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  • 7/22/2019 rea de Proteo Permanente

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    REAS DE PRESERVAO PERMANENTE

    1. A proteo do meio ambiente na Constituio Federal

    Nenhum tema no mbito jurdico pode ser analisado isoladamente, j que aexegese de uma norma pressupe interpretar o sistema jurdico em suatotalidade.2

    O ordenamento jurdico composto por um conglomerado de normas que seinterligam hierarquicamente, tal qual uma pirmide. A Constituio Federal se

    localiza no topo da pirmide hierrquica das normas jurdicas, irradiando suasupremacia de modo a sujeitar as normas infraconstitucionais anteriores eposteriores aos seus princpios e comandos, sejam elas de ordem civil,urbanstica, administrativa, ambiental, penal, de natureza pblica ou privada3.Uma vez estando no sistema jurdico vigente, as normas relativas a todos osramos jurdicos no podem ser aplicadas sem levar em conta as normasambientais impregnadas pela ideologia constitucional4.

    2Interpretar o direito realizar uma sistematizao daquilo que aparece como fragmentrio e isolado. (...)Qualquer norma apenas se esclarece na totalidade das regras, dos valores e, sobretudo, dos princpiosjurdicos. Isolada, por mais clareza que aparente ter seu enunciado, torna-se obscura e ininteligvel. Nestequadro, o intrprete deve descobrir o sentido do sistema (...) Ou a interpretao jurdica sistemtica ou no interpretao. FREITAS, Juarez.A interpretao sistemtica do direito. So Paulo: Malheiros, 2004, p.19-23.3O Direito privado e o Direito pblico (...) precisam encontrar os seus fundamentos mais profundos no bojoda Constituio, uma vez que, a rigor, implcita ou explicitamente, qualquer seara deve ser vista como camponobre de incidncia e de concretizao das regras e princpios constitucionais. Dito de outro modo, todo equalquer ramo do Direito mostra-se (...) um campo de incidncia da Constituio e, bem por isso, restouafirmado que, em determinado aspecto, toda interpretao sistemtica tambm interpretaoconstitucional. FREITAS, Juarez. A interpretao sistemtica do direito. So Paulo: Malheiros, 2004,

    p.227. Ver tambm: CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Constituio dirigente e vinculao do legislador.Coimbra: Limitada, 1994.4Paulo Jos Leite Farias refere que a ideologia adotada na Constituio Federal de 1988 permite que se faleem Estado de Direito Ambiental, o que impregna todas as normas que se relacionam com o vasto leque dodomnio normativo da expresso ambiente. FARIAS, Paulo Jos Leite. Competncia federativa e proteoambiental. Porto Alegre: Fabris, 1999, p.226.Alm da consagrao da necessidade de preservao ambiental no texto constitucional, com advento da Lein. 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que regulamentou os arts. 182 e 183 da Constituio Federal, a temticaambiental tornou-se obrigatria na fixao das exigncias fundamentais de ordenao da cidade. A ttuloexemplificativo, tomem-se as seguintes diretrizes gerais mencionadas no estatuto: suas normas, de ordempblica e interesse social, regulam o uso da propriedade urbana em prol do equilbrio ambiental (art. 1o, par.nico); a poltica urbana deve garantir o direito a cidades sustentveis, que pressupe o saneamentoambiental (art. 2o, inc. I); o planejamento urbano deve evitar e corrigir as distores do crescimento urbano e

    seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (art. 2o

    , inc.IV); a poltica urbana deve promover a proteo,preservao e recuperao do meio ambiente natural e construdo, inclusive o cultural (art. 2o, inc. XII); apoltica urbana deve ouvir a populao nos processos de implantao de empreendimentos ou atividades com

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    A ordem constitucional consubstanciada na Carta Magna de 1988 consagrou a

    proteo ambiental em dispositivos esparsos5e em captulo especfico intituladoDo Meio Ambiente6.

    Do estudo sistemtico das normas constitucionais extraem-se os princpiosrelativos ao meio ambiente natural e urbano que, por estarem inseridos naConstituio Federal, serviro de diretrizes a todo o ordenamento jurdico: osprincpios da supremacia do interesse pblico na proteo do ambiente em facedos interesses privados, do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, da obrigatoriedade da interveno estatal para preservao erecuperao do ambiente, da preveno, da precauo, da responsabilizaopelo dano ambiental, do desenvolvimento sustentvel.Os princpiosconstitucionais so verdadeiros vetores reguladores da legislao, o que fazressaltar que a violao de um princpio acarreta a quebra de todo o ordenamento

    jurdico vigente7.

    1.1. Princpios constitucionais ambientais

    A Constituio Federal de 1988 elevou o direito ao meio ambiente equilibrado categoria de direito fundamental8, ao caracterizar o equilbrio ecolgico como bemessencial sadia qualidade de vida. Ingo Sarlet aduz que esse direito no estelencado no rol dos direitos fundamentais individuaisdo art. 5 da CF, e sim noart. 2259, por tratar-se de um direito fundamental definido como tpico direito

    efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construdo (art. 2o

    , inc. XIII); naregularizao fundiria e urbanizao de favelas, a poltica urbana dever considerar as normas ambientais(art. 2o, inc. XIV); a ordenao do solo das cidades deve coibir o parcelamento do solo, a edificao ou o usoexcessivos ou inadequados em relao infra-estrutura urbana, e evitar a poluio e a degradao ambiental(art. 2o, inc. VI, ce g). Diante das diretrizes para a poltica urbana estabelecidas no Estatuto da Cidade,no se pode vislumbrar uma aplicao estrita das leis de parcelamento do solo urbano, sem estarem emconsonncia com a legislao de tutela ao meio ambiente.5Arts. 5, LXXIII, 170, VI, 173, 5, da CF.6Art. 225 Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo eessencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo epreserv-lo para as presentes e futuras geraes.7Violar um princpio muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.[...] a mais grave forma deilegalidade ou de inconstitucionalidade conforme o escalo do princpios atingido, porque representa

    insurgncia contra todo o sistema, subverso de seus valores fundamentais, contumlia irremissvel a seuarcabouo lgico e corroso de sua estrutura mestra. MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de direitoadministrativo. So Paulo: Malheiros, 1996, p. 546.8O termo direito fundamental se aplica queles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esferado direito constitucional.9Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo eessencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo epreserv- lo para as presentes e futuras geraes. 1 - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Pblico:I - preservar e restaurar os processos ecolgicos essenciais e prover o manejo ecolgico das espcies eecossistemas;II - preservar a diversidade e a integridade do patrimnio gentico do Pas e fiscalizar as entidadesdedicadas pesquisa e manipulao de material gentico;

    III - definir, em todas as unidades da Federao, espaos territoriais e seus componentes a seremespecialmente protegidos, sendo a alterao e a supresso permitidas somente atravs de lei, vedadaqualquer utilizao que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteo;

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    difuso, inobstante tambm tenha por objetivo o resguardo de uma existnciadigna do ser humano, na sua dimenso individual e social. Este direito integra aterceira gerao de direitos fundamentais, cuja nota distintiva reside basicamentena sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminvel e na

    necessidade de solidariedade para sua efetivao10

    .

    Como norma de carter teleolgico, o art. 225 da Constituio Federal impeuma orientao de todo o ordenamento infraconstitucional, ficandopatenteado o reconhecimento do direito-dever ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, a obrigao dos Poderes Pblicos e da coletividade de defend-lo epreserv-lo e a previso de sanes para as condutas ou atividades lesivas. Apreservao do ambiente passa a ser, portanto, a base em que se assenta apoltica econmica e social do pas.

    Nesse contexto, o desenvolvimento das cidades e o adensamento demogrfico

    no podem descuidar da necessidade de preservao ambiental (aquicompreendida toda a extenso do conceito de meio ambiente), para garantir sadiaqualidade de vida populao.

    O princpio do desenvolvimento sustentvel tambm est agasalhado pelo art.225, caput, da Constituio Federal, donde se extrai que o desenvolvimento podee deve se dar, desde que haja uma gesto racional dos recursos naturais demodo a no compromet-los, preservando-os para as geraes presentes efuturas11.

    IV - exigir, na forma da lei, para instalao de obra ou atividade potencialmente causadora de significativadegradao do meio ambiente, estudo prvio de impacto ambiental, a que se dar publicidade;V - controlar a produo, a comercializao e o emprego de tcnicas, mtodos e substncias que comportemrisco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;VI - promover a educao ambiental em todos os nveis de ensino e a conscientizao pblica para apreservao do meio ambiente;VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as prticas que coloquem em risco sua funoecolgica, provoquem a extino de espcies ou submetam os animais a crueldade. 2 - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, deacordo com soluo tcnica exigida pelo rgo pblico competente, na forma da lei. 3 - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitaro os infratores, pessoasfsicas ou jurdicas, a sanes penais e administrativas, independentemente da obrigao de reparar osdanos causados.

    4 (...) 5 (...) 6 (...)10 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,1998, p. 31, 51 e 123. Tambm no sentido de que o art. 225 da CF acolhe um direito fundamental:BENJAMIN, Antnio Hermann. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental,So Paulo, v.9, p.12, jan./mar 1998. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. Rio de Janeiro: LumenJuris, 1996, p. 22. SILVA, Jos Afonso da. Direito ambiental constitucional. So Paulo: Malheiros, 1997,p.36.11O desenvolvimento sustentvel foi divulgado primeiramente como um princpio para o planejamento dodesenvolvimento econmico pela WCED (World Commission on Environment and Development), emdocumento sobre estratgias mundiais do desenvolvimento para conservao do ambiente, tendo trs grandesobjetivos: a manuteno dos processos ecolgicos e dos sistemas vitais para a humanidade, a preservao dabiodiversidade e a garantia do uso sustentvel das espcies e dos ecossistemas. No relatrio Nosso FuturoComum, que ficou conhecido como Relatrio ou Informe Brundtland um estudo de alternativas para o

    desenvolvimento e o meio ambiente, elaborado pela Comisso de Meio Ambiente e Desenvolvimento daONU, presidida pela ex-primeira ministra da Noruega (cujo nome foi adotado como ttulo do relatrio) ,encontra-se a seguinte definio: o desenvolvimento sustentvel pretende satisfazer as necessidades do

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    De acordo com a diretriz imposta pela Constituio Federal, o Estado, a

    sociedade, o particular empresa ou indivduo , s podem construir, empreenderou exercer atividade de modo que sejam evitados impactos ambientais que

    prejudiquem o ecossistema e a biodiversidade e, por conseqncia, a qualidadede vida da populao12.

    O desenvolvimento econmico do Estado Brasileiro subentende umaquecimento da atividade econmica dentro de uma poltica de uso sustentveldos recursos naturais, objetivando um aumento de qualidade de vida que no sereduz somente a um aumento do poder de consumo. Desenvolvimento econmico garantia de condies de vida mais saudveis. O grau de desenvolvimento deum pas aferido sobretudo pelas condies de que dispe uma populao parao seu bem-estar, o que pressupe um meio ambiente saudvel e equilibrado13.

