aranha, graça. espírito moderno

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    m^Tjr C 4:W i RifrtitM

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    G R A A A R A N H A

    Espirito Moderno

    CIA. GRAPHICO-EDITORA MONTEIRO LOBATOPr aa da S, 34 S. Pa ulo 1925

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    Off. da Cia. Grap hico -Ed itora M onteiro Loba to S. Pa ulo 1925

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    E S P I R I T O M O D E R N O

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    No primeiro documento, recolhido neste volume, quando se procurou precisar a emoo estheticana Arte moderna, affirmou-se que o supremo movimento artstico daquelle instante se caracterizavapelo mais livre e fecundo subjectivismo. Em 1921a concluso a que se chegara na arte moderna, eraa da fora inexorvel da libertao esthetica. Foio apogeu da destruio de todo um passado' servils convenes de uma imaginaria ordem, a uma categoria de artes e ao imperativo de formulas em op-posio ao espirito scientifico, que modificara asensibilidade e construir o pensamento contemporneo. Tudo se transformara, s a Arte permaneciaentorpecida no passado. Com o advento do extremado individualismo, desencadeiou-se o mais fecundo subjectivismo, um delrio de liberdade, queno repetiu o romantismo e foi uma expresso dy-namica do eu esthetico. Mas j nessa poca se poderia notar que o subjectivismo se transfigurava,para a finalidade constructiva, em objectivismo. Ena aurora da mutao para o que hoje a estru-ctura da arte moderna, nesse mesmo primeiro documento de 1921, escreveu-se:

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    Este subjectivismo to livre, que pela vontade independente do artista se torna no maisdesinteressado objectivismo, em que desapparece adeterminao psychologica. Seria a pintura de Ce-Zanne, a musica de Strawinsky reagindo contra olyrismo psychologico de Debussy, procurando, como j se observou, manifestar a prpria vida doobjecto no mais rico dynamismo, que se passa nascousas e na emoo do artista.Estava lanada a ponte entre as duas phasesdo espirito moderno. Em 1924 a evoluo se completara. O segundo documento define o objectivismodynamico na arte, o seusegredo psychologico, o seu

    metbodo.O espirito moderno zomba da critica, que vincoherencia, onde s ha modalidade, e do subjectivismo hyperlivre passa ao objectivismo, de que fazuma disciplina. O dynamismo um estado permanente de creao, porque crear uma actividade,uma funco dynamica. A suprema realizao doespirito moderno est em tornar objectivo esse dynamismo, em disfarar, subjugar o subjectivismoinherente ao pensamento, tornal-o instinctivamenteintegral com todas as cousas, independente e estranho ao prprio eu, que tambm objecto dafunco esthetica.Tudo se transforma pela sensibilidade humana,8

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    inumervel e sorprehendente em suas apparencias.S uma cousa lhe impossvel, voltar ao que ellaprpria consumiu, persistir no que passou. Seguindo as variaes da sensibilidade, sempre actuaes,sempreindic dor sdo futuro, a Arte realiza em suc-cessivas e infinitas emoes a fuso incessante doser ephemero e eterno no Todo Universal, que dasua essncia.

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    A EMOO ESTHETICA NA ARTEM O D E R N A (*)Para muitos de vs a curiosa e suggestiva exposio que gloriosamente inauguramos hoje, umaagglomerao de "horrores" Aquelle Gnio suppli-ciado, aquelle, homem amarello, aquelle carnavalallucinante, aquella paizagem invertida se no so

    jogos da fantasia de artistas zombeteiros, so seguramente desvairadas interpretaes da natureza eda vida. No est terminado o vosso espanto. Outros "horrores" vos esperam. Daqui a pouco, juntando-se a esta colleco de disparates, uma poesialiberta, uma musica extravagante, mas transcendente, viro revoltar aquelles que reagem movidos pelas foras do Passado. Para estes retardatarios aarte ainda o Bello.Nenhum preconceito mais perturbador concepo da arte que o da Belleza. Os que imaginamo bello abstracto so suggestionados por convenes

    (*) Conferncia com que foi inaugurada a Semana deArte Moderna no Theatro Municipal de S. Paulo emfevereiro de 1922./ /

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    C r aa Aranha

    forjadoras de entidades e conceitos estheticos sobreos quaes no pde haver uma noo exacta e definitiva. Cada um que se interrogue a si mesmo e res-' ponda que a belleza? Onde repousa o critrio in-fallivel do bello? A arte independente deste preconceito. E' outra maravilha que no a belleza. E'a realizao da nossa integrao no cosmos pelasemoes derivadas dos nossos sentidos, vagos e in-definiveis sentimentos que nos vm das frmas, dossons, das cores, dos tactos, dos sabores e nos levam unidade suprema com o Todo Universal. Por ellasentimos o Universo, que a sciencia decompe e nosfaz somente conhecer pelos seus phenomenos. Porque uma frma, uma linha, um som, uma cr noscommovem, nos exaltam e transportam ao universal? Eis o mysterio da arte, insoluvel em todos ostempos, porque a arte eterna e o homem porexcellencia o animal artista. O sentimento religiosopde ser transmudado, mas o senso esthetico permanece inextinguivel, como o Amor, seu irmo im-mortal. O Universo e os seus fragmentos so sempre designados por metaphoras e analogias, que fazem imagens. Ora, esta funco intrnseca do espirito humano mostra como a funco esthetica, que a de idear e imaginar, essencial nossa natureza.

    A emoo geradora da arte ou a que esta nostransmitte, tanto mais funda, mais universal12

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    quanto mais artista fr o homem, seu creador, seuinterprete ou espectador. Cada arte nos deve com-mover pelos seus meios directos de expresso c porelles nos arrebatar ao Infinito.A pintura nos exaltar, no pela anecdota, quepor acaso ella procure representar, mas principalmente pelos sentimentos vagos e ineffaveis que nosvm da frma e da cr.Que importa que o homem amarello ou a pai-zagem louca, ou o Gnio angustiado no sejam oque se chama convencionalmente reaes? O que nosinteressa a emoo que nos vem daquellas coresintensas e sorprehendentes, daquellas frmas estranhas, inspiradoras de imagens e que nos traduzemo sentimento pathetico ou satyrico do artista. Quenos importa que a musica transcendente, que vamos ouvir no seja realizada segundo as frmulasconsagradas O que nos interessa a transfigurao de ns mesmos pela magia do som, que exprimir a arte do musico divino. E' na essncia da arteque est a Arte. E' no sentimento vago do Infinitoque est a soberana emoo artstica derivada dosom, da frma e da cr. Para o artista a natureza uma "fuga" perenne no Tempo imaginrio. Em-quanto para os outros a natureza fixa e eterna,para elle tudo passa e a Arte a representao dessa transformao incessante. Transmittir por ella

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    C r a a Aranhaas vagas emoes absolutas vindas dos sentidos erealizar nesta emoo esthetica a unidade com oTodo, a suprema alegria do espirito.Se a Arte inseparvel do homem, se cada umde ns um artista mesmo rudimentar, porque um creador de imagens e frmas subjectivas, a Artenas suas manifestaes recebe a influencia da cultura do espirito humano.Toda a manifestao esthetica sempre precedida de um movimento de idas geraes, de um impulso philosophico, e a Philosophia se faz Arte parase tornar Vida. Na antigidade clssica o surto daarchitectura e da esculptura se deve no somente aomeio, ao tempo e raa, mas principalmente cultura mathematic, que era exclusiva e determinoua ascendncia dessas artes da linha e do volume. Aprpria pintura dessas pocas um accentuado reflexo da esculptura. No renascimento, em seguida perquirio analytica da alma humana, que foi aactividade predominante da edade mdia, o humanismo inspirou a magnfica florao da pintura,que na figura humana1procurou exprimir o myste-rio das almas. Foi depois da philosophia naturaldo sculo XVII que o movimento pantheistico seestendeu Arte e Literatura e deu Natureza apersonificao que raia na poesia e na pintura dapaizagem. Rodin no teria sido o innovador, que foi14

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    na esculptura, se no tivesse havido a precednciada biologia de Lamarck e Darwin. O homem deRodin o anthropoide aperfeioado.E eis chegado o grande enigma que o de pre-cizar as origens da sensibilidade na arte moderna.Este supfremo movimento artstico se caracterizapelo mais livre e fecundo subjectivismo. E' uma resultante do extremado individualismo que vem vindo na vaga do tempo ha quasi dous sculos at seespraiar em nossa poca, de que feio avassaladora.Desde Rousseau o indivduo a baze da estru-ctura social. A sociedade um acto da livre vontadehumana. E por este conceito se marca a ascendncia philosophica de Condillac e da sua escola. Oindividualismo freme na revoluo franceza e maistarde no romantismo e na revoluo social de 1848,mas a sua libertao no definitiva. Esta s veiuquando o darwinismo triumphante desencadeou oespirito humano das suas pretendidas origens divinas e revelou o fundo da natureza e as suas tramas inexorveis. O espirito do homem mergulhouneste insondavel abysmo e procurou a essncia dascousas. O subjectivismo mais livre e desencantadogerminou em tudo. Cada homem um pensamentoindependente, cada artista exprimir livremente,sem compromissos, a sua interpretao da vida, a

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    C r a a Aranhaemoo esthetica que lhe vem dos seus contactoscom a natureza. E ' toda a magia interior do espirito que se traduz na poesia, na musica e nas artes plsticas. Cada um se julga livre de revelar anatureza segundo o prprio sentimento libertado.Cada um livre de crear e manifestar o seu sonho,a sua fantasia intima desencadeada de toda a regra, de toda a sanco. O canon e a lei so substitudos pela liberdade absoluta que nos revela, porentre mil extravagncias, maravilhas que s a liberdade sabe gerar. Ningum pde dizer com segurana onde o erro ou a loucura na arte, que aexpresso do estranho mundo subjectivo do homem.O nosso julgamento est subordinjjfefr aos nossosvariveis preconceitos. O gnio se mat^pestar livremente, e esta independncia uma magnfica fatalidade e contra ella no prevalecero as academias,as escolas, as arbitrarias regras do nefando bomgosto, e do infecundo bom senso. Temos que accei-tar como uma fora inexorvel a arte libertada. Anossa actividade espiritual se limitar a sentir naarte moderna a essncia da arte, aquellas emoesvagas transmittidas pelos sentidos e que levam onosso espirito a se fundir no Todo infinito.

