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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS APROVEITAMENTO PARASITÁRIO DOS ELEMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EMPRESA: deslealdade entre não concorrentes Nova Lima – MG 2010

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

APROVEITAMENTO PARASITÁRIO DOS ELEMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EMPRESA: deslealdade entre não

concorrentes

Nova Lima – MG 2010

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RAFAEL NEUMAYR

APROVEITAMENTO PARASITÁRIO DOS ELEMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EMPRESA: deslealdade entre não

concorrentes

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Direito Empresarial, da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Empresarial. Área de concentração: Direito Empresarial. Orientador: Prof. Dr. Rodolpho Barreto Sampaio Júnior.

Nova Lima – MG 2010

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NEUMAYR, Rafael

N488a Aproveitamento parasitário dos elementos de identificação da empresa:

deslealdade entre não concorrentes./ Rafael Neumayr – Nova Lima: Faculdade

de Direito Milton Campos / FDMC, 2010.

164 f. enc.

Orientador: Prof. Dr. Rodolpho Barreto Sampaio Júnior

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração Direito Empresarial junto à Faculdade de Direito Milton Campos.

Bibliografia: f. 157-164

1. Aproveitamento parasitário. 2. Elementos de identificação. 3. Concorrência

desleal. 4. Abuso de direito. 5. Enriquecimento sem causa. I. Sampaio Junior,

Rodolpho Barreto. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título

CDU 347. 733

Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206

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Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial

Dissertação intitulada “Aproveitamento parasitário dos elementos de identificação da empresa: deslealdade entre não concorrentes”, de autoria do Mestrando

RAFAEL NEUMAYR, para exame da banca constituída pelos seguintes professores:

Prof. Dr. Rodolpho Barreto Sampaio Júnior

Orientador

Prof. Dr. Prof. Dr.

Nova Lima, ______ de ________ de 2010 Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900

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A minha melhor amiga, com quem me casei.

A meus pais e família.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, que dedicou-me seu precioso tempo e sinalizou os

caminhos da pesquisa.

À Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI, pela enorme

atenção e pelos artigos disponibilizados, fundamentais para a contextualização do

parasitismo no Brasil.

À Patrícia Duarte Freitas, Bernardo Anatole e Mariana Esteves, pelo paciente

auxílio na tradução de importantes passagens.

A todos os colegas de trabalho, amigos e familiares que, de forma ou outra,

contribuíram para o alcance dos resultados desta pesquisa.

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RESUMO

O presente trabalho aborda o chamado aproveitamento parasitário,

reconhecido como sendo a conduta desleal realizada por um empresário contra

agente econômico que não é seu concorrente. O parasitismo é comportamento sutil,

por vezes sofisticado, e consiste na obtenção de vantagens indevidas mediante

utilização de bens integrantes do ativo imaterial de uma empresa com a qual o

“parasita” não dispute o mercado. A modalidade mais comum é aquela na qual o

empresário faz uso de elementos de identificação – especialmente de marcas

registradas e nomes empresariais famosos – de empresa não concorrente, para

caracterizar os seus próprios negócios. Mas também tem lugar quando se imita a

fachada de um estabelecimento, o design de uma embalagem, a marca não

registrada, a insígnia, o título de estabelecimento ou o nome de domínio na Internet,

de modo a ocasionar associação entre as empresas atuantes em ramos ou

territórios distintos. O ponto crítico do instituto reside no fato de que ele se situa além

dos limites de proteção conferidos às marcas e ao nome empresarial – territorial,

temporal ou relacionado a uma área econômica –, ou se caracteriza pela utilização

de elementos de identificação que não possuem regime especial de proteção

conferido pela legislação. Por inexistir no ordenamento norma que impeça

expressamente o aproveitamento realizado por empresa não concorrente, e

igualmente por não haver desvio de clientela, é frágil a defesa de que a sua natureza

jurídica seria a de ato ilícito – na acepção do art. 186 do Código Civil –, de violação

de direitos intelectuais ou de concorrência desleal. É aí que ganha espaço a figura

do abuso do direito, que impede que um direito subjetivo – como o da livre iniciativa

– seja exercido deturpando-se o fim econômico ou social que o justifica, ou

contrariando a boa-fé objetiva e os bons costumes. No que toca à reparação, a

teoria do enriquecimento sem causa por intervenção em patrimônio alheio ajuda a

suprir a lacuna da ausência de empobrecimento por parte de quem teve o elemento

de identificação copiado, permitindo que se cobre do empresário desleal os lucros

que ele auferiu com o comportamento parasitário.

Palavras-chave: Aproveitamento parasitário. Elementos de identificação.

Concorrência desleal. Abuso do direito. Enriquecimento sem causa.

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ABSTRACT

This paper addresses the so-called parasitic exploitation, understood as the

disloyal behaviour held between an entrepreneur and a company that is not its

competitor. Parasitism is a subtle behaviour, sometimes sophisticated, consisting in

obtaining undue benefits through the use of the immaterial assets of a company with

which the “parasite” does not share market. The most common modality consists in

the use of identification elements – famous trademarks and corporate names – of a

non-competitor corporation by an entrepreneur, to characterize his own business. But

it also takes place by the imitation of trade-dress, packaging, unregistered

trademarks, insignia, business name or an internet domain name, causing

association of companies that operates in different market branches or distinct

territories. The critical point of parasitic exploitation lies in the fact that it takes place

beyond the protection granted to trademarks and company names – territorial,

temporal or related to an economical field –, or characterizes by the usage of

identification elements that don’t have special regime of protection granted by the

legislation. Because of the non existence in the legal system of a rule that expressly

prevents the commercial usage by a non-competitor company, as well as by not

having deviation of costumers, it is fragile the defence that the juridical nature would

be of illicit act – by the sense of article 186 of the Civil Code –, intellectual property

violation or unfair competition. It is in this point that the law misuse figure gains

space, which prevents that a subjective right – like free initiative – be exercised

misrepresenting the economical or social ends that justifies it, or counteracting the

good faith and good morals. Regarding reparation, the theory of unjust enrichment by

intervention in other’s property or rights helps to fill the gap of the absence of

impoverishment argument, allowing charges in the earned profit by the parasitic

behavior of the disloyal entrepreneur.

Key Words: Parasitic usage. Identification elements. Unfair competition. Law

misuse. Unjust enrichment.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 10 2 OS ELEMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EMPRESA ........................... 13 2.1 As funções dos elementos de identificação .......................................... 15 2.2 A “herança genética” ............................................................................... 17 2.3 O fundamento da proteção ...................................................................... 18 2.4 Os limites da proteção ............................................................................. 20 2.5 O regime das marcas e o sistema atributivo ......................................... 21 2.5.1 A aferição da distintividade ..................................................................... 23 2.5.2 O princípio da territorialidade ................................................................. 25 2.5.2.1 Exceção: marcas notoriamente conhecidas .......................................... 26 2.5.3 O princípio da especialidade ................................................................... 27 2.5.3.1 Classes com afinidade ............................................................................. 28 2.5.3.2 Exceção: as marcas de alto renome ....................................................... 30 2.6 O regime do nome empresarial ............................................................... 33 2.6.1 O regime atributivo e os princípios aplicáveis ...................................... 34 2.6.2 A aferição da distintividade ..................................................................... 35 2.6.3 O princípio da territorialidade ................................................................. 36 2.6.3.1 A ampliação da proteção territorial ........................................................ 38 2.6.4 Princípio da especialidade? .................................................................... 39 2.7 Outros elementos de identificação da empresa .................................... 40 2.7.1 Marcas não registradas ........................................................................... 41 2.7.2 Título do estabelecimento e insígnia ...................................................... 44 2.7.3 Design ....................................................................................................... 45 2.7.4 Expressões de propaganda ..................................................................... 47 2.7.5 Sinais sonoros e olfativos ...................................................................... 49 2.7.6 Nomes de domínio ................................................................................... 50 3 CARACTERIZAÇÃO DA CONCORRÊNCIA PARASITÁRIA ................... 53 3.1 A livre iniciativa e a livre concorrência .................................................. 53 3.2 A concorrência leal .................................................................................. 58 3.3 A concorrência ilícita ............................................................................... 61 3.4 A concorrência desleal ............................................................................ 62 3.4.1 Bem jurídico protegido ............................................................................ 68 3.4.2 Classes de concorrência desleal ............................................................ 71 3.4.2.1 A concorrência confusória ...................................................................... 72 3.4.2.2 A concorrência parasitária ...................................................................... 73 3.4.2.3 Meios pelos quais opera o parasitismo .................................................. 76 4 CARACTERIZAÇÃO DO APROVEITAMENTO PARASITÁRIO ............... 79 4.1 Conceito .................................................................................................... 80 4.2 Elementos ................................................................................................. 85 4.3 Fundamento da proibição ........................................................................ 86 4.4 Natureza jurídica....................................................................................... 93 4.4.1 Concorrência desleal ............................................................................... 93 4.4.2 Violação à Propriedade Industrial ........................................................... 96 4.4.3 Ato ilícito ................................................................................................... 97 4.4.4 Enriquecimento sem causa ..................................................................... 99

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4.4.5 Abuso do direito ..................................................................................... 100 4.4.5.1 Conceito .................................................................................................. 103 4.4.5.2 Elementos ............................................................................................... 106 4.4.5.3 A caracterização como abuso do direito .............................................. 109 5 REPRESSÃO AO APROVEITAMENTO PARASITÁRIO ........................ 117 5.1 Parasitismo nos tribunais ...................................................................... 117 5.2 Responsabilidade civil ........................................................................... 127 5.3 Enriquecimento sem causa ................................................................... 133 5.3.1 Enriquecimento sem causa por intervenção ....................................... 135 5.3.2 Pressupostos do enriquecimento sem causa ..................................... 136 5.3.2.1 Pressupostos indispensáveis ............................................................... 137 5.3.2.2 Pressupostos reducionistas ................................................................. 139 5.3.3 Comparação com responsabilidade civil ............................................. 146 5.4 A importância da prova pericial ............................................................ 152 6 CONCLUSÃO .......................................................................................... 154 REFERÊNCIAS ........................................................................................ 157

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1 INTRODUÇÃO

Os ataques aos bens e valores que integram o patrimônio material de uma

pessoa jurídica são facilmente perceptíveis e previsíveis, havendo o ordenamento

jurídico brasileiro criado uma série de prevenções e reprimendas, emanadas em

várias leis, das mais diversas naturezas. Todavia, no que pertine aos bens que

integram o ativo imaterial de uma empresa − suas marcas, nome empresarial,

expressões de propaganda, inovações tecnológicas, invenções, segredos de

negócio e obras intelectuais −, ainda se mostra escassa a previsão legislativa, que

se limita a coibir as ofensivas mais óbvias, deixando em aberto uma série de

variantes dos ilícitos clássicos, obrigando a vítima de qualquer delas a recorrer a um

Judiciário ainda hesitante em suas decisões.

Dentre os ilícitos mais conhecidos voltados contra os bens imateriais,

destacam-se especialmente os crimes contra as marcas, as patentes e os desenhos

industriais, ao lado das violações aos direitos autorais, previstos na Lei de

Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) e na Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98),

respectivamente, bem como no Código Penal. Mas o Judiciário vem especializando-

se gradualmente, com a aplicação de teorias mais avançadas e modernas, calcadas

em tendências hodiernas do Direito mundial. Dentre as convergências atuais, ganha

relevo a teoria do parasitismo, no direito concorrencial, ainda pouco trabalhada em

âmbito acadêmico.

Concorrência é algo desejado em toda sociedade, por ocasionar o

abrandamento e nivelamento dos preços e a melhoria nas condições de produção e

fornecimento de produtos e serviços, resultando quase sempre em benefício ao

consumidor. Com efeito, a livre concorrência é mesmo um dos Princípios Gerais da

Atividade Econômica, emanado no art. 170 da Constituição, em seu inciso IV. Sem

embargo disso, a concorrência traiçoeira é repudiada por todo o ordenamento pátrio,

em certos casos sendo considerada crime pelo legislador. Ao ato realizado por

determinada empresa apto a causar, de forma ilegítima e injustificada – além dos

limites do razoável e do permitido, portanto −, danos a um concorrente no mercado,

dá-se a nomenclatura genérica de concorrência desleal, que vem regulada pela Lei

de Propriedade Industrial e que tem como norma maior o art. 10 bis da Convenção

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da União de Paris – CUP, de 1883 – promulgada no Brasil por meio do Decreto

75.572/75 –, que reprime os “usos desonestos” nas práticas comerciais.

A concorrência tida por desleal geralmente se apresenta de duas formas: ou

se ataca de modo escancarado o concorrente, com vistas a abalar a sua

credibilidade e bom nome perante o público consumidor, obtendo, assim, uma

vantagem indireta − uma forma mais agressiva de enfrentamento mercadológico,

como geralmente ocorre com a publicidade comparativa −, ou se aproveita

ardilosamente do sucesso do adversário, “pegando carona” em uma carreira

profícua conquistada após longa jornada e altos investimentos.

Facilmente se percebe que nas espécies de concorrência desleal há dois

efeitos que ocorrem simultaneamente: a um lado, a lesão ao concorrente, em razão

do abalo de seu conceito no mercado e da perda ou desvio de sua clientela; de

outro, a obtenção de vantagem indevida à custa daquele, que consiste em

enriquecimento sem causa. Até aqui bem avançou a legislação e a jurisprudência

brasileiras, com decisões cada vez mais homogêneas no sentido de coibir

veementemente tais atos.

Mas e quando a apropriação do esforço e renome alheios é realizada por

empresa não concorrente? Seria o caso, por exemplo, de uma determinada

sociedade empresária que, em virtude do reconhecimento dado a marca de outra,

que atua em segmento diverso do mercado, apropria-se desse sinal distintivo para

inseri-lo em seus próprios produtos, gerando uma assimilação, que resultará em

uma agregação indevida de valor. A este tipo de subterfúgio alguns estudiosos dão o

nome de “aproveitamento parasitário” ou “comportamento parasitário”, fazendo

alusão direta aos organismos animais e vegetais que vivem e se desenvolvem à

dependência de outros. “Ninguém tem o poder de colher onde não plantou”1, já disse

uma vez o Judiciário norte-americano2, podendo esta máxima ser considerada a

essência da tese a que aqui se alude.

Ainda foi pouco trabalhada a teoria do parasitismo havido entre empresas não

concorrentes, cuja prática sequer poderia, ao menos em tese, ocasionar danos

diretos à empresa que foi alvo da conduta. O assunto, todavia, começa a ser

1 Nobody can to reap he was not sown. 2 Inter. News, Service vs Associated Press (DUVAL, 1976, p. 319).

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pincelado aos poucos em algumas decisões judiciais mais recentes, e já vem se

desenvolvendo na doutrina especializada. Aproveitamento parasitário − agissements

parasitaires, na doutrina francesa, onde surgiu pela primeira vez −, destarte, pode

ser considerada a tentativa do parasita de locupletar-se graciosamente do trabalho,

do investimento, do nome e/ou da criação intelectual, científica ou artística de

empresa que atua em ramo distinto, ao contrário do que acontece com a

concorrência desleal habitual, que pressupõe o choque de duas empresas

competidoras no mesmo filão mercadológico.

O parasitismo geralmente consiste na replicação de determinadas fórmulas

de sucesso de outra empresa ou na assimilação de nome alheio com o do parasita,

ou seja, normalmente envolve a obtenção de vantagem em decorrência da utilização

de bens integrantes do ativo imaterial das empresas – nome empresarial e

expressão de fantasia, marcas, segredos de negócio e de indústria, entre outros −,

com vistas a um enriquecimento fácil. É na seara do direito marcário que o

parasitismo mais vem se destacando, onde cresceu e se desenvolveu muito graças

ao sistema de proteção atribuído às marcas notoriamente conhecidas e às marcas

de alto renome, e ao controle registral exercido pelo Instituto Nacional da

Propriedade Industrial – INPI.

Mas não é tarefa fácil conceituar o parasitismo, sendo trabalho

verdadeiramente hercúleo definir a sua natureza jurídica. Até onde pode ir a livre

iniciativa e em que ponto inicia-se a ilegalidade ora referida? A linha é tênue, por

vezes indetectável, dependendo do esforço do avaliador e da argúcia dos

causídicos.

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2 OS ELEMENTOS DE IDENTIFICAÇÃO DA EMPRESA

Vive-se uma época de completa reestruturação do mercado. Nunca foi ele tão

competitivo, acessível a novas empresas e geograficamente ilimitado. Os

empresários de hoje devem redobrar os esforços para conquistar e manter fiel uma

clientela. Com efeito, nunca houve tantas opções de produtos e serviços correndo

paralelos, o que ocasiona uma migração ininterrupta de clientes de um para outro

fornecedor. Nessa árdua tarefa de “fisgar” consumidores, as empresas lançam mão

das mais criativas técnicas de atração do público, e os elementos visuais e de

identificação ganham enorme relevância neste cenário. Destacam-se os designs dos

produtos e embalagens, as campanhas publicitárias milionárias, os slogans, os

websites na Internet, as marcas – constantemente “revitalizadas” para melhor se

adequar ao perfil de uma nova era –, e mesmo os elementos tradicionais, como o

nome empresarial e o de fantasia.

Hoje parece muito claro que o fundo de comércio de uma empresa comporta

não somente bens materiais, mas igualmente ativos intangíveis, consubstanciados

em direitos imateriais, realidades abstratas às quais o ordenamento garantiu

proteção. Trata-se da chamada Propriedade Industrial, espécie do gênero

Propriedade Intelectual e irmã dos direitos autorais, se diferenciado desses por

incidir sobre criações intelectuais com destinação e aplicação nitidamente

comerciais, e não sobre obras artísticas, literárias e científicas.

Sobrelevam-se na categoria da Propriedade Industrial os signos que

distinguem determinada iniciativa empresarial de outras, como é o caso das marcas

e do nome empresarial: tamanha a importância de tais elementos intelectuais que se

prestam a individualizar uma empresa, um estabelecimento, um serviço ou um

produto, que a ordem jurídica garante aos seus titulares o privilégio do uso

exclusivo, oponível erga omnes.

A proteção a tais elementos se dá por duas frentes. A primeira delas ocorre

de forma direta, com o reconhecimento da sua qualidade de direitos subjetivos do

empresário que os criou ou que os utiliza regularmente. É o que acontece com as

marcas, que possuem cobertura específica, emanada no Brasil pela Lei de

Propriedade Industrial (Lei 9.279/96). Tal regimento determina ser crime a

apropriação indevida de tais signos distintivos por terceiros, podendo tal conduta

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igualmente implicar na responsabilização civil do agente. O mesmo se observa com

o regime do nome empresarial, regulado pelo Código Civil e por legislação

extravagante, que é protegido mediante o impedimento de sua utilização por

terceiros. As duas modalidades de signos distintivos acima retratadas são passíveis

de registro administrativo, respectivamente diante do Instituto Nacional da

Propriedade Industrial e do Registro Público de Empresas Mercantis ou do Registro

Civil de Pessoas Jurídicas.

Paralelamente, há uma proteção difusa dos elementos não registrados ou

mesmo não registráveis – seja por inércia do titular, seja por impossibilidade jurídica

–, por meio da proibição de sua utilização por concorrentes que tenham o intuito de

confundir consumidores, o que constitui concorrência desleal. Essa possibilidade de

se proteger símbolos de identificação não passíveis propriamente de registro – título

do estabelecimento, insígnia, sinais de propaganda, marca não registrada,

tradedress ou conjunto-imagem etc. –, por intermédio da vedação à concorrência

desleal, é bem destacada por Newton Silveira (2009, p. 3):

É nesse perfil que o artigo 195 da Lei de Propriedade Industrial de 1996 vai enquadrar os demais sinais distintivos da empresa: o título do estabelecimento, a insígnia, os sinais de propaganda, a marca de fato (não registrada), o dito tradedress e mesmo o nome comercial que, diferentemente do nome empresarial dos arts. 1.155 e seguintes do novo Código Civil, ganha aqui perfil concorrencial, o que altera a camisa de força do território do Estado que o novo Código lhe vestiu, para o âmbito geográfico da concorrência.

É a Lei de Propriedade Industrial que versa sobre o ilícito da concorrência

desleal, tratando-o ora como crime, ora como conduta antijurídica de natureza civil.

Quanto a esta última, determina que ressalva-se ao prejudicado o direito de obter

ressarcimento por perdas e danos causados por “atos de concorrência desleal não

previstos nesta Lei, tendentes a [...] criar confusão entre estabelecimentos

comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços

postos no comércio” (art. 209).

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2.1 As funções dos elementos de identificação

A função primeira buscada por um signo distintivo é, como o próprio nome

anuncia, identificar um determinado objeto. Esta é, historicamente1, a razão pela

qual o homem passou a adotar tais símbolos. Assim, o nome empresarial visa a

distinguir uma determinada empresa das demais. As marcas, por sua vez, têm por

objetivo imediato individualizar um determinado produto ou serviço, tendo também a

função de indicar-lhe a proveniência, ou seja, apontar o seu produtor ou

comerciante. Segundo João da Gama Cerqueira (1982, p. 756): “destinam-se as

marcas a individualizar os produtos e artigos a que se aplicam e a diferenciá-los de

outros idênticos ou semelhantes de origem diversa”. Citando elemento mais recente,

igualmente o nome de domínio tem por função primeira identificar o seu titular,

transportando o internauta a uma página da Rede Mundial de Computadores que

contém as informações básicas da empresa.

Contudo, se a função de tais símbolos se resumisse a tanto, à de meros

identificadores de um sujeito, bastaria que as empresas se apresentassem ao

mercado portando um número de registro – constante do Cadastro Nacional de

Pessoas Jurídicas, por exemplo –, ou então que adotassem uma numeração em

série para distinguir seus produtos e serviços dos demais.

Mas detectou-se que a criação de um símbolo de identificação pode repercutir

favoravelmente na aceitação de uma dada empresa, produto ou serviço no

comércio. O nome e a forma de apresentação podem, pois, causar efeitos imediatos

logo quando visualizados ou de qualquer forma acessados (até mesmo pela via

sonora). Ganha importância, deste modo, uma segunda função reconhecida a tais

símbolos: produzir na mente do seu destinatário um efeito, aproximando-se, neste

ponto, do papel que cabe à publicidade. Assim, alguns símbolos são desenvolvidos

com a intenção de causar, por si só, ou seja, mediante a sua simples constatação,

uma associação imediata de ideias:

1 Newton Silveira (2009) faz apurada viagem no tempo, remetendo ao nascedouro do uso de sinais

marcários até a sua evolução ao longo das civilizações. Mas antes dele, cf. Pontes de Miranda (1956, p. 3-5).

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No caso do design gráfico, por exemplo, os estudantes aprendem a se utilizar de uma metodologia, já usada pelos designers, que oferece condições de habilitá-los a estabelecer uma relação entre as pessoas e os diversos níveis de informações por elas recebidas e enviadas, através de sistemas visuais bidimensionais, com base também no estudo cromático [...]. Aplicando a metodologia adequada, eles serão capazes de produzir certas composições, desenvolvidas a partir de ideias, utilizando imagens como meio de expressão de mensagens, de caráter inclusive subliminar, cujo teor e objetivo estratégico visarão a atingir os níveis mais profundos do inconsciente por mais simples e fácil que seja a leitura visual. (CUNHA, 2003, p. 19).

A título de exemplificação, a famosa maçã da empresa Apple, da área de

tecnologia em computadores, não consiste em uma simples representação

bidimensional de uma fruta. Ela é dotada de forte valor simbólico. Qual não é a

mensagem subliminar ou mesmo direta que transporta a lendária figura da maçã

mordida, remontando ao nascedouro simbólico da civilização – o pecado original –,

ou a um estado de transgressão de comportamento, à quebra de paradigmas?

Induziria talvez a uma afronta ao sistema até então vigente, ou, por que não, no

mundo corporativo, ao monopólio exercido por um concorrente?

Assim, o chamado design gráfico pode assumir dramática influência de ações de caráter comportamental do ser humano. Portanto, o designer gráfico, consciente do poder de sua obra, deve assumir a responsabilidade sobre ela, na medida em que desenvolve composições baseadas em sinais gráficos montados a partir de fragmentos simbólicos e dispostos de forma implícita e velada, quase hermética, ou mesmo expondo todo o símbolo exotericamente, isto é, de forma explícita. Podem ser carregados de conteúdo arcano, lendário ou mítico, tais como globos, estrelas, cruzes, espirais, setas, sinais tribais, tochas, florões, escudos, asas, discos, arcos e muitos outros ligados a situações arquetípicas que estão contidas no inconsciente coletivo. [...] Este conteúdo simbólico de impacto estratégico é captado através da leitura visual e pode produzir um efeito instantâneo ou ser transferido para certas regiões do cérebro onde serão arquivados e processados para posteriormente influenciarem de forma efetiva certas ações e atitudes dos usuários. (CUNHA, 2003, p. 20).

Tal função de ocasionar um efeito positivo na mente do consumidor fica

igualmente clara em relação a outros elementos de identificação da empresa, além

dos tradicionais – marcas e nome empresarial –, como a fachada do

estabelecimento comercial, a embalagem de seus produtos, os sinais de

propaganda adotados e o material publicitário produzido. Tais elementos, que

contêm natureza eminentemente estética e de marketing, são estrategicamente

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pensados por profissionais da área para ocasionar uma série de reações

conscientes e inconscientes no consumidor, que se deixa contagiar por um mundo

de cores, formatos e tipologias que o levam a preferir uma empresa, um produto ou

uma marca em detrimento de seus concorrentes. No caso das embalagens, por

exemplo, sua função básica é acomodar um conteúdo. Mas se a sua finalidade se

resumisse a tanto, não se justificaria os mais de mil formatos de garrafas de água

mineral encontrados no mercado.

Em complemento, outro atributo importante de um sinal identificador é a sua

fácil memorização, de modo que o consumidor, ao deparar-se com ele, rapidamente

se recordará da empresa, produto ou serviço que ele identifica.

Assim, com o passar do tempo o ordenamento jurídico começou a reconhecer

a tais elementos a sua importância como forte ferramenta de marketing, além da

simples função de identificação.

2.2 A “herança genética”

Não propriamente uma função, mas um efeito dos símbolos de identificação é

carregar consigo, além dos significados do símbolo em si, toda a reputação referente

à empresa ou produto identificado.

Tomando novamente o exemplo da logomarca da empresa Apple, o seu valor

transcende a simples representação gráfica de uma maçã: o consumidor que com

ela se depara faz imediatamente forte associação com valores da maior importância,

como credibilidade, solidez, modernidade, sofisticação, entre tantos outros

conquistados pela empresa ao longo do tempo. Os valores que ela leva consigo –

sua “carga genética”, por assim dizer –, não são resultado simplesmente de um bom

designer e da qualidade dos produtos e serviços prestados. É consequência de

enormes investimentos em estratégias de marketing e publicidade, que projetam a

logomarca nos mais variados contextos, como em uma dezena de filmes. Quantas

não são as cenas em que um notebook é aberto por uma das personagens, fazendo

surgir a marca tão familiar? Adianta-se que nenhuma dessas aparições é acidental

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ou despropositada; ao contrário, paga-se significativa monta para fazer jus a tal

exposição.

Uma marca, um nome comercial, uma embalagem, o design bidimensional de

uma estampa, as cores e a arquitetura da fachada de um estabelecimento

representam, portanto, muito mais que elementos visuais. Neles se encontra

entranhada toda a história e o sucesso do empreendimento.

2.3 O fundamento da proteção

Uma vez que tais símbolos se prestam a identificar uma empresa, produto ou

serviço, é preciso que se garanta o uso exclusivo por seu titular. Se assim não fosse,

restaria fragilizada a sua função primordial, que é identificar um único objeto. Tal

prerrogativa de uso exclusivo por um único titular se presta verdadeiramente a

sustentar todo o sistema de registro de marcas e nomes empresariais; caso

contrário, se um mesmo símbolo pudesse indicar duas proveniências diversas, ele

geraria confusão nos consumidores, abalando de forma indelével, na sua base,

aquele sistema.

E é por essa razão que o sistema marcário – tomando as marcas como

referência – é claro no sentido de que são protegidos sob sua égide “os sinais

distintivos visualmente perceptíveis”, desde que não compreendidos nas proibições

legais (art. 122 da Lei de Propriedade Industrial)2.

Já dizia Pontes de Miranda (1956, p. 7) das marcas: “se não distingue, não é

sinal distintivo, não assinala o produto, não se lhe podem mencionar os elementos

característicos. Confundir-se-ia com outras marcas registradas, ou apenas em uso,

antes ou após ela”. É mister, portanto, que um símbolo de identificação desse

gênero, para que tenha guarida pelo ordenamento jurídico, seja dotado de

distintividade, não podendo consistir em cópia de outro precedente e de titularidade

de outrem:

2 Também a Constituição da República atribui, no art. 5º, XXIX, o adjetivo “distintivo” aos signos –

marcas, nomes empresariais, entre outros – passíveis de proteção no ambiente comercial.

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De fato, uma marca só pode ser objeto de um direito privativo, que a protege das contrafações, quando ela é distintiva. E ela só é distintiva quando não se confunde com marcas preexistentes e quando o signo escolhido não é res communes omnion. (OLIVEIRA, 2004, p. 4).

Por outro lado, o regime de concessão do privilégio de uso exclusivo serve

igualmente de garantia aos altos investimentos dos empresários na constituição do

ativo imaterial que constitui o seu fundo de comércio, resguardando a originalidade

no desenvolvimento de um símbolo de identificação enquanto signo, dotado,

portanto, de significados – mérito do designer – e a reputação da empresa,

construída ao longo dos anos – mérito do empresário.

Retornando ao caso da caracterização da marca da empresa de

computadores, é de se dizer que não seria “justo” que um terceiro empresário se

apropriasse da maçã para identificar produtos de outra proveniência, se

beneficiando indevidamente tanto dos significados que ela possui enquanto símbolo

gráfico planejado, quanto da herança que ela incorpora – afinal, como dito, toda a

reputação da empresa que a desenvolveu encontra-se entranhada em tal insígnia.

Assim, qualquer um que a utilizasse sem autorização sairia imediatamente

beneficiado de alguma forma com toda uma “herança genética” que não lhe diria

respeito.

Constata-se dessa forma que outro fundamento da proteção dos símbolos de

identificação de uma empresa é garantir um monopólio na sua utilização,

resguardando assim os investimentos dos empresários. E nesse ponto o regime de

concessão de exclusividade na utilização de um elemento de identificação se

aproxima do sistema de concessão de patentes, este que visa claramente a

“premiar” o empresário, para que se sinta motivado a continuar investindo em

inovações.

Segundo Denis Borges Barbosa (1997, p. 9):

Nos países de economia de mercado, a propriedade industrial consiste numa série de técnicas de controle da concorrência, assegurando o investimento da empresa em seus elementos imateriais: seu nome, a marca de seus produtos ou serviços, sua tecnologia, sua imagem institucional, etc. Assim, quem inventa, por exemplo, uma nova máquina pode solicitar do Estado uma patente, que representa a exclusividade do emprego da nova tecnologia – se satisfizer os requisitos e se ativer aos limites que a lei impõe. Só o titular da patente tem o direito de reproduzir a máquina; o mesmo ocorre com o uso da marca do produto, do nome da empresa, etc.

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É de notar-se que, não obstante a expressão “propriedade” ter passado a designar tais direitos nos tratados pertinentes e em todas as legislações nacionais, boa parte da doutrina econômica a eles se refira como “monopólios”. O Estado garante, assim, que o titular da patente, ou da marca, possa ter uma espécie de monopólio do uso de sua tecnologia ou de seu signo comercial, que difere do monopólio stricto sensu pelo fato de ser apenas a exclusividade legal de uma oportunidade comercial (do uso da tecnologia, etc.) não – como monopólio autêntico – uma exclusividade de mercado. Exclusividade a que se dá o nome de propriedade.

Não restam dúvidas, portanto, que o fundamento capital da proteção aos

signos distintivos da empresa é garantir o monopólio na sua utilização, protegendo-a

perante concorrentes que, não fossem as amarras do ordenamento jurídico, não

hesitariam em apropriar-se de tais elementos, na busca do lucro rápido e fácil.

2.4 Os limites da proteção

Encarado o princípio da distintividade em sua máxima potência – ou

idealmente falando –, um símbolo deveria se prestar a identificar um único objeto,

não só em proteção ao seu titular, mas mesmo para evitar confusão perante

consumidores.

No entanto, a proteção às marcas, denominações sociais e outros signos

distintivos não poderia ser irrestrita, sob pena de cercear demasiadamente a

atividade econômica. Não se justificaria, nesta esteira de raciocínio, que o símbolo

clássico da maçã mordida fosse de propriedade exclusiva e absoluta da Apple, não

podendo ser utilizado em outros contextos empresariais3. Se assim fosse, é provável

que a própria indústria de computadores não o pudesse aproveitar, por já ter ele

figurado em um sem número de estabelecimentos e produtos, desde os idos das

feiras medievais. Convencionou-se, assim, a instituição de alguns limites à proteção.

Foi dito que a proteção a tais elementos é tida como uma forma de concessão

de monopólio. Monopólio, como sabido, se exerce diante de uma concorrência,

consistindo em verdadeiro limitador da liberdade dos demais agentes econômicos

3 Não se está neste ponto a se referir ao símbolo “customizado” criado pela Apple, branco e luminoso,

mas ao tradicional de uma maçã mordida, independentemente do seu design.

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com os quais o titular dos direitos tenha uma relação de competição. Valendo-se da

síntese de Newton Silveira (2009, p. 4), “a proteção aos sinais distintivos utilizados

pelo empresário no exercício da empresa decorre de seu direito a individualizar-se

em uma situação de concorrência [...]”. Com efeito, tais prerrogativas são

comumente exercidas em torno e em função do instituto da concorrência, tendo o

papel de resguardar o investimento de um empresário diante da possibilidade de

esbulho por aqueles que com ele disputam um dado mercado. Ao contrário, poder-

se-ia concluir em uma primeira análise que, inexistindo relação de concorrência

entre os dois agentes econômicos envolvidos – o titular do privilégio de uso e aquele

que se aproveitou de tais elementos –, não teria lugar, consequentemente, a

proteção apresentada.

De fato, qualquer que seja a natureza dos elementos de identificação da

empresa, tais limites de alcance da proteção normalmente levam em consideração

os mesmos fatores, quais sejam, território (ou mercado), tempo e área econômica de

atuação, todos necessários à caracterização da situação de concorrência4.

É preciso verificar então inicialmente os contornos de tal limitação nos dois

regimes mais tradicionais de proteção aos elementos distintivos da empresa, os

regimes de registro e proteção das marcas e dos nomes empresariais. Em um

segundo momento, serão analisados os regimes de proteção dos demais elementos

que tem por objetivo diferenciar agentes econômicos e seu fundo de comércio de

outros disponíveis no mercado.

2.5 O regime das marcas e o sistema atributivo

Marcas podem ser definidas como os sinais que distinguem produtos e

serviços no mercado. Elas se classificam inicialmente em quatro categorias. As

4 Assim, são considerados concorrentes dois agentes econômicos que atuam no mesmo território (ou

perante uma mesma clientela, que não necessariamente se encontra adstrita a um único território físico, especialmente com o advento da Internet), simultaneamente (eles têm que ser contemporâneos, atuando numa mesma época) e em um mesmo nicho de mercado, disponibilizando bens ou serviços idênticos ou semelhantes, de modo que o consumidor tenha que optar por um em detrimento do outro.

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nominativas são compostas simplesmente por palavras. As figurativas, unicamente

por representações gráficas, como figuras, sem qualquer elemento linguístico

associado. As marcas mistas conjugam palavras com alguma apresentação gráfica,

como desenhos, tipologias e cores. Por fim, o ordenamento brasileiro reconhece a

existência de marcas tridimensionais, constituídas por uma forma plástica de três

dimensões.

No que toca à classificação em razão dos objetos identificados pelas marcas,

elas podem ser de serviço, de produtos, de certificação (utilizadas para atestar a

conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou

especificações técnicas, especialmente quanto à qualidade, natureza, material

utilizado e metodologia empregada) ou coletivas (usadas para identificar produtos ou

serviços provindos de membros de determinada entidade ou de um grupo, como

uma cooperativa de trabalho, por exemplo).

Dada a sua enorme importância, é imprescindível que o titular de uma marca

possua o direito de utilizá-la com exclusividade. São três os regimes básicos

internacionais que garantem tal monopólio sobre os sinais marcários: “ou esse

direito decorre do uso da marca, ou do seu registro, ou ainda, do registro com efeito

apenas declaratório”. (LEONARDOS, 1995, p. 13).

Assim, alguns países fazem valer o sistema declarativo, estruturado no mero

uso corrente do símbolo no mercado. Outros adotam o chamado sistema atributivo:

[...] divergem as leis dos inúmeros países, formando dois grupos distintos e se distinguem, também os dois principais sistemas de registro, ou melhor, de proteção legal: o que se baseia no uso e o que se funda no registro. [...] Em outros países, a lei não reconhece a propriedade da marca adquirida pela sua ocupação, não atribuindo nenhum efeito ao simples uso ou posse da marca não registrada. A proteção legal depende do registro e, antes dele, o possuidor da marca não possui nenhum direito, não podendo se opor ao registro de marca idêntica ou semelhante nem, muito menos, anulá-lo, ficando sujeito, ainda à ação do titular do registro, se continuar a usar a marca. O registro, nesses países, diz-se atributivo. O caráter do registro, portanto, vem a ser a mera conseqüência dos princípios que informam a lei em cada país, relativamente ao fundamento da proteção legal, que pode depender, ou não, da formalidade do registro. (CERQUEIRA, 1982, p. 937-938).

O Brasil optou por este último. É o teor do art. 129 da Lei 9.279/96, que

determina que “a propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente

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expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso

exclusivo em todo o território nacional [...]”. E tal registro se dá perante a instância

competente, no caso, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, após a

submissão do candidato a um processo administrativo composto de várias etapas:

Pois bem e dentro do sistema atributivo a propriedade e o uso exclusivo adquire-se pelo “registro”, porém, para que este seja outorgado, é indispensável que o interessado preencha todos os requisitos legais, ou seja, o depósito, a publicação em órgão oficial para que todos dela tenham conhecimento e possam apresentar suas oposições, a submissão ao exame formal e de anterioridade e a decisão. (SOARES, 2003a, p. 852).

A adoção pelo Brasil de tal sistema levou, assim, necessariamente ao

aparelhamento da Administração, mediante a constituição da referida autarquia

especializada, bem como à criação de um complexo de normas administrativas e

regulamentares – e em muitos casos excessivamente burocráticas –, fazendo com

que o processo de registro de uma marca no País seja bastante delongado, não

obstante os esforços em sentido contrário, como a informatização do processo e a

apresentação de petições on-line pela Rede Mundial de Computadores.

2.5.1 A aferição da distintividade

Como visto, o princípio da distintividade apregoa que uma marca deve

caracterizar um único objeto. Nesse sentido, a Lei 9.279/96 determina, no inciso XIX

do art. 124, que não é registrável como marca “reprodução ou imitação, no todo ou

em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou

certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar

confusão ou associação com marca alheia”. Mas nem sempre é tarefa simples aferir

o grau de identidade entre dois sinais de fontes diversas, a ponto de um impedir a

existência do outro.

O inciso acima transcrito indica que, para fins de restar caracterizada a

situação de impedimento de registro, a reprodução ou imitação poderá ser tanto

integral quanto parcial. Ou seja, não necessariamente a cópia deve ser

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absolutamente fiel à marca copiada, bastando que tenha características em comum

que a tornem alvo de potencial confusão no mercado.

Assim, na avaliação da colidência entre dois sinais distintivos, deve-se levar

em consideração o grau de confusão ou associação que o segundo pode invocar no

mercado, como sendo um desmembramento do primeiro, preexistente e registrado,

ainda que não se esteja diante de uma cópia idêntica:

Dois princípios são capitais para a determinação da colidência. Em primeiro lugar, a colidência ou anterioridade deve ser apreciada levando em conta as semelhanças do conjunto, em particular dos elementos mais expressivos, e não as diferenças de detalhes [...]. Em segundo lugar, deve-se verificar a semelhança ou diferença à luz do público a quem a marca é destinada, em sua função própria. Tal critério, que é particularmente valioso no caso da contrafação, não pode deixar de ser levado em conta no parâmetro da registrabilidade. Extraindo-se os elementos descritivos ou genéricos, colidem marcas que sejam entre si dotadas de similitude verbal. Assim “Vallisère” colide com “Vallière” por semelhança ortográfica (CRPI, AC. Nº 785); “Desencanto” com “Dois Encantos” por semelhança fonética (CRPI, AC. Nº 1.781). No caso da proteção de propagandas, “só isso dá ao seu corpo o máximo” foi considerado conflitante com “só Esso dá ao seu carro o máximo” (Proc. 375.683). Também se consideram colidentes marcas que tenham, entre si, similitude de figuras. O caso é intuitivo. São colidentes, em terceiro lugar, as marcas que suscitem, entre si, associações de ideias. Assim, “Cogito” foi considerada colidente com “Ergo sim”, “Pronto” com “Súbito”, “La vache qui rit” com “La vache sériux”; “Pisar firme” com “Andar Certo” (CRPI, AC. Nº 2.347), “Minuta” com “Instantina” (AC. Nº 698), “Os três campeões” (propaganda) com “Campeões” (marca). (BARBOSA, 1997, p. 225 -226).

Assim, mudanças na forma escrita da marca, por exemplo, podem não

descaracterizar a situação defesa prevista no inciso XIX do art. 124 da Lei de

Propriedade Industrial, se houver pronúncia similar, como ocorreria com a marca

“Adidas” e “Adydaz” (fictícia). Ou ainda, citando exemplo real, o que aconteceu com

o posto BR, que foi alvo de verdadeira “pirataria marcária” por uma rede de postos

de combustível chamada 13R (visualmente, o número “13” se mostrava praticamente

idêntico à letra “b” maiúscula, a diferença sendo detectada somente com olhar muito

apurado).