    No dizer de dis Milar, falso o dilema desenvolvimento x meio ambiente, namedida em que, sendo um fonte de recursos para o outro, devem harmonizar-se e

    presente sem comprometer os recursos equivalentes de que faro uso no futuro outras geraes.COMISSO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO.Nosso futuro comum.Riode Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1991.Os criadores da expresso desenvolvimento sustentvel partem da constatao de que os recursos naturais soesgotveis, mas que o crescimento constante da economia necessrio para expandir-se o bem-estar pelomundo. As razes da expresso desenvolvimento sustentvel esto na constatao da impossibilidade decontinuidade do desenvolvimento econmico nos moldes at ento apreendidos, por causarem um acelerado

    e, muitas vezes, irreversvel declnio dos recursos naturais. Considerando que sustentabilidade condionecessria para o desenvolvimento econmico, o capital natural deve, no mnimo, ser mantido constanteenquanto a economia possa cumprir os objetivos da satisfao social. Desenvolvimento sustentvel implica,ento, no ideal de um desenvolvimento harmnico da economia e ecologia que devem ser ajustados numacorrelao de valores onde o mximo econmico reflita igualmente um mximo ecolgico. Na tentativa deconciliar a limitao dos recursos naturais com o limitado crescimento econmico, so condicionadas consecuo do desenvolvimento sustentvel mudanas no estado da tcnica e na organizao social.Durante os anos 70, fraes do pensamento ecolgico defendiam a adoo de uma austeridade voluntria nosnveis de consumo, como forma de conter a insaciabilidade das necessidades individuais nas sociedadesmodernas. A idia de se consumir menos e melhor no obteve ressonncia, mesmo referenciada oucomplementada por um significativo conjunto de estudos crticos sobre o consumo. A proposta de auto-limitao soa como uma penria forada ou uma privao das liberdades individuais. No parece haver hojedisposio para uma vida mais moderada. Contribui tambm para esse insucesso o fato de que, nas

    sociedades modernas, as pessoas j no definem livremente suas necessidades, havendo interferncias oupresses de vrias ordens, como a propaganda, a vigncia de certos padres de consumo e comportamento,etc. A expanso de um modelo de desenvolvimento mundial refora a presso sobre os recursos naturais.Estamos muito longe de nos preocuparmos apenas com o comer, o vestir e o ter onde morar, embora milhesde indivduos nem isso tenham assegurado. Nesse contexto social, a idia de desenvolvimento sustentvelprocura ajustar a prtica econmica mundial de desenvolvimento econmico com o uso equilibrado dosrecursos naturais.12RIBEIRO, Ana Cndida de Paula; CAMPOS, Arruda. O desenvolvimento sustentvel como diretriz daatividade econmica.Revista de Direito Ambiental,So Paulo, v.26, p.81, abr./jun. 2002.13Roberto Giansanti esclarece a diferena entre crescimento econmico e desenvolvimento econmico: Ocrescimento econmico remete ao aumento da capacidade produtiva de economia, portanto da produo debens e servios de um determinado pas ou setor.Vincula-se fundamentalmente ao campo econmico. J odesenvolvimento econmico leva em conta os fatores de crescimento econmico acompanhados pela

    melhoria dos padres de vida de uma populao. Nessa expectativa, consideram-se tambm as repercussessociais desse processo, como urbanizao, saneamento, alfabetizao e meio ambiente sadio. GIANSANTI,Roberto. O desafio do desenvolvimento sustentvel. So Paulo: Atual, 1998.

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    complementar-se14. Nessa linha, uma poltica de gesto urbana e ambiental podepermitir o desenvolvimento ecologicamente correto, ou, pelo menos, semcomprometer os recursos naturais necessrios para esta e para as prximasgeraes.

    As discusses mundiais acerca do desenvolvimento sustentvel fizeramdesencadear a discusso das atividades e empreendimentos que causamimpacto ambiental e precisavam ser avaliadas, controladas, mitigadas,compensadas e monitoradas, a fim de que a qualidade de vida no meio ambienteurbano possa melhorar. Assim que passaram a ter maior relevncia asocupaes desordenadas do solo e os problemas urbanos passaram a ser vistoscomo problemas ambientais15. Inseridos nesta discusso esto as ocupaesirregulares do solo urbano, em especial nas reas de preservao permanente,porquanto o desenvolvimento urbano sustentvel das cidades deve,necessariamente, respeitar os limites ecolgicos do meio.

    A ordem econmica brasileira adota o modelo capitalista e dentre os princpiosque a informam, arrolados no art. 170 da Constituio Federal, figuram o dadefesa do meio ambiente (inc. VI), da propriedade privada (inc. II), da funosocial da propriedade (inc. III) e da livre concorrncia (inc. IV), reforados peloprincpio da livre explorao econmica, inserido no pargrafo nico domencionado artigo. Estando no mesmo plano os princpios do meio ambienteecologicamente equilibrado, do desenvolvimento sustentvel e os princpios daordem econmica, devem ser integrados num horizonte plural, porque, comoadverte Eros Roberto Grau, no se interpreta a Constituio em tiras, aospedaos16. O ordenamento jurdico deve ser sempre compreendido em seuconjunto e no por cada norma ou preceito isoladamente. nessa esteira que senota o inter-relacionamento do art. 225 (que trata do meio ambiente) com o art.170 (que trata da ordem econmica) e o art. 193 (referente ordem social), emconformidade com os princpios fundamentais inscritos nos arts. 1oe 3o, todos daConstituio Federal17.

    14MILAR, dis.Direito do ambiente. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.36.15PRESTES, Vansca Buzelato. A necessidade de compatibilizao das licenas ambiental e urbanstica noprocesso da municipalizao do licenciamento ambiental. Revista de Direito Ambiental, So Paulo, v. 34,

    p.91, abr./jun. 2004.16GRAU, Eros Roberto. A ordem econmica na Constituio de 1998. So Paulo: Malheiros, 2001, p. 189-190.17Art. 1o A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e doDistrito Federal, constitui-se em estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos:I a soberania;II a cidadania;III a dignidade da pessoa humana;IV os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V o pluralismo poltico.Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil:I construir uma sociedade livre, justa e solidria;II garantir o desenvolvimento nacional;

    III erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdade sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outrasformas de discriminao.

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    Cristiane Derani18 preleciona que a disposio constitucional sobre o meio

    ambiente, que trata de sua proteo e limites de sua apropriao, tem objetivoque no difere, fundamentalmente, daquele previsto no art. 170, pois o direito ao

    meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial sadia qualidade de vida, um dos elementos que compe a dignidade da existncia, princpio-essnciaapresentado no art.170.

    Uma vez que o desenvolvimento econmico previsto pela norma constitucionaldeve incluir o uso sustentvel dos recursos naturais (corolrio do princpio dadefesa do meio ambiente, art. 170, VI; bem como dedutvel da norma expressa doart. 225, IV), impossvel propugnar-se por uma poltica unicamente monetaristae desenvolvimentista sem que isso venha a colidir com os princpiosconstitucionais que regem a ordem econmica e os que dispem sobre a defesado meio ambiente.

    O uso sustentvel de recursos naturais renovveis e o tratamento adequado derecursos naturais no renovveis voltados efetiva melhoria de vida dapopulao so exemplos de indicadores que contribuem aferio dodesenvolvimento propugnado pela ordem econmica constitucionalmenteassegurada. Ivan Lira de Carvalho diz, com propriedade, que comprometida coma existncia digna das pessoas, no pode a ordem constitucional conduzir aatividade produtiva para caminhos que impliquem diminuio da qualidade de vidada populao, por meio de prticas poluidoras ou agressoras do meioambiente19.

    No processo de apropriao de recursos naturais, a atividade econmica sser protegida pelo direito se seu contedo frutificar o preenchimento do direitofundamental da coletividade ao meio ambiente equilibrado, respondendo, assim,essa apropriao, funo scio-ambiental da propriedade.

    Cuida a ordem econmica constitucional da manuteno do equilbrio global daeconomia. Havendo perturbao nesse equilbrio, deve intervir o Estado

    Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fimassegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes

    princpios:I soberania nacional;II propriedade privada;III funo social da propriedade;IV livre concorrncia;V defesa do consumidor;VI defesa do meio ambiente;VII reduo das desigualdades regionais e sociais;VIII- busca do pleno emprego;Pargrafo nico. assegurado a todos o livre exerccio de qualquer atividade econmica,independentemente de autorizao de rgos pblicos, salvo nos casos previstos em lei.Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiasociais.18

    DERANI, Cristiane.Direito ambiental econmico.So Paulo: Max Limonad, 2001, p. 252.19CARVALHO, Ivan Lira de. A empresa e o meio ambiente. Revista de Direito Ambiental,So Paulo, v.13,jan./mar. 1999.

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    impondo as correes necessrias dentro de um direcionamento global, mesmoque para isso os princpios da livre iniciativa e concorrncia acabem sendorelativizados.

    Em seus comentrios acerca da interveno do estado no domnio econmico,assinala Hely Lopes Meirelles20 que os Estados sociais-liberais, como o nosso,conquanto reconheam e assegurem a propriedade privada, a liberdade e a livreiniciativa, condicionam o uso destas e o exerccio da atividade econmica aobem-estar social. Para o uso e gozo de bens particulares, o Poder Pblico impenormas e limites, e, quando o interesse pblico o exige, intervm na propriedadeprivada e na ordem econmica, atravs de atos de imprio tendentes a satisfazeras exigncias coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa particular.Na ordem econmica, o Estado intervm para coibir excessos da iniciativa privadae evitar que desatenda s suas finalidades, ou para realizar o desenvolvimentonacional e a justia social. Essa interveno, contudo, no se faz arbitrariamente;

    instituda por normas gerais na Constituio e regulada por leis federais quedisciplinam as medidas interventivas e estabelecem o modo e a forma e suaexecuo, sempre condicionada ao atendimento do interesse pblico e aorespeito aos direitos garantidos pela Constituio. Esse condicionamento daliberdade e da propriedade dos administrados aos interesses pblicos e sociais alcanado via poder de polcia estatal. A interveno estatal, portanto, no destria liberdade da explorao econmica, mas probe ou regulamenta os usos eabusos que a deturpam, de modo a assegurar os demais direitosconstitucionalmente protegidos.