    Este subjectivismo to livre que pela vontadeindependente do artista se torna no mais desinteressado objectivismo, em que desapparece a determina-16

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    o psychologica. Seria a pin tura de Cezanne, amusica de Strawinsky reagindo contra o lyrismopsychologico de Debussy procurando, como j seobservou, manifestar a prpria vida do objecto nomais rico dynamismo, que se passa nas cousas e naemoo do artista.Esta talvez seja a accentuao da moda, porque nesta arte moderna tambm ha a vaga da moda,que at certo ponto uma privao da liberdade. Atyrannia da moda declara Debussy envelhecido esorri do seu subjectivismo transcendente, a tyrannia da moda reclama a sensao forte e violentada interpretao constructiva da natureza pondo-seem intimacorrelao com a vida moderna na suaexpresso mais real e desabusada. O intellectualis-mo substitudo pelo objectivismo directo, que, levado ao excesso, transbordar do cubismo no dada-ismo. Ha uma espcie de jogo divertido e perigoso,e por isso seductor, da arte que zomba da prpriaarte. Desta zombaria est impregnada a musica moderna que na Frana se manifesta no sarcasmo deEric Satie e que o grupo dos "seis" organiza emattitude. Nem sempre a factura desse grupo homognea, porque cada um dos artistas obedece fatalmente aos impulsos mysteriosos do seu prpriotemperamento, e assim mais uma vez se confirma a

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    caracterstica da arte moderna que a do mais livresubjectivismo.E' prodigioso como as qualidades fundamen-taes da raa persistem nos poetas e nos outros artistas. No Brasil, no fundo de toda a poesia, mesmoliberta, jz aquella poro de tristeza, aquella nostalgia irremedivel, que o substracto do nosso ly-rismo. E' verdade que ha um esforo de libertaodessa melancolia racial, e a poesia se desforra naamargura do humorismo, que uma expresso dedesencantamento, um permanente sarcasmo contrao que e no devia ser, quasi uma arte de vencidos.Reclamemos contra essa arte imitativa e voluntriaque d ao nosso "modernismo" uma feio artificial. Louvemos aquelles poetas que se libertam pelosseus prprios meios e cuja fora de asceno lhes eintrnseca. Muitos delles se deixaram vencer pelamorbidez nostlgica ou pela amargura da fara, masnum certo instante o toque da revelao lhes chegou e eil-os livres, alegres, senhores da matria universal que tornam em matria potica.Destes, libertados da tristeza, do Iyrismo e doformalismo, temos aqui uma pleiade. Basta que umdelles cante, ser uma poesia estranha, nova, aladae que se faz musica para ser mais poesia. De dousdelles, nesta promissora noite ouvireis as derradeiras "imaginaes" Um Guilherme de Almeida, o18

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    poeta de "M essidor" cujo lyrismo se distilla sub-til e fresco de uma longnqua e vaga nostalgia deamor, de sonho e de esperana, e que, sorrindo, seevola da longa e doce tristeza para nos dar nasCanes Gregas a magia de uma poesia mais livredo que a Arte. O outro o meu Ronald de Carvalho, o poeta da epopa da "Luz Gloriosa" em quetodo o dynamismo brasileiro se manifesta em umafantasia de cores, de sons e de frmas vivas e ardentes, maravilhoso jogo de sol que se torna poesiaA sua arte mais area agora, nos novos epigram-mas, no definha no frivolo virtuosismo que o folguedo do artista. Ella vem da nossa alma, perdida noassombro do mundo, e a victoria da cultura sobreo terror, e nos leva pela emoo de um verso, deuma imagem, de uma palavra, de um som fusodo nosso ser no Todo infinito.

    A remodelao esthetica do Brasil iniciada namusica de Villa-Lobos, na esculptura de Brecheret,na pintura de Di Cavalcanti, Annita Malfati, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita, e na joven eousada poesia, ser a libertao da arte dos perigosque a ameaam do inopportuno arcadismo, do aca-demismo e do provincianismo.O regionalismo pde ser um material litterario,

    mas no o fim de uma litteratura nacional aspirando ao universal. O estylo clssico obedece a uma19

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    disciplina que paira sobre as cousas e no as possue.Ora, tudo aquillo em que o Universo se fragmenta nosso, so os mil aspectos do Todo, que aarte tem que recompor para lhes dar a unidade absoluta. Uma vibrao intima e intensa anima o artista neste mundo paradoxal que o Universo brasileiro, e ella no se pde desenvolver nas frmas rijas do arcadismo, qe o sarcophago do passado.Tambm o academismo a morte pelo frio da artee da litteratura.Ignoro como justificar a funco social daAcademia. O que se pde affirmar para conde-mnal-a que ella suscita o estylo acadmico, constrange a livre inspirao, refreia o joven e ardegotalento que deixa de ser independente para se vasarno molde da Academia. E' um grande mal na renovao esthetica do Brasil e nenhum beneficio trar lingua esse espirito acadmico, que mata ao nascera originalidade profunda e tumultuaria da nossa

    floresta de vocbulos, phrases e idas. Ah se osnovos escriptores no pensassem na Academia, seelles por sua vez a matassem em suas almas, quedescortino immenso para o magnfico surto do gnio, emfim liberto de mais esse terror. Esse "academismo" no s dominante na litteratura. Tambm se estende s artes plsticas e musica. Porelle tudo o que a nossa vida offerece de enorme, de20

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    esplendido, de immortal, se torna medocre e triste.Onde a nossa grande pintura, a nossa esculptura e a nossa musica, que no devia esperar a magiada arte de Villa-Lobos para ser a mais sincera expresso do nosso espirito divagando no nosso fabuloso mundo tropical? E, no emtanto, eis a pai-zagem brasileira. E' construida como uma archi-tectura, so planos, volumes, massas. A prpria crda terra uma profundidade, os vastos horizontesabsorvem o co e do a perspectiva do infinito. Como ella provoca a transposio pela arte, que lhed no mximo realismo a mais alta idealidade Eisas nossas gentes. Sahem das florestas ou do mar..So os filhos da terra, moveis, geis como os ani-maes cheios de pavor, sempre em desafio do perigo,e, no impulso do sonho, allucinados pela imaginao, caminhando peja terra na nsia de conhecer epossuir. Onde a arte que transfigurou genialmenteessa perpetua mobilidade, essa progresso infinitada alma brasileira?Da libertao do nosso espirito sahir a artevictoriosa. E os primeiros annuncios da nossa esperana so os que offerecemos aqui vossa curiosidade. So estas pinturas extravagantes, estas es-clpturas absurdas, esta musica allucinada, estapoesia area e desarticulada. Maravilhosa auroraDeve-se accentuar que, excepto na poesia, o que se

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    fez antes disto na pintura e na musica inexistente.So pequenas e timidas manifestaes de um temperamento artistico apavorado pela dominao danatureza, ou so transplantaes para o nosso mundo dynamico de melodias mofinas e languidas, marcadas pelo metro acadmico de outras gentes.O que hoje fixamos po a renascena de umaarte que no existe. E' o prprio commovente nascimento da arte no Brasil, e como no temos felizmente a prfida spmbra do passado para matar agerminao, tudo promette uma admirvel "flora-da" artstica. E, libertos de todas as lestrices, realizaremos na arte o Universo. A vida ser, emfim,

    vivida na sua profunda realidade esthetica. O pro*prio Amor uma funco da arte, porque realiza aunidade integral do Todo infinito pela magia dasfrmas do ser amado. No universalismo da arte esto a sua fora e a sua eternidade. Para sermos uni-versas, faamos de todas as nossas sensaes expresses estheticas, que nos levem anseiada unidade csmica. Que a arte seja fiel a si mesma, renuncie ao particular e faa cessar por instantes adolorosa tragdia do espirito humano desvairadono grande exilio da separao do Todo, e nos transporte pelos sentimentos vagos das frmas, das cores,dos sons, dos tactos e dos sabores nossa gloriosafuso no Universo.22

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    O ESPIRITO MO DERNO (*)Que o espirito moderno? No ardente e perpetuo movimento da sensibilidade e da intelligen-cia, como distinguir a expresso inequvoca do momento fugitivo, o propulsor espiritual, que nossepara do Passado e nos arrebata para o Futuro?No ser uma contradio pretender-se fixar o que

    s tem Uma existncia imaginaria e s abstraco?Para o observador, que assiste fuga do tempo,nada actual; o Presente uma illuso. Como sguas de um rio, em cada instante que passa, o espirito do homem no mais o mesmo. Que nsiapermanente em explicar o indefinivel, em quererencerrar o tempo illusorio em frmulas, que fazemdo Universo uma projeco da nossa prpria personalidade Tudo movei, tudo se esvae, e tudo setransforma. O espirito moderno uma abstraco.No momento em que o definimos e o captamos, entrou no passado. Os ephemeros humanos sentem

    (*) Conferncia na Academia Brasileira em 19 dejunho de 1924.23

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    esta impossibilidade absoluta, mas persistem fatalmente em buscar na mobilidade a eternidade.Sob o angulo relativo da comprehenso dosphenomenos transcendentes existe o Tempo, e frac-cionando-o em pocas, podemos explicar o espiritomoderno e delimitar no espao a sua relevao e asua opposio ao espirito do Passado. Antes da nossa actualidade, o instante mais prximo ao nossomomento caracterizava-se pelo subjectivismo, quetransfigura o Universo, segundo o sentimento individual, illusoriamente livre. A edade mdia pre-iparou este estado especial do espirito, que subordinou o Todo universal ao nosso eu, que no considerou as cousas na sua realidade objectiva, massegundo a representao que dellas faz o espiritohumano. A Renascena continuou no humanismoesta accentuao e a Reforma saxonia o surto definitivo do individualismo pratico, cuja raiz remotase acha no direito germnico. Rousseau e toda a suanumerosa progenie sentimental exaltou o indivduo, e o romantismo, ahi germinado, foi osubjectivismo delirante. O homem oppoz-se ao Universo, fugiu realidade permanente, deformou aviso dos objectos, a poltica armou-se da clava deegualdade e a literatura exprimiu a dr da noconformidade com a vida. O subjectivismo transbordou na philosophia at a reaco positiva e a in-24

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    terpretao scientifica e unitria do Universo. Naliteratura e na arte manteve-se perturbador e anar-chico.A este subjectivismo passivo ou dynamico, o espirito moderno oppe o objectivismo dynamico. Jse observou que para o subjectivismo a arte est emfunco do eu; para o objectivismo dynamico aarte exprime o movimento das cousas, que agempelas suas prprias foras independentes do eu. E'um estado esthetico posterior ao expressionismo,em que toda a arte era subjectiva e emotiva. Pde-se dizer que elle caracteriza a arte moderna nassuas derradeiras aspiraes, A libertao do subjectivismo dynamico do romantismo, ou mesmo dosubjectivismo contemplativo dos impressionistas, a grande victoria do espirito moderno. O cubismono chegou a realizar essa suprema desforra. Ha nocubismo uma estatistica, que prepara o dynamismo,mas que no realiza o perenne e implacvel movimento das cousas. A pintura, a esculptura, ainda noattingiram esse modernismo esthetico, que a musicaostenta nas ultimas creaes de Strawinsky. A poesia no se emancipou do sentimentalismo mesmo nospoemas de um Appolinaire e de seus epigonos, Co-cteau, Cendrars, Ivan Goll e outros. Parece que hauma lei de constncia lyrica, que mantm o estadosubjectivo nos artistas mais livres. E' estranho

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    Graa Aranhacomo nesses poetas toda a arte est em funco doeu, e elles exprimem o irremedivel dualismo, e rarofundem o sujeito pensante no objecto pensado. Aobjeco fcil de que toda a viso, toda a sensaodo mundo subjectiva e de que a arte no pde serindependente do eu, do sujeito que a exprime, estprevista e repellida na synthese, que leva o espiritohumano a sentir-se um com1 todas as cousas, a aboliro prprio eu para exprimir a vida, a aco dos ob-jectos, movidos pelas suas prprias foras e nessedynamismo realizar a emoo esthetica, que nosfunde no Universo. E o espirito humano tambm sepercebe como um objecto no sentimental, passivoou contemplativo, mas dynamico, uma fora viva,actuada pelas suas prprias foras, um ephemeroentre as cousas ephemeras, uma expresso dynamicada natureza sem outra finalidade, que no seja afinalidade esthetica.