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2.5.2 O princípio da territorialidade

Como indicado na parte introdutória da pesquisa, embora o regramento

jurídico garanta a exclusividade do uso dos sinais distintivos que compõem o ativo

imaterial da empresa, como forma de incentivo à atividade comercial – um

monopólio legal, por assim dizer –, tal proteção exclusiva não é absoluta. No que

tange ao regime marcário, a primeira barreira apresentada ao amparo de uma marca

é a territorial.

Com efeito, mostra-se deveras razoável a imposição de um limite espacial à

garantia da exclusividade de uso de uma marca. Isso se afigura mesmo uma

decorrência direta do Princípio da Soberania Nacional: não caberia ao Instituto

Nacional da Propriedade Industrial – INPI, autarquia federal brasileira instituída por

meio de legislação também federal, determinar a aplicação da proteção de uma

marca nacional para além das fronteiras do País5.

Contudo, o legislador poderia – hipoteticamente falando – ter definido um

território de proteção mais restrito que o de toda a extensão do País (assim como fez

em relação ao nome empresarial, que tem proteção estadual). Mas não o fez,

seguindo a prática e a orientação dos países signatários de tratados internacionais

sobre a Propriedade Industrial, estabelecendo no art. 129 da Lei 9.279/96 que “a

propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as

disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o

território nacional”.

5 E se o registro de marca expedido no Brasil não se estende automaticamente a outros países, a

recíproca também é verdadeira. Para que seja ampliado o manto da exclusividade, alcançando terreno internacional, é indispensável a realização de medidas administrativas específicas nos órgãos de cada um dos países onde se pretenda a resguarda expandida da marca (o chamado “direito de prioridade”), em consonância com a Convenção da União de Paris.

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2.5.2.1 Exceção: as marcas notoriamente conhecidas

Não é, pois, absoluto o princípio da territorialidade na proteção de uma marca.

Determinados signos, por já terem alcançado fama internacional em seu específico

ramo de atuação, facilmente reconhecíveis ao olhar de um sem-número de pessoas

ao redor do globo, foram agraciados com a exceção a tal restrição: trata-se das

marcas notoriamente conhecidas, regidas pelo art. 126 da atual Lei de Propriedade

Industrial:

Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil. § 1º A proteção de que trata este artigo aplica-se também às marcas de serviço. § 2º O INPI poderá indeferir de ofício pedido de registro de marca que reproduza ou imite, no todo ou em parte, marca notoriamente conhecida.

Luiz Leonardos (1995, p.13) bem delineia tal figura:

Assim, é possível, e ocorre com relativa freqüência, que terceiros procurem registro de marcas idênticas ou semelhantes a ouras já registradas em diversos países, o que cria obstáculo à exportação dos produtos assinalados pela marca original para o país onde o registro tenha sido obtido por terceiro. De boa ou de má-fé, pouco importa, o resultado será sempre, como assinala Ladas, o prejuízo ao comércio externo do primeiro utente da marca. Para remediar esse problema propôs-se, na conferência da revisão de Haia, em 1925, o acréscimo de um artigo 6 bis ao texto do art. 6º, até então em vigor, da Convenção de Paris, mas protegendo apenas as marcas que fossem consideradas como notoriamente conhecidas pela autoridade competente, administrativa ou judicial, do país onde se pedia a proteção [...]. É de se ressaltar, desde logo, que a marca que se protege pelo art. 6 bis, da Convenção de Paris, há que ser notoriamente conhecida no país onde se pede a proteção e não no país de origem de seu titular original, e que compete às autoridades daquele país decidir, no caso concreto, se a marca deve ou não ser considerada como notoriamente conhecida.

Importa esclarecer que a marca notoriamente conhecida, prevista no art. 126

da Lei de Propriedade Industrial, não ganha proteção em todos os ramos de

atividade. Não, o benefício que lhe é reconhecido é ter proteção em outros países,

além do seu de origem, independentemente de registro, como exceção ao princípio

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da territorialidade. Mas a proteção nesse caso se restringe àquela classe ou àquelas

classes em que a marca é conhecida, exclusivamente, como bem pondera Tinoco

Soares (1997, p. 205):

Observe-se, desde logo, que contrariamente à proteção assegurada à marca de alto renome, esta, a marca notoriamente conhecida, não obstante goze de proteção especial, tem-na limitada ao seu ramo de atividade.

2.5.3 O princípio da especialidade

É interessante notar que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI

registra as marcas tendo em vista diferentes classes, conforme o ramo a que se

destinem. Com efeito, existe uma classificação internacional adotada no Brasil, a

Classificação Internacional de Produtos e Serviços, conhecida também como

Classificação de Nice, atualizada periodicamente pela Organização Mundial da

Propriedade Intelectual – OMPI6.

Assim, no momento em que o interessado submeter o pedido de registro de

uma marca ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, ele deverá

necessariamente indicar qual a classe (ramo da atividade econômica) em que

pretende obter a proteção. Caso queira vincular a marca a mais de uma, deverá

promover pedidos de registro distintos, mas desde que atue efetivamente em todas

as classes econômicas pleiteadas.

É de extrema importância a divisão das classes de registro, proposta pela

Classificação Internacional, uma vez que prevalece no sistema de registro de

marcas no Brasil e em vários países o princípio da especialidade, também

conhecido como princípio da especificidade, que determina que o direito de

exclusividade de uso de uma marca se restringe à área econômica na qual

efetivamente atue o seu titular. Assim, em regra, uma marca de automóveis não

ganharia proteção na classe de produtos eletrodomésticos. Retornando a Denis

Borges Barbosa (1997, p. 217):

6 Atualmente a Classificação de Nice se encontra em sua nona edição, publicada em junho de 2006,

tendo entrado em vigor em 1º de janeiro de 2007.

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Um dos princípios básicos do sistema marcário é o da especialidade da proteção: a exclusividade de um signo se esgota nas fronteiras do gênero de atividades que ele designa. Assim se radica a marca registrada na concorrência: é nos seus limites que a propriedade se constrói. “Stradivarius”, para aviões, não infringe a mesma marca, para clarinetes: não há possibilidade de engano do consumidor, ao ver anunciado um avião, associá-lo ao instrumento musical.

2.5.3.1 Classes com afinidade

Não obstante a hegemonia do princípio da especialidade no direito marcário,

e a divisão de classes proposta pela Classificação Internacional, isso não significa

que não possa haver a interligação de determinadas classes, em razão da afinidade

das áreas econômicas que identificam.

Por exemplo, pode ser reconhecido em certos casos o alcance da proteção

de uma marca registrada na Classe 25 da Classificação de Nice, que abarca

produtos de “vestuário, calçados e chapelaria”, igualmente na Classe 26, que

comporta “rendas e bordados, fitas e laços; botões, colchetes e ilhós, alfinetes e

agulhas; flores artificiais”. E a afinidade pode ser reconhecida mesmo em relação a

marcas de produtos e marcas de serviços, como seria o caso, por exemplo, de uma

marca de produtos de informática (Classe 09) que estivesse sendo utilizada

indevidamente por uma empresa que prestasse serviços de desenvolvimento de

softwares e hardwares (Classe 42).

Denis Borges Barbosa (1997, p. 217) discorre sobre tal peculiaridade do

regime de registro de marcas:

Se atividade de vender aviões é distinta da de comercializar clarinetes, a de vender camisas (numa boutique) não o é da de vender sapatos (nos padrões de comercialização da década de 90). A marca “M” não poderia, a partir de tal critério, ser usada simultaneamente para distinguir camisas e sapatos, salvo se o quiser registrar um mesmo titular para ambas as categorias de bens.

Assim já se pronunciou a esse respeito o Superior Tribunal de Justiça (RHC.

37/SP), em uma ação penal em que se discutia a legalidade da utilização da marca

“Banda Reveillon” como título de um álbum musical, paralelamente à existência

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anterior da marca “Reveillon”, da empresa “Reveillon Produções Artísticas

Sociedade Civil Ltda.”, identificando serviços de organização de feira, exposição,

congresso, espetáculo artístico, desportivo e cultural. Eis o quadro avaliado pelo

tribunal superior:

Insistem os recorrentes na atipicidade da conduta, posto que o querelante teria o registro para a marca “Banda Reveillon” na categoria de “serviços de diversão, entretenimento e auxiliares, serviços de organização de feiras, exposição, congresso, espetáculo artístico, desportivo e cultural”, ao passo que a gravação de discos e fitas é diferente, sendo classificada sob o nº 9.40.

E este foi o entendimento do Procurador-Geral da República, Aristides

Junqueira Alvarenga, tese acatada pelo STJ:

Tendo em vista as ponderações antecedentes, pode-se concluir que a tutela que o Direito Penal fornece à propriedade imaterial – mais especificamente à marca – não pressupõe os estritos limites advogados no recurso, isto é, ela não se esgota na classe na qual se encontra registrado o bem jurídico em questão. Ao contrário, estende-se a todas as categorias relacionadas à essência, ou se se quiser, possibilidade de exploração comercial, de um determinado produto registrado, ainda que numa só categoria. Como adverte Newton Silveira, há a “exclusividade em relação aos produtos, mercadorias ou serviços cobertos pela marca, e não especificamente, em relação à classe, mera divisão burocrática, destinada a facilitar os serviços administrativos de registro”. Não se pode compreender como possa uma exigência burocrática de classificação de marcas reduzir o âmbito de incidência da norma penal.

Vale recorrer às lições de João da Gama Cerqueira (1982, p. 780), quando

discorre sobre o uso de marcas idênticas em indústrias diversas, mas atuantes em

setores que guardem entre si afinidade:

O princípio da especialidade da marca, entretanto, não é absoluto, nem neste assunto podem firmar-se regras absolutas, pois se trata sempre de questões de fato, cujas circunstâncias não podem ser desatendidas quando se tem de decidir sobre a novidade das marcas e a possibilidade de confusão. Quando se trata de indústrias ou gêneros de comércio inteiramente diversos, a questão da coexistência de marcas idênticas ou semelhantes facilmente se resolve. Ninguém confundiria, por exemplo, uma peça de fazenda com um garrafa de vinho, ou um automóvel com uma balança, não sendo induzido em erro pelo fato de ser usada a mesma marca nesses produtos. Tratando-se, porém, de indústrias similares ou afins, surgem as primeiras dificuldades, exigindo-se maior exame e ponderação. Nesses casos, a marca empregada em uma indústria não deve ser admitida em outra, se não existir sensível diferença entre os respectivos

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produtos, levando-se ainda em conta a possibilidade de querer o titular da marca estender a sua indústria a outros ramos similares, caso em que ficaria impedido de empregar sua marca, se a outro concorrente fosse lícito usá-la.

E o autor conclui que o exame deve levar em conta se o comprador pode ser

induzido em erro, em decorrência da afinidade dos produtos, supondo que eles

provêm de um mesmo fornecedor, independentemente de se destinarem a ramos

econômicos distintos (CERQUEIRA, 1982, p. 781).

É de se notar que a extensão da proteção de uma marca a classes afins não

chega a ser propriamente uma exceção ao princípio da especialidade, mas uma

verdadeira ampliação da sua abrangência. Em virtude disso, insta apontar que o

objeto da presente pesquisa – aproveitamento parasitário de signos empresariais

por não concorrentes – não abarca tais situações, de reconhecimento de afinidade

direta entre duas classes econômicas distintas, mas com pontos de conectividade

(vestuário e tecidos, por exemplo). Não, o aproveitamento parasitário, tal como aqui

tratado, ocorre entre empresários que não guardam entre si qualquer relação de

concorrência, mesmo distante. Assim, a proteção de uma marca às classes que,

embora não idênticas, sejam afins, já é uma decorrência lógica e natural do princípio

da especificidade. Noutras palavras, a proteção conferida pelo registro da marca

pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI não se limita à classe

administrativa de registro, atingindo outras que com ela guardem sintonia direta.

2.5.3.2 Exceção: as marcas de alto renome

Há, contudo, um tipo de marca diante do qual a observância ao princípio da

especialidade é abrandada. Quando determinada marca registrada no Brasil for

considerada como sendo “de alto renome”, seu titular ganhará proteção especial,

que lhe garantirá exclusividade de uso em todos os ramos de atividade, abrangendo

todas as classes, e não apenas naquele campo em que ela foi inicialmente

registrada. Recorrendo ao próprio texto da Lei 9.279/96:

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Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade.

Carlos Gruenbaum Lemos (2007, p. 61) comenta tal exceção ao princípio da

especialidade:

Assim, a lei considerou que determinadas marcas deveriam ter uma proteção especial, que valesse para todas as classes. Nestes termos, determinada marca, que seja considerada de alto renome, não pode ser reproduzida ou mesmo imitada por terceiros, não só na classe que originalmente foi depositada, mas em nenhuma classe. Como visto esta proteção é, nos termos da Lei, absoluta, não comportando exceções e não necessitando que se prove o risco de associação ou confusão, que, in casu, se presume, ao menos para as hipóteses de reprodução. O exemplo mais característico desse tipo de marca é a “Coca-Cola”.

O reconhecimento do alto renome depende de declaração do Instituto

Nacional da Propriedade Industrial – INPI, decorrente de procedimento próprio,

formulado pelo titular da marca junto àquele órgão. Mas não é fácil a uma marca

obter tal status. Até hoje o Instituto reconheceu essa qualidade a poucas dezenas de

marcas, rejeitando uma infinidade de outras, muitas das quais bastante populares

entre os brasileiros. Retornando ao mesmo autor:

Não há dúvidas de que é extremamente difícil a definição de marca de alto renome, isto porque a noção de notoriedade, essencial à marca de alto renome, é de toda a forma subjetiva. De qualquer sorte, dois elementos básicos podem ser tidos como requisitos para a caracterização da marca de alto renome. Em primeiro lugar é importante que a marca seja conhecida pelo público consumidor do produto ou serviço que esta assinala. O conhecimento da marca deve de dar não só por este setor do público, mas também por outros setores relevantes do público. [...] O outro requisito indispensável à marca de alto renome é de ser uma marca que assinale produtos de boa qualidade. Aqui não se exige que os produtos assinalados pela marca sejam os melhores e mais sofisticados. Casos há em que uma marca é de alto renome e os produtos que assinala não são os de melhor qualidade no mercado. No entanto é necessário que o consumidor associe a marca a produtos confiáveis, no mínimo. A marca deve gerar credibilidade no consumidor para ter o poder de atração necessário à marca de alto renome. É importante salientar que as marcas de alto renome são a exceção, pouquíssimas marcas atingem tal poder de atração capaz de gerar a estas a proteção em todas as classes. (LEMOS, 2007, p. 62).

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Para melhor regular assunto tão polêmico, o Instituto Nacional da Propriedade

Industrial – INPI expediu, em 2005, uma nova resolução específica, a Resolução

121, trazendo regras práticas acerca do reconhecimento da condição de marca de

alto renome. Assim, nos termos do art. 2º dessa Resolução, é considerada marca de

alto renome a que:

[...] goza de uma autoridade incontestável, de um conhecimento e prestígio diferidos, resultantes da sua tradição e qualificação no mercado e da qualidade e confiança que inspira, vinculadas, essencialmente, à boa imagem dos produtos ou serviços a que se aplica, exercendo um acentuado magnetismo, uma extraordinária força atrativa sobre o público em geral, indistintamente, elevando-se sobre os diferentes mercados e transcendendo a função a que se prestava primitivamente, projetando-se apta a atrair clientela pela sua simples presença.

Portanto, trata-se de uma marca dotada de grande fama e com enorme

respeitabilidade no mercado, o que só é reconhecido nos dias atuais a um

restritíssimo número.

Remetendo ao objeto central da pesquisa, não seria premeditado afirmar que

em relação às marcas de alto renome não há que se falar tecnicamente em

aplicação da teoria do aproveitamento parasitário – embora em muitas ações

envolvendo marcas desse tipo o instituto seja citado. Noutros termos, o titular de

marca dotada desta qualidade não precisaria recorrer à tese aqui exposada para a

ver protegida em áreas econômicas nas quais não atuasse: a proteção extensiva da

marca é decorrência natural da lei, que afasta desses casos o princípio da

especialidade, estabelecendo monopólio exclusivo ao titular do signo,

independentemente da seara de atuação.

Por fim, é de todo oportuno ressaltar que as marcas de alto renome consistem

em hipótese de exceção ao princípio da especialidade, mas não ao da

territorialidade (LEMOS, 2007).

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2.6 O regime do nome empresarial

O nome empresarial consiste na forma como uma pessoa jurídica ou

empresário se apresenta no mercado, é o conjunto de palavras que os identifica,

assim como as marcas operam em relação aos produtos e serviços. Tem, portanto,

por finalidade distinguir um único sujeito, atuante no comércio como fornecedor de

bens ou prestador de serviços.

Ele é um dos ativos intangíveis de maior valor que integram o fundo de

comércio de uma empresa – o que denota a sua natureza patrimonial –, mas grande

parte da doutrina reconhece igualmente nele o atributo de bem vinculado à

personalidade do comerciante. Tamanha a sua importância que a Constituição o

considera, no inciso XXIX do art. 5º, como verdadeiro direito fundamental.

Constitui-se o nome empresarial de duas espécies: a firma e a denominação,

em conformidade com o art. 1.155 do Código Civil. A firma deve conter

necessariamente indicação clara de um, alguns ou todos os sócios, ao passo que a

denominação se caracteriza por uma expressão que não precisa se reportar à

identidade dos sócios, normalmente referindo-se ao ramo de atividade e

apresentando elementos lúdicos, dotados de apelo atrativo – e neste ponto

aproxima-se a denominação da função assumida pelas marcas de produtos e de

serviços.

A escolha da modalidade de nome empresarial – firma ou denominação –

pode partir do empresário, se a lei assim lhe facultar, ou emanar diretamente do

ordenamento, que exige em alguns casos a adoção de firma social. Em regra,

sociedades que impliquem em responsabilização ilimitada de um ou mais sócios

operam sob firma (art. 1.157 do Código Civil), ao passo que sociedades cujos sócios

possuem responsabilidade limitada podem adotar tanto firma quanto denominação.

E, dependendo da natureza da pessoa jurídica, a lei obriga a inserção de

alguns elementos complementares, como ocorre com as sociedades simples

limitadas e empresárias limitadas – cuja firma ou denominação deve ser

acompanhada da expressão “limitada” ou da abreviatura “ltda.” –, e com as

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sociedades anônimas, cujo nome empresarial deve necessariamente conter “S/A” ou

a expressão “companhia”.

2.6.1 O regime atributivo e os princípios aplicáveis

A proteção ao nome empresarial só ganha pleno efeito a partir da inscrição do

ato constitutivo da empresa ou empresário, contendo a firma ou a denominação, no

cartório competente – Juntas Comerciais ou Registro Civil de Pessoas Jurídicas –,

em conformidade com o art. 1.166 do Código Civil. Assim, neste ponto equivalem-se

em certa medida o nome empresarial e a marca, eis que ambos são regidos pelo

sistema atributivo: a propriedade exclusiva sobre eles depende do efetivo registro

perante o cartório competente (muito embora no caso do nome empresarial ele não

seja o objeto específico do registro, o sendo o próprio ato constitutivo ou a alteração

deste).

A criação de um nome empresarial é regida por dois princípios básicos e de

compreensão intuitiva, como determina o art. 34 da Lei 8.934/94, que dispõe sobre o

registro público de empresas mercantis e atividades afins:

Art. 34. O nome empresarial obedecerá aos princípios da veracidade e da novidade.

Por ser o nome empresarial o elemento de identificação de determinado

agente econômico, é mister que ele faça referência ao sujeito correto, sendo

terminantemente proibido pela legislação brasileira que a firma social indique pessoa

estranha à sociedade. Este é, sucintamente, o contorno do princípio da veracidade.

Já ganha maior relevo para o presente estudo o princípio da novidade. Ele

apregoa que o nome empresarial não pode dar azo à confusão no mercado,

devendo distinguir um único sujeito. O Decreto 1.800/96, que regulamentou a lei

acima referida, é bastante firme neste ponto:

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Art. 35. Não podem ser arquivados [...] V - os atos de empresas mercantis com nome idêntico ou semelhante a outra já existente.

Recorrendo à lição de Fábio Ulhoa Coelho (2010, p. 185), quando comenta

este princípio central que rege o nome empresarial:

O princípio da novidade, ao seu turno, representa a garantia de exclusividade do uso do nome empresarial (CC, art. 1.166). O primeiro empresário que arquivar firma ou denominação, na Junta Comercial, tem o direito de impedir que outro adote nome igual ou semelhante, já que isso importaria desrespeito à novidade. O primeiro empresário pode exercer a prerrogativa na esfera administrativa, opondo-se ao arquivamento do ato constitutivo do concorrente, ou na judicial. A última via é mais comum, em vista da brevíssima duração dos prazos fixados na Lei n. 8.934/94, para o arquivamento do ato constitutivo de sociedade empresária.

O Código Civil de 2002 corroborou com a construção doutrinária e legislativa

acerca do princípio da novidade do nome empresarial e dele tratou expressamente

no art. 1.163:

Art. 1.163. O nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro. Parágrafo único. Se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga.

2.6.2 A aferição da distintividade

Mas o que torna um nome empresarial idêntico ou equivalente a outro

preexistente, a ponto de ir de encontro com o princípio da novidade? Com vistas a

facilitar o trabalho dos examinadores das Juntas Comerciais, o Departamento

Nacional do Comércio – DNRC lançou algumas diretrizes, indicando de forma

didática os passos a serem verificados quando da comparação (“análise de

colidência”, no universo das marcas) dos nomes de duas pessoas jurídicas ou

empresários:

O DNRC recomenda às Juntas o seguinte critério, na observância do princípio da novidade: a) devem ser comparados os nomes por inteiro, quando colidem duas firmas individuais ou razões sociais; b) devem ser

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comparadas por inteiro, também, as denominações compostas por expressões comuns, de fantasia, de uso generalizado ou vulgar; c) devem ser, por fim, comparados os núcleos das denominações compostas por expressões de fantasia incomum. Nessas comparações, consideram-se iguais as expressões homógrafas e semelhantes as homófanas (IN-DNRC n. 53, art. 10). (COELHO, 2010, p. 185).

Embora tais critérios sejam passíveis de críticas, não há como negar-lhes

utilidade. Se encarados não como normas absolutas, mas como uma efetiva diretriz

na análise de colidência, podem ser levados em consideração até mesmo pelo

Poder Judiciário, quando diante do conflito entre dois nomes empresariais parecidos.

2.6.3 O princípio da territorialidade

Como demonstrado no início desta pesquisa, a proteção a um símbolo de

identificação de uma empresa não pode ser irrestrita, sob pena de cercear

demasiadamente a atividade comercial. Com o sistema de proteção ao nome

empresarial não poderia ser diferente.

O limite territorial de proteção de um nome empresarial é assunto que causa

grande dilema na doutrina. É que o Código Civil de 2002 estabelece que a proteção

de uma denominação ou firma é feita mediante a inscrição da pessoa jurídica ou do

empresário no registro próprio. Como tais órgãos são regionais – as Juntas

Comerciais possuem abrangência estadual e os cartórios de Registro Civil de

Pessoas Jurídicas municipal, em geral –, ser-lhes-ia praticamente impossível

fiscalizar os pedidos de registro de empresas movidos em outros territórios, fora da

sua zona de competência.

A consequência de tal limitação estrutural dos órgãos de registro foi a

determinação de que tal exclusividade é garantida unicamente nos limites do

território do Estado Federativo em que se encontra sediado o órgão de registro. É o

que determina o art. 1.166 do Código Civil:

Art. 1.166. A inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado.

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A guarida da exclusividade de uso de um nome empresarial somente em

relação ao Estado Federativo em que está sediado o órgão de registro, todavia, não

é tese bem recebida por número significativo de autores.

Alguns enxergam na exegese do art. 8º da Convenção da União de Paris –

este que determina que “o nome comercial será protegido em todos os países da

União, sem obrigação de depósito nem de registro, quer faça ou não parte de uma

marca de fábrica ou de comércio” – um mecanismo que permite ao nome

empresarial operante no Brasil a proteção em todo o território nacional (BARBOSA,

1997, p. 293). Isso porque o referido dispositivo da Convenção, ao determinar que a

proteção internacional do nome empresarial independe de registro no país

estrangeiro onde aquela for pleiteada, automaticamente estenderia tal forma de

proteção aos nacionais dos países membros, em virtude do princípio da

reciprocidade que rege o direito internacional privado. Noutros termos, não seria

razoável que o nome pertencente a uma empresa estrangeira ganhasse proteção

em todo o território brasileiro, e o nome de uma empresa brasileira se restringisse ao

Estado Federativo onde ela foi registrada. Estaria a legislação estabelecendo

tratamento diferenciado entre nacionais e estrangeiros, o que não poderia ter lugar,

na opinião de alguns autores.

Newton Silveira (2009, p. 6), além de aderir à teoria acima, fundamentada no

art. 8º da Convenção da União de Paris, também reforça a proteção indireta em todo

o território nacional do chamado “nome comercial” – que, segundo ele, diferiria do

nome empresarial propriamente dito –, em virtude do princípio que veda a

concorrência desleal:

Ao lado desse nome empresarial, de caráter subjetivo, pessoal e registral – e, portanto, não sujeito ao princípio da especialidade, mas sujeito ao da territorialidade – subsiste o velho nome comercial objetivo (conforme Gama Cerqueira e Mario Rotondi), sinal de trabalho (conforme Karin Grau-Kuntz), de natureza concorrencial, sem limitação territorial, tutelado através do artigo 8º da Convenção de Paris e do artigo 195, V, da Lei nº 9.279, a Lei de Propriedade Industrial.

E conclui o mesmo autor:

E, acrescentaria hoje, o direito absoluto sobre o nome empresarial, registral, pessoal e territorial deve ceder lugar ao nome comercial, tutelado pelas

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normas de repressão à concorrência desleal, não limitado territorialmente. (SILVEIRA, 2009, p. 8).

Discordâncias à parte, fato é que o ordenamento jurídico brasileiro é bastante

claro ao estabelecer a restrição da proteção ao território do Estado Federativo onde

foi inscrito o ato constitutivo do empresário ou da sociedade empresária, o que

dificulta a aplicação, pelos tribunais, de teorias que apregoam entendimento diverso,

no sentido de que a proteção abrangeria a totalidade do território nacional.

2.6.3.1 A ampliação da proteção territorial

Não obstante a proteção do nome empresarial ser limitada ao Estado

Federativo de inscrição da pessoa jurídica ou do empresário, a Junta Comercial –

com subsidio no parágrafo único do art. 1.166 do Código Civil – permite que tal

proteção seja ampliada administrativamente, possibilitando ao empresário que

obtenha a exclusividade do nome também em outros Estados. Para tanto, deverá

solicitar tal proteção expandida nas Juntas Comerciais atuantes nos demais Estados

em que pretenda garantir a proteção ao nome empresarial.

Tinoco Soares (2003b, p. 1838) ressalta a importância da realização de tal

procedimento perante a Junta Comercial, e os riscos de não fazê-lo:

Isso posto, o “nome comercial” e/ou o “nome empresarial” através do arquivamento de seus atos constitutivos perante a Junta Comercial têm a sua proteção assegurada, dentro do âmbito da jurisdição desta última. Se o interessado não tiver o cuidado de estender a sua proteção às demais unidades da federação é certo que não poderá impedir que outras empresas com nomes iguais ou semelhantes para o mesmo gênero de negócio e/ou atividade arquivem os seus atos constitutivos naquela unidade.

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2.6.4 Princípio da especialidade?

Anunciou-se que como diretriz geral na proteção dos elementos de

identificação da empresa, impera a máxima de que tal proteção se restringe ao ramo

de atuação do titular. Contudo, no que toca ao regime do nome empresarial, tal

restrição não parece ser unânime. Denis Borges Barbosa (2002, p. 10) apresenta

autores que defendem a proteção do nome comercial a todos os ramos de atividade,

indistintamente:

A doutrina e a jurisprudência mais tradicional pareciam se inclinar no sentido de que a proteção dos nomes empresariais não estaria sujeita à regra da especialidade, muito embora as condições de concorrência pudessem influir sobre a análise da confundibilidade. Neste sentido, Luiz Leonardos, Carvalho de Mendonça, Waldemar Ferreira, Trajano de Miranda Valverde, Gama Cerqueira e Pontes de Miranda, além do ensinamento da decisão de 4.5.62, do Supremo Tribunal Federal, mantendo sentença que condenara a Vidrobrás S.A. - Ferramentas Pneumáticas, Indústria e Comércio Ltda. a alterar sua denominação por conflito com Indústrias Reunidas Vidrobrás Ltda.

Mas é ele próprio quem, no mesmo artigo, anuncia como tendência atual na

compreensão da proteção do nome empresarial a obediência à regra da

especialidade, em certos casos, notadamente quando do confronto entre a

denominação ou firma empresarial e uma marca de serviço ou de produto:

A tendência mais recente tem modificado essa perspectiva: tendo em vista a regra da especialidade das marcas, na colisão entre estas e nomes de empresa, haverá uma tendência a transferir a regra para o objeto da empresa pertinente, e reconhecer a existência de uma lesão à propriedade no contexto da concorrência pertinente – o que é, em princípio, de bom direito. Vale citar a decisão do STJ no REsp.0009142/91-SP, na qual se entendeu que no caso de conflito entre signos distintivos, “tem incidência, por raciocínio integrativo, o principio da especificidade, corolário do nosso direito marcário. Fundamental, assim, a determinação dos ramos de atividade das empresas litigantes. Se distintos, de molde a não importar confusão, nada obsta possam conviver concomitantemente no universo mercantil”. Na decisão do caso Hermès também se vê a homologação pelo STF da tese de que os nomes comerciais se aplicariam levando em conta o contexto da concorrência. Note-se que o mesmo princípio tem iluminado, inclusive, a avaliação da colidência entre nomes empresariais. (BARBOSA, 2002, p. 10-11).

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Tal posição, todavia, ainda se mostra minoritária, imperando no direito

comercial o entendimento de que o princípio da especialidade não tem lugar quando

o assunto é proteção do nome empresarial.

Desta forma, comparando objetivamente os regimes de proteção das marcas

e dos nomes empresariais, é possível constatar que em nenhum dos dois casos a

proteção é absoluta (salvo em relação à marca de alto renome). No primeiro caso,

muito embora o direito exclusivo sobre o signo alcance todo o território nacional,

sendo relativamente simples a extensão internacional da proteção, o ordenamento

apresenta forte limitação que leva em consideração o ramo econômico de uso da

marca. No que tange ao nome da empresa, ocorre exatamente o inverso. A

legislação não faz ressalva no que toca à área de atuação econômica da empresa –

i.e., não se aplica o princípio da especialidade; contudo, impõe a limitação da

proteção ao Estado Federativo onde atua a empresa (prevendo, muito embora, a

possibilidade de ampliação administrativa da proteção).

2.7 Outros elementos de identificação da empresa

Tratou-se nas seções anteriores a respeito dos regimes de proteção de

elementos de identificação tradicionais previstos na legislação brasileira – marcas e

nomes empresariais –, com especial atenção aos seus limites – territorial e de ramo

de atuação (especialidade), ambos ligados à ideia de concorrência.

A avaliação desse último aspecto – até onde são protegidos enquanto direitos

subjetivos do empresário os símbolos que o identificam – é de especial importância

à presente pesquisa, eis que o chamado aproveitamento parasitário se desenvolve

justamente para além dos limites de proteção estatuídos por lei. Ou seja, investiga-

se se haveria algum outro tipo de amparo a tais elementos no ordenamento jurídico,

apto a reprimir atos de aproveitamento de signos distintivos quando inexistente

propriamente um direito subjetivo.

Para esse fim, assoma-se à avaliação dos limites de proteção das marcas e

dos nomes empresariais a análise de outros elementos de identificação que, embora

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comumente utilizados no mercado, não possuem qualquer regramento específico de

proteção enquanto direitos subjetivos do empresário, por faltar previsão legal, ou por

terem sido conscientemente excluídos do rol de bens intelectuais protegidos.

A tais elementos, desprovidos de regulação específica, cabe a proteção pelo

viés de proibição aos atos de concorrência desleal (SILVEIRA, 2009). Resta então

saber se haveria no ordenamento algum mecanismo apto a protegê-los, contudo,

quando apropriados por entes econômicos não concorrentes.

2.7.1 Marcas não registradas

Ainda que uma marca não tenha sido levada a registro perante o Instituto

Nacional da Propriedade Industrial – INPI, nada impede que seja amparada pelo

ordenamento, vez que poderá consistir em verdadeira “marca de fato” (em

contraposição à “marca de direito”, esta registrada), cabendo-lhe a proteção pela via

da vedação à concorrência desleal.

Entendimento que já há algumas décadas se encontra assentado na doutrina

nacional e adventícia é o de que a marca independe de qualquer modalidade de

registro para que tenha garantida minimamente sua proteção, quando diante da

apropriação indevida ou imitação por terceiros.

Assim Newton Silveira (1998, p. 29) conceitua marca, sem atribuir-lhe o

adjetivo “registrada”: “é que tudo que cerca o produto e permite seu reconhecimento

pelo consumidor é marca, na medida de seu valor distintivo.” E mais adiante (1998,

p. 31) define marca de fato:

Quando essa interação entre a colocação de produtos em determinada zona e a preferência dos consumidores por determinados sinais identificadores torna tais sinais geralmente conhecidos por essa faixa de consumidores, surge a marca de fato [...].

Essa, reforça-se, independe de registro para ser protegida, bastando que o

signo seja suficientemente distintivo e seja usado de modo prolongado e contínuo

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por seu titular no âmbito territorial de determinado mercado consumidor

(CERQUEIRA, 1982, p. 1278).

Referida inteligência decorre da interpretação do inciso I do art. 10 bis da

Convenção da União de Paris – CUP de 1883, o qual determina como uma das

espécies da concorrência desleal “todos e quaisquer fatos suscetíveis de criar

confusão, qualquer que seja o meio empregado, com os produtos de um

concorrente”. Percebe-se que neste caso não se menciona a marca registrada, mas

o produto em si, e, naturalmente, todos os seus elementos, dentre eles, o nome pelo

qual é conhecido no mercado. É Newton Silveira (2009, p. 4) quem, em pesquisa

diversa, apresenta tal conclusão:

Ao lado do direito especial, que cria e tutela os institutos jurídicos do nome comercial, da marca e dos sinais e expressões de propaganda, permanecem atuantes as normas repressoras da concorrência desleal, que tutela alguns aspectos do nome comercial objetivo (não registrado), o título e a insígnia (para os quais falta, de momento, um registro próprio), a marca não registrada e mesmo marcas não registráveis, desde que, de fato, estejam estas últimas atuando perante os consumidores como sinais distintivos das mercadorias, produtos e serviços oriundos da azienda.

Magalhães Noronha (1973, p. 287) preceituou, quando convidado a servir

como perito em processo judicial envolvendo crime de concorrência desleal:

Após acurado estudo da espécie, passo a emitir meu parecer, respondendo ao quesito que me foi formulado: “Para que se configure o delito [...] é necessário que o produto de uma determinada firma, nacional ou estrangeira, tenha sua marca registrada no Departamento Nacional de Propriedade Industrial [atual Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI]?” I – Desde já, respondo: não. Não é necessário o registro. Salta aos olhos que concorrência desleal é uma coisa, e crime contra as marcas de indústria e comércio é outra [...]. Ao punir-se a contrafação de marca de indústria e comércio, ou seja, a reprodução, no todo ou em parte, de marca, as leis acrescentam o adjetivo “registrada”, ao passo que, na concorrência desleal, nenhuma vez se notam especificamente essas expressões como elementos do tipo [...]. Nosso Tribunal de Alçada, por mais de uma vez, teve ocasião de decidir nesse sentido: “O fato de não estar a sigla violada registrada no Departamento Nacional de Propriedade Industrial, impede a configuração do delito previsto no art. 175, n. II, do respectivo Código. Não, porém, o da concorrência desleal, que se consuma, entre outros modos, pelo uso de sinais distintivos não registrados do concorrente.” (RT 363/208).

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Assim como existem, de um lado, marcas de fato, e de outro, marcas

registradas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, existem dois

grandes regimes jurídicos de proteção de tais signos:

Temos, assim, duas categorias de direitos, com faculdades diversas, mas ambos decorrentes do uso (do simples uso ou do uso qualificado pelo registro). Uma caracterizada pelo direito exclusivo, oponível erga omnes, outra caracterizada pelo direito de excluir apenas aqueles que concorram sobre determinado mercado utilizando signos ensejadores do desvio de clientela pela confusão entre produtos. (SILVEIRA, 2009, p. 5)

Com efeito, a marca registrada é protegida pelas regras de repressão aos

denominados crimes contra as marcas, tipificados no art. 189 da lei 9.279/96, e pela

sistemática geral do ato ilícito. A marca de fato, por sua vez, encontra amparo na

tipificação dos crimes de concorrência desleal, previstos no art. 195 da mesma Lei –

notadamente na espécie concorrência confusória, incisos IV, V e VI –, bem como no

art. 209, que regula a responsabilidade civil pela concorrência desonesta. Os efeitos

da proteção de cada regime são, contudo, bastante diversos:

Se se tomar em conta o território coberto pela exclusividade, diferem substancialmente os direitos conferidos pela marca registrada e pela marca de fato. Se um industrial é titular de marca de fato notoriamente conhecida no Estado de São Paulo, por exemplo, nada poderá fazer contra o uso da mesma marca por parte de um industrial do mesmo ramo em outro Estado. Embora fabricantes dos mesmos produtos, nem mesmo serão considerados concorrentes por não atuarem perante o mesmo mercado consumidor (não se aplicando à situação as normas que regulam a concorrência). Já o proprietário da marca registrada, mesmo que pelos característicos de sua indústria não atue nem tenha condições de atuar fora de seu Estado, tem o direito de proibir o uso de sua marca nas mais remotas regiões do país. (SILVEIRA, 1998, p. 32).

Denis Borges Barbosa (1997, p. 108) igualmente evidencia a fragilidade

jurídica da proteção garantida a uma marca de fato – que demanda a demonstração

de uma relação de concorrência, considerando-se os elementos tempo, lugar e área

econômica –, quando comparada à blindagem legal do signo marcário que foi levado

a registro:

Assim, o titular de uma marca, cujo registro tem alcance nacional, pode se opor ao seu uso por um comerciante de cidade remota, onde nunca concorreu ou concorrerá; mas para exercer seu direito de uma concorrência leal, sem ter direito de exclusividade, é preciso demonstrar que sua marca

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não registrada é utilizada no mesmo mercado, no mesmo local, no mesmo tempo, pelo concorrente desleal.

2.7.2 Título do estabelecimento e insígnia

Além da proteção conferida às marcas e ao nome empresarial, o Direito

resguarda o chamado título de estabelecimento, e a sua representação gráfica, a

insígnia, como espécies sui generis de símbolos de identificação utilizados no

comércio. Como o próprio nome indica, o título representa a designação que o

empresário empresta ao ponto físico onde estabelece seu empreendimento ou seus

vários empreendimentos, que pode ou não ter relação com o nome empresarial ou

com as marcas de produto ou de serviço do empresário.

A proteção ao título do estabelecimento não é atualmente prevista

diretamente no ordenamento, diferentemente do que ocorre com os outros dois

citados símbolos de identificação. Ele sequer é objeto de registro específico – não

há órgão com tal atribuição atualmente no Brasil. Mas em virtude de esforço

doutrinário, e por ter sido alvo de previsão legal por várias décadas no Brasil, a ele

se reconhecem algumas resguardas perante apropriações indevidas de terceiros.

Sua proteção é conferida, assim como ocorre com a marca de fato, pela via

oblíqua da concorrência desleal, sendo expressamente vedado que terceiros

concorrentes façam uso do título de um estabelecimento comercial – assim como da

insígnia – sem autorização do seu titular (art. 195, V, da Lei de Propriedade

Industrial).

Para melhor resguardar os direitos sobre o nome de um estabelecimento ou

sobre a insígnia, é praxe no comércio o seu depósito enquanto marca perante o

Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, aplicando-se-lhe, neste caso, o

regime próprio do direito marcário.

Por ser o título do estabelecimento – também conhecido como “nome de

fantasia” – sinal dotado de grande visibilidade no mercado (em muitos casos

superior à do próprio nome empresarial), ele é alvo perfeito do aproveitamento

parasitário, podendo ser apropriado por agentes não concorrentes.

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2.7.3 Design

Os elementos distintivos de um estabelecimento comercial ou de um

empreendimento não se limitam àqueles que fazem uso do vocábulo. Com efeito,

em um mundo em que a criatividade é ferramenta da mais alta importância na

projeção de um negócio, os elementos puramente visuais, mesmo desconectados

de qualquer elemento semântico, ganham especial relevo, devido à imediata atração

que podem gerar no espectador.

Muitas são as empresas identificáveis unicamente por sinais visuais bi ou

tridimensionais. Em muitos casos, a simples associação de cores já faz surgir no

íntimo do consumidor a imagem de um empreendimento de sucesso.

Uma ferramenta de marketing das mais utilizadas modernamente é o

chamado “design arquitetônico”, seja ele de fachada – referindo-se à parte externa

de um estabelecimento –, seja ele referente ao interior do imóvel em que se

encontra instalada uma unidade produtiva da empresa. Muitas são as empresas de

sucesso que são facilmente reconhecidas pela sua arquitetura singular, pelas cores

aplicadas nos imóveis que integram a rede de lojas e por sua decoração única.

Tome-se por exemplo as lanchonetes Mc Donald’s, inconfundíveis aos olhos do

mais distraído dos vegetarianos.

Mas o design não se limita à caracterização dos estabelecimentos de um

empresário. Também seus produtos são alvo de aplicação da criatividade de

designers, notadamente na concepção de embalagens.