    O contedo dos princpios da ordem econmica inscritos no art. 170 da CF e asua verificao, na realidade, revelam-se basilares para a consecuo do valormximo da ordem econmica: assegurar a todos a existncia digna princpiofundamental do Estado Brasileiro. de se destacar que os princpios-base dapropriedade privada, da funo scio-ambiental da propriedade e da livreiniciativa, desdobram-se tambm como direitos fundamentais, do mesmo modoque o princpio da defesa do meio ambiente est inserido no direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado. Tais princpios s se podem realizar dentroda conformidade com os preceitos fundamentais da CF se estiverem dentro deuma perspectiva de realizao do princpio da dignidade humana.21

    20

    MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro.So Paulo: Malheiros, 1994, p. 494, 555 e596.21Jacques Alfonsin aduz que a dignidade da pessoa humana um valor que tem sido afastado de cogitaona interpretao da funo social da propriedade, porque ela transpira valores ticos e psicolgicos, entre osquais a solidariedade, para a qual o direito de propriedade privada nunca mostrou afinidade. A culturaocidental acentua e reclama mais a defesa da propriedade privada, a pretexto de que ela a verdadeiragarantia da liberdade (liberdade de iniciativa identificada com liberdade econmica de mercado), do que oacesso de todos a bens indispensveis vida como o caso da terra para moradia. No vis patrimonialista(segurana e liberdade de mercado), cercado de valores histrico-culturais de interpretao do direito depropriedade, predomina a idia privatista, associando-se a impossibilidade de questionamento do tamanho, daintensidade, do modo de exerccio desse poder do proprietrio ao fato de ele ter pago pelo direito. O direitode propriedade privada urbano, na forma anti-social como ele exercido sobre grandes extenses de reassituadas nas cidades (como se poder de compra equivalesse ao estabelecimento de um poder absoluto), o

    principal responsvel pela falta de espao fsico para o exerccio de direitos humanos fundamentais de no-proprietrios, como o da moradia, e justamente o cumprimento da funo social desse direito que tem de sercobrado. O contingente dos muitos sujeitos da violao da funo social da propriedade, por sua condio de

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    O art. 170 da CF impe a quem procede explorao de atividade econmica

    o dever de exercer o seu direito de liberdade, livre iniciativa e livre concorrnciaem conformidade com os interesses sociais; se no o fizer, o seu direito ser

    ilegtimo. Para que se proceda explorao de atividade ou empreendimento,deve-se respeitar as normas constitucionais e infraconstitucionais. livre ainiciativa, mas, para isto, deve-se cumprir com as obrigaes e restriesadministrativas pertinentes rea de atuao. O no-atendimento das normas eprincpios pelo explorador da atividade ou empreendimento afasta o pretendidodireito lquido e certo de continu-los sem as providncias que foremdeterminadas pelas autoridades responsveis.

    Na hiptese, por exemplo, de a implementao de um loteamento causardegradao ambiental ao destruir rea de preservao permanente, devem osrgos competentes exigir a correo dessas externalidades negativas. No

    haveria, destarte, violao dos princpios da liberdade, da propriedade, da livreiniciativa ou da livre concorrncia, mas sim uma imposio de correo deexternalidade negativa visando a assegurar os princpios da dignidade humana edo bem comum, compatibilizando os princpios fundamentais previstos nos arts.1o, 3o, 5o, 170 e 225 da CF e permitindo a continuao do empreendimento dentroda perspectiva de sustentabilidade do desenvolvimento.

    O desenvolvimento econmico, fundado na liberdade e na livre iniciativa, deveocorrer tendo como fundamentos a sustentabilidade das cidades, a proteo domeio ambiente, o bem comum e a dignidade humana, respeitando as normas eprincpios constitucionais e infraconstitucionais. O Estado, por seu turno, comoagente regulador e normatizador de todo o sistema econmico, deve atuar nadefesa dos interesses coletivos para promover a dignidade humana e o bem estarsocial, podendo, para tanto, condicionar e regulamentar o exerccio de atividadese empreendimentos particulares que afetem a comunidade, corrigindo asexternalidades negativas.

    Inspirada nos princpios constitucionais ambientais, a concepo solidria dapropriedade, que se ope propriedade individualista, foi incorporada no texto doNovo Cdigo Civil, cujo art. 1228, 1, determina que o direito de propriedadedeve ser exercido em consonncia com as finalidades econmicas e sociais e de

    modo que sejam preservados a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilbrio

    pobreza ou misria, somente consegue garantir o seu direito de morar nas cidades fora dos lugares tido comolegais. Nesse contexto, a funo social do direito de propriedade somente alcana alguma chance deeficcia se a capacidade de gozo (capacidade para ser sujeito de direitos e obrigaes) no tiver poder deinviabilizar, com a capacidade de exerccio, qualquer possibilidade de espao para quem no titulepropriedade imobiliria. Se o direito adquirido sobre o espao urbano for confundido apenas com a friamatrcula do registro de imveis, nem a Constituio Federal, nem o Estatuto da Cidade e nem o novoCdigo Civil alcanaro qualquer efeito concreto e prtico em favor da diminuio das injustias sociais quemarcam o solo das cidades. Enquanto no se interpretar o direito adquirido como no necessariamentesinnimo de direito conservado, vai-se continuar remando do mesmo e gasto lado do barco, sem sair do

    lugar. [...] o direito de propriedade privada urbana que descumpre sua funo social pode ser questionado nos no plano da sua validade e eficcia, como no prprio plano da sua prpria existncia. ALFONSIN, Afuno social.,p.27-36.

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    ecolgico, o patrimnio ecolgico, histrico ou artstico, bem como evitada apoluio do ar e das guas, de acordo com o estabelecido em lei especial.

    A concretizao dessa nova viso sobre a propriedade sempre dificultada

    pelas constantes controvrsias entre o anseio pelo uso (tantas vezes nocivo ouabusivo) da propriedade e a proteo ambiental e concretiz-la efetivamente ,ainda, tarefa em construo.

    1.2. Competncias const itucionais em matrias urbanstica e ambiental

    Os entes poltico-federativos possuem um mbito de competncias legislativa ematerial em matrias ambiental e de ordenamento urbanstico delineado no textoda Constituio Federal.

    Examina-se, primeiro, a competncia legislativa.

    O art. 21 da CF, nos inc. IX e XX, fixa a competncia da Unio para elaborar eexecutar planos nacionais e regionais de ordenao do territrio e dedesenvolvimento econmico social e para instituir diretrizes22 para odesenvolvimento urbano, inclusive habitao, saneamento bsico e transportesurbanos.

    O art. 24, inc. I, por seu turno, fixa a competncia da Unio e dos Estados paralegislarem concorrentemente sobre direito urbanstico (inc. I), conservao danatureza, defesa do solo e recursos naturais, proteo do meio ambiente econtrole da poluio (inc. VI), proteo do patrimnio histrico, cultural, artstico,turstico e paisagstico (inc. VII), responsabilidade por danos ao meio ambiente(inc. VIII). Nestes casos, a Unio Federal limitar-se- ao estabelecimento denormas gerais23(1), cabendo aos Estados exercerem competncia suplementar(2). Na falta de legislao federal, os Estados tm competncia legislativa plena(3).

    O art. 30 diz que compete aos Municpios legislar sobre assuntos de interesselocal (inc. I), suplementar a legislao federal e estadual no que couber (inc. II),promover, tambm no que couber, adequado ordenamento territorial, medianteplanejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupao do solo urbano

    (inc. VIII). No art. 182, pargrafos 1 e 2, ao tratar da poltica urbana, o textoconstitucional imps aos Municpios com mais de vinte mil habitantes a criao deum plano diretor, com o fim de ordenar o pleno desenvolvimento das funessociais da cidade e garantir o bem-estar dos cidados.24

    22 Essa competncia da Unio foi exercida quando da criao do Estatuto da Cidade (Lei Federal n.10.257/01), que delineou as diretrizes a serem adotadas na poltica urbana, sobretudo nas esferas municipais eestaduais.23A respeito do que sejam normas gerais, a doutrina tenta identificar-lhe um contedo, cujo vetor aponta aseleo de medidas jurdicas que no afetem a autonomia dos demais entes polticos. Em relao s normas

    gerais urbansticas, o campo destas seria o delineamento para o desenvolvimento interurbano e intra-urbano.24 Sobre a questo: FARIAS, Competncia federativa... SILVA, Direito urbanstico..., p.56-60. COSTA,Licenas urbansticas, p. 50-53.

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    Dessas regras de competncia, combinadas, ainda, com o art. 225 da CF,conclui-se que os Municpios somente podem legislar em matria ambiental eurbanstica sobre assuntos de interesse local, atendendo s diretrizes geraisestabelecidas na legislao federal e estadual, podendo estabelecer regras

    especficas mais rgidas, mas nunca mais liberais que as normas federais eestaduais25. Assim, o respeito aos limites e princpios estabelecidos na CartaMagna e na legislao federal deve ser interpretado como a impossibilidade legalde que os Municpios tornem mais flexveis os parmetros estabelecidos noordenamento federal26. Os Municpios podem e devem legislar em matria dezoneamento urbano-ambiental, mas jamais para reduzir a proteo j alcanadapela lei federal ou estadual.

    Na lio de Paulo Jos Leite Farias, na dvida sobre a norma a ser aplicada,na hiptese de mais de um ente, de diferente hierarquia, legislar sobre o mesmotema, deve entrar em cena o princpio do in dubio pro ambiente, segundo o qual

    deve prevalecer a norma que mais proteja o meio ambiente27.

    As competncias materiais dizem com o poder de polcia dos entes federadossobre o domnio privado, defluente do princpio da funo scio-ambiental dapropriedade. Em sentido amplo, poder de polcia a atividade do Poder Pblico(Unio, Estados e Municpios) consistente em limitar o exerccio dos direitosindividuais em benefcio do interesse pblico. Em sentido estrito, abrange os atosnormativos do Poder Executivo, as operaes materiais de fiscalizao e controle,as autorizaes, as licenas, as sanes, os embargos ou demolies de obrasirregulares ou clandestinas.28

    O art. 23 da CF estabelece que a competncia material para exercer a polcia

    urbanstica e ambiental concorrente entre os trs entes da federao Unio,

    25Assim j decidiu o Superior Tribunal de Justia: Atribuindo a Constituio Federal a competncia comum Unio, aos Estados e aos Municpios para proteger o meio ambiente e combater a poluio em qualquer desuas formas, cabe aos Municpios legislar supletivamente sobre proteo ambiental, na esfera do interesseestritamente local. A legislao local, contudo, deve se restringir a atender s caractersticas prprias doterritrio em que as questes ambientais, por suas particularidades, no contm com o disciplinamentoconsignado na lei federal ou estadual. A legislao supletiva, como cedio, no pode ineficacizar os efeitosda lei que pretende suplementar. Resp 29.299-6/RS (92.0029188-0). 1aTurma do STJ, Rel. Min. DemcritoReinaldo. j. 28.09.1994. Tambm: Mandado de segurana. Legislao ambiental. Tratando-se de legislao

    de proteo ao meio ambiente, no pode a lei municipal abrandar exigncias da lei federal. Interpretao doart. 2o, da Lei n. 4.771/65. Recurso improvido. Ap. n. 078.471.5/2-00. TJ/SP. Rel. Des. Lineu Peinado. j.08.06.99.26 ANTUNES, Direito ambiental, p.254. No mesmo sentido: AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal.Apontamentos acerca da aplicao do Cdigo Florestal em reas urbanas e seu reflexo no parcelamento dosolo.In: FREITAS, Jos Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanstico. So Paulo: Imprensa Oficial doEstado: Ministrio Pblico do Estado de So Paulo, 2000, p. 287. Tambm: FREITAS, Vladimir Passos de.Matas ciliares. Disponvel em: . Acesso em 14 ago. 2004. Na lio de PauloJos Leite Farias, na dvida sobre a norma a ser aplicada, na hiptese de mais de um ente, de diferentehierarquia, legislar sobre o mesmo tema, deve entrar em cena o princpio do in dubio pro ambiente, segundoo qual deve prevalecer a norma que mais proteja o meio ambiente. FARIAS, Competncia federativa..., p.430.27FARIAS, op. cit., p. 430.28

    Sobre o tema, ver: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Poder de polcia em matria urbanstica. In:FREITAS, Jos Carlos de (Coord.). Temas de direito urbanstico. So Paulo: Imprensa Oficial do Estado:Ministrio Pblico do Estado de So Paulo, 1999, v. 1, p.23-40.