    No ha movimento artstico que no seja precedido de um movimento philosophico. E a philosophia da unidade realiza-se no objectivismo dynamico da arte moderna. A razo desse objectivismoest na concepo esthetica do universo, que dominao problema da arte. Todo o conhecimento do Universo esthetico, desde que no se pde explicarscientificamente a substancia. Dos contactos, quenos vm pelos sentidos, resultam sentimentos va-26

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    gos, que nos levam indiscriminao no todo infinito. E' a essncia da arte. O artista aquelle quepossue e transmitte esses sentimentos vagos, transcendentes e realiza na obra de arte a fuso do seuser no Universo. O espectador da obra de arte quesente, movido pela expresso artstica, aquella emoo vaga, indefinivel, attinge esthetica do Universo. Essa fuso essencial tanto mais perfeitaquanto mais realizada pelos elementos geraes daexpresso artstica, pelos meios mais puros e maisintensos. Se quebrarmos por um instante a unidadeda arte, vemos que a pintura tem os seus elementosessenciaes na frma e na cr, a esculptura na frma, na luz, no movimento, a architectura na frma,na luz, na estabilidade das massas, que suggere movimento.

    A obra de arte tanto mais profunda e maisequilibrada quanto mais predominam os elementosgeraes e universaes. Se o artista despreza ou nopossue a emoo profunda que lhe vem dos elementos essenciaes da arte, e se preoccupa com o assum-pto, a anecdota, e delia faz o centro da obra dearte, esta inexistente estheticamente. Se o artistaexaggera a sensao de um desses elementos, se porexemplo na pintura realiza a cr abolindo a frma, sem comprehender que a cr um volume e aluz outro, exaggero em que cahiram os ltimos

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    Graa Aranha

    impressionistas, a obra de arte falsa. Se o artistase esmera no desenho a ponto de principalmente poreste representar os objectos sem correspondnciacom o ambiente, a arte fria e acadmica. O im-pressionismo reagiu contra este academismo da frma e proclamou que tudo era vago, sem consistncia, dependendo da luz e que esta faz a cr. Ocubismo veiu como uma reaco contra o exaggeroimpressionista. Ensaiou realizar na arte os volumes,as massas, e voltou geometria, s linhas e s dimenses, e procurou nos objectos a sua expressosynthetica e essencial. Pa ra attingir synthese, ocubismo libertou a arte da tyrannia dos sentidose deu-lhe uma preeminencia espiritual. Um dostheoricos da doutrina dogmatizou: "Les sens d-forment, 1 esprit forme A pin tura sensorial passageira e errnea, porque os artistas s vem nosobjectos os factos simples, vulgares, ao passo que oartista cubista considera o objecto e o seu conjuntocomo factos artsticos.E num exemplo explicam os cubistas a thesefundamental da doutrina. Se o artista examina umalaranja com o auxilio exclusivo dos sentidos s percebe um fruto de contornos suaves, de aspecto saboroso, de pelle enrugada e brilhante. E' o "factosimples" da laranja, a certeza vulgar. Mas se considera o mesmo fruto na sua representao synthe-28

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    tica e eterna s v na laranja uma esphera de cramarella, e a. verificao deste conjunto de elementos constitue um "facto artstico" primordial.Esta operao synthetica da arte a mesma nalinguagem, que na palavra d a essncia, a vida geral dos objectos da mesma ordem, eliminando osseus caracteres particulares, os factos simples e vulgares, para fixar a ida synthetica.O grande erro do cubismo o seu exclusivismointellectual. A arte, afastando-se da injunco dossentidos, torna-se puramente espiritual, na incessante e chimerica busca de uma verdade eterna, queest alm da certeza sensorial. Consciente de quetoda a arte precedida de uma philosophia, o cubismo remonta as suas origens a Plato, que proclamou "percebem os sentidos unicamente o que passa,o entendimento o que fica a Cicero, relembrandoque Phidias, quando queria esculpir a estatua deum deus, no procurava modelo nos homens, masno seu prprio espirito; a Kant, quando diz que ossentidos s nos do a matria do conhecimento, aopasso que o entendimento nos d a frma; a Bos-suet, quando affirmou que os sentidos fazem conhecer as nossas prprias sensaes; a Malebranche:"a verdade no est em nossos sentidos, mas no espirito" A these capital do cubismo, formulada pelos seus doutrinrios, seria: "Conhecer um objecto

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    querer conhecel-o na sua essncia, represental-o noseu espirito o mais puramente possvel, reduzil-o aum estado de signo, de totem por assim dizer, absolutamente livre de todos os pormenores inteis, taescomo os aspectos, accidentes mltiplos e vrios. Osaspectos o situam no'*tempo e no espao de ummodo arbitrrio e no podem sequer explorar a suaqualidade primeira. Assim como o artista fixar natela ou no mrmore no o que passa, mas o quefica, assim no situar os objectos em logar determinado, mas no espao, que infinito." Poder-se-iaaccrescentar como corollario phrase de Plato:"os sentidos s percebem o que situado, o espiritoo que est no espao''Nesta metaphysica do cubismo que o leva aoidealismo transcendente, ha todo o excesso do subjectivismo, que deixou de ser dynamico com os romnticos e passou a ser esttico com estes estranhosgeometras da arte. Neste jogo ardente da intelli-gencia apoiam-se na palavra de Bossuet: "Les sensne peuvent supporter les extremes, mais 1 enten-dement nen est jam ais bless" Repellem a certezados sentidos e buscam a chimera da verdade eterna. Raphael j dissera: "io me sirvo de certa ideachi me vienne alia m ente" Voltamos s categorias,s entidades e o cubismo torna-se uma arte do passado, para a qual os objectos s possuem a emo-30

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    o, que ns lhes damos com o auxilio dos meios,que nos fornecem nossa sensibilidade e nossa in-telligencia, e so imagens, que s existem, quandolhes prestamos atteno estricta, ou quando lhes at-tribuimos valor artstico. E' a mais intensa affir-mao do subjectivismo, a*opposi mais viva emais profunda ao objectivismo dynamico, que estesim a expresso fecunda do espirito moderno.

    Todo o subjectivismo importa em destruioindividualista. Na ordem social contempornea adissoluo que vem desde a revoluo franceza, attin-giu o seu mximo na grande guerra e ainda se alastra. O signo da nossa actualidade o formidvelempenho de reconstruco. Neste chos, o objectivismo dynamico nos revela o universo nas suas foras simples e eternas e recompe com os seus fragmentos activos a unidade intellectual e sentimental,creando uma ordem pratica, simples, til, enrgica/.Libertador e constructor, o espirito moderno sabeque ha uma unidade essencial e infrangivel entretodos os seres, os organismos, que por sua vez sorgos do Todo universal. Uma obra de arte organismo distincto dos outros organismos, mas porsua vez ella rgo do pensamento, da emoo, davida total. Ligar estes organismos particulares aoorganismo universal o senso occulto da cultura. A

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    obra de arte deve ter uma vida interior em relaocom a vida exterior, de que faz parte integrante.Nesse assombroso trabalho de reconstrucoesteja sempre omnipresente e activo o sentimentoda unidade universal. E' para o universalismo quetende o espirito humano. Se pudssemos fixar nesteperpetuo movimento dos seres e das emoes algumas expresses mais caractersticas do espirito moderno, diramos: 1. Todos os seres esto emactividade e em continua transformao, exteriorou secreta nossa percepo. Por mais apparenteque seja a immobilidade de um objecto ha nelle umindomvel e incessante movimento de todas as suasmolculas. Esse movimento, por mais lento e imperceptvel que seja, existe como uma fatalidade. O serhumano deve comprehender, sentir, essa perennetransformao, idntica sua e a arte tem de exprimir ininterruptamente essa sensao e esse sentimento. 2. Os objectos destacam-se do ambiente,por sua vez formam ambiente pelos seus volumes epesos. No ha objecto tangvel que seja impondervel. A cr e a luz so volumes. A luz tem peso,actua sobre os objectos, geometricamente. Pela suaenergia modifica os movimentos e exerce attraco,pelo seu peso um elemento da gravitao universal. 3. O universo fragmenta-se em seres, mastodos estes se unem indefinidamente. A obra de arte32

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    deve exprimir necessariamente essa unidade infran-givel e no ser jamais fragmentaria, seno na appa-rencia. Somos todos universaes e todo o movimento,consciente ou inconsciente dos seres, sejam estes ouno conscientes, levam unidade primordial. OUniverso no um espectaculo, uma integrao.Por esse dynamismo a arte se liberta da natureza. A finalidade da arte no a imitao da natureza. Ella tem o seu fim em si mesma. O espiritohumano to creador como a natureza e s se at-tinge a obra de arte, quando o espirito se liberta danatureza e age independentemente. As frmas arts

    ticas, que se limitam a reproduzir a natureza, sode qualidade inferior quellas que o artista formulacomo creao individual e livre. Nem todos os povos primitivos se subordinaram natureza, muitosforam verdadeiramente artistas, creando obras dearte sem imitao, como jogos da fantasia espiritual.Quanto mais uma civilizao artstica, mais ellase afasta da natureza. A arte no um canto da natureza, visto atravs de um temperamento, como apaizagem no um estado da alma. Todas estas formulas subjectivas fizeram o seu tempo. So incom-prehensiveis hoje. A essncia da arte est nas emoes provocadas pelos sentimentos vagos, que nosvm dos contactos sensveis com o Universo e que