Apesar de serem tais criações objeto de proteção por regimes específicos em

alguns casos – a arquitetura pela Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), o design,

ou “desenho industrial”, pela Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) –, nem

sempre é fácil garantir o direito de exclusividade erga omnes sobre elas. Tanto é que

parte da doutrina defende a possibilidade de ser reprimida a utilização indevida de

tais elementos pela via da concorrência desleal:

Outra forma de concorrência condenável é a que procura provocar confusão entre dois estabelecimentos por meio da semelhança de sua disposição externa (fachadas, vitrinas, etc.), desde que esses elementos sejam suficientemente característicos e aptos para distinguir o estabelecimento. A

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imitação de catálogos, circulares, prospectos, listas de preços, cartazes e outros meios de publicidade e propaganda, bem como a imitação dos característicos externos dos veículos, podem constituir, também, atos de concorrência desleal. (CERQUEIRA, 1982, p. 1277).

José Carlos Tinoco Soares (2004, p. 27-28) chega até mesmo a anunciar a

possibilidade de tal modalidade de imitação ocasionar concorrência desleal, mesmo

nos casos em que tais elementos já tenham caído em domínio público:

Esses direitos à Patente de Invenção ou à Patente de Modelo de Utilidade como, aliás, ocorre em todos os países do mundo, tem uma proteção limitada pelo tempo, findo o qual o seu objeto pode ser reproduzido por todos. Se, no entanto, houver uma “imitação servil” do objeto que foi patenteado, a violação poderá se enquadrar dentro do campo da concorrência desleal, mas isto ocorrerá somente se a sua “aparência” der uma indicação clara acerca do seu titular (indicado na própria origem) e quando essa forma aparente seja comprovadamente reconhecida nos meios comerciais como sendo daquela origem. Vale assim dizer, que a aparência, nesse caso, se refere à “configuração externa do objeto” e não abrange nenhuma particularidade de construção técnica intrínseca. Há nesta espécie, como vemos, a forma costumeira da proteção da invenção de princípio e de forma, respectivamente, como patente de invenção e de modelo de utilidade, dentro do Direito à Propriedade Industrial, isto é, a Lei de Patentes. Há por outro lado, uma proteção um tanto quanto mais ampla, dentro de outra área do direito, ou melhor, da Concorrência Desleal, porém, sob as condições expostas, isto é, poderá o titular do direito à patente, cujo objeto já caiu no domínio público, agir através das disposições insertas na Lei Civil e na de Concorrência Desleal [...], quando esta estiver tão ligada ao fabricante, industrial ou outro que estabeleça um vínculo de origem. [...] Reproduzindo de maneira servil ou imitando de forma enganosa a aparência, o formato, o modelo, os detalhes e outros componentes do objeto do concorrente, quer tenha sido ou não patenteado, de forma a estabelecer confusão quanto à origem do mesmo, estará agindo em flagrante concorrência desleal.

O mesmo raciocínio acima levantado, aplicável a agentes econômicos que se

encontram em relação concorrencial – configurando o ilícito da concorrência desleal

–, pode ser aplicado a agentes econômicos que não guardem entre si uma relação

de competição. É a possibilidade de uso da teoria do aproveitamento parasitário

para resguardo do design – seja ele de fachada, de interiores, de produtos, de

embalagens, bi ou tridimensional – contra usos indevidos em segmentos diversos do

mercado.

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Um bom exemplo do que aqui se indica seria a utilização dos elementos

visuais característicos e famosos de um dado estabelecimento de sucesso por loja

contígua, atuante em ramo diverso, dando a ideia ao consumidor de se tratar de um

grupo de empresas. Ou então o uso do desenho industrial de uma garrafa de

bebidas para caracterizar uma garrafa de produtos de limpeza.

2.7.4 Expressões de propaganda

A atual Lei de Propriedade Industrial fez questão de excluir da proteção

enquanto marca dos sinais comumente utilizados como publicidade comercial, as

chamadas expressões de propaganda. Entendeu o legislador contemporâneo que,

dada à fugacidade da maioria desses sinais, que se amoldam a um determinado

período e a uma certa clientela, assim como o vento muda de direção – quantos não

são os “slogans” lançados durante uma Copa do Mundo, por exemplo –, não

mereceriam a proteção aplicável aos signos marcários, estes que tendem a ser

perenes.

A definição da figura aqui estudada estava bem lançada no antigo Código da

Propriedade Industrial (Lei 5.772/71):

Art. 73. Entende-se por expressão ou sinal de propaganda tôda legenda, anúncio, reclame, palavra, combinação de palavras, desenhos, gravuras, originais e característicos que se destinem a emprêgo como meio de recomendar quaisquer atividades lícitas, realçar qualidades de produtos, mercadorias ou serviços, ou a atrair a atenção dos consumidores ou usuários.

Foi esta a última lei brasileira a salvaguardar pela via registral esta criação

dos publicitários. O art. 63 determinava, pois, que os preceitos do capítulo de

registro das marcas – destinadas a distinguir bens e serviços – deveriam se aplicar,

no que coubesse, às expressões de propaganda – destinadas a incitar o consumo

de um determinado produto ou serviço e valorizar a atividade do empresário, assim

como opera a publicidade e a propaganda como um todo.

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Denis Borges Barbosa (1997, p. 272) explicita a diferenciação entre marcas e

tais sinais utilizados na atividade publicitária: “enquanto a marca denota, dá nome,

enfim, indica um artigo ou serviço [...], a propaganda estimula, incentiva, na função

de conação. A marca é um nome, uma propaganda um imperativo, implicando numa

estrutura lógica mais complexa”.

O mesmo autor faz incisiva digressão acerca da recepção legal do instituto no

direito brasileiro, até a sua derrocada com o advento da atual Lei de Propriedade

Industrial:

O Decreto-lei 24.507, de 1934, introduziu, algo timidamente, o registro de insignies, tabuletas e emblemas usados em anúncios, reclames ou propaganda, e nos papéis de negócio relativos a quaisquer profissões lícitas (art. 26, nº 8). Foi, entanto, com o Código de Propriedade Industrial de 1945 (Decreto-lei 7.903/450) que se implantou no nosso direito positivo o instituto das expressões e sinais de propaganda como entidade autônoma no campo da propriedade industrial, extinta pela Lei 9.279/96. O Código de 1996, ao eliminar a proteção exclusiva das expressões e sinais de propaganda, existentes nas leis anteriores, não extinguiu no entanto a sua tutela, o que se faz abundantemente, com remissões no art. 124, VII (proibindo registro do que seja apenas utilizável como propaganda); no art. 131 (indicando que a marca pode ser usada também em propaganda); nos arts. 193, 194 e 195, incisos IV e VII – neste caso precisando que é um elemento de concorrência desleal o uso não autorizado de expressão ou sinal de propaganda. (BARBOSA, 1997, p. 271).

E Marco Antônio Marcondes Pereira (2001, p. 145) lembra que a Lei 9.279/96

determinou, em suas disposições finais (art. 233), o arquivamento definitivo dos

registros de expressão e sinal de propaganda a partir da sua publicação, não

podendo ser prorrogados.

Mas, como visto, a impossibilidade de se registrar um sinal de propaganda

não inviabiliza a sua proteção. Assim como ocorre com os demais sinais distintivos

de uma empresa ou de suas atividades, são eles protegidos pelo viés da proibição

da concorrência desleal:

A proteção desses sinais distintivos é feita pela repressão penal à concorrência desleal, consoante o art. 195, art. IV, da referida legislação da propriedade industrial em vigor, mas estes (expressões ou sinais de propaganda) podem, também, servir de instrumentos de confusão com marca alheia, merecendo reprovação ao nível de crime marcário ou de concorrência desleal. (PEREIRA, 2001, p. 145).

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Opinião idêntica é apresentada por Denis Borges Barbosa (1997, p. 272):

Na atual legislação, a definição continua aplicável, eis que, no contexto da concorrência desleal, a função dos sinais e expressões de propaganda continua intacta; altera-se, apenas, o título de proteção, que passa de exclusivo, através de registro, a não exclusivo – mas tutelado no contexto da concorrência; ou igualmente exclusivo, no contexto do Direito Autoral.

Mas o que dizer da apropriação de uma expressão de propaganda por não

concorrente? Dada à proximidade do sinal de propaganda a uma marca, a ele

igualmente se volta o objeto central desta pesquisa, eis que pode o parasitismo se

dar por meio de apropriação indevida de tal elemento publicitário.

2.7.5 Sinais sonoros e olfativos

Diferentemente de alguns poucos países, a legislação brasileira de proteção à

Propriedade Industrial não reconhece, tampouco garante qualquer proteção,

enquanto marca, aos sinais sonoros e olfativos que são utilizados por um

empresário para identificar a empresa, seus produtos ou serviços.

A Lei 9.279/96 foi taxativa ao especificar que ganham proteção enquanto

marcas os sinais “visualmente perceptíveis” (art. 122), não estendendo seu manto

sobre outros sinais que possam ser apreendidos por sentidos diversos, que não a

visão. Mas tal exclusão não passou ilesa: diversos são os autores que criticam

severamente o sistema brasileiro de registro de marcas, taxando-o de antiquado e

conservador, desconectado das modernas ferramentas de que se valem os

empresários para divulgar seus empreendimentos. Com efeito, em uma era em que

o desenvolvimento de novas tecnologias é incessante e a Internet se estrutura como

o principal mercado mundial, parece injustificável uma legislação de tamanha

importância como a de Propriedade Industrial permanecer estagnada no tempo.

Assim, só para citar um exemplo, no Brasil não seria passível de registro e

proteção enquanto marca o efeito acústico tão característico da Intel, acionado ao se

ligar um microcomputador da empresa. Nada impede, contudo, que o titular de uma

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marca sonora ou olfativa (GALAN, 2008), obtenha amparo pela via indireta da

concorrência desleal, quando detectar apropriação de tais sinais por um competidor

no mercado.

Mas a proteção pelo viés da concorrência desleal, como o próprio nome

indica, se limita a situações de concorrência concreta entre dois agentes

econômicos. Mais uma vez a tese do aproveitamento parasitário se mostra útil

também a este tipo de sinal, notadamente quando ele for apropriado indevidamente

por terceiros, para identificar produtos destinados a outro segmento do mercado.

Qual não seria o efeito se, ao se ligar um aparelho eletrodoméstico qualquer,

ele emitisse o efeito sonoro da empresa de microcomputadores acima referida?

2.7.6 Nomes de domínio

O nome de domínio – endereço eletrônico de uma empresa na Internet – é o

mais moderno e inovador elemento de identificação, e, justamente por esta razão, a

sua regulação no Brasil ainda é deficitária, não obstante os incansáveis esforços

para seu aprimoramento. Não há, pois, até o momento, qualquer lei que trate

especificamente da proteção de tão importante sinal de identificação de uma

empresa.

Paralelamente à sua função de orientação espacial na Rede Mundial de

Computadores – com efeito, este é o seu objetivo primeiro, indicar ao internauta

onde se encontra situada a empresa no ambiente virtual, assim como opera o

endereço concreto, quando indica a cidade, o bairro, a rua e o número de um imóvel

– não há como negar o importante papel assumido pelo nome de domínio enquanto

forte ferramenta mercadológica.

E devido a esta última característica, o nome de domínio se distancia da

figura do endereço físico, com sua estrita função orientadora, se aproximando mais

em importância do instituto do “ponto comercial” ou “estabelecimento”. Assim como o

resguardo do ponto físico é crucial ao desenvolvimento de um determinado negócio,

por ser a base de atuação da empresa, referência para toda uma clientela já

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constituída e consolidada, da mesma forma o nome de domínio, marco referencial

que liga o empresário aos seus consumidores e parceiros comerciais no ambiente

virtual, deve ser protegido de esbulhos de terceiros.

Há empresas que funcionam quase que exclusivamente no ambiente da

Internet. A clientela se relaciona por longos anos com elas, sem perquirir acerca da

existência de uma sede concreta. Pode-se citar alguns exemplos, como é o caso da

Amazon (http://www.amazon.com/) – serviço on-line de encomenda de produtos

nacionais e internacionais das mais variadas naturezas –, do Buscapé

(http://www.buscape.com.br/) – comparador de preços de produtos dentre os

catálogos de várias empresas que realizam o comércio pela Internet – e da Estante

Virtual (http://www.estantevirtual.com.br/) – site brasileiro que traz a relação das

livrarias que comercializam livros usados e de seus acervos.

Embora salte aos olhos a importância do endereço que tais empresas e

negócios assumem na Internet, a regulação do ambiente virtual ainda se encontra

em fase embrionária. Há atualmente um centralizador de registro dos nomes de

domínio, mas que não consiste em uma pessoa jurídica de Direito Público ou um

órgão da Administração Pública. Por esta razão, não possui poder decisório pleno

sobre os pedidos de registro – não lhe cabe o poder de polícia próprio do regime

administrativo –, diferentemente do que ocorre com o registro de marcas, que é

assumido pela autarquia federal Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI,

como já visto.

Em razão disso, perdurou e ainda persiste no Brasil – embora atualmente um

pouco mais timidamente – a prática de registro de nomes de domínio similares a

marcas famosas de terceiros, com vistas a assegurar a exclusividade do uso de tal

endereço virtual para posteriormente vendê-lo a preços astronômicos para o

verdadeiro titular da marca.

Tais situações agora já são consideradas como práticas ilegais, sinal da

evolução da regulação da Internet no Brasil, já tendo algumas vezes alcançado o

Judiciário, que se posicionou negativamente em relação a tal conduta.

Interessa ao presente trabalho o nome de domínio na Internet, uma vez que,

ao lado das marcas, do nome empresarial e do nome de fantasia, ele se apresenta

como um verdadeiro elemento identificador da empresa, não possuindo,

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essencialmente, muita diferenciação daqueles, no que toca à justificativa da sua

proteção. E, assim como os demais sinais distintivos da empresa, o nome de

domínio está apto a ser injustamente apropriado por terceiros que, embora não

concorrentes ao titular de uma determinada marca, se beneficiam com a utilização

de endereços virtuais parecidos com ela, em uma nítida situação de parasitismo.

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3 CARACTERIZAÇÃO DA CONCORRÊNCIA PARASITÁRIA

É de extrema importância ao regular delineamento do objeto da presente

pesquisa que se investigue o instituto da concorrência parasitária, que com o

aproveitamento parasitário possui forte semelhança, embora sejam igualmente

expressivas as diferenças entre as duas figuras.

Para bem compreender a concorrência tida por parasitária, é, pois,

indispensável que antes se avalie o instituto da concorrência desleal, da qual aquela

é somente uma espécie, ao lado de outras modalidades defesas de competição

comercial. E, para tanto, é outrossim necessária a avaliação dos princípios gerais

que regulam a atuação dos agentes econômicos, notadamente o da livre iniciativa e

o da livre concorrência, com vistas a se verificar em que situações uma relação de

concorrência é tida por leal e regular, e a partir de que ponto ela ganha,

merecidamente, a pecha de desonesta.

3.1 A livre iniciativa e a livre concorrência

Um dos princípios estruturantes da ordem constitucional é o da livre iniciativa

– que se afigura igualmente como um dos fundamentos da República Federativa do

Brasil, logo no artigo inaugural da Constituição. Com efeito, o art. 170 da

Constituição eleva-o a fundamento da Ordem Econômica e Financeira. Fazendo uso

de apertada, mas acurada síntese, pode-se compreender a livre iniciativa como

sendo a “liberdade garantida aos agentes econômicos de manejarem, nos limites

constitucionalmente garantidos, os instrumentos econômicos disponíveis em busca

dos fins inerentes a uma sociedade de base capitalista” (ABREU, 2008, p. 74).

Deste forte alicerce decorre diretamente a livre concorrência, alçado pelo

mesmo dispositivo da Constituição à condição de princípio geral.

Interpretado na literalidade, o princípio da livre concorrência conduz à crença

de poder ser amplo e irrestrito o ato de competição entre empresários. Mas na

vigência do atual Estado capitalista – que, apesar de deixar ao próprio mercado a

sua condução, impinge-lhe uma série de limites –, a livre concorrência deve ser

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interpretada como “ampla concorrência”: o que se busca na Ordem Econômica não

é um cenário de competição sem regras, mas um ambiente ideal de coexistência leal

de empresas, produtos e marcas, sem limite de número de concorrentes, o que, em

última instância, beneficia o consumidor acima de todos (LOPES, 2002, p. 29).

Rogério Roberto Gonçalves de Abreu (2008, p. 80) bem delineia o entrecruzamento

desses dois paradigmas da Ordem Econômica e Financeira:

A livre concorrência, contudo, como princípio de base constitucional (indicação de objetivo a atingir), procura assegurar a eficácia da livre iniciativa. De nada valeria poder entrar no mercado, utilizando o fundamento da livre iniciativa, se nele não fosse possível se manter, dada a falta de efetividade do princípio da livre concorrência. Sendo assim, parece-nos adequado dizer que o princípio da livre concorrência alicerça e efetiva o fundamento constitucional econômico da livre iniciativa.

Constatou-se que na vigência de uma Ordem Econômica absolutamente

liberal, sem participação do Estado enquanto regulador e fiscalizador do mercado,

tende-se a atos de concentração (monopólio, oligopólio etc.) e de eliminação da

concorrência. Assim, se inexistisse controle estatal, nunca haveria uma concorrência

efetivamente livre. E para que a atividade econômica se desenvolva pautada nos

princípios e garantias fundamentais erigidos na Constituição, é fundamental que haja

ampla concorrência e competição.

Desta forma, o que busca essencialmente o princípio da livre concorrência,

associado ao da livre iniciativa, é fazer imperar no mercado a chamada concorrência

perfeita que, embora sabidamente impossível de ser alcançada em sua máxima

potência, serve como um ideal orientador ao funcionamento do mercado.

A concorrência perfeita seria aquela em que coincidiriam as seguintes

características:

a) toda e qualquer atividade desenvolvida no mercado deveria possuir

inúmeros concorrentes, todos de tamanho e importância bastante

similares, de modo que um não tivesse o controle ou influenciasse

demasiadamente toda aquela atividade econômica;

b) a entrada e saída de empresas de todas as atividades econômicas, além

de não poderem afetar o todo, teriam de ser livres, não delimitadas por

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barreiras impostas pelos concorrentes. Isso faria com que o próprio

mercado, mediante análise da qualidade dos fornecedores, realizasse uma

seleção natural, deixando em funcionamento somente os agentes

econômicos mais eficientes e que apresentassem os melhores preços;

c) todos os produtos e serviços disponibilizados em determinada área

econômica deveriam ser absolutamente idênticos, sem diferenciações

quanto a qualidade, características ou marca, de modo que o consumidor

pudesse selecionar livremente o mesmo produto entre dois concorrentes.

Todavia, o que ocorre no mercado capitalista é, justamente, a concorrência

imperfeita.

Quanto à primeira característica da concorrência perfeita, é impossível que

toda atividade econômica possua vários concorrentes. O que se observa é que o

mercado tende à concentração. E isso faz com que as empresas que dominam

determinado segmento mercadológico não só influenciem consideravelmente esse

particular ramo comercial, como verdadeiramente o controlem, mediante políticas de

aumento de preços, celebração de aquisições e fusões etc.

Quanto à segunda característica, o mercado efetivamente existente não

permite a entrada livre de novas empresas em todos os ramos da economia. Há um

verdadeiro trancamento – em alguns casos técnico, noutros econômico, noutros

ainda político – de determinados setores, impossibilitando a livre participação de

novos agentes.

Em relação à terceira característica, com o desenvolvimento da tecnologia e

da mão-de-obra técnica, os produtos oferecidos por determinado fornecedor são

bastante diversificados dos disponibilizados por seus concorrentes, variando

consideravelmente em qualidade e em suas características. E a própria marca de

um produto é levada em consideração pelo consumidor na hora da compra, o que

automaticamente exclui produtos de outras empresas, ainda que idênticos

tecnicamente. Assim, na concorrência imperfeita, salvo poucas exceções, o máximo

que se pode alcançar é a coexistência no mercado de produtos “parecidos”. A

escolha que cabe ao consumidor diante do alto preço de um produto de sua

preferência, destarte, é resignar-se em escolher um bem substituto, não idêntico,

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oferecido por empresa concorrente (quando esta existir, o que nem sempre ocorre),

vendido por um preço menor (e que possua, talvez, menor qualidade).

O extremo oposto do cenário da concorrência perfeita é, assim, o comércio

marcado por forte concentração (monopólio, oligopólio, monopsônio e oligopsônio),

situação em que um ou alguns agentes econômicos dominam os fatores do mercado

(oferta e procura, essencialmente), o que normalmente leva a abusos prejudiciais a

toda a sociedade, como bem destaca Carlos Leduar Lopes (2002, p. 33-35):

A situação jurídica de monopólio confere a seu titular (o monopolista) posição de exclusividade no mercado, a qual pode conduzir a comportamentos contrários aos interesses dos consumidores, tais como: a) produção insuficiente de bens ou deficiência nos serviços prestados; b) preços abusivos, vale dizer, fixados acima do preço técnico (do produto ou do serviço) ou múltiplos (isto é, aplicados em valores diferentes para o mesmo bem ou serviço, ensejando discriminação entre compradores e usuários); c) recusa de venda ou de prestação de serviço, havendo produto ou condições de realização do último.

Mas apesar de apregoar a livre concorrência como um dos princípios da

Ordem Econômica, em determinados casos o Estado permite e até incentiva atos de

monopólio e de concentração. Ele próprio definiu determinadas áreas econômicas

como sendo monopólios do Estado, em razão do alto interesse nacional e público

que elas apresentam, como se dá, por exemplo, com a exploração de petróleo.

Noutros casos ainda, permite a aglomeração de empresas. É o que ocorre quando,

por exemplo, duas empresas se unem formando um oligopólio e dificultando a

proliferação de concorrentes nacionais, mas que o fazem para fortalecer

determinado setor da economia em detrimento à “invasão” de concorrência

estrangeira. O mesmo autor apresenta as modalidades de monopólio existentes no

mercado brasileiro:

Pode acontecer, no entanto, que apenas um empreendedor econômico se encontre em certo mercado, caracterizando situação de monopólio. Será ela de fato se aquele que estiver no mercado aí se achar em virtude de ser o único tecnicamente habilitado à produção de determinado bem ou à realização de um dado serviço; ou, ainda, por ter querido nele ficar sozinho, mercê das condições que criou para tanto, com vistas a auferir as vantagens da exploração de sua atividade econômica, sem concorrentes. Embora juridicamente permitida, a livre concorrência, no primeiro caso, não se instaura; no segundo, não se mantém. Será ela de direito se a livre concorrência estiver excluída, por força de previsão normativa (já feita, normalmente, no texto constitucional) que

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atribua a um só sujeito – o Estado ou outro precisamente individuado – o exercício, portanto, exclusivo, de certa atividade econômica. (LOPES, 2002, p. 32-33).

A própria proteção à Propriedade Industrial não deixa de ser uma situação de

monopólio tolerada pelo Direito, como alhures afirmado nesta pesquisa. O regime de

concessão de privilégios implica, pois, em exclusividade de uso de determinado

bem, o que conduzirá necessariamente a um monopólio. É o caso de uma empresa

titular do direito de explorar no mercado uma invenção por si desenvolvida, com a

prerrogativa de opor-se a qualquer tentativa de utilização por terceiros.

Mas é importante ter sempre em mente que a centralização de poderes na

mão de um ou de poucos empresários vem a ser uma situação de exceção: a regra

é a garantia da ampla concorrência.

Assim, como se pode verificar, não é plenamente livre a atividade econômica.

A livre iniciativa encontra balizas impostas pelo Estado das mais variadas espécies.

No que tange ao controle da concorrência, dois são os seus alcances.

Por um lado, o Estado proíbe atos de abuso do poder econômico,

intimamente ligados a atos de concentração, os quais aspiram a ocasionar a

dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos

lucros. Nesse âmbito, tem-se o controle macroeconômico da concorrência, ou

macrojurídico, verdadeira norma de Direito Público. O diploma legal de maior

relevância neste ponto, após a própria Constituição da República, é a chamada Lei

Antitruste, ou Lei de Repressão ao Abuso Econômico (Lei 8.884/94). Leva-se em

consideração determinada ou determinadas empresas de um lado, como agentes

econômicos propensos ao cometimento de infrações à Ordem Econômica, e todo o

mercado de outro, abrangendo concorrentes, consumidores e até mesmo

trabalhadores.

Outra esfera de controle é a de repressão à concorrência desleal, feita em

âmbito privado. Trata-se do controle microeconômico ou microjurídico da

concorrência. Tem por sujeitos dois concorrentes individualmente considerados, e

não todo o mercado.

Denis Borges Barbosa (1997, p. 102) discorre sobre os dois âmbitos aqui

referidos:

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Assim, a tutela jurídica da concorrência tem sua dimensão de direito privado, que vem sendo historicamente o objeto do segmento da Propriedade Intelectual denominado concorrência desleal e, na proteção do fundo de comércio ou do aviamento, pelo Direito Comercial. E tem sua parcela de Direito Público, seja na regulação do próprio Estado, seja na tutela geral do espaço concorrencial, esta objeto do chamado Direito de Defesa da Concorrência, ou Direito Antitruste.

É da modalidade de controle da concorrência em sua “dimensão de Direito

Privado” – i.e., a vedação à concorrência desleal – que se passará a discorrer

doravante.

3.2 A concorrência leal

Para melhor compreender quando a concorrência exercida entre dois agentes

econômicos é considerada legítima, lealmente estabelecida, há que se cogitar

primeiramente em que situações a própria relação de competição tem lugar. A

resposta a esta pergunta possui especial importância ao objeto central desta

pesquisa, que avalia em que situações há atos desleais entre agentes não

concorrentes.

Há situação de concorrência quando se coloca diante de um mesmo

consumidor dois produtos com características semelhantes, destinados a suprir uma

mesma necessidade, mas de origens diversas, de modo que tenha que ser feita a

escolha de um ou de outro. Como visto, não é necessário que os produtos sejam

idênticos, o que se mostra praticamente impossível no âmbito da concorrência

imperfeita: basta que sejam substituíveis um pelo outro. Mas para bem se

compreender tal figura não se deve ater unicamente à análise das características

dos produtos em si. É preciso que eles estejam disponíveis em um mesmo mercado,

ou seja, que eles sejam “contemporâneos” e “conterrâneos”.

Assim, pela via oposta, inexistirá situação de concorrência se dois produtos

comparados não se destinarem – pelo menos em parte – a satisfazer uma mesma

necessidade, ou se, embora idênticos ou ao menos parecidos – substituíveis, por

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assim dizer –, estejam situados em mercados distintos, em aspectos territoriais e

temporais.

De uma forma didática, haverá concorrência quando dois agentes

econômicos disputarem um mesmo mercado. Tal fórmula simplista é bem trabalhada

por Carlos Leduar Lopes (2002, p. 40-41), que identifica o tempo, o território e a

semelhança entre os produtos como sendo os elementos que configuram a situação

de concorrência:

Os protagonistas de uma concorrência, independentemente da fase de que dela façam parte, são chamados de sujeitos concorrentes ou apenas de sujeitos. Estes deverão ser empreendedores econômicos, considerados como tais pelo sistema jurídico em que tenham constituído e (ou) exercitem a atividade econômica que lhes é própria. Além dos pressupostos subjetivos acima examinados, uma relação de concorrência, para se formar, exige o produto ou o serviço (estes definindo o mercado), a clientela (ou, como se queira, o círculo de consumidores do produto ou do serviço), o tempo e o território. Com efeito, a concorrência só se configura, exteriorizando uma relação entre operadores num mercado, quando disputem, ao mesmo tempo e no mesmo território, a clientela que necessita do seu produto ou do seu serviço. É curial que não se verifique uma relação de concorrência na hipótese de operadores praticarem atos de conquista ou manutenção de clientela, em diferentes épocas, não vindo, portanto, a se confrontar. Também é óbvio que não se registre relação de concorrência no caso de empreendedores explorarem mercados geograficamente distintos, como, verbi gratia, opere um no território europeu e outro no sul americano.

Definida a situação de concorrência, deve-se compreender a relação de

competição tida por leal como aquela que faz uso unicamente de recursos éticos e

legalmente reconhecidos aos empresários. Mas deve-se ter cuidado com

prejulgamentos de tais valores. Não significa que “ético” seja aquele comerciante

que não cause danos aos concorrentes. Toda situação de concorrência é, em certa

medida, prejudicial a um agente econômico. É da sua essência a disputa por uma

clientela, e disputa induz a uma situação de opção por parte do consumidor: ele

escolherá ou uma ou outra empresa, dificilmente mantendo relações comerciais com

ambas. Mas é certo que tais danos sofridos por uma empresa, quando resultantes

do exercício regular do direito de concorrer – a chamada concorrência lícita –, não

configuram, em hipótese alguma, conduta ilegal. Nos dizeres de Carlos Leduar

Lopes (2002, p. 27-29):

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A verdade é que sempre uma concorrência se caracteriza pela luta que travam os empreendedores econômicos de um mesmo mercado, com vistas a conquistar a clientela que adquire seus produtos ou se utiliza de seus serviços. Essa porfia pela clientela leva a que os participantes lancem mão de meios hábeis, ou que acreditem serem assim, a suplantarem a atividade empreendedora de seus adversários. Não é sem produzir diminuição na clientela dos outros empresários que o mais afortunado se posiciona melhor no mercado explorado por tais interessados. O provento que advém ao vanguardeiro é a perda que experimentam os seus rivais. Logo, o êxito do primeiro se dá a expensas dos últimos [...] Percebe-se, de maneira clara, que a concorrência, mesmo corretamente exercida pelos competidores, não deixa de imprimir prejuízo a um deles ou, se houver pluralidade de opositores, a vários. Mas cuida-se de um prejuízo que se origina da concorrência lícita, quer dizer, daquela desenvolvida dentro das regras econômico-jurídicas de competição de mercado; daí por que não encontra a obrigação de ressarcimento da parte de qualquer particular – ainda que envolvido diretamente na disputa – ou do Poder Público.

E mais adiante o mesmo autor aprofunda a definição de concorrência lícita ou

leal:

A concorrência lícita é, pois, aquela que se forma e se desenvolve dentro da disciplina que lhe é dada pelo sistema jurídico a que pertença. Tal disciplina varia, conforme o sistema jurídico seja informado por cláusula geral, ou não; vale dizer, exija um plus ético específico no comportamento de mercado do empreendedor-concorrente, ou basta que este, ao atuar, na “gara”, pela clientela se revista de uma liceidade, por assim dizer, objetiva. No primeiro caso, está, entre outros, o italiano (principio de correttezza professionale), no segundo, o brasileiro. A verdade é que haja ou não cláusula geral, a disciplina da concorrência tem por objeto a regulação da participação dos empreendedores-concorrentes na luta que precisam realizar para conquistar a clientela que adquire seus produtos ou se utiliza de seus serviços. Observada essa disciplina pelos contendores, a concorrência será considerada lícita. (LOPES, 2002, p. 41-42).

A contrario sensu do art. 187 do atual Código Civil, pode-se dizer que a

conduta leal de um empresário perante seu concorrente é aquela que, embora

ocasione danos a este último – os quais não caracterizam ato ilícito, ressalte-se –,

não contraria os ditames da boa-fé e dos bons costumes, tampouco excede os

limites impostos pelo fim econômico e social da conduta concorrencial. Decerto, a

figura da concorrência leal restará melhor compreendida com a apreciação de sua

face oposta, a concorrência tida por ilícita.

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3.3 A concorrência ilícita

Com a mesma força com que o Direito reprime situações ilegítimas de

monopólio, condena a concorrência realizada por intermédio de expedientes ilegais.

Não é porque é livre a concorrência que ela pode ser realizada de maneira

desenfreada, sem respeitar códigos morais de alta relevância.

A diferenciação entre uma e outra forma concorrencial – a lícita e a ilícita –

não é, contudo, tarefa tranquila. Carlos Leduar Lopes (2002, p. 59) apresenta os

casos em que, na opinião do autor, a segunda tem lugar:

A concorrência ilícita ocorre, geralmente, em três casos: a) quando não permitida, outrem intenta instaurar, ou instaura, concorrência (agredindo, desse modo, a exclusividade que o monopolista legal tem no mercado que explora); b) ainda quando não permitida, o monopolista legal, ou de fato, abusa de sua posição isolada no mercado, isto é, de não sofrer concorrência, negando-se a contratar com certos consumidores ou, então, praticando preços altos ou discriminatórios; c) quando, permitida, concorrentes formam cartéis, trusts etc. Em todos os casos, tem-se a prática de ilícito civil absoluto, que se resolve pelas regras da responsabilidade civil extracontratual atrás apontadas, sem prejuízo das sanções penais e administrativas previstas em legislação própria (especialmente leis 4.137/62, 8.137/90 e 8.158/91).

A lição acima parece trabalhar o conceito de concorrência ilícita stricto sensu,

não como sinônimo de ato antijurídico amplo, que abarcaria outras espécies de

competição ilegal, mas como um tipo bem delineado que tem lugar especialmente

na disciplina do controle ao abuso concorrencial, controle esse macrojurídico, como

já afirmado. O extrato abaixo confirma tal observação, ao conceituar concorrência

ilícita, concorrência desleal e concorrência anticontratual – a que resulta de

descumprimento de acordo formal de não concorrência – como modalidades de

“concorrências antijurídicas”:

Posto isso, pode-se reafirmar a existência de três concorrências marcadas pela antijuridicidade: a ilícita – em sentido estrito – a anticontratual e a desleal. E a distinção convém porque diferentes são os efeitos de cada uma delas, mormente quanto às regras de responsabilidade civil aplicáveis (se inerentes à contratual ou extracontratual) e às conseqüências processuais correspondentes, a saber: competência (especialmente a ratione materiae) do Poder Judiciário, ações cabíveis etc. [...]. (LOPES, 2002, p. 56-58).

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Já Denis Borges Barbosa (1997, p. 108) adota classificação relativamente

diferente, seguindo orientação de Pontes de Miranda:

Não se confunde concorrência desleal e concorrência interdita. É interdita, por lei, a concorrência de um competidor do titular da patente quanto ao objeto do privilégio; é interdita por via contratual a concorrência do vendedor de um fundo de comércio, que presta a garantia para quem compra o negócio, O sistema de patentes é o meio clássico de interdição de concorrência; mas os monopólios legais, os pactos de não concorrência e outros mecanismos de exclusividade também podem vedar legalmente a competição. O parâmetro de proibição é a lei, o privilégio ou o contrato pertinente. De outro lado, a sanção imposta ao concorrente desleal não é, como no caso de que faz a concorrência interdita, a proibição de continuar a atividade econômica; é, sim, a imposição de continuá-la dentro dos usos e praxes comerciais. A concorrência negocialmente proibida, nos dizeres de Pontes de Miranda, não impede somente a prática de uma atividade exercida fora de tais usos e práticas; impede todas as modalidades, leais e desleais, dentro dos parâmetros do pacto específico.

Discordâncias conceituais à parte, no presente trabalho adota-se a expressão

concorrência ilícita como gênero, ou seja, como sinônimo de concorrência ilegal ou

antijurídica, caracterizando todas as situações elencadas por Carlos Leduar Lopes

(2002): a competição proibida ou interdita – realizada por um agente contra outro a

quem a lei garantiu o direito de ser o único explorador de uma atividade econômica –

, o abuso do poder econômico – ato realizado por quem detém uma posição isolada

no mercado, afetando as possibilidades de outros agentes participarem daquele

segmento econômico –, a concorrência anticontratual – a quebra de um pacto formal

e lícito de não concorrência, ajustado entre dois ou mais agentes, como

normalmente ocorre nos contratos de trespasse (nos termos do art. 1.147 do Código

Civil) – e a tida por desleal, detalhada a seguir.

3.4 A concorrência desleal

Para garantir um quadro de competitividade saudável, além de prever a

repressão a atos de abuso de poder econômico – proteção macroeconômica da

concorrência – a legislação brasileira tomou emprestado de outros países o instituto

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da concorrência desleal – forma de proteção microeconômica –, cujos contornos são

bem esboçados por Carlos Leduar Lopes (2002, p. 42) em seu trabalho específico:

O empreendedor deve, na luta que trava num mercado, para a conquista (ou manutenção) do círculo de consumidores que adquirem seu produto ou se utilizam de seu serviço, comportar-se dentro da liceidade traçada pelo sistema jurídico a esse fim. Tal liceidade, destarte, impõe ao empreendedor uma conduta-dever a ser observada na concorrência que se instaura no mercado que ele explora. E o ato que o empreendedor realiza em desacordo com a conduta-dever que lhe é exigida, prejudicando (ou intentando prejudicar) a concorrente, é chamado de ato de concorrência desleal, porque praticado na concorrência estabelecida no mercado de sua atividade econômica.

Marcus Elidius Michelli de Almeida (2004, p. 127) conceitua o instituto de

forma semelhante, focando a ilegalidade do ato no descumprimento daquilo que o

autor anterior chamou de conduta-dever. Estaria a ilegalidade não no fim objetivado

pelo competidor desleal – absolutamente idêntico ao do honesto –, mas no meio

utilizado para alcançá-lo:

Vale lembrar que o ato de concorrência leal e o de concorrência desleal têm em comum a sua finalidade, uma vez que ambos objetivam a clientela alheia. A deslealdade, portanto, não está na busca da clientela alheia dos outros, mas sim na forma de atingir essa finalidade. Toda a luta da concorrência econômica, no comércio e na indústria, como aliás, em outras profissões, desenrola-se em torno da clientela, esforçando-se uns para formar a própria freguesia, atraindo para si a alheia, ao passo que outros porfiam em conservar e aumentar a clientela adquirida. A conquista da clientela é sempre feita à custa dos concorrentes mais fracos ou menos hábeis. Dessa forma, conforme já tivemos a oportunidade de nos manifestar, a concorrência desleal não diz respeito a qualquer outro ato com o objetivo de se apropriar de uma clientela, mas a utilização daqueles que superam a barreira do aceitável, lançando mão de meios desonestos.

Esta já havia sido a conclusão de Gama Cerqueira (1982, p. 1273-1274):

Segundo a generalidade dos autores, todos os atos de concorrência desleal têm de comum o fim de atrair ou desviar, de modo direto ou indireto, a clientela de um ou mais concorrentes, idéia que se encontra em quase todas as definições mais conhecidas, e na qual todos os escritores insistem. [...] Esse fim, porém, não é suficiente para caracterizar a concorrência desleal, pois os esforços dos comerciantes e industriais no sentido de reunir e fixar a clientela em torno de seus estabelecimentos, ainda que a desviando de seus concorrentes, não são ilícitos em si, constituindo ao contrário, o próprio

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objeto da concorrência no comércio e na indústria. O que pode ser tachado de ilícito são os atos, os expedientes, os métodos, os processos da concorrência. [...] O que importa, pois, é (sic) natureza ilícita ou condenável do ato, e não o fim visado. Se assim não fosse, o simples fato do desvio de clientela, independentemente dos meios empregados, constituiria concorrência desleal; por outro lado, os atos desleais de concorrência não seriam suscetíveis de repressão quando não atingissem o seu objetivo [...].

Recorrendo aos instrumentos normativos, a fundação primária da

concorrência desleal é, indubitavelmente, o art. 10 bis da Convenção da União de

Paris de 1883, com a redação aperfeiçoada pela Revisão de Haia de 1925, que a

define de forma ampla como sendo “todo ato de concorrência contrário às práticas

honestas em matéria industrial ou comercial”. Como consequência do conceito

demasiadamente genérico, insuficiente por si só para bem delinear os contornos de

tão expressivo instituto jurídico, o diploma internacional optou por exemplificar, logo

em seguida, no mesmo artigo, determinadas práticas comerciais tidas por desleais:

(3) Deverão ser especificamente proibidos: 1º. Todos os atos suscetíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão com o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente; 2º. As falsas alegações no exercício do comércio, suscetíveis de desacreditar o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente; 3º. As indicações ou alegações cuja utilização no exercício do comércio seja suscetível de induzir o público em erro sobre a natureza, modo de fabricação, características, possibilidades de utilização ou quantidade das mercadorias.

No que pertine à recepção do instituto nas legislações internas dos países

signatários da Convenção, ela opera em geral de duas formas: ou se adota uma

cláusula geral reprimindo a concorrência desleal, calcada em conceitos jurídicos de

ampla envergadura, tendentes ao resguardo da boa-fé e da lealdade entre

competidores, ou se assume a técnica de citar pormenorizadamente os casos

clássicos do ilícito. Assim, segundo Carlos Leduar Lopes (2002, p. 52), enquanto

alguns países reconhecem como ilícitos tais atos, estabelecendo “[...] cláusula geral

[...] de interpretação (ou, como se queira, de valoração), outros [...] também os

consideram ilícitos, submetendo-os, porém, de modos ordinários de interpretação,

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isto é, sem estatuir cláusula geral para tanto”. E o mesmo autor (2002, p. 54-55) lista

países que adotaram cláusulas gerais:

Optaram por cláusula geral, notadamente, a França, Luxemburgo, a Bélgica (estes findados em usages honnêtes), a Alemanha (gute Sitten), a Itália (principio de correttezza professionale) e a Suíça. Pelo conteúdo que elas ostentam, observa-se que se prendem ao art. 10 bis da Convenção da União de Paris, de 20.03.1883, que considera ato de concorrência desleal aquele que é contrário aos usos honestos (usages honnêtes) em matéria industrial e comercial. Percebe-se, ainda, que algumas cláusulas gerais simplesmente repetem a expressão fundamental de que se serviu a Convenção, ou seja usages honnêtes, ao passo que outras apresentam textos que são o resultado da incorporação nelas de princípios tradicionais de seus sistemas.

A legislação brasileira, por sua vez, não seguiu a mesma técnica,

apresentando-se como uma das mais casuísticas neste ponto (LEDUAR, 2002, p.

42). Coube à Lei de Propriedade Industrial tratar do tema, fazendo-o tanto sob a

ótica do Direito Civil, quanto do Direito Penal. Naquele primeiro âmbito, assim dispõe

o art. 209:

Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.