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    Estados-membros e Municpios, cabendo-lhes proteger o meio ambiente ecombater a poluio em qualquer de suas formas (inc. VI), preservar as florestas,a fauna e a flora (inc. VII), promover a melhoria das condies habitacionais e desaneamento bsico (inc. IX). Estabelece, ainda, que incumbe aos Municpios

    promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, medianteplanejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupao do solo urbano(inc. VIII).

    Existe, assim, um sistema complexo de tutela do meio ambiente natural eurbano construdo29, em que cada Poder Pblico atua de forma autnoma comvistas proteo dos interesses que lhe so atribudos.

    2. Da tutela jurdica das reas de Preservao Permanente

    2.1. A proteo das APPs na Const itu io Federal

    As reas de preservao permanente esto tuteladas pelo texto constitucionalno art. 225, 1, que incumbiu ao Poder Pblico, para assegurar o direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado, preservar e restaurar os processosecolgicos essenciais e promover o manejo ecolgico das espcies eecossistemas (inc. I), definir, em todas as unidades da Federao, espaosterritoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo aalterao e a supresso permitidas somente atravs de lei, vedada qualquerutilizao que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem suaproteo (inc. III) e proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, asprticas que coloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino deespcies ou submetam os animais a crueldade (inc. VII).

    A Constituio outorgou permisso ao legislador para que definisse o que soespaos protegidos em todo o territrio nacional, vedada a utilizao quecomprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteo. A fauna e aflora existente nas reas de preservao permanente e os processos ecolgicosdesenvolvidos nesses espaos tambm esto resguardados pelos inc. I e VII.Com esse amplo espectro de proteo, a Constituio deu carta branca aolegislador para a definio de reas e espaos territoriais a serem protegidos, doque decorre o entendimento de que o Cdigo Florestal Federal foi recepcionado

    na sua integralidade pela Carta Magna. E mais: demonstrado fica que referidoCdigo j estava frente dela, quando elegia algumas reas como de especialproteo: as reas de preservao permanente.

    2.2. A proteo das APPs no Cdigo Florestal (Lei Federal n. 4.771/65)

    2.2.1. Conceito de APP

    O conceito de rea de preservao permanente est inserido no CdigoFlorestal Federal em seu art. 1, 2, inciso II, com a redao dada pela MP n.

    29

    Compreendidos nesta expresso esto meio ambiente artificial, constitudo do espao urbano construdo, omeio ambiente cultural, integrado pelo patrimnio histrico, artstico, arqueolgico, paisagstico, tursticos, eo meio ambiente natural, constitudo pelo solo, a gua, o ar atmosfrico, a flora.

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    2166-67/01: rea protegida nos termos dos arts. 2 e 3 desta Lei, coberta ou nopor vegetao nativa, com a funo ambiental de preservar os recursos hdricos,a paisagem, a estabilidade geolgica, a biodiversidade, o fluxo gnico de fauna eflora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populaes humanas.

    As funes ecolgicas das reas de preservao permanente, elencadas nodispositivo mencionado, se projetam nos seguintes benefcios: conteno deenchentes, principalmente em reas de solos propcios ao processo de eroso;aumento da umidade relativa do ar; amenizao da temperatura em climastropicais e equatoriais; disperso de poluentes e absoro de rudos urbanos;funciona como elemento paisagstico na orientao urbana e rural; pode bloquearo vento indesejvel em reas urbanas; barreiras verdes tambm podem direcionaro vento para locais desejados e, ainda, ajuda na preservao de espcies depssaros.30

    Para ser considerada de preservao permanente, a rea no tem quenecessariamente estar em pleno desenvolvimento das funes ambientaisprevistas no conceito de APP. Todas as reas localizadas nas margens de cursosdgua, de nascentes, de acumulaes naturais ou artificiais de gua, no topo demorros e montanhas, encostas, chapadas, tabuleiros, dunas, restingas, etc., por sis, pelo simples efeito de estarem tuteladas por lei federal, so tidas como depreservao permanente, estejam ou no executando suas funes ecolgicas,pois esto sujeitas a aes antrpicas momentneas a serem sanadas.

    A localizaode tais reas o fator determinante para a sua caracterizaocomo rea protegida e no sua atual situao de desestabilidade funcionalocasionada pela interveno do homem, devendo essas, necessariamente, deacordo com previso constitucional que envolve a manuteno da funo socialda propriedade, serem devidamente restauradas.

    2.2.2.Espcies de APPs

    As APPs esto definidas no artigo 2 do Cdigo Florestal Federal, e existempelo s efeito desta:

    Art. 2 Consideram-se de preservao permanente, pelo s efeito desta Lei, asflorestas e demais formas de vegetao natural situadas:

    a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'gua desde o seu nvel mais altoem faixa marginal cuja largura mnima ser:1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d'gua de menos de 10 (dez) metros delargura;2 - de 50 (cinqenta) metros para os cursos d'gua que tenham de 10 (dez) a50 (cinqenta) metros de largura;3 - de 100 (cem) metros para os cursos d'gua que tenham de 50 (cinqenta) a200 (duzentos) metrosde largura;

    30PINHO, Paulo Maurcio. Aspectos ambientais da implantao de vias marginais em reas urbanas de

    fundos de vale. So Carlos, 1999, 133 p. Dissertao (Mestrado em Engenharia Civil). Universidade Federalde So Carlos, apud MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Da proteo jurdico-ambiental dos recursos hdricosbrasileiros. Leme: LED, 2.001, p. 163.

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    4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'gua que tenham de 200(duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'gua que tenham largurasuperior a 600 (seiscentos) metros;

    b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatrios d'gua naturais ou artificiais;c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d'gua",qualquer que seja a sua situao topogrfica, num raio mnimo de 50(cinqenta) metros de largura;d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45, equivalentea 100% na linha de maior declive;f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura dorelevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projees horizontais;h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a

    vegetao.

    As APPs podem, ainda, ser criadas por ato do Poder Pblico, nos termos doart. 3 do Cdigo Florestal Federal, quando as florestas e demais formas devegetao destinarem-se a: a) atenuar a eroso das terras; b) fixar as dunas; c)formar faixas de proteo ao longo de rodovias e ferrovias; d) auxiliar a defesa doterritrio nacional a critrio das autoridades militares; e) proteger stios deexcepcional beleza ou de valor cientfico ou histrico; f) asilar exemplares dafauna ou flora ameaados de extino; g) manter o ambiente necessrio vidadas populaes silvcolas; e, h) assegurar condies de bem-estar pblico.

    2.2.3. As funes ecolgicas das APPs definidas no art.2 do CdigoFlorestal

    2.2.3.1. Vegetao ci liar

    A vegetao ciliar, tambm conhecida como mata ripria, ou de galeria, estcontemplada nas alneas a, b e c do art. 2 do Cdigo Florestal31.Chama-seciliar porque, tal e qual os clios que protegem os olhos, essa mata resguarda asguas, depurando-as, filtrando-as. Essas matas funcionam como controladoras deuma bacia hidrogrfica, regulando os fluxos de gua superficiais e subterrneas, a

    umidade do solo e a existncia de nutrientes. Alm de auxiliarem, durante o seu

    31Em paradigmtico aresto, o STJ reconheceu a importncia da mata ciliar e da reserva legal, caracterizandocomo propter rem a obrigao do adquirente de rea desmatada de reveget-la. In verbis: RECURSOESPECIAL. FAIXA CILIAR. REA DE PRESERVAO PERMANENTE. RESERVA LEGAL.TERRENO ADQUIRIDO PELO RECORRENTE J DESMATADO.IMPOSSIBILIDADE DEEXPLORAO ECONMICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.OBRIGAO PROPTER REM.AUSNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DIVERGNCIA JURISPRUDENCIAL NOCONFIGURADA. (...)Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade, includa a darecorrente, no podem ser objeto de explorao econmica, de maneira que, ainda que se no d oreflorestamento imediato, referidas zonas no podem servir como pastagens. No h cogitar, pois, deausncia de nexo causal, visto que aquele que perpetua a leso ao meio ambiente cometida por outrem est,

    ele mesmo, praticando o ilcito. A obrigao de conservao automaticamente transferida do alienante aoadquirente, independentemente deste ltimo ter responsabilidade pelo dano ambiental. Recurso especial noconhecido (RESP 343741/PR).

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    crescimento, na absoro e fixao de carbono, os principais objetivos dessasmatas so:a)reduzir as perdas do solo e os processos de eroso e, por via reflexa, evitar oassoreamento (arrastamento de partculas do solo) das margens dos corpos

    hdricos32

    ;b)garantir o aumento da fauna silvestre e aqutica, proporcionando refgio ealimento para esses animais33;c)manter a perenidade das nascentes e fontes;d)evitar o transporte de defensivos agrcolas para os cursos dgua;e)possibilitar o aumento de gua e dos lenis freticos, para dessedentaohumana e animal e para o uso nas diversas atividades de subsistncia eeconmicas;f)garantir o repovoamento da fauna e maior reproduo da flora;g)controlar a temperatura, propiciando um clima mais ameno;h)valorizao da propriedade rural34;

    i) formar barreiras naturais contra a disseminao de pragas e doenas naagricultura.