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    se exprimem nas cores, nas linhas, nos sons, naspalavras.Que a Natureza? No a matria universal.Ella est na matria, na energia, porque nada existefora desta, e realiza-se perpetuamente na profundainconsciencia, independente do espirito humano. Nosentido artstico a Natureza tudo o que se apresenta aos nossos sentidos como exterior a ns. Asartes plsticas so as que mais procuram reproduzir a Natureza. A musica mais independente. Depois da grande vassalagem Natureza, a arte libertou-se e cria livre de toda a submisso. E' asuprema victoria do espirito humano. A imitaono principio, a libertao no fim. No ha uma ma-china, um apparelho, que no seja no seu iniciouma cpia de um facto natural. O primeiro vaporidealizado tinha patas de palmipedes; o avio, azasde pssaros. E quando as machinas succediam a outros apparelhos, guardavam a estructura destes. Oautomvel foi a principio um coche sem cavallos.Depois estas machinas se emancipam da imitao etomam frmas prprias, constituem organismos ori-ginaes, distinctos e caractersticos, fixando o typo,a espcie. Hoje, o vapor, o avio, o automvel tma sua frma prpria e modelar. Assim ser a obrade arte, que a cultura liberta da imitao da natureza para dar-lhe frma artstica, frma espiritual,34

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    peculiar, como um organismo novo, vindo da foracreadora do homem.Esta independncia da natureza e da arte uma das maiores conquistas do objectivismo dynamico. O espirito brasileiro ainda no a sentiu e vivepor isso no terror csmico, de que a imitao da natureza e a subordinao a esta so significativasexpresses. Somos os lyricos da tristeza, porqueainda no vencemos a natureza, vivemos esmagados,saudosos, apavorados. O brasileiro est no perodosubjectivo, do qual o romantismo manifestaoconstante e perturbadora. Pde-se affirmar que oBrasil um dos ltimos refgios do romantismo.Do lyrismo, que seria a expresso ingnua do en-thusiasmo natural e primitivo, do lyrismo fecundo,ardente, que eleva o homem alm de si mesmo e otransforma divinamente, vencedor da matria, cahi-mos na deformao romntica, que mascara a realidade e nos entorpece no sentimentalismo. Ha entrea realidade, a matria que se faz arte, e o espiritoque a exprime, uma perniciosa zona literria, mantida pelo academismo, que estraga a viso do reale impede a construco de tornar-se robusta e s.A infeco literria corrompe a potica, a arte, avida.

    Em uma terra ardega, que vive o poema da aspirao, no pode haver maior paradoxo do que35

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    este espirito romntico da nossa cu lt u ra .. Este espirito dissolvente e vago. O espirito moderno dynamico e constructor. Por elle temos de crear anossa expresso prpria. Em vez de imitao* crea-o. Nem a imitao europa, nem a imitao americana a creao brasileira. Todos os povos crea-ram. O prprio americano do norte, ainda inculto,creou. S o brasileiro se julga incapaz de crear e resignado se humilha na imitao. O nosso privilegiode no termos o passado de civilisaes aborgenesfacilitar a liberdade creadora. No precizamos,como o Mxico e o Peru, remontar aos antepassadosMayas, Aztecas ou Incas, para buscar nos indgenas a espiritualidade nacional. O Brasil no recebeu nenhuma herana esthetica dos seus primitivoshabitantes, mseros selvagens rudimentares.

    Toda a cultura nos veiu dos fundadores europeus. Mas a civilizao aqui se caldeou para esboar um typo de civilizao, que no exclusivamente europa e soffreu as modificaes do meio eda confluncia das raas povoadoras do paiz. E'um esboo apenas sem typo definido. E' um pontode partida para, a creao da verdadeira nacionalidade. A cultura europa deve servir no para prolongar a Europa, no para obra de imitao, simcomo instrumento para crear cousa nova com os36

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    elementos, que vm da terra, das gentes, da prpriaselvageria inicial e persistente.O desejo de libertao um signal de que ellaj est em ns. At agora todo o nosso empenhoandava em imitar. Desde que em nosso espirito rompemos com esta pratica, comeamos a fazer cousanova e cousa nossa. Faremos cousa differente dosAmericanos, libertos material e moralmente da Inglaterra. Quebraremos a uniformidade continental,com que nos ameaam. Faremos cousa nossa, sahi-da do nosso fundo espiritual, que seja determinadapelo prodigioso ambiente, em que vivemos. Subjugaremos a natureza, para impr-lhe o nosso rythmohaurido nella prpria. No se trata somente de creao material, de um typo de civilizao exterior.Aspira-se creao interior, espiritual e physica,de que a civilizao exterior das architecturas, dosmachinismos, das industrias, dos trabalhos e detoda a vida pratica seja o reflexo.

    Para essa creao integral a Academia Brasileira chamada. A fundao da Academia foi umequivoco e foi um erro. No sentido em que com-mummente se entende ser uma academia, esta umcorpo de homens illustres nas sciencias, nas letrase nas artes, consagrados pelo talento e trabalhos,summidades espirituaes de uma cultura collectiva.As academias so destinadas a zelar tradies e sup-37

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    pem um povo culto, de que so os expoentes. De-ante desse conceito, a Academia Brasileira foi umequivoco. Somos um povo inculto, sem tradiesliterrias ou artsticas, ou pelo menos de tradiesmedocres, que seria melhor se apagassem. O factode haver raros escriptores ou artistas de primeiraordem no frma uma tradio. E ridculo sup-pr que as tradies so creadas pelas academias.A tradio no um artificio. Vem do inconsciente collectivo e, s tem fora para impr-se no cursodo tempo, viver a despeito das academias. O equivoco permaneceu, porque geralmente se imaginaque um paiz de Academias literrias alimenta-se deum vasto manancial de produco, que preciso reger e disciplinar. No Brasil no existe tal produco. A Acadtemia est no vcuo. No tem funcopossvel a exercer, segundo a tradio acadmica. Ese tem a funco de regulamentar a intelligencia ecrear o academismo, ella funesta. Foi o seu erroinicial.Para justificar-se a sua fundao evocou-se anecessidade de defender o Passado "que ameaaruina, deante do Futuro que no tem frma" Co-mo em toda a creao, no principio era o terror...O passado uma fico. Ns o criamos, o interpretamos e o deformamos. No tem realidade objecti-va. A sua existncia e a sua persistncia so intei-38

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    ramente subjectivas. Sob este angulo relativo e realista, o Passado no existe livremente. E' uma sug-gesto do terror. Como funco social a sommade deuses, de monstros, de fetiches, que se disfaram em regras, methodos, grammaticas para nosgovernar e nos limitar. O Passado o pavor, queperdura em cada um de ns. Se pudssemos domi-nal-o, vencel-o em nosso espirito, contemplai-o comalma de vencedor, situal-o com justeza, saberamosextrahir das suas expresses o encanto e a lio. Anossa vida existe verdadeiramente no excedente daherana que recebemos. O que vivemos do passadono nosso, no somos ns. A nossa vida comeaexactamente no ponto, em que se inicia a nossa libertao, oq j no esforo que fazemos para nos libertar das nossas heranas espirituaes. S dahi emdeante comeamos a viver a nossa personalidade.Aquelle que no tem foras para essa libertao,para crear a sua vida e fazer delia uma fora nova,esse na sua humilde submisso no um homemvivo. E' espectro do passado.

    A Academia ser uma reunio de espectros?Nas paredes desta sala, como no tmulo das mmias, a tradio gravou para defite dos espritos,alm da morte, o que em vida elles amaram e fizeram as suas delicias intellectuaes, os versos, os dsticos dos clssicos, as glosas dos arcades, as bailadas

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    romnticas, as deformaes do sentimentalismo, asrinhas grammaticaes? Ou neste Brasil, que procuram converter em uma China literria para impriode todas as velhices, a Academia ser uma casta deimmortaes em um paiz de immemoriaes?Para que fomos creados, a que alta e vigorosamisso fomos chamados do nosso chos intellectual?Para defender a tradio. Tradio de que? Do espirito nacional? Mas isto no funco de Academias. O espirito nacional defende-se por si mesmoou morre. Tradio da nossa literatura? Ella felizmente incerta, em infindvel formao, e nesteperodo allucinante de aspirao, o mal acadmicopoder matal-a. A nossa misso manter a ordemnos espiritos, nas artes, nas letras? Seria uma finalidade intil, porque a ordem da essncia da vida.No ha coexistncia sem ordem. O que chamam desordem uma abstraco sem valor lgico. No sentido absoluto, a ordem o rythmo do universo, asua fatalidade. E' como a energia, a matria, a in-telligencia. A liberdade, essa no da essncia dascousas. E' uma relatividade humana, que foramosa existir para a nossa illuso criadora.

    O segundo erro da formao da Academia foicopiar a Academia Franceza. A imitao umapratica brasileira. Em tudo renuncimos energiade criar para fazermos commodamente a cpia, que40

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    Espirito Modernomal se ageita nossa indole e ao nosso ambiente.Copiando a Academia Franceza, fizemos logo ao nascer acto de submisso e passmos a ser reflexo dainveno estrangeira, em vez de sermos dynamopropulsor e original da cultura brasileira. Somosexcessivamente quarenta immortaes, consagraoexaggerada para to pequena literatura. Justificou-seo quadro forjando-se impropriamente um "si-mile" com a adopo do metro, que tambm nosveiu da Frana. Insistiu-se no vicio da imitao,cuja nica vantagem foi tornar maior o quocientedos mortos e o divertimento das eleies mais repetido. Pelo facto de sermos uma Academia no significa devermos reproduzir o figurino francez. A Inglaterra no adoptou o systema mtrico, fundouafinal uma Academia, mas fez obra prpria e noa cpia servil. A nossa Academia brasileira. Porque brasileira? Para ser um instrumento enrgicoda formao nacional, uma alavanca do espiritobrasileiro. A sua appafio foi um erro, mas j queexiste que viva se transforme. Ha uma vida espiritual intensa, que a Academia desconhece. Deixemos entrar aqui um sopro dessa vida para despertar-nos da somnolencia, em que nos afundmos.O Brasil movei. Todo o Universo move-se, transforma-se perpetuamente. O espirito do homem corre como a matria universal. "A energia a vida

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    nica, disse o mystico. E' a eterna delicia" A energia brasileira apossa-se da terra e fecunda-a. Sec-cam-se os valles de lagrimas da tristeza romnticae o optimismo alegra a resurreio. Tudo vive espiritualmente. S a Academia traz a face da morte.Ao iniciar-se a creao acadmica lamentou-secautelosamente no ter a Academia fora para instituir um estylo acadmico, como toda a arte fran-ceza, convencional, acabado, perfeito. E' para esseestylo acadmico que por uma fatalidade institucional caminhamos e o attingiriamos se uma rajadade espirito moderno no tivesse levantado contraelle as cousas desta terra informe, paradoxal, violenta, todas as foras occultas do nosso chos. Soellas que no permittem a lingua estratificar-se eque nos afastam do falar portuguez e do linguagem brasileira este maravilhoso encanto da alluvio,do esplendor solar, que a tornam a nica expressoverdadeiramente viva e feliz da nossa espiritualidade collectiva. Em vez de tendermos para a unidadeliterria com Portugal, alarguemos a separao.No para perpetuar a vassalagem a Herculano, aGarrett e a Camillo, como foi proclamado no nascera Academia, que nos reunimos. No somos a cmara mortuaria de Portugal.