Já a concorrência desleal tratada no Capítulo VI da mesma Lei é apresentada

em rol taxativo, no art. 195, uma vez que consiste em norma de natureza penal. Tal

dispositivo considera como casos de concorrência desleal, a serem reprimidos

conforme sistemática do direito criminal (com aplicação de pena de detenção, de

três meses a um ano, ou multa): a publicação (inciso I) ou a prestação ou divulgação

(inciso II) de falsa afirmação em detrimento de concorrente, com o fim de obter

vantagem; o emprego de meio fraudulento para desviar em proveito próprio a

clientela de outrem (inciso III); a utilização de expressão ou sinal de propaganda

alheios1, ou a sua imitação, com vistas a criar confusão entre produtos ou

1 Como afirmado em tópico específico, embora o ordenamento brasileiro não tenha estabelecido um

regime registral para as expressões de propaganda, sua proteção é garantida indiretamente, pela via da concorrência desleal confusória.

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estabelecimentos (inciso IV); o uso indevido de nome comercial, título de

estabelecimento ou insígnia2 pertencentes a concorrente, ou a venda, exposição ou

oferecimento à venda e manutenção em estoque de produtos com essas

características (inciso V); a substituição, pelo seu próprio nome ou razão social, em

produto de outrem, do nome ou razão social deste, sem o seu consentimento (inciso

VI); a menção, como meio de propaganda, a recompensa ou distinção que não

obteve (inciso VII); a venda, exposição ou oferecimento à venda, em recipiente ou

invólucro de outrem, de produto adulterado ou falsificado, ou a sua utilização para

negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se

o fato não constitui crime mais grave (inciso VIII); a promessa de pagamento, o

pagamento ou a concessão de outra utilidade a empregado de concorrente, para

que aquele, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem (inciso IX); o

recebimento de dinheiro ou outra utilidade, ou a aceitação de promessa de paga ou

recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a

concorrente do empregador (inciso X); a divulgação, exploração ou utilização, sem

autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na

indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de

conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que

teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do

contrato (inciso XI); a divulgação, exploração ou utilização, sem autorização, de

conhecimentos ou informações a que se referiu o inciso XI, obtidos por meios ilícitos

ou a que teve acesso mediante fraude (inciso XII); a venda, exposição ou

oferecimento à venda de produto, declarando ser objeto de patente depositada ou

concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou a sua menção,

em anúncio ou papel comercial, como depositado, patenteado ou registrado, sem o

ser (inciso XIII); e a divulgação, exploração ou utilização, sem autorização, de

resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva

esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais

como condição para aprovar a comercialização de produtos (inciso XIV).

2 O mesmo se observa com o título do estabelecimento e a insígnia, tratados em capítulo anterior

desta pesquisa, que, embora sem possuírem regramento jurídico específico, são protegidos pela vedação à concorrência desleal.

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Contudo, observa-se que, não obstante o art. 195 ter natureza penal, nada

impede que as condutas ali especificadas conduzam à obrigação de reparação civil,

nos termos do art. 209, supracitado3. Mas no âmbito civil, diferentemente do penal, o

rol do art. 195 é meramente exemplificativo, não exaurindo as situações possíveis de

concorrência desleal hábeis a gerar o dever de reparação. Esse é, inclusive, o

pensamento de Marcus Elidius Michelli de Almeida (2004, p. 131):

Nesse caso, é bom lembrar que os atos elencados no dispositivo supra [art. 195 da Lei 9.279/96] dizem respeito a crimes de concorrência desleal e, portanto, para os fins penais deve ser entendido de forma taxativa. Entretanto, quanto à questão da responsabilidade civil, no que tange a eventuais perdas e danos, será possível reclamá-los tanto no caso de uma das situações taxativamente previstas como “crime de concorrência desleal”, bem como outras que, embora não elencadas na lei, também podem caracterizar-se, meramente, como “concorrência desleal”. Melhor explicando. Entendemos que a lei elenca de forma taxativa atos que são considerados crimes de concorrência desleal, porém poderão ocorrer outros que, embora não sejam caracterizados como crime, também serão atos de concorrência desleal. Assim, o artigo 195 da Lei de Propriedade Industrial apresenta, para os efeitos penais, atos descritos em seus incisos, contudo, esses mesmos atos serão meramente exemplificativos ao se tratar de concorrência desleal pura. Tanto é verdade que o artigo 209 da Lei de Propriedade Industrial, a exemplo do que já ocorria na legislação passada no parágrafo único do artigo 176 do Decreto-Lei nº 7.903/45, dispõe sobre a possibilidade de ocorrência de atos de concorrência desleal, além dos tipificados no artigo 195 da LPI.

Em complemento, é de se ressaltar que no Brasil a repressão à concorrência

desleal não se limita especificamente à Lei de Propriedade Industrial, embora tenha

nela o centralizador do regramento. Também o Código de Defesa do Consumidor,

Lei 8.078/90, determina como princípio da Política Nacional das Relações de

Consumo o combate à concorrência desleal, repreendendo “todos os abusos

praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização

indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos

distintivos” (art. 4º, VI), o que denota o reconhecimento pelo diploma máximo de

proteção das relações de consumo de que qualquer modalidade de concorrência

desonesta ocasiona, em última instância, danos aos consumidores. E o novo Código

3 Esse, inclusive, o teor do art. 207 da Lei de Propriedade Industrial, que assim determina: “Art. 207.

Independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil”.

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Civil, por sua vez, prevê, a exemplo do anterior, hipótese que, pela via negativa,

pode dar ensejo à concorrência desleal, em seu art. 1147.

3.4.1 Bem jurídico protegido

Outro ponto que se afigura de grande complexidade é a definição do bem

jurídico protegido, quando se acusa um empresário de cometer concorrência

desleal. Sendo ato ilícito, nos termos do art. 186 do Código Civil, há que se indicar

qual o direito subjetivo lesado pela conduta do concorrente. Carlos Leduar Lopes

(2002, p. 44-47) faz importante apanhado sobre o assunto:

Cabe, neste passo, indagar do bem jurídico que as legislações protegem, na disciplina da concorrência desleal. Discute-se, em todos os sistemas jurídicos europeus e continentais, mormente no italiano, qual a natureza desse bem. A discussão não é estranha ao nosso Direito. A verdade é que, já na doutrina estrangeira, já na nacional, sempre com reflexos na jurisprudência, a disputa se circunscreve, via de regra, à azienda, ao aviamento, à clientela ou, então, a um direito inalienável do empreendedor à lealdade da concorrência, com vistas a lhe ser assegurada a possibilidade de ganho no exercício dela, traduzindo, desse modo, um especial direito da personalidade. Azienda não é o bem jurídico protegido pelas legislações. Isso, entre outros motivos, porque: a) se fosse um bem, a própria concorrência lícita não existiria, porque esta também causa dano à azienda; b) não poderia ser tutelado contra a concorrência desleal o empreendimento despido, por qualquer circunstância, de azienda. O aviamento e a clientela igualmente não podem, cada qual a seu turno, constituir o bem jurídico assegurado contra a concorrência desleal, uma vez que não passam de particulares qualidades da azienda e, por conseguinte, não contam com a autonomia indispensável para tanto. Demais a mais, a clientela estaria sempre sujeita a sofrer diminuição, senão extinção, como resultado da própria concorrência lícita, conseqüência inconcebível a um bem jurídico.

Com efeito, poder-se-ia talvez interpretar que o direito subjetivo lesado, neste

caso, seria um direito disforme e genérico de proteção à clientela. Entretanto,

facilmente se verifica que não existe propriamente um direito subjetivo de garantia

da exclusividade da carta de clientes. Se a Constituição atribui à livre concorrência a

condição de princípio geral da Ordem Econômica, e concorrer significa disputar um

mercado em comum, demonstrado está que a clientela, por si só, não é bem jurídico

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tutelável. Os clientes migram de um a outro fornecedor continuamente, ora

incentivados pelos altos investimentos em campanhas de marketing e de

publicidade, em outros casos simplesmente por preferirem um determinado produto

em comparação com outro. Assim sendo, uma vez que nos casos em que se dá a

concorrência legítima não há nada que possa o empresário fazer para proibir que

um concorrente lhe conquiste a clientela, seria impróprio concluir a existência de um

direito puro e simples de proteção dessa, quando se está diante da competição

desonesta.

Maurício Lopes de Oliveira (2004, p. 101) tem essa mesma opinião:

Há quem tenha buscado fundamentar a concorrência desleal em um direito subjetivo de que o concorrente lesado fosse titular – o comerciante deteria um direito privativo sobre sua clientela. É essa, por exemplo, a posição de Roubier. Contudo, uma sociedade não se beneficia de qualquer direito privativo sobre sua clientela respectiva, já que ela é insuscetível de ser objeto de direito de exclusivo. Deve a clientela ser disputada livremente, sendo um contra-senso falar em direito de exclusivo à clientela em uma ordem jurídica que abriga a livre concorrência.

Igualmente questionável a posição doutrinária que vê na concorrência desleal

a afronta a um direito da personalidade do empresário, como o faz Carlos Alberto

Bittar (1993, p. 52):

Diferentes teorias têm intentado definir a natureza do direito protegido no âmbito da concorrência desleal, podendo, no entanto, divisarem-se duas posições básicas na matéria: a teoria do direito de propriedade e a do direito de personalidade. [...] Situamo-nos dentre os subjetivistas, em face da posição que temos com respeito aos direitos de personalidade, perfeitamente admissíveis para pessoas jurídicas, como, por exemplo, os direitos ao nome, à honra, às suas criações e a outros compatíveis. Com efeito, sendo direitos respeitantes a caracteres naturais da pessoa e à sua projeção na sociedade (direitos sobre o próprio ser e sobre suas manifestações concretas), consideram-se, sob o prisma moral, inerentes à personalidade do ente jurídico (tanto pessoa física como pessoa jurídica), não obstante se revistam também de conotações patrimoniais em suas exteriorizações.

Carlos Leduar Lopes (2002, p. 44-47) bem apresenta a síntese do argumento

contrário à tese subjetivista de Bittar:

A concepção que vê em um direito personalíssimo do empreendedor à concorrência o bem jurídico tutelado contra a concorrência desleal tem

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sofrido a objeção de que nem todos os atos desta agridem, direta ou indiretamente, a esfera jurídica da personalidade do empreendedor. É forçoso realmente reconhecer que a objeção procede, pois a maioria dos atos de concorrência desleal viola a esfera jurídica do empreendedor “não no que ele é, mas no que ele tem”. Portanto, o sistema jurídico resguarda, na concorrência de mercado, mais o patrimônio do que a personalidade do empreendedor.

A crítica procede, eis que nem sempre que se estiver diante de um ato do

tipo, corresponderá necessariamente um dano à esfera moral ou íntima do

empresário ou da empresa, mas um ataque direto ou indireto ao seu patrimônio.

O mesmo autor acima referido parece chegar a um denominador bastante

razoável quanto ao bem protegido diante de um ato de concorrência desleal,

reforçando a natureza sui generis desse direito subjetivo:

Afirmou-se que o direito fundamental de livre iniciativa econômica implica, necessariamente, o exercício de outros direitos, fundamentais ou não. Entre os primeiros poderiam ser lembrados o de propriedade, o de desempenho de profissão e o direito à honra. Quanto aos últimos, seria de se referir o de contratar. A verdade que tanto uns, como outros, somados ao de livre iniciativa econômica, integram a esfera jurídica do empreendedor econômico, enquanto tal. Todos nela coexistem, realizando cada qual o interesse do seu titular, segundo o objeto que lhe é próprio. Entretanto, esses direitos, assim reunidos na esfera jurídica do empreendedor econômico, revestem-se de uma especialidade; a de serem direitos de concorrente. E essa especialização importa, por sua vez, em que o sistema jurídico proteja contra a concorrência desleal cada um dos direitos que se acham na esfera jurídica do empreendedor econômico, enquanto concorrente, de acordo com a natureza do seu objeto. (LOPES, 2002, p. 48).

E é impecável o seu arremate:

Posto isso, conclui-se que não há, como pretende a maioria da doutrina, um bem jurídico, por assim dizer, único, exclusivo, que seja protegido pelo sistema jurídico contra a concorrência desleal, mas, sim, como acima se demonstrou, uma tutela abrangente de toda a esfera jurídica do empreendedor econômico, na sua (e tão-só) condição de concorrente, tutela essa que se concretiza na defesa de qualquer dos seus direitos especializados, quando violados. Nada mais. (LOPES, 2002, p. 48).

Não se demonstra possível, dessarte, definir um único direito subjetivo objeto

de violação perante o concorrente desleal. Toda a construção legislativa parece ter

protegido o competidor honesto, o bom empresário, de forma ampla, sem

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individualizar um direito específico, fosse de propriedade, fosse absoluto ou mesmo

fundamental, reprimindo a conduta contrária às boas práticas comerciais.

3.4.2 Classes de concorrência desleal

Podem ser identificadas determinadas categorias de concorrência desleal,

todas defesas: a concorrência desleal que visa a denegrir diretamente a imagem de

concorrente (v.g., por meio de publicidade denigritória4); a que consiste na atribuição

de distinção ou recompensa falsa, por meio de publicação de informações

inverídicas5; a que consiste em “traição” a sócio, parceiro comercial ou empregador,

com a divulgação de informações sigilosas e confidenciais a concorrente; a quebra

de contrato em que se estabeleceu a não concorrência; a que implica na obtenção,

por meios fraudulentos e ilegais, de dados confidenciais de concorrente (uma

fórmula secreta, obtida por meio de “espionagem industrial”, por exemplo); e, dentre

outras, aquela que objetiva ocasionar erro ou confusão entre estabelecimentos,

empresas, produtos ou serviços, por meio de uso de elementos identificadores, com

o objetivo de desviar clientela alheia, chamada de concorrência confusória,

caracterizada por Carlos Alberto Bittar (1993, p. 108) como “práticas tendentes a

captar, ilicitamente, clientela alheia, aproveitando-se alguém da imagem do

concorrente (seja de seu estabelecimento, seja de seu produto, seja de seu nome ou

de seu sinal distintivo)”.

Devido à íntima ligação que possuem com o objeto central da presente

pesquisa, serão estudadas neste tópico as concorrências do tipo confusória e

parasitária.

4 Marco Antônio Marcondes Pereira (2001) detecta três formas de concorrência desleal por meio da

publicidade, a denigritória, a comparativa e a confusória, esta última que integra a classe dos atos de parasitismo.

5 Um bom exemplo é o de um empresário que declara que atua no mercado por longos anos, por meio do chavão “desde...”, quando tal fato é inverídico. A alegação de persistir na ativa por bastante tempo passa a ideia de robustez do estabelecimento, aumentando a confiança dos clientes, ampliando consequentemente a chance desses últimos optarem por tal empresa em detrimento de outra.

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3.4.2.1 A concorrência confusória

Em relação à concorrência confusória, é ela, sem sombra de dúvidas, umas

das mais vis modalidades de competição. Carlos Alberto Bittar (1993, p. 60-61)

assim traçou os pressupostos desta modalidade de concorrência desleal:

Os pressupostos para configuração da figura em análise são os seguintes: a) anterioridade do produto concorrente; b) existência de imitação; c) suscetibilidade de estabelecer-se confusão. Com efeito, a ação tendente a provocar confusão deve centrar-se sobre produto preexistente, com o qual se objetive a assemelhação, para indução do público à sua procura, pelo aproveitamento indevido, seja da imagem, seja do nome ou de elemento outro distintivo da empresa ou de seu produto. [...] Depois, deve o agente apropriar-se de caracteres significativos ou distintivos do concorrente, ou dele aproximar-se, sejam de cunho interno (como o uso do nome, da marca ou do sinal) ou externo (como a fachada do estabelecimento ou outro elemento de apresentação). Faz-se necessário, portanto, que haja absorção indevida de componentes do aviamento do concorrente, de modo integral ou em caráter substancial. Por fim, é mister que exista a possibilidade de criar-se confusão entre os estabelecimentos ou entre os produtos. Exige-se que a ação, o expediente ou o seu resultado sejam idôneos para a desorientação dos consumidores. Deve se tratar de prática (ação, procedimento ou forma) que faça com que o estabelecimento ou o produto se mostre ao consumidor médio como se fora o do concorrente.

Também Marco Antônio Marcondes Pereira (2001) se debruça sobre os

requisitos da confusão, identificando os mesmos três citados nos ensinamentos de

Bittar: a anterioridade do estabelecimento ou produto copiado, a existência de

imitação e a aptidão para estabelecer confusão. Quanto a este último, defende

(2001, p. 147) que a confusão pode ser meramente potencial, ou, em outros termos,

basta que haja o risco de confusão:

A exemplo da jurisprudência francesa, porém, somos da opinião de que basta o risco para que fique configurada a confusão, que deve ser reprimida, pois o contrafator sempre procura artifícios que encubram ou disfarcem o ato delituoso, empregando semelhanças aptas à condução da vontade do consumidor. A imitação é um conjunto de mensagens subliminares, as quais reclamam à mente do consumidor a imagem do signo que lhe é particularmente conhecido. Desta forma, sem que o consumidor possa perceber senão debaixo de um exame mais apurado, a imitação penetra em sua mente como se fosse o signo de sua preferência.

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Tinoco Soares (2003a) igualmente versa sobre a concorrência desleal

realizada por meio de “marcas enganosas”, que se subdividem, na lição do autor,

em marcas que reproduzem e marcas que imitam outra preexistente. Quanto a estas

últimas, vale a transcrição de um trecho específico (2003a, p. 651-652):

A imitação, de uma forma geral, induz fatalmente à semelhança. Esta semelhança é projetada na marca, quase sempre de forma ardilosa, eis que o fim precípuo e visado é a confusão. Exatamente pela confusão gerada no espírito do consumidor e/ou usuário é que o concorrente vê coroado de êxito o seu fim ilícito. Na figura da imitação há um encadeamento de ideias que norteiam a engenhosa mente humana. Estas ideias são concatenadas de forma tal que impossível seria uma definição prevista das várias, inúmeras e infindáveis maneiras pelas quais a figura da imitação realiza. Embora tenha despertado sobremaneira a atenção de conceituados doutrinadores, não se chegou ainda a estabelecer critérios lógicos para a sua exata compreensão. [...] A imitação provoca a confusão entre os produtos ou os serviços, através do emprego de elementos parecidos e dispostos de forma análoga.Realiza-se a imitação pela adoção de nomes, letras, tipos de letra, emblemas, símbolos e quaisquer outros sinais distintivos e bem assim pelo emprego das respectivas cores que, na marca original, formam o seu conjunto.

Denis Borges Barbosa (1997, p. 111-112) prefere exemplificar os casos em

que a concorrência confusória (ou “atos confusórios”) tem lugar, indicando as

hipóteses previstas nos incisos III a VIII do art. 195 da Lei 9.279/96.

3.4.2.2 A concorrência parasitária

É justificável a alcunha de concorrência “parasitária”, adotada por vários

autores, inclusive estrangeiros. Com efeito, o empresário que se lança a tal

modalidade de concorrência atua como verdadeiro parasita de um concorrente,

alimentando-se exclusivamente do sucesso alheio. Para bem compreender o

aproveitamento parasitário, é importante, pois, ater a atenção primeiramente à figura

irmã da concorrência parasitária. Em sua pioneira obra, Hermano Duval (1976, p.

318) contextualiza-a:

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O empresário comercial que se coloca na esteira do concorrente, de modo sistemático e contínuo, tira proveito dos estudos, despesas de preparação e de penetração do concorrente, utilizando as realizações já experimentadas, mas, evitando o risco do insucesso.

Trata-se, pois, de expediente de um empresário que “suga” bens intelectuais

de concorrente, ou os imita, de forma a obter ganhos praticamente certos, sem o

risco de desperdício de sua energia, tempo e dinheiro, por já se tratar de um caso de

sucesso. Retornando a uma definição mais precisa do mesmo autor:

Trata-se de modalidade nova de concorrência ilícita e que só a partir da década de 50 veio se afirmando com características próprias no quadro mais amplo da CD [concorrência desleal]. Nela o concorrente não agride de modo ostensivo, direto ou frontal, mas, de forma sutil, indireta ou sofisticada; até mesmo em ramo de comércio ou indústria diverso do agredido. Versou-a no Brasil, pela primeira vez, o comercialista J. C. Sampaio de Lacerda. Sua manifestação ocorre, de preferência, no pré-lançamento de algum artigo ou produto novo, na abertura ou fundação de estabelecimento comercial ou industrial, na publicidade de marcas pela imprensa, cinema ou televisão e semelhantes. (DUVAL, 1976, p. 314).

Vale igualmente recorrer à definição proposta por Marco Antônio Marcondes

Pereira (2001, p. 148):

O parasitismo econômico consiste no fato de um terceiro viver à sombra de empresário diverso, aproveitando-se, direta ou indiretamente, dos esforços deste, que contribuíram para a formação do bom nome, da imagem dos produtos e da estrutura econômica que conferiram credibilidade e grande penetração no mercado.

Hermano Duval (1976, p. 318-319) faz importante regresso às origens do

instituto, citando importantes nomes do direito comercial – base da Propriedade

Industrial – e o tratamento da matéria no direito comparado:

Do exposto, resulta que a autonomia da concorrência parasitária, segundo conhecido trabalho do especialista Yves St. Gal, define-se como a “imitação de criação alheia” com que se está em relação de concorrência ou dos “processos de aproveitamento dos esforços, do renome ou da reputação alheios, mesmo fora da relação de concorrência” [...]. De tal conceituação aproximou-se, no ano seguinte, o erudito Tullio Ascarelli quando referiu-se ao nódulo do “aproveitamento da fama” ou do “aviamento” alheios (Teoria della conc., Millano, 1957, pág. 193). Pela mesma época, Francheschelli, grande especialista na CP [concorrência parasitária], estendeu-a “à adoção mais ou menos imediata, se não integral, de qualquer iniciativa de terceiro” [...]

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Tal forma de concorrência parasitária atenta contra os princípios da “correção profissional” [...] E já em 1970 o especializado Mauricio Fuzi, rematando copiosa jurisprudência peninsular, pôde definir a CP: “L'azione di chi, ponendosi pedissequamente sulle orme di un proprio concorrente, ne riproduca le iniziative senza compiere per verità alcun atto che - preso isolatamente - possa considerarsi illecito, ma palesando tuttavia, nel complesso della sua azione, il preordinato intento di sfruttare l'introduzione e l'avviamento del concorrente e di avvantaggiarsene a suo danno”6. Nos EUA a Corte Suprema, no célebre caso-líder da Inter. News Service vs. Associated Press (apropriação de notícias ou telegramas jornalísticos) traduziu o passing-off da doutrina inglesa no aforisma de que “ninguém tem o poder de colher onde não plantou” (“Nobody can to reap he was not sown”), o que se tornou um paradigma para a solução dos demais casos posteriores desta curiosa submodalidade de CD. Na Alemanha, o “parasitismo” (Schmarotzen) é uma subespécie da categoria do “desfrutamento da obra alheia” e se identifica com o aproveitamento da fama (Ruf) alheia para usufruí-la na própria atividade, em evidente prejuízo do concorrente agredido [...]. Mas a imitação servil na apresentação dos artigos ou produtos (embalagem), onde também ocorre o parasitismo, é reprimida no direito alemão pela lei de marcas de 1936 (art. 25).

É, com efeito, no direito estrangeiro que o parasitismo ganhou maior

sistematização. Recorrendo a um dos maiores nomes na matéria, Philippe Le

Tourneau (1998, p. 211, tradução nossa) o conceitua como sendo “[...] todos os

comportamentos pelos quais um agente econômico se coloca na esteira de outro a

fim de tirar proveito sem ter nenhum gasto, por meio de seus esforços ou de seu

know-how”7.

José Roberto d’Affonseca Gusmão (1994, p. 56) problematizou o instituto,

atestando a ausência do cometimento de ato ilícito propriamente dito pelo parasita,

mas entendendo-o ainda assim como um concorrente desleal:

A concorrência parasitária consiste na procura, por um concorrente, de inspiração nas realizações de outro, no tirar partido, indevidamente, do resultado dos esforços e das inovações do concorrente no plano tecnológico, artístico ou comercial, sem estar agindo em manifesta violação dos direitos do concorrente. Os atos do parasita, tomados isoladamente, não constituiriam atos ilícitos; mas a sua repetição, a sua constância e o claro objetivo de “colar-se” na direção tomada pelo concorrente, indicam uma situação de concorrência parasitária. [...]

6 A ação de quem, colocando-se servilmente na trilha de um concorrente, reproduz a iniciativa sem

realizar na verdade algum ato que – tomado isoladamente – possa ser considerado ilícito, mas revelando, todavia, no conjunto de suas ações, a intenção premeditada de desfrutar da penetração e do aviamento do concorrente e de beneficiar-se à sua custa. (Tradução nossa).

7 [...] l’ensemble des comportements par lesquels un agent économique s’immisce dans le sillage d’un autre afin de tirer profit sans rien dépenser, de ses efforts et de son savoirfaire.

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Ou seja, a noção de ato de concorrência parasitária [...] é espécie do gênero concorrência desleal e pressupõe, indubitavelmente, uma relação de concorrência. O que a caracteriza é o fato de não se enquadrarem tais atos na noção convencional de atos de concorrência desleal. Trata-se de um comportamento nuanceado, disfarçado; e o característico da concorrência parasitária a repetição, a continuidade e o conjunto de atos tendentes a tirar proveito das realizações, dos esforços e do sucesso do concorrente, mas que vistos isoladamente não constituiriam, de per se, ato de concorrência desleal.

E a doutrina normalmente reconhece como elementos ou requisitos da

concorrência parasitária a existência da relação de concorrência – tal figura não teria

lugar entre dois agentes que não se encontrassem em relação de disputa de um

mesmo ramo comercial – e que o comportamento confusório seja “sistemático,

repetitivo, continuado”. (ALMEIDA, 2004, p. 184).

3.4.2.3 Meios pelos quais opera o parasitismo

Coube a Carlos Alberto Bittar (1993, p. 58) exemplificar os meios pelos quais

opera o indesejável instituto, citando a apropriação indevida do marketing, da

publicidade, de campanhas promocionais e de marca notória de outrem:

Por fim, também tem assumido vulto indesejável a denominada “concorrência parasitária”, desenvolvida a partir do aproveitamento indevido do marketing, da publicidade e das próprias campanhas promocionais de lançamento de produto concorrente, que, imitados integralmente em sua forma, mas com materiais de qualidade inferior, acabam encontrando sérios óbices em sua trajetória normal de vendas. Nesse caso, há absoluta e indevida exploração de criações e de investimento alheios, mesmo quando periodicamente modificados os produtos – quase sempre aliadas à violação de um segredo –. Pode até comprometer o próprio negócio do titular. Daí decorrem as técnicas próprias de segurança industrial engendradas em resposta, bem como a respectiva resposta, no plano jurídico, dentro da teoria em análise, em particular com a cominação de indenização por danos experimentados. Diz-se parasitária a utilização indevida, outrossim, quando se aproveita, sem autorização, de marcas notórias de terceiros em produtos de outra ordem (como, por exemplo, de automóvel em outro produto), aspecto em que a questão se integra ao domínio da violação de marca (delito autônomo).

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Esse papel também foi exercido por Marco Antônio Marcondes Pereira (2001,

p. 149), para quem a imitação sistemática do modo de atuar de empresa

concorrente, o lançamento de produtos semelhantes e a utilização das mesmas

técnicas de comercialização e de publicidade caracterizam o parasitismo entre

concorrentes. Quanto a este último ponto, reforça o autor (2001, p. 151) a

possibilidade de parasitismo de propagandas, conceituando a “publicidade

parasitária”:

As práticas parasitárias, nas suas diversas modalidades, encontram na publicidade terreno fértil de manifestação, e no mais das vezes socorrendo-se de veículos de publicidade velozes (televisão e rádio) [...] A publicidade parasitária, neste aspecto, pode gerar confusão no espírito do consumidor, não merecendo ser agasalhada, salvo se ficar demonstrada a impossibilidade efetiva de associação entre os produtos, serviços ou empresas, pelos consumidores.

Estelle Derclaye (2007, p. 88-89, tradução nossa) explica como os atos de

parasitismo costumam ocorrer, citando o caso francês:

Parasitismo ocorre quando um terceiro, sem incorrer em qualquer gasto, desfruta dos esforços de outro seguindo em seu rastro. A criação imitada não pode ser banal, tampouco consistir em uma forma necessária e funcional. Somente a cópia de formas “autênticas” é parasitária. Em outras palavras, é o ato de imitar as criações alheias, mesmo se a cópia não for servil, e ainda que não crie um risco de confusão, por meio da qual alguém (o parasita) se beneficia injustamente da criação, dos esforços, dos investimentos ou do know-how de outra pessoa sem que ele próprio realize tais esforços, economizando, assim, os gastos necessários à criação do produto original. Hoje é possível compreender porque as cortes chamaram tal ilícito “parasitismo”; o imitador age como um parasita, nutrindo-se dos esforços alheios sem que ele próprio tenha qualquer esforço. Contudo, a Corte de Cassação algumas vezes tem estabelecido que não é necessário que a vítima do parasitismo prove que ela realizou esforços ou investimentos. O conceito de parasitismo engloba competição parasitária (concurrence parasitaire) e atos parasitários (actes parasitaires). A diferença entre os dois é que no primeiro caso as partes estão em competição uma com a outra e no segundo, não8.

8 Parasitism occurs when a third party, without incurring any expenditure, uses the fruit of the efforts

made by another by following in her wake. The copied creation must not be banal, nor be a necessary and functional form. Only the copying of “arbitrary” forms is parasitic. In other words, it is the act of copying another’s creation, even if the copy is not slavish, and does not create a risk of confusion, by which someone (the parasite) benefits unduly from the creation, efforts, investment or know-how of another person without herself making any such efforts and thereby saving the costs necessary in the creation of the original product. It can now be understood why courts called the tort “parasitism”; the copier acts like a parasite, nourishing herself upon the efforts of another person without making any effort herself. However, the Court of Cassation has sometimes ruled that it is not necessary for the victim of parasitism to prove she made efforts or investments. The notion of

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Hermano Duval (1976) cita ainda outras curiosas situações em que se pode

estar diante do parasitismo. Ilustra, por exemplo, a possibilidade de proteção, por

meio da repressão ao parasitismo, de uma ideia9 (1976, p. 311-312), de título de

obra famosa (1976, p. 315-316) e de personagens de obras de ficção (1976, p. 317).

parasitism encompasses parasitic competition (concurrence parasitaire) and parasitic acts (actes parasitaires). The difference between the two is that in the first case, the two parties are in competition with one another and in the second, they are not.

9 É importante levar em consideração que nenhum dos diplomas de proteção à propriedade intelectual – a Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) e a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96 – garante de forma expressa a proteção às meras ideias. Ao contrário, há na primeira até mesmo um dispositivo que afirma não ser objeto de proteção pela via do direito de autor as ideias (art. 8º, I), uma vez que um dos requisitos para se garantir a proteção a uma obra é que ela possua “materialidade”. Também a Constituição da República, ao garantir a liberdade da manifestação do pensamento, parece dificultar qualquer tese no sentido de ser objeto de proteção com a prerrogativa da exclusividade de uso uma simples ideia, não materializada em um bem corpóreo, mas somente povoando a imaginação de quem a concebeu. Daí a inovação e a importância da tese trabalhada por Hermano Duval na década de 70 – mesmo sabendo-se que tal entendimento não é isolado, sendo partilhado por outros poucos autores –, no sentido de garantia de proteção às ideias por meio da vedação à concorrência desleal e à parasitária.

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4 CARACTERIZAÇÃO DO APROVEITAMENTO PARASITÁRIO

Definida a concorrência desleal, gênero do qual se destaca a espécie

concorrência parasitária, e apresentado de forma embora superficial o sistema de

proteção dos elementos de identificação da empresa, com destaque à sua função,

ao seu fundamento, aos limites da sua proteção e aos regimes específicos de

concessão de privilégios – atentando para o fato de que há elementos aos quais o

ordenamento jurídico não garante a exclusiva –, atinge-se, a esta altura da pesquisa,

o momento em que é mister debruçar-se sobre o seu objeto principal.

Pretende-se doravante inquirir acerca da recepção do aproveitamento

parasitário pelo Direito brasileiro e, mais, levantar questionamentos a respeito da

sua própria razão de ser. O tema é deveras inquietante, eis que necessariamente se

apresenta como uma barreira ao direito fundamental de liberdade na atuação

empresarial.

Denis Borges Barbosa (1997, p. 121) anuncia a aridez do caminho a ser

trilhado:

Concorrência onde concorrência não existe: onde o agente econômico não atua, talvez jamais pretenda atuar. Várias são as teorias que justificam a proteção jurídica desta tutela do inexistente. Para começar, a do enriquecimento sem causa. Por exemplo, ao usar uma imagem de uma marca conhecida num campo em que o titular jamais o fez (Rolls Royce, para rádios...), o novo usuário estaria tomando de outro agente econômico (que não é seu concorrente) um valor atrativo de clientela cuja formação não contribui. A doutrina deu a este fenômeno o nome de parasitismo. Tese difícil, esta, num segmento em que, por definição, a reiteração de uso de uma regra de repetição não esgota o original. Principalmente, tese difícil quando se nota que os sistemas constitucionais enfatizam a liberdade da concorrência, ou seja, que só em defesa desta mesma concorrência, ou do interesse geral, se pode empatar a livre iniciativa alheia. Punir o enriquecimento sem causa, em tais casos, corresponderia a premiar uma causa sem empobrecimento, impedindo a livre iniciativa. A teoria do parasitismo em estado puro, assim, é uma tese comunista, ou imponderada, ou intelectualmente desonesta.

Com efeito, o fato de ter lugar em relações em que não se observa a

concorrência entre os dois agentes serve como combustor das controvérsias, eis

que, inexistindo competição, não há que se falar em desvio de clientela. Por

consequência, arrisca-se dizer que, em geral, diferentemente do que ocorre na

concorrência confusória e na parasitária, no aproveitamento parasitário inexiste

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prejuízo efetivo ao empresário que teve o elemento do seu aviamento reproduzido

em contexto diverso.

De fato, é difícil reconhecer que as vendas dos produtos ou o fornecimento

dos serviços de uma empresa foram atingidos pelo comportamento parasitário

levado a cabo por outrem, atuante em segmento diverso do mercado (muito embora

não sejam poucos os autores que defendam a possibilidade de o parasitismo

ocasionar diluição e enfraquecimento da signo copiado, o que geraria prejuízos,

conforme se verá no próximo capítulo).

E em razão de a rentabilidade da empresa criadora do elemento copiado

permanecer incólume, há que se questionar se, por um lado, teria ela legitimidade

para fazer cessar a situação de parasitismo conduzida por não concorrente, e por

outro lado, se tal comportamento supostamente parasitário seria, efetivamente,

contrário ao Direito. Afinal, o agente parasita não intentou ocasionar danos a

qualquer outro empresário, mas unicamente ampliar a sua própria margem de

lucros.

A indagação a respeito da natureza jurídica do aproveitamento parasitário é

indispensável neste ponto, com vistas a inferir se ele se enquadra, eficazmente, em

alguma das hipóteses de antijuridicidade previstas no ordenamento: concorrência

desleal, violação à Propriedade Intelectual, ato ilícito, enriquecimento sem causa e

abuso do direito. E, para que a conclusão seja bem acabada, é indispensável que se

detecte o fundamento à repressão de tal conduta empresarial, o que se intentará

adiante.

4.1 Conceito

Segundo Delphine Galan (2008, p. 161), a noção de aproveitamento

parasitário surgiu pela primeira vez com Yves Saint-Gal, em meados do século

passado. Ele pode ser conceituado como a conduta levada a cabo por um

determinado agente econômico que, com vistas a ampliar as suas vendas ou

potencializar a prestação de seus serviços e, paralelamente, com o intento de

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economizar na construção de técnicas mercadológicas originais, faz uso de

conquistas alheias, aplicadas em segmento diverso do mercado. Sua concretização

é sutil, sofisticada e muitas vezes indetectável, notadamente quando o bem

reaproveitado se encontrar no mundo das ideias ou dos planos de negócio. Já se

torna mais facilmente averiguável, contudo, quando o elemento explorado for um

sinal utilizado por terceiros para identificar os seus negócios.

Recorrendo ao conceito de Philippe Le Tourneau (1988, p. 507-508, tradução

nossa):

O aproveitamento parasitário é o ato, por um agente econômico, de viver sendo sustentado por outro, pois da mesma forma que um parasita vegetal ou animal vive em associação forçada a outro vegetal ou animal de quem se nutre, o parasita comercial tira proveito da atividade de outro sem gastar um tostão.1

O aproveitamento parasitário, assim como a já estudada concorrência

parasitária, não precisa se restringir à utilização não autorizada de elementos de

identificação da empresa, como marcas e nome empresarial. Ele poderá alcançar

igualmente outros elementos resultantes de investimentos na busca do sucesso de

um empreendimento, como segredos de comércio e indústria, técnicas publicitárias,

entre outros2. Tal conclusão se depreende da leitura do conceito trazido por Marco

Antônio Marcondes Pereira (2001, p. 149), o qual reforça a possibilidade de o

parasita continuar utilizando unicamente os seus próprios signos distintivos, e ainda

assim estar a praticar a antijuridicidade a que aqui se refere:

O procedimento parasitário não causa confusão entre produtos e serviços, já que o parasita imita a forma de agir empresarial do terceiro, agindo em nome próprio e utilizando-se de seus próprios signos distintivos, sendo traço característico a inexistência de relação de concorrência entre eles.

E Philippe Le Tourneau (1991, p. 350, tradução nossa) deixa isso bastante

claro, ressaltando as conseqüências do ato de parasitismo: 1L’agissement parasitaire est le fait, par un agent économique, de vivre aux crochets d’un autre, car de même que le parasite végétal ou animal vit en association imposée avec un autre végétal ou animal dont il se nourrit, le parasite commercial tire profit de l’activité d’autrui sans bourse délier.

2Delphine Galan (2008, p. 163-164), remetendo às lições de Tourneau, divide em duas categorias os atos de aproveitamento parasitário: a primeira, a usurpação da fama, a segunda, a usurpação dos esforços intelectuais e dos investimentos empresariais. A essas duas poderia ainda ser assomada uma terceira, relativa à apropriação de ideias alheias.

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Comete o ilícito do aproveitamento parasitário aquele que usurpa, copia ou se inspira substancialmente em um valor econômico de outrem (mesmo não concorrente), fruto de um know-how, de um trabalho intelectual e/ou de investimentos, apresentando alguma distinção; pois este ato, contrário aos usos do comércio, distorce o jogo normal do mercado e provoca uma desordem comercial certa, que é, em si mesma, um prejuízo que dá origem ao dever de reparação.3

Não obstante, observa-se que normalmente o conceito do comportamento

parasitário abarca unicamente a situação em que há ilegítima apropriação de

elementos de identificação. Assim foi ele definido em uma das primeiras obras

brasileiras que trataram do tema:

Conquanto sua (a do agressor) atividade comercial seja diferente, procura ele obter êxito através do bom conceito já consagrado àquele estabelecimento anteriormente existente. Não visa, pois, ao prejuízo de outro comerciante. Sua intenção, seu objetivo é tirar vantagem do nome e do conceito adquiridos pelo outro. (LACERDA, 1970, p. 203).

Marcus Elidius Michellis de Almeida (2004, p. 186) também se envereda na

definição de tal curiosa figura, igualmente restringindo-a à modalidade que se

apodera dos elementos identificadores:

O aproveitamento parasitário, também conhecido como comportamento parasitário, visa utilizar-se da fama, renome ou prestígio de signos distintivos alheios. Assim sendo, são atos de um comerciante ou de um industrial que, mesmo sem a intenção de causar prejuízo, tira ou procura tirar proveito do renome adquirido legitimamente por um terceiro e sem que haja normalmente risco de confusão entre os produtos e os estabelecimentos.

Denis Borges Barbosa (1997, p. 122) da mesma forma limita o conceito de

aproveitamento parasitário à apropriação de elementos de identificação – a fama

alheia –, muito embora atribuindo-lhe, neste ponto, a denominação de concorrência

parasitária:

3Commet un agissement parasitaire fautif celui qui usurpe, copie ou s’inspire sensiblement d’une valeur économique d’autrui (même non-concurrent), fruit d’un savoir-faire, d’un travail intellectuel et/ou d’investissements, présentant une certaine distinctivité; car cet acte, contraire aux usages du commerce, fausse le jeu normal du marché et provoque un trouble commercial certain, qui est, en soi, un préjudice donnant lieu à réparation.

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Dá-se a concorrência parasitária quando uma empresa, utilizando-se da boa fama de outra, consegue vantagem econômica para atuar num mercado ou segmento de mercado em que a detentora da boa fama não compete.

Em idêntico diapasão Henry K. Sherrill (2004, p. 42):

Tem-se conceituado a concorrência parasitária como usurpação de marca famosa pelo uso em produtos sem afinidade com o produto original. Deste modo, usar Brastemp ou Varig para identificar uma linha de sapatos seria um exemplo de uso parasitário de marcas famosas em outros produtos ou serviços, com a finalidade de favorecer-lhes a venda.

Mas é da comparação das figuras da concorrência e do aproveitamento

parasitários que ficará mais evidente a definição deste último. Recorrendo à

conceituação básica traçada por Yves Saint-Gal (1981, p. 134, tradução nossa),

precursor da tese do comportamento parasitário na França:

Esses conceitos dizem respeito, como o próprio nome indica, a casos onde um terceiro vive – em parasitismo – na esteira de outrem, aproveitando-se dos esforços que ele realiza e da reputação que ele adquiriu para seu nome e seus produtos. Tais atos de parasitismo podem se revestir de dois aspectos: de um lado, concorrência parasitária e de outro, aproveitamento parasitário. Trata-se, no primeiro caso, de atos que envolvem produtos ou atividades que interessam ao mesmo círculo de consumidores e, no segundo caso, de atos concernentes a produtos ou atividades substancialmente diferentes.4

É de se concluir que as duas formas de parasitismo operam de modo

praticamente idêntico: é na sutileza da apropriação de bens alheios, dotados de

valor econômico, que age o parasita. Seu ataque não consiste em uma afronta direta

a um empresário, titular daqueles bens. Não, é espreitando-se ardilosamente no

campo das conquistas de terceiros que ele encontra uma maneira de se enriquecer

sem demasiados esforços. Nas palavras de Maurício Lopes de Oliveira (2004, p.