    Alm de funcionar como filtro, protegendo o corpo dgua de fontes poluidoraslocalizadas no ambiente terrestre lindeiro, a vegetao marginal responsvelpela criao de micro-ambientes que so essenciais para a manuteno demuitas espcies animais. Diversos grupos de invertebrados e mesmovertebrados, como os anfbios, possuem hbitos terrestres quando adultos, masapresentam formas jovens que dependem de ambientes aquticos. Uma margemnua, desprovida de vegetao, via de regra no oferece condies adequadaspara a manuteno desses animais. Alm disso, sabido que as reas demargem funcionam como berrios de muitas espcies aquticas, que encontram

    32 GUASSELLI e VERDUN abordam o tema vinculado funo da mata de preservao permanente,afetando o desenvolvimento do setor primrio, qual seja, a desertificao pela formao de areais: aformao dos areais, interpretada a partir de estudos geomorfolgicos, associada dinmica hdrica e elica,indica que os areais resultam inicialmente de processos hdricos. Estes, relacionados com uma topografiafavorvel, permitem, numa primeira fase, a formao de ravinas e voorocas. Na continuidade do processo,desenvolvem-se por eroso lateral e regressiva, conseqentemente, alargando suas bordas. Por outro lado,

    jusante dessas ravinas e voorocas, em decorrncia de processos de transporte de sedimentos pela guadurante episdios de chuvas torrenciais, formam-se depsitos arenosos em forma de leque. GUASSELLI,Dirce M. Suzete Garaym Laurindo A. VERDUN, Roberto.Atlas da arenizao no sudoeste do Rio Grandedo Sul.Porto Alegre: Secretaria de Estado da Coordenao e Planejamento, 2001, p. 10.33Essas matas formam corredores que contribuem para conservar a biodiversidade (www.sma.sp.gov.br).Rodrigues e Leito Filho, citando Barrela et al, indicam funes hidrolgicas, ecolgicas e limnolgicasatribudas s reas riprias. No primeiro grupo, esto a de conteno de ribanceiras, a diminuio e filtragemdo escoamento superficial, o impedimento e a criao de barreiras para o carreamento de sedimentos para osistema, a interceptao e absoro da radiao solar (mantendo a estabilidade trmica) e o controle do fluxoe vazo do rio; no segundo, esto a formao de microclima, a constituio de hbitats, reas de abrigo e dereproduo, a formao de corredores de migrao da fauna terrestre e a entrada de suprimento orgnico. Noltimo grupo, destacam a influncia nas concentraes dos elementos qumicos e do material em suspenso.RODRIGUES, R.R.; LEITO FILHO, H.F. Matas Ciliares: Conservao e Recuperao. So Paulo:

    EDUSP/FAPESP, 2000. p. 196.34 SOUZA, Jos Fernando Vidal de. Mata Ciliar. Manual Prtico da Promotoria de Justia do MeioAmbiente. 2 edio. So Paulo: IMESP, 1999, p. 173.

    http://www.sma.sp.gov.br/http://www.sma.sp.gov.br/
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    nos pequenos nichos localizados entre a vegetao ribeirinha a proteo quenecessitam nas primeiras fases da vida.35

    2.2.3.2. Vegetao anti-erosiva

    Nas alneas d a h, o artigo 2 do Cdigo Florestal elenca hipteses deproteo flora que recobre espcies de relevo, destinada ao combate da eroso.Conquanto esse Cdigo silencie sobre as faixas de proteo das encostas eelevaes, com exceo das altitudes superiores a 1.800 metros, a Resoluo doCONAMA n. 04/85 as define na alnea b, inc. IV, VI, X e XI.

    Essas coberturas vegetais, especialmente as previstas nas alneas d e e,so por demais importantes na preservao dos morros que aparecem em reasurbanas. A corroborar tal afirmao basta que se assista aos principais telejornaisa cada perodo de precipitaes nas principais cidades brasileiras. Destruio de

    moradias, leses patrimoniais e corporais e at mesmo mortes so comunsdevido eroso de morros causadas pelo solapamento da vegetao que osrevestia36.

    Alm disso, a deteriorao dessas reas resulta em danos paisagsticos,associados alterao da morfologia das encostas afetadas, e prejuzos aodesenvolvimento do turismo, especialmente do ecoturismo, hoje to explorado emcidades dotadas de morros recobertos por vegetao.

    No meio rural, no so menos importantes as funes dessa vegetao, assimcomo no menos intensa a sua degradao para propiciar a prtica daagricultura e da pecuria sobre os topos dos morros e nas encostas. A exploraoeconmica dessas reas pode at render dividendos para os seus responsveisnum momento inicial. Mas, considerando os efeitos sinrgicos e de longo prazoverificveis no meio ambiente, sem a cobertura vegetal, a chuva leva ossedimentos do solo descoberto, acentuando a eroso e o assoreamento de rios,arroios e lagoas. Ademais, essa vegetao tambm responsvel pelamanuteno do microclima de sua rea de influncia, regulando a vazo doscursos dgua e garantindo a captao de gua para as populaes que vivemnessas regies.

    2.2.3.3. Recursos hdricosImpossvel desvincular a temtica da proteo s reas de preservao

    permanente por definio legal da questo da gua e sua importncia para ohomem e a vida em sociedade. Os sistemas de gua, que constituem uma poro

    35 Sobre as matas ciliares, ver: FREITAS, Vladimir Passos de. Matas ciliares. Disponvel em:. Acesso em: 14 ago. 2004.36No Municpio da baixada Fluminense, Duque de Caxias, h um distrito, denominado Xerm, que a cadachuvarada tomado de assalto pelo pesadelo dos desmoronamentos das encostas devido supresso davegetao que reveste os seus morros. Em matria de capa, o peridico Folha de Xerm insinua que agaroa aumenta o risco de deslizamentos, mas no pode ser classificada como a maior responsvel pelos

    desmoronamentos de morros apresentados em Xerm nos ltimos meses. Ao longo da matria, fica claro quea causa principal justamente a ocupao desordenada dos morros com a conseqente retirada da vegetao.(www.guiaxerm.com.br/fx52.pdf).

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    reduzida no volume total de gua do Planeta, j esto sendo colocados emrisco37, o que requer uma atuao e uma postura mais amiga do meio ambientepor parte dos governos, empresrios e de todos os indivduos.

    As guas que servem ao consumo humano e se destinam a suas atividadesscio-econmicas so captadas nos rios, lagos, represas e reservassubterrneas. Alm disso, tm importncia vital para o equilbrio dosecossistemas.

    sabido que das guas existentes em nosso Planeta, 97,5% formam osoceanos e mares, sendo imprprias ao consumo direto. Os restantes 2,5% soguas doces. Todavia, 68,9% desse volume forma as calotas polares, geleiras eneves permanentes que revestem os cumes das mais altas montanhas doPlaneta. Essa gua de difcil e onerosa utilizao, considerando os processostecnolgicos e os custos de transporte que seriam necessrios para que fosse

    apropriada pelo ser humano. Os 29,9% restantes constituem as guassubterrneas. A pequena parcela restante (1,2%) se compe das guas dospntanos, umidade dos solos e das guas dos rios e lagos38.Desse levantamento possvel inferir que menos de 1% da gua disponvel doce39, portanto,acessvel ao consumo humano40.

    Conquanto a quantidade de gua existente no planeta venha se mantendoestvel, os usos desse bem vm aumentando, seja pelo aumento da populao,seja pela indstria, seja pela irrigao. De acordo com a Organizao das NaesUnidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO), h probabilidade de que aatividade industrial consuma duas vezes mais gua at o ano 2025, secontinuarmos no ritmo atual do desenvolvimento econmico (in)sustentvel41.

    37Segundo Barlow e Clarke, durante as ltimas dcadas, pelo menos 35% das espcies de peixes de guadoce foram extintas ou esto ameaadas, assim como sistemas de fauna de gua doce desapareceram inteiros.Na Amrica do Norte, por exemplo, os animais de gua doce tm cinco vezes mais chance de extino doque animais que vivem preponderantemente no meio terrestre. BARLOW, Maude; CLARKE, Tony. OuroAzul.So Paulo: M. Books do Brasil Ltda.,2003, p.32.38Idem, p. 7.39

    A Resoluo CONAMA n. 20/86 classifica as guas do territrio brasileiro, tendo em conta o grau desalinidade, em gua doce (salinidade inferior ou igual a 0,5%), salobra (salinidade entre 0,5% e 30%) esalina (salinidade superior a 30%).40Conforme destaca Dieter Warchow, no prefcio obra Ouro Azul, o Brasil possui uma das maiores redeshidrogrficas do mundo, alm de extensas reservas de guas subterrneas. A bacia Amaznica, com mais de7 milhes de quilmetros quadrados, a maior do planeta, sendo que 3,9 milhes de sua extenso passampelo territrio brasileiro. As guas que formam os aqferos tm reservas estimadas em 112 bilhes de metroscbicos. Dessas merece destaque o Aqfero Guarani, principal reserva de gua doce da Amrica do Sul,ocupa uma rea de cerca de 1,2 milho de quilmetros quadrados (rea equivalente aos territrios daEspanha, Frana e Inglaterra juntos). Estimativas apontam que esse aqfero possa fornecer at 43 bilhes demetros cbicos de gua por ano, o que suficiente para abastecer uma populao de 500 milhes dehabitantes. Conclui o autor:Diante deste cenrio de nmeros, possvel imaginar que o acesso gua noseja um problema para os brasileiros. Entretanto, esta uma concluso precipitada. Antes disso, preciso

    levar em conta uma srie de outros fatores geogrficos, polticos e sociais. BARLOW, Maude; CLARKE,Tony. Ouro Azul,p.XV.41BARLOW, Maude. CLARKE, Tony. Ouro Azul, p. 35.

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    Esse quadro de escassez leva concluso de que a gua um recurso naturaldotado de valor econmico42.

    Embora limitado, o recurso natural gua renovvel. Possui um ciclo que

    necessita ser mantido de forma racional e equilibrada. Esse ciclo influenciadopor diversos fatores, dentre eles pela vegetao.

    A eliminao da vegetao ciliar, das florestas e das reas alagadas soimportantes causas na piora da qualidade das guas planetrias .

    Em captulo denominado Planeta Ameaado, Barlow e Clarke destacam osseguintes fatores associados questo da gua e que conduzem a uma situaode crise ambiental de carter global: resduos txicos, esgotos, produtosqumicos, perda de terras midas, desmatamento, aquecimento global, espciesinvasoras (poluio biolgica), superirrigao e agricultura no-sustentvel e

    construo de represas e reservatrios43.

    As terras midas, nas quais esto abrigadas muitas das nascentes dos rios eque so consideradas reas de preservao permanente pela alnea c do art. 2do Cdigo Florestal44, agem como barreiras de controle eroso, servem deberrios para peixes e anfbios, alm de serem reas de repouso para aves emrotas migratrias45. Os banhados so ecossistemas de extrema importncia, osquais se definem como reas alagadas permanente ou temporariamente,conhecidos na maior parte do pas como brejos, so tambm denominados depntanos, pantanal, charcos, varjes e alagados, entre outros46.

    Na atualidade, j possvel demonstrar cientificamente que um rio que mantmem suas margens uma boa cobertura vegetal perde menos quantidade de gua. Amanuteno de uma boa quantidade de gua, associada referida vegetao,evita a formao de sulcos na terra, que crescem e podem formar eroses.