    J demais este peso da tradio portugueza,com que se procura atrophiar, esmagar a nossa li-42

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    teratu ra . E ' tempo de sacudirmos todos os jugos efirmarmos definitivamente a nossa emancipao espiritual. A cpia servil dos motivos artsticos ouliterrios europeus, exticos, nos desnacionaliza. Oaspecto das nossas cidades modernas est perturbado por uma architectura literria, acadmica; amusica busca inspirao nos themas estrangeiros,a pintura e a esculptura so exerccios vos e falsos,mesmo quando se applicam ao ambiente e aos as-sumptos nacionaes. A literatura vagueia entre o pe-regrinismo acadmico e o regionalismo, falseandonesses extremos a sua fora nativa e a sua aspiraouniversal.Se escaparmos da cpia europa no devemospermanecer na incultura. Ser brasileiro no significa ser brbaro. Os escriptores que no Brasil procuram dar de nossa vida a impresso de selvageria,de embrutecimento, de paralysia espiritual, so pedantes literrios. Tomaram attitude sarcstica coma presumpo da superioridade intellectual, em-quanto os verdadeiros primitivos so pobres de espirito, simples e bemaventurados.

    O primitivismo dos intellectuaes um acto devontade, um artificio como o arcadismo dos acadmicos. O homem culto de hoje no pde fazer talretrocesso, como o que perdeu a innocencia no podeadquiril-a. Seria um exerccio de falsa literatura43

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    naquelles que pretendem supprimir a literatura. Serbrasileiro no ser selvagem, ser humilde, escravodo terror, balbuciar uma linguagem imbecil, rebuscar os motivos da poesia e da literatura unicamentenuma pretendida ingenuidade popular, turvada pelas influencias e deformaes da tradio europa.Ser brasileiro ver tudo, sentir tudo como brasileiro, seja a nossa vida, seja a civilizao estrangeira, seja o presente, seja o passado. E' no espiritoque est a manumisso nacional, o espirito que pelacultura vence a natureza, a nossa metaphysica, anossa intelligencia e nos transfigura em uma foracriadora, livre e constructora da nao.

    O movimento espiritual, modernista, no sedeve limitar unicamente arte e literatura. Deveser total. Ha uma ansiada necessidade de transformao philosophica, social e artstica. E' o surtoda .conscincia, que busca o universal alm do re-lativismo scientifico, que fragmentou o Todo infinito. Se a Academia se desvia desse movimento re-generador, se a Academia no se renova, morraa Academia. A intelligencia impvida, libertadora e constructora, animada do espirito modernoque vivifica o mundo, transformar o Brasil. AAcademia ignora a resurreio que j comea,mas o futuro a reconhecer. Ella aponta no pensamento e na imaginao de espritos jovens. Vem44

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    Espirito Modernona musica de Villa-Lobos, que d nossa sensibilidade um rythmo novo e poderoso, na poesia deRonald de Carvalho, libertador do nosso romantismo, creador do nosso lyrismo, na poesia de Guilherme de Almeida, livre da natureza e das suassuggestes subalternas, na poesia de Mario de Andrade, vencedor do convencionalismo, constructoralegre do espirito verdadeiramente brasileiro, nasesculpturas de Brecheret, que objectivam dynami-camente o subjectivo, no pensamento, na critica, napoesia, no romance de Renato Almeida, Jackson deFigueiredo, Agrippino Griecco, Manuel Bandeira,Paulo Silveira, Tristo de Athayde, Menotti deiPicchia, Ribeiro Couto, Oswald de Andrade e miljovens espritos soffregos de demolio e construc-o.

    Tudo se harmoniza, espirito e natureza, no fulgurante ambiente brasileiro. O co no leve nemsubtil para alimentar idas de dbil e fria belleza.No um co clssico para cobrir acadmicos. E'um co ardente, escandecido, longnquo e implacvel, que aspira as foras da natureza, homens ecousas, os eleva, os engrandece e os dissolve na im-mensidade da luz. O dynamismo brasileiro tem oseu segredo na profunda harmonia com as foras douniverso, que aqui se apresentam fecundas, cleres,45

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    volteis, vorazes. No percamos o equilbrio nestejogo arriscado com a eternidade.Sob este co, encerrados neste quadro da energia tropical, debatem-se os espritos dos homens. A'margem desta bahia, que o mar fecunda e que aterra contempla numa elevao esttica, os sonhosdos jovens brasileiros se cruzam. Tudo nitido noespao ardente; a gua lisa espelha, as ilhas relu-zem, as casas inflammam-se, vapores, cupolas, navios, zimborios, azulejos, pedras, arvores, tijolos,barcos, tudo pesa e tudo se agita. E' o movimentouniversal na quietao luminosa. Na nsia de posseda Terra e de libertao espiritual, uma vozdir:"Tudo isto me apavora e a minha alma nose harmonisa com esta loucura das foras da natureza. A conscincia antiga separa-me do Todo eafasta-me da terra,desconhecida. Volto s raizes domeu espirito. Os meus olhos fecham-se a esta luz ag-gressiva e s vem a claridade serena, que illumi-nou a alma dos meus antepassados europeus. Torno terra antiga da civilizao, reintegro-me nomundo clssico, com que se harmoniza o meu pensamento. Ha uma volpia no Passado, que a at-traco da morte"

    Outra voz responder:"Este o meu Brasil. A nossa unio immor-46

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    E s p i r i t o Modernoredoura. Nada me afasta da sua energia transcendente, que vibra na minha alma e alegra a minhafuso com esta terra exaltada e fascinante. Os meusolhos no se voltam para o Oriente, de onde vieramos meus antepassados, elles s fitam a immensidadeda terra, que avana para o Occidente, e um domda energia da minha raa. Repillo os artifcios doPassado, deslocado nesta feliz magnificncia semhistoria, nem antigidade humana. Destruo todaesta architectura de importao literria, grega,rococ, colonial, servil. Destruo toda esta esculptura convencional e imbecil, esta pintura mofina. Destruo toda esta literatura acadmica, romntica, literatura que s literatura e no vida e energia.Construo com o granito, com o ferro, com a madeira, que a terra prdiga me offerece, a morada simples, clara, forte, graciosa do brasileiro. Ergo os palcios, as fabricas, as estaes, os galpes, no copiando as nossas florestas, os nossos montes, mascom a fora dynamica libertadora do espirito moderno, que cria cousa prpria. Recolho a linguado meu povo e transformo a sua poesia em poesiauniversal. Fao da minha actualidade a forja doFuturo.

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    O E S P IR IT O A C A D M IC O (*)O illustre relator do parecer, o sr. Mario deAlencar, comprehendeu que era opportuno acceitaro debate esthetico, que foi proposto publicamente Academia Brasileira por um dos seus membros, esem temor, com elegante cortezia e muita dignidade,

    se tornou o mais competente, o mais arguto e porisso o mais temvel defensor do espirito acadmico.Apresentando uma soluo neutra, uma opiniomdia, estribando-se no preconceito do gosto e nacategoria metaphysica da belleza em si, o sr . Ma-(*) Resposta ao sr. Mario de Alencar, relator dacommisso da Academia Brasileira nomeado para dar parecer sobre o seguinte projecto apresentado a Academiaem 3 de julho de 1924 para reforma dos seus trabalhos:1) O diccionario, que a Academia pretende fazer, sero "Diccionario da Lingua Portug ueza " Nelle sero incorporados todos os vocbulos e phrases da linguagem corrente brasileira, impropriamente chamados brasileirismos.Os "portuguezismos" ou expresses da linguaguem usadaexclusivamente(em Portugal, sem uso corrente no, Brasil,no sero introduzidos nesse diccionario brasileiro da lingua portugueza.2) A Academia no aceitar para os seus concursos:a) poesias parnasianas; arcades ou clssicas;

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    Graa Aranhario de Alencar entendeu que a Academia no pdeter uma attitude literria extremada, que se firmeem critrio individual. As Academias so o somno-lento refugio do scepticismo. Para o espirito acadmico tudo permittido, desde que se busque a"belleza em si" "t u do legitim o em arte com acondio de ter "be lleza" e "sin cer ida de " "tud oem belleza" eterno, est fora da noo do tempo,no ha passado, nem presente, a prpria alma ar-chaica vive na actualidade uma resurreio; as suasfrmas, as suas imagens, os seus archaismos so leg t imos"

    Contra este espirito acadmico, que leva aodiletantismo esthetico e inaco social, reage o espir i to moderno.A questo essencial, que foi proposta ao exameda prpria Academia Brasileira, a de indagarmosb) poesias, romances, novellas, contos ou qualquertrabalho de fico, de assumpto mythologico, que noseja do "folk-lore" brasileiro, tratado com espirito moderno;c) obras de historias estrangeira, antiga ou moderna.As obras histricas brasileiras devem ser 'tratadas comespirito critico moderno, que sabe situar o passado e libertar-se do passadismo.3) A Academia promover conferncias publicas, feitaspelos acadmicos, exclusivamente de assumptos actuaes phi-

    losophicos, estheticos, literrios ou sociaes, que tenham relao com a cultura brasileira.4) Todos os trabalhos publicados pela Academia, asconferncias dos acadmicos e as obras premiadas pela50

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    se prefervel que ella continue a ser uma simplessociedade de passatempos literrios, mais ou menosestreis, a transformar-se em rgo activo da vidanacional, dynamo da espiritualidade brasileira. Oprojecto de reforma dos seus trabalhos e da suaorientao em seguida conferncia sobre o "Espirito M oderno" aspirou dar um golpe definitivo aoeclectismo acadmico, e extremando a aco da Academia, tornal-a um organismo til literatura bra-leira, um factor social incorporado ao sentimentonacional, seu representativo, seu guia. Para cumprir-se to urgente funco, fr preciso a Academia nacionalizar-se e modernizar-se.Seria impertinencia imaginar-se que o projectopretendeu dar lio de patriotismo Academia.No se cogitou de preoccupao to restricta. O nacionalismo que se exige da Academia, a intelligencia do enthusiasmo brasileiro, a conformaoAcademia sero em linguagem corrente, usual, expurgadade todo o archaismo ou de expresses do denominado clas-sicismo verbal portuguez.5) A Academia far cada semestre um estudo criticomoderno do movimento literrio brasileiro, tendo ematteno principalmente as novas correntes philosophicas,literrias e artsticas.6) A Academia far imprimir as obras dos jovens cs-criptores, que no encontrem editores e trouxerem literatura brasileira originalidade e modernidade.7) A Academ ia solicitar dos escriptores m odernos,premiados ou no por ella, trabalhos originaes para asua revista."

