seu exercício de

abstração é passível de ser completa ou totalmente verdadeira, a teoria complexa

demonstra suas limitações ao prescindir da estrutura de estudos de caso –

comparados ou não - para sua aplicação e, por conseguinte, em considerável

quantidade de informações e levantamentos específicos a respeito do objeto de

estudos analisado, esforço que nem sempre é passível de concretização e configura

um ponto fraco desta abordagem. Conforme Chettiparamb (2013), a configuração da

abordagem em sistemas, pelo fato de não conter categorias disciplinares ou

funcionais, não produz conhecimento ou hipóteses testáveis per se, no entanto seu

potencial está justamente no de estruturar meios de reinterpretar o conhecimento,

gerando outras agendas de pesquisa em combinação com teorias disciplinares.

Portanto, em termos de estruturação de conhecimento, a teoria complexa oferece

ganhos analíticos e visões diversificadas, a despeito de prescindir de complementos

disciplinares, oferecendo tanto uma abordagem alternativa para a análise dos desafios

institucionais brasileiros no âmbito da defesa, quanto novos ares para os estudos

estratégicos, despontando novamente os caminhos para que a Gestão de Defesa se

consolide em terreno acadêmico brasileiro.

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Considerações Finais

O presente artigo visou basicamente explicitar como se configura o processo

de jointery a partir de uma visão sistêmica, utilizando como aporte a teoria complexa

por meio do sistema de fractais, os quais derivam da geometria Euclidiana e serviram

para ilustrar elementos que basicamente podem ser encontrados em diferentes

camadas em que o processo ocorre, isto é, desde as operações e exercícios, sob a

nomenclatura de operações conjuntas e/ou combinadas, até as estruturas das forças e

as instituições de Defesa.

Apresentou-se o caso inglês e brevemente como a dinâmica de adoção do

processo de jointery se deu através de mudanças de elementos integradores de

camadas distintas, afetando o sistema como um todo e configurando o aprendizado

organizacional no modelo adotado pelo Reino Unido, tendo como um dos produtos um

novo paradigma na formação de oficiais materializado na Defence Academy.

Em conjunto à análise deste caso, mostrou-se as potencialidades da análise a

partir da teoria complexa, a qual oferece uma visão mais concernente à holística e

uma opção de estruturação não muito comumente aplicada a estudos mais afeitos às

ciências sociais. Aplicada em estudos de caso – o que exige levantamento de

materiais em quantidade e qualidade consideráveis - a teoria complexa e o sistema de

fractais possibilitam ao analista a oportunidade de verificar interrelações dadas a partir

de mais de uma variável do sistema, algo que abordagens não sistêmicas não o

conseguem. No entanto, como não produz hipóteses ou conhecimento, o ganho

permitido por esta abordagem deve ser concebido como estrutural e complementar a

abordagens mais disciplinares.

Tanto a aplicação da teoria complexa como o estudo do processo de jointery

podem apontar direções gerais sobre quais são os desafios em termos de gestão a

serem superados pelo Estado brasileiro sendo que um deles já seria o de justamente

homogeneizar e tentar captar à luz das experiências e conhecimento produzido o que

e para que aplicaríamos o processo de jointery no contexto particular que o Estado

encontra-se inserido, a fim de ser possível se instaurar uma visão sistêmica do

processo e os elementos que os integram em sua totalidade. Convém evitar uma visão

daltoniana, visto que por se tratar de um processo e não um conceito apenas, a

organicidade se dá de maneira transcendente e não encerrada em si.

Ademais, a teoria complexa consiste em um esforço de análise que também

possui o potencial de trazer luz aos estudos de gestão de forma mais aplicada à

defesa – iniciativa pouco evidente quantitativamente no Brasil a despeito de sua

aplicabilidade – inserindo os estudos estratégicos brasileiros em um movimento mais

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aprofundado e frutífero de interdisciplinaridade e, quiçá, de aplicação de teorias na

prática.

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Anexo 1 - Estrutura de Jointery em fractais

PESSOA, T.S., 2016. Elaborado com base em: CHETTIPARAMB, A. Fractal Spaces for Planning and Governance. The Town Planning Review, v. 76, n. 3, p.

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