110-111):

4Ces notions concernent, comme leur nom l’indique, les cas où un tier vit « en parasite » dans le sillage d’un autre, em profitant des efforts qu’il a réalisés et la réputation qu’il a pu acquérir sur son nom et seis produits.

Ces actes de parasitisme peuvent revêtir deux aspects: d’une part une concurrence parasitaire et, d’autre part, des agissements parasitaires. Il s’agit, dans le premier cas, d’actes portant sur des produits ou activités que intéressent le memmê cercle de consommateurs et, les deuxiéme cas, d’actes concernant des produits ou activités nettement différents.

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Vislumbrando um quadro não desejado, que, de resto, não poderia ser questionado pelo instituto da concorrência desleal, vez que a regra afasta o ato de rapina somente quando praticado entre concorrentes, soube a doutrina transpor as bordas por ela construídas, desenvolvendo a noção complementar do aproveitamento parasitário; alongando a possibilidade de se reprimir deslealdade comercial praticada entre não-concorrentes [...]. Tese doutrinária, reitere-se, surgiu da necessidade de se proteger uma sociedade contra terceiros, mesmo não concorrentes, que pilham bens, sobretudo imateriais, como por exemplo uma marca [...]. A aplicação da tese permite a condenação de qualquer usurpador de valor econômico de terceiro, mesmo não concorrente, que, agindo de forma predatória, reduz investimentos materiais e intelectuais de sua iniciativa, ganhando tempo e esquivando-se de riscos; enfim, locupletando-se à custa de outrem.

São, por conseguinte, figuras irmãs, a concorrência e o comportamento

parasitários. A grande distinção entre elas é que a primeira envolve dois agentes

econômicos que disputam um mesmo mercado, em relação de concorrência direta,

ao passo que a segunda não, inexistindo a competição por um mesmo grupo de

consumidores. Luiz A. de Carvalho (1994, p. 45) bem elucida essa diferenciação:

Não pode haver dúvida de que as expressões “concorrência parasitária” e “aproveitamento parasitário”, apesar de situadas numa zona cinzenta, representam coisas distintas. Concorrência parasitária, por construção doutrinária e jurisprudencial, diz respeito às práticas de competição de mercado com o emprego de conceitos introduzidos originariamente pelo concorrente, observada especialmente a freqüência com que tais práticas são adotadas pelo competidor, então definido como “parasita”. O aproveitamento parasitário, termo nascido por volta de 1974 na França, com a decisão do Tribunal de Nancy no caso da marca “ANNE DE SOLNE”, designa, por sua vez, a prática de utilização de marca alheia famosa fora dos limites da concorrência tradicional de mercado e do alcance do princípio da especialidade das marcas. No Brasil, entretanto, emprega-se o termo “concorrência parasitária” para definir ambas as situações, sendo, a princípio, desinfluente a circunstância de tratar-se de segmentos distintos.

Não obstante ser amena a diferenciação conceitual dos dois institutos, os

resultados de um e de outro são significativamente diversos. O fato de a

concorrência parasitária se dar entre concorrentes, leva a que tal conduta ilegal

implique em geral em ilegítimo desvio de clientela. E isso ocasiona, por excelência,

danos, normalmente diretos, ao empresário vítima do ardil. Daí a importância que

ganha a responsabilidade aquiliana em tal modalidade de parasitismo, com a

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consequência de pagamento de indenização para cobertura dos danos emergentes

e dos lucros cessantes.

Quanto à modalidade que tem lugar entre agentes não concorrentes, não se

observará em geral a afetação da clientela, induzindo, na maioria dos casos, à

conclusão de inexistência de dano. É com base em outro instituto do Direito Civil que

deverá ela ser reprimida, eis que a responsabilidade civil – consequência direta do

cometimento de ato ilícito – parece não se amoldar perfeitamente a tais situações de

parasitismo. Nos dizeres de Marcelo Leite da Silva Mazzola (2004, p. 43):

Em suma, a diferença principal entre os institutos da concorrência parasitária e do aproveitamento parasitário é que na primeira existe o desvio de clientela, já que os envolvidos são concorrentes, enquanto na segunda o que a evidencia é a tentativa do infrator de se beneficiar graciosamente do trabalho, do investimento e da criação de terceiro, que não atua no mesmo ramo do parasita.

Neste ponto é interessante recorrer a um caso em que foi reconhecido o

aproveitamento parasitário, com vistas à melhor compreensão do instituto:

Exemplo, segundo parece, teria sido o caso, certa feita, aventado na Justiça, em que um comerciante instalara um estabelecimento sob a insígnia “Dragão dos Tecidos”, próximo ao já tradicional “Dragão da Rua Larga”, embora se dedicasse a comércio diferente, mas visando a obter vantagens do nome há muito consagrado ao antigo estabelecimento. É entretanto tema que só pode ser examinado espécie por espécie. (LACERDA, 1970, p. 203).

4.2 Elementos

Convém identificar os quatro elementos caracterizadores do aproveitamento

parasitário de signo de identificação alheio.

O primeiro deles, como ficou claro quando da comparação do instituto em

comento com a concorrência parasitária, é a atuação do imitador do símbolo em

segmento comercial diverso daquele ocupado pelo seu criador. Se houver relação

de concorrência entre os dois agentes econômicos, não há que se falar em

aproveitamento parasitário. Nesse caso, aplicar-se-iam as regras de repressão à

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concorrência desleal, ou as próprias normas de proteção à Propriedade Intelectual,

sem maiores dificuldades.

O segundo, e mais importante elemento, é a fama do símbolo alheio, referida

alhures como sendo a “herança genética” que ele conduz consigo. Não é possível

reconhecer a existência de parasitismo de um elemento de identificação se este não

possuir ao menos relativa popularidade. É importante esclarecer que tal fama não

precisa ser geral, tal como acontece com as marcas de alto renome ou notoriamente

conhecidas, mas relativa, podendo ser adstrita a um círculo fechado de

consumidores. Este ponto merece um adendo: quanto mais criativo e original for o

símbolo copiado – uma expressão inusitada, criada pelo próprio titular (“Bubballo”,

por exemplo) –, mais facilmente será reconhecida a existência de aproveitamento

parasitário. Lado outro, quanto menos criativa a expressão, mais dificilmente será

acatada a tese a que aqui se reporta.

Diretamente associado ao anterior, o terceiro elemento que caracteriza uma

conduta como sendo de aproveitamento parasitário é a ocorrência de associação

entre o símbolo copiado e a cópia, e, por conseguinte, associação entre os

empresários, empresas, produtos ou serviços que os dois identificam. É importante

esclarecer que a ocorrência de confusão não é indispensável (BARBOSA, 1997, p.

126), bastando a ocorrência de mera associação no mercado.

Por fim, o quarto elemento que faz nascer o parasitismo entre não

concorrentes é o beneficiamento – ou o seu potencial – que a associação entre os

símbolos ocasionará ao imitador. Esse busca, pois, obter algum tipo de vantagem

decorrente da vinculação da sua marca, nome empresarial ou qualquer outro

elemento de identificação ao de terceiro, dotado de fama e prestígio, procurando

agregar valor à sua própria atividade injustamente.

4.3 Fundamento da proibição

Embora existam dificuldades na determinação da sua natureza jurídica

(GUSMÃO, 1994), a doutrina, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI e

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grande parte dos julgados são uníssonos em reconhecer no aproveitamento

parasitário uma conduta contrária ao Direito, o que se denota com a leitura dos

conceitos acima destacados.

Não obstante a importância do princípio da livre iniciativa, o Direito não pode

permitir que tal benesse constitucional seja utilizada para que se alcancem fins

abjetos. Apropriar-se de signo distintivo alheio, dotado de fama, de modo a se

beneficiar com a possibilidade da associação entre as empresas – a parasita e a

parasitada – ou entre os produtos e serviços que elas disponibilizam ao mercado, é

expediente que deve ser coibido com mão-de-ferro. Nos dizeres de Marco Antônio

Marcondes Pereira (2001, p. 148-150):

O comportamento atenta contra os usos e bons costumes, ferindo o princípio da correção profissional, e mesmo não gerando confusão, duas são as razões apresentadas para a repressão do comportamento: a reputação do trabalho alheio, fruto de esforços constantes e, por último, o fato dessa reputação representar um valor econômico da atividade empresarial do parasitado. [...] Implica [o aproveitamento parasitário], portanto, na utilização por terceiro de marca alheia famosa, fora do ramo da atividade em que é naturalmente conhecida, sem o consentimento do titular, gerando em favor do infrator os benefícios da marca afamada que, a rigor, só deveriam ser auferidos pelo seu titular.

Não se pode deixar de mencionar e analisar o louvável e extenso esforço do

Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI em esmiuçar e desmistificar a

figura do aproveitamento parasitário de marcas registradas.

Cada vez se tornava mais comum a tentativa de registro de marcas famosas,

por quem não era o seu titular originário, em classes distintas daquelas em que se

encontravam registradas. Muito embora a lei nada dispusesse no sentido de ser

proibido tal tipo de conduta, pesava sobre a consciência dos fiscais do sistema de

marcas uma dúvida. Embora não fosse propriamente ilegal, eis que a Lei de

Propriedade Industrial não a recriminava, não se afigurava ela, aos olhos dos

julgadores dos pedidos de registro de marca, moralmente correta. Em parecer que

se impôs como verdadeiro divisor de águas no trato da matéria, o então Presidente

da autarquia concluiu categoricamente que “salta aos olhos do Examinador do INPI,

que o aproveitamento parasitário da fama e do renome de signo distintivo alheio é

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fato contrário ao direito” (GUSMÃO, 1994, p. 55), dedicando o restante do

documento a investigar-lhe a natureza jurídica (suas conclusões serão detalhadas

adiante, na parte da pesquisa que averigua a natureza jurídica do parasitismo).

Assim, hoje parece ser consenso que não é dado a um empresário beneficiar-

se sem justo título da fama de símbolo alheio, ainda que utilizado em segmento

comercial diverso. E, neste ponto, o fundamento da repressão ao comportamento

parasitário se aproxima significativamente do fundamento da proteção ampliada das

marcas de alto renome (BARBOSA, 1997, p. 121). O que levou o legislador a limitar

o raio de proteção de determinadas marcas a territórios ou a áreas de atuação e

abrir mão de tal restrição a outras marcas?

Viu-se anteriormente que a marca de alto renome afasta o princípio central do

direito marcário chamado princípio da especialidade, que apregoa que a proteção a

uma marca se restringe à área econômica de efetiva atuação do seu titular.

Entendeu o legislador – na realidade a matéria foi tratada primeiramente na

Convenção da União de Paris de 1883 – que certos símbolos distintivos famosos,

por já possuírem entranhados tantos significados e atributos – o bom conceito, a

solidez e a credibilidade da empresa, e o renome do próprio produto, que podem

fazer despertar no consumidor automaticamente uma série de sentimentos ao

deparar-se com a marca –, escapariam da regra que impõe a sua proteção limitada.

Não seria razoável, pois, que terceiros se apropriassem dessa carga histórica

injetada em tais símbolos, embora em outros segmentos do mercado, uma vez que

estariam se beneficiando com algo que não foi resultado de seus próprios esforços.

Carlos Gruenbaum Lemos (2007, p. 62) explica os motivos da proteção absoluta às

marcas de alto renome:

[...] É que a marca de alto renome, por ser conhecida de uma gama variada do público e por estar associada a produtos de alta qualidade e renome, tende a ser copiada por terceiros que pretendem se aproveitar de seu good-will, razão pela qual se justifica a sua proteção em todas as classes indistintamente.

E José Antônio B. L. de Faria Corrêa (1997, p. 34) detalha de forma bastante

precisa o fundamento central da guarida ampliada ao direito de uso exclusivo de

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marcas dotadas de tal notoriedade, independentemente da área de atuação

econômica:

O princípio que informa a proteção às marcas de alto renome é a repressão ao enriquecimento sem causa. Como se viu, as marcas notórias são verdadeiros magnetos, aptos a atrair clientela pelo simples fato de sua presença, independentemente dos produtos ou serviços a que se destinavam na origem. Pelo seu valor distintivo muito mais alto, é natural que o direito lhes conceda amparo especial. Trata-se de proteção objetiva: apurada a qualidade da marca, não há que se cogitar da questão de saber se de seu emprego não autorizado deriva enriquecimento ilícito. Basta o fato notoriedade para que se presuma o uso indevido.

Mas, como visto, o reconhecimento do alto renome a uma marca é procedimento

excessivamente burocrático, delongado e excludente, uma vez que cabe unicamente

ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI a atribuição de determinar

quais marcas são consideradas famosas a ponto de vencerem o princípio da

especialidade, e quais não são. Hoje inclusive já parece estar consolidado o

entendimento de que não é papel do Poder Judiciário determinar quais as marcas

alcançadas pela benesse de proteção extensiva a todas as áreas econômicas,

sendo esta uma decisão de competência exclusiva daquela autarquia federal.

Muito embora a Lei de Propriedade Industrial só preveja essa única exceção

ao princípio da especialidade, é possível detectar outra, não diretamente

estabelecida na legislação, mas que tem o mesmo fundamento da ampliação do

resguardo das marcas de alto renome. Ora, se o fundamento de tal proteção

majorada a esse tipo de marca é a ilegalidade de que terceiros façam uso dela sem

autorização, para se beneficiarem de sua fama, pode-se concluir que sempre que

um empresário utilizar, em ramo econômico diverso, de marca pertencente a terceiro

dotada de fama – ainda que não absoluta, mas suficiente para ocasionar um

benefício ao imitador –, estar-se-á diante de uma situação não recomendada pelo

Direito, a que a doutrina apelidou de aproveitamento parasitário.

Luiz Leonardos (1995, p. 15-16) indica uma possível mudança de paradigma,

no sentido de relativização do critério fama absoluta, para considerar como objeto de

proteção contra o parasitismo econômico mesmo aquela marca dotada de fama

relativa:

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A nosso ver, a dificuldade está em se querer insistir na conceituação da marca que deve merecer a proteção ampliada como sendo uma marca “notoriamente conhecida”, quando o que se pretende evitar não é, principalmente, o fato da reprodução ou imitação, mas a malícia de quem assim age e o risco para o consumidor. Como teve oportunidade de decidir, em antigo julgado, a Corte de Apelação de Paris, “o não concorrente aproveita do prejulgado favorável à marca ou ao nome notoriamente conhecidos e os atinge enfraquecendo seu caráter distintivo e seu poder atrativo” [...] O caminho a ser trilhado, portanto, deveria ser o de se reprimir objetivamente o fato de se reproduzir ou imitar marca que não se pode justificadamente pretender que não se conhecia, especialmente, mas não necessariamente, se a marca se situa em ramo de atividades idêntico, semelhante ou afim. Seguindo-se esse critério, estariam abrangidas as reproduções e imitações tanto das marcas de alto renome e das notoriamente conhecidas como também das marcas que, sem atingirem qualquer grau de notoriedade, mas, simplesmente por serem conhecidas, tornam-se objeto de cobiça dos que nela vêem a oportunidade de se locupletar [...] Concluindo, nota-se que a evolução doutrinária e legislativa da proteção às marcas faz-se no sentido de superar a exigência de seu conhecimento notório ou dos limites do ramo de atividade para alcançar as tentativas de locupletamento a custa de explorar a atração despertada por marca alheia e o abuso do direito.

Em igual sintonia Carlos Gruenbaum Lemos (2007, p. 66), que identifica a

tendência contemporânea de as empresa ampliarem as suas atividades para outros

setores anteriormente não ocupados, o que justificaria o resguardo do uso exclusivo

independentemente da seara de atuação inicial:

Como visto, a importância da marca como símbolo distintivo da empresa, do produto ou do serviço dá especial relevância à forma de proteção a ser conferida, devendo acompanhar as novas necessidades. Na medida em que mais e mais empresas passam a atuar em segmentos diversificados do mercado, a identidade das marcas exclusivamente com os mercados que atuam vai diminuindo. A marca passa a ter representatividade em si mesma, não se referindo necessariamente ao seu respectivo mercado.

A essa conclusão já havia chegado Jacques Dupichot (1987, p. 349, tradução

nossa), entendendo que o fundamento do parasitismo estaria não só na injusta

apropriação de bens por um terceiro, que não detém um título para tanto, mas a

própria delimitação (em potencial) dos negócios do parasitado:

Uma empresa é um ser em perpétua evolução. Assim, alegar que o foco do parasitismo é uma clientela diferente da habitual da empresa, consistindo somente em “ocupar” terrenos adjacentes à empresa sem causar qualquer prejuízo à dita clientela, não é ter uma visão demasiado restritiva e bastante desatualizada do conceito de dano em matéria de concorrência desleal? Na

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realidade, o terreno vizinho mas diferente, consiste, se estiver livre, na área natural de desenvolvimento da empresa parasitada, cuja vocação é, em essência, de se diversificar ou de se desenvolver... de tal sorte que obstar ilicitamente o acesso a uma tal oportunidade de desenvolvimento constitui, nos parece, um prejuízo reparável juridicamente a título da perda da chance de uma evolução dos negócios.5

E também Bonnegont (1990, p. 3) suscita se não haveria concorrência desleal

no parasitismo, uma vez que o empresário desonesto impede que o titular do bem

imitado ocupe outro nicho do mercado, resultando assim em manifesto prejuízo.

Luiz A. de Carvalho (1994, p. 45) justifica a proteção expandida das marcas

para além da classe original de registro pelo fato de terem obtido fama relativa, tal

como ocorre com as marcas notórias:

Na presente avaliação, o que passa a nos interessar são, efetivamente, aquelas marcas que se tornaram, por um ou mais fatores, sinais motivadores de preferência em determinado segmento; são as chamadas marcas famosas, de elevado prestígio. Não encontramos justificativa legal para que a essas marcas não se atribua o mesmo valor das marcas “notórias” a que alude o art. 67 do Código da Propriedade Industrial, salvo, é óbvio, a circunstância de que a estas o Estado conferiu registro especial que, a princípio, dirime a questão atinente ao “princípio da especialidade das marcas”.

Mas é o mesmo autor quem assume que a legislação dificulta a tese de

equiparação das marcas meramente famosas (ou de fama relativa) àquelas que,

submetidas a um procedimento administrativo diante do Instituto Nacional da

Propriedade Industrial – INPI, são por ele qualificadas como de alto renome (o autor

cita o artigo que, na égide da Lei 5.772/71, correspondia aos arts. 125 e 126 da Lei

9.279/96, que versam sobre as marcas notórias):

Por esse raciocínio, inclusive, somos forçados a concluir que a existência da norma do artigo 67 é um fator complicador para o exame da matéria no Brasil, pois além do princípio da especialidade das marcas consagrado no art. 65, inciso 17, o “parasita” sempre se defende com a inexistência de um

5 Une entreprise est un être en perpétuelle évolution. Dès lors, prétendre que s’attacher

parasitairement une clientèle différente de la clientèle habituelle de l’entreprise consiste seulement à “occuper” le terrain voisin de l’entreprise sans causer aucun préjudice à ladite clientèle n’est-ce pas avoir une vision trop restrictive et bien désuète du concept de dommage en matière de concurrence déloyale? En effet, ce terrain voisin mais différent constitue, s’il est libre, l’aire naturelle de développement de l’entreprise parasitée dont la vocation est, par essence, de se diversifier ou de se développer… de telle sorte que porter fautivement atteinte à une telle chance de développement constitue, nous semble-t-il, un préjudice juridiquement réparable au titre de la perte de chance d’une évolution de carrière.

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registro especial de marca “notória”. A questão fica um pouco mais simples, quando o sinal, a um só tempo, é marca e elemento integrante de nome empresarial e/ou patronímico, pois a estes não se aplica o princípio da especialidade. (CARVALHO, 1994, p. 45).

E em outro trecho:

Em um enlace de todas essas normas específicas sobre a matéria, constatamos que a legislação especial ainda não contém regras que assegurem, amplamente, proteção objetiva à marca famosa que seja adotada por outrem em segmento diverso. No Brasil, esse tratamento é restritivo e insatisfatório, pois é de prerrogativa exclusiva do Estado – artigo 67 da lei 5.772/71, obedecidos certos critérios. (CARVALHO, 1994, p. 46).

Apesar de o fundamento da proteção ampliada ser o mesmo, há significativa

diferença na forma em que ela opera em relação à marca de alto renome e nas

situações de parasitismo. No primeiro caso, a lei garante proteção absoluta em

todas as áreas de atuação econômica e caberá ao Instituto Nacional da Propriedade

Industrial – INPI identificar – por via procedimental específica, de iniciativa do

interessado – quais empresas são detentoras de tal premissa. Assim, a proteção é

abstrata, gerando um direito erga omnes, sem depender de situações de exploração

indevida daquela marca por terceiros. No caso do aproveitamento parasitário,

contudo, não há um reconhecimento de alto renome por parte do Instituto Nacional

da Propriedade Industrial – INPI. O titular da marca não possui um direito subjetivo

de proteção ampliada em todas as classes econômicas. O estudo da ampliação do

resguardo à marca é feito caso a caso, erga alios, diante de uma situação concreta

de exploração indevida por terceiros, cabendo ao titular da marca recorrer ao

Judiciário.

Mas diferentemente do que ocorre com os atos que tendem a copiar marcas

de alto renome, cuja natureza jurídica é nitidamente de ato ilícito, eis que presentes

todos os requisitos de tal modalidade de antijuridicidade, a definição da natureza

jurídica do aproveitamento parasitário gera ainda grande embate entre os juristas,

como adiante se demonstrará.

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4.4 Natureza jurídica

De enorme importância se mostra o questionamento da natureza jurídica do

aproveitamento parasitário. Uma vez identificado o fundamento da restrição a tal tipo

de conduta – a ausência de causa apta a justificar o uso da fama alheia –, é mister

tentar enquadrá-la em alguma das hipóteses de ilegalidade previstas no sistema

jurídico, sob pena de a restrição não se sustentar cientificamente.

Não se mostraria suficiente, pois, a conclusão de que a conduta parasitária

entre agentes não concorrentes não se afigura “justa”, remetendo a um senso moral

genérico, não incorporado pelo ordenamento na forma de um instituto específico.

Por mais intuitiva que pareça a antijuridicidade do comportamento parasitário, é

imprescindível o esforço no sentido de seu enquadramento nas restrições civis

clássicas6.

4.4.1 Concorrência desleal

À maioria dos autores que se dedicam ao intrincado instituto do

aproveitamento parasitário, seria um contrassenso entender a sua natureza jurídica

como sendo de concorrência desleal; tampouco de sua espécie concorrência

parasitária, apesar das proximidades que com essa possui. Tal conclusão foi

alcançada por Maurício Lopes de Oliveira (2004, p. 110-111):

Toda expressão comporta seus limites. O significado da palavra concorrência delimita a aplicação da repressão à concorrência desleal apenas quanto aos concorrentes da sociedade lesada que perderam consumidores de seus produtos, idênticos ou similares aos oferecidos pelo agente desleal. O limite imposto pela relação de concorrência impede que sejam reprimidos, com base na concorrência desleal, os agentes econômicos que, maliciosamente, longe de utilizar indevidamente a notoriedade ou o savoir-faire de um concorrente, pilham tais valores de sociedades que atuam em ramo diverso.

6 Afasta-se desde já a análise sob a ótica do direito criminal, eis que, não estando tipificado o

aproveitamento parasitário, não é com base nesse universo que ele será reprimido.

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E em seguida reforça tal entendimento de inaplicabilidade da doutrina da

concorrência desleal, afirmando que o comportamento parasitário seria um “quadro

não desejado, que, de resto, não poderia ser questionado pelo instituto da

concorrência desleal, vez que a regra afasta o ato de rapina somente quando

praticado entre concorrentes” (OLIVEIRA, 2004, p. 111).

Foi idêntico o entendimento de José Roberto d’Affonseca Gusmão (2004, p.

56) quando, então Presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI,

emitiu inusitado parecer sobre os fundamentos que deveriam ser erigidos pelos

examinadores da referida autarquia para indeferimento de marcas que, embora

aplicadas em segmentos diversos do mercado, apresentavam inquestionável

semelhança com outras famosas preexistentes:

Durante algum tempo, procurou-se caracterizar este fato como de “concorrência parasitária”, uma espécie do gênero concorrência desleal. No entanto, e por definição mesmo, a noção de concorrência parasitária não socorre à solução da questão [...] Vê-se de plano, portanto, que a noção de concorrência parasitária não serve como fundamento de recusa a pedido de registro, por terceiro, de signo distintivo renomado ou de prestígio, para assinalar produto ou serviço diverso e inconfundível. A situação exposta, de aproveitamento parasitário da fama alheia, pressupõe, aqui, uma relação de não concorrência. Reclama, assim, um fundamento diverso daquele da concorrência parasitária ou desleal.

Na realidade, o próprio Yves Saint-Gal (1981, p. 135) já entendia que o

parasitismo – inclusive a própria concorrência parasitária – não se encaixa de forma

perfeita em nenhuma das grandes categorias da concorrência desleal.

Contrariando em parte tal entendimento, Luiz A. de Carvalho (1994, p. 46)

recomenda que a concorrência desleal continue sendo utilizada – ao lado de outros

institutos, como o abuso do direito – para fundamentar a repressão ao

aproveitamento parasitário:

Podemos concluir que aquele princípio geral – “repressão à concorrência desleal” – aplica-se não só na relação direta de concorrência, mas, também, sempre que o resultado do trabalho, dos esforços e dos investimentos que, em última análise, se traduzem na fama, no bom conceito da marca, estiver sendo usurpado. Vistos todos esses aspectos, decorre a conclusão de que inobstante ter estado originariamente relacionado com a competição direta de mercado, o instituto da “repressão à concorrência desleal” evoluiu de modo a coibir

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qualquer situação de possibilidade de prejuízos à reputação do estabelecimento, seja em que segmento for.

Esse parece ser o mesmo entendimento de Delphine Galan (2008, p. 161-

163, tradução nossa), quando, ao definir a concorrência desleal – e se reportar ao

nascimento da teoria do aproveitamento parasitário na França, na década de 50 do

século passado –, dá azo à interpretação de que ela abarcaria não exclusivamente

atividades de oponentes no mercado:

A concorrência desleal pode ser compreendida como o “comportamento que se afasta da conduta normal do profissional sensato, e que distorce o equilíbrio das relações concorrenciais, quebrando a igualdade das oportunidades que deve existir entre concorrentes de um sistema de economia livre”. A ênfase colocada sobre a fraternidade exigida dos diversos concorrentes se revela, todavia, uma “camisa de força deplorável”. Este princípio diz que a especialidade da concorrência desleal, a qual vê o seu âmbito limitado “literalmente, à conquista de uma clientela por produtos e serviços idênticos ou semelhantes”, parecia ter que ser superada a fim de abarcar o conjunto de agentes desonestos da vida econômica, estendendo assim a exigência da probidade profissional para além das atividades empresariais diretamente concorrentes. “O direito subjetivo de cada comerciante ao desenvolvimento do seu negócio (deveria necessariamente) se transforma(r) em um direito objetivo de funcionamento regular do mercado, que ninguém deve perturbar”.7

Não há como deixar de considerar, contudo, que o aproveitamento parasitário

normalmente implica, sim, em concorrência desleal. Não em relação ao titular do

bem original que foi apropriado, mas no que toca aos agentes econômicos que

dividem o mercado com o parasita. Ora, sem sombra de dúvidas que esses últimos

restariam imensamente prejudicados se, na corrida em busca de clientela, um dos

competidores fizesse uso, sem qualquer título jurídico que o justificasse, de

distinções e valores pertencentes a terceiros, titulares de empreendimentos de

sucesso.

7 La concurrence déloyale peut être appréhendée comme le « comportement qui s’écarte de la

conduite normale du professionnel avisé, et qui fausse l’équilibre dans les relations concurrentielles, rompt l’égalité des chances qui doit exister entre les concurrents dans un système d’économie libre». L’accent mis sur la confraternité exigée des divers concurrents se révéla cependant être un «détestable carcan». Ce principe dit de la spécialité de la concurrence déloyale, laquelle voit son champ d’application limité «en stricte logique des mots, à la conquête de la clientèle pour des produits et services identiques ou similaires», parut donc devoir être contourné afin d’appréhender l’ensemble des intervenants malhonnêtes de la vie économique et d’étendre ainsi l’exigence de probité professionnelle au-delà des activités lucratives rivales. «Le droit subjectif de chaque commerçant à l’épanouissement de ses affaires (devait nécessairement) se transforme(r) en un droit objectif à un fonctionnement normal du marché, que nul ne doit troubler».

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No entanto, avaliando o caso sob a perspectiva desses concorrentes, e não

do titular do signo copiado, não se estaria propriamente diante de uma situação de

aproveitamento parasitário, mas de concorrência desleal propriamente dita,

possivelmente fundamentada no inciso VII do art. 195 da Lei de Propriedade

Industrial, que apregoa ser concorrência desonesta a atribuição, como meio de

propaganda, de recompensa ou distinção que não obteve.

Noutros termos, na situação descrita acima, tanto não poderia o titular do

signo copiado ajuizar uma ação sob a alegação de concorrência desleal – porque o

copiador não é seu concorrente – quanto não poderiam os efetivos concorrentes do

parasita ajuizar ação estruturada sobre o ilícito do aproveitamento parasitário – uma

vez que ele não se aplica a casos em que autor e réu são competidores no mercado.

E, por questões processuais, não poderia um ajuizar ação em nome do outro – o

titular do signo copiado alegando concorrência desleal em prol dos efetivos

competidores do parasita ou, inversamente, esses últimos aduzindo aproveitamento

parasitário em favor do titular da marca ou nome empresarial copiado –, por faltar-

lhes legitimidade para tanto.

4.4.2 Violação à Propriedade Industrial

Não há igualmente como se concluir que o aproveitamento parasitário seja

uma espécie de violação à Propriedade Industrial.

Como se demonstrou, os direitos de Propriedade Industrial, no que toca aos

elementos de identificação da empresa, se prestam a garantir o monopólio de uso

de tais elementos dentro de determinado mercado, com vistas a identificar uma

única empresa e, assim, impedir que agentes econômicos concorrentes deles se

apropriem. Mas já que o aproveitamento parasitário é realizado por empresa não

concorrente, verifica-se que tal comportamento não chega a atingir diretamente

qualquer direito subjetivo sobre uma marca, uma vez que realizado fora da zona de

proteção reconhecida pela Lei de Propriedade Industrial. Ou seja, tal utilização não

chega a afetar a situação de monopólio no mercado.

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Como explanado, a proteção conferida a uma marca se restringe à área

econômica de atuação do seu titular, nos termos do princípio da especialidade. Se

um terceiro faz uso do mesmo símbolo distintivo em segmento comercial diverso,

não se pode argumentar que houve lesão ao direito de marca, porque a utilização se

deu além dos limites de proteção classicamente apontados.

O mesmo raciocínio vale para o nome empresarial que, embora não tratado

especificamente na Lei de Propriedade Industrial, se sustenta no princípio da

territorialidade. Aproveitada a razão ou denominação social em território diverso do

explorado pelo primeiro titular, não é com base no instituto da proteção ao nome

empresarial em si que se repreenderá tal apropriação.

4.4.3 Ato ilícito

Na estruturação do Código Civil de 2002, tanto a espécie do ato ilícito, quanto

a do abuso do direito (que pela primeira vez no Brasil foi prevista expressa e

diretamente em um Código Civil8) integraram o Título III do Livro “Dos Fatos

Jurídicos”, referente ao gênero “atos ilícitos”.

Assim dispõe o art. 186: “aquele que, por ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que

exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Da simples leitura deste artigo pode-se

facilmente destacar os seus elementos estruturantes, amplamente difundidos por

doutrina secular: ação ou omissão culposa ou voluntária, que ocasiona danos a

outrem, por meio da violação de direito subjetivo.

Vale ressaltar que, ao contrário da codificação anterior, a consequência direta

e mais comum do ato ilícito, o dever de reparação, não foi vinculado diretamente ao

conceito trazido no art. 186, tendo sido relegada ao art. 927. Avançou bem o

legislador neste ponto, decompondo conceito e efeito, especialmente em razão de

também outras consequências poderem advir do cometimento de ato ilícito, como a

8 Há quem entenda que o instituto já estivesse previsto na interpretação a contrario sensu do art. 160,

I, do Código Civil de 1916.

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nulidade do ato, a sua ineficácia e, inclusive, a restituição do auferido injustamente,

como resultado do enriquecimento sem causa.

Há que se indagar, então, se o aproveitamento parasitário teria natureza de

ato ilícito, nos termos do art. 186 do Código Civil. A resposta tende a ser negativa,

uma vez que faltam-lhe dois dos elementos estruturantes do ato ilícito, a saber, o

direito subjetivo violado e o dano.

Não se pode afirmar que o aproveitamento parasitário implique em violação a

direitos subjetivos do empresário que teve copiado o elemento de identificação.

Como visto acima, quando comparado à violação da Propriedade Industrial,

defendeu-se que o parasitismo tem lugar para além da zona de proteção dos direitos

intelectuais, notadamente em razão do princípio da especialidade e/ou da

territorialidade. Atuando o empresário copiador em ramo ou território diverso do

copiado, estaria, a princípio, imune da pecha de violador de qualquer direito

subjetivo.

Não há que se falar igualmente em direito subjetivo à clientela. Mesmo nos

casos de concorrência desleal é maciço o entendimento de que não é um direito à

clientela que se vê protegido. Caso contrário, a própria concorrência leal não poderia

ter lugar, por sempre conduzir à afetação da clientela de um empresário por outro,

concorrente seu, que almeja angariar os clientes em comum.

Elimina-se, igualmente, a tese de que se protegeria o direito subjetivo ao

fundo comercial. Este é composto por bens individualizados, alguns que ganham

proteção específica pelo ordenamento, como a propriedade imobiliária, as marcas e

o nome empresarial, e outros que, embora componham o aviamento, não são objeto

de resguardo especial. Assim, não se protege o fundo comercial como um todo, mas

somente aqueles elementos aos quais a legislação garantiu proteção própria.

Por fim, também descabido seria o entendimento de que se estaria a proteger

um direito de personalidade do empresário, pelos mesmos motivos traçados no

tópico desta pesquisa que estudou as teorias acerca do bem jurídico protegido pela

vedação à concorrência desleal.

Como consequência da ausência de direito subjetivo violado, a regra é que

inexista igualmente dano ao titular do signo distintivo, eis que a imitação realizada

por empresa não concorrente não tem, nem de longe, o condão de provocar o

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desvio de clientela. Inexiste, assim, prejuízo concreto (muito embora haja autores

que defendam a tese da diluição da marca, mesmo em casos de parasitismo, o que

ocasionaria danos, como se verá no próximo capítulo).

Faltantes dois dos três requisitos próprios do ato ilícito, não é nele que reside

a natureza jurídica do comportamento parasitário.

4.4.4 Enriquecimento sem causa

Há quem defenda que a natureza jurídica do aproveitamento parasitário é o

enriquecimento sem causa, previsto atualmente nos arts. 884 a 886 do Código Civil:

A repressão ao aproveitamento parasitário tem como natureza jurídica a responsabilidade civil por ato ilícito. Todavia, alguns autores buscaram no enriquecimento sem causa uma outra natureza jurídica para o aproveitamento parasitário. (OLIVEIRA, 2004, p. 112).

Em que pese o entendimento a que o extrato acima faz referência, defende-

se a tese de que enriquecimento sem causa não é instituto jurídico suficiente em si

mesmo. Ele não é causa de antijuridicidade, mas somente um dos efeitos que dela

podem decorrer, assim como a responsabilidade civil. Esta, o dever de reparação;

aquele, o de restituição dos lucros.

Diferentes já são os institutos previstos no Título III do Livro III do Código

Civil, que trata dos atos ilícitos, incorporando, além da figura homônima ao título, o

abuso do direito.

Se o enriquecimento sem causa fosse considerado hipótese de

antijuridicidade por si só, e não meramente um possível efeito, recairia em problema

insolúvel, qual seja, identificar o que vem a ser o elemento “sem causa”. O que

caracteriza a ausência de causa do enriquecimento é justamente o fato dele

decorrer ou da violação de um direito subjetivo alheio (i.e. ato ilícito) ou do exercício

abusivo de um direito, ultrapassando, na sua conclusão, as barreiras sociais aceitas

(abuso do direito). A ausência de causa deve se assentar em algum dos elementos

que configuram a ilicitude ou antijuridicidade, caso contrário não se estaria diante de

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um enriquecimento “sem causa”, mas de mero enriquecimento regular, assim como

ocorre numa relação de concorrência conduzida honestamente.

À guisa de esclarecimento, a pirataria de um produto industrial disponível no

mercado, embora ocasione enriquecimento “sem causa” ao empresário “pirata” – e

não há como entender justo tal enriquecimento –, não é reprimida com base no

instituto previsto no art. 884 do Código Civil, mas na própria violação às invenções

patenteadas. Tem-se nesse caso, pois, que a lucratividade ilegítima foi uma mera

consequência – na realidade, o fim colimado – do cometimento de um ato ilícito

específico previsto em legislação especial.

Não se pode, assim, colocar em pé de igualdade o enriquecimento sem

causa, de um lado, e o ato ilícito e o abuso do direito, de outro, assim como não

seria razoável equiparar o ato ilícito à responsabilidade civil – esta um dos efeitos

daquele, notadamente quando se trata da responsabilidade civil subjetiva.

Por esta razão, embora do aproveitamento parasitário possa decorrer o

enriquecimento (sem causa, por provir de uma ilegalidade), não seria tecnicamente

coerente concluir que a natureza jurídica de tal conduta é justamente o instituto

previsto no art. 884 do Código Civil. Por esta razão, a figura do enriquecimento sem

causa será tratada no próximo capítulo, que versa sobre os efeitos decorrentes do

parasitismo entre não concorrentes.

4.4.5 Abuso do direito

Ultrapassadas as tentativas anteriores de enquadrar o comportamento

parasitário nas figuras clássica do Direito Privado, é valioso no atual estágio da

pesquisa lançar os olhos sobre o abuso do direito. Tal emblemático instituto é objeto

de questionamentos e polêmicas há vários anos, alvo de definições imprecisas, por

vezes confundindo-se com figuras afins – mas dotadas de grande especificidade –,

como o ato ilícito propriamente dito.

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Autores há que remontam o abuso do direito a Roma, como instituto

implicitamente reconhecido por meio da máxima summum jus, summa injuria9, como

lembra Bruno Miragem (2009, p. 9). O mesmo esforço foi feito por Alvino Lima,

citado por Daniela Tavares Rosa Marcacini (2006, p. 11), mas indicando outro

brocardo latino, da lavra de Gaio: Male enim nostro jure uti nom debemus 10.

No sistema civilista de 1916, o abuso do direito era identificado pela doutrina

na interpretação a contrario sensu da norma insculpida no art. 160, inciso I, que

dispunha que não constituem atos ilícitos aqueles praticados em legítima defesa ou

no exercício regular de um direito (atual art. 188, inciso I, do Código Civil de 2002).

Assim, apregoou-se desde a inauguração daquele Código que se determinado

direito fosse exercido de forma “irregular”, tal conduta consistiria em ato reprovável.

Mas também a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42), na opinião

de vários autores, previa, em seu art. 5º, a figura do abuso do direito, embora de

forma indireta:

Ora, dispõe o citado art. 5.º da LICC que o juiz, ao aplicar a lei, “atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. A explícita menção, como regra de aplicação da lei pelo juiz do atendimento aos fins sociais da norma, configura claramente o reconhecimento de que deve ser coibida a prática de atos que desatendam a esses mesmos fins sociais – por interpretação lógica do referido dispositivo – ou seja, deve ser coibido o abuso de direito, que, como visto, se caracterizava justamente pelo ato praticado em desatenção à finalidade da lei e do direito enquanto sistema ético e moral. (LEVADA, 2002, p. 76).

O atual Código Civil bem avançou ao prever expressamente – de forma

direta, sem rodeios – a figura em tela, dentro do tópico que trata especificamente

dos atos ilícitos, ao lado do ato ilícito propriamente dito (art. 186). Mas o mérito da

ainda recente codificação não se limitou a fazer despertar tal gigante adormecido. O

ponto mais relevante foi fazê-lo dar largas passadas, ao apontar didaticamente os

limites do exercício dos direitos subjetivos, indicando elementos da maior

significância em cláusula do tipo aberta (MIRAGEM, 2009, p. 103). É Judith Martins-

Costa (2000, p. 274) quem explica que as cláusulas gerais são o mecanismo apto a

“permitir o ingresso, no ordenamento jurídico, de princípios valorativos, standards,

9 Supremo direito, suprema injúria. 10 Na verdade, não devemos usar mal o nosso direito.

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máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, normativas

constitucionais, diretivas econômicas, sociais, políticas”.

Rodolpho Barreto Sampaio Júnior (2008, p. 4649) ressalta a importância das

cláusulas abertas no ordenamento jurídico:

A vantagem das cláusulas gerais repousa sobre a convicção de que o legislador, não tendo o dom da onisciência, seria incapaz de disciplinar todas as múltiplas questões que surgem no seio da sociedade e que demandam a atenção do Direito. Por conseguinte, ao juiz caberia um papel ativo, de construção do Direito, e não apenas de sua aplicação. Ademais, as cláusulas gerais representam a tentativa de manter o texto legal atualizado em face de alterações sociais, políticas ou econômicas, que poderiam fazer com que ele se divorciasse da nova realidade, fazendo-se necessária a sua atualização. Considerando a demora natural do processo legislativo, que retarda a tão necessária adequação da lei a um novo contexto, o recurso às cláusulas gerais há de ser elogiado.

E especificamente a respeito de o novo Código haver introduzido o abuso de

direito em cláusula aberta, assim se pronunciou Milton Flávio de A. C.