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    Graa Aranha vontade de ser brasileiro em tudo, o impulsoperenne e infatigavel a todas as affirmaes do espirito brasileiro. A condio essencial do "ser brasileiro" ser moderno. Se somos uma nao nova,se ainda estamos a caldear as raas formadoras dopaiz e a conquistar os nossos desertos, se somos arrebatados para o futuro pela miragem da esperana, como voltar os nossos olhos para trs, rebuscando inspirao nas incertas tradies de confusos oudesdenhados antepassados? Litera tura, quando avida se nos abre feraz e voraz, quando de cadagotta do nosso sangue jorra o impeto da creao,que vence a matria e uma fora natural, e notem memria livresca. O modernismo a funcodo nacionalismo. Seria um disparate uma terra jo-ven e tropical, uma nao adolescente cobrir-se dascans portuguezas, baralhar caducas allegorias gregas, brincar com insipidos tropos latinos. So estesos jogos que prope o espirito acadmico intelligencia brasileira.

    A illustre commisso da sceptica Academia responder que nacionalidade e modernidade so jugos a que ningum se exime. E' paradoxal o subterfgio acadmico. Quantas tradies a falsa culturano impe ao nosso sangue brasileiro, alma nacional, que nos inspiraria outras creaes se a deixssemos livre ou a orientssemos dentro do seu52

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    Espirito Modernoprprio quadro sentimental? Quantos nefastos desvios da actualidade no soffremos pelo prfido veneno do passado? Em apoio do absolutismo da suathese, o parecer evoca o caso de trs grandes escri-ptores, que se conservaram sempre eminentementebrasileiros, apesar da cultura europa, de que foraminsignes portadores neste paiz. O testemunho daobra desses escriptores destre a demonstrao quetenta inutilmente o parecer. O que nella attestamos o esforo de cada um delles em deformar a nacionalidade do seu temperamento, vencel-a, expulsal-a.Machado de Assis fez-se artificialmente saxonio ouclssico hellenico, quando no simples portuguez.Ruy Barbosa deformou a sua naturalidade brasileira, provinciana, na armadura quinhentista, tomou modelo aos inglezes e americanos. JoaquimNabuco, de inspirao romana, ingleza, foi escriptorfrancez. "Eu lia muito pouco o portuguez, confessaelle, na minha mocidade. o resultado foi que mesenti solicitado, coagido pela espontaneidade prpriado pensamento, a escrever em francez. Com effeito,no revelo nenhum segredo, dizendo que a minhaphrase uma traduco livre e que nada seria maisfcil do que vertel-a para o francez, da qual ellaprocede."Em todos ei les o caracter nacional soffreu a deformao dos antigos ou dos estrangeiros. No fo-

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    ram escriptores modernos, nem integralmente brasileiros. Seriam ainda mais nossos se fossem fieis pureza nativa, que lhes brotou o engenho, e nodeformados pela falsa cultura, que tornou mortasas partes artificiaes das suas obras.Todo o esforo do espirito acadmico des-nacionalizar e envelhecer o escriptor, tornal-o umneutro elegante, um producto convencional da literatura. Por isso o espirito acadmico proclamar,como o parecer, j\ue todos os grandes escriptoresde todas as literaturas se inspiraram dos themas dopassado, da mythologia clssica, das lendas, dahistoria nacional ou estrangeira. Se a literatura brasileira tivesse constantemente homens universaes dagenialidade de Shakespeare, Milton, Gcethe, Schiller,Racine, Shelley, Byron, Baudelaire, Mallarm, tudo lhes seria permittido, e o passado seria a eternidade. Mas os nossos Shakespeares, quando se embrenham no passado e se servem das lendas clssicas ou peregrinas, praticam a falsificao fria e en-sossa. E' exactamente para evitar esses exerccios depura rhetorica, de virtuosismo e diletantismo, que aAcademia, na sua funco nacionalista, convidada a afastar dos seus concursos as obras de assum-pto estranho alma brasileira. No quer dizer queesta restrico prive a nossa literatura de obrashistricas ou lendrias de fundo estrangeiro. A54

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    Academia que no as deve estimular, para obedecer tactica da tentativa da sua renovao, que seajusta ao pensamento capital de nacionalizar e modernizar o espirito brasileiro.No empenho de vivificar o nacionalismo literrio, o projecto suggeriu que fossem admittidos aosconcursos da Academia os trabalhos inspirados nofolk-lore brasileiro. Seria incitar os jovens escriptores a descer s fontes da magia nacional, e das lendas raciaes criar com espirito moderno obras infinitas. Seria dar vida perenrie ao que de maisremoto jaz em nossa memria collectiva. O parecerrecusou-se a comprehender que nesta restrico opensamento do projecto era proporcionar Academia uma funco de nacionalismo moderno. Defendeu o ponto de vista eclectico, insistiu para queigualmente sejam acceitos trabalhos provindos damythologia grega e concluiu, categoricamente, quesupprimir symbolos como o de Prometheu, Apollo,Minerva, Venus e semelhantes seria fechar o prprio pensamento. Quantas raas existem que noconhecem a mythologia grega? Quantos escriptoreschinezes, japonezes, hebreus, hindus, rabes, orien-taes em geral, philosophos, moralistas, poetas, romancistas, so inteiramente estranhos ao Olympo esuas figuras? Quantos no prprio occidente tiverampensamento aberto ao un iver so , o espirito alado, e

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    ignoraram ou pelos menos no deram atteno aesses deuses gregos? No provvel encontrar-seuma s reminiscencia de mythologia clssica nospoemas sublimes desses creadores da poesia moderna, Walt Whitman, Lautramont; talvez por acasouma vaga alluso de Rimbaud s Erynnias. Forampoetas e no literafls.Os mythos gregos esto mortos, no ha sensibilidade moderna que os resuscite. Os nossos s agora esto nascendo para a esplendida vida universal.Os gregos fixaram os seus mythos pela crystalliza-o, em que entrou o prprio espirito criador delles.Ao que receberam deram frma e vida, e os mythos,

    as allegorias, incorporaram-se alma hellenica. Coma morte do paganismo foram-se-Ihes a fora e a vida,tornaram-se puras fices literrias. Libertemo-nosdo fardo de as repetir. Creemos as nossas imagensde accrdo com a vida contempornea, como os hindus, os egypcios, os gregos e todos os antigos crea-ram os seus deuses e os seus mythos, que foramidas-foras. A nossa cultura transformar em cousa viva as lendas da nossa natureza, que so a expresso mais intima do nosso meio physico. A me-taphora vem da vida. E' preciso coincidir, dizem osmodernistas, com o tempo, com o presente. A meta-phora a imagem crystalizada da crena, do tote-mismo, como ser a imagem dos factos physicos,das entidades naturaes que movem o nosso espirito56

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    e alimentam as nossas idas. A metaphora clssica o lugar commum. A metaphora moderna a surpresa esthetica da realidade.Para repellir a offensiva do espirito moderno,a metaphysica acadmica inspirou ao subtil defensor da Academia uma these estranha. "Haver aopuro aspecto da belleza em si e s* formas da belleza, pergunta o parecer, lugar para a distinco dopassado e do presente?" E conclue affirmando: "Oque certo que s o passado d a matria dapoesia" A belleza em si? E' intil accentuar ainanidade dessa vaga metaphysica. As "cousas emsi" no resistem ao critrio relativista, que dominatodo o conhecimento. No preciso invocar o apoiodo moderno Einstein, basta recordar que o passa-dista Protagoras inscreveu a formula do relativis-mo philosophico, quando proclamou ser o homem amedida de todas as cousas. Na ida de belleza noest a essncia da arte. Na "Esthetica da Vida" escreveu-se: "A associao da ida de belleza idade arte perturbadora para a verdadeira explicaodo sentimento esthetico. Nenhum preconceito temsido mais vivo do que este que faz do bello o fimda arte e a razo de ser. A essncia da arte, queest naquelles sentimentos vagos da unidade como Universo, no se pde restringir ao conceito abs-tracto do bello. A arte no reside somente naquella

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    sensao indeterminada do que convencionalmentese chama belleza. Que a belleza? Nada mais in-definivel e incerto. A belleza em si, a belleza transcendente, uma ida abstracta, cujo subjectivismo infinitamente varivel. O bello um perpetuoequivoco entre os homens"Neste conceito da relatividade encontra-se ajustificativa da opportunidade do espirito moderno.Se a essncia da arte reside na emoo do Universo,no espirito humano, que transmittida pelos sentidos, produzindo-se em frmas, sons, cores, tactos,sabores, palavras, essas expresses so susceptveisde variao, conforme a evoluo da sensibilidade.O contrario seria suppr a absurda parada da vida,da intelligencia e do sentimento. O passado o quefoi; deslocal-o para o presente deformao, decadncia. Queremos creao, coincidncia. A verdadeira tradio do espirito progredir, no estagnar, no retroagir. A .bizarra concluso do pa

    recer de que "s o Passado d a matria da poesia" o supremo paradoxo acadmico. No haverpoesia no movimento, na esperana, na illuso, noperpetuo fieri do Universo? Onde mais intima poesia do que a nossa actualidade exaltada, porque avida que estamos vivendo, tecida com os nossos desejos, nossos enganos, nossos xtases e nossas misrias? Que manancial de poesia mais allucinante58

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    do que o do amor, que nos arrebata, nos faz sof-frer e esperar, nos domina e nos mata? A Academia, envolta em sua formula passadista, responde aestas interrogaes anciosas que para ella s o Passado d a matria da poesia.. .Ao seu culto da Morte ns oppomos a poesia davida, da energia, do momento, da esperana, dofuturo.