    Essas consideraes demonstram a imponncia do tema que estabeleceestreita comunicao entre as questes da proteo flora e da proteo aosrecursos hdricos.

    Nesse sentido, a regra deve ser a preservao. A exceo, a destruio,

    somente acatvel nos casos de interesse pblico manifesto e sempre mediantecompensaes, ouvido o rgo ambiental.

    42Art. 1 da Lei n. 9.433/97 (Lei da Poltica Nacional dos Recursos Hdricos).43BARLOW, Maude; CLARKE, Tony. Ouro Azul,p. 31-60.44A ttulo de curiosidade, importante destacar que o Cdigo Estadual de Meio Ambiente do Rio Grande doSul, no seu artigo 155, inc. VI, considera os banhadoscomo reas de preservao permanente. Em que pese alouvvel preocupao do legislador, a situao dos banhados no Estado no diferente do panoramamundial, vale dizer, de reas de preservao converteram-se em terrenos de degradao.45Na Amrica do Norte, por exemplo, as terras midas constituem parte essencial do hbitat de 95% de todoo pescado comercialmente obtido no continente e um santurios para mais da metade de suas espcies de

    pssaro em extino. De acordo com a Sociedade Audubon, elas so comparveis s florestas tropicais embiodiversidade. BARLOW, Maude. CLARKE, Tony. Ouro Azul,p. 45.46www.bdt.fat.org.br/workshop/costa/banhado.

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    Ao adquirir uma rea contendo mananciais, o investidor fica ciente de suaresponsabilidade social, pois ainda que o curso dgua j esteja poludo, atmesmo a montante, sempre h a perspectiva de recuper-lo. Endut-lo conden-lo morte, suprimindo a perspectiva de geraes presentes e futuras

    desfrutarem daquela reserva de gua doce.

    O cenrio descrito bem denota a relevncia da proteo das reas depreservao permanente em um contexto de escassez e de riscos globais.

    2.2.4. A proteo legal das APPs abrange somente a cobertura vegetal outambm as reas em que esto fixadas?

    O Cdigo Florestal Federal de 1934 conferia proteo s florestas que por sualocalizao, dentre outras funes, conservassem o regime hdrico, evitassem aeroso do solo e protegessem stios que por sua beleza natural merecessem ser

    conservados (art. 4). A proteo era conferida s florestas, porm, indiretamente,pretendia proteger tambm as reas onde tais florestas brotavam.

    Nas alteraes sofridas pelo referido diploma legal, a proteo continuou sendoconferida, porm, alm das florestas, as demais formas de vegetao tambmforam contempladas expressamente, pelo fato de que nem todos os ecossistemastm florestas como sua composio principal e sim outras formas de vegetao,como por exemplo, os campos sulinos.

    Embora no se falasse expressamente em reas de preservaopermanente, falava-se em florestas e demais formas de vegetao depreservao permanente localizadas nas margens de quaisquer cursos dgua, jobjetivando, na verdade, a proteo da prpria rea.

    Com a alterao do Cdigo Florestal Federal pela Medida Provisria n. 2.166-67/200147, finalmente a proteo, como deveria ter sido expressada desde oprincpio, veio a atingir a rea onde se localizam as florestas e demais formas devegetao, para o que utilizou a expresso rea de preservao permanente,definindo-a no art. 1, 2, inciso II: rea protegida nos termos dos arts. 2 e 3desta Lei, coberta ou no por vegetao nativa, com a funo ambiental depreservar os recursos hdricos, a paisagem, a estabilidade geolgica, a

    biodiversidade, o fluxo gnico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bemestar das populaes humanas.

    O caputdo art. 1 do Cdigo Florestal estabelece que as florestas existentesno territrio nacional e as demais formas de vegetao, reconhecidas de utilidades terras que revestem, so bens de interesse comum a todos os habitantes doPas, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitaes que a legislaoem geral e especialmente esta Lei estabelecem.

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    Esta medida provisria est em vigor por fora da Emenda Constitucional n. 32/2001, que disps que asMPs editadas em data anterior da publicao da emenda continuam em vigor at que medida provisriaulterior as revogue explicitamente ou at deliberao definitiva do Congresso Nacional.

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    Da proteo contida no diploma legal em questo, nota-se que no so apenasas florestas merecedoras de proteo. So tambm protegidas as demais formasde vegetao teis s terras que revestem, bem como as terras propriamenteditas.

    As florestas protegem a rea em que esto fixadas e que, por sua vez, indispensvel para a manuteno da vitalidade do curso dgua, ou seja, umaest intimamente ligada outra. As reas nuas, com solo exposto, se esvaemtanto pelos efeitos nefastos da eroso, quanto pelo desgaste do solo, poisincapazes de realizar a fixao de gua e de sombra, dentre vrios outros fatoresmalvolos incidentes. Por isso equivocada a interpretao de que a readesprovida de floresta ou de outras formas de vegetao deve serdesconsiderada para fins de preservao. A proteo conferida vegetaopara proteger, indiretamente, a rea sob a qual essa debrua-se e o seu entorno.

    2.2.5. Aplicabilidade do Cdigo Florestal s zonas urbanas

    A Constituio Federal, em seu art. 225, assegura a todos o direito ao meioambiente ecologicamente equilibrado, no fazendo, para tanto, qualquer distinoentre meio ambiente rural ou urbano (no que se refere sua localizaogeogrfica), ou entre meio ambiente natural, artificial ou cultural (no que se refereao seu contedo).48

    O Cdigo Florestal Federal, por seu turno, dispe que as florestas existentes

    no territrio nacional e as demais formas de vegetao, reconhecidas de utilidades terras que revestem, so bens de interesse comum a todos os habitantes doPas, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitaes que a legislaoem geral e especialmente esta Lei estabelecem, no fazendo qualquer distinoquanto localizao das mencionadas formaes vegetais, restando claro, porisso, que as disposies contidas no Cdigo Florestal aplicam-se, via de regra, atodo o territrio nacional, incluindo zonas rurais e urbanas, indistintamente.49

    A discusso quanto aplicabilidade do Cdigo Florestal s zonas urbanas

    centra-se no pargrafo nico do art. 2, que estabelece: No caso de reasurbanas, assim entendidas as compreendidas nos permetros urbanos definidospor lei municipal, e nas regies metropolitanas e aglomeraes urbanas, em todo

    o territrio abrangido, observar-se- o disposto nos respectivos planos diretores eleis de uso do solo, respeitados os princpios e limites a que se refere este artigo. 50

    48Sobre essa classificao de meio ambiente, vide SILVA, Jos Afonso da. Direito Urbanstico Brasileiro.So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1981, p. 435.49Nesse sentido: FINK, Daniel Roberto; PEREIRA, Mrcio Silva. Vegetao de preservao permanente erea urbana: uma interpretao do pargrafo nico do art. 2 do Cdigo Florestal . Revista de DireitoAmbiental, So Paulo, n.2, p.77-90, abr./jun 1996. Tambm: FREITAS,Matas ciliares. Em sentido contrrio,entendendo que o Cdigo Florestal s se aplica s zonas rurais, e que a faixa no edificvel de 15 metrosprevista na Lei n. 6.766/79 se aplica s reas urbanas: AMADEI; AMADEI, Como lotear uma gleba..., p.403.50

    A presso poltica para que se afastem os limites impostos pelo Cdigo Florestal nas reas urbanas temsido grande e o argumento mais usado recai sobre o dficit habitacional brasileiro (atualmente em torno de6,6 milhes, segundo dados do IBGE. O mesmo instituto divulga outro dado que deve ser contraposto:

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    No h qualquer dificuldade em reconhecer-se a aplicabilidade do Cdigo

    Florestal para as reas de preservao permanente no topo dos morros, montes,montanhas e serras; nas encostas com declividade superior a 45%; nas restingas,

    como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; nas bordas dostabuleiros ou chapadas; em altitude superior a 1800metros; cobertas ou no porvegetao nativa, cuja imodificabilidade dever ser respeitada. A Resoluo doCONAMA n. 303/2002, no seu art. 3, regulamentou o art. 2odo Cdigo Florestalno que tange s faixas de proteo dessas encostas, no havendo qualquerconflito aparente com outra norma.

    A controvrsia existe em relao aos limites mnimos para a largura das faixasmarginais ao longo dos rios e cursos dgua que o Cdigo Florestal prev em30m a menor delas, para cursos dgua com menos de 10m de largura , em facedas disposies dos arts. 3o, par. nico, inc.V, e 4o, inc.III, da Lei n. 6.766/7951.

    A Lei n. 6.766/79, que dispe sobre o parcelamento do solo urbano, denatureza urbanstica: visa organizao (uso e ocupao) do solo. Ao tratar defaixas non aedificandi no art. 4o, inc. III, no pretendeu promover a proteo dabiodiversidade, e sim a segurana da populao, o que fica evidenciado peloprprio teor do dispositivo, que tambm trata das faixas de domnio pblico dasrodovias e ferrovias. Qualquer construo que fosse autorizada dentro da faixa de15 metros das margens dos rios, rodovias ou ferrovias, traria risco de vida populao que a utilizasse, da porque, com propriedade, o legislador estabeleceutais requisitos urbansticos para loteamentos52.

    existem no Brasil cerca de 4,6 milhes de imveis vagos, o que evidencia a face injusta da questohabitacional e leva-nos a afirmar que a soluo do problema no est na ocupao das reas de preservaopermanente.Edsio Fernandes, tratando da compatibilizao entre as agendas Verde e Marrom, enfatiza que tanto odireito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado quanto o direito moradia so elementos dodireito vida. FERNANDES, Edsio. Estatuto da Cidade: promovendo o encontro das agendas verde emarrom. In: LEITE; Jos Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini (Org.). Estado de direito ambiental:tendncias. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2004, p.317.Em que pese os esforos existentes para arredar o conflito entre o direito moradia e o direito preservaoambiental, na prtica esse um dos dilemas que assolam os administradores e demais operadores que lidam

    com a questo da ocupao da terra urbana. Problema de difcil soluo, traduz a macroconflituosidadeinterna tpica dos interesses difusos, dos quais o direito ao ambiente desponta como uma das expresses maistpicas.51Art. 3 - [...]Pargrafo nico No ser permitido o parcelamento do solo:V em reas de preservao ecolgica ou naquelas onde a poluio impea condies sanitriassuportveis, at a sua correo.Art. 4o Os loteamentos devero atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:III ao longo das guas correntes e dormentes e das faixas de domnios pblico das rodovias e ferrovias,ser obrigatria a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maioresexigncias da legislao especfica.A Lei n. 10.932, de 03/08/2004, deu nova redao ao inc. III do art. 4 da lei n. 6.766/79, suprimindo aobrigatoriedade das faixas no edificveis de 15m para cada lado ao longo de dutovias, remetendo a

    avaliao dessa necessidade ao licenciamento ambiental.52FIGUEIREDO, Guilherme Jos Purvin. A propriedade no direito ambiental. Rio de Janeiro: ADCOAS,2004, p.229.