Lautenschläger (2007, p. 194):

As teorias sobre o critério de identificação do abuso do direito demonstram que as variedades e particularidades de um caso concreto ultrapassam a capacidade humana de compatibilizar soluções equânimes e justas através de textos legais. Afinal, os anseios variam muito de acordo com cada cidadão, em função de sua particular condição econômica, social, intelectual e ideológica. Por isso mesmo, urgia um Código Civil com boa carga de preceitos semanticamente abertos, como as cláusulas gerais, intencionalmente desenhadas no intuito de permitir a incorporação de valores, princípios e máximas de condutas, por intermédio da atuação do magistrado no âmbito de cada caso concreto. O art. 187 do CC/2002 é um bom exemplo de norma semanticamente aberta, que permite e impõem (sic) aos julgadores uma pesquisa de soluções dentro do próprio sistema, através da análise da jurisprudência e/ou da doutrina, no intuito de criar o regramento aplicável ao caso concreto.

E adiante o autor conclui:

Esta, pois, a solução que vislumbramos possível à identificação do abuso do direito, especialmente quando defronte a alegações de utilidades e desutilidades de “pesos” aparentemente semelhantes. Vale dizer, ao magistrado caberá identificar qual o comportamento que, numa análise da jurisprudência e/ou da doutrina, se mostra mais distante dos valores, princípios e máximas de condutas que compõe a “unidade conceitual e valorativa” do Código Civil. (LAUTENSCHLÄGER, 2007, p. 194).

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Da leitura do art. 187 decorrerá a definição do abuso do direito e o destaque

de seus elementos estruturantes.

4.4.5.1 Conceito

Não obstante a inserção direta do abuso do direito no Código Civil, ocorrida

somente em 2002, não deixa de ser desafiadora a sua conceituação. Ela sempre foi

objeto de considerável polêmica – assim como o foi o reconhecimento do instituto

em si –, notadamente em razão dos dois extremos que compõem o abuso do direito

serem, por excelência, antagônicos, quais sejam, o direito e o seu abuso. Havia até

mesmo quem entendesse que não se mostrava plenamente possível o abuso do

direito, uma vez que, se há abuso, não haveria mais direito, uma figura aniquilando

automaticamente a outra, como bem lembra Carlos Antônio Soares Levada (2002, p.

69):

[...] havia ainda quem defendesse a impossibilidade da idéia de abuso de direito, dos quais o mais célebre é sem dúvida Planiol, ao afirmar que a expressão abuso de direito configuraria uma logomaquia, antítese lógica, pois o direito cessa onde o abuso começa. Para o eminente civilista francês, não pode haver uso abusivo de um direito, porque um mesmo ato não pode ser, a um só tempo, conforme e contrário ao direito. Também Dessertaux seguiu pela mesma trilha, propondo inclusive a substituição da expressão por conflito de direitos.

Em virtude das dissonâncias dos entendimentos, em alguns momentos da

história legislativa o abuso do direito foi deixado de lado, como bem lembra Pedro

Baptista Martins (1997, p. 17): “Ela [a figura do abuso do direito] sofreu, em várias

fases da evolução jurídica, eclipses determinados pelo triunfo das ideias

individualistas de que, em regra, se achavam impregnadas as legislações”.

Discordâncias de lado, é mister que se siga em direção à sua definição. Já

preceituou Caio Mário da Silva Pereira (1991, p. 467) no passado, antes da vigência

do Código Civil de 2002:

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Abusa do seu direito o titular que dele se utiliza levando um malefício a outrem, inspirado na intenção de fazer mal, e sem proveito próprio. O fundamento ético da teoria pode, pois, assentar em que a lei não deve permitir que alguém se sirva de seu direito exclusivamente para causar dano a outrem.

Em que pese às lições de Caio Mário, ao que tudo indica o conceito que ele

apresenta melhor se adéqua à caracterização dos chamados atos emulativos. Estes

possuem como elemento estruturante a intenção de lesar alguém por meio do

exercício de um direito, configurando-se como abuso do direito na modalidade

subjetiva, a depender, pois, da má-fé. É Bruno Miragem (2009, p. 67) quem bem

exemplifica, em sua pesquisa específica, uma situação de ato emulativo, origem

histórica da doutrina contemporânea do abuso do direito:

Condenava o Direito a possibilidade de um indivíduo desviar, a partir de modificações em seu terreno, o curso de um rio ou canal, para que a vazão da água não atingisse ao terreno vizinho, agindo com a exclusiva finalidade de causar dano ao proprietário deste terreno que ficaria privado do respectivo recurso. Restringia-se, neste aspecto, às questões relativas ao direito de vizinhança.

Tatiani Bonatti Peres (2010, p. 15) remonta a outro caso clássico de conduta

emulativa:

Dentre outros, encontra-se o célebre caso do proprietário que construíra uma “imensa e volumosa” chaminé em seu imóvel, não para seu uso pessoal, mas com a finalidade de escurecer a morada vizinha. Ao julgar este caso, em 1855, o Tribunal de Colmar impôs, como sanção pelo ato, a derrubada da referida chaminé, por entender que o exercício do direito de propriedade deve satisfazer a um interesse sério e legítimo. Do mesmo modo decidiu-se acerca do proprietário que instalara uma bomba para absorver toda a água que escorria para o terreno vizinho, sem qualquer proveito para si, já que as sobras perdiam-se em outro lugar. A este respeito, decidiu o Tribunal de Lyon, em 1856, que o proprietário que pratica semelhante ato apenas com o objetivo de prejudicar é responsável pelos danos que causou.

Diferencia-se, pois, o ato emulativo do exercício abusivo de um direito, sendo

atualmente aquele espécie desse, uma vez que o primeiro depende da intenção de

lesar – o elemento subjetivo intencional –, ao passo que para o segundo a má-fé é

indiferente. Segundo Inácio de Carvalho Neto (2006), a figura dos atos emulativos

evoluiu até alcançar o conceito maior de abuso do direito, a partir do momento em

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que os direitos subjetivos deixaram de ser vistos como absolutos e passaram a ser

considerados relativos e destinados ao cumprimento de uma função social.

Assim, com raízes na emulação, desenvolveu-se a teoria subjetiva do abuso

do direito, residindo a ilegalidade na intenção do agente de ocasionar mal a um

terceiro, mediante o exercício de seu direito. Para esta, não havia que se indagar

acerca das finalidades sociais do direito, tão somente fazer o julgamento do estado

psíquico do agente.

Em contraposição à subjetiva, duas teorias objetivas surgiram, “as que

afirmam consistir o abuso no exercício anormal de um direito, da qual o principal

expoente é Saleilles, e a que defende o ato abusivo quando deixe ele de atender à

sua finalidade, à função para a qual o direito foi criado e justificadamente existe.”

(LEVADA, 2002, p. 71).

Em relação à segunda teoria objetiva, que consiste justamente na adotada

pelo Código Civil Brasileiro de 2002, assim se pronuncia o mesmo autor:

Já o critério finalista tem em Josserand seu mais ilustre Defensor [...]. Para o consagrado Mestre francês, existe o abuso de direito quando o ato é exercido de acordo com o direito da pessoa e contrariamente às regras sociais; desse modo, os pretensos direitos subjetivos não passam de direitos funções, que têm finalidade a cumprir e dela não se podem desviar, sob pena de cometimento de um abuso do direito. Não haverá necessidade, pois, da prova de ter o agente, intencionalmente, desejado causar prejuízo à vítima, até porque a abusividade existirá por si só, ainda que dano concreto não tenha sido causado. (LEVADA, 2002, p. 71).

No que toca à natureza jurídica, o abuso de direito se diferencia

substancialmente do ato ilícito stricto sensu, que, como visto, possui como

elementos a ação ou omissão, a culpa (negligência, imperícia ou imprudência) ou

dolo, a violação de um direito subjetivo alheio, o dano ao titular desse direito e o

nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano. O abuso do direito, por

sua vez, consiste no exercício de um direito subjetivo, por meio de ação ou omissão,

mas ultrapassando os limites do razoável:

Ou como bem propõe Fernando Augusto Cunha de Sá, abusa-se do direito quando se avança para além dos limites do normal, do legítimo: exerce-se o direito próprio em termos que não eram de esperar, ultrapassa-se o

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razoável, chega-se mais longe do que poderia prever. (MIRAGEM, 2009, p. 101).

Pode-se assim afirmar que o abuso do direito não depende da violação de um

direito alheio, do dano a qualquer pessoa (MIRAGEM, 2009, p. 168), sequer da

culpa ou dolo do agente (daí a importância da distinção entre atos emulativos e a

moderna conceituação do abuso do direito). Trata-se, portanto, de hipótese de

antijuridicidade objetiva, presente toda vez que um indivíduo, por meio do exercício

de um direito que lhe foi reconhecido pela ordem jurídica, extrapola a barricada

social desejável.

Consiste então o abuso do direito mais em uma baliza necessária, um dever

de não fazer algo, a saber, de não ultrapassar os limites socialmente aceitos,

impostos a quem já possui um direito e o pretende exercer, do que em propriamente

uma violação a um direito de outrem.

4.4.5.2 Elementos

Os elementos do abuso do direito são significativamente diversos daqueles

que caracterizam a figura do ato ilícito. A modalidade de conduta ilícita prevista no

art. 187 do Código Civil é constituída por um direito subjetivo do agente (e não de

um direito subjetivo violado de uma vítima), que é exercido em excesso manifesto11,

contrariando deveres de conduta impostos pela sociedade (boa fé e bons costumes)

e ultrapassando a finalidade precípua pela qual se garantiu a determinada pessoa

aquele direito (seu fim econômico e social), ao que Bruno Miragem (2009, p. 98)

apelida de “limites externos” e “limites internos” do abuso do direito:

Enquanto a boa fé e os bons costumes dizem respeito a elementos de significados estranhos ao próprio direito subjetivo a cujo exercício façam referência, para efeito de exame do respeito ao limite que representam, o fim econômico ou social pertence a cada direito subjetivo individualizado,

11 Embora contida na norma a expressão “manifestamente”, parte da doutrina questiona a sua

importância (MIRAGEM, 2009, p. 135). Mas autores há que defendem a utilidade da expressão “manifestamente” – argumentando que não existem, na lei, palavras inúteis –, associando-a a “clamorosamente, nitidamente, claramente, evidentemente” (BOULOS, 2006, p. 162).

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como expressão tópica para realização dos fins do Direito, expressos ou não pelo ordenamento jurídico. Neste sentido, boa-fé e bons costumes vão se caracterizar, nitidamente, como espécies de limites externos ao exercício dos direitos subjetivos, sendo o fim econômico ou social, ao contrário, predominantemente caracterizados como limites internos, porquanto seu significado relacione-se de modo imediato com cada direito subjetivo, caracterizando-se os limites do seu exercício com os fins para os quais foram previstos pelo ordenamento jurídico.

Assim, orientado pelos princípios anunciados por Miguel Reale (2001) da

operabilidade, eticidade e socialidade – Daniel M. Boulos (2006, p. 149) chega até

mesmo a afirmar que “a norma do art. 187 do Código Civil Brasileiro é a matriz e o

foi condutor do princípio da socialidade impregnado na nova codificação”, por traçar

limites ao exercício de “qualquer prerrogativa, por menor que seja” –, norteadores no

Código Civil de 2002, o art. 187 foi estruturado como cláusula geral, apresentando

seus elementos na forma de conceitos indeterminados que não devem ser

interpretados literalmente. É trabalho do aplicador do direito, portanto, preenchê-los

de significado – operação que ganha o nome de “concreção” –, quando diante de

uma situação real.

Retornando a Bruno Miragem (2009, p. 102): “o fim econômico ou social, a

boa-fé e os bons costumes são conceitos plurissignificativos, indeterminados, cujo

adensamento de seu sentido e significado estão associados ao trabalho da doutrina

e da jurisprudência”. O mesmo autor (2009, p. 102) conclui tratarem-se tais

elementos – os limites objetivos do abuso do direito – de padrões de comportamento

aceitáveis no meio social:

Expressam, igualmente, em seu sentido atual, standards de conduta socialmente desejadas, na medida em que o respeito aos mesmos, na qualidade de limites ao exercício de direitos subjetivos, representam espécie de legitimação do exercício dos poderes e faculdades estabelecidos pelo ordenamento.

Hoje já parece superado o entendimento de que consistem igualmente em

elementos do abuso do direito a culpa lato sensu do agente e a ocorrência de um

dano.

No que toca ao primeiro, vale nesse ponto recorrer ao Enunciado 37 (2002)

aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários

do Conselho da Justiça Federal: “Art. 187. A responsabilidade civil decorrente do

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abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-

finalístico” (BRASIL, Conselho Nacional de Justiça/Centro de Estudos Judiciários,

2002). Assim, atualmente o abuso do direito é defendido como sendo uma situação

de ilicitude objetiva, uma vez que independe do elemento anímico do titular do direito

exercido excessivamente:

Já no que se refere à bipartição das cláusulas gerais de ilicitude, a previsão do artigo 187 enseja a consideração de uma nova espécie de ilicitude. A incorporação, no texto normativo, da teoria do abuso do direito, afastou-o de sua tradicional concepção subjetiva, vinculada aos atos emulativos e à presença de dolo ou culpa – largamente difundida no direito brasileiro – em favor de uma concepção objetiva, que prescinde da caracterização do elemento anímico do exercício do direito pelo titular para considerá-lo abusivo e, por esta razão, antijurídico. (MIRAGEM, 2009, p. 101).

Daniel M. Boulos (2006, p. 142) destaca a relevância prática de se encarar a

ilicitude prevista no art 187 como sendo objetiva:

Se, aliás, fosse necessário, para a caracterização do abuso, a investigação da presença da culpa lato sensu do titular do direito, “resultaria daí uma proteção àqueles que não conhecem escrúpulos”. Isto porque a prova da existência do abuso, já difícil, seria ainda mais dificultosa, de molde a praticamente inviabilizar a aplicação da regra do art. 187 do Código Civil. E assim é pois, tendo em vista que aquele que pratica o ato abusivo parte do exercício de um poder conferido a ele pelo ordenamento jurídico e que, portanto, muitas vezes, o ato por ele praticado tem aparência de exercício regular – e, pois, de ato lícito –, a prova da configuração do abuso do direito mostrar-se-ia, em determinadas situações, difícil de ser ministrada. Essa é, por certo, uma das razões que levaram o legislador pátrio, na esteira do português, a prescindir da comprovação da culpa lato sensu para caracterização do abuso cujos parâmetros encontram-se no artigo 187.

No que diz respeito ao questionamento acerca da necessidade de ocorrência

de dano, a doutrina moderna tem-se unido no sentido de que ele se mostra

igualmente dispensável, eis que de um exercício abusivo de um direito não

decorrerá necessariamente a responsabilidade civil, podendo outras serem as

penalidades ou restrições impostas ao agente, não ligadas diretamente à ocorrência

de prejuízo:

E neste sentido, o artigo 187 do Código Civil, ao prever o abuso do direito, o faz independentemente da caracterização do dano como elemento completante do ilícito ali indicado. A inexistência de previsão sobre dano no preceito, contudo, não significa – como já se referiu – que ele não possa

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existir. Ocorre que, havendo dano, o ilícito assume eficácia de indenização por força do artigo 927, caput, do Código Civil, conforme previsão expressa. Ou seja, pode ser abuso do direito, previsto no artigo 187 do Código Civil, fonte de obrigações, mas esta não é uma circunstância necessária, senão uma possibilidade, na hipótese de existirem danos que se conformem como pressuposto da responsabilidade civil. (MIRAGEM, 2009, p. 120).

E essa conclusão em particular é de extrema importância à análise do

aproveitamento parasitário, eis que, como visto, na maioria dos casos em que tal

conduta tem lugar, inexiste desvio de clientela a ponto de caracterizar perdas e

danos ao titular da insígnia que foi copiada.

4.4.5.3 A caracterização como abuso do direito

Analisadas as características do abuso do direito, chega-se à conclusão de

que o aproveitamento parasitário se amolda perfeitamente a tal instituto do Direito

Civil. Inicialmente, pela via da exclusão, por não se enquadrar perfeitamente em

nenhuma das demais figuras elencadas – mas sem deixar de ser conduta

antijurídica, como constantemente reconhecido pelos Tribunais, pela doutrina e pelo

Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Em sequencia, por efetivamente

encarnar os elementos estruturantes de tal espécie de antijuridicidade.

Alcançada a conclusão de que o art. 187 do Código Civil prevê hipóteses em

que, ainda que no exercício de um direito subjetivo, o seu titular ultrapassa limites

sociais aceitos que justificam a própria existência de tal prerrogativa, há que se

inquirir qual seria o direito subjetivo exercido em excesso pelo agente econômico

“parasita”.

Como se afirmou em tópico específico referente à concorrência parasitária,

um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e da Ordem Econômica é a

livre iniciativa. Tal fundamento, quando transposto à esfera individual dos cidadãos,

se afigura como um direito de livre comportamento no exercício de atividades

econômicas – um direito subjetivo, portanto. A premissa inicial é, assim, a de que

impera no mundo corporativo o princípio da liberdade de atuação, fundamental ao

desenvolvimento econômico de toda a sociedade. Nos dizeres de Rogério Roberto

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Gonçalves de Abreu (2008, p. 79): “na livre iniciativa vigem as regras que

consagram a liberdade dos agentes econômicos que iniciam empreendimentos

privados na busca pelo lucro, colaborando, assim, para o desenvolvimento

econômico pessoal e do próprio Estado”.

Do princípio da livre iniciativa se desdobra necessariamente o da livre

concorrência, que alcança duas frentes distintas. Por um lado, induz à afirmativa de

ser lícita, e mais, ser de todo desejável, a participação de uma empresa em qualquer

nicho do mercado, sem que diante dela se ergam obstáculos construídos pelo Poder

Público ou por agentes econômicos que atuem sobre determinado ramo econômico

como verdadeiros Leviatãs. Nesse ponto, o princípio da livre concorrência pode ser

interpretado como garantidor de uma ampla concorrência, e se aproxima do conceito

da própria livre iniciativa. Noutro norte, ele implica na liberdade no exercício de

práticas de competição entre concorrentes, com vistas à conquista do público que

lhes é comum.

Assim como ocorre com o princípio da livre iniciativa, o da livre concorrência

não poderia ser absoluto. Se a concorrência deve ser livre, isso não significa que

não possua limites. Nesses termos, situações de concorrência “irregular” tenderão a

ser sempre bloqueadas pelo ordenamento, com vistas a harmonizar a relação entre

competidores e fazer imperar preceitos éticos acima de tudo. Trata-se da proteção

em âmbito microjurídico, que considera os empresários individualmente, e não o

mercado como um todo. Em tal premissa se sustenta toda a teoria da concorrência

desleal, sendo este igualmente o suporte da sua espécie concorrência parasitária.

Mas não seria correto afirmar que, no caso do parasitismo ocorrido entre

agentes que não atuam como competidores no mercado, o direito subjetivo sobre o

qual se deita a dúvida de ter sido ou não exercido para além das divisas do razoável

seja o da livre concorrência. Inexistindo relação de competição entre os agentes

econômicos, não há espaço para tal princípio.

Nesse raciocínio, eliminada esta primeira alternativa, chega-se ao resultado

final de que o direito subjetivo extrapolado numa situação de aproveitamento

parasitário é o da própria livre iniciativa, em sua espécie liberdade de

empreendimento, prevista especificamente no parágrafo único do art. 170 da

Constituição, que anuncia ser “assegurado a todos o livre exercício de qualquer

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atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo

nos casos previstos em lei”12. Com efeito, há de ser reconhecida aos agentes

econômicos a plena liberdade na sua atuação em dado mercado; mas tal liberdade

terá que ser exercida sempre dentro dos contornos desejados pela sociedade,

sendo repreensível a atuação que supere os fins legitimamente esperados.

Assim, se fosse interpretado superficialmente o princípio em comento, chegar-

se-ia à conclusão de que seria sempre permitida a um empresário a utilização de

elementos de identificação não totalmente originais, quando o usuário anterior do

símbolo não seja seu concorrente em ramo de atuação ou em um dado território.

Afinal, a proteção clássica a tais símbolos se limita, em virtude dos princípios da

especialidade e da territorialidade, à área econômica e área territorial de atuação do

seu titular. Tampouco pela via difusa da repressão à concorrência desleal poderia

ser contida a situação acima descrita, devido à inexistência de competição entre os

dois agentes.

No entanto, sob a flâmula da livre iniciativa não se podem ocultar fins

escusos. Uma é a situação em que uma empresa faz uso de elemento de

identificação já utilizado por outra, atuante em filão diverso, mas sem que a primeira

se beneficie de qualquer forma com tal fato, em razão, por exemplo, de o símbolo

copiado não ser famoso. Não haveria que se falar em abuso do direito à livre

iniciativa nesse caso, mas em mero exercício regular de um direito. O mercado está

exposto a tal tipo de coincidências. Outra já seria a circunstância em que a empresa

que copiou o sinal distintivo alheio se favorecesse com isso, por provocar no

consumidor – que não é comum às duas empresas, frise-se – uma necessária

associação entre os dois agentes econômicos, o parasita e o titular do símbolo

dotado de fama.

Detecta-se na segunda situação descrita um beneficiamento injustificável e

desonesto, não desejado pelo legislador no momento que instituiu o princípio da

liberdade de atuação econômica. Não importa que se esteja a exercer um direito. É

imperioso que ele atinja as finalidades objetivadas pela legislação e que seja

exercido com honestidade – afinal, o “princípio da correção profissional”,

12 O princípio constitucional da livre iniciativa comporta várias situações de exercício de liberdades,

além da liberdade de empreendimento, como a liberdade de trabalho (art. 5º, XIII), a liberdade de associação (art. 5º, incisos XVII a XXI) e a liberdade contratual. (ABREU, 2008).

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apresentado pela Convenção da União de Paris no caput do art. 10 bis (PEREIRA,

2001, p. 77), que considera crime "todo ato de concorrência contrario às práticas

honestas em matéria industrial ou comercial”, não precisa se restringir às hipóteses

em que haja concorrência entre os agentes, servindo como norma de conduta geral

a imperar em todo o ambiente empresarial (DUVAL, 1976, p. 136).

E Marco Antônio Marcondes Pereira (2001, p. 77) conceitua tal princípio

aproximando-o sensivelmente dos mesmos elementos estruturantes do abuso do

direito:

O princípio da correção profissional, também designado como princípio da lealdade e da boa fé, é, antes de mais nada de natureza moral. E como princípio moral, não pode deixar de ser observado, pois a tendência é de que as normas dessa natureza sejam transformadas em normas jurídicas.

Conclui-se, assim, que o agente que se apropria indevidamente da fama e

notoriedade alheias para catapultar seus próprios negócios resvala no princípio

acima referido ou, na atual abordagem do Código Civil, exerce abusivamente um

direito que lhe é reconhecido pelo ordenamento, notadamente por ser contrário aos

bons costumes (ou boas práticas) comerciais, nos termos do art. 10 bis da CUP.

A posição de tratar-se o aproveitamento parasitário de abuso do direito não é

isolada:

Podem surgir, então, diferentes procedimentos turbadores dos negócios (como aproveitamento indevido da marca, de nome de objeto da marca, de embalagem, de publicidade alheias etc.), resultando em prejuízos morais e ou patrimoniais a outros comerciantes ou industriais, ou, mesmo, aos consumidores, que a ordem jurídica proscreve. Configuram abuso aos costumes do comércio ou da indústria, ou seja, forma especial de abuso de direito, que na doutrina também se chama abuso de livre concorrência. (BITTAR, 1993, p. 44).

No mesmo caminho Marcus Elidius Michelli de Almeida (2004, p. 206):

Em face do exposto, podemos concluir que a prática repetida de um ato parasitário é exemplo típico de um ato abusivo de direito, sendo certo que no nosso entender, não haveria sequer a necessidade da prática reiterada do ato parasitário, uma vez que a abusividade já estaria presente no primeiro uso além dos limites do seu direito.

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Com efeito, não é de todo nova a conclusão aqui alcançada. Vários autores já

se referiram ao abuso do direito quando da investigação a respeito da natureza

jurídica do aproveitamento parasitário. Contudo, uma vez que tais lições em sua

maioria foram concebidas anteriormente à vigência do novo diploma central do

Direito Privado, não levaram em consideração a evolução legislativa do instituto, que

ora é tratado em cláusula geral, dirigida pela socialidade, eticidade e operabilidade.

No paradigmático estudo realizado por Gusmão (1994), ele chega à

conclusão de que cabia ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI

indeferir os pedidos de registro de marcas famosas pertencentes a terceiros, que

não o depositante, com base no art. 160, inciso I, do Código Civil de 1916. O autor,

contudo, chamou de fraude à lei o instituto previsto no dispositivo citado. Tão forte

foi o efeito das conclusões emanadas por seu Presidente à época, que o Instituto

Nacional da Propriedade Industrial – INPI inseriu a orientação nas Diretrizes de

Análise de Marcas, de 1994, como bem lembra Luiz Leonardos (1995, p. 16):

As Diretrizes de Análise de Marcas, aprovadas pelo Ato Normativo INPI/123/94, deslocam a questão, acertadamente, para a presunção da falta de motivação legítima do requerente ou do utente da marca em tais condições, estabelecendo em seu item 2.1.II: Aproveitamento parasitário. - O aproveitamento parasitário da fama, do prestígio ou do renome de signo distintivo alheio consiste no exercício irregular de direito, também chamado de fraude à lei, contrário ao que dispõe o artigo 160, inciso I, do Código Civil. - O INPI, órgão encarregado da execução da lei de propriedade industrial, não pode efetivar registros que constituam exercício irregular de direito ou impliquem em desvio de função dos princípios norteadores do direito da propriedade industrial. Em vistas das razões acima, o Examinador do INPI deve sempre levar em consideração: 1. Que o depósito de marca constituída de signo distintivo de terceiro, distintivo de renome, ainda que para assinalar produto ou serviço distinto e inconfundível, constitui, objetivamente, aproveitamento parasitário da fama e prestígio alheio; 2. Que o aproveitamento parasitário constitui claro e indiscutível desvio de função das regras de proteção à propriedade industrial, caracterizando-se como fraude à lei, e, portanto, nulo, independentemente do elemento intencional; 3. Que o Examinador do INPI, seja em primeira ou em instância recursal, ao tomar conhecimento de pedido de registro nestas condições, deve indeferi-lo com base no art. 160, inciso I, do Código Civil, combinado com o art. 64, do CPI, por aproveitamento parasitário e fraude à lei”. (págs. 12/13).

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Henry K. Sherril (2004), por seu turno, após conceituar o parasitismo –

usurpação de marca famosa em produtos sem afinidade com o produto original,

como seria o caso de usar Brastemp ou Varig em uma marca de sapatos, para

favorecer-lhe as vendas (exemplo citado pelo autor) –, alegou que tal indeferimento

de uma marca pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, antes da

vigência da Lei 9.279/96, era feito, sim, com base no art. 160, I do Código Civil de

1916, mas ao argumento de que tais pedidos consistiriam em exercício irregular do

direito de petição. Por consequência, ainda segundo o autor, essa tese não

funcionava bem para reprimir o mero uso de uma marca famosa alheia em

segmento diverso do mercado, sem que fosse pleiteado o seu registro perante

aquela entidade. Quando houvesse o depósito do pedido da marca parasita, teria

lugar o abuso do direito de petição. Mas quando o registro não fosse pleiteado pelo

imitador, não haveria direito algum para ser exercido em excesso, não sendo

possível aplicar o art. 160, I, o que gerava dificuldades para reprimir tal modalidade

de aproveitamento. Após constatar tal fato, o autor conclui pela necessidade de se

alterar a Lei 9.279/96, a qual deveria passar a prever expressamente o parasitismo

entre não concorrentes.

Apesar do acerto de algumas conclusões feitas pelo autor acima citado, não

se pode concordar plenamente com a assertiva de que o Instituto Nacional da

Propriedade Industrial – INPI indeferia os pedidos de registro de marcas famosas

alheias em ramos econômicos diferentes exclusivamente sob o argumento de abuso

do direito “de petição”. Como se observou no parecer de Gusmão (1994), então

Presidente da autarquia, o indeferimento se justificava pela via da fraude à lei e do

abuso do direito, mas não relativamente ao direito meramente instrumental de

peticionar (art. 5º, XXXIV, da Constituição), e sim ao direito substancial de utilizar um

signo distintivo no mercado.

E não poderia ser diferente. Não faria sentido a legislação proibir o registro da

marca parasita, mas permitir-lhe o uso caso não viesse a ser levada a registro.

Como se observou em capítulo anterior, impera no sistema marcário brasileiro o

regime atributivo, corporificado no art. 129 da Lei 9.279/96, o qual preceitua que “a

propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as

disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o

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território nacional”. Noutros termos, para que o uso de uma marca seja considerado

regular e oponível erga omnes como uma exclusividade, há que passar pelo registro

diante do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Deste modo, mostrar-

se-ia enormemente incoerente reconhecer a ausência de direito ou o abuso do

direito de depositar administrativamente um pedido de marca na autarquia, mas

entender existente o direito de utilizar tal marca sem levá-la a registro.

Também se reportando aos casos de aproveitamento de marcas famosas

analisados pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI em sede de

registro de marcas, e citando o mesmo parecer de Gusmão, manifestou-se Luiz A.

de Carvalho (1994, p. 46), que assumiu a missão de averiguar se seria possível

aproximar ambos os conceitos, de concorrência desleal e aproveitamento

parasitário, de modo a admitir-se que o último também se enquadraria como uma

espécie da primeira. A conclusão foi positiva:

[...] podemos concluir que aquele princípio geral – “repressão à concorrência desleal” – aplica-se não só na relação direta da concorrência, mas, também, sempre que o resultado do trabalho, dos esforços e dos investimentos que, em última análise, se traduzem na fama, no bom conceito da marca, estiver sendo usurpado. Vistos todos esses aspectos, decorre a conclusão de que inobstante ter estado originariamente relacionado com a competição direta de mercado, o instituto da “repressão à concorrência desleal” evoluiu de modo a coibir qualquer situação de possibilidade de prejuízos à reputação do estabelecimento, seja em que segmento for.

Contudo, certo da importância dos estudos e da tendência observada

especialmente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, o autor

manteve em alta conta a caracterização do aproveitamento parasitário como sendo

abuso do direito, só ressaltando que a aplicação das teorias do abuso do direito e da

fraude à lei ainda geravam grande celeuma (CARVALHO, 1994). E isso se devia

notadamente à influência do Direito Francês, que não os recepcionou em sua

máxima potência – dificuldade essa que, se não se extirpou de vez, diminuiu

significativamente com a evolução do novo capítulo referente aos atos ilícitos no

Código Civil de 2002.

Fato é que com a técnica legislativa adotada pelo novo Código Civil, vestindo-

se o aproveitamento parasitário da roupagem recente do abuso de direito, tal como

construído pelo novel art. 187, permite-se contornar a dificuldade encontrada no

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116

passado pelos investigadores dessa modalidade de ilicitude, que achavam-na injusta

mas falhavam na tentativa de enquadrá-la no conceito de abuso do direito: esse

sentimento de injustiça é precisamente a situação reprimida pelo art. 187 do Código

Civil, o exercício de um direito contrariando um standard de conduta socialmente

desejado, mas não estampado expressamente em lei como comportamento ilegal.

Em termos práticos, com o advento do art. 187 do Código Civil de 2002 –

estruturado como cláusula geral, diferentemente do art. 160, I da codificação anterior

– e o amadurecimento do entendimento acerca do abuso do direito, fornece-se ao

juiz a possibilidade de assim decidir uma situação de parasitismo, quando entender

ter lugar, no caso concreto, uma conduta contrária ao standard que era esperado de

um empresário no trato com a sua clientela e com os demais agentes econômicos.

E duas importantes consequências do reconhecimento do aproveitamento

parasitário como sendo abuso do direito são a irrelevância do elemento anímico do

agente – eis que a concretude do ato abusivo independe de culpa ou dolo – e

mesmo do elemento dano – que nem sempre terá lugar em casos de parasitismo.

Obviamente, tal exercício de concreção do juiz não poderá ser realizado de maneira

leviana ou pouco fundamentada, razão pela qual a produção de provas redobra a

sua importância, assunto que, entre outros, será abordado no capítulo seguinte.

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5 REPRESSÃO AO APROVEITAMENTO PARASITÁRIO

Diante de uma situação de parasitismo econômico, resta ao empresário que

teve imitado símbolo identificador de seu empreendimento, produtos ou serviços,

recorrer ao Judiciário.

Vários são os casos de aproveitamento parasitário que já passaram pela

Justiça Brasileira, mas as decisões não são uníssonas. Verifica-se assim algumas

tendências, que foram resultado da análise de diversos julgados.

5.1 Parasitismo nos tribunais

Foi no Judiciário da França, indubitavelmente, onde o parasitismo mais se

desenvolveu, desde a criação do conceito de aproveitamento parasitário, na década

de 50 (GALAN, 2008, p. 162). Contudo, como observa Estelle Derclaye (2007, p. 90-

92), várias foram as mudanças de rumo nas últimas décadas no Judiciário daquele

país, coexistindo várias decisões contraditórias. No arremate da autora (2007, p. 92,

tradução nossa):

Em conclusão, a situação na França não é clara. As decisões mais recentes da Corte de Cassação condenam o parasitismo, mas à vista de outras recentes decisões contraditórias, o status do ilícito do parasitismo é incerto. Além disso, apesar de a maioria das cortes baixas ser favorável à repressão ao parasitismo, elas permanecem divididas. Uma vez que a França tem uma longa tradição a favor da repressão do parasitismo, é bem provável que esse ilícito permaneça vivo.1

E Sebastien Petit (2002, p. 53-54, tradução nossa) relata que a jurisprudência

francesa, diante da “imperiosa necessidade de punir os aproveitamentos ‘contrários

aos usos honestos do comércio’”, evoluiu para flexibilizar o princípio da

1 In conclusion, the situation in France is unclear. The Court of Cassation’s most recent decisions

condemn parasitism but in view of its other recent conflicting decisions, the status of the tort of parasitism is uncertain. Additionally, although the majority of the lower courts are in favour of preventing parasitism, they remain split. As France has a long tradition in favour of the prevention of parasitism, it is very likely that the tort is still alive.

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especialidade, abarcando não somente marcas de alto renome, “[...] mediante o

alargamento da noção de produtos ou de serviços ‘similares‘”2.

No Brasil, em virtude da pouca quantidade de casos levados ao Judiciário,

percebe-se em geral uma grande confusão conceitual, salvo poucas exceções, com

ausência de domínio das definições de aproveitamento parasitário, violação contra

marcas registradas, concorrência parasitária, concorrência desleal, marca de alto

renome e marca notoriamente conhecida.

Por vezes o aproveitamento parasitário é citado como sinônimo de violação à

propriedade de marca e concorrência desleal. É o caso, por exemplo, do julgado

abaixo, em que enfrentaram-se os titulares das marcas “Leite de Rosas” e “Cheiro

de Rosas”, cuja parte da ementa ora se transcreve:

Marcas Alegação de colidência. Igual cheiro de rosas. Aproveitamento parasitário configurado. Nulidade. Proibição do inciso VI, art. 124, da LPI. Pedido de aplicação de multa para obrigar à abstenção do uso da marca. Redução. Provimento parcial. - Aproveitamento parasitário da marca da Autora devidamente configurado, quer pelo uso de expressão verbal próxima quer pelo emprego do mesmo tipo de letras estilizadas e pelo uso do desenho da rosa, similar às marcas e produtos da Autora, conhecidos do mercado desde 1941 [...] - Apelação parcialmente provida, invertidos os ônus da sucumbência. (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Ap. Cível 2003.51.01.511874-4/RJ).

Ora, se as duas empresas em contenda eram efetivas concorrentes no

mercado de perfumaria e produtos de beleza, limpeza e higiene, não era necessária

a invocação da teoria do aproveitamento parasitário. A colidência entre marcas

similares para identificar produtos competidores no mercado implica em violação à

exclusiva, podendo se caracterizar tanto como crime contra as marcas ou ilícito civil.

Há igualmente espaço para a aplicação da repressão à concorrência desleal

propriamente dita, mas não para o aproveitamento parasitário, que só se observa

entre não concorrentes. No mesmo sentido o julgamento do caso envolvendo as

marcas “Martini” e “Fratini”:

2 [...] l’impérieuse nécessité de sanctionner les agissements « contraires aux usages honnêtes du

commerce » sans cesse croissants a conduit la jurisprudence à s’efforcer d’étendre – par un élargissement de la notion de produits ou de services « similaires » - le principe de la spécialité.

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Propriedade Industrial. Ação de nulidade de registro de marca. Colidência com marca notoriamente conhecida. Leis nºs 5.772/71 e 9.279/96. - A marca Martini de titularidade da autora ostenta notoriedade, merecendo, pois, proteção diferenciada das marcas comuns, a fim de evitar o aproveitamento parasitário, o qual configura-se como um exercício irregular do direito que pode ocasionar dano à reputação da marca afamada e um enriquecimento sem causa por parte da empresa-ré. - Remessa necessária e apelações interpostas pelo INPI e pela empresa ré, improvidas. (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Ap. Cível 1999.51.01.007407-1/RJ),

Se as duas bebidas alcoólicas acima relatadas disputam o mesmo mercado, a

cópia da marca famosa registrada por outra empresa induz em violação à

propriedade da marca e, consequentemente, concorrência desleal, e não na

modalidade de parasitismo existente entre agentes não concorrentes. O mesmo

julgado acima transcrito ainda aproxima o conceito de aproveitamento parasitário ao

de marca notoriamente conhecida, esta que possui regime de proteção específico,

sendo dispensável a sustentação na tese do parasitismo.

Desta forma, a imprecisão conceitual dificulta o trabalho do pesquisador, uma

vez que, embora constando a expressão “aproveitamento parasitário” nas ementas,

nos relatórios e nos votos de vários acórdãos, em muitos casos a contenda avaliada

gira em torno de outros institutos de proteção do ativo imaterial da empresa, que não

o parasitismo havido entre agentes que não se encontram em uma relação de

competição.

Mas há casos de típico aproveitamento parasitário apreciados pelo Judiciário.

A maioria deles foi julgada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por se tratar

de ações visando à nulidade de registro de marca concedido pelo Instituto Nacional

da Propriedade Industrial - INPI3.

Bons exemplos de ações que culminaram no reconhecimento do parasitismo

econômico havido entre marcas de empresas atuantes em segmentos

mercadológicos distintos foram os casos envolvendo as marcas registradas

“Bubblicious” e “Bubbaloo”, de titularidade das empresas Warner-Lambert Company

e Warner-Lambert Indústria e Comércio Ltda., no setor de gomas de mascar e

produtos alimentícios do tipo balas e confetes.

3 Por estar tal autarquia federal sediada no Rio de Janeiro, e normalmente figurar como ré em tais

processos (em alguns casos passando a assumir a posição de mera assistente do polo passivo), aquele é o foro competente para tais julgados.

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A primeira ação (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Ap. Cível

2002.02.01.010302-1/RJ) foi movida contra a empresa Collection Indústria de

Cosméticos Ltda., que utilizava a mesma expressão “Bubblicious” para caracterizar

produtos de perfumaria e de higiene e artigos de toucador em geral. Embora o voto

da relatora tenha sido negativo, no sentido de inexistência de aproveitamento

parasitário, o voto vencedor confirmou a ocorrência do ilícito do parasitismo, ao

entender que a aplicação da mesma expressão para caracterizar gomas de mascar

e produtos destinados ao público infantil (perfume, sabonetes etc.) – linhas

consideradas afins pelo desembargador que proferiu o voto –, gerava um “vínculo

psicológico” nos consumidores, uma indevida associação, que não poderia ser

aprovada pelo Direito:

Propriedade industrial e processo civil. Marca. Idêntica denominação. Diferentes classes. Colidência. Anulação do registro concedido. Perdas e danos. Abstenção de uso da marca. Justiça Federal. Incompetência. A vedação ao aproveitamento parasitário de fama e marca alheia, constante da lei de propriedade industrial, abrange não apenas produtos idênticos, mas, que guardem afinidade, a qual deve ser vista em termos de mercado consumidor. A norma de regência visa a resguardar, acima de tudo, os consumidores. Há que procurar, sempre, prevenir a possibilidade de confusão entre os consumidores. Sob o ponto de vista da responsabilidade civil, os eventuais danos advindos da utilização indevida da marca devem ser apreciados na esfera estadual. Portanto, é a Justiça Federal incompetente para apreciar tal pleito. Apelação provida parcialmente.

No caso da famosa marca “Bubballo” (BRASIL, Tribunal Regional Federal da

2ª Região, Ap. Cível 2000.02.01.002579-7/RJ), a Indústria Arcor Distribuidora de

Papéis e Miudezas Ltda. obtivera o registro da mesma marca e a utilizava para

caracterizar produtos consistentes em preparados para lavanderia, produtos e

instrumentos de limpeza, produtos de perfumaria e de higiene e artigos de toucador

em geral. A ementa do acórdão é bastante elucidativa, ao afastar o princípio da

especialidade das marcas mesmo não consideradas de alto renome pelo Instituto

Nacional da Propriedade Industrial – INPI e ressaltar a ocorrência de aproveitamento

parasitário:

Direito Comercial. Propriedade Industrial. Anulação de registro de marca. Colidência com marca notoriamente conhecida. Leis nº 5.772/71 e 9.279/96. Convenção da União de Paris. Legitimidade passiva ad causam do INPI.

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I - A marca em questão – “BUBBALOO” – possui registro em nome das apeladas na classe 33 (“doces, pós para fabricação de doces, açúcar e adoçante em geral”) e o registro que se pretende anular, em nome da apelante, foi efetuado na classe 03 (“produtos de limpeza e higiene doméstica, humana e veterinária, bem como produtos de perfumaria, de toucador e cosméticos”). Assim, ainda que as referidas empresas dediquem-se a segmentos distintos do mercado, não se aplica, no caso, o princípio da especialidade para possibilitar a coexistência das marcas, ante a notoriedade da marca “BUBBALOO”, da parte autora, ainda que não se considere marca de alto renome, mas merecendo esta proteção diferenciada das marcas comuns e, em tal sentido, configura-se o aproveitamento parasitário, como um exercício irregular do direito que pode ocasionar dano à reputação da marca afamada e um enriquecimento sem causa por parte da empresa-ré. II - O pedido formulado é o de declaração de nulidade de registro de marca concedido pelo INPI à empresa-ré. Ora, em se verificando que o registro foi concedido pelo INPI, logicamente é de se concluir no sentido da sua legitimidade passiva, pois somente o INPI poderá mandar publicar a declaração de nulidade do registro nos periódicos apropriados, levando em conta a possível cassação da decisão administrativa proferida anteriormente. III – Apelação conhecida e parcialmente provida, para determinar a reintegração do INPI ao pólo passivo da demanda.