    O projecto foi rejeitado. O seu autor dirigiu aAcademia a seguinte carta de adeus:

    Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1924.Exmo Snr. Presidente da Academia Brasileira,Desde que na sua ultima sesso a Academiarejeitou o projecto que apresentei no intuito de mo

    dernizar a sua actividade, dou por extincta*a minhafunco acadmica. Poderia afastar-me sem explicaes, como outros j fizeram por motivos pes-soaes, num gesto de desdm por essa instituio.A attitude, porm, que tomo, de ordem geral edeve ser explicada. Convidado para membro fundador da Academia, escrevi a Lcio de Mendonarecusando a minha participao por julgar a creao desse instituto prejudicial nossa joven lite-59

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    ratura, cuja vibrao e desordem fecunda seriamjuguladas pelo espirito acadmico. Machado de Assis e Joaquim Nabuco insistiram de tal frma pelaminha collaborao, que, num sorriso sceptico, meresignei Academia, louvando a incoherencia, queme fazia companheiro de to grandes espritos, in-frangiveis espelhos de educao e belleza moral para os acadmicos. Longos annos deixei-me ficar nesse suave convivio, um pouco desinteressado dos trabalhos da Academia. Ultimamente resolvi intervirno movimento literrio brasileiro. A Academia uma contradico do espirito moderno, que agitae transforma todo o Brasil. Perante a opinio publica, que a deve policiar, entendi estimular a Academia a orientar-se por esse espirito novo. Em seguida s palavras que lhe dirigi apresentei o projecto de%eforma dos seus trabalhos com o propsitode nacionalizar-lhe e modernizar-lhe a aco. O projecto foi rejeitado. A Academia quer persistir nasua posio ecclectica e antiquada, nefasta literatu ra brasileira . Recusa-se a tornar-se um organismo til e activo, um factor do moderno sentimento nacional, seu representativo, seu guia. A Academia Brasileira morreu para mim, como tambm60

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    no existe para o pensamento e para a vida actualdo Brasil.Se fui incoherente ahi entrando e permanecendo, separo-me da Academia pela coherencia.Queira, Sr. presidente, receber as expresses daalta considerao do seu admirador e amigo."

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    MOCIDADE E ESTHETICALongo tempo faltou ao Brasil o espirito de mo-cidade. "Nascem velhos os moos de hoje" exclamou-se em 1914, deante do espectaculo de uma juventude destituda de qualquer ideal, mesmo doque vem da conscincia da energia, do vigor phy-sico, do athletismo. Os jovens daquella poca, vidos de um emprego publico, que fosse um cio, formavam na clientela dos polticos. No emtanto oespirito de mocidade j havia soprado, ardente esoffrego, por todo o paiz. Na aurora da nacionalidade, a Independncia, o sete de abril, foram movimentos da gente moa, embora alguns chefes fos

    sem homens velhos. As duas grandes evoluessociaes, a abolio e a republica, foram principalmente actos da mocidade. No se poderiam realizar sem o enthusiasmo juvenil, sem o desinteresse,sem a belleza do sacrifcio, de que s os moos soprdigos. Elles no hesitaram entre o sentimentoe a razo. Filhos\ de senhores de escravos, destruram abnegados o patrimnio familiar, que lhesseria a fortuna. Herdeiros de chefes polticos, des-

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    denharam as perspectivas da fcil participao nogoverno do paiz para derrocarem a monarchia.Foi a mocidade militar, que determinou a acodos chefes Deodoro e Benjamin Constant. Sacrifi-cando-se, os jovens abolicionistas, e republicanosacertaram em bem da ptria. O sentimento, que seafigurava loucura, era presciente, antecipava a evoluo fatal, tornava benigna a transformao. Ointeresse, que mantinha a escravido e a monarchia,era retrogrado e nefasto ao paiz. O espirito de mocidade, inspirado do puro sentimento, venceu ointeresse e teve razo contra a razo.

    A aco da mocidade na ordem poltica foiprecedida de uma transfigurao intellectual caracterizada na arregimentao positivista do Rio de Janeiro e na escola do Recife. O espirito joven libertou-se do que a tradio escolastica lhe offerecerana philosophia, na sciencia, no direito, e cleremetamorphoseou-se no positivismo e no monismo.Ainda que mal preparados scientificamente, os jovens adoptaram estas duas formulas como disciplinas integras do pensamento. Os positivistas buscaram subordinar os phenomenos sociaes ao rigormathematico e solidariedade religiosa. Os mo-nistas interpretaram o universo, a sociedade, pelosimile da evoluo biolgica. O que inspirava e unificava ambas as correntes era o mesmo impulso de64

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    revolta e de libertao. A revoluo social foi a fatalidade desse novo espirito brasileiro. Quasi todos os abolicionistas e todos os republicanos eramemancipados intellectualmente.Transbordando nas duas libertaes sociaes,aquelle sublime espirito de mocidade submergiu nainconsciencia nacional e desappareceu do Brasil. Oque substituiu foi o instincto rude e cupido. Aabolio e a republica dividiram a nao em duaspocas diversas e antagnicas. Os titans da destruio do antigo regimen sentiram-se logo em desequilbrio com o resultado tumultuario da transformao social. Todos os instinctos mais primitivos, todas as aspiraes mais grosseiras desencadearam-se sobre a terra brasileira. Ao passo que se foram^apagando e evaporando as tradies, surgiu o "homem novo" E' o rebento da mestiagem, a flor daplebe. Com animo de depredar, dominar, gosar, invade a sociedade, de que os seus incertos antepassados eram excludos. E' vingativo como filho deescravo, que se liberta, rancoroso como um pria,que rumina longamente a sua desforra. E' bestial eladro. A sua audcia o leva a dominar pelo terror.A sua astucia o torna bonzo da velhacaria. Ascendes alturas, mas o trao fundamental no se lhe extingue no successo. Ostenta sempre o mesmo complexo de malvadez, de ganncia, de audcia. Vem

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    geralmente de uma raa de salteadores sanguinrios e a nao para elle o campo da rapina. Infiltra-se por toda a parte, onde ha o que comer e oque roubar. Sonha eternamente com a bombana.Si a poltica que d o regabofe, apodera-se delia,si a imprensa, torna-se jornalista ameaador, temido de todos, si o dinheiro, esfora-se por adqui-ril-o e com elle tudo corrompe. Escrpulos? Ondebuscal-os? Na raa? Mas esta equivoca. E' a dosmestios, dos ciganos, e frutificou na torpe promiscuidade. Na educao? S efficiente quandotradicional, secular. O "homem novo" livre, masa liberdade que despende, no a independnciado espirito, a soberania do pensamento, no a af-firmao da conscincia juridica. A sua liberdade a dos instinctos, a da perverso, a do "avana"aos bens materiaes. No pensa, no tem idas, fogede tudo o que lhe elevaria a nsia de desforra, doprprio anarchismo, do bolchevismo, que ainda soexpresses de idealismo. Todo o toque de ideal lherepugna. Tem pansa e rgos inferiores. E' o tenebroso demnio da concupiscencia, do dio e da ra-pacidade. Se alguns se servem de idas para melhorilludir e satisfazer astutamente os appetites dafome e da luxuria. No fundo da rhetorica, que, vaidosos, espadanejam, vibra forte, dominador o ins-tincto voraz e irreprimvel. Esses falsos intelle-66

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    Espirito Modernoctuaes no sobem s espheras da poesia ou da suprema religiosidade. O espirito lhes infernal. Agitam-se nos circulos inferiores da poltica, da imprensa e da rabulice. Esta petulante legio de"homens novos" desarraigados, que tudo devasta,absorve a macula, a praga, o flagello, a vergonhada sociedade brasileira. Deante da sua invaso, aalma desinteressada da mocidade idealista se ecly-psa. Privado desta fora vital o Brasil envelhece,soffre de uma crise de decrepitude precoce. Tudodefinha na preguiosa languidez tropical. As energias solares no exaltam os homens e no lhes doo impulso criador. Exgotam-lhes o animo, entorpe-cem-n'os, crestam-n'os. Os estrangeiros apoderam-sedo paiz e o brasileiro assiste indifferente conquista tenaz e cobiosa. Apenas entreteem-se nosjogos medocres da politicagem, na illuso de governar o que na realidade tem outros donos. Numadolorosa mistura de decrepitude e infantilidade aintelligencia dbil. No tem expresso prpria,compraz-se na imitao. As idas recebidas e gastasperduram nesse terreno molle, o passado prolonga-se indefinidamente. Borbulha uma gerao de gram-maticos, de poetas mrbidos, enxames de escrevi-nhadores, germinados na vasa ptrida da intelligencia estagnada. A mocidade, mofina e parasitaria,apega-se ao organismo decrpito da nao... Mas

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    veiu a grande guerra. Foi a incommensuravel ferida humana e a dor universal despertou por toda aparte a conscincia dos povos.O Brasil recebeu a onda de resurreio e comeou a rejuvenescer pelo sentimento nacional despertado. Teve a prodigiosa revelao de que umanao joven, que o espirito de mocidade viera denovo possuidor e fecundar. Desde ento se lhe apodera uma nsia de vida ideal. Se aquelle "homemnovo" audaz e cynico, desarraigado e cupido, torpee venal, ainda persiste nas posies conquistadasdurante este longo perodo de torpor, a elle se oppeo joven moderno, desassombrado e puro. Este vivi-ficador traz o olhar agudo, que penetra e dissolvetodas as mystificaes. Nada resiste sua fora dedestruio e ao seu empenho de reconstruco. Elle hoje o personagem mais interessante e mais tenTtador do drama brasileiro. Onde nos conduzir esseespirito de mocidade? E' a magia da incgnita, quefascina a nossa ardente curiosidade. E' prprio dajuventude a imitao; comea-se quasi sempre seguindo algum, repetindo alguma cousa. Mas quando os jovens saem das fileiras processionaes e buscam criar uma nova ordem, que maravilha Imaginemos que no Brasil haja desses jovens iniciadores,e sem muito indagar o que elles querem, contemplemos o que elles fazem.68

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    Espirito ModernoNo ser aventuroso affirmar que a aco desses jovens ser a de modernizar, nacionalizar e universalizar o Brasil. So trabalhos formidveis aque se arriscam. Para executal-os, possuem a gym-nastica intellectual que os torna geis, decididos,

    claros e enrgicos. Pertencem a uma gerao spor-tiva, de cuja rudeza athptica livraram o espirito,que plana e ataca. So livres de movimentos, a visonitida dissipa as miragens, que embaciaram a intelligencia paradoxal dos velhos brasileiros. Ao romantismo, que allucina e. enlouquece, oppem o senso profundo da realidade e a aco dynamica doobjectivismo, inseparvel da matria e expresso dadominante energia espiritual. O accesso febril deliteratura, que viciou o ambiente brasileiro, serabsorvido pelo excesso de vida do organismo nacional. No ha mais logar para a arte de fadiga,aquella arte de sanatrio que j repugnava ao saudvel Gcethe. A arte uma actividade sadia do espirito humano na sua dominao da matria. E'uma libertao. E ahi est o senso occulto do modernismo, porque o resto, o comprehensivel, a actua-lidade da arte, a sua manumisso do passado, soconseqncias previstas da prpria gymnastica intellectual do artista moderno.O estdio, onde luta, evolve, corre o joven intellectual brasileiro o seu paiz e o Universo. E'

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    preciso conhecel-os, interpretal-os sabiamente comoo athleta conhece a arena. Por isso a mocidade quesurge poderosamente analysta. Analysar a Terra,examinar todas as possibilidades do paiz, sondar osseus abysmos physicos e moraes, a lio sportivaque retempera a armadura do joven moderno. Poresse supremo methodo, o conhecimento no se limita analyse das foras actuaes e perennes, estende-se ao passadf para saber as origens, e situaros factos nas sua.s pocas com limpidez e deciso,sem recorrer ao engodo da perspectiva convencional.

    A aco do joven moderno ser eminentementesocial. A esthetica, que o inspira, lhe patentear pela analyse o que o Brasil e quaes os trabalhos extremos a que se deve consagrar. Na incorporao aopaiz que est a poltica dos jovens esthetas. Comoas antigas mocidades elles sero actores nos acontecimentos nacionaes. Comprehendero que o factcapital da sociabilidade de uma nao o equilbrio das classes, fundadas em interesse orgnicos.Sem esse equilbrio haver despotismo e escravido.O direito uma ida de relao entre os indivduos,como o espao a relao entre os corpos. O direitopublico a frma do equilbrio das classes, comoo direito privado o equilbrio das famlias e o direito internacional o dos Estados. No Brasil s ha70

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    Espirito Modernouma classe organizada, a classe militar. S ellatem as condies de vibratilidade, expanso, conscincia collectiva que a tornam um verdadeiro organismo. E' preciso que as outras classes se organizem para que se realize o equilbrio nacional e sepratique de verdade o direito publico.

    Tal o grande trabalho poltico a que chamada a intelligencia brasileira. E' uma obra deconstruco que se serve de elementos materiaes,interesses econmicos, riquezas, cooperao de bens,socializao da terra para equilibrar as classes evisa como synthese a cultura espiritual da nao.Certamente no ha cultura collectiva no Brasil. Aspopulaes jazem afundadas na ignorncia selvagem, de que o animismo fetchista a expressoviva, a feio pitoresca que o diletantismo literrioexplora e no quer ver substituda pela civilizao.Dessa matriz do primitivismo pde sahir ingenuamente muita belleza e muita emoo. Mas sera resultante natural e espontnea da gente singella.Aquelles que receberam o fluido da cultura, e cujosolhos se desvendaram, no podem voltar innocen-cia perdida. Em vez deste artificio, deste recursodesperado ou fallacioso ao dilvio da ignornciapara que appellam os povos fatigados, o que noscompete fazer extremar a cultura, manejal-a como alavanca que revolva e prepare o terreno para

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    a construco que desafie a natureza, liberte-se delia, seja obra pura do espirito livre, creao humanaindependente, sem a imitao das formas innume-raveis, que para a obra de imitao nos offerece in-sidiosamente a natureza.A mxima cultura no s vence a matria universal e cria verdadeiramente o homem, como o liberta da deformao sentimental, da inverso dcsvalores que a pssima e deficiente cultura espalha.Toda a praga literria extirpada. O romantismo,que frma a literatura dos possessos, dos melanclicos, dominado pelo espirito moderno objectivoe dynamico. Se este realismo nos leva ao classicismo,seremos clssicos, no sentido de simples, directos,ntimos das cousas, indifferentes literatura e ssuas pompas. E esse classicismo profundo, porque o pensamento e a linguagem de uma "classe" e' essa classe a dos espritos cultos, separa-nos detodo aquelle classicismo verbal, de palavras mortas,de phrases antiquadas exclusivamente literrio eartificial, que a nossa impreciso technica considera modelar por ser o estylo e a lingua dos velhosescriptores. O joven moderno possue a technica, quelhe d a segurana, oriunda do conhecimento. O seuprocesso mental, rpido e desassombrado, sabe classificar e eliminar para melhor agir. Sobretudo criador de personagens, de idas, de imagens, de ex-72

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    Espirito Modernopresses que so disciplinadas sensibilidade donosso tempo. Se alguns ainda no disassociaram amatria e as sensaes e prolongam a confuso,pouco a pouco se vae realizando esse trabalho intimo de discriminao. No tardar muito que oshomens modernos deixem de repetir o grego, o go-thico, a renascena pelo ferro e pelo cimento. Aestes materiaes modernos devem corresponder criaes independentes e actuaes, que satisfaam logicamente s sensaes de mobilidade e firmeza queelles suggerem. Assim ser nas outras artes, na poesia e no romance, uma naturalidade suprema, que o segredo da harmonia transcendente dos elementos da construco espiritual.

    Essa esthetica a expresso de toda a energiamoderna. Se o Universo s pde ser entendido es-theticamenfe, na impossibilidade de uma explicao rigorosamente scientifica, afastadas as hypo-theses religiosas, o conceito esthetico alarga-se evale pela philosophia que elle absorve integralmente, porque para o espirito humano tudo forma, tudo imagem, tudo arte. A psychanalyse enganar-se-ia se, numa preteno philosophica, reduzisse oconceito da vida humana ao paradoxal pansexua-Iismo. Ha muita cousa no homem e na vida humanaextranha subconsciente fria sexual. Nada ha, porm, extranho intelligencia e esta soberanamente

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    esthetica. O "pan-esthetismo" o reducto do espirito humano e delle no ha fora philosophica, religiosa ou scientifica que o desaloje. O espirito tudotransmuda em funco esthetica, seja a religiopela criao das formas, pelo movimento ascensio-nal do homem divindade, seja a sciencia na analyse, na synthese, na transformao da matria,seja a arte pela naturalidade realizadora dos valores essenciaes e pela fuso do ser humano no Universo, seja a poltica no equilbrio das classes, nageometria da construco nacional, na trajectoriado destino do paiz, seja a simples vida que abusca da harmonia entre os seres e destes com oUniverso, de que so fragmentos, em tudo a esthetica como a sublime luz, que dada aos ephemerospara perceber nas miragens da conscincia o inexorvel e infindo mysterio do Inconsciente.

    A Esthetica uma philosophia de mocidade,porque s a mocidade sabe e pde vencer o Terrore transformar tudo em alegria.

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    Espirito M o der n

    R A Z E S D E I D E A L I S M OA civilizao uma violncia do homem na

    tureza. Por mais brutal que seja o impeto, umafora ideal, remota, obscura, intangvel, est na origem, da energia criadora. A civilizao o myste-rio, em que se cumpre a fatalidade da unio doshomens para vencer a matria universal. Expressoexterna e collectiva do rythmo individual, traz emsi o germen do idealismo. Se ha povos sem a proe-minencia daquella magia extasiada na religio, naphilosophia ou na arte, ha em todos um resduoespiritual, que um dia transmudar o mximo dorealismo em funco de idealismo. A prpria realizao americana, opposta ao traado do civilizadoreuropeu, revela-se idealista nas suas syntheses so-ciaes, na sua democracia, no fabuloso poder do dinheiro, na transbordante philantropia, no excessoda fora, na rapidez da aco, na aspirao ardentee ingnua de renovar o mundo. O povo americano,no desenvolvimento da parbola da sua historia,tre as origens mysticas dos seus formadores qua-kers, fenianos, sonhadores do ouro, anarchistas e osdemais transviados do ideal.

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    No Brasil o idealismo propulsor da nacionalidade uma predestinao. A terra surgiu do inconsciente immemorial, revelada por homens pos-sessos da loucura dos descobrimentos. A inquietao o fardo da vida do espirito. Nascido de umsonho de navegantes, o Brasil ficou para sempre en-feitiado pela miragem. O espirito secreto, que inspirara os allucinados do desconhecido, soprou emtodos os recantos do paiz e insuflou para sempre anacionalidade. E' o espirito de progresso. Transplantada ao Brasil a raa portugueza, a sua lei deconstncia vital determinou a fora indomvel, quedesbravou, subjugou e disciplinou a terra. O idealismo tornou-se consciente e agiu como suggesto nodecurso da civilizao brasileira. A historia colonial uma affirmao de idealismo patritico, installa-o no solo, organizao da collectividade poltica,que espiritualmente a nao. A' aurora do seusurgimento, j o Brasileiro apparece como colla-borador do Portuguez por vezes o supplantando, narepulsa das invases perturbadoras, na conquistasystematica do paiz, que elaborada como umaobra de estado.

    O idealismo affirma-se e progride. Em toda aexpresso de progresso ha um ideal de perfeio. Nahistoria do Brasil esse ideal de perfeio sempreproseguido, como se fosse a finalidade do espirito78

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    collectivo. A Independncia do Brasil um tictode idealismo. Veiu naturalmente do instincto de revolta nativista, resultou da crystalizao do sentimento nacional e exaltou-se das idas que flamme-jaram na independncia da America do Norte e naRevoluo franceza. Na "Esthetica da Vida" escreveu-se, e aqui se repete, que jamais o homembrasileiro foi to senhor e to grande como naquellapoca. Um espirito de mocidade o conduzia. Parao valor homem o grande movimento da historia foia Renascena. A personalidade humana nesse ardente e fecundo instante expandiu-se vivaz e livre, noconheceu limites curiosidade da intelligencia, norefreiou as paixes e tudo foi um deslumbramentode foras intellectuaes e sensuaes, que refez o mundoe renovou a sensibilidade. A Renascena do Brasilfoi a poca da Independncia. O homem nico, ohomem universal appareceu como furtivo claro navida do Brasil. Os "homens" no foram somente osconductores do movimento. Foi uma vasta floraoda presonalidade humana, manifestada na luta po-litica da independncia nacional que tornou ousadoo caracter. O exemplo da revolta do Prncipe, quese fez Imperador, deu o contagio da independnciaa todos. Foi uma insurreio geral dos espritos,que inflamou o sentimento nacionalista e repelliutoda a vassalagem de Portugal, purificando-se de

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    todo o cosmopolitismo. Neste maravilhoso instanteda nossa historia havia o orgulho de se sentir o homem novo de uma ptria nova. O nacionalismo noalegre nascer da ptria foi a affirmao da vontadebrasileira. Nesse tempo, a incandescencia nacionalista no temia os compromissos despertados pela necessidade de povoar o solo, pelo destino econmicodo paiz, que exige a collaborao estrangeira. Ohomem brasileiro naquelle alvorecer nativo tinha ailluso de se bastar a si mesmo.A essa energia valorosa junte-se o ideal deper