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    J o Cdigo Florestal tem natureza nitidamente de proteo ecolgica e, no art.2o, a, teve em mira a funo ambiental das matas ciliares, a preservao dosrecursos hdricos, a estabilidade geolgica, o fluxo gnico, com o objetivo maiorde assegurar o bem estar das populaes presentes e futuras.

    Com o advento da Lei n. 10.257/01 (Estatuto da Cidade), editada pela Uniono exerccio de sua competncia constitucional legislativa, que regulamentou ocaptulo da Constituio Federal sobre a poltica urbana53, a temtica ambientaltornou-se obrigatria na fixao das exigncias fundamentais de ordenao dacidade.54Diante das diretrizes para a poltica urbana estabelecidas no Estatuto daCidade, no se pode vislumbrar uma aplicao estrita da Lei n. 6.766/79, semestar em consonncia com a legislao de tutela ao meio ambiente. Oparcelamento do solo urbano deve observncia no s Lei n. 6.766/79, mastambm a toda legislao federal e estadual.

    Jos Afonso da Silva, tratando das reas verdes urbanas, afirma que a polticados espaos verdes revela-se na proteo da natureza, a servio da urbanizao,com o objetivo de ordenar a coroa florestal em torno das grandes aglomeraes,manter os espaos verdes existentes no centro das cidades, criar reas verdesabertas ao pblico, preservar reas verdes entre as habitaes tudo visando acontribuir para o equilbrio do meio em que vive e trabalha o homem. E concluique a poltica dos espaos verdes h de ser estabelecida pelo planos diretores eleis de uso do solo dos Municpios ou regies metropolitanas, mas no que serefere s reas de preservao permanente ali existentes, tero que observar osprincpios e limites previstos no art. 2o do Cdigo Florestal (leia-se metragens paraas reas de preservao permanente), conforme determinao de seu par. nico,acrescentado pela Lei n. 7.803/8955. Da mesma posio comunga Paulo AffonsoLeme Machado56, que, ao discorrer sobre a questo em tela, esposa que olegislador, ao introduzir o pargrafo nico do art. 2 do Cdigo Florestal, quisdeixar claro que os planos e leis de uso do solo do Municpio tm que estar emconsonncia com as normas do mencionado art. 2, porque a autonomia municipaldeve estar entrosada com as normas federais e estaduais protetoras do meioambiente.57

    53 O art. 182 da CF trata das polticas de desenvolvimento urbano e o art. 183 do usucapio especialconstitucional.54

    A ttulo exemplificativo, tomem-se as seguintes diretrizes gerais mencionadas no estatuto: suas normas, deordem pblica e interesse social, regulam o uso da propriedade urbana em prol do equilbrio ambiental (art.1o, par. nico); a poltica urbana deve garantir o direito a cidades sustentveis54, que pressupe o saneamentoambiental (art. 2o, inc. I); o planejamento urbano deve evitar e corrigir as distores do crescimento urbano eseus efeitos negativos sobre o meio ambiente (art. 2o, inc.IV); a poltica urbana deve promover a proteo,preservao e recuperao do meio ambiente natural e construdo, inclusive o cultural (art. 2o, inc. XII); apoltica urbana deve ouvir a populao nos processos de implantao de empreendimentos ou atividades comefeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construdo (art. 2o, inc. XIII); naregularizao fundiria e urbanizao de favelas, a poltica urbana dever considerar as normas ambientais(art. 2o, inc. XIV); a ordenao do solo das cidades deve coibir o parcelamento do solo, a edificao ou o usoexcessivos ou inadequados em relao infra-estrutura urbana, e evitar a poluio e a degradao ambiental(art. 2o, inc. VI, ce g).55SILVA,Direito ambiental...,p. 75.56

    MACHADO, Paulo Affonso Leme.Direito ambiental brasileiro. So Paulo: Malheiros, 2003, p. 385-386.57Em que pese o Municpio possuir autonomia para promover o adequado ordenamento territorial (art. 30,inciso VIII, da CF), tambm incumbe a ele proteger o meio ambientee combater a poluio em qualquer

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    Ao manifestar-se sobre o tema, Antnio Hermann Benjamin comenta que a

    aplicabilidade do Cdigo Florestal em reas urbanas, na prtica, um dosproblemas mais atuais, complexos e relevantes, justificando, que os municpios,

    em particular aqueles com elevada presso imobiliria, turstica, industrial,madeireira e agrcola, buscam, a todo custo, afastar os ndices do CdigoFlorestal para as APPs do art. 2, substituindo-os por outros, mais flexveis,estabelecidos em legislao municipal, no raro casuisticamente modificada, aosabor deste ou daquele empreendimento especfico.58 Outro ponto que muitointeressa aos Municpios, segundo Benjamin, o de excluir do licenciamentoambiental, a presena do Estado e da Unio, sob o pretexto de que a matria de interesse local59.

    Considerando as diferentes funes das reas de preservao permanente noambiente urbano60, tem-se que o conceito de desenvolvimento sustentvel veio

    mostrar que s se pode progredir, com qualidade de vida, se preservar-se o meioambiente para a nossa e para as futuras geraes. Progredir retirando danatureza o desnecessrio ou alm de sua capacidade no significa que estamosnos desenvolvendo. por este motivo que o Cdigo Florestal determina que osplanos diretores e as leis de uso do solo devem respeitar os princpios e limitesreferentes s reas de preservao permanente e do ambiente geral, pois afuno primordial da cidade garantir aos seus integrantes uma vida com

    de suas formas(art. 24, inciso VI), preservaras florestas, a fauna e aflora(art. 24, inciso VII, da CF),preservar e restaurar os processos ecolgicos essenciais e prover o manejo ecolgico das espcies e

    ecossistemas(art. 225, 1, inciso I) eprotegera fauna e aflora, vedadas, na forma da lei, as prticas quecoloquem em risco sua funo ecolgica, provoquem a extino de espcies ou submetam os animais acrueldade (art. 225, 1, inciso VII).58BENJAMIN, Antnio Herman. Cdigo Florestal: a reforma proposta pelo CONAMA e a nova MP n.1.956-50. In: 4 Congresso Internacional de Direito Ambiental Agricultura e Meio Ambiente. So Paulo:IMESP, 2000, p. 405.59BENJAMIN, Antnio Herman. Cdigo Florestal: a reforma proposta pelo CONAMA e a nova MP n.1.956-50, p. 405.60 A vegetao no entorno dos cursos dgua as matas ciliares exerce importante papel no controlehidrolgico, no ciclo e na qualidade da gua. Essa vegetao segura a gua proveniente da chuva, outra parteescoa sobre o caule e ingressa no solo atingindo as razes da vegetao, criando no solo canais que permitemque boa parte da gua do solo seja absorvida, perenizando rios e nascentes, formando os aqferos freticos eprofundos, essenciais para a manuteno dos corpos hdricos. Tambm funcionam como filtro para as guas

    da chuva que no foram absorvidas pelo solo, agindo como um filtro de escoamento superficial, impedindoou dificultando a ao dos agentes poluentes como defensivos agrcolas, sedimentos e resduos. Impedemeroses das margens, cobem inundaes e enchentes, evitam o assoreamento dos corpos hdricos (com issogarantindo a constncia do volume de gua que abastece as populaes, viabiliza a navegao e a gerao deenergia e irrigao). A mata ciliar tambm garante o povoamento da fauna silvestre e aqutica, a maiorreproduo da flora e o controle da temperatura, proporcionando um clima mais ameno. Sobre a questo:FINK; PEREIRA, Vegetao de preservao..., p.77-90. ARFELLI, Amauri. reas verdes e de lazer:consideraes para sua compreenso e definio na atividade urbanstica de parcelamento do solo.Revista deDireito Ambiental, So Paulo, n. 33, p. 42-44, jan./mar. 2004. FREITAS, Matas ciliares.BRAGA, RodrigoBernardes. Parcelamento do solo urbano: doutrina, legislao e jurisprudncia de acordo com o novo CdigoCivil. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2004, p. 55.Se considerar-se que a degradao das matas ciliares e a impermeabilizao das reas de vrzea constituemtalvez os principais geradores de enchentes e inundaes nas cidades, chegar-se- concluso de que o

    descumprimento do disposto no art. 2o

    , par. nico, do Cdigo Florestal, nas reas urbanas, acarreta um custosocial elevadssimo para os cofres pblicos e sacrifcios incomensurveis para a populao atingida.FIGUEIREDO,A propriedade..., 221.

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    qualidade, e isto s possvel preservando-se o meio ambiente61. Destarte, aspolticas de ordenao do solo urbano no podem descuidar da legislaoambiental.

    Face ao argumento sustentado por alguns estudiosos no sentido de que olegislador federal teria remetido s legislaes municipais a livre definio dasreas de preservao permanente quando situadas em rea urbana62, a nossover desprovido de fundamentao, por desconsiderar o regime de repartio decompetncias constitucionais em matria ambiental e o relevante papel ecolgicodesempenhado por tais reas protegidas, necessrio trazer a lume, mais umavez, a questo das competncias constitucionais. O art. 21, inc. XX, da CF, fixa acompetncia da Unio para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano,inclusive habitao, saneamento bsico e transportes urbanos. O art. 24, inc. I,por seu turno, fixa a competncia da Unio e dos Estados para legislarconcorrentemente sobre direito urbanstico. J o art. 30 diz que compete aos

    Municpios legislar sobre assuntos de interesse local (inc. I), suplementar alegislao federal (inc. II), promover, no que couber, adequado ordenamentoterritorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e daocupao do solo urbano (inc. VIII). Das regras constitucionais de competncia,combinadas, ainda, com o art. 225 da CF, conclui-se que os Municpios somentepodem legislar em matria ambiental sobre assuntos de interesse local,atendendo s diretrizes gerais estabelecidas na legislao federal e estadual,podendo estabelecer regras especficas mais rgidas, mas nunca mais liberaisque as normas federais e estaduais. Assim, o respeito aos limites e princpiosestabelecidos pelo Cdigo Florestal deve ser interpretado como a impossibilidadelegal de que os Municpios tornem mais flexveis os parmetros estabelecidos nalei federal63. Os Municpios podem e devem legislar em matria de zoneamentourbano-ambiental, mas jamais para reduzir a proteo j alcanada pela leifederal ou estadual. Se, no exerccio da sua competncia concorrente esuplementar, resolverem enfrentar o tema das reas de preservao permanenteem meio urbano, no podero trabalhar com limites e definies menos protetivosque os j eleitos pela Lei Federal n. 4.771/65, assim como no podero autorizarempreendimentos que causem danos s reas de preservao permanente, salvoas hipteses legais.

    Alm das diretrizes j expendidas, acrescenta-se que a Lei n. 7.803/89, que

    alterou o Cdigo Florestal e manteve os 30 metros de faixa marginal (institudospela Lei n. 7.511/86), posterior Lei n. 6.766/79, de modo que, observando ospreceitos reguladores do direito intertemporal, a doutrina majoritariamentesustenta ter sido derrogado o art. 4o, inc. III, da Lei n. 6.766/79, no tocante s

    61Nessa linha: MUSETTI, Rodrigo Andreotti. Da proteo jurdico-ambiental dos recursos hdricos. SoPaulo: LED, 2001, p. 183-184.62 Essa a concluso de MAGRI, Ronald Vitor Romero; BORGES, Ana Lcia Moreira. Vegetao depreservao permanente e rea urbana: uma interpretao do pargrafo nico do art. 2 do Cdigo Florestal.Revista de Direito Ambiental,So Paulo, n. 2, abr./jun. 1996.63 ANTUNES, Direito ambiental, p.254. No mesmo sentido: AKAOUI, Apontamentos acerca..., p. 287.Tambm: FREITAS, Matas ciliares. Na lio de Paulo Jos Leite Farias, na dvida sobre a norma a ser

    aplicada, na hiptese de mais de um ente, de diferente hierarquia, legislar sobre o mesmo tema, deve entrarem cena o princpio do in dubio pro ambiente, segundo o qual deve prevalecer a norma que mais proteja omeio ambiente. FARIAS, Competncia federativa..., p. 430.

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    reas de preservao permanente no entorno dos corpos hdricos, permanecendoa restrio de 15 metros para o entorno das faixas de domnio pblicoestabelecida pela lei do parcelamento do solo64.

    Conclui-se, pois, que os planos diretores, as leis de uso do solo e os atosadministrativos (declaraes de condio de ocupao do solo, licenas,aprovaes de projetos) que autorizem qualquer uso ou ocupao do solo urbanodevem adequar-se s restries impostas pelas normas ambientais, devendorespeitar a metragem de mnima de 30 metros (que pode ser maior, conforme alargura do corpo hdrico) de preservao das reas situadas ao longo ou ao redordos corpos hdricos correntes e dormentes (rios, lagos, lagoas, arroios, etc.),aplicando-se, in casu, o Cdigo Florestal (art. 2o, ae b- este regulamentado pelaResoluo n. 303/02 do CONAMA, art. 3o, inc. III). A metragem de 15 metrosestabelecida na Lei n. 6.766/79 servir para balizar somente a reserva mnima derea non aedificandi ao longo das faixas de domnio pblico das rodovias e

    ferrovias.

    Essa concluso pela incidncia das restries ambientais se d, acima de tudo,porque as normas urbansticas que visam organizao dos espaos urbanos no so suficientes para assegurar a sadia qualidade de vida aos moradores daszonas urbanas. A expanso das cidades tem atingido as proximidades das reasde preservao que so de vital importncia para a manuteno do equilbrioecolgico do meio onde vive a populao. Fernando Reverendo Vidal Akaouiassevera que os maiores problemas enfrentados com o parcelamento do solourbano dizem respeito interveno nas margens de curso dgua, uma vez queas cidades passaram a se aproximar de tal forma dos rios, e os loteamentos aabranger estas reas, que o desrespeito passou a ser uma realidade cotidianadas cidades brasileiras65. Nesse ponto, importante destacar que o grandeproblema do futuro prximo ser a escassez de gua, em face da degradao dascondies dos corpos hdricos, que, comprometidos em razo da remoo dasmatas ciliares, do lanamento de poluentes domsticos, industriais e rural-agrcolas, no se prestaro captao de gua para tratamento e consumohumano. Portanto, a restrio consistente na manuteno da faixa non aedificandide preservao permanente, ao longo de qualquer corpo dgua, que recairsobre o parcelamento do solo para fins urbanos, necessria para a preservaodo meio ambiente natural e para a qualidade de vida das populaes. Assim, o

    desenvolvimento urbano sustentvel das cidades deve, necessariamente,respeitar os limites ecolgicos.

    O entendimento que prevalece o de que, em se tratando de APPs do art. 2do Cdigo Florestal matas ciliares, encostas acima de 45 graus, terrenos comaltitude superior a 1.800 metros, dentre outros o regime jurdico municipal aplicvel quando for mais rigoroso que aquele previsto na lei florestal federal. Ou,por outras palavras, os parmetros do art. 2 do Cdigo Florestal no so simples

    64Nesse sentido: BRAGA, Parcelamento..., p. 54-55. Tambm: FIGUEIREDO,A propriedade...,p. 218-235.65AKAOUI, Fernando reverendo Vidal. Apontamentos acerca da aplicao do Cdigo Florestal em reas

    urbanas e seu reflexo no parcelamento do solo. In: FREITAS, Jos Carlos de (Coord.). Temas de direitourbanstico.So Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministrio Pblico do Estado de So Paulo, 2000, v.2.,p. 286.

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    referncia flexvel, singela indicao, mas caracterizam-se como pisomandamental, aqum do qual nem os Estados, nem os Municpios podemdescer.

    Ademais, no haveria lgica em se preservar as matas ciliares de rio somentequando este cruza zona rural. O rio no termina ao ultrapassar os limites da zonarural e chegar cidade, requerendo a preservao de suas margens em suatotalidade, e no somente quando atravessar zonas rurais, pois o meio ambienteno conhece os limites geogrficos inventados pelo homem.

    2.2.6.Possibilidade de alterao e/ou supresso de vegetao em APP

    A proteo em relao s reas de preservao permanente consiste na suaimodificabilidade66, existindo restrio ao direito de construir67, no meramentepor interesse urbanstico, mas por razes ambientais e de equilbrio ecolgico,

    como j dito alhures.

    A intangibilidade das reas de preservao permanente no absoluta,porquanto o art. 4 do Cdigo Florestal, com a redao dada pela MedidaProvisria n. 2.166-67/2001, prev que a excepcional possibilidade de supressode vegetao em reas de preservao permanente, quando necessria execuo de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pblica ouinteresse social, dizendo que somente poder ser autorizada em caso deutilidade pblica ou de interesse scio-econmico, devidamente caracterizados emotivados em procedimento administrativo prprio, quando inexistir alternativatcnica e locacional ao empreendimento proposto.

    H de se salientar que mesmo as reas de preservao permanente queestiverem desprovidas de sua cobertura vegetal original devem ser objeto deavaliao pelo rgo ambiental competente quando verificada a inteno deinstalao de quaisquer obras, planos, atividades ou projetos nesses espaos,pois, como j dito anteriormente, a legislao protege no s a cobertura vegetal,mas a rea em que est (ou estava) assentada, j que a localizao o fatordeterminante da proteo legal da rea, e no o estado de eventualdesestabilidade ecolgica em que se encontra.

    A primeira condio imposta pelo Cdigo Florestal para o licenciamento dequalquer interveno pretendida nas APPs o enquadramento em um dos casosde utilidade pblica ou de interesse social.

    66A Resoluo CONAMA n. 369/2006, nos considerandos, diz que as reas de preservao permanente socaracterizadas pela intocabilidade e vedao de uso econmico direto.67O art. 1odo Cdigo Florestal dispe que todas as formas de vegetao, reconhecidas de utilidade s terrasque revestem, so bens de interesse comum a todos os habitantes do pas, exercendo-se os direitos depropriedade com as limitaes que a legislao estabelece. Assim, o direito de usar e fruir a propriedade

    pblica ou particular que difere do direito de construir deve observar as restries legais quanto supresso de vegetao e s edificaes, estando o direito limitado pela funo scio-ambiental dapropriedade e pelo bem estar da coletividade.

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    As expresses utilidade pblica e interesse social so conceitosindeterminados68ou vagos, que dependem de interpretao pela AdministraoPblica, balizada pela finalidade pblica e pelo princpio da legalidade. Mas, paraos fins de supresso de vegetao nas reas de preservao permanente, o

    prprio Cdigo Florestal j define quais as situaes de fato que se enquadramem tais conceitos, no art. 1o, 2o, inc. IV e V:Art. 12- Para os efeitos deste Cdigo, entende-se por:(...)IV- Utilidade Pblica:a) as atividades de segurana nacional e proteo sanitria;b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos servios pblicos detransporte, saneamento e energia;c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resoluo doConselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA.V- Interesse Social:

    a) as atividades imprescindveis proteo da integridade da vegetaonativa, tais como: preveno, combate e controle do fogo, controle da eroso,erradicao de invasoras e proteo de plantios com espcies nativas,conforme resoluo do CONAMA;b) as atividades de manejo agroflorestal sustentvel praticadas na pequenapropriedade ou posse rural familiar, que no descaracterizem a coberturavegetal e no prejudiquem a funo ambiental da rea; ec) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resoluo doCONAMA.

    A Resoluo do CONAMA n. 369, de 28 de maro de 2006, regulamentando oart. 4 do Cdigo Florestal, dispe sobre os casos excepcionais que possibilitamao rgo ambiental competente autorizar a interveno ou supresso devegetao em APP para implantao de obras, planos, atividades ou projetos deutilidade pblica ou interesse social ou para a realizao de aes consideradaseventuais e de baixo impacto ambiental:

    Art. 2 - (...)I - utilidade pblica:a) as atividades de segurana nacional e proteo sanitria;b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos servios pblicos de

    transporte, saneamento e energia;c) as atividades de pesquisa e extrao de substncias minerais, outorgadaspela autoridade competente69, exceto areia, argila, saibro e cascalho;d) a implantao de rea verde pblica em rea urbana70;e) pesquisa arqueolgica;

    68 Nem todos os conceitos indeterminados esto abrangidos pela discricionariedade, pois nesta estoabrangidos apenas aqueles cuja indeterminao no possa ser determinvel, ficando merc da determinaosubjetiva do administrador. In: RIBEIRO, Lcio Ronaldo Pereira. Controle dos atos administrativosbaseados em conceitos vagos. Disponvel em: . Acessoem: 17 de agosto de 2004.69

    As exigncias para a autorizao de interveno em APP nesta hiptese esto no art. 7da resoluo.70Esto definidos no art. 8 os requisitos e condies para a interveno em APP para implantao de reaverde.

  • 7/22/2019 rea de Proteo Permanente

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    f) obras pblicas para implantao de instalaes necessrias captao econduo de gua e de efluentes tratados; eg) implantao de instalaes necessrias captao e conduo de gua ede efluentes tratados para projetos privados de aqicultura, obedecidos os

    critrios e requisitos previstos nos 1 o e 2 o do art. 11, desta Resoluo.II - interesse social:a) as atividades imprescindveis proteo da integridade da vegetao nativa,tais como preveno, combate e controle do fogo, controle da eroso,erradicao de invasoras e proteo de plantios com espcies nativas, deacordo com o estabelecido pelo rgo ambiental competente;b) o manejo agroflorestal, ambientalmente sustentvel, praticado na pequenapropriedade ou posse rural familiar, que no descaracterize a cobertura vegeta