Outro interessante caso de aproveitamento parasitário é o da Yahoo! Inc.,

empresa renomada de exploração de sites de Internet e ferramentas ligadas às

novas tecnologias em rede. Ela ajuizou em Piracicaba – SP ação contra uma

empresa brasileira de exportação de produtos alimentícios que produzia e

comercializava uma goma de mascar intitulada “Yahoo!” – que fora por esta última

empresa registrada como marca na Argentina –, visando à paralisação das vendas e

reparação de perdas e danos, com pedido de tutela antecipada. A decisão

interlocutória que julgou o pedido de concessão da liminar entendeu ausentes os

requisitos para tanto, permitindo que a empresa ré continuasse a explorar a goma de

mascar enquanto corria a ação.

Indignada com a decisão, Yahoo! Inc. interpôs em 2002 agravo de

instrumento perante o Tribunal de Justiça de São Paulo (Ag. de Instrumento

239.154-4/5-00), o qual foi acatado, ao argumento de que a marca Yahoo! era

considerada de alto renome no Brasil, ganhando assim a proteção expandida

prevista no art. 125 da Lei 9.279/96:

A marca ostentada por uma das agravantes é de alto renome e merece a proteção especial catalogada nos arts. 125 e 126 do texto legal supra referido, aliado à circunstância de que a eficácia de registros de marcas que não sejam notoriamente conhecidas ou de alto renome é territorial, vale

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dizer, o registro em prol da agravada obtido na Argentina autoriza que a fabricação de seu produto seja operado naquele país.

Além de indicar a marca Yahoo! da empresa homônima como sendo marca

de alto renome, a decisão que julgou o agravo de instrumento também entendeu ter

lugar no caso o aproveitamento parasitário, como se observa:

Ademais, pelo menos por ora, os atos praticados pela agravada caracterizam o chamado "aproveitamento parasitário", tal como adequadamente expendido pelas agravantes, qual seja, o aproveitamento da fama e difusão de uma determinada marca num especificado seguimento (sic) do mercado com o intuito de atribuir a um produto as qualidades, fama e valor da marca ostentada pelas agravantes.

Na sentença, contudo, o juiz rejeitou os argumentos da Yahoo! Inc., negando

provimento à ação, o que levou a empresa a apresentar recurso de apelação (SÃO

PAULO, Tribunal de Justiça de São Paulo, Ap. Cível 348.366.4/4-01). Não teve,

contudo, sucesso nessa fase, eis que os desembargadores entenderam que a

marca Yahoo!, embora famosa entre os internautas brasileiros, não era dotada de

fama tal a ponto de ser considerada de alto renome, nos termos do art. 125 da Lei

de Propriedade Industrial. Nada disseram os desembargadores, todavia, a respeito

da tese do aproveitamento parasitário de marcas. Abaixo o extrato mais significativo

do voto do desembargador relator:

A marca Yahoo não exerce um acentuado magnetismo, uma extraordinária força atrativa sobre o público em geral, indistintamente, elevando-se sobre os diferentes mercados e transcendendo a função a que se prestava primitivamente, projetando-se apta a atrair clientela pela sua simples presença (artigo 2º da Resolução 121/2005 [do INPI, que trata das marcas de alto renome]). Na realidade está jungida a uma atividade específica, sem maior dimensionamento ou espraiamento. Doutro turno, agora considerando os requisitos do artigo 4º, da mesma Resolução referida, é importante salientar que a fração do público não-usuário, imediata e espontaneamente, não a identifica como os produtos ou serviços a que ela se aplica, nem a identifica como marca, essencialmente, pela sua tradição e qualificação no mercado. Como assinalado, o âmbito da Yahoo é o da internet, e nesses limites é que não se lhe pode negar a notoriedade. Porém, o alto renome é inviável que lhe seja conferido. Irrelevante a visitação das páginas Yahoo a partir dos usuários brasileiros na Internet, salientado pelo perito (f 2277), porque isto só revela sua divulgação, circunscrita a esse setor, o que é insuficiente para o alto renome. Em vista do exposto, a sentença está certa. A notoriedade da marca não impede que em outro nicho de atividade seja utilizada [...]

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E adiante, no mesmo acórdão, o TJSP manifestou-se no sentido de que “não

se delineia prejuízo algum à autora”. E, por fim, no voto vencedor, da lavra do

desembargador Silvério Ribeiro:

Contudo, não se pode dizer que a autora possui marca de alto renome para os fins ora pretendidos, ou seja, para alcançar outros ramos de atividade [...]. Dessa forma, não há colidência de interesses, visto ser outro o ramo de atividade da ré.

Curiosamente, a ação sofreu uma guinada repentina em sede de embargos

de declaração movidos pela empresa Yahoo! contra o acórdão acima (SÃO PAULO,

Tribunal de Justiça, Emb. Declar. 348.366-4/8-03), cuja ementa é agora transcrita:

Ementa: Embargos de Declaração - Alegação de omissão - Afastamento - Ressalva, porém, quanto à impossibilidade de comercialização do produto de fabricação da embargada (goma de mascar) no território nacional, por força do princípio que veda o enriquecimento indevido, já que, assim, haveria aproveitamento parasitário do signo distintivo das embargantes - Embargos acolhidos em parte.

No voto (Emb. Declar. 348.366-4/8-03), uma rápida remissão à doutrina do

aproveitamento parasitário:

Apontam, ainda, as embargantes que o uso da marca YAHOO pela embargada caracteriza um verdadeiro "aproveitamento parasitário", o qual não pode ser convalidado pelo Tribunal. Convém que se faça aqui breve digressão sobre o tema objeto da irresignação das embargantes. O aproveitamento parasitário pode ser caracterizado como o exercício irregular de um direito que ocasione dano à reputação, ao prestígio da marca afamada num determinado seguimento de mercado e, de outro lado, representa permitir o enriquecimento sem causa por parte daqueles que se valem da boa fama e valor do signo conhecido. Nessa modalidade, o parasita se aproveita de um elemento atrativo da clientela de terceiro que, no mais das vezes não é seu concorrente direto, sem a intenção de prejudicar e desviar a clientela, porém se enriquecendo ilicitamente graças ao esforço e trabalho do empreendimento daquele [...] É o que a Suprema Corte norte-americana simplificou no aforismo "Nobody can to reap he was not sown" ("Ninguém tem o poder de colher onde não plantou").

E, por fim, trazendo à tona o abuso do direito e o enriquecimento sem causa,

ambos revigorados pelo novo Código Civil (que sequer estava operante quando do

ajuizamento da ação):

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O ato parasitário, por se tratar de ilícito, pode importar em um dever de indenizar o prejudicado, questão que se subsume aos expressos termos do art. 187 do Código Civil, assim redigido "também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes". O art 884 do Código Civil, ao dispor sobre o enriquecimento sem causa, é claro no sentido de que "aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários". Alegaram as embargantes que a embargada está utilizando na embalagem de seu produto aspectos visuais idênticos aos da sua marca, inclusive com o ponto de exclamação ao final (YAHOO!), aproveitando-se parasitariamente do bom nome e da notoriedade que a sua marca possui no mercado para atrair consumidores. (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça, Emb. Declar. 348.366-4/8-03).

Os desembargadores de São Paulo entenderam que no caso concreto

relatado não teve lugar o aproveitamento parasitário, em razão de a goma de

mascar, embora produzida no Brasil, ser comercializada exclusivamente em território

argentino – a ação foi julgada com base na notoriedade da marca no Brasil,

unicamente, sem ultrapassar as fronteiras do País. Contudo – e aí está o maior foco

de interesse – anunciaram (Emb. Declar. 348.366-4/8-03) que se por acaso a goma

de mascar viesse a ser comercializada no Brasil, estar-se-ia diante de uma situação

de efetivo aproveitamento parasitário:

Dessa forma, se eventualmente a empresa Arcor vier a comercializar o produto questionado no território nacional, incidirá na proibição do uso da marca, por força do princípio que veda o enriquecimento indevido, já que haverá aproveitamento parasitário a ensejar possível reparação na esfera civil inclusive.

O deslinde desta ação demonstra a relevância do tema tratado na presente

pesquisa. Não é fácil a um empresário ter uma marca de sua titularidade

considerada como de alto renome. Como visto, tal status foi negado pelo Judiciário a

uma marca da magnitude da Yahoo!, que possui grande fama atualmente no mundo.

E há importantes casos em que o ilícito do parasitismo entre não concorrentes

não foi reconhecido pelos tribunais. Um exemplo clássico é o envolvendo a marca

“Suzuki”, que, embora utilizada por longas décadas por empresa estrangeira para

caracterizar uma linha bastante particular de veículos automotores, passou a ser

utilizada no Brasil para identificar equipamentos agrícolas. Não se observou nesse

caso, no entendimento dos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 2ª

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Região (Ap. Cível 2001.02.01.019450-2/RJ), possibilidade de confusão ou

associação das marcas entre os consumidores:

Propriedade Industrial. Anulação do registro de marca alheia. Inocorrência de colidência. lei nº 9.279/96. - A legislação marcária veda o registro de marca colidente com uma marca anteriormente registrada, sendo imprescindível que a similitude entre as marcas seja capaz de gerar confusão ou associação indevida pelo consumidor entre produtos afins de diferentes origens, bem como prejuízo para a reputação da marca original. Inteligência do artigo 124, inciso XIX da Lei nº 9.279/96. - Tratando-se de produtos que não são expostos à venda no mesmo estabelecimento comercial e que possuem destinação completamente distinta, qual seja, produtos destinados à agricultura e produtos destinados ao transporte rodoviário e urbano, não há como o consumidor ser induzido a erro, confusão ou à associação indevida quanto à origem dos produtos, não havendo que se falar em colidência de marcas, nem na hipótese de concorrência desleal. - Aproveitamento parasitário ocorre quando há aproveitamento do renome e da fama de marca alheia, e a autora não apresentou provas de que há concorrência desleal, ou captura de seu prestígio pela marca pertencente à segunda ré. - Recurso improvido. Sentença confirmada.

O caso a seguir também foi apresentado ao Judiciário como sendo uma

situação de aproveitamento parasitário. A empresa titular da marca “Chicletes”

ajuizou ação contra empresa atuante em área econômica diversa (roupas e

utensílios de vestuário) que passou a adotar a e obteve o registro da marca

“Chicletes com Banana”. Apesar de a primeira marca ser considerada de alto

renome pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, tal decretação se

deu posteriormente ao depósito do pedido da segunda marca na autarquia, o que

inviabilizou o pleito de nulidade desta última (objeto da ação judicial) com base no

art. 125 da atual Lei de Propriedade Industrial. Afastado esse primeiro fundamento

da ação – a proteção estendida da marca de alto renome a todos os ramos

econômicos –, por uma questão meramente temporal (o reconhecimento do alto

renome da marca “Chicletes” não poderia retroagir no tempo, impedindo o depósito

anterior da marca “Chicletes com Banana”), e impossibilitada de utilizar a teoria da

concorrência desleal, por não atuarem as duas empresas em um mesmo filão

mercadológico, restou à titular da goma de mascar anunciar o fato como sendo

aproveitamento parasitário. O Tribunal Federal da 2ª Região (Ap. Cível

1999.51.01.004037-1/RJ), contudo, entendeu inexistir o tal parasitismo, por

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supostamente não ter ficado comprovados nem a confusão entre as duas marcas,

nem o beneficiamento que a marca de roupas teria com a associação à marca

utilizada no ramo alimentício:

Propriedade Industrial. Incompetência da Justiça Federal. Pleitos envolvendo particulares. Pedido de declaração de “marca notória” posterior ao pedido de registro da marca impugnada. Classes diversas. Interpretação do artigo 67 da lei 5.772/71. Aproveitamento parasitário. Não comprovado. - A Justiça Federal é absolutamente incompetente para dirimir disputas que se dão exclusivamente entre empresas particulares. - Tendo o registro impugnado sido requerido junto ao INPI em data anterior ao pleito de declaração de marca notória, não há que se falar em ilegalidade do ato da autarquia que concedeu o registro anulando. - Não tendo as autoras apresentado provas de que há concorrência desleal, ou captura de seu prestígio pela marca pertencente à segunda ré, a qual designa produtos de classes diversas, afasta-se a alegação de aproveitamento parasitário. Apelação da Autora não provida. Sentença confirmada.

Também o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Ap. Cível 1.0024.06.092058-

4/002-1) se debruçou recentemente sobre um caso em que se alegava a ocorrência

de parasitismo entre as expressões “Oi” – marca registrada (“Oi Mãe”) e marca

depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI (“Oi”) – e “Oia”,

utilizada para caracterizar o nome empresarial da ré e seu nome de domínio

(www.oia.com.br). Não foi, contudo, reconhecida a existência do aproveitamento

ilícito, por não ter ficado caracterizado por meio das provas produzidas a confusão

ocasionada pela coexistência das duas marcas, uma no setor de serviços de

telefonia, e outra no de desenvolvimento de páginas de Internet.

Os exemplos acima relatados – ainda são poucos os casos de

aproveitamento parasitário propriamente dito julgados no Brasil – demonstram que o

entendimento do instituto do parasitismo ainda se encontra em estado de plena

construção e sistematização, e o resultado positivo ou negativo das ações judiciais

depende da avaliação de cada caso concreto e da forma como os processos são

conduzidos no Judiciário, especialmente quanto à produção probatória.

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5.2 Responsabilidade civil

No que respeita aos pedidos normalmente aventados em ações onde se

alega a ocorrência de aproveitamento parasitário, é comum a praticamente todas

elas a solicitação do efeito imediato de cessação do parasitismo.

A maioria das ações do gênero apresentadas à Justiça Brasileira tem por

escopo principal a anulação do registro concedido pelo Instituto Nacional da

Propriedade Industrial – INPI à marca que supostamente consiste em uma imitação.

Tais ações normalmente são resultado do indeferimento anterior de um recurso

administrativo similar apresentado no âmbito daquela autarquia.

Consequência direta do pleito de cessação da conduta parasitária, a multa

diária para o caso de descumprimento (continuidade do ato parasitário) costuma ser

um acessório indispensável às sentenças e acórdãos que julgam favoravelmente

ações desse tipo. É o que se verificou, por exemplo, nos casos envolvendo as

marcas “Bubballo” (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Ap. Cível

2000.02.01.002579-7/RJ) e “Leite de Rosas” (BRASIL, Tribunal Regional Federal da

2ª Região, Ap. Cível 2003.51.01.511874-4/RJ), acima referidas.

Mas se a cominação de multa diária para o caso de descumprimento do

mando judicial de cessação do ato parasitário parece ser uma consequência direta

dos julgados que entendem presente o aproveitamento parasitário, no que toca à

condenação em indenização os acórdãos e sentenças divergem significativamente

entre si.

O estabelecimento de indenização em ações envolvendo violação de

Propriedade Intelectual já é costumeiramente um assunto pouco fluido nos tribunais.

Mesmo nos casos de apropriação de marcas registradas por agentes que se

encontram em relação de concorrência direta, a liquidação das perdas e danos é

tema sinuoso.

Infelizmente, um grande número de decisões antigas e mesmo recentes nega

o pedido indenizatório ao autor da ação, lesado pelo uso indevido de bem integrante

de seu patrimônio imaterial, ao argumento de que não restou comprovado o efetivo

prejuízo. Eis duas decisões a esse respeito:

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Propriedade Industrial. Colidência de marcas. Art. 65 da lei n- 5.772/71. Código de Propriedade Industrial. Impossibilidade de coexistência pacífica entre as marcas “Lilly Baby” e “Lillo” destinadas a identificar os mesmos produtos. Colidência não só fonética, mas visual, inclusive no que tange a embalagens. Possibilidade de confusão. Proteção contra concorrência desleal e ao direito dos consumidores. Impossibilidade de se fixar uma indenização justa para a questão, já que o apelante não trouxe nenhuma prova de prejuízo sofrido com tal coexistência de marcas, não podendo caracterizar-se o prejuízo presumido. Apelo parcialmente provido. (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Ap. Cível 97.02.35491-9).

____

Administrativo - Propriedade Industrial - Marcas "COKDOG e COKDOB" - uso das expressões "COKE e COCA-COLA" - Colidência. Anulação de registro [...] Tratando-se de marcas reconhecidamente notórias, há que ser anulado o registro da marca “CODOB”, em face do disposto no artigo 65, n. 17, do C.P.I, que veda o registro de marcas idênticas ou semelhantes para produtos pertencentes a ramos de atividades afins, ou relativos, como se verifica na hipótese [...] Indemonstrado na fase de conhecimento qualquer perda por parte das autoras em razão do uso indevido da marca pela 1ª Ré, descabe o pedido de indenização. (BRASIL, Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Ap. Cível 94.02.04622-4).

Tais decisões revelam uma grande impotência do Judiciário no controle e

repreensão aos abusos cometidos contra bens intelectuais, ocasionando a

insurreição de grande parte dos doutrinadores que lecionam sobre Propriedade

Intelectual, a exemplo de Tinoco Soares (2003b, p. 1621):

Em razão de todo o exposto cremos que de nada valem os preceitos legais que impõem a proibição da continuidade do uso do objeto ou do produto contrafeito, com o subseqüente pagamento das perdas e danos se estes, quando não devidamente apurados, levantados e confirmados no processo de conhecimento, venham a ser negados. Melhor seria que tivessem como alternativa uma ressalva, isto é, que na dificuldade da comprovação efetiva houvesse uma fixação de um valor por perícia contábil sob o mando de uma “estimativa”.

O autor, não obstante discorde dos julgados dessa natureza, tece algumas

sugestões aos advogados militantes na área, para evitar maiores dissabores em

juízo, como, por exemplo, não medirem esforços para comprovar, já no módulo de

conhecimento, todos os danos sofridos por seus clientes:

A prudência recomenda que na fase do conhecimento o interessado procure, desde logo, solicitar e justificar ao juízo o concurso do perito judicial para proceder ao levantamento contábil da empresa autora e na ré, com o objetivo de comprovar as perdas e danos sofridos. Se, eventualmente, esse pedido de perícia contábil for denegado pelo juiz, deverá procurar demonstrar por seus próprios meios ou através de

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estimativas, de gráficos, de levantamentos contábeis particulares, etc., o que “perdeu ou razoavelmente deixou de lucrar”, tal como dispõe o Código Civil em seu artigo 1.059 [...]. (SOARES, 2003, p. 1618).

Em confronto com as decisões que negam indenizações por ausência de

comprovação de danos em fase de conhecimento, vem se consolidando nos

tribunais pátrios, em casos de violação de direitos de Propriedade Industrial, a tese

de que a ocorrência de danos é presumida, independentemente da efetiva

comprobação de prejuízos ou lucros cessantes pelo autor da ação, já no primeiro

módulo processual. Assim, vêm surgindo sentenças e acórdãos que, embora

imponham ao violador uma condenação de pagamento de indenização, não a

quantificam, relegando tal tarefa à fase de liquidação de sentença. Vale transcrever

a ementa de um desses julgados, provindo do Superior Tribunal de Justiça (REsp

101059/RJ):

Marca. Dano. Prova. Reconhecido o fato de que a ré industrializava e comercializava produto “Sabão da Costa”, marca registrada da autora, que também fabricava e vendia o mesmo produto, deve-se admitir conseqüentemente a existência de dano, pois a concorrência desleal significou uma diminuição do mercado.Restabelecimento da sentença, na parte em que deferira a indenização de 5% sobre o valor de venda do produto, nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, ficando relegada para a liquidação a simples apuração desse valor.

E essa outra, da lavra da Ministra Nancy Andrighi (BRASIL, Superior Tribunal

de Justiça, REsp 466761/RJ):

Direito Comercial e Processo civil. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Propriedade industrial. Marca. Contrafação. Danos materiais devidos ao titular da marca. Comprovação. Pessoa jurídica. Dano moral. - Na hipótese de contrafação de marca, a procedência do pedido de condenação do falsificador em danos materiais deriva diretamente da prova que revele a existência de contrafação, independentemente de ter sido, o produto falsificado, efetivamente comercializado ou não. - Nesses termos considerados, a indenização por danos materiais não possui como fundamento tão-somente a comercialização do produto falsificado, mas também a vulgarização do produto, a exposição comercial (ao consumidor) do produto falsificado e a depreciação da reputação comercial do titular da marca, levadas a cabo pela prática de falsificação. - A prática de falsificação, em razão dos efeitos que irradia, fere o direito à imagem do titular da marca, o que autoriza, em conseqüência, a reparação por danos morais. - Recurso especial a que se dá provimento.

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Vale conhecer os comentários feitos por Marcelo Goyanes (2007, p. 98) ao

último acórdão referido:

Nada mais justo considerando o terrível quadro social vigente, do que uma necessária evolução interpretativa. Concluindo seu voto no julgamento do Recurso Especial 466.761/ RJ, a Ministra Andrighi, que foi acompanhada em julgamento unânime da Turma, deu procedência ao recurso para condenar a recorrida em danos materiais, a serem apurados em liquidação de sentença, com fundamento na violação ao artigo 209, da Lei 9.279/96, e também danos morais, por ter reconhecido que a vulgarização do produto e a depreciação da reputação comercial do titular da marca constituem elementos suficientes a lesar o direito à imagem do seu titular.

Tais decisões consistem, definitivamente, em um significativo avanço no

julgamento de ações envolvendo a Propriedade Intelectual. Colocam-se, por assim

dizer, entre as decisões mencionadas acima – que denegam a condenação de

indenização ao simples argumento de não haver na fase processual de

conhecimento comprovação de prejuízo –, e as decisões tidas por ideais em casos

de parasitismo. Essas últimas, ainda nos casos em que se constate não haver

prejuízo da vítima, se ocupam de inquirir qual o lucro auferido pelo enriquecido, com

vistas a averiguar se haveria alguma importância a ser restituída ao lesado.

Verdade é que sobre o tema já se manifestava, décadas atrás, João da Gama

Cerqueira (1982, p.1130-1131):

A simples violação do direito obriga à satisfação do dano, na forma do art. 158 do CC, não sendo, pois, necessário, a nosso ver, que o autor faça provas dos prejuízos no curso da ação. Verificada a infração, a ação deve ser julgada procedente, condenando-se o réu a indenizar os danos emergentes e os lucros cessantes (CC 1.059), que se apurarem na execução. E não havendo elementos que bastem para se fixar o quantum dos prejuízos sofridos, a indenização deverá ser fixada por meio de arbitramento, de acordo com o art. 1.553 do CC. De outra forma, raramente o dono de marca contrafeita logrará obter a condenação do infrator, nem a reparação dos danos resultantes da contrafação, a qual, na grande maioria dos casos, se limita ao pagamento das custas e honorários de advogado, os quais, por sua vez, são parcamente arbitrados pelo juiz, ficando quase sempre abaixo do que realmente o autor despende para defender a sua marca.

Tal método processual de quantificação dos danos em fase de liquidação de

sentença é merecedor de aplausos. De fato, exigir do titular do bem violado que

comprove, já na fase de conhecimento da ação judicial, além da violação de seus

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direitos – o que por si só já é deveras complexo –, quanto efetivamente perdeu e

deixou de ganhar em razão do ilícito, afigura-se como uma exigência sobremodo

onerosa, e contrária aos princípios da celeridade e da economia processuais.

Não obstante se possa observar uma evolução no que diz respeito à

condenação pecuniária dos violadores de bens intelectuais que integram o

aviamento empresarial – marcas e nomes empresariais, por excelência –, quando

adstritos a uma relação de concorrência, o mesmo não se pode dizer quando se

apresenta ao Judiciário um caso de parasitismo entre não concorrentes. Perquire-se

se em casos dessa natureza existiria de fato algum tipo de prejuízo ao titular do

símbolo copiado, uma vez que, tendo lugar o parasitismo fora da órbita da

concorrência por um dado mercado, não haveria, a princípio, afetação da clientela.

Há, contudo, fervorosos defensores do entendimento de que, sim, o titular do

símbolo apropriado por um empresário que não é seu concorrente sofre

significativos prejuízos, decorrentes da chamada “diluição” do poder atrativo da

marca:

Há ainda outra questão, a da erosão da distintividade ou diluição da marca, em que buscamos subsídio no direito norte-americano. Pode-se traçar interessantes paralelos entre a teoria da concorrência parasitária, as normas relativas à propaganda comparativa e a doutrina da diluição do direito norte-americano. Diluição no sentido da doutrina norte-americana é a perda de distintividade de um símbolo pelo seu uso indevido por terceiro em produtos fora do escopo de colidência do produto original. Deste modo, quanto mais forte a marca, quanto mais distintiva, quanto mais famosa, mais perniciosa é a diluição que pode atingi-la. A doutrina tem utilizado diversos termos para descrever o bem protegido e os efeitos da diluição: clarity (clareza de uma marca), uniqueness (singularidade), memorability (facilidade de fixação) para descrever os atributos da marca paradigma, blurring (embotamento ou falta de nitidez, tarnishment (maculação) para descrever alguns efeitos da diluição.(SHERRILL, 2004, p. 44).

Também Luiz A. de Carvalho (1994, p. 46) aventa a possibilidade da diluição,

citando julgado adventício:

Com efeito, o foco da análise dos tribunais em diversos países, até mesmo envolvendo marcas francesas (in re “Tattinger and others v. Allbev and others – UK/Court of Appeals” – 17.7.1993), tem sido direcionado, primordialmente, para a possibilidade de prejuízos graduais e inevitáveis decorrentes da diluição do caráter distintivo e peculiar do símbolo comercial.

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No mesmo sentido:

Uma outra marca, idêntica ou similar, mesmo que para produtos diversos pode ocasionar a maculação da marca na medida em que ofende a sua natureza moral, isto acontece quando a marca passa a ser associada pelo seu público consumidor a uma outra marca de um produto de baixa qualidade ou que ofenda os princípios da moralidade. (LOPES, 2007, p. 64).

A defesa de que mesmo em situações de aproveitamento parasitário existe a

ocorrência de danos, embora louvável e sofisticada, nem sempre ganha a simpatia

dos juízes brasileiros. Se em casos típicos de concorrência desleal e violação de

marcas registradas a teoria da diluição não se mostra unânime, o fato de inexistir

disputa de uma mesma clientela e, por conseguinte, inocorrer – mesmo

potencialmente – o desvio desta, costuma se apresentar como óbice quase

intransponível à condenação do violador em um quantum pecuniário.

O advogado Marcelo Leite da Silva Mazzola (2004, p. 46) desenha esse

quadro, iniciando sua exposição com a apresentação de um caso elucidativo:

Tomemos como exemplo um caso real: infratores inauguraram recentemente um bar temático em São Paulo denominado "MERCEDES CAFÉ". A competente ação judicial com pedido de liminar já foi ajuizada e atualmente aguarda-se uma decisão do Juiz que preside a causa com relação à medida de urgência pleiteada. Pois bem, qual seria a base legal para o pedido de indenização, considerando que a titular da marca MERCEDES não atua na área de bares e restaurantes e nem tem a intenção de atuar? O que a proprietária da marca deixou de ganhar?

Segundo o advogado, na grande maioria dos casos não é acatado o pleito

indenizatório, justamente pelo fato de os envolvidos não atuarem no mesmo

segmento do mercado, o que torna difícil “aceitar uma alegação de perda de ganho

esperável ou de frustração da expectativa de lucro, ou ainda de diminuição potencial

do patrimônio da vítima” (MAZZOLA, 2004, p. 46). É o mesmo autor (2004, p. 46-47)

quem conclui:

Evidentemente, tal entendimento não pode ser aplicado aos casos de aproveitamento parasitário. Primeiro, porque nessa modalidade não há desvio de clientela, e segundo, porque pode ocorrer que o produto ou serviço identificado com a marca afamada seja de ótima qualidade, não comprometendo, assim, o renome do titular da marca consagrada (o que pode se discutir é a possibilidade de diluição da marca).

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Da mesma forma, não há que se falar em lucros cessantes, pois no caso em comento, como destacado, a titular da marca MERCEDES não deixou de ganhar nada e também não teve sua expectativa de lucro frustrada. Logo, tecnicamente, não poderiam ser aplicados os já citados artigos 208 e 210 da Lei nº 9.279/96, que regulam "lucros cessantes".

Assim, em geral tem pouca saída a tese de que haveria, com efeito, perdas e

danos ao titular que teve uma marca, um nome empresarial ou qualquer outro

símbolo identificador de seu empreendimento copiado por quem não seja seu

concorrente direto. Ato contínuo, raríssimas são as decisões judiciais que condenam

financeiramente os agentes parasitários.

Mas tal resultado não deixa de ser incoerente: apesar de reconhecida em

muitas ações a ocorrência de um ato antijurídico grave – se não fosse grave tais

decisões não imporiam a interrupção da utilização do símbolo copiado, o que resulta

em muitos casos na paralisação de toda uma linha de produção –, não há sanção

propriamente dita ao infrator. Poder-se-ia até mesmo dizer que o ilícito do

aproveitamento parasitário é dos mais atrativos aos mal intencionados, eis que, se

detectado, o único risco imputável ao infrator é ter de parar de agir contrariamente

ao Direito, sem quaisquer retaliações mais severas.

É com vistas a corrigir tal contrariedade que ganha importante espaço a tese

do enriquecimento sem causa, notadamente de sua espécie enriquecimento sem

causa por intervenção em patrimônio alheio.

5.3 Enriquecimento sem causa

Após várias décadas a visitar os tribunais, sob a roupagem de princípio geral

do direito, o enriquecimento sem causa hospedou-se definitivamente no Código Civil

de 2002, ocupando o art. 884 e os dois seguintes. Abandonou então a abstração

própria de princípio não positivado e materializou-se sob a forma de norma escrita,

como fonte autônoma de obrigações, dando sopro novo às possibilidades de sua

aplicação e, consequentemente, aos embates que giram em torno da compreensão

do instituto.

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A demora na positivação do enriquecimento sem causa é explicável, embora

não se justifique: o Código de Clóvis Beviláqua era sectário do Code Civile de

Napoleão, eixo central do Direito Civil francês, este que até hoje não recepciona de

forma plena tal instituto do Direito Privado. Preferiu o legislador brasileiro do século

passado acompanhar o francês, sem se atentar a toda uma construção dogmática

do enriquecimento sem causa, deveras mais evoluída, que já vinha sendo

trabalhada noutras terras, notadamente na Alemanha.

Mas o fato de ter abrigado o enriquecimento sem causa em três artigos – o

que, incontestavelmente, representa uma significativa evolução –, ainda não faz do

recente porta-estandarte do Direito Privado um ordenamento de todo moderno neste

ponto. Ao contrário, continua influenciado pelo modelo oitocentista, ao invés de

abraçar a tendência de exploração minuciosa e verticalizada desta modalidade de

enriquecimento censurável (LEITÃO, 2004).

Os operadores do Direito brasileiro ainda festejam a recente figura positivada

no ordenamento. Distraem-se com as possibilidades de sua aplicação, sem se

atentar, contudo, ao fato de que foi incompleta e lacunosa tal positivação. O

legislador pátrio lançou o enriquecimento sem causa em cláusula do tipo aberta de

difícil concreção, tratando-o como conceito jurídico indeterminado e inseriu, de forma

lacônica, a criticada restrição da subsidiariedade no art. 886. Por fim, não se ateve a

todas as suas espécies, tal como apregoam doutrinadores adventícios.

Quanto a esta última crítica, deveria o Código Civil ter tratado especificamente

daquilo que a doutrina tedesca comumente chama de enriquecimento sem causa

por intervenção em patrimônio alheio. Uma das principais características desta

espécie de enriquecimento desprovido de uma causa legítima é que ela independe

da verificação de um empobrecimento da vítima e, neste ponto, mostra-se deveras

atrativa ao estudo do aproveitamento parasitário, este que, como visto, em geral não

implica em prejuízo ao titular do bem apropriado sem autorização.

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5.3.1 Enriquecimento sem causa por intervenção

Uma das mais significativas evoluções no que respeita ao desenvolvimento

doutrinário do enriquecimento sem causa foi a sua divisão em espécies, cada qual

titular de características e pressupostos singulares. Nos dizeres de Luis Manuel

Teles de Menezes Leitão (2004, p. 26):

Outra concepção corresponde à doutrina da divisão do instituto do enriquecimento em categorias autônomas e distintas entre si. Essa doutrina tem essencialmente a sua origem nos trabalhos de Walter Wilburg e Ernst Von Caemmerer. A tese principal desses autores reside na divisão do instituto do enriquecimento sem causa em duas categorias principais: uma relativa a situações de enriquecimento geradas com base numa prestação do empobrecido e outra abrangendo as situações de enriquecimento não-fundadas na prestação, atribuindo se, nesta última, papel preponderante ao enriquecimento por intervenção.

Assim, o chamado enriquecimento sem causa por intervenção em patrimônio

alheio (Eingriffskondiktion) é uma dessas espécies. Tal modalidade, outrora não

abarcada pela compreensão clássica do instituto, veio a ser desenvolvida ao longo

dos anos pela doutrina alemã, sendo hoje recepcionada pelas mais diversas

legislações e por autores de várias nacionalidades.

Tem lugar quando da exploração de direitos absolutos – direitos reais de

propriedade, direitos de Propriedade Industrial, direitos autorais e direitos da

personalidade – por quem não seja o seu legítimo titular e sem contar com a

autorização deste. Por meio da ingerência não autorizada na propriedade alheia,

mediante uso, gozo ou fruição de um bem qualquer, obtém-se vantagem financeira;

todavia, como parece óbvio, tal enriquecimento só poderia ser atribuído ao seu

efetivo dono, dando, assim, lugar à restituição dos lucros obtidos indevidamente pelo

interventor. Assim se posicionou o catedrático lusitano acima referido:

As hipóteses mais comuns de enriquecimento por intervenção reconduzem-se às intervenções em direitos absolutos, como os direitos reais, os direitos autorais e da propriedade industrial, e os direitos de personalidade. No caso dos direitos reais, o uti, frui, abuti sobre a coisa cabe exclusivamente ao proprietário (art. 1.228), pelo que o gozo ou disposição por outrem não-autorizados legitimam sempre o titular a exigir a restituição por enriquecimento, embora não tenha sofrido qualquer prejuízo efetivo. No

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caso dos direitos autorais e da propriedade industrial, há igualmente uma atribuição exclusiva de um bem imaterial ao titular do direito correspondente, pelo que a ingerência não-autorizada pelo titular (publicação de uma obra alheia; utilização de patentes, modelos de utilidade ou marcas alheias) deverá permitir-lhe o recurso à ação de enriquecimento. Finalmente, quanto aos direitos de personalidade, o fato de, na atual sociedade econômica, ter-se vindo a verificar cada vez mais um aproveitamento comercial dos bens de personalidade implica o reconhecimento ao seu titular de um direito à restituição do enriquecimento obtido pela ingerência nesses bens sem autorização do respectivo titular (utilização do nome, imagem, ou divulgação de fatos relativos à vida privada doutrem com intuitos comerciais). Tal solução pode ser confirmada pelo fato de o art. 12 do Código Civil brasileiro admitir que a violação dos direitos de personalidade não apenas desencadeie perdas e danos, mas também outras sanções legais, entre as quais naturalmente se incluirá a restituição por enriquecimento sem causa. (LEITÃO, 2004, p. 29).

A teoria do enriquecimento sem causa por intervenção vem se espalhando

largamente, conquistando cada vez mais adeptos. Em Portugal, por exemplo, além

daquele acima referido, outros autores (CAMPOS, 2004) também passaram a

reconhecer amplamente a tese germânica, o que vem gerando reflexos nos julgados

recentes daquele país.

No Brasil, ganha ressonância a voz de alguns autores, como Maria Cândida

do Amaral Kroetz (2005, p. 164), que defende tal modalidade tão especial do

enriquecimento sem causa em sua Tese de Doutorado, afirmando que “um dos mais

fecundos campos de aplicação do enriquecimento sem causa é o dos bens

imateriais protegidos por um direito de exclusividade”. Também Cláudio Michelon

Júnior (2007) faz ricos apontamentos sobre o tema.

Tudo indica que o enriquecimento sem causa por intervenção em patrimônio

alheio vem se solidificando também no pensamento de autores brasileiros, sendo

verdadeiramente indispensável que a matéria seja difundida entre os estudantes e

juristas, para, assim, repercutir com mais frequência nos julgados.

5.3.2 Pressupostos do enriquecimento sem causa

Para que se possa compreender em sua completude a modalidade de

enriquecimento sem causa por intervenção, faz-se necessária a avaliação dos

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pressupostos específicos do gênero enriquecimento sem causa em si, tanto os tidos

por indispensáveis, quanto aqueles que, embora erigidos pela doutrina, pela

jurisprudência e, em alguns casos, inclusive inseridos em texto de lei, se afiguram de

menor importância, podendo ser até mesmo desconsiderados.

5.3.2.1 Pressupostos indispensáveis

Os pressupostos indispensáveis são, pois, o enriquecimento de um indivíduo,

o fato desse enriquecimento ter-se dado à custa de outrem – no caso da modalidade

de intervenção, isso ocorre pela ingerência não autorizada em seu patrimônio –, e a

ausência de causa legítima para tanto. Na síntese de Maria Cândida Amaral Kroetz

(2005, p. 76):

Para a configuração de um enriquecimento sem causa apto a gerar uma obrigação de restituição é necessária a presença concomitante de três elementos: um enriquecimento; a ausência de causa e a obtenção à custa de outrem. A coexistência destes fatores é relativamente rara, o que talvez explique o pequeno número de decisões judiciais que tenham por base o enriquecimento sem causa que, a priori, parece ser uma regra de grande abrangência.

De fato, não há como se aplicar, no caso concreto, tal instituto se inexistir o

enriquecimento de um indivíduo, sendo este, portanto, o seu primeiro pressuposto.

O ato ilícito que só gere efeitos negativos à esfera patrimonial ou moral da vítima e

que não implique em lucratividade patrimonial para o ofensor, não é alcançado pelo

enriquecimento sem causa.

Em seguida, a doutrina normalmente aponta que o enriquecimento deve ter

ocorrido à custa do legítimo titular desse direito. No caso do Eingriffskondiktion, tal

enriquecimento decorre, como visto, da exploração indevida de um direito absoluto

alheio, i.e. mediante a exploração desautorizada de um direito de autor, direito da

personalidade ou direito de propriedade material ou industrial. Contudo, como bem

lembra o mesmo autor lusitano:

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A aplicação do enriquecimento por intervenção não é, no entanto, restrita aos direitos absolutos, podendo abranger posições jurídicas de outra natureza, de que examinaremos a posse, a proteção contra a concorrência desleal, o denominado “direito à empresa” e a oferta de prestações contra retribuição. (LEITÃO, 2004, p. 29).

E mais adiante ele consolida sua opinião:

É discutível se pode-se aplicar o enriquecimento por intervenção em caso de obtenção por um concorrente de vantagens patrimoniais em resultado da violação de uma norma relativa à proteção contra a concorrência desleal. As normas destinadas à proteção da concorrência em geral não permitirão a aplicação desse instituto, uma vez que, se tal acontecesse, haveria uma multiplicidade de pretensões de enriquecimento, sem possibilidade de determinar a qual concorrente deveria ser efetuada a restituição. No caso, porém, de a norma violada se destinar a proteger apenas interesses individuais, de cuja proteção o concorrente pudesse abdicar contra remuneração, parece que a intervenção não-autorizada legitima o recurso à ação de enriquecimento. Assim, a aplicação do enriquecimento por intervenção vem a ser limitada a certas infrações, como os atos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento ou os produtos concorrentes, as falsas afirmações realizadas com o fim de desacreditar um concorrente, ou a utilização de segredos negociais alheios. (LEITÃO, 2004, p. 29).

Por fim, se mostra como elemento fundamental do instituto a ausência de

causa legítima para tal enriquecimento. Noutros termos, se nada no ordenamento

jurídico o legitima, se os ganhos decorrem da prática de ato ilícito ou do exercício

abusivo de um direito, está-se diante de um caso de enriquecimento sem causa.

Lado outro, se o enriquecimento advier de uma relação jurídica perfeita havida entre

o titular de um bem e o enriquecido, ou decorrer de um direito legítimo deste último,

exercido com retidão – sem se configurar o abuso do direito –, estar-se-á diante de

uma causa a validar o lucro obtido, não dando ensejo à aplicação da tese do

locupletamento ilícito.

Não são poucos os autores que se voltam à hercúlea tarefa de definir o que

vem a ser a causa legítima do enriquecimento. Arrisca-se reafirmar neste ponto que

será injusto o enriquecimento que decorrer do cometimento de ato ilícito, i.e. da

violação de um direito subjetivo alheio4, ou do exercício abusivo de um direito.

Assim, no primeiro caso, se a lei considera como uma violação a exploração sem

4 Considera-se na abrangência do termo “ato ilícito” tanto aquela situação de ilicitude geral descrita

pelo art. 186 do Código Civil, quanto os ilícitos específicos previstos na legislação, como é o caso da violação à propriedade das marcas, regulada pela Lei de Propriedade Industrial.

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autorização de tais bens e direitos por quem não seja o seu proprietário, como

consequência lógica tem-se que o enriquecimento daí decorrente é ilegítimo. No

segundo caso, na hipótese de o titular de um direito ultrapassar, quando vier a

exercê-lo, os limites sociais previstos na cláusula geral do Código Civil (art. 187), e

isto ocasionar o seu enriquecimento, este último será considerado como ilegítimo.

É importante frisar, neste ponto, que nem toda exploração, sem autorização,

de bem integrante da Propriedade Intelectual alheia, é considerada enriquecimento

sem causa. Se, por acaso, essa utilização for expressamente autorizada pelo

ordenamento jurídico, há causa legítima para a exploração, não tendo lugar o

enriquecimento sem causa. Nessa situação não houve sequer abuso no exercício de

um direito. É o que acontece, por exemplo, com os casos em que a exploração de

uma obra literária, artística ou científica se situe no âmbito das hipóteses que o

legislador taxou como “limitações aos direitos autorais” (art. 46 da Lei 9.610/98)5.

5.3.2.2 Pressupostos reducionistas

Outros pressupostos são ainda apontados por alguns autores e

constantemente vêm expostos em sentenças e acórdãos. Todavia, eles não devem

ser considerados em sua plenitude, notadamente quando o objeto é o

enriquecimento por intervenção, por não estarem em sintonia com a mais moderna

dogmática do enriquecimento sem causa. Refletem, ao contrário, um pensamento

retrógrado, fruto de uma época em que não se encontrava tão evoluído o direito das

obrigações.

5 Na realidade, a grande parte das hipóteses que o legislador taxativamente considera como

limitações aos direitos autorais prevê, para a sua configuração, a ausência de lucro da parte do explorador da obra. Mas há casos em que pode haver lucro, sem que ele seja considerado ilegítimo. É o que acontece com “a reprodução, na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos” (art. 46, I da Lei 9.610/98). Ou então “a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores” (art. 46, II).

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São os seguintes os elementos reducionistas, assim designados porque, na

ausência de um deles, supostamente restaria invalidada a aplicação do

enriquecimento sem causa: a culpa do enriquecido, a necessária imediação, a

subsidiariedade do enriquecimento sem causa e o empobrecimento da vítima.

A esse respeito, assim se posiciona Maria Cândida do Amaral Kroetz (2005,

p. 98):

Nesse panorama foram forjados alguns requisitos para o enriquecimento sem causa que se revelam insustentáveis numa análise mais acurada. Constituem, em última análise, uma vã tentativa de reduzir o âmbito de aplicação do enriquecimento sem causa. Da visão que o compara à responsabilidade civil surgiu a exigência do empobrecimento e de ausência de culpa da pessoa à custa de.quem o enriquecimento ocorreu. Do falso temor de que o enriquecimento sem causa se torne um fator potencialmente subversivo do direito positivo vigente originaram-se os requisitos da subsidiariedade da ação de enriquecimento e da exigência de imediação.

Assim, inicialmente, ao contrário do que alegam determinados autores, não

causa qualquer efeito inibitório à obrigação de restituir o valor obtido à custa de

outrem, a ausência de culpa por parte do enriquecido. Até mesmo quando este

último não tenha atuado diretamente na situação que lhe proporcionou o

enriquecimento, por exemplo, quando o ganho patrimonial é decorrente de ato

exclusivo de terceiro – inclusive do próprio titular do direito, como no caso do

pagamento indevido –, ainda assim deve honrar-se a devolução do valor

ilegitimamente auferido. Especificamente em se tratando de enriquecimento sem

causa por intervenção em patrimônio alheio, ainda que o aproveitamento de um

direito absoluto de outrem seja realizado acidentalmente, tem lugar a obrigação de

restituição dos lucros eventualmente auferidos.

Já que a devolução dos ganhos injustos tem lugar mesmo nas hipóteses em

que não tenha o enriquecido agido culposamente, também será cogente essa

restituição nos casos em que ele não tenha participado diretamente da ação que o

beneficiou financeiramente. O fato de o enriquecimento ter sido ocasionado por ato

exclusivo de terceiro não exime o enriquecido de devolver o que auferiu ao

proprietário do bem explorado, no caso do enriquecimento por intermediação,

eliminando-se, deste modo, o pressuposto hipotético da exigência de imediação.

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Tal entendimento se encontra em perfeita sintonia com os defensores do

abuso do direito como sendo hipótese de antijuridicidade objetiva, tema tratado

alhures nesta pesquisa. Observou-se que, diferentemente do ato ilícito, o exercício

abusivo de um direito independe da intenção ou do grau de culpa do agente, sendo

caracterizado pelo simples fato de haver contrariado a boa-fé e os bons costumes

(limites externos) ou os fins econômicos ou fins sociais daquele específico direito

(limites internos).

Outro elemento reducionista que ocasiona grandes dificuldades interpretativas

é a subsidiariedade, preconizada pelo art. 886 do novo Código. Tal regra foi inserida

no capítulo que trata do enriquecimento sem causa numa tentativa de represar tal

instituto, evitando deste modo a sua proliferação irrefreada para as mais diversas

áreas. Assim, dispôs o legislador que não caberá ao lesado fazer uso do

enriquecimento sem causa se a lei conferir-lhe “outros meios de se ressarcir do

prejuízo sofrido”. Nessa ótica, a restituição do que foi auferido sem justa causa pelo

enriquecido seria o derradeiro recurso a que poderia valer-se o lesado, caso nenhum

outro instituto do Direito ou fundamento jurídico se sobrepusesse.

Contudo, se tal artigo fosse interpretado na literalidade, o enriquecimento sem

causa, enquanto fonte autônoma de obrigações – e não como princípio geral

negativo, como standard de conduta – praticamente não teria aplicação no direito

brasileiro:

Uma análise mais cuidada do regime do enriquecimento sem causa permite, porém, concluir que a denominada “regra da subsidiariedade” não tem um alcance absoluto. A ação de enriquecimento não parece pressupor que o empobrecido tenha perdido a propriedade sobre as coisas obtidas pelo enriquecido, pelo que ela pode concorrer com a reivindicação. Também é manifesto que a ação de enriquecimento poderá concorrer com a responsabilidade civil, sempre que esta não atribua uma proteção idêntica à da ação de enriquecimento. Não parece assim que a regra do art. 886 consagre uma subsidiariedade geral da ação de enriquecimento, mas antes uma incompatibilidade de pressupostos entre as situações referidas e essa ação. Efetivamente, se a lei determina a subsistência do enriquecimento é porque lhe reconhece justa causa e, se atribui algum direito ao empobrecido em conseqüência da situação ocorrida, fica excluída a obtenção de enriquecimento à custa de outrem. Não parece existir, por isso, uma verdadeira subsidiariedade do enriquecimento sem causa, funcionando muitas vezes a invocação de tal regra como um “cripto argumento”, destinado a evitar uma utilização desproporcionada da cláusula geral do art. 884. (LEITÃO, 2004, p. 25).

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Há autores brasileiros que adotam posição mais radical, entendendo ser

mesmo totalmente inaplicável o mencionado requisito reducionista. Nesse sentido

Maria Cândida do Amaral Kroetz (2005, p. 109):

Assente nosso posicionamento de que a subsidiariedade é um conceito inteiramente supérfluo, resta um questionamento: qual seria o alcance e significado do artigo 886 do Código Civil Brasileiro [...]. Ousa-se dizer que o dispositivo legal não encontra argumentos fáticos ou dogmáticos que possam sustentar sua aplicabilidade. Note-se, inclusive, que o linguajar utilizado é inapropriado porque mencionam-se o lesado e o prejuízo que são expressões típicas da responsabilidade civil. Na ação de enriquecimento não se busca recompor lesão ou prejuízo, mas somente restituir um enriquecimento verificado.

De fato, ampliar ao extremo a aplicação deste suposto empecilho faria cair

por terra o enriquecimento sem causa enquanto fonte autônoma de obrigações,

tornando-o absolutamente inócuo. Todavia, isso não significa que a regra da

subsidiaridade deva ser completamente desconsiderada. Ao contrário, parece que

ela tem sua razão de ser, se aplicada coerentemente. Cláudio Michelon Júnior

(2007, p. 259), por exemplo, faz interessantes elucubrações acerca de uma

aplicação comedida deste curioso pressuposto reducionista do enriquecimento sem

causa, seguindo a solução francesa moderna.

Ao presente trabalho interessa mais a análise da regra da subsidiariedade

tendo em mente o confronto – em realidade inexistente – entre o enriquecimento

ilícito e a responsabilidade civil. Noutros termos, como se apurar o valor a se pagar à

vítima quando ocorrerem simultaneamente lucros auferidos com o expediente ilegal

e danos suportados por aquela? Contudo, dadas as controvérsias decorrentes de tal

equação, merecerá ela tópico próprio, adiante.

Por fim, parte significativa da doutrina brasileira aponta como um dos mais

importantes requisitos do enriquecimento sem causa a ocorrência de um prejuízo

proporcional no patrimônio da vítima, o que é conhecido como “doutrina do duplo

limite”, amplamente disseminada especialmente na França e na Itália. Entre os

autores brasileiros de escol, Caio Mário da Silva Pereira (1993, p. 205) já se

posicionava no sentido de ser obrigatória a ocorrência do empobrecimento

concomitante, perfilhando a orientação francesa:

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Assim é que, segundo a jurisprudência francesa, exigem-se cinco condições para que se considere o enriquecimento sem causa fonte de obrigações: 1.º) o empobrecimento de um e o correlativo enriquecimento de outro; 2.º) ausência de culpa do empobrecido; 3.º) ausência do interesse pessoal do empobrecido; 4.º) ausência da causa; 5.º) subsidiariedade da ação de locupletamento (de re im verso), isto é, ausência de uma outra ação pela qual o empobrecido possa obter o resultado pretendido.

E tal entendimento não se restringiu aos autores clássicos, abarcando

inclusive alguns modernos. Em seu artigo sobre o tema, José Roberto de Castro

Neves (2006, p. 206-208) assim se posiciona:

Verifica-se o enriquecimento sem causa se presentes (a) a vantagem patrimonial; (b) o empobrecimento, de outra ponta, que se verifica na perda de patrimônio; (c) nexo causal, isto é, no liame entre o enriquecimento de um e o empobrecimento de outro; (d) e, por fim, a ausência de causa. Haverá enriquecimento sem causa se presente esse nexo causal entre a vantagem e a perda do patrimônio de duas pessoas, sem uma causa jurídica geradora que justifique essa alteração [...] [...] Outro elemento fundamental do enriquecimento sem causa é a perda patrimonial de alguém. A vantagem experimentada por um deve corresponder a um prejuízo sofrido por outrem. O deslocamento sem uma justificativa aceita pelo universo jurídico caracteriza o enriquecimento sem causa. A perda pode dar-se pela efetiva diminuição do patrimônio, ou pela privação de obter um ganho (adota-se, aqui, uma analogia aos lucros cessantes e aos danos emergentes, ensina Agostinho Alvim).

Também em grande parte dos casos o Judiciário brasileiro considera como

um dos requisitos do enriquecimento sem causa o empobrecimento sincronizado da

vítima, este que, caso não observado no caso concreto, faz cair por terra a

pretensão restituitória.

E esse ponto merece uma abordagem mais incisiva. Isto porque na maioria

dos casos em que há aproveitamento parasitário por meio de elementos de

identificação alheios, embora normalmente ocorra enriquecimento do parasita (este

é, afinal, o seu objetivo), inexiste dano ao titular do bem copiado, por não ter tido

lugar o desvio de clientela. Assim, numa conclusão precipitada, chegar-se-ia à

máxima de que nunca se aplicaria o enriquecimento sem causa às situações de

parasitismo entre não concorrentes.

Todavia, embora na maioria das situações em que ocorra o enriquecimento

sem causa de uma parte coincida o empobrecimento consequente de outra, isso não

impera como uma regra inquebrantável. Autores brasileiros contemporâneos,

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seguindo orientação advinda da Alemanha, têm se posicionado no sentido de ser

mesmo dispensável o empobrecimento da vítima, mormente em se tratando de

casos de aproveitamento de direitos absolutos alheios. É o caso de Cláudio

Michelon Júnior (2007, p. 199):

É comum, por exemplo, que a intervenção no direito de outrem não gere qualquer dano ao titular do direito, como nos casos em que o enriquecimento decorre do uso de um bem pertencente a outrem sem que haja diminuição do valor do bem ou lucro cessante. Exemplificativamente, pense-se no seguinte caso: se alguém, durante um certo período de tempo, e sem o consentimento do proprietário, utiliza como depósito de materiais um terreno que o proprietário comprovadamente não pretendia utilizar durante esse período, e se a utilização não diminui o valor do terreno, não se configuram os pressupostos da responsabilidade civil presentes nos arts. 186 e 187 c/c 927 e 931, pois não há nem dano emergente, nem lucro cessante.

Essa inteligência foi também compactuada pelos juristas reunidos na I

Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho

da Justiça Federal, quando publicaram o enunciado 35 (2002): “A expressão

'enriquecer-se à custa de outrem' do CC 884 não significa, necessariamente, que

deverá haver empobrecimento”.

Na mesma direção caminhou Maria Cândida do Amaral Kroetz (2005, p. 84):

Ao contrário, o enriquecimento sem causa cuida de remover o enriquecimento verificado. A lei determina a restituição de uma vantagem ou aumento injustificado de um patrimônio, sem se preocupar com a eventual perda ou diminuição noutro, sendo que este “empobrecimento” não é essencial à constituição da obrigação de restituir. O dano do empobrecido é em princípio indiferente à lei e pode nem ter ocorrido; em todo caso, a remoção deste prejuízo é indireta – resulta ‘por tabela’ da remoção do enriquecimento. O enriquecimento sem causa não supõe a identidade exata entre o perdido por um e obtido por outro.

Também Orlando Gomes (2007, p. 301) em seu manual faz breve menção à

desnecessidade de ocorrência de empobrecimento da vítima nos casos de

enriquecimento sem causa: “predomina hoje o entendimento de que não é precisão

diminuição de valor no patrimônio do autor da ação, como no direito alemão”.

Nos tribunais brasileiros, tal entendimento já se vê aplicado em determinados

casos, embora esporadicamente. É o que se observa no julgado abaixo, do Tribunal

de Justiça de Minas Gerais (Ap. Cív. 1.0024.05.829904-1/001), que, pelo trato que

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dá à matéria, apesar de não lidar com violação a bens de Propriedade Intelectual, é

merecedor de aplausos:

Apelação - Ação ordinária - Cheques emprestados - Repasse a terceiros pelo beneficiário - Ausência de pagamento ao emitente - Restituição cabível - Princípio da vedação ao enriquecimento sem causa - Não compensação - Irrelevância. 1- O dever de restituição, discriminado no art. 884 do CC, fundamenta-se no princípio da conservação estática dos patrimônios, razão por que, para que se configure, basta a identificação da vantagem do enriquecido e da utilização de bem de terceiro, ou intervenção em sua esfera jurídica, sem causa que a justifique [...] É bom lembrar que, embora a pretensão indenizatória exija a identificação de uma lesão na esfera jurídica do ofendido, que guarde nexo de causalidade com o ato do agente provocador, a restituição, por sua vez, se fundamenta no princípio da conservação estática dos patrimônios, razão por que, para que seja deferida, basta a identificação da vantagem do enriquecido e da utilização de bem de terceiro, ou intervenção em sua esfera jurídica, sem causa que a justifique.

Entre os letrados lusitanos que defendem a dispensabilidade do

empobrecimento concomitante destacam-se o já citado Luis Manoel Teles de

Menezes Leitão (2004, p. 26), “a base do instituto do enriquecimento não reside na

deslocação patrimonial sem causa jurídica, mas antes numa ação contrária ao

direito [...]”, e também Júlio Manoel Vieira Gomes (1998, p. 224):

Se, contudo, não houver o cuidado de precisar que a deslocação patrimonial não supõe a identidade exacta entre o perdido por um e o obtido por outro, e muito menos requer que se trate de uma coisa corpórea que se desloca fisicamente de um patrimônio para outro, ou se não tiver plena consciência de que o famoso empobrecimento não corresponde ao conceito de dano em sede de responsabilidade civil, mas é porventura, muito mais amplo, corre-se o risco de atrofiar consideravelmente o enriquecimento sem causa e de o converter num “parente pobre”, numa caricatura ou imitação da responsabilidade civil.

Também há recentes julgados dos tribunais de Portugal nesse sentido, o que

comprova o fortalecimento desta linha de pensamento, como ressalta Joel Timóteo

Ramos Pereira (2003):

Contudo, a mais recente jurisprudência tem entendido não ser necessariamente necessária a prova do empobrecimento. Conforme decidiu a Relação de Lisboa (Ac. 05.12.1996, BMJ, 462, p. 478), “O direito contra o enriquecimento sem causa visa directamente remover o enriquecimento, sendo indirecto e eventual o objectivo da remoção do dano daí resultante. O que provoca a reacção de lei é a vantagem ou aumento injustificado do

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património do enriquecido e não a possível perda ou diminuição verificada no património do empobrecido pelo facto de o direito perdido não ter chegado a entrar no património do enriquecido. O princípio geral do artigo 473.º do Código Civil teoriza – ‘enriquecer à custa de outrem’ e não ‘enriquecer à custa’ do empobrecimento ‘de outrem’; o que conta, não é assim o empobrecimento da vítima por causa da lesão patrimonial, como acontece na responsabilidade civil, mas sim o enriquecimento injusto à custa de outrem. Sob esse prisma, o empobrecimento aqui será de presumir em resultado de interesses que inspiram a vida comum, ponderadas as máximas de experiência comum’”.

5.3.3 Comparação com responsabilidade civil

Como alhures afirmado, defende-se que o enriquecimento sem causa é um

efeito decorrente de uma conduta antijurídica, e não um caso de ilegalidade

suficiente em si mesmo. Decorrerá, portanto, ou de uma conduta enquadrada como

ato ilícito (art. 186 do Código Civil) ou do exercício abusivo de um direito (art. 187).

Será resultado de um ato ilícito quando o enriquecimento ilegal advier da

violação a um direito subjetivo alheio, assim reconhecido pelo ordenamento jurídico.

É o caso, por exemplo, do enriquecimento decorrente da exploração de elementos

intelectuais alheios, devidamente protegidos. Assim, a violação a direitos autorais é

reprimida tanto por legislação específica, as conhecidas Lei de Direitos Autorais (Lei

9.610/98) e Lei do Software (Lei 9.609/96), quanto pelo Código Penal, em seu art.

184. Já em relação aos direitos de Propriedade Industrial, como marcas, patentes,

modelos de utilidade, a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) torna defesa,

tanto em âmbito civil, quanto criminal, a sua exploração sem autorização do titular.

Será decorrência de abuso do direito, por outro lado, quando, embora

aparentemente exercendo um direito pessoal que lhe é garantido pelo ordenamento,

o enriquecimento de uma pessoa puder ser considerado abusivo, i.e., contrário ao

fim econômico ou social, à boa fé ou aos bons costumes.

Paralelamente ao enriquecimento sem causa, um determinado ato poderá

simultaneamente ocasionar danos ao titular do direito. É importante frisar que nem

sempre essas duas figuras, ou esses dois efeitos – enriquecimento sem causa e

responsabilidade civil, entendida como o dever de indenizar – aparecerão juntas.

Retornando à Propriedade Intelectual, nem toda violação a direitos autorais ou de

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Propriedade Industrial importará em obtenção de ganhos pecuniários pelo violador,

i.e., nem sempre que houver violação dos referidos direitos – ato ilícito – estar-se-á

diante de uma situação de enriquecimento sem causa. Cita-se como exemplo o caso

de realizar-se uma modificação, mediante um ato de vandalismo, em um quadro

pintado por outrem, exposto publicamente. Não há, nesse caso, lucro a quem

cometeu tal ação. A casos tais, não se aplica, por óbvio, o instituto do

enriquecimento sem causa.

O enriquecimento sem causa limita-se, deste modo, às hipóteses que, além

de serem consideradas violações a direitos alheios ou atos abusivos, ocasionem

enriquecimento ao violador. Tomando por referência o ativo intangível da empresa,

os exemplos são muitos: pirataria de produtos, plágio de obras, imitação de marca

alheia para potencializar as vendas de um determinado bem – ainda que não

concorrente –, utilização indevida, por terceiros, de invenção devidamente

registrada, cópia de título de estabelecimento comercial ou nome empresarial,

mesmo por empresas atuantes em segmentos distintos, entre tantas outras

situações.

Resta claro que a ocorrência tanto de um dos efeitos, enriquecimento sem

causa, quanto do outro, responsabilidade civil, ocasiona ao enriquecido e ao

responsável pelo ilícito, respectivamente, a obrigação de pagar algo a quem foi

prejudicado por sua conduta. Entretanto, podem surgir dúvidas sobre como apurar

tal valor a ser pago à vítima quando tiverem lugar simultaneamente as duas figuras.

É mister desde já afastar a aplicação da regra da subsidiariedade, prevista no

art. 886 do Código Civil, numa abrangência absoluta, no sentido de ser incompatível

a restituição pelo enriquecimento sem causa quando coexistente com a obrigação

de pagamento de uma indenização por ato ilícito. Tal tema já foi tratado em tópico

anterior, não restando dúvidas quanto à possibilidade de aplicação conjunta do

enriquecimento sem causa e da responsabilidade aquiliana, por se tratarem de

institutos não conflitantes.

Impõe-se, portanto, uma vez diante de um caso de violação de direitos que

tenha ocasionado rendimentos ao violador, que se apurem tanto as perdas e danos

da vítima, conforme art. 402 do Código Civil, quanto os lucros obtidos pelo agente.

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Ultrapassada esta primeira fase6, os valores encontrados deverão ser postos um

diante do outro. Chega-se às seguintes opções:

a) Se por acaso as perdas e danos sofridos pela vítima forem superiores ao

enriquecimento da parte praticamente do ilícito, esta última deverá pagar

tão-somente aquele primeiro valor. Assim, tanto o violador terá restituído

aquilo que lucrou, quanto a vítima terá acobertado os danos emergentes e

lucros cessantes por si experimentados, tendo sido plenamente – e

corretamente – aplicados os institutos da responsabilidade aquiliana e do

enriquecimento sem causa;

b) Se, contudo, as perdas e danos da vítima não atingirem em termos

pecuniários os ganhos obtidos pelo violador com a operação, este deverá

pagar àquela tudo o que lucrou. Nessa hipótese foram aplicados,

igualmente, os dois institutos em comparação, afinal, a vítima teve seu

patrimônio restabelecido e o praticamente do ilícito devolveu seus

rendimentos;

c) Por fim, havendo equivalência entre os lucros do violador e as perdas da

vítima, pagará aquele a essa tal valor, mas não em duplicidade. Da

mesma forma que nas hipóteses anteriores, no exemplo houve aplicação

dos dois institutos do Direito Privado, tendo o violador devolvido o que

enriqueceu injustamente, e a vítima obtido reparação daquilo que

efetivamente perdeu. Nada mais justo.

Isso se mostra coerente com a regra prevista no art. 886 do Código Civil, que

determina a não aplicação do enriquecimento sem causa quando existente no

ordenamento outros meios de se ressarcir o prejuízo sofrido pelo lesado.

Entre nós, assim se coloca Maria Cândida do Amaral Kroetz (2005, p. 132)

sobre a forma de apuração da quantia a ser repassada à vítima:

6 Reconhece-se, contudo, não ser tarefa simples a apuração e quantificação em juízo de qualquer

desses elementos, danos da vítima e lucros do violador. A esse respeito, cf. Denis Borges Barbosa (2008).

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A questão que se coloca neste momento é a de se saber qual instituto jurídico seria suficiente para dar fundamento à pretensão do titular do bem de exigir o lucro da intervenção. Ocorre que a responsabilidade civil, entendida como geradora da obrigação de reparar um dano, nem sempre revela-se suficiente para justificar a restituição de um lucro, ainda que ilicitamente obtido, quando este é superior ao dano provocado. E é neste ponto que o enriquecimento sem causa surge como a ferramenta compatível com a resposta a ser dada pelo ordenamento jurídico ao problema formulado, máxima quando concebido sem o requisito do empobrecimento correspondente.

E mais adiante finaliza seu raciocínio:

Assim o é porque a intervenção ou ingerência culposa na esfera jurídica alheia comumente gera um dano ao titular do direito e a conseqüente obrigação de indenizar para o interventor, desde que verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil, nos termos do artigo 927 do Código Civil. Ocorre que nos quadros da responsabilidade civil a “indenização mede-se pela extensão do dano” (art. 944 do Código Civil) e assim o titular do direito não poderá exigir do interventor mais que a indenização do dano concreto sofrido, ou seja, da diferença para menos que vier a existir em seu patrimônio. Esta solução revela-se adequada e suficiente para os casos em que o lucro gerado pela intervenção for inferior ou igual ao dano, ante o princípio da compensatio lucro cum damno, pois o ressarcimento do dano acaba por absorver o eventual lucro obtido, que não era um verdadeiro lucro, mas um acréscimo patrimonial temporário que viria a ser absorvido pela necessidade de ressarcimento dos danos gerados para a sua obtenção. (KROETZ, 2005, p. 132).

Este entendimento é o esposado pelo art. 210 da Lei de Propriedade

Industrial (Lei 9.279/96)7, o qual, embora fazendo menção genérica a “lucros

cessantes”, trata no inciso II de situação própria do enriquecimento sem causa, e,

por essa razão, pode ser usado como referência toda vez que se estiver diante de

um ato ilícito que tenha ocasionado lucros ao seu praticante:

Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado8, dentre os seguintes: I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou

7 Denis Borges Barbosa (2008) lembra que tal artigo é decorrência de critérios construídos pela Corte

Suprema Alemã no julgamento do caso Ariston, em 08/06/1895, o que levou o dispositivo a ser conhecido como “método Ariston”.

8 Denis Borges Barbosa (2008) faz severa crítica à regra de que, diante de violações a bens da propriedade industrial ou concorrência desleal, o critério a ser adotado é aquele que se apresenta mais benéfico ao prejudicado, acusando-a de destoar de todo o sistema jurídico, este que sempre tende a proteger o réu.

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III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.

Comentando o mencionado dispositivo legal, assim se pronunciou Maria

Cândida do Amaral Kroetz (2005, p. 168):

Com efeito, na hipótese do inciso I, quando a lei refere aos benefícios que o prejudicado teria obtido se a violação não tivesse ocorrido, ela está consagrando a possibilidade de indenização de lucros cessantes. Mas nos dois incisos seguintes mescla critérios de aferição do enriquecimento sem causa. Os benefícios auferidos pelo autor da violação do direito (inciso II) e a remuneração pela licença de exploração do bem hipoteticamente devida ao titular do direto violado (inciso III) são hipóteses em que se descrevem aportes indevidos incorporados ao patrimônio do infrator do direito de propriedade e como tal devem ser restituídos com fulcro na sistemática de enriquecimento sem causa. Na feliz expressão de CARLOS FERNÁNDEZ-CÓVOA trata-se respectivamente de hipóteses de restituição do lucrum emergens e do damnum cessans.

E atendo-se exclusivamente à terceira hipótese de reparação prevista no art.

210 da Lei 9.279/96, manifesta-se Denis Borges Barbosa (2008, p. 31):

As peculiaridades da terceira modalidade descrita no art. 210 do CPI/96 tiveram descrição cuidadosa da doutrina. Tecnicamente, trata-se de uma forma de compensação do enriquecimento sem causa, essencial sempre que não se possam produzir provas de que a infração do direito benefiou ao infrator. Apesar de bastante discutida na doutrina comparada [...] essa fórmula é sempre útil e por vezes vantajosa.

Mas José Roberto de Castro Neves (2006, p. 217) traz exemplos práticos que

parecem destoar das lições acima:

Se a pessoa beneficiou-se sem causa em R$2 em detrimento de outra, que perdeu R$2, não haverá dúvida de que a restituição deve ser dos R$2, o que garantirá o equilíbrio patrimonial. Caso, entretanto, tenha havido um benefício de R$1, mas a perda tenha sido de R$2, a restituição será apenas de R$1,00. Afinal, o beneficiado não pode ser obrigado a dar mais do que obteve. Por último, pode o benefício ter sido de R$2, mas a perda de apenas R$1,00. Aqui, a restituição será de somente R$1,00, sob pena – atente-se – de haver um enriquecimento sem causa do lesado.

Em que pese a sobriedade da lição acima, estender tal forma de pensar aos

casos de enriquecimento sem causa por intervenção em patrimônio alheio daria azo

à impunidade, uma vez que o praticamente do ilícito, colocando na balança as

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perdas e danos a serem suportados pela vítima e os lucros que ele obteria com a

operação ilegal, optaria por ainda assim praticar a conduta repreensível, caso seus

lucros superassem os prejuízos da vítima. Na precisa conclusão de Maria Cândida

do Amaral Kroetz (2005, p. 159):

Nesta temática é de ter-se em conta que pode dar-se que o agente cometa um ilícito e deste ilícito resulte um lucro. O ilícito seria cometido ”cinicamente” visando à aferição de lucro. O agente previamente ponderaria os custos potenciais que a reparação de danos implicaria e as vantagens esperadas com a prática do ilícito antes de cometê-lo. Assim estaria se prevalecendo da lacuna do ordenamento para impunemente violar instituições fundamentais para o convívio social, tais como a propriedade, o contrato, as relações de confiança e assim por diante.

No que toca ao aproveitamento parasitário, contudo, poucas serão as

oportunidades em que se chocarão os lucros auferidos pelo empresário explorador e

os danos suportados pelo titular de um determinado sinal distintivo. Salvo nos casos

em que o comportamento parasitário efetivamente resultar em diluição do poder

atrativo da marca copiada, na maioria das situações o embate acima traçado não se

aplicará, eis que em geral tal modalidade de parasitismo não ocasiona danos

quantificáveis ao titular do sinal.

Em conclusão, deve-se entender que, se a tese do enriquecimento sem causa

se aplica também à concorrência confusória (LEITÃO, 2004, p. 29), esta que

normalmente não se encontra consubstanciada em direitos absolutos (como alhures

afirmado, protege-se pela via da concorrência desleal a marca de fato, não levada a

registro no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, ao passo que a marca

registrada ganha guarida específica, consistindo até mesmo em crime a sua

violação), não há motivo para não se estender tal edificante espécie de

enriquecimento injusto aos casos de aproveitamento parasitário havido entre não

concorrentes.

Partilha desse mesmo entendimento Marcelo Leite da Silva Mazzola (2004, p.

48):

Como visto, sempre que uma pessoa se utilizar do prestígio, fama, renome, das criações e experiências de terceiros, obtidos e construídos com dispêndio de numerário e criatividade, para promover-se, sem nenhum risco, a custo daquele, ainda que não exista uma relação de concorrência ou ainda a intenção de prejudicar, estará caracterizado o aproveitamento parasitário.

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Em todas essas situações, em que muitas vezes não existem danos emergentes ou lucros cessantes a serem ressarcidos, defende-se aqui a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, previsto no art. 884 do Código Civil, como forma de penalizar o parasita pelo ato ilícito cometido, pois, como destacado, a finalidade precípua do princípio em cotejo não é eliminar o dano causado ao lesado e sim evitar o enriquecimento indevido do lesante. Criar obstáculos para a aplicação do artigo 884 do Código Civil, é o mesmo que estimular o enriquecimento sem causa, pois especialmente nos casos em que não há uma base legal adequada e específica para amparar o pleito indenizatório, acabaria surgindo um vácuo legislativo, que, em tese, inviabilizaria o pedido de condenação do lesante ao ressarcimento de tudo aquilo que auferiu indevidamente.

Assim, o empresário que vier a ter um elemento de identificação apropriado

indevidamente por empresa ou comerciante que atue em ramo negocial distinto,

poderá valer-se do instituto do aproveitamento parasitário – se presentes, no caso

concreto, todos os elementos que o caracterizam9 – para pleitear não somente a

paralisação imediata do parasitismo, mas também o ressarcimento de seus danos –

se comprovadamente existentes – e a restituição de tudo aquilo que o violador

efetivamente auferiu com a empreitada desleal.

5.4 A importância da prova pericial

Avaliados na abertura deste capítulo os casos julgados pelo Judiciário, fica

latente a importância de uma boa condução probatória em ações envolvendo

aproveitamento parasitário. No caso envolvendo a marca “Chicletes”, os

desembargadores do Tribunal Federal da 2ª Região (Ap. Cível 1999.51.01.004037-

1/RJ) entenderam pela inexistência do parasitismo por não ter restado devidamente

comprovada a utilidade que teria a empresa dedicada ao setor de vestuário com a

associação à marca famosa da goma de mascar.

No caso Yahoo!, (SÃO PAULO, Tribunal de Justiça, Ag. de Instrumento

239.154-4/5-00) foi graças à prova pericial que denotou-se a fama da marca utilizada

pelos usuários da Internet (embora não suficiente para caracterizá-la como marca de

alto renome) – foi realizada por perito pesquisa diretamente com transeuntes –, bem

9 Cf. seção 4.2.

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como a associação indevida que o público fazia entre os dois símbolos em disputa.

Também por meio da prova pericial ficou caracterizada a aproximação visual entre

as duas marcas, o que conduziu à conclusão de que era intenção da empresa titular

da goma de mascar “Yahoo!” fazer associação à marca atuante em setor

absolutamente diverso.

Assim, destacam-se, em linhas gerais, os pontos que, em ações judiciais do

gênero, demandam a expertise e a avaliação de peritos especialistas:

a) aferição do grau de fama ou notoridade de uma marca, que se alega ter

sido copiada;

b) aferição do grau de aproximação entre a marca original e a parasita;

c) quantificação de lucros cessantes e danos emergentes decorrentes do

parasitismo;

d) cálculo do enriquecimento do parasita.

Não se ocupando o advogado de uma boa e contundente conformação probatória,

poderá ver indeferido seu pleito indenizatório, ou mesmo o julgamento de

inexistência de parasitismo.

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6 CONCLUSÃO

O aproveitamento parasitário é um fenômeno concreto, que constantemente

(há décadas) visita os tribunais, sendo normalmente reprimido pelo Judiciário.

Também no âmbito administrativo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial –

INPI o parasitismo é repreendido, nos casos em que se deposita para fins de

registro uma marca, parecida com outra assumida por terceiro e que é dotada de

certa fama – mas sem constituir propriamente uma marca de alto renome –, para

aplicação em segmento diverso do mercado. Aliás, no âmbito desta autarquia o

tema foi discutido com grande veemência, notadamente antes do advento da nova

Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) e do novo Código Civil, com vistas à

definição de sua natureza jurídica.

Deste modo, não se pode hoje concluir que o Direito não recrimina tal

conduta, por faltar-lhe antijuridicidade. Isso seria recuar no tempo, dando um passo

para trás na marcha robusta de desenvolvimento do instituto. Resta hoje unicamente

contribuir para melhor fundamentar e justificar tal repressão que, se é praticamente

unívoca nas lições dos doutrinadores, nem sempre o é no Judiciário.

Assim como é ilegal a conduta de um terceiro que faz uso de uma marca de

alto renome em classe distinta da normalmente utilizada pelo seu titular, eis que

geraria um beneficiamento ao imitador que não lhe seria devido, também não é

razoável que alguém utilize qualquer outra marca alheia, em ramo comercial distinto,

para se beneficiar da “herança genética” (informações diretas e subconscientes que

o símbolo transporta) e da sua fama – ainda que essa fama seja regional, restrita, a

ponto de o símbolo não consistir em uma marca de alto renome.

A diferença entre a repressão no primeiro caso – marca de alto renome – e no

segundo – aproveitamento parasitário de marca que não seja considerada notória –

não é sutil. Aquela é feita de modo abstrato (embora impulsionada primeiramente

por um caso concreto, apresentado perante o Instituto Nacional da Propriedade

Industrial – INPI), resultando no reconhecimento ao titular da marca de um direito

oponível erga omnes de proteção em todas as classes econômicas, o que torna por

conseguinte ato ilícito a sua apropriação indevida por terceiros. Já a repressão ao

comportamento parasitário é feita de modo concreto, caso a caso, erga alios e

necessariamente perante o Poder Judiciário.

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Partindo-se da premissa de que o aproveitamento parasitário é, portanto, uma

situação concreta, que não merece recuada por parte dos doutrinadores e dos

magistrados, é mister fundamentar a sua natureza jurídica, de modo a que

transcorram de forma homogênea e uniforme as ações judiciais que se debruçam

sobre situações de parasitismo – o que não ocorre atualmente, com uma série de

julgados sobre o tema desconexos entre si, sem uma coerência científica a constituir

uma unidade precisa.

Se se justificar a repressão com base no ato ilícito, a tese é falha, devido ao

não reconhecimento ao proprietário do símbolo expropriado de um direito subjetivo

erga omnes de proteção em todos os segmentos do mercado. Como visto, impera

em geral nos regimes de proteção aos elementos de identificação da empresa, duas

limitações ao alcance do direito de exclusividade: os princípios da especialidade (o

símbolo é protegido unicamente na área da efetiva atuação econômica do titular) e o

da territorialidade (ele é protegido unicamente na porção territorial alcançada pela

empresa, seu produto ou seu serviço).

Igualmente trôpega seria a tese caso a rejeição fosse justificada unicamente

com base na concorrência desleal. Isso porque é pressuposto dessa ilicitude

prevista na Lei de Propriedade Industrial a existência de uma situação de efetiva

concorrência. Ou seja, para que tenha lugar a concorrência desleal (e sua espécie

concorrência parasitária), devem os dois agentes econômicos disputar um mesmo

mercado, em termos territoriais, temporais e relativamente a um mesmo segmento.

E a característica essencial do aproveitamento parasitário é justamente a ausência

de concorrência direta ou mesmo indireta entre os empresários, tornando frágil a

sustentação do ilícito somente com base na concorrência desonesta.

O abuso do direito parece ser uma alternativa viável. Recentemente

incorporado de forma direta no art. 187 do Código Civil de 2002, ele reafirma a

antijuridicidade do exercício de um direito quando se ultrapassar o seu fim

econômico e social, ou quando contrariar a boa-fé objetiva e os bons costumes: o

direito exercido pelo parasita seria o da livre iniciativa – a possibilidade de livremente

utilizar símbolos de identificação que não constituam direitos absolutos de terceiros;

contudo, o exercício de tal direito ultrapassaria a medida necessária para se

alcançar o seu fim social e econômico, denotando assim uma situação abusiva.

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Mas se o empresário que teve o símbolo copiado não possui direito subjetivo

sobre ele, para além de um mercado físico ou em outras áreas de atuação

econômica, se não sofreu prejuízo em decorrência do parasitismo e se não figura

como concorrente do parasita, qual seria a sua justificativa – a sua legitimidade –

para se socorrer do Judiciário? E, complementarmente, quais seriam os seus

pedidos em uma ação judicial fundamentada no parasitimo? Não parece ser difícil

obter a abstenção do uso do símbolo. O desafio mora em eventual pedido de

indenização. O fato de inexistir prejuízo – ou dele ser praticamente impossível de ser

quantificado – se afigura como um dificultador. Mas, por outro lado, se é ato

antijurídico o parasitismo, como demonstrado, seria injusto que ele não fosse

acompanhado de algum tipo de penalidade.

É com base no enriquecimento sem causa que a sanção pecuniária tem lugar.

Ora, se o aproveitamento parasitário é antijurídico (uma ilegalidade), por consistir no

abuso do direito à livre iniciativa, o enriquecimento dele resultante não é

fundamentado em uma causa legítima. Desta forma, a penalidade aplicável – além

da abstenção do uso do símbolo – é a restituição dos lucros que o empresário

imitador auferiu com o empreendimento. O titular do signo copiado poderá pleitear a

restituição ainda que não comprove prejuízos, com base na teoria do enriquecimento

sem causa por intervenção.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC. 37/SP. O registro de marca é atributivo do direito de propriedade, podendo o titular impedir a reprodução total ou parcial, que induza em erro, sendo irrelevante para o Direito Penal a classificação administrativa de marcas. Rel. Min. Jesus Costa Lima. Quinta Turma. DJU, Brasília, 02 ago. 1989, p. 13329. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ap. Cível 1999.51.01.004037-1/RJ. Rejeita a alegação de ocorrência de aproveitamento parasitário envolvendo a marca “Chicletes”. Juíza Fed. conv. Márcia Helena Nunes. Primeira Turma Especializada. DJU. Brasília, 11 mar. 2008, p. 73. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ap. Cível 1999.51.01.007407-1/RJ. Aproveitamento parasitário envolvendo a marca “Martini”. Rel. Juíza Fed. conv. Márcia Helena Nunes. Primeira Turma Especializada. DJU. Brasília, 06 jun. 2009, p. 141. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ap. Cível 2000.02.01.002579-7/RJ. Aproveitamento parasitário envolvendo a marca “Bubballo”. Rel. Juiz Fed. conv. Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Primeira Turma Especializada. DJU. Brasília, 30 out. 2007, p. 247-248. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ap. Cível 2001.02.01.019450-2/RJ. Rejeita a alegação de ocorrência de aproveitamento parasitário envolvendo a marca “Suzuki”. Rel. Des. Fed. Abel Gomes. Primeira Turma Especializada. DJU. Brasília, 03 out. 2008, p. 129. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ap. Cível 2002.02.01.010302-1/RJ. Aproveitamento parasitário envolvendo a marca “Bubbilicious”. Rel. Juíza Fed. conv. Marcia Helena Nunes. Primeira Turma Especializada. DJU. Brasília, 10 out. 2006, p. 257. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ap. Cível 2003.51.01.511874-4/RJ. Aproveitamento parasitário envolvendo a marca “Leite de Rosas”. Rel. Juíza Fed. conv. Márcia Helena Nunes. Primeira Turma Especializada. DJU. Brasília, 22 nov. 2007, p. 415. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ap. Cível 94.02.04622-4/RJ. Acata a alegação de ocorrência de colidência de marcas e concorrência desleal, mas declara a impossibilidade de se fixar uma indenização. Rel. Des. Fed. Frederico Gueiros. Primeira Turma. DJU. Brasília, 04 abr. 1996, p. 21599. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ap. Cível 97.02.35491-9/RJ. Acata a alegação de ocorrência de colidência de marcas e concorrência desleal envolvendo a marca “Lilly Baby”, mas declara a impossibilidade de se fixar uma indenização, já que o autor não trouxe prova de prejuízo e este não pode ser presumido. Rel. Des. Fed. Rogério Carvalho. Quarta Turma. DJU. Brasília, 17 jan. 2003, p. 95